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Silvano Bungo APOSTILA LINGUÍSTICA

ABORDAGEM METODOLÓGICA DE ALGUNS CONTEÚDOS


GRAMATICAIS
Com certa frequência (alguns) professores têm mais preocupação em fazer os alunos
decorarem as definições e as regras, muitas vezes, desfasadas da prática. Por exemplo,
quantos professores trabalham a SINTAXE na óptica construção/interpretação da frase:
O que se assiste no ensino da sintaxe é quase sempre a chamada análise sintáctica,
constituindo esta identificação dos elementos sintáticos de orações.

Ora, o que propomos é, precisamente, o percurso inverso: construir a gramática, isto é,


ser o que o aluno que (no nível do estudo da sintaxe) a partir de um núcleo muito
reduzido vá agregando os elementos, tornando a frase simples em plurimembre e/ou
complexa.

Exemplos:

Choveu

Solicita-se aos alunos que vão acrescentando elementos à frase:

 Uma circunstância de tempo: Ontem choveu.


 Uma circunstância de lugar: Ontem choveu no Cuilo.
 Uma oposição ou contradição à ideia inicial: Ontem choveu no Cuilo,
mas não me apercebi.
 Uma circunstância de causa que que justifique a ideia anterior:
Ontem choveu no Cuilo, mas não me apercebi porque estava a dormir.
 Uma comparação para a última acção: Ontem choveu no Cuilo, mas
não me apercebi porque estava a dormir como uma pedra.

Assim se vão abordando os diferentes elementos da oração e, sendo os alunos a


construí-los, eles terão muita facilidade em compreendê-los e em identificá-los
propositadamente.

Resulta muito mais acessível para os alunos que em vez de indicar os elementos da
oração principal na/da construção da frase: Por exemplo, pretende-se tratar o conteúdo
vocativo.

a) Apresenta-se à turma uma frase em que esse elemento esteja omisso:


Ex.: Feche a porta.

B) Solicita-se aos alunos que acrescentem à frase o nome da pessoa a quem se dirige o
pedido ou ordem. O resultado será uma série de vocativos sugeridos pelos alunos e um
maior dinamismo na aula:
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Feche a porta, Muacandala

líder

colega

menino

Dr.

Vocativo

Proceder-se-á da mesma maneira para os restantes elementos da oração.

É importante associar sempre, na análise sintáctica, a perspectiva construtiva articulada


à perspectiva relacional, isto é, estudar as classes morfológicas das palavras na frase
associada às funções na frase. No exemplo acima, no âmbito e na perspectiva relacional
(sintagmática) o aluno identificaria aquelas palavras palavras (Muacandala, líder, etc.)
como vocativo; na perspectiva estrutural (paradigmática) ele indicará a perspectiva
categoria morfológica.

A classificação de orações subordinadas pode e deve, igualmente, ser tratada nesta


perspectiva: a partir de uma frase nuclear solicita-se aos alunos que agreguem outras
frases exprimindo diferentes circunstâncias:

Ex.: Ainda não fui ao Cuilo-Velho...

circunstância de causa

... por falta de tempo.

...porque nunca tive a oportunidade.

Vou ver este filme...

Circunstância de tempo

... quando tiver tempo

Vou ver este filme...

Condição

... se tiver tempo

A partir deste exercício poder-se-á mais facilmente trabalhar as conjunções.


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a) Explica-se aos alunos que as palavras servem de ponte entre uma e outra oração ou que
as ligam são as conjunções.
b) Solicita-se aos alunos que localizem as conjunções;
c) Explicasse-lhes que a designação das conjunções subordinadas corresponde ao nome
que a oração tiver e esta, por sua vez, se designa consoante a respectiva função: de
substantivo, de adjectivo ou de uma circunstância determinada.

Pode-se, igualmente, apresentar material para duas frases simples que os alunos
transformem numa frase complexa, consoante a orientação.

Exemplo com Casos Práticos:

Ex.: a febre aumentar / consultar o médico

a) Consecutiva___________________________________________________
_
b) Causal________________________________________________________
c) Temporal______________________________________________________
d) Condicional____________________________________________________
e) Concessiva____________________________________________________
_

Posteriormente poderá apresentar-se um esquema para que o aluno construa uma frase
complexa. Começa-se por esquemas simples:

Principal+ adjectiva

Principal +causal

Principal+ temporal

A CRIANÇA E A AQUISIÇÃO DA GRAMÁTICA


Carlos Reis, professor da Universidade de Coimbra, considera que acriança passa por
cinco etapas de aprendizagem da Gramática;

1. FASE DA RECRIAÇÃO: é apropriação inconsciente da língua pela criança,


nos primeiros anos de vida;

2. FASE DA CRIAÇÃO DE HIPOTÉSES: é a fase da analogia, o momento em


que a criança diz, por exemplo, “fazi”, “dizi”, ovo, “sabo”;
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3. FASE DA ACEITAÇÃO: com a escola a criança começa a aderir às propostas


veiculadas pelos outros, sobretudo os adultos, detentores de prestígio a seus
olhos modelos de produção linguística. É para ela uma fase difícil, pois, o ensino
exige apreensão de regras conseguidas mais por esforço de memória do que
compreensão.

4. ETAPA DA COMPREENSÃO: coincide com o desenvolvimento geral da


capacidade de abstração, por volta dos 14/15anos. Nesta fase, de acordo os
momentos circulares, presume-se que os conhecimentos gramaticais já estejam
adquiridos. Quer dizer, para a maior parte dos alunos, no mento em que
deveriam começar a aprender a gramática (entenda-se gramática excplícita) já os
programas consideram tal ensino concluído. Há, portanto, um desajuste entre os
conteúdos pragmáticos e o nível de desenvolvimento mental do aluno;

5. FASE DA INVESTIGAÇÃO: dá-se na idade adulta e pressupõe não só o


conhecimento das regras como a sua compreensão.

Celso Pedro Luf indica os caminhos que levarão ao ensino eficaz da língua:

1. A aprendizagem da língua deve realizar-se por um processo natural, isto é, expor


a criança a actos de fala. Intuitivamente ela aprenderá as regras subjacentes que
regem os tais actos. A seguir, partindo-se do conhecido para o desconhecido,
vai-se ampliando e reforçando o seu horizonte de conhecimentos linguísticos.
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NA AULA DE CLASSIFICAÇÃO MORFOLÓGICA

O que é ‘’sonho’’ morfologicamente

No nível da gramática normativa, a morfologia está intrinsicamente ligada à sintaxe, isto


é, embora a morfologia, segundo Estrela et al. (2015, p. 59) citada por Adílson João seja
a [parte] da gramática que estuda a natureza e a forma e das palavras, segundo a classe,
o género, o número, o grau, a pessoa, o tempo, o modo [...], ou seja, estuda a natureza
das palavras, mas a natureza é determinada, porque é apresentada numa frase – o
objecto do estudo da sintaxe, em que a(s) palavras(s) te(ê)m sentido(s) (semântico),
logo, são indispensáveis à sintaxe e à semântica, quando o assunto for análise
morfológica.

É erro dizer/questionar, como muito se vê e ouve - o que é X morfologicamente.

Justificamo-nos:

Porque, isoladamente, a palavra não se determina a sua carga (morfológica). Fora de um


eixo sintagmático, ou seja, enquanto as palavras estiverem isoladas, as palavras não têm
cargas (senão alguns vocábulos). A carga (morfológica) de uma palavra é marcada
numa (sintaxe), entendendo o real significado (semântico) dentro do eixo sintagmático.

Em linhas gerais, importa destacar que apresentar a classe de uma palavra fora de uma
frase e sem saber o seu significado na frase é um pé ao equívoco. Queremos, com isso,
dizer que a determinação da palavra morfologicamente depende do seu significado na
frase.

Para compreensão, vamos ao exemplo:

1. Eu SONHO com os céus. Para essa frase, a palavra tem o sentido de um (verbo),
forma verbal, conjugada na primeira pessoa do singular, tempo presente e modo
indicativo.

2. O sonho foi realizado. Aqui, por exemplo, pelo sentido, estamos diante de um nome
abstracto, género masculino, número singular e grau normal.
Silvano Bungo APOSTILA LINGUÍSTICA

PENSAR EM COKWE/KIKONGU... E MATERIALIZAR EM PORTUGUÊS:


NÃO HÁ IMPLICAÇÕES

É urgente que a educação escolarizada, em Angola, (re)pense os diversos saberes dentro


duma sociedade. Além do mais ela é, também, segundo a linguista Vaz (1981), o
veículo por excelência da cultura de um grupo e de um povo. A título de exemplo, nasci
e cresci num contexto bi[tri]lingue. Ora falava português, ora a língua local. Facto que,
no entanto, fez hoje, em (quase) toda região Leste as instituições viverem o imperativo
de monolíngue do Estado. Isso não é motivo de achar estranho. É muito normal! Assim,
querendo ou não, temos de admitir que este facto se repercute por: (i) termos no
processo de ensino e aprendizagem adolescentes, jovens e adultos que falam
simultaneamente língua local e português, (ii) evitar a perpetuação da exclusão social
em sala de aula e (iii) evitar a desvalorização das nossas línguas locais.

Contextualização: No município do Cuilo, concretamente nas localidades do


Muamulombi e Camuenda (só para citar algumas), há criança que falam mais a língua
local que o português, o que pode provocar implicações na aprendizagem sustentável
dos conhecimentos. Neste entretanto, o professor tem de usar a Lei do Equilíbrio, i.e.,
conciliar os diálogos. Explicar em português e, igualmente, exemplificar na língua
Cokwe/Urunda* (caso for necessário). O processo é o mesmo para uma criança que
nasceu em Negage, Uige, na localidade do Cuembe e por aí vai.
Silvano Bungo APOSTILA LINGUÍSTICA

CONCLUSÃO

É necessário redimensionar o ensino da gramática, ver esta disciplina como recurso da


língua e não o fim do ensino da língua. Nesta óptica, sempre que numa aula de língua se
introduzir um conteúdo gramatical, deve pensar-se e actuar-se no sentido de que esse
conteúdo sirva para um melhor desempenho linguístico contribuindo, assim, para
alcançar a almejada competência linguística. A exigência à memorização passiva de
regras gramaticais e de definições deve ser abolida.

A aula de Português tem de ser, prioritariamente, uma aulas de língua e não a teoria
linguística. Quando se insiste nas definições, na memorização, por exemplo, dos
adjectivos, dos verbos, das conjunções, etc., não se está, com certeza, a dar uma aula de
língua. Ensinar a ouvir e compreender o que ouve, a falar, a ler, a compreender o que lê
e a escrever são grandes metas do ensino da Língua Portuguesa. O facto de o aluno, por
exemplo, saber definir ‘’adjectivos’’ e papaguear todos os adjectivos não é garantia para
ele usar correctamente esta classe de palavras.

É tempo, pois de na nossa Escolas Angolana, se começar a encarar as aulas de Língua


Portuguesa, numa perspectiva diferente. Dotá-las de maior dinamismo e diversidade,
garantindo a motivação dos alunos e uma maior eficácia do ensino.
BIBIOGRAFIA

Estela, E. et all. (2015). Saber Escrever Saber Falar: Um Guia completo


para usar correctamente a língua portuguesa. Portugal: Dom Quixote.

LUF, C.P.(2012). Subsídios para o Ensino Adequado da Gramática (3ª


ed.): São Paulo: Cengage Leaming.

Reis, R.(2010). A gramática do Português. Coimba: Zahar.

Vaz, C.A.(1981). O que se Ensina e o se Fala: um olhar ao ensino da


gramática. São Paulo: Atlas.

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