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Manual do Curso de Licenciatura em Gestão de Recursos

Humanos

Sociologia de Trabalho e das Organizações

ENSINO ONLINE. ENSINO COM FUTURO 2023


ENSINO ONLINE. ENSINO COM FUTURO

2º ANO : Sociologia de Trabalho e das organizações

CÓDIGO ISCED1-RH14

TOTAL HORAS/ 2 150


SEMESTRE
CRÉDITOS (SNATCA) 6
NÚMERO DE TEMAS
Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade da Universidade Aberta ISCED (UnISCED), e contém reservados


todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução parcial ou total deste manual, sob
quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou
outros), sem permissão expressa de entidade editora (Universidade Aberta ISCED).

A não observância do acima estipulado o infractor é passível a aplicação de processos judiciais


em vigor na República de Moçambique.

Universidade Aberta ISCED (UnISCED)


Vice-Reitoria Académica

Dr. Almeida Lacerda, No 212


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Website: www.unisced.ac.mz
Agradecimentos

A Universidade Aberta ISCED (UnISCED) e o autor do presente manualagradecem a colaboração


dos seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste manual:
Pela Coordenação Vice-Reitoria Académica da UnISCED

Pelo design Direção de Qualidade e Avaliação da UnISCED


Financiamento e Logística
Instituto Africano de Promoção da Educação
a Distância (IAPED)

Pela Revisão:

Elaborado Por: Eugénio Gujamo, licenciado em Sociologia


Índice

Visão geral 3

Benvindo ao Módulo de Sociologia de trabalho e das Organizações ................................ 1


Objectivos do Módulo ....................................................................................................... 2
Quem deveria estudar este Módulo ................................................................................... 4
Como está estruturado este módulo ................................................................................... 4
Ícones de actividade ........................................................................................................... 6
Habilidades de estudo ........................................................................................................ 6
Precisa de apoio? ............................................................................................................... 9
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) .................................................................................. 9
Avaliação .........................................................................................................................10
Introdução ........................................................................................................................ 11

Unidade I - Sociologia, relações sociais e convivência humana 15

1.1 Relações Sociais ........................................................................................................ 18


1.2 Tecnologia e relação social ........................................................................................ 23
1.3 A convivência humana ............................................................................................... 26

Unidade 2 - O Sentido Ontológico do Trabalho 33

2.1 História, Sociedade e Trabalho .................................................................................. 38


2.1.1 Sociedade Moderna e Trabalho .................................................................... 38
2.1.1.1 Acumulação primitiva de capital ...................................................... 42
2.1.1.2 O Renascimento ................................................................................ 46
2.1.1.3 A Reforma Protestante ..................................................................... 46
2.1.1.4 Os Estados Nacionais Aristocráticos ................................................. 48
2.1.1.5 Estado Nacional e Mercantilismo ..................................................... 52
2.1.2 O Iluminismo e a Razão ................................................................................. 53
2.1.3 Sociedade Contemporânea e Trabalho ................................................... 54
2.1.3.1 Capitalismo e Contestação do Mundo do Trabalho ......................... 56
2.1.3.2 As Novas Morais................................................................................58

1
.1 Processo de socialização e formação da cultura ........................................................ 76
2
.2 Personalidade, socialização e cultura…………………………………………….84
3.2.1 Elementos da cultura.....................................................................................86

i
2.2 Globalização e Reestruturação Produtiva.................................................................. 60
2.2.1 Crise Capitalista dos Anos 70 e a Reestruturação Produtiva ........................ 61
2.2.2 Aspectos da Globalização.............................................................................. 64
2.2.3 Reestruturação Económica e Desemprego................................................... 66
2.2.4 Globalização e Reestruturação Produtiva nos Países periféricos ................. 68
2.2.5 Qualidade e Exclusão Social .......................................................................... 70
2.2.6 Reestruturação Produtiva, Trabalhador Polivalente e Educação.................. 71

Unidade 3 - Socialização e Formação da cultura 76


Unidade 4 - As Organizações 97

4.1 Conhecendo uma organização....................................................................................97


4.1.1 Conceitos de organização ............................................................................ 100
4.1.1.2 Formalidade e informalidade ......................................................... 103
4.1.1.3 Tipos de organizações ..................................................................... 107
4.2 Comportamento social e comportamento organizacional ........................................ 112
4.2.1 Posição social e status ................................................................................. 115
4.3 Processos organizacionais: Poder, Liderança e Comunicação ................................ 119
4.3.1 O Poder e seus impactos ............................................................................. 119
4.3.1.1 A natureza do poder nas organizações ........................................... 119
4.3.1.2 Bases e fontes de poder .................................................................. 121
4.3.2 A liderança ................................................................................................... 123
4.3.2.1 Conceito de Liderança.....................................................................124
4.3.2.2 Gestores versus líderes ................................................................... 125
4.3.2.3 Abordagens da Liderança................................................................126
4.3.2.3.1 Abordagem dos Traços e Competências ............................. 127
4.2.3.2 Abordagem Comportamental ......................................................... 131
4.3.2.3 As Abordagens Contingenciais ........................................................ 134
4.3.2.4 Comportamentos de Liderança ...................................................... 136
4.3.3 Comunicação ............................................................................................... 137
4.3.3.1 Comunicação organizacional .......................................................... 138
4.3.3.1.1 Tipos de comunicação ......................................................... 138
4.3.3.2 Barreiras à comunicação organizacional ........................................ 141
4.3.3.3 Comunicação e mudança organizacional........................................143
4.3.3.4 Comunicação e motivação organizacional......................................145

Unidade 5 - Contexto social, Administração e cultura da organização 151

5.1 Cultura e organização .............................................................................................. 151


5.1.1 Contexto social ............................................................................................ 157
5.2 Estruturas de relacionamento ................................................................................... 162
Unidade 6 – Cultura das organizações: características, classificação e intervenção 177

6.1 Cultura das organizações: um pouco de história ..................................................... 177


6.2 As variáveis culturais e a Análise Transaccional ..................................................... 182
6.2.1 Outras variáveis culturais ............................................................................ 190
6.3 Buscando conhecer a cultura de uma organização .................................................. 192
6.3.1 Intervenção na organização ........................................................................ 196
6.3.2 Como a Análise Transaccional interpreta estados do EU ........................... 198
Resumo.......................................................................................................................... 200
Exercício de consolidação ............................................................................................ 201
Exercícios Modular ........................................................................................................ 204

Bibliografia 206

3
Visão geral

Introdução

Benvindo ao Módulo de Sociologia de trabalho e das Organizações

Esta disciplina tem por objectivo analisar as condições sociais que estão
na génese das organizações de trabalho, as alterações que estas
trouxeram à vida quotidiana e familiar dos seus trabalhadores, bem
como o impacto das próprias organizações de trabalho na sociedade

Objectivos do Módulo

Ao terminar o estudo deste módulo de Sociologia de trabalho e das


Organizações deverá ser capaz de:

• Conhecer o impacto da Revolução Industrial nas formas de


relacionamento das pessoas, nas estruturas sociais e nas
formas de organização social.

Objectivos Distinguir os diferentes modelos de organizações de trabalho e


Específicos perceber que, face a cada modelo, a administração poderá
perspectivar os seus colaboradores em função do mesmo, e de
acordo com isso agir em conformidade.

• Dominar as problemáticas básicas que ocorrem no interior das


organizações de trabalho, estando por isso apto a escolher as
melhores estratégias na profissão de gestor, relativamente aos
processos de comunicação, conflito e de liderança.
Quem deveria estudar este Módulo

Este Módulo, Sociologia de trabalho e das Organizações, foi concebido


para estudantes do 2º ano do curso de Licenciatura em Gestão de
Recursos Humanos. Contudo, poderá ocorrer, que haja leitores que
queiram se actualizar e consolidar seus conhecimentos nessa disciplina,
esses serão bem-vindos, não sendo necessário para tal se inscrever. Mas
poderá adquirir o manual.

Como está estruturado este módulo

Este módulo de Sociologia de trabalho e das Organizações, para


estudantes do 2º ano do curso de licenciatura em Gestão dos Recursos
Humanos, à semelhança dos restantes da UnISCED, está estruturado
comose segue:
Páginas introdutórias. Um

índice completo.

Uma visão geral detalhada dos conteúdos do módulo, resumindo


os aspectos-chave que você precisa conhecer para melhor estudar.
Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes
de começar o seu estudo, como componente de habilidades de
estudos.

Conteúdo desta Disciplina / módulo

Este módulo está estruturado em Temas. Cada tema, por sua vez
comporta certo número de unidades temáticas ou simplesmente
unidades. Cada unidade temática se caracteriza por conter uma
introdução, objectivos, conteúdos.

5
No final de cada unidade temática ou do próprio tema, são
incorporados antes o sumário, exercícios de auto-avaliação, só
depois é que aparecem os exercícios de avaliação.

Os exercícios de avaliação têm as seguintes características: Puros


exercícios teóricos/Práticos, Problemas não resolvidos e actividades
práticas algunas incluído estudo de caso.

Outros recursos

A equipa dos académica e pedagogos da UnISCED, pensando em si,


num cantinho, recôndita deste nosso vasto Moçambique e cheio de
dúvidas e limitações no seu processo de aprendizagem, apresenta
uma lista de recursos didácticos adicionais ao seu módulo para você
explorar. Para tal a UnISCED disponibiliza na biblioteca do seu
centro de recursos mais material de estudos relacionado com o
seu curso como: Livros e/ou módulos, CD, CD-ROOM, DVD. Para
elém deste material físico ou electrónico disponível na biblioteca,
pode ter acesso a Plataforma digital moodle para alargar mais
ainda as possibilidades dos seus estudos.

Auto-avaliação e Tarefas de avaliação

As Tarefas de auto-avaliação para este módulo encontram-se no


final de cada unidade temática e de cada tema. As tarefas dos
exercícios de auto-avaliação apresentam duas características:
primeiro apresentam exercícios resolvidos com detalhes. Segundo,
exercícios que mostram apenas respostas.
Tarefas de avaliação devem ser semelhantes às de auto-avaliação
mas sem mostrar os passos e devem obedecer o grau crescente de
dificuldades do processo de aprendizagem, umas a seguir a outras.
Parte das tarefas de avaliação será objecto dos trabalhos de campo
a serem entregues aos tutores/docentes para efeitos de correcção
e subsequentemente nota. Também constará do exame do fim do
módulo. Pelo que, caro estudante, fazer todos os exercícios de
avaliação é uma grande vantagem. Comentários e sugestões
6
Use este espaço para dar sugestões valiosas, sobre determinados
aspectos, quer de natureza científica, quer de natureza
didácticoPedagógica, etc, sobre como deveriam ser ou estar
apresentadas. Pode ser que graças as suas observações que, em
gozo de confiança, classificamo-las de úteis, o próximo módulo
venha a ser melhorado.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens
das folhas. Estes ícones servem para identificar diferentes partes do
processo de aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de
texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo

O principal objectivo deste campo é o de ensinar aprender a aprender.


Aprender aprende-se.

Durante a formação e desenvolvimento de competências, para facilitar a


aprendizagem e alcançar melhores resultados, implicará empenho,
dedicação e disciplina no estudo. Isto é, os bons resultados apenas se
conseguem com estratégias eficientes e eficazes. Por isso é importante
saber como, onde e quando estudar. Apresentamos algumas sugestões
com as quais esperamos que caro estudante possa rentabilizar o tempo
dedicado aos estudos, procedendo como se segue:

1º Praticar a leitura. Aprender a Distância exige alto domínio de leitura.

2º Fazer leitura diagonal aos conteúdos (leitura corrida).

3º Voltar a fazer leitura, desta vez para a compreensão e assimilação


crítica dos conteúdos (ESTUDAR).

4º Fazer seminário (debate em grupos), para comprovar se a sua


aprendizagem confere ou não com a dos colegas e com o padrão.

5º Fazer TC (Trabalho de Campo), algumas actividades práticas ou as de


estudo de caso se existirem.

7
IMPORTANTE: Em observância ao triângulo modo-espaço-tempo,
respectivamente como, onde e quando...estudar, como foi referido no
início deste item, antes de organizar os seus momentos de estudo reflicta
sobre o ambiente de estudo que seria ideal para si: Estudo melhor em
casa/biblioteca/café/outro lugar? Estudo melhor à noite/de manhã/de
tarde/fins-de-semana/ao longo da semana? Estudo melhor com
música/num sítio sossegado/num sítio barulhento!? Preciso de intervalo
em cada 30 minutos, em cada hora, etc.

É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido estudado
durante um determinado período de tempo; Deve estudar cada ponto
da matéria em profundidade e passar só ao seguinte quando achar que
já domina bem o anterior.

Privilegia-se saber bem (com profundidade), o pouco que puder ler e


estudar, que saber tudo superficialmente! Mas a melhor opção é juntar
o útil ao agradável: saber com profundidade todos conteúdos de cada
tema, no módulo.

Dica importante: não recomendamos estudar seguidamente por tempo


superior a uma hora. Estudar por tempo de uma hora intercalado por 10
(dez) a 15 (quinze) minutos de descanso (chama-se descanso à mudança
de actividades). Ou seja, que durante o intervalo não se continuar a
tratardos mesmos assuntos das actividades obrigatórias.

Uma longa exposição aos estudos ou ao trabalho intelectual obrigatório,


pode conduzir ao efeito contrário: baixar o rendimento da
aprendizagem. Por que o estudante acumula um elevado volume de
trabalho, em termos de estudos, em pouco tempo, criando
interferência entre os conhecimentos, perde sequência lógica, por fim
ao perceber que estuda tanto, mas não aprende, cai em insegurança,
depressão e desespero, por se achar injustamente incapaz!

8
Não estude na última da hora; quando se trate de fazer alguma
avaliação. Aprenda a ser estudante de facto (aquele que estuda
sistematicamente), não estudar apenas para responder a questões de
alguma avaliação, mas sim estude para a vida, sobre tudo, estude
pensando na sua utilidade como futuro profissional, na área em que está
a se formar.

Organize na sua agenda um horário onde define a que horas e que


matérias deve estudar durante a semana; Face ao tempo livre que resta,
deve decidir como o utilizar produtivamente, decidindo quanto tempo
será dedicado ao estudo e a outras actividades.

É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será uma


necessidade para o estudo das diversas matérias que compõem o curso:
A colocação de notas nas margens pode ajudar a estruturar a matéria
de modo que seja mais fácil identificar as partes que está a estudar e
pode escrever conclusões, exemplos, vantagens, definições, datas,
nomes, pode também utilizar a margem para colocar comentários seus
relacionados com o que está a ler; a melhor altura para sublinhar é
imediatamente a seguir à compreensão do texto e não depois de uma
primeira leitura; Utilizar o dicionário sempre que surja um conceito cujo
significado não conhece ou não lhe é familiar;

Precisa de apoio?

Caro estudante, temos a certeza que por uma ou por outra razão, o
material de estudos impresso, lhe pode suscitar algumas dúvidas como
falta de clareza, alguns erros de concordância, prováveis erros
ortográficos, falta de clareza, fraca visibilidade, página trocada ou
invertidas, etc.). Nestes casos, contacte os serviços de atendimento e
apoio ao estudante do seu Centro de Recursos (CR), via telefone, sms,
Email, se tiver tempo, escreva mesmo uma carta participando a
preocupação.
Uma das atribuições dos Gestores dos CR e seus assistentes (Pedagógico
e Administrativo), é a de monitorar e garantir a sua aprendizagem com
qualidade e sucesso. Dai a relevância da comunicação no Ensino a
Distância (EAD), onde o recurso as TIC’s se tornam incontornáveis:
entre estudantes, estudante – Tutor, estudante – CR, etc.
As sessões presenciais são um momento em que você caro estudante,
tem a oportunidade de interagir fisicamente com staff do seu CR, com
tutores ou com parte da equipa central do ISCED indigitada para

9
acompanhar as suas sessões presenciais. Neste período pode
apresentar dúvidas, tratar assuntos de natureza pedagógica e/ou
administrativa.
O estudo em grupo, que está estimado para ocupar cerca de 30% do
tempo de estudos a distância, é muita importância, na medida em que
permite lhe situar, em termos do grau de aprendizagem com relação
aos outros colegas. Desta maneira ficará a saber se precisa de apoio ou
precisa de apoiar aos colegas. Desenvolver hábito de debater assuntos
relacionados com os conteúdos programáticos, constantes nos
diferentes temas e unidade temática, no módulo.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e


auto avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é
importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues duas
semanas antes das sessões presenciais seguintes.
Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não
cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do
estudante. Tenha sempre presente que a nota dos trabalhos de campo
conta e é decisiva para ser admitido ao exame final da disciplina/módulo.
Os trabalhos devem ser entregues ao Centro de Recursos (CR) e os
mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docente.
Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo
os mesmos devem ser devidamente referenciados, respeitando os
direitos do autor.
O plágio3 é uma violação do direito intelectual do (s) autor(es). Uma
transcrição à letra de mais de 8 (oito) palavras do texto de um autor, sem
o citar é considerada plágio. A honestidade, humildade científica e o
respeito pelos direitos autoriais devem caracterizar a realização dos
trabalhos e seu autor (estudante da UnISCED).

Avaliação

Muitos perguntam: Com é possível avaliar estudantes à distância,


estando eles fisicamente separados e muito distantes do
docente/turor? Nós dissemos: Sim é muito possível, talvez seja uma
avaliação mais fiável e consistente.
Você será avaliado durante os estudos à distância que contam com um
mínimo de 90% do total de tempo que precisa de estudar os conteúdos
do seu módulo. Quando o tempo de contacto presencial conta com um

3 Plágio - copiar ou assinar parcial ou totalmente uma obra literária, propriedadeintelectual de outras pessoas, sem prévia autorização.

10
máximo de 10%) do total de tempo do módulo. A avaliação do estudante
consta detalhada do regulamentada de avaliação.
Os trabalhos de campo por si realizados, durante estudos e
aprendizagem no campo, pesam 25% e servem para a nota de frequência
para ir aos exames.
Os exames são realizados no final da cadeira disciplina ou modulo e
decorrem durante as sessões presenciais. Os exames pesam no mínimo
75%, o que adicionado aos 25% da média de frequência, determinam a
nota final com a qual o estudante conclui a cadeira.
A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da cadeira.
Nesta cadeira o estudante deverá realizar pelo menos 2 (dois) trabalhos e
1 (um) (exame).
Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizados como
ferramentas de avaliação formativa.
Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em
consideração a apresentação, a coerência textual, o grau de
cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as recomendações, a
identificação das referências bibliográficas utilizadas, o respeito pelos
direitos do autor, entre outros.
Os objectivos e critérios de avaliação constam do Regulamento de
Avaliação da UnISCED.

11
Introdução

O presente livro-texto pretende-se uma contribuição de carácter


introdutório, no âmbito de temas sociológicos e históricos, no sentido
de proporcionar uma instrumentação teórica e metodológica de
abordagem crítica da realidade actual. O enfoque buscará uma
perspectiva de totalidade da realidade a partir do mundo do trabalho.

O manual pretende-se constituir em um caderno didáctico básico e


disponível electronicamente, voltado para a disciplina Sociologia do
Trabalho e das Organizações. Enquanto material didáctico concebido
electronicamente nos permitirá a sua reapreciação e reestruturação
continuada a partir da avaliação permanente conduzida por alunos e
professores da disciplina.

Importa referir que, as primeiras aplicações das ciências do homem às


organizações, em especial às organizações públicas, datam de menos de
100 anos. Actualmente, em um movimento que começou nos anos de
1970, a concepção dessas organizações públicas não é mais aquela em
que o funcionário tinha sua rotina independentemente de tempo e de
espaço sócio-económico vigente: a administração era conduzida por um
conjunto fechado de funções que deveriam ser desempenhadas e os
clientes, isto é, os cidadãos que dela necessitassem, deviam se adaptar
a ela.

Hoje, cada vez mais, a organização pública deve prestar satisfação aos
cidadãos que a procuram, uma vez que estes têm consciência de que a
Administração Pública existe para satisfazer uma série de necessidades
que a vida moderna lhe impõe e que ela subsiste em razão dos impostos
pagos por esses cidadãos. Assim, os trabalhos realizados nas
organizações públicas devem ser posicionados sempre em uma via de

12
mão dupla: de um lado, a competência para o alcance das metas
propostas e, de outro, a relação directa com os cidadãos que nelas
buscam respostas para suas dificuldades de convivência.

Entender essa posição e as necessidades continuamente novas que se


estabelecem em um contexto altamente mutante dos tempos actuais é
a tarefa principal de uma nova filosofia da Administração Pública: não
se afectar pelos princípios e pelas práticas de tal filosofia é alimentar
uma paralisia tanto pessoal quanto organizacional.

Ao longo desta disciplina, vamos fazer um percurso rápido sobre os


principais factos e fenómenos que são objecto directo da ciência
sociológica e que, de um modo ou de outro, estão presentes nas
organizações. Este livro-texto foi estruturado de modo a permitir-lhe
uma compreensão gradativa dos fenómenos que estão vinculados às
relações humanas em qualquer lugar, especialmente nos ambientes
organizacionais.

Na Unidade 1, veremos como se dão as relações sociais, como o homem


as elabora e como elas, elaboradas pelo homem em seus espaços e
tempo, constroem uma rede que procura satisfazer as necessidades da
vida em sociedade; uma rede extraordinariamente complexa, que
envolve o homem desde seu nascimento e que chamamos de cultura.

Assim, na Unidade 2, entenderemos o trabalho enquanto um fenómeno


humano e social, bem como analisaremos as dinâmicas que lhe têm sido
empreendidas, do período que vai da Revolução Industrial até era
contemporânea/actual. Pelo que na Unidade 3, trataremos de
compreender como se forma a rede de relacionamentos que se
verificam no ambiente do trabalho e suas características por meio da
análise do processo de socialização.

13
Na Unidade 4, apresentaremos as principais características de uma
organização, seus tipos e suas estruturas de funcionamento. Como
complemento, faremos algumas considerações sobre o comportamento
social do homem nas organizações e sobre como, em maior ou menor
grau, esse comportamento se manifesta também ao longo de sua vida
pessoal.
Salientar que há necessidade premente de conhecer melhor as
organizações, de buscar sua melhoria, é cada vez mais sentida em
nossos dias, sobretudo pelo facto de que as relações que o homem
estabelece no mundo actual não são mais relações de indivíduo para
indivíduo, mas sim de indivíduo para organizações e de organizações
para indivíduo.

Essas organizações se constituem como os principais agentes sociais na


economia, na política, na educação ou em qualquer esfera que se queira
apontar; razão pela qual, faremos questão de destacar alguns processos
que ocorrem no seu das organizações tais como: o poder, a liderança e
a comunicação.

Por isso, na Unidade 5, aplicaremos às organizações os conceitos de


cultura explicitados na Unidade 3, no sentido de ver como determinadas
realidades pairam sobre o dia-a-dia dessas organizações, interferindo na
sua existência e na própria vida das pessoas que nelas trabalham. Saber
como as organizações são constituídas é fundamental para conhecê-las
melhor e, assim, poder propor formas de melhorar sua performance.

Por último, na Unidade 6, conheceremos os tipos e as classificações de


cultura nas organizações, explicitando algumas das diversas formas
pelas quais determinados tipos ou características se manifestam. Esta
Unidade é apenas uma sinalização para os estudos de planeamento de

14
mudança que deverão ocorrer mais tarde, ao longo do curso. Por isso,
proporemos alguns instrumentos de análise das organizações, como o
estudo de rotinas e/ou a substituição de modelos de relação, que
podem ajudar na tarefa de melhorias contínuas.
Por fim, as actividades de aprendizagem não buscam apenas exercitar
o seu conhecimento adquirido, mas também estendê-lo à sua
realidade. Para tanto, apresentaremos dois casos reais para discussão
em grupos.

Com dedicação e esforço, poderá obter conhecimentos que ampliarão


seus horizontes profissional e pessoal. Bons estudos!

Unidade I - Sociologia, relações sociais e convivência humana

Há cerca de 10.000 anos, o homem deixou de ser um caçador itinerante


em busca de presas que garantissem a sua sobrevivência para constituir,
com outros semelhantes, aglomerados humanos que facilitassem a sua
vida. Desde então, todo ser humano normal vive em aglomerados, isto
é: o ser humano nasce, se desenvolve e morre em meio a outros seres
humanos no que chamamos hoje de sociedade. Uma sociedade,
portanto, é um agrupamento de homens cujos modos de ser, de sentir,
de pensar e de reagir reflectem formas relativamente homogéneas de
viver. Assim, quando falamos em sociedade, temos em mente a ideia de
seres humanos em interdependência e em interrelações.

Para você, o que é a Sociologia?


Vamos iniciar nosso estudo entendendo esta ciência!

Podemos agora dizer que a Sociologia é entendida como a ciência que


15
estuda, de modo metódico e sistemático, as relações que se sucedem
nesses aglomerados humanos que chamamos de sociedade. De certo

modo, a Sociologia pretende observar com espírito científico os fatos


produzidos pelos homens em sociedade e, a partir dessas observações,
buscar explicações sobre sua origem, seu desenvolvimento e seus
efeitos, podendo constituir-se em uma ferramenta, em um instrumento
de intervenção social. Nesse caso, ela torna-se uma ciência aplicada,
que é o ramo das ciências que propõe formas e métodos de aplicação
de princípios científicos abstractos a um determinado aspecto da
actividade humana ou das acções que o homem desenvolve ou realiza.

A Sociologia Aplicada, por exemplo, formula explicações sobre


processos sociais que exigem tratamento peculiar e combinação entre
indução e prática; propõe-se a estudar a natureza e as significações da
organização humana em sua história e a analisar as tendências regulares
ou suas excepções e os fundamentos das mudanças sociais.
Ao longo de toda a história do homem, sempre houve a preocupação de
estabelecer códigos de como deveriam ser as relações que estivessem
vinculadas à convivência humana. O código mais antigo que
conhecemos é o Código de Hamurabi, definido por Khammu-rabi.

Posteriormente, os filósofos gregos, os pensadores latinos, os


intelectuais da Idade Média e os autores iluministas, todos, de um modo
ou de outro, escreveram sobre a sociedade dos homens, tentando
explicar formas e conteúdos. Entretanto, foi Auguste Comte, em 1848,
quem primeiro aplicou a essas observações o mesmo método científico
que se aplicava à física ou à química no estudo do mundo físico. Assim,
o estudo das Ciências Sociais foi, aos poucos, se tornando um marco
central na vida de cientistas e políticos do século XIX.

Karl Marx, ainda que seja mais citado como teórico da economia e da
política, foi um dos grandes sociólogos do século XIX a estudar a fundo
16
a Filosofia Dialéctica de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Partindo dos

princípios filosóficos propostos por Hegel, Marx desenvolveu


formulações teóricas sobre a vida social e sobre a luta de classes, que se
vinculam necessariamente à organização social tal como ela se
apresentava em seu tempo. Destacando o capitalismo
inglês de seu século, a doutrina de Marx causou grande repercussão não
somente em sua época, mas sobretudo ao longo do século XX. Toda a
abordagem desenvolvida por Marx a respeito desse sistema capitalista
de produção é dialéctica, isto é, caracteriza-se especialmente pelas
indicações de contradições e de conflitos marcantes existentes na
sociedade: patrões x trabalhadores, riqueza x pobreza e mando x
obediência.

Quem, com mais propriedade, deu continuidade à obra de Comte foi


Èmile Durkheim. Para Durkheim, a Sociologia deveria preocupar-se com
os factos ou com os fenómenos sociais, ou seja, em vez de estudar
indivíduos, a Sociologia deveria estudar os aspectos da vida em
sociedade que modelam as acções dos indivíduos, como a família, a
religião, a política etc. Tais fatos sociais são maneiras de sentir, de
pensar e de agir como práticas colectivas de todo grupo humano que
exerce coerção sobre indivíduos, como a religião, a divisão social do
trabalho e a família monogâmica, por exemplo.

Assim, o facto social exerce uma função no meio social, e a Sociologia


deveria buscar explicações sobre a origem desse fato, agrupando-o em
suas características essenciais e tratando-o como coisa, separando-o
dos valores individuais que o homem possa ter ou manifestar.
Diferentemente de Durkheim e Marx, Maximillian Carl Emil Weber vai
centrar sua atenção no sujeito individual.

O indivíduo é o elemento primordial para a compreensão da realidade


social. Weber dá ênfase à relação na qual a atribuição de sentido pelo
17
indivíduo é a base de uma acção social. Por isso, para Weber, a
Sociologia é uma ciência voltada para a compreensão interpretativa da
acção social e para a explicação causal em sua realização e seus efeitos.
Assim, na sociedade, o sentido que os homens estabelecem em suas
acções é o que fundamenta a ordem social. Dessa forma, na teoria de
Weber, é o ser humano, o indivíduo social, quem dá significado à acção:
cada indivíduo age por um motivo que lhe é dado, seja pela tradição,
seja pela emotividade, seja por interesses racionais. Cabe à Sociologia
descobrir esses possíveis sentidos presentes na realidade.

1.1 Relações Sociais

A palavra “relação” está presente em todos os momentos da vida


quotidiana e faz parte da linguagem comum, indistintamente.
Entretanto, se perguntarmos a qualquer pessoa o que ela entende por
relação, certamente faltarão palavras para descrever seu significado.
Então, vamos a ele?

Antes de desvelarmos com propriedade o que entendemos por relação,


é interessante buscar seu significado etimológico4. Do latim relatio – no
acusativo: relationem – e ainda mais remotamente, relação vem do
verbo referre, que significa trazer de volta, retornar, voltar, reconduzir,
recompor.

Observe que a palavra relação tem o sentido de trazer de volta, de


retomada, de ir e voltar. Quando estabelecemos uma relação,
construímos sempre o significado de um vaivém. Assim, em relações de

4
Relativo ao estudo da origem e evolução das palavras.
18
amizade, em relações comerciais, em relações de produção sempre se
atribui ao termo uma via de duplo sentido.

Quando a Sociologia emprega o termo relação, atribui a ele o mesmo


significado que tem nas outras circunstâncias em que é usado.
Em outras palavras, ao relacionar-se, o homem volta-se para seu
exterior, que retorna ao homem sob a forma de um suprimento que
proporciona um estado de satisfação ou – na falta de suprimento – um
estado de insatisfação. Estamos falando, então, de necessidade.

Necessidade é tudo aquilo que, de um modo ou de outro, verdadeira ou


falsamente, objectiva ou subjectivamente, consciente ou
inconscientemente, faz falta, não existe, precisa ser preenchido,
completado, suprido. A essa busca constante e ininterrupta de
suprimentos, a esse permanente ir em direcção a seu ambiente – seja
ele composto de pessoas, de animais, de natureza ou de objectos
criados, não importa de quê –, chamamos relação.

Relação é toda e qualquer troca que o indivíduo realiza com o meio que
o cerca, no sentido de suprir suas necessidades. Assim, realizada a
relação ou encontrado o suprimento para uma necessidade, o homem
desenvolve um sentimento de satisfação/saciedade ou de
insatisfação/carência. A Figura 1, construída sob a forma de uma
equação relativamente simples, ilustra essa relação “necessidade
suprimento-sentimento”. Se a necessidade for maior do que o
suprimento (N>S), o homem buscará comportamentos alternativos até
que a necessidade seja menor ou igual ao suprimento (N = S).

Quando isso ocorre, isto é, se uma acção realizada para suprir uma
necessidade provoca o sentimento de satisfação (N = S), o homem tende

19
a formar um comportamento padrão para aquela necessidade. Assim,
sempre que se apresentar aquela necessidade, a acção tenderá a
repetir-se, uma vez que anteriormente já propiciou resultados positivos:
qualquer experiência, agradável ou desagradável, será procurada ou
evitada, à medida que produzir sentimento de satisfação ou de
insatisfação.

Figura 1: Equação ilustrativa da relação “necessidade-suprimento-sentimento”

Fonte: Silva (2010, p. 21)

Podemos usar uma expressão popular para entender o que é uma


relação: é uma toma lá dá cá. Assim, os indivíduos relacionam-se com
quem ou com o quê, em seu entendimento e sua percepção, pode suprir
suas necessidades. Retomando o conceito de relação, chamaremos de
“relação social” os modelos de interacção adoptados comummente
pelo conjunto de indivíduos que convivem entre si.

Assim, a relação social se caracteriza por ser um ir e vir que é comum


a todo conjunto de indivíduos que vivem em um mesmo ambiente,
expressando, portanto, suas necessidades e satisfações sob formas e
modos comuns a todos, diferentemente de uma relação pessoal,
quando um indivíduo troca com outro(s), necessidades e satisfações
exclusivamente suas. A esses comportamentos que se repetem
sistematicamente – formas pelas quais ocorre a relação social –, damos
o nome de paradigma.

20
Podemos dizer que paradigma é um modelo de relação que deu
certo ou que não deu certo. Como exemplos, temos:

▪ um determinado tipo de alimento deve ser evitado porque faz


mal – paradigma da relação fome/suprimento alimentar; ou
▪ um novo hábito está sendo sugerido à população: é importante
fazer actividade física regularmente – paradigma saúde/actividade
física.

O termo paradigma pode ser aplicado a actos sociais simples, por


exemplo, em algumas áreas rurais de Moçambique, ao cumprimentar
alguém de maior idade, os homens fazem o gesto de juntar as palmas
das duas mãos e apertar a mão de quem o saúda.

O nosso paradigma de aprendizagem remonta à Antiguidade e pode ser


resumido assim: a escola5 é o lugar onde se adquire conhecimento. Há
algum tempo, com as facilidades das comunicações postais, o ensino
passou a ser realizado por correspondência: era um novo paradigma de
ensino e aprendizagem que se iniciava.

Com as modernas tecnologias da comunicação, esse paradigma se


confirma e, hoje, é parte integrante de todas as relações de ensino e
aprendizagem, como a formação técnica e a actualização profissional.
Além disso, o paradigma não é apenas rotineiramente seguido por
todos para a satisfação de certa necessidade, mas é cercado de
sentimentos e valores de tal ordem que provoca, nos membros do
grupo, sinais de confiança ou desconfiança, aprovação ou rejeição e, até
mesmo, de atribuição de sucesso ou de fracasso. Entre nós, brasileiros,

5
Termo que provém do latim schola, significa descanso ou que se fazia na hora do
descanso, que era estudar. Na Antiguidade, estudos, investigações, eram actividades
desenvolvidas por aqueles que não tinham obrigação de trabalhar. A seguir, a expressão
passou a representar os estabelecimentos públicos ou privados em que o ensino é
ministrado de forma sistemática
21
há um paradigma de higiene e limpeza – tomar banho todos os dias –,
que não necessariamente está presente na cultura de todos os povos,
mesmo os povos considerados mais desenvolvidos.

O paradigma, portanto, facilita a sobrevivência do indivíduo: funciona


como se fosse um manual para esta ou aquela situação. Certamente,
podemos dizer até mais: o indivíduo, ao conviver e construir, com seus
semelhantes, modelos de relações permanentes e estáveis, passa a
enxergar a própria realidade. Por meio desses modelos, o paradigma
passa a ser o único jeito de suprir uma necessidade, de fazer algo, de
julgar uma situação. Para uma necessidade já sentida e satisfeita, ainda
que o tempo ou o espaço não sejam os mesmos, não será preciso
pensar, elaborar e realizar uma nova forma de troca – relação social –,
pois se repete aquela relação que, comprovadamente, propiciou
resultados positivos.

Se, por um lado, como vimos, o paradigma facilita a vida e torna-se


praticamente o único jeito de ver e julgar a realidade que cerca o
homem e de actuar sobre ela, por outro lado, podemos inferir daí a
razão pela qual tudo o que é novo encontra resistência para ser
implantado. Essa afirmação vale tanto para as circunstâncias do
quotidiano – em casa, na escola, no trabalho, na igreja etc. – quanto,
sobretudo, para os processos administrativos. Nesse contexto,
podemos inferir também que, para cada tipo ou momento de
necessidade, os homens criam um modelo de relação e, à medida que
esse modelo de relação supre suas necessidades, nessa mesma medida,
ele tende a cristalizar-se, isto é, tornar-se permanente, duradouro e
válido para todas as situações semelhantes ou diferentes.

Dessa maneira, quando o ser humano une-se a outros seres humanos,


formando aglomerados ou conjuntos sociais, ele cria e desenvolve
22
sistemas de troca, ou seja, conjunto de relações sociais, de acordo com
suas capacidades e disponibilidades, para facilitar a luta pela
sobrevivência de cada um dos componentes do conjunto. Assim, são
constituídos modelos de satisfação das necessidades comuns a todos,
pois a adopção de tais modelos facilita a convivência do indivíduo.

Por sua vez, a convivência construída em comum facilita a sobrevivência


de cada um e de todos. Desse modo, o conceito de convivência está
estreitamente vinculado ao conceito de sobrevivência e vice-versa: a
convivência facilita a sobrevivência do indivíduo. Quando dizemos que
a convivência facilita a sobrevivência, não queremos dizer que essa
relação é directa.

Podemos destacar que, convivendo, o indivíduo supre muitas de suas


necessidades e supera muitas de suas dificuldades, entretanto, o próprio
fato de conviver gera outras necessidades, outras dificuldades, exigindo
novas formas de suprimentos e criando novos modelos de relação, ou
seja, paradigmas.

1.2 Tecnologia e relação social

Para completar uma relação social, ou para suprir uma necessidade, o


homem se utiliza de meios que ele mesmo criou para facilitar seu
trabalho e ampliar seu sentimento de satisfação. Para suprir sua fome,
o homem primitivo desenvolveu algumas aptidões próprias – a força
física, por exemplo – e algum meio aliado a essas aptidões – a lança, o
arco e a flecha. Com isso, ele facilitou bastante sua sobrevivência no
processo de busca de suprimentos de alimentação – a caça.
Semelhantemente, desde tempos imemoriais até os dias de hoje, em
todos os momentos, o espírito do homem constantemente se volta para
23
a criação e a elaboração de novos meios que lhe sirvam mais
comodamente na busca de satisfação de suas necessidades.

Podemos dizer que a história do homem sobre a Terra está


estreitamente vinculada à criação e ao aperfeiçoamento de novos
instrumentos de trabalho: desde o domínio do fogo, passando pelas
oficinas líticas6, pela roda, pela fundição de metais até formulação de
medicamentos modernos ou a corrida espacial.

Ao longo dessa história, a introdução de quaisquer desses meios, por


mais rudimentares que tenham sido, alterou a trajectória humana e deu
à sociedade, primitiva ou moderna, um grau de satisfação de
necessidades mais intenso e cómodo, acumulando, como
consequência, alterações ora significativas e de grande repercussão
social – antibióticos, telefone celular, internet –, ora bem menos fortes
mas não menos importantes – alimentos congelados, tecidos sintéticos
–, provocando mudanças mais profundas na própria qualidade devida
das pessoas.

A implantação de novas tecnologias tem relação directa com alterações


significativas na vida do homem em sociedade, por exemplo,
medicamentos mais potentes que curam ou evitam doenças graves
reduziram a mortalidade infantil e deram início a um crescimento
demográfico extraordinário. Esse crescimento demográfico já vinha
sendo acompanhado de preocupações científicas, no que diz respeito às
pesquisas sobre produtividade agrícola e, por conseguinte, ao
incremento da produtividade agrícola, que também é produto da
interacção de novos padrões mecânicos de cultivo do solo.

Nesse contexto, assistimos à construção permanente de novos meios


de satisfação das velhas necessidades de sobrevivência e de
convivência. Além disso, observamos também que a utilização ora mais
24
intensa, ora menos intensa de novas tecnologias altera com maior ou
menor
profundidade os sistemas estabelecidos de relações sociais. Existem
numerosas descrições e interpretações nem sempre coincidentes para
descrever esses meios. A mais corrente, tanto sob o aspecto técnico
científico quanto na linguagem popular comum, é a tecnologia7, que se
relaciona, pois, com todas as actividades económicas, e não é apenas
uma derivação da ciência, mas um ramo do saber prático, que
independe de descrições científicas.

Assim, ouso dessa palavra não se restringe exclusivamente a tecnólogos


e a especialistas, mas permeia o vocabulário de todas as profissões, da
mídia e do próprio público em geral. De forma simples, universal e
directa, vamos chamar de tecnologia todos os meios utilizados pelo
homem para facilitar sua conquista de suprimentos. Tecnologia é,
portanto, todo e qualquer meio que, criado ou produzido pelo homem,
facilita as relações estabelecidas em um dado contexto social.

Ampliando o conceito e a compreensão do termo tecnologia,


dizemos que ele designa genericamente:
▪ os meios físicos (máquinas, instrumentos) e os meios não físicos
(conhecimentos, habilidades, dinheiro, tempo etc.) necessários
à manutenção das relações existentes e/ou ao estabelecimento
de novas relações;

▪ os processos utilizados para garantir que os meios físicos gerem


os resultados esperados; e

▪ os próprios resultados obtidos.

7
Envolve conhecimento técnico e científico, e as ferramentas, os processos e os materiais
criados e/ou utilizados em função de tal conhecimentos.
25
As diferenças na criação e na utilização de tecnologia e nos resultados
obtidos constituirão, como veremos mais adiante, uma fonte de
diferenciação entre organizações que trabalham em uma mesma área
ou sector de mercado. Ninguém duvida de que o homem vive hoje uma
época de crise em virtude das próprias mudanças registadas em todos
os aspectos de vida.

Especialistas e futurólogos8 elaboram teorias e testam modelos de uma


nova sociedade cujas características são, entretanto, uma incógnita.
Certamente, as principais tendências que nos levarão até essa nova
sociedade já se encontram embutidas na actual revolução tecnológica
que vivemos. Portanto, é a adopção, ora mais rápida, ora mais lenta,
dessas novas tecnologias que vai fazer a diferença no dia-adia de nossa
vida.

Cabe assinalar que, por causa de novas tecnologias em processo de


implantação ou mesmo já implantadas, novos paradigmas vão sendo
adoptados e passam a fazer parte do quotidiano, e os “velhos”
paradigmas vão “ficando na saudade”. Esse é o mundo de mudanças a
que todos estamos assistindo e que há menos de 10 ou 15anos parecia
um mundo de ficção científica.

1.3 A convivência humana

8
Disciplina que tem como objecto o estudo da previsão de eventos futuros, ensaiando
predizer suas consequências na humanidade.

O objecto de estudos da Sociologia é a relação social onde quer


que ela se manifeste e ela se manifesta onde quer que haja
agrupamentos humanos. Vamos ver agora como ocorre a convivência
humana. Vamos lá?
26
Evidentemente, à medida que a convivência se desenvolve,
também o conjunto das relações que se estabelecem entre os
indivíduos se torna mais complexo e, portanto, menos simples para se
constituir um objecto superficial de análise e de estudos. Assim,
podemos dizer que uma sociedade é constituída de um conjunto
extremamente variado e diversificado de relações sociais, cada um
deles mostrando-se bastante complexo no que diz respeito às formas e
aos meios utilizados pelas pessoas para suprirem suas necessidades.

Para cada situação/necessidade, criam-se modelos de relação


social que, ao longo do tempo, consolidam-se como definitivos na
medida em que produzam os resultados esperados ou são evitados na
medida em que não sejam adequados. A esse conjunto de situações
assemelhadas e referentes a um mesmo aspecto da convivência,
chamamos de instituição.

Podemos dizer que instituição social é um sistema organizado de


relações sociais relativamente permanente e que incorpora certos
padrões de comportamentos com a finalidade de satisfazer e/ou vir ao
encontro das necessidades básicas de uma sociedade.

Assim, por exemplo, podemos falar da família, ou da economia


ou da educação, que são instituições que reúnem um sem-número de
padrões e de modelos de relações e de comportamentos, sempre
relativos a um mesmo aspecto da vida em sociedade. A partir dessa
conceituação, foram deduzidas suas características:

▪ as instituições são intencionais, considerando que cada uma se


propõe como fim ou como objectivo à satisfação de
necessidades sociais de mesma natureza;

27
▪ as instituições incorporam, isto é, constroem e apresentam à
sociedade valores que sejam comuns a todos os seus membros;
uma instituição, em razão de sua
permanência no tempo, representa sempre um grande valor
para os membros de uma sociedade, e as uniformidades que ela
encerra se constituem em códigos de conduta aplicáveis a todos;
muitos desses valores institucionais são escritos sob a forma de
regras ou de leis e muitos outros, não expressos positivamente,
exercem influência quase que
inconscientemente sobre o comportamento das pessoas;
▪ as instituições são relativamente permanentes em seus
conteúdos; os esquemas de relacionamento, os
comportamentos e as funções desenvolvidas em uma dada
instituição tornam-se duráveis, o que não quer dizer que não
estejam sujeitas à evolução e/ou a mudanças; e

▪ uma instituição tem uma estrutura unificada, isto é, os diversos


elementos que a compõem (comportamentos, hierarquia,
funções etc.) formam um conjunto homogéneo distinto de
outros conjuntos, porém, não separado dos demais; por isso,
uma mudança ou uma ruptura em uma das instituições sociais,
tende a provocar mudanças em outras instituições.

Entretanto, os sociólogos divergem muito quanto ao número de


instituições sociais: alguns apresentam três ou quatro, outros seis e
outros até catorze. Essa divergência não representa problema maior no
estudo da Sociologia, pois são apenas pontos de vista. O mais comum é
a segmentação clássica: família, educação, economia, política, religião e
lazer.

Nenhuma dessas instituições funciona ou tem seus modelos


relacionais completos, acabados e independentes um do outro. Cada
uma influência outras em níveis diversos de frequência e intensidade e
28
é também influenciada pelas outras, de modo a dar ou proporcionar
características próprias a cada aglomerado humano.

O curso da vida e a influência do meio, sem falar da fertilidade da


imaginação humana, fornecem um número incrível de modos de agir
possíveis: todos, ao que nos parece, poderiam ser úteis à existência de
uma sociedade. Há diversos tipos de propriedade vinculados à
Hierarquia social que se associa à posse;

[...] há uma infinidade de aspectos da vida sexual, da paternidade


e da filiação; [...] há todo tipo de trocas económicas, de deuses e
de sanções sobrenaturais [...] Certos aspectos da existência que
nos parecem de suma importância passaram quase despercebidos
entre povos cuja cultura, orientada para uma outra direcção,
estava, no entanto, longe de ser pobre. Assim como na linguagem,
na vida cultural a selecção de meios é a primeira necessidade
(Benedict, 1950, p. 35, citada em Silva, 2010, pp. 30-31).

Como já demonstramos, a sociedade é um conjunto extremo e


infinitamente complexo de relações e de modelos e, à medida que se
manifestam, também, ao longo do tempo, transformam-se e assumem
novas formas e novos sentidos. Esse é hoje o grande desafio social:
como trabalhar conjugadamente os diversos problemas sociais que
existem na sociedade. Na maioria das vezes, trabalhar exclusivamente
uma relação ou um paradigma, excluindo sua interferência em outros
ou esquecendo a influência de outros sobre aquele que se trabalha,
pode não dar resultados, pois pouco adianta envidar esforços para
alterar os padrões de higiene e de limpeza dentro da escola se em casa
o estudante não encontra ou não vivencia tais padrões.

Após uma primeira aproximação desses conceitos sociológicos,


podemos enxergar facilmente como a administração de organizações
públicas, de organizações privadas ou de grupos informais pode valerse
desses conhecimentos. Se o sistema de relações económicas em um
dado país ou região vai mal, certamente, isso vai produzir desemprego,
o que significa diminuição de renda familiar, que produzirá

29
desagregação familiar e assim por diante. Se as tecnologias utilizadas
não são adequadas às satisfações desejadas, podemos deduzir que
haverá pessoas que, participando do todo, estarão em uma posição de
descontentamento e insatisfação.

Ao longo desta disciplina, você verá que a Moderna


administração não mais se restringe a simplesmente intervir no circuito
de relações propriamente dito que se estabelece entre as pessoas e as
coisas (mão de obra, máquinas e matéria-prima) dentro da organização,
mas ultrapassa essa fronteira para realizar interfaces também, de um
modo ou de outro, com a família, com os processos educacionais, com
o meio ambiente, com a responsabilidade social, enfim, com toda a
sociedade, pois, cada vez mais, está evidente aos administradores que
o ser humano é uno, indivisível e que:

▪ a qualidade de seus produtos/serviços depende do sistema de


relações que os membros da organização constroem e no qual
se encontram inseridos;

▪ esse sistema se manifesta não apenas na organização, mas


também se realimenta de outros subsistemas, como a família,
os grupos de vizinhança, a escola e todos os outros grupos e
instituições que formam a sociedade; e
▪ a qualidade total (da organização e da vida em sociedade) é um
upgrade que, se a organização não conseguir implantar,
certamente, condena-se a definhar e mesmo a desaparecer.

30
Bibliografia
Aron, R. (2007). As Etapas do Pensamento Sociológico. (8ª ed.). Lisboa:
Publicações Dom Quixote.
Dias, R. (2010). Introdução à Sociologia. (2ª ed.). São Paulo: Pearson
Prentice Hall.
Giddens, A. (2005). Sociologia. (5ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
Quintaneiro, T; Barbosa, M.L. de O.; Oliveira, M. G. de (2003). Um Toque
de Clássicos: Marx, Durkheim e Weber. (2ª ed.). Belo Horizonte: Editora
da UFMG.
Silva, G. (2010). Sociologia Organizacional. Florianópolis: Departamento
de Ciências da Administração, UFSC.

Resumindo
Ao longo desta Unidade, você verificou que, por causa de suas
constantes necessidades, o homem busca, em seu semelhante e no
próprio mundo que o rodeia, os suprimentos necessários para manterse
vivo e conviver com o outro. A esse processo permanente de buscas e
de trocas desenvolvido pelas pessoas que formam um agrupamento
humano, damos o nome de relação social. A Sociologia é a ciência que
estuda as diversas formas pelas quais se manifestam essas relações
sociais e suas consequências no dia-a-dia da convivência humana.

Na medida em que tais relações lhe satisfazem, o homem as


internaliza, tornando-as modelos (paradigmas), e aperfeiçoa os
instrumentos criados e produzidos (tecnologias) para alcançar graus
cada vez mais elevados de satisfação. Assim, um paradigma, por mais
enraizado que esteja em uma sociedade, está sempre sujeito a
desaparecer quando uma nova forma ou meio de satisfação daquela
necessidade (nova tecnologia) foi produzida e dominada.

Dessa maneira, a convivência humana vai envolvendo os


31
membros dos agrupamentos humanos, tornando-os cada vez mais
vinculados uns aos outros, e formando uma rede de relações bastante
complexa.

Estudar essa rede de relações e os homens que a constroem é o


papel da Sociologia. Para facilitar o estudo e a compreensão de tais
fenómenos, a Sociologia agrupa as relações sociais de mesma natureza
sob a figura de instituições sociais.

Actividades de aprendizagem

Ao longo desta Unidade, analisamos, de forma simples e directa,


o que são relações sociais e, a partir dessa compreensão, o que é
Sociologia e qual o seu objecto de estudo. Esperamos ter alcançado o
objectivo proposto, uma vez que procuramos destacar a relevância
desse assunto oferecendo noções básicas sobre o tema e relacionandoo
ao seu dia a dia. Se você ainda tem dúvidas, retome a leitura ou busque
auxílio com o seu tutor. Agora, por um momento, reflicta sobre o que
foi apresentado. Em seguida, procure resolver as actividades propostas
e encaminhe-as ao seu tutor.

1. Muitas pessoas não estão familiarizadas com tudo aquilo que a


ciência da Sociologia envolve. Se um de seus amigos lhe perguntasse
sobre o objecto da Sociologia, como você responderia?
2. Faça uma lista de cinco fenómenos sociais (cinco tipos diferentes de
relação sociais) que, de um modo ou de outro, podem constituir-se em
objecto de um estudo sociológico.
3. Identifique paradigmas (pelo menos dois para cada item):

a) No seu ambiente de trabalho.


b) No serviço público.

32
c) Nas festas de casamento.
d) Nas relações de trânsito.
e) Na escola.
4. Por que é tão difícil mudar as coisas que acontecem no dia-a-dia,
seja
no trabalho, seja na família, seja,
mesmo, na sociedade? Justifique sua resposta a partir do conceito de
paradigma.
5. Pesquise uma sequência histórica de avanços na criação, no
desenvolvimento e no uso de tecnologias com vistas à criação de
facilidades dentro de um mesmo sector e/ou actividade e descreva as
consequências que a adopção de tais novas tecnologias
proporcionou/produziu no meio social no qual foram adoptados. Faça
uma descrição simples de tais avanços. Por exemplo: a evolução e as
consequências da introdução e da adopção de instrumentos agrícolas,
ou de instrumentos electromecânicos, ou de medicamentos, ou da
construção civil, ou de administração.
6. O que é o positivismo?
7. Qual é a ideia de ciência social preconizada por Comte?
8. Por que Durkheim é importante para a sociologia, superando de
algum modo o papel desempenhado por Comte?
9. Qual foi a principal contribuição de Marx para a sociologia?
10. O que são acções sociais para Weber?

33
Unidade 2 - O Sentido Ontológico do Trabalho

Os homens transformam a natureza e se transformam na mesma


medida. Isto porque os homens podem reflectir acerca da sua forma de
agir e porque se comunicam e sistematizam as suas experiências sociais
na forma de cultura, o que os diferencia, obviamente, dos animais.
Desta forma os homens fazem a “história humana”, isto é, transformam
a realidade natural e social, conforme a época e o lugar. Esta
transformação tem sempre como ponto de partida a herança material
e cultural das gerações anteriores, de maneira a incorporar (e/ou
reformular), a recusar ou a criar novas práticas e conceitos à medida
que avança o processo histórico.

O domínio da fala e a sua materialização por meio da linguagem


(escrita, pictórica, cênica etc.), ao permitir ao homem representar a
realidade, o permite também registar as suas diversas formas de
experiência vivida. O registo transforma-se em herança das experiências
de criação material e cultural, isto é, transforma-se em cultura, o que
possibilita ao homem avaliar as experiências vividas no passado em face
do seu presente, bem como projectar novas formas materiais e culturais
superiores àquelas que se encontram no seu presente.

No centro da existência humana, que é sempre e objectivamente


a materialização de experiências de criação material e cultural, o
homem age sobre a natureza de forma a transformá-la, tendo em vista
obter os bens materiais e culturais necessários à sua existência. Esta
acção, que nos primórdios da humanidade assumiu formas como a
domesticação de plantas e animais e a criação de cidades, e que
actualmente assume formas como o domínio da tecnologia do silício (e
a consequente revolução tecnológica representada pela informática) e

34
as estações espaciais, representa a interacção homem-natureza e a
criação da paisagem humanizada.

Representa, ainda, a optimização da acção humana em termos


quantitativos e qualitativos sobre a natureza por meio de diversos
equipamentos para o desenvolvimento do trabalho, e de diversas
formas de organização do trabalho, isto é, a criação dos equipamentos
(forças produtivas) e a organização do trabalho (relações de produção)
que são interdependentes e que se interdeterminam.

O grau de desenvolvimento das forças produtivas e a forma de


estruturação das relações de produção fornecem as bases sobre as
quais são criadas as superstruturas da sociedade. Assim, são criadas
instituições como o Estado, a família, a igreja, a escola etc.; o
pensamento como o mito, a literatura, a ciência, a arte, a filosofia, a
política etc.; os valores, como a moral, a ética etc.

Da mesma forma como não é possível surgir forças produtivas


altamente desenvolvidas, como a robótica e a rede de comunicação,
coexistindo com relações de produções superadas historicamente,
como o esclavagismo e o feudalismo, também não é possível a
manifestação da superstrutura igualmente “inadequada” ou
“inadaptada” às forças produtivas e às relações de produção. Não
poderia, por exemplo, vigorar o direito escravista sob a vigência das
forças produtivas e relações de produção capitalistas.

A acção do homem na natureza não é uma acção puramente


exterior, conforme podemos averiguar empiricamente. A sua acção na
natureza demanda um tipo de organização dele mesmo, de forma que
o homem constrói estruturas sociais, pensamentos e valores que são,

35
em última instância, materializações da construção da sua própria
subjectividade.

O trabalho possui uma trajectória, uma progressividade


histórica. É possível, portanto, falarmos de uma história do trabalho,
enquanto uma delimitação temática da história da humanidade.
História do trabalho que expressa o fundamento último do ser social,
que é a sua capacidade de transformar e criar o mundo natural e o
mundo social, em direcção da sua plena humanização.

Assim, à medida que o trabalho muda o jeito de ser, de pensar e


de agir de cada ser humano e de cada cultura, torna-se condição de
humanização e instrumento da liberdade, porque é pelo trabalho
que o homem viabiliza a realização de seus projectos (desejos) no
mundo, ao mesmo tempo em que se torna propriamente humano
(Aranha,1997, p. 23, citado em Barbosa, s/d, p. 36).

À medida que a sociedade humana se complexifica, a integração plena


entre trabalho teórico (intelectual, não-material) e trabalho prático
(manual e material) termina por ser roto. Evidentemente, o trabalho
teórico (intelectual, não-material) demanda actividade prática (manual
e material) e o trabalho prático (manual e material) demanda actividade
teórica (intelectual, não material).

Todavia, em cada tipo de trabalho passa a haver o predomínio


das características que lhe impõe a sua peculiaridade e condição. Essa
ruptura, provavelmente decorrente da complexidade adquirida pela
sociedade humana, foi agravada por meio do surgimento da
propriedade privada e da desigualdade social. De tal forma, que o
trabalho teórico (intelectual, não-material) foi progressivamente se

36
desvinculando do trabalho prático (manual e material), embora esta
desvinculação raramente fosse completa.

Nas sociedades organizadas a partir da distribuição hierárquica das


classes sociais, os trabalhadores foram, ou excluídos do acesso à
educação formal – a exemplo do esclavagismo e do feudalismo -, ou este
acesso cumpria uma necessidade imposta pelo padrão tecnológico e
pelo padrão de gestão da produção, mas submetido a certos limites – a
exemplo da transição do feudalismo para o capitalismo, com a escola de
ofícios; do capitalismo concorrencial e monopolista, com a escola
técnica; e do capitalismo oligopolista pós-fordista, com os centros de
formação tecnológica.

Os segmentos mais pobres dos trabalhadores em termos


materiais e culturais, sem clareza quanto às relações de poder e de
domínio subjacente às relações sociais como um todo, e das relações de
trabalho em particular, terminam mais facilmente excluídos do acesso
ao conhecimento e da formação institucionalizada voltada para o
trabalho teórico (intelectual e não-material). Já os segmentos não tão
pobres dos trabalhadores em termos materiais e culturais possuem
acesso a este conhecimento, de forma a disputar espaços com os
diversos segmentos das classes médias nos centros de formação
tecnológica e nas universidades, de padrão de qualidade baixo e
intermediário.

O modo de produção capitalista é o modo de produção que mais


intensamente é premido pela necessidade de ampliar a formação do
trabalhador por meio da educação formal, isto é, de ampliar a
virtuosidade do trabalhador. Todavia, a virtuosidade, materializada no
poder de reflexão, crítica, discernimento, iniciativa e domínios, pode
criar o espaço para a organização objectiva e criação subjectiva da razão
37
crítica radical, revolucionária em relação às relações sociais erguidas a
partir das relações capitalistas de produção.

É possível duas conclusões a este respeito. A primeira, é que o


capitalismo lança mão de meios curriculares, comportamentais,
psicológicos, publicitários etc., para impedir que a ampliação da
educação formal que se lhe impõe por sua própria dinâmica interna,
proporcione o pleno encontro entre o trabalho teórico (intelectual e
não material) e o espaço para a criação da razão crítica radical. A
segunda é que o processo de pleno encontro entre o trabalho teórico
(intelectual e não material) e o espaço para a criação da razão crítica
radical não poderá ocorrer como decorrência do avanço natural do
pensamento ou das exigências da dinâmica de expansão (tecnológica e
gestionária) do capital.

A “camisa de força” intelectual e prática a que os trabalhadores estão


submetidos não poderá ser alterada senão por eles mesmos. Para tanto,
será necessário conduzir disputas como os projectos curriculares de
educação formal e o espaço do local de trabalho, isto é, disputar as
relações sociais.

2.1 História, Sociedade e Trabalho

O trabalho existe para satisfazer as necessidades humanas.


Desde as mais simples necessidades, como as de alimento e de abrigo,
até as mais complexas, como as de lazer e de crença. O trabalho se volta,
enfim, para satisfazer as necessidades humanas, materiais e culturais.
Ao se analisar as diversas formas de sociedade, encontram-se os mais
variados modos de organização do trabalho, como também maneiras
muito diferentes de se valorizar essa actividade. Encontram-se,
ainda,
38
diferentes formas de relação do trabalho com as demais esferas da vida
social.

2.1.1 Sociedade Moderna e Trabalho

O Mundo Moderno Ocidental articula-se a partir de uma


formação social e económica aristocrática, absolutista e feudal. A
revolução urbana e comercial em curso reduz progressivamente a
importância da vida rural e das normas da vida cristã tradicional; o
crescente deslocamento da riqueza da terra para o comércio, a
manufactura e o banco e as revoltas camponesas ameaçam o domínio
aristocrático; o espírito racionalista, humanista, investigador e
manipulador, é responsável pelo abalo dos alicerces da Igreja Católica.
Estes processos determinam a necessidade de um redesenho da ordem
aristocrática.

No plano social, no início dos tempos modernos, uma ordem


social aristocrática fundada nas linhagens, no nascimento e nas ordens
sociais é reformulada e reposta durante a vigência do chamado Antigo
Regime. Ao final dos tempos modernos, após um longo processo em que
o novo emerge permanentemente, a ordem social do Antigo Regime
(fundada na sociedade de ordens, no Estado absolutista e no
mercantilismo) dá lugar a uma ordem social do liberalismo (fundada na
divisão da sociedade em classes económicas, na universalidade dos
direitos civis e na livre iniciativa).

No plano político, a fragmentação política e administrativa


medieval dá lugar a centralização política e administrativa por meio da
criação dos Estados nacionais modernos. Emerge o Estado aristocrático,
absolutista e feudal como uma gigantesca máquina política, fiscal e

39
militar para fazer frente a uma dupla ameaça. De um lado, a burguesia
em ascensão económica e moral, mas pressionada pelos impostos e
impedida de compor as funções burocráticas civis e militares do Estado,
salvo funções ministeriais delegadas pelo rei. De outro lado, os
camponeses em rebelião contra o monopólio da terra, as obrigações
aristocráticas e clericais (em produção, trabalho ou dinheiro) e os
impostos, totalmente impedidos de qualquer participação e decisão
política. O Estado constitui-se, enfim, em um instrumento para recolher
parte da riqueza burguesa (e das camadas populares) e redistribui-la em
favor da aristocracia e para preservar a extracção da renda da terra
gerada pelos camponeses, também em favor da aristocracia.

E, ao final dos tempos modernos, a burguesia estende o seu


domínio económico à esfera política por meio das revoluções
burguesas. O objectivo é imprimir uma nova qualidade ao processo de
transformação da sociedade à sua imagem e semelhança.

No plano económico, ocorre a chamada acumulação primitiva de


capital, isto é, o processo de criação das condições para a consolidação
das relações capitalistas de produção por meio da separação do
produtor directo dos meios de produção (cerceamento dos campos com
a expropriação/proletarização camponesa) e da centralização do capital
(capital-moeda, meios de produção etc.) e dos recursos naturais (terra,
florestas etc.) nas mãos da burguesia e da aristocracia aburguesada.
Dessa forma é possível transformar em dominante a arregimentação da
força de trabalho por meio do assalariamento e a consequente
extracção do sobre trabalho na forma da mais-valia.

A acumulação primitiva de capital, além de lançar as bases do


predomínio das relações capitalistas de produção, proporciona diversas
formas de arregimentação de capital na Europa ocidental, a exemplo do

40
Antigo Sistema Colonial, do tráfico de escravos, da pirataria etc. A
acumulação primitiva de capital também tem um grande impulso graças
ao desenvolvimento científico que se concretiza na constituição da
ciência moderna para a qual concorre Galileu, Newton, Descartes, entre
outros.

No plano ideológico-cultural, a religião deixa de ser a forma ideológica


dominante e a Igreja Católica perde a sua condição de guia espiritual.
De um lado, ocorre a separação daquilo que a Idade Média havia
unificado: a razão separa-se da fé (e a filosofia, da teologia); a natureza
separa-se de Deus (e as ciências naturais, dos pressupostos teológicos);
o Estado separa-se da igreja (e as doutrinas políticas, dos preceitos
sacros); e o homem separa-se de Deus (e a humanidade constituída de
autarcia, livre arbítrio e poder transformador, da determinação divina).
De outro lado, ocorre a afirmação do humanismo individualista burguês,
de forma a consolidar a ideia de homem autárquico, constituído de livre
arbítrio e que manipularia a realidade em favor dos projectos
económicos, políticos e sociais de carácter pessoal, e a harmonizar esta
ideia com a ideia de que a livre iniciativa de todos convergiria para uma
integração e satisfação de todos, tão bem expressa pela metáfora da
“mão invisível” de Adam Smith.
A moral burguesa emergida da acumulação primitiva de capital opôs-se
a moral aristocrática então dominante. A moral burguesa valoriza o
trabalho, a liberdade, a iniciativa pessoal (individualismo), a riqueza, e
condena o fausto, o ócio, a libertinagem nos costumes, o parasitismo, as
práticas e artes da guerra etc., legítimos à moral aristocrática.

O homem do projecto ideológico-cultural burguês em consolidação


deveria ser livre das amarras normativas morais, jurídicas e políticas. O
homem concreto e o homem artificial (comunidade política) passam a
ter como referências fundamentais a ideia de livre arbítrio na relação
homem/Deus, a estrutura jurídico-político-militar do Estado como pré-
41
condição da defesa dos direitos naturais (a vida, a liberdade e a
propriedade) e a condição social humana como decorrente do talento e
do mérito de cada um.

O homem é revalorizado em sua dimensão pessoal, racional e sensível, e


é concebido como dotado de vontade e iniciativa. Afirmaria o seu valor
por meio da política, concebida como manifestação essencialmente
humana, da qual o homem determinaria o seu devir histórico, e da nova
ciência e da natureza, manipuladas como instrumentos da geração do
valor, etc.
O homem moderno percebe-se no centro da Política, da Ciência, da Arte
e da Moral. Tal percepção liberta a Ética dos pressupostos teológicos
medievais e a fez crescentemente antropocêntrica, embora ainda
convivesse com um homem tratado por vezes de maneira abstracta e
possuidor de uma natureza universal e imutável.

2.1.1.1 Acumulação primitiva de capital


No plano económico os comerciantes suplantam os guerreiros. O
comércio e a manufactura, embora ainda não guie o dia-a-dia da
sociedade, apoia-se sobre uma mentalidade profundamente valorizadora
da propriedade privada sob direito romano (alienável) e do lucro. Em
várias regiões da Europa Ocidental os comerciantes ingressam em uma
dinâmica de irresistível ascensão económica que haveria de culminar na
consolidação das relações capitalistas de produção sobre bases
industriais.
O campo convive com a eliminação da servidão e o início do
arrendamento da terra, isto é, trabalhador que paga um aluguer pelo uso
da terra, sob controlo do capital agrário. Esse processo expressa a primeira
forma de controlo do capital sobre a produção, isto é, o capital não se
restringe, a partir de então, ao controle da esfera da circulação (ou
controle mercantil), estendendo o seu controle sobre a produção de bens.

Na Inglaterra da Idade Média, as terras de propriedade da


aristocracia formam os campos abertos (Open Fields). Estes se
distribuem em parcelas de terras (de aproximadamente 200 metros de
comprimento por 20 metros de largura), com diversas parcelas
distribuídas de forma descontínua para cada família de servos. No
decorrer da grande crise feudal os lotes dos campos abertos (Open

42
Fields) são reunidos pelos proprietários em unidades compactas
cercadas e redistribuídas para arrendatários. A servidão pessoal
simbolizada na corveia é substituída por pagamento em dinheiro, de
forma que o servo, na prática, termina convertido em arrendatário.

A aristocracia agrária supera a sua identidade feudal, mas


continua como a classe dominante. Esta classe em diversas regiões dá
início a criação da sua condição de classe social absenteísta – declina da
condição de comando da actividade económica e passa a viver de renda
auferida pelo arrendamento da terra. O domínio da classe dominante
tradicional é, por sua vez, progressivamente desautorizado pelas novas
classes emergentes como a média e pequena burguesia urbana e rural
e o camponês arrendatário.

O processo de cerceamento dos campos na Europa a partir dos


séculos XV e XVI, tem como grande efeito a separação do produtor
directo dos bens naturais (terra, madeira etc.) e dos meios de produção
(ferramentas, excedentes, etc.). Dessa forma é lançada definitivamente
as bases das relações capitalistas de produção – na medida em que
separa riqueza e capital, concentrado em poucas mãos e gera uma
população desprovida de propriedade e bens para o capital e passiva de
contrato via assalariamento - e do controle progressivo do capital sobre
a produção em geral – na medida em que articula actividades produtivas
sob as novas relações de produção (manufactura, agricultura comercial,
etc.) e desarticula actividades tradicionais (corporações, economia
senhorial feudal, etc.).

Na Inglaterra da Idade Média, as terras públicas são denominadas


terras comuns. Terras nas quais camponeses retiram madeira e
aqueles com poucos recursos cultivam a terra e criam animais. A
ocupação por parte de novos camponeses sobre as terras comuns
dependia da permissão tácita dos camponeses já residentes. Com os
43
cerceamentos das terras comuns por meio de doação real, venda ou
fraude, elas têm sua função económica reduzida a pastagens para
ovelhas para atender as necessidades de lã da manufactura têxtil em
expansão. A terra torna-se uma forma de propriedade absolutizada
em poucas mãos, contrastando com grandes contingentes humanos
absolutamente expropriados dequalquer forma de propriedade.

Ocorre a transformação do regime de trabalho. O trabalho


compulsório medieval, que se caracteriza por uma força
extraeconómica, no qual os servos são obrigados a trabalhar devido ao
costume e a tradição e cuja violação desencadeia uma punição pelo uso
da força do senhor feudal, desaparece progressivamente. O trabalho
livre moderno, que se caracteriza por ser realizado por meio de uma
força económica, é controlado pela combinação entre a condição
proletária do trabalhador e sua oferta/exposição no mercado. O
trabalho encontra-se livre de qualquer poder pessoal do patrão, com
quem ele estabelece um contrato de trabalho no âmbito do mercado. O
trabalho encontra-se controlado, na verdade, por uma entidade activa
e dominante: o capital.

Conforma-se o confronto entre dois princípios de hierarquização


social. A aristocrática, tradicional, de nascimento (estamental), na qual
a estruturação social é estabelecida pelo nascimento, representada
basicamente pela separação entre nobres e não-nobres; e a burguesa,
emergente, da economia (classe), na qual a estruturação social é
estabelecida pela iniciativa e eficácia (ou não) no mercado,
representada basicamente pela separação entre ricos e não ricos.

O princípio de hierarquização social burguesa provoca a criação


do mito de uma sociedade aberta ao talento - em que pese o fato de
que nenhuma sociedade anterior apresenta a mobilidade social desta
nova ordem social. Talento que se afirma por meio do trabalho. Daí a
44
mudança de mentalidade em relação ao trabalho: tornado sagrado pela
ética protestante calvinista, convertido em fonte de riqueza da
sociedade pelo liberalismo e transformado em actividade de todo
homem justo e honrado pelo conceito burguês de trabalho.

Ocorre no período moderno a transformação do carácter das


guerras. A guerra antiga almeja terras, impostos dos conquistados,
pilhagens e escravos. A guerra medieval almeja feudos, saques,
aprimorar a nobreza na arte da guerra e proteger a cruz por meio da
espada. A guerra moderna encontra-se subordinada ao capital
mercantil, isto é, as guerras passam a ser realizadas para remover
obstáculos ao desenvolvimento mercantil ou para proporcionar
condições para a sua optimização (pirataria, conquista colonial, captura
de escravos, guerras comerciais continentais, etc.). A guerra está a
serviço da extracção da renda da terra e da expansão/reprodução do
capital em benefício, respectivamente, da aristocracia e da burguesia.

Uma nova sociedade e uma nova economia, respectivamente,


burguesa e capitalista avança lentamente por dentro da sociedade e
economia tradicional. Mas o suficiente para abalar a antiga estrutura
social e económica aristocrático-feudal e, ao mesmo tempo, lançar as
bases da transição do modo de produção feudal para o modo de
produção capitalista.

2.1.1.2 O Renascimento
Ao ingressarmos na modernidade, chama imediatamente a
nossa atenção o surgimento de uma nova cultura, em especial por meio
da estética do Renascimento. O Renascimento é um movimento cultural
que valoriza o humano, a razão, o espírito de investigação.

O Renascimento é, em grande medida, a expressão do carácter


do homem burguês na esfera cultural. É o processo de estabelecimento,

45
a partir de experiência vivenciada pela burguesia, de um universo
cultural em cujo centro encontra o homem de iniciativa e racional.
Homem que busca no mundo laico a compreensão da natureza e da
sociedade.

O Renascimento é um processo que homogeneíza e universaliza


esta experiência social burguesa, bem como socializa junto às demais
classes sociais esta experiência, especialmente as classes sociais do
mundo do trabalho. Isto converte o Renascimento em um movimento
estético que é também cultura, representação e ideologia de
dominação de classe.

O Renascimento concorre para emancipar a cultura urbano


burguesa da cultura rural feudal e para alforriar o mercado das
limitações estabelecidas pela igreja e pelo Estado absolutista. Ao
libertar a razão das imposições da fé concorre para a posterior
afirmação da cultura urbano-burguesa, da consolidação do modo de
vida burguês e da formação da razão crítica e instrumental a serviço do
capital.

2.1.1.3 A Reforma Protestante


A reforma protestante constitui-se em outro processo da
afirmação da nova cultura, especialmente importante para a
transformação mental do período moderno. Para Lutero o homem
encontra-se para sempre condenado em decorrência do pecado
original. A única salvação possível é pela fé, isto é, como manifestação
puramente espiritual e individual. Segundo Lutero, o cristão que
arrepender verdadeiramente dos pecados tem plena remissão da pena
e da falta.

Lutero (ano) dispensa, portanto, os intermediários que

46
pretendem ligar os homens a Deus, bem como a realização de obras, a

aquisição de indulgências e o voto de pobreza. Ao valorizar a vida


interior e espiritual do cristão como único meio de salvação Lutero dá
forma ao individualismo na religião cristã.

Calvino, por sua vez, imprime um sentido burguês a este


individualismo. As éticas católicas cristãs, da salvação pelas obras e a
ética luterana cristã da salvação pela fé, responsabilizam o fiel por sua
salvação. Calvino (ano), partindo do individualismo cristão de Lutero,
propõe a doutrina da predestinação, isto é, desde o início dos tempos
Deus decide quem será salvo e quem será condenado.

A insegurança proporcionada pela dúvida trazida para o fiel é


solucionada com a incorporação na doutrina calvinista dos sinais
reveladores da condição do homem. Assim, aqueles que trabalham e
possuem êxito empresarial ou profissional são os eleitos, aqueles que
coleccionam fracassos são os condenados. Naturalmente tal doutrina
tende a modificar profundamente o comportamento dos homens, visto
que a conquista de êxito na actividade exercida passa a se constituir em
uma representação de mundo almejada pelo fiel calvinista, na medida
em que o situa para si mesmo e para a sua comunidade como escolhido,
portanto, superior aos demais.

A teologia calvinista lança a ética da valorização do trabalho, do


individualismo burguês, do espírito de poupança, da aquisição de bens,
da vida material modesta, da vida moral severa no cumprimento dos
mandamentos. Uma ética cristã e burguesa que harmoniza
individualismo, lucro e salvação cristã.

A religião calvinista concorre, portanto, para a constituição de


burgueses ávidos de lucros e propriedades, com uma acção racional e
empenho pessoal nessa direcção, e de trabalhadores disciplinados e
47
sóbrios, com um senso de missão a ser desenvolvida com eficácia,
ordem e respeito às convenções. O calvinismo, em grande medida, é a
versão burguesa do cristianismo. É, ainda, a antessala do liberalismo de
Locke, visto que concebe a desigualdade social como determinada pela
predestinação dos homens, enquanto como o liberalismo de Locke a
concebe enquanto decorrente das transformações de uma sociedade
comercial e monetarizada e do carácter e personalidade dos indivíduos.

2.1.1.4 Os Estados Nacionais Aristocráticos


Os Estados nacionais, nascidos a partir do final da Baixa Idade
Média, constituem-se em estruturas de poder comandadas pelas
dinastias territoriais e situadas de forma intermediária entre o poder
local da nobreza feudal e os poderes universais representados pelo Papa
(poder espiritual) e pelo Imperador (poder temporal). A sua formação
obriga os reis a se sobrepor sobre os particularismos da nobreza feudal
de província. Para tanto, é necessário um consistente aparato
burocrático-administrativo e militar.

Os Estados nacionais absolutistas não são obras de uma burguesia


mercantil emergente. Nem, tampouco, de um bloco contraditório de
forças sociais e políticas - a monarquia, a nobreza feudal e a burguesia
mercantil. Os Estados nacionais absolutistas são o resultado da luta
política da aristocracia feudal, na sua busca por assegurar a
continuidade da extracção da renda da terra, num contexto marcado
por profundas mudanças.

As cidades comerciais e administrativas se fortalecem na Baixa


Idade Média e nos tempos modernos. A parcelarização das soberanias
feudais - cuja forma são as relações de suserania e vassalagem, que
asseguram aos últimos, autonomia e lhes impõe obrigações (fiscais,

48
militares etc.) - garante às cidades, no contexto de relativa autonomia e
liberdade, uma expansão económica segura.

As cidades antagonizam-se em relação ao campo quando este


tem como característica práticas económicas servis e autárquicas,
impondo-lhe uma divisão social do trabalho expansiva e uma agricultura
comercial. Conglomeram nas cidades, por sua vez, actividades
mercantis, manufactureiras e bancárias. As cidades impõem ao campo
uma especialização produtiva agro-pecuária mercantil, subordinada e
integrada às necessidades urbanas (Fourquin, 1979, citado em Barbosa,
s/d).

A aristocracia feudal enxerga nesta dinâmica de mudanças a


oportunidade de ampliar suas rendas, seja pelos novos mercados
abertos na cidade para víveres e matérias-primas, seja pela ampliação
(quantitativa e qualitativa) das actividades sujeitas a tributação.
Participa intensamente da criação de cidades, da normalização de
legislações, da protecção de estradas e comerciantes, da implantação
de portos fluviais, do controle da emissão de moedas etc. A aristocracia
feudal também enxerga na extensão dos rearranjos institucionais para
territórios mais amplos, rompendo com localismos e regionalismos
estreitos, uma forma de ampliar suas rendas.

Estas mudanças provocam transformações profundas na forma


do Estado feudal. Além da ampliação das mudanças para os limites de
um grande território, dinamizando a extracção da renda fundiária de
nova forma (em dinheiro), proporcionaria uma nova modalidade de
extracção da referida renda: o fundo público.

O Estado feudal, por meio de um gigantesco aparato fiscal,


administrativo e militar, assegura renda aos homens de sangue azul -

49
homens cuja fidalguia, além de garantir rendas e funções públicas, lhes
desincumbe do pagamento de impostos. O fundo público transforma-
se, portanto, numa nova fronteira de extracção da renda da terra a
benefício da aristocracia feudal.

O fim da servidão não significa o desaparecimento das relações


feudais no campo. A coerção extra-económica privada, a dependência
pessoal e a associação do produtor directo com os instrumentos de
produção não desaparecem quando o sobre produto rural deixa de ser
extraído na forma de trabalho ou prestações em espécie, e passa a ser
extraída em dinheiro. A propriedade agrária aristocrática, impedindo,
ao mesmo tempo, um mercado livre de terras e a mobilidade efectiva
do camponês, conserva as relações feudais de produção (Anderson,
1985, citado em Barbosa, s/d).

As monarquias nacionais então se formam. Submetidas,


contudo, ao controle da aristocracia feudal por meio de instâncias
feudais recuperadas e redefinidas. Os conselhos aristocrático-feudais -
denominados cortes, nos reinos espanhóis; estados ou ordens, na
França; parlamento, na Inglaterra - controlam a monarquia, bem como
a baixa nobreza local e provincial dentro do seu próprio campo de
classe.

O Estado absolutista é um Estado feudal reforçado e recolocado


para enfrentar uma dupla ameaça à aristocracia feudal. De um lado, a
comutação generalizada das obrigações, que transformadas em rendas
monetarizadas, ameaça a unidade básica da opressão política e
económica do campesinato - exploração económica com coerção
político-legal. De outro lado, o fortalecimento da burguesia mercantil
por meio do crescimento das economias urbanas, que prenuncia um

50
futuro conflito pela direcção da sociedade (Anderson, 1985, citado em
Barbosa, s/d).

O Estado absolutista é, afinal, expressão da hegemonia


aristocrática no contexto de um intenso processo de urbanização, de
redefinição das relações campo/cidade e de mercantilização. Não se
caracteriza, portanto, como fruto de um estado de equilíbrio de classes,
no qual a monarquia nacional equacionaria os conflitos entre
aristocracia e burguesia, como equivocadamente concebem, entre
outros, Marx e Engels (Marx e Engels, 1983, citados em Barbosa, s/d).

A aristocracia feudal permanece proprietária dos meios de


produção fundamentais, portanto, dominante económica e
politicamente. E conserva-se, enquanto tal, do princípio ao final da
história do absolutismo.

As dinastias territoriais formam o novo aparato público


assegurando a hegemonia da aristocrática por meio da manutenção da
estrutura estamental da sociedade e da concessão de inúmeros
privilégios (monopólios dos altos cargos da burocracia civil e militar,
sistema jurídico próprio, isenção de impostos, direito de pensão pela
condição de linhagem, etc.); por meio da prestação de homenagem de
um vassalo ao seu suserano, de forma a determinar alianças políticas,
guerras e casamentos que contribuam para a centralização política; e
por meio da cobrança regular de impostos determinados pelas
assembleias da nobreza e do clero, mais tarde também participada
pela burguesia.

No bojo destas transformações ocorre o processo de


centralização política em torno dos novos Estados nacionais; o
nascimento da Europa, isto é, um continente recortado por Estados

51
dirigidos por meio de monarquias nacionais absolutistas, mas
economicamente unificados pelo mercado; e os monarcas
transformam-se em figuras poderosas de direito civil e religioso.

2.1.1.5 Estado Nacional e Mercantilismo


A política social e económica dos Estados nacionais caracteriza-
se pelo dirigismo estatal e pelo ideal de um Estado forte. A política
económica mercantilista é a que melhor retrata estes objectivos.

A política mercantilista consiste de medidas criadas e praticadas


pelo Estado tendo em vista conquistar e preservar territórios e
concentrar a maior reserva possível de ouro e de prata. Para tanto,
dirige a economia segundo programas e metas previamente
estabelecidas; busca uma balança comercial favorável por meio de
política proteccionista, de obstáculos para a exportação de matérias-
primas e de estímulo para a exportação de manufacturados;
impulsiona a produção manufactureira por meio de protecção tarifária
e financiamento público; promove o comércio externo por meio de
concessão de monopólio de extracção/comercialização de
determinados produtos e de formação de companhias de economia
privada, pública ou mista; implanta o antigo sistema colonial por meio
de trabalho compulsório (escravidão, mita, encomienda, etc.), exclusivo
comercial metropolitano e combinação entre capital público e privado
tendo em vista gerar um valor (ouro, açúcar, etc.) mercantil.

A eficácia da política mercantil e de outras políticas do Estado


absolutista depende de outros processos, tais como o crescimento
demográfico e cerceamento dos campos, responsáveis pela maior
oferta de mão-de-obra, pela redução do custo do capital com salários,
pela dinamização do mercado interno para a actividade manufactureira
e pela disponibilidade de homens para a guerra; e a redefinição do
52
carácter e dos propósitos das guerras, responsáveis por gerar
territórios, por viabilizar controlo de mercados fornecedores de
escravos e especiarias, por proporcionar soberania náutica, e assim por
diante.

Os Estados nacionais e o mercantilismo desencadeiam o


expansionismo moderno. Esse expansionismo conjuga todas as formas
e objectivos do expansionismo antigo, como a conquista de recursos
naturais e de escravos, bem como com o que lhe é peculiar, qual seja, a
conquista de territórios para se reproduzir valor. Embora todas as
formas de expansionismo se constituam em uma característica das
sociedades fundadas na desigualdade social, o novo expansionismo
possui um carácter essencialmente económico.

Uma divisão internacional do trabalho é criada de forma a


assegurar a transferência de um volume incalculável de riquezas e a
avançar as forças sociais e produtivas na Europa. Forças sociais e
produtivas que, posteriormente, contribuem para promover a dupla
revolução burguesa e industrial do século XVIII.

2.1.2 O Iluminismo e a Razão

A Revolução intelectual que se efectiva na Europa,


especialmente na França do século XVIII e que é conhecida como
Iluminismo, representa o ápice das transformações culturais iniciadas
no século XIV pelo movimento renascentista. O antropocentrismo e o
individualismo renascentistas, que incentivam a investigação científica
e que levam à gradativa separação entre o campo da fé (religião) e da
razão (ciência), atinge com o iluminismo o poder de operar profundas
transformações no modo de pensar e agir do homem.

53
O Iluminismo procura uma explicação racional de forma que
rompa com todas as formas de pensar até então consagradas pela
tradição, em especial a submissão cega à autoridade e a concepção
teocêntrica medieval. Para os iluministas somente por meio da razão o
homem pode alcançar o conhecimento, a convivência harmoniosa em
sociedade, a liberdade individual e a felicidade. A razão é, portanto, o
único guia da sabedoria que pode permitir esclarecer qualquer
problema, possibilitando ao homem a compreensão e o domínio da
natureza.

Os iluministas propõem a reorganização da sociedade, com uma


política centrada no homem, sobretudo no sentido de garantir-lhe
igualdade e liberdade. Criticam: os resquícios feudais, como a
permanência da servidão; o regime Absolutista e o Mercantilismo, com
a limitação do direito à propriedade; a influência da Igreja Católica sobre
a sociedade, principalmente no campo da educação e cultura; a
desigualdade de direitos e deveres entre os indivíduos.

2.1.3 Sociedade Contemporânea e Trabalho

Na Europa do final do século XVIII consolidam-se a sociedade


burguesa e o capitalismo por meio, respectivamente, da Revolução
Burguesa e da Revolução Industrial.

A Revolução Burguesa, iniciada por meio da Independência dos


Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789), evidencia a crise
de hegemonia aristocrático-feudal. Todavia, a ascensão da burguesia à
condição de classe dominante não é acompanhada, imediatamente,
pela construção da sua hegemonia. A resistência aristocrática, de um
lado, e a presença do movimento proletário com a bandeira vermelha,
de outro, desperta o temor da burguesia e da sua representação
54
política. Decorre deste quadro as formas de regime e de governo não
republicano tendo em vista assegurar o domínio burguês – o consulado,
o I e II Impérios na França; a Monarquia Parlamentar Constitucional na
Inglaterra; o fascismo na Europa do Século XX, etc.

Após as Revoluções de 1848 (A Primavera dos Povos) a burguesia


busca um acordo definitivo com a aristocracia e abandona qualquer
veleidade revolucionária. A bandeira tricolor é abandonada
definitivamente.

A economia mercantil torna-se afinal uma economia capitalista.


Um mercado de tipo especial se forma: um mercado que não hesita em
recrutar como trabalhadores o exército de homens livres, sem trabalho
e sem meios de sobrevivência, que vaga pela Europa, em consequência
das mudanças sociais advindas com o cerceamento dos campos. O
mercador transforma-se, portanto, em capitalista quando, enfim, passa
a converter a força de trabalho em mercadoria, assalariá-la sob contrato
de trabalho e submetê-la a uma intensa espoliação económica. Este é
um passo único na história da humanidade.

A partir daí, as paisagens transformaram-se rapidamente:


primeiramente chaminés, comboios, ruas, edifícios, movimento; mais
tarde complexos industriais e comerciais, metrópoles, nova revolução
nos transportes, telecomunicações. As grandes cidades multiplicam-se.
O rural é urbanizado. Estabelecem-se novas relações entre os homens,
a natureza e os objectos (coisificados).

O capitalismo concorrencial e de livre iniciativa, que nasce com a


Revolução Industrial, se esgota no final do século XIX. O capitalismo
monopolista, por sua vez, nasce a partir de então e se estende aos dias
actuais. Dessas mudanças surge a crise do liberalismo, isto é, da

55
concepção, de teoria e ideologia valorizadora da iniciativa individual, do
livre mercado e da sociedade contratual como elementos propulsores
das transformações sociais. A crise do liberalismo e a competição
imperialista dá lugar a ascensão do fascismo, da corrida armamentista
e das guerras regionais e mundiais.

Ciência para o capital, razão instrumental e lógica do valor: uma


mentalidade marcada pela mercantilização do mundo natural e social,
pelo espírito de acumulação, pelo individualismo assume dimensões
sem precedentes. Um novo modo de vida, tipicamente burguês e
urbano, que assume uma forma “acabada” no “American way of life”,
se impôs em escala mundial.

Porém, o capitalismo traz no seu próprio ventre as forças sociais


e políticas da sua contestação: o proletariado. Vivendo em um intenso
processo de dominação política, exploração económica e opressão
ideológica, esta nova classe começa a travar lutas por melhores
condições de vida.

2.1.3.1 Capitalismo e Contestação do Mundo do Trabalho


As condições de trabalho da classe operária são as piores
possíveis na primeira metade do século XIX. Longas jornadas de
trabalho, salários aviltantes, trabalho infantil, e assim por diante.

Neste contexto, tendo a Inglaterra como referência forma-se, no


início do século XIX, a primeira expressão de uma consciência de classe
de cunho economicista e corporativo, o Ludismo. A revolta contra o
patrão e o desemprego culminam na destruição de máquinas e
equipamentos. Mas a violência patronal por meio de grupos armados e
leis de Estado que condenam à forca operários presos invadindo
fábricas ou destruindo máquinas debelam estes movimentos.

56
Posteriormente, tem lugar o Cartismo, que consiste no envio de
cartas e petições para que o parlamento se consciencialize da situação
da classe operária e adopte leis de protecção do trabalhador. Embora
igualmente economicista e corporativo este movimento possui a virtude
de incorporar a intervenção institucional como forma de luta, sob uma
unidade de acção de classe. A expansão da indústria moderna, o triunfo
ideológico-político da concepção liberal de sociedade e o pequeno
resultado prático do movimento cartista o esvazia ao final dos anos 40
do século XIX.

O movimento trade-unionista, isto é, o movimento sindical tem


início a partir de meados do século XIX. Nascidos das caixas de
solidariedade criadas pelos trabalhadores para socorrer emergências
como enterros, amparo a órfãos, socorro a enfermos, etc., desenvolve-
se enquanto organismo de defesa de classe circunscritos
fundamentalmente à esfera económica.

Por meio destas lutas nascem e/ou consolidam o anarquismo


moderno e o socialismo, doutrinas sociais que criticam e contestam a
desumanidade do capitalismo. Todas essas correntes políticas,
denominadas de esquerda, são radicalmente contra a primazia do lucro
sobre a vida e o bem-estar do homem. Por isso seus adeptos pensam
em formas de construir uma nova sociedade e tentam colocar estes
objectivos em prática.

O socialismo real nasce em lugar aparentemente improvável, a


Rússia Czarista, por meio da Revolução Russa de 1917. Posteriormente,
se estende para outros países e continentes.

57
2.1.3.2 As Novas Morais
A consolidação da burguesia como classe e a efectivação do seu
domínio, em especial a partir do século XIX, determina uma
transformação da moral burguesa. Esta moral, que como qualquer outra
moral convive com uma distância entre os seus fundamentos e as
práticas sociais concretas por ela orientadas e com uma influência
directa da moral dominante com a qual conflitua, perde seus elementos
de progressismo moral. A “nova” moral burguesa incorpora elementos
da velha moral aristocrática como a busca do conforto material, a
valorização do ócio e do parasitismo social etc., e desenvolve outros
elementos como a dissimulação, o formalismo, o cinismo, o
chauvinismo, a institucionalização do comportamento humano etc.

A actuação desta “nova” moral burguesa sob o mundo do


trabalho, em especial sobre o proletariado urbano, possui grande
significado. Actuação esta que assume um poder estruturador e
propagador moral ainda maior devido aos processos de alienação e
desumanização a que o trabalhador se encontra submetido, frutos da
tecnologia de produção e dos métodos de planeamento e racionalização
do trabalho. Além da imposição da perspectiva do conforto burguês
(consumismo, abastança material etc.), do concorrencialismo, do
individualismo, da obsessão pelo trabalho, observamos mais
recentemente a moral cultuadora do corporativismo de empresa (o
trabalhador como parte da empresa, a empresa com seus símbolos e
ritos etc.), do compromisso moral do trabalhador para com a empresa
etc.

As classes e grupos sociais que compõem o mundo do trabalho


também elaboram a sua moral. Por meio da sua experiência social no
trabalho, da sua organização político-sindical, das suas publicações, das
lutas sociais, dos seus intelectuais orgânicos etc., os trabalhadores

58
reúnem elementos de conduta moral alternativos como a solidariedade,
a progressiva igualdade de género e étnica, a identidade de classe etc.
A homogeneização/unificação destes elementos de conduta moral
alternativos, vivem fluxos e refluxos na directa relação com as
transformações produtivas, a intensidade e qualidade da interferência
da mídia na sociedade, as formas e qualidades da organização das lutas
sociais, e assim por diante.

O Mundo Contemporâneo Ocidental conhece, ainda, a


emergência de concepções filosóficas e políticas que incorpora
perspectivas de classes e grupos sociais subalternos. A contestação da
ordem social e económica, das estruturas de poder, dos padrões
culturais, da relação com a natureza, são algumas das temáticas
provocas pelas referidas concepções.

No plano filosófico, a Ética contemporânea é uma reacção contra


o formalismo kantiano e o racionalismo absoluto hegeliano, no sentido
de salvar o concreto. Como características gerais desta reacção
podemos identificar: a) a defesa do homem concreto (o indivíduo para
o existencialismo; o homem social para Marx), em face do formalismo
de Kant e do universalismo abstracto de Hegel; b) o reconhecimento do
irracional no comportamento humano, em face do racionalismo
absoluto de Hegel; c) a procura da origem da Ética no próprio homem,
em face da sua fundamentação transcendente (Vásquez, 1989, citado
em Barbosa, s/d).

2.2 Globalização e Reestruturação Produtiva

A palavra globalização foi elaborada no campo próprio das


ideologias. Transformou-se em um lugar-comum de enorme conotação

59
positiva. De fato, converteu-se em um discurso político e ideológico dos
países de capitalismo cêntrico e em uma verdadeira “evangelização” da
periferia capitalista. Discurso anunciador do desenvolvimento
socializador de riqueza no plano mundial em um futuro indeterminado,
mas que opera no presente justamente acentuando desigualdades
locais, regionais, nacionais e mundiais (Carvalho, 2000, citado em
Barbosa, s/d).

Para muitos, o início da globalização se reportaria à expansão


mercantil europeia a partir do século XV. No século XIX a unificação
económica e política do mundo se completaria em torno das potências
centrais, com a consolidação das corporações económicas, a disputa dos
mercados internacionais e o predomínio do padrão consumista sob
forte influência da Segunda Revolução Industrial.

A nossa abordagem, todavia, parte da compreensão de que não


devemos confundir mundialização do capital com globalização. A
globalização é uma fase da mundialização do capital na qual ocorre a
coincidência entre a hegemonia incontestável do capital financeiro
internacional e a desterritorialização dos Estados nacionais, isto é, a
globalização é fruto de um avanço das forças económicas dos países
capitalistas centrais e, principalmente, da imposição política destes
países sobre os países capitalistas periféricos.

Sob a globalização a economia mundial passou por


transformações profundas. Os preços dos produtos primários deixaram
de estar conectados aos preços dos produtos industriais, especialmente
tecnológicos; ocorre uma intensa redução do emprego operário na
indústria; e a dinâmica económica desloca-se definitivamente do
patamar nacional para o mundial.

60
A globalização expressa a universalização cada vez maior do
capital financeiro internacional. Isto determina processos como a
hierarquização dos poderes políticos e económicos regionalizados; as
novas formas de produção reinventadas continuamente a partir da
reestruturação produtiva; a nova base ideológica de estruturação
empresarial implementada com a substituição de antigos métodos por
novos nas áreas de produtos, processos, organização estratégica; a
expansão dos fluxos financeiros internacionais com a tendência à
desregulamentação financeira, o avanço de novos serviços financeiros
e a liberdade cambial (Carvalho, 2000, citado em Barbosa, s/d).

A globalização expressa, portanto, uma nova etapa de


internacionalização do capital em termos económicos, políticos e
militares, com inevitáveis desdobramentos culturais. Conforme Ianni
(1997, p. 11, citado em Barbosa, s/d, p. 184),

A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do


capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de
alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo
nações e nacionalidades, regimes políticos e projectos nacionais,
grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e
civilizações.

2.2.1 Crise Capitalista dos Anos 70 e a Reestruturação Produtiva

No final dos anos 60 e início dos anos 70 o fordismo – enquanto


método de produção, pacto produtivista-consumista e base tecnológica
electromecânica – entrou em crise. Como causa e efeito da referida
crise ocorreu a radicalização do movimento operário, queda da
lucratividade do capital e a tendência à estagnação económica (Bihr,
1998, citado em Barbosa).

61
Neste mesmo período ocorreu nos países de capitalismo
periférico e dependentes um aumento significativo de sua participação
relativa no montante global de recursos, o que também concorreu para
a crise dos países capitalistas cêntricos. Do ponto de vista produtivo, foi
se formando um ambiente económico no qual os países capitalistas
periféricos tornaram-se mais competitivos no mercado internacional
por meio de produtos manufacturados da Segunda Revolução Industrial
e com mão-de-obra pouco qualificada. Isto devido a políticas de
estabilização económica em um cenário de ampla liquidez
internacional; à políticas de actuação de capitais transnacionais nestes
países; e a políticas de crescimento económico, de forma a atrair
investidores internacionais e diversificar as posições empresariais.

A partir dos anos 70 teve início nos países capitalistas cêntricos


o advento da Terceira Revolução Industrial e o rompimento do modelo
tradicional do trabalho estabelecido no pós-guerra. Identificamos, a
partir de então, o enfraquecimento do poder de difusão dos produtos,
processos e formas de organização das empresas que compunham a
base dos investimentos das décadas de 50 e 60, especialmente da
indústria pesada e de electrodomésticos; o abalo das correlações de
preços entre matérias-primas e produtos manufacturados (década de
70-80); a aceleração dos preços de matérias-primas básicas, em especial
do petróleo, desequilibrando a estabilidade financeira, a produção
industrial e o comércio internacional; o continuado rompimento do
marco institucional da Guerra Fria, sobre o qual ocorreu a expansão da
actividade industrial do pós-guerra (Bihr, 1998, citado em Barbosa).

A reestruturação produtiva foi, portanto, uma resposta do


capital financeiro internacional por meio do modelo produtivo japonês,

62
americano, sueco, alemão e italiano para a crise que atingiu o
capitalismo no início dos anos 70. Esta resposta consistiu na
transformação das máquinas e equipamentos industriais por meio da
automação programada de base electrónica; nos produtos de maior
valor agregado e competitivo; na criação de formas de organização dos
processos produtivos mais flexíveis, optimizando a capacidade e
agilidade de produzir com mais qualidade; no aumento dos índices de
exportação desses países; na aplicação intensiva das formas de
cooperação entre empresas para a viabilização de pesquisas para o
desenvolvimento de novos processos, produtos e serviços; na
capacidade de articulação entre as condições macroeconómicas de
organização industrial e as políticas do Estado etc. Agregou-se a tudo
isto o aprofundamento das relações inter-industriais; a conversão das
empresas monopolistas nacionais em transnacionais; e o acirramento
da competição mesmo nas empresas pequeno porte.

As empresas transnacionais, que de fato constituíram-se no


motor das transformações em curso ao lado do capital
financeirobancário igualmente transnacional, enfraqueceram o poder
de regulamentação e estabelecimento de relações trabalhistas dos
Estados nacionais, com consequências para o mundo do trabalho;
mantiveram estreitos vínculos com o país de origem; reduziram o
espaço das políticas económicas nacionais; maximizaram a capacidade
de serem flexíveis, com hierarquias mais niveladas e estruturas mais
abertas, permitindo mais agilidade e eficácia em suas operações e
viabilizando a produção sob escala e escopo; flexibilizaram a produção
e automação dos processos que vão exigir, por sua vez, trabalhadores
mais preparados, com domínios em informática, línguas, processo
global da produção, bem como com mais iniciativa e
comprometimento para actuar em estruturas hierárquicas enxutas.

63
Sinteticamente, podemos dizer que o novo paradigma de
produção tem como motor da acumulação a inovação sistémica
promovida pelas transnacionais e não o lançamento de novos blocos de
investimentos. O novo estilo de desenvolvimento está baseado na
difusão acelerada, profunda e simultânea de inovações técnicas,
organizacionais e financeiras sob forte influência do novo paradigma
tecnológico. Paradigma tecnológico este que encontra-se capitaneado
pela micro-eletrónica, de forma que a sua disseminação nos diversos
sectores da economia tem levado a uma reestruturação da produção e
da divisão internacional do trabalho com reflexos directos no nível de
emprego (Carvalho, 2000, citado em Barbosa, s/d).

2.2.2 Aspectos da Globalização

A globalização é um processo que apresenta aspectos sociais,


políticos e culturais, mas as suas bases são económicas. A globalização
envolve a aceleração da internacionalização económica e o acirramento
da competição sob a óptica comercial, financeira, produtiva e
tecnológica.

Sob o aspecto comercial a globalização refere-se à expansão dos


fluxos de comércio em um contexto de acirramento da concorrência em
âmbito internacional. A competitividade, os acordos comerciais e as
negociações políticas tornam-se factores prioritários para o
delineamento das políticas nacionais.

Sob o aspecto financeiro a globalização refere-se a expansão dos


fluxos financeiros internacionais. Os desenvolvimentos das relações
financeiras internacionais são facilitados pela tendência de
desregulamentação financeira que podemos observar na maioria dos
64
países, pelo avanço da internacionalização de serviços financeiros e pela
liberalização cambial.

A globalização financeira baseia-se na formação de um único


mercado financeiro mundial, interligado pela telemática, com
funcionamento ininterrupto em tempo real. Em 1995, para um PIB
mundial de aproximadamente U$ 38 triliões, um montante de U$ 11
triliões flutuava pelo planeta, motivados pelos atractivos de mercado,
de forma a obter a maior lucratividade com o menor risco (Barbosa,
s/d).

Sob o aspecto produtivo a globalização articula-se ao


incremento dos fluxos de investimentos estrangeiros directos, às
estratégias das empresas transnacionais e ao processo de
reestruturação empresarial para enfrentar o mercado cada vez mais
competitivo. As grandes empresas transnacionais tendem a se constituir
em cadeias de produção espalhadas por muitos países, com os
objectivos de distribuir sua produção em todo o globo e de maximizar
sua lucratividade.

As empresas transnacionais romperam estes entraves nacionais


e passaram a operar em todo o mundo. Dentre as 200 maiores
transnacionais, 74 são da Europa Ocidental, 62 são do Japão, 53 são dos
Estados Unidos da América e 11 são do restante do mundo (Moraes,
2000, citado em Barbosa, s/d). Elas totalizaram em 95 uma facturação
de U$ 7,85 triliões, ou 31,1% do PIB mundial.

Sob o aspecto da economia política da globalização é necessário


reconhecermos o carácter simultâneo de suas determinações
económicas e políticas. A globalização impõe um processo de
rehierarquização de poderes políticos e económicos regionalizados e

65
assimétricos, mas que integra subalternamente mesmo elos distantes
como a África Central.

Os blocos económicos também se constituem em uma das


marcas da globalização. Em 1995, 59% das transacções comerciais
mundiais se realizaram no interior dos blocos económicos, 23% entre
eles e apenas 13% fora deles. Estes blocos criaram estratégias de
sobrevivência e de desenvolvimento, imprimindo características
peculiares na estrutura e dinâmica do panorama global (Moraes, 2000,
citado em Barbosa, s/d).

2.2.3 Reestruturação Económica e Desemprego

Na nova divisão internacional de trabalho as empresas


transnacionais, especialmente as de alta tecnologia, terciarizam sua
produção. Esta terciarização ultrapassa seus Estados nacionais de
origem, reservando para a sua matriz actividades como pesquisa,
marketing, design, etc.

A formulação e o desenvolvimento de estratégias na actividade


industrial são determinadas pela competição entre as transnacionais de
um mesmo país e como parte da disputa entre países. O processo de
reestruturação industrial alcançou um êxito global no caso do Japão,
com desdobramentos competitivos e complementares na Ásia,
sobretudo na Coreia do Sul e Taiwan. A Europa convive com dificuldades
com o jogo de interesses nacionais específicos.

Neste contexto de competição os países de capitalismo


organizado (Japão e Alemanha) ou com forte presença do Estado no
sistema bancário (França, Itália e Correia do Sul) estão bem mais
sucedidos se comparados com aqueles países que aplicam políticas
66
ultra-liberais de ajuste e desregulamentação (Inglaterra). Ocorre, ainda,
um fracasso dos ajustes automáticos do balanço de pagamentos
preconizados pelos Estados Unidos e pelo FMI, com efeitos sobre a
instabilidade financeira internacional, em especial nos países
capitalistas periféricos. A modernização em termos de países e
empresas com a distribuição regressiva dos excedentes sociais
proporcionados pelo progresso técnico e com a “socialização” das
perdas, implica em uma crise estrutural e em enormes transferências
patrimoniais (Moraes, 2000, citado em Barbosa, s/d).

A dinâmica da economia mundial tem se concentrado nos


sectores de alta tecnologia que requerem altíssimos investimentos em
pesquisa e desenvolvimento. O processo de inovação destes sectores
tem se restringido aos países de capitalismo central. Nestes países
observa-se a cooperação entre Estado, empresas e universidades, no
sentido de garantir a hegemonia nos referidos sectores.

O sector micro-electrónico é o mais dinâmico em


transformações e imprime o avanço tecnológico, a
criação/desenvolvimento de novos mercados e a intensificação da
concorrência entre os países capitalistas centrais. A opção por assegurar
o dinamismo do sector micro-electrónico implica significativos
investimentos.

O desemprego, que vem crescendo a partir do final da década


de 60, decorre em grande medida destes processos. Trata-se, portanto,
de um desemprego estrutural decorrente da reestruturação das
economias nacionais, da instabilidade financeira internacional, da
competição industrial-comercial e da liberação de mercados.

67
Processo mais intenso no sector industrial, visto que é o sector
que mais intensamente incorpora a reestruturação produtiva e sofre os
demais processos (abertura de mercados, recessão etc.). O aumento de
empregos no sector de serviços não foi suficiente para atenuar o
desemprego.

A sobre-oferta de trabalhadores sem trabalho tem determinado


intensa crise social. Esta crise social tem se expressado, entre outras
formas, na marginalidade social e no deslocamento de trabalhadores
dos países pobres para as metrópoles (no sentido norte-sul e esteoeste).

2.2.4 Globalização e Reestruturação Produtiva nos Países periféricos

Tem ocorrido um aumento de participação relativa dos países


capitalistas periféricos no montante global de recursos. A absorção do
investimento directo em torno de 40% do fluxo mundial de capital em
1996, responde por, mais ou menos, um terço das fusões e aquisições
de empresas nacionais pelas empresas transnacionais (Moraes, 2000,
citado em Barbosa, s/d).

As estratégias do capitalismo financeiro são globais e


direccionam-se para a busca de mercados com relação a produtividade,
qualidade e custo. Assim, ocorre o deslocamento da produção e de
postos de trabalho de um país para o outro conforme as conveniências
e a verificação de ganhos efectivos.

As empresas transnacionais, com um sistema de produção que


inclui flexibilidade administrativa, fragmentação do processo produtivo
e aplicação de insumos de diferentes origens, favorecem a transferência

68
de mercados de trabalho e mão-de-obra para os diferentes países. Isto
afecta o índice de concentração de empresas nos países.

A actividade produtiva e a acumulação do capital vivem um


período em que as fronteiras económicas se estreitam; os intercâmbios
científicos e sócio-culturais se aperfeiçoam, a flexibilização das
condições de trabalho e dos processos decisórios empresariais
avançam, o treinamento e a eficiência de cada sector da organização
empresarial tornam-se vitais para a empresa, a produção se terciariza,
e agilizam-se os comandos e processos relativos à utilização racional do
tempo, dentre outros factores.

No campo do trabalho, a implantação de nova tecnologia, ao


invés de liberar o processo criativo dos trabalhadores, padroniza cada
vez mais os processos programados de trabalho. O patronato, na
verdade, disputa não só a força de trabalho treinada, mas também a
mente do trabalhador.

Com a globalização, a terciarização ganha espaço, além do


trabalho informal e do desemprego e do subemprego. A crise da
organização e luta sindical também passa a compor esta realidade.

Percebemos que os velhos métodos tayloristas de trabalho


continuam vigorando em várias unidades produtivas espalhadas pelo
planeta. Todavia, a flexibilização do trabalho e da produtividade tende
a se consolidar no desenvolvimento do capitalismo.

No novo padrão de acumulação capitalista a tecnologia


microeletrónica exerce papel central na competitividade internacional
e constitui-se em factor limitante à integração dos países capitalistas
periféricos no mercado global. As vantagens comparativas

69
representadas pelo custo da mão-de-obra barata e abundantes recursos
naturais tende a ser um factor positivo de decrescente importância.

Nos países de capitalismo periférico e dependente, a continuar


as orientações políticas em curso nestes países, as tendências são de
regressão produtiva, desaparecimento da moeda nacional,
subordinação à dinâmica de cosmo politização dos padrões de
consumo, aprofundamento das desigualdades e apartheidização social.
Em que pese esta realidade continuará ocorrendo interesse pela região
por parte do capital financeiro internacional (Mello citado em Moraes,
2000, citado em Barbosa, s/d).

2.2.5 Qualidade e Exclusão Social

A obsessão pela qualidade que invade o campo produtivo


explica-se, em parte, pela existência de um mercado cada vez mais
diversificado e diferenciado. É a necessidade de desenvolver novas
estratégias competitivas que permitam uma maior e melhor
adaptabilidade a um mercado de tipo pós-fordista, que supõe um
mercado diferenciado e uma qualidade diferencial. Sem este carácter
diferencial, não se pode compreender uma das razões fundamentais
que explicam a qualidade no mundo empresarial (Barbosa, s/d).

Não é impossível homogeneizar – para cima – todo um mercado.


Consumir mercadorias de qualidade não é um direito de todos em uma
sociedade capitalista. Na terminologia do moderno mercado mundial,
“qualidade” quer dizer “excelência” e “privilégio”, mas não “direito”.

Os poucos que podem consumir mercadorias de qualidade não


querem, por sua vez, consumir sempre um padrão unificado e
homogéneo de produtos. Exigem variedade, permanente actualização,
70
inovação, criatividade, bons serviços etc. Os outros, segundo a
interpretação dominante, se beneficiarão na medida em que, quanto
maior consumo da minoria, maior deverá ser a produção, o que gerará
maior empregabilidade, riqueza acumulada e bem-estar social. Em
suma, os que falam sobre qualidade no mercado referem-se sempre à
qualidade dos incluídos, não a dos excluídos (Barbosa, s/d).

2.2.6 Reestruturação Produtiva, Trabalhador Polivalente e Educação

O discurso da valorização humana do trabalhador e a defesa


ardorosa da educação básica para a formação do cidadão e de um
trabalhador polivalente, participativo, flexível e de elevada capacidade
de abstracção e decisão, decorre da própria vulnerabilidade do novo
padrão produtivo. O novo padrão aumenta a necessidade qualitativa do
trabalhador.

O novo padrão produtivo, apoiado em sistemas informatizados,


projecta o processo de produção com modelos de representação do real
e não com o real. Estes modelos, em face de uma matéria-prima que
não é homogénea, podem apresentar problemas que comprometem
todo o processo. A intervenção directa de um trabalhador com
capacidade de análise torna-se crucial para a gestão da variabilidade e
dos imprevistos produtivos.

Por serem sistemas altamente integrados, problemas e


imprevistos não atingem apenas um sector do processo produtivo, mas
toda a estrutura produtiva da empresa. O trabalhador parcelar do
taylorismo passou a se constituir em um entrave para o novo padrão
produtivo, visto que o novo trabalhador devia ser capaz de identificar e
de resolver problemas e imprevistos em equipe (Barbosa, s/d).

71
O capital tem que redescobrir a humanidade obliterada do
trabalhador por parte do taylorismo/fordismo. O capital passou a se
interessar mais pela apropriação de qualidades sócio psicológicas do
trabalhador colectivo por meio dos chamados sistemas sócio-técnicos
de trabalho em equipas, dos círculos de qualidade etc. Trata-se de novas
formas de gestão da força de trabalho que visam a garantir a integração
do trabalhador aos objectivos da empresa (Moraes, 2000, citado em
Barbosa, s/d).

O capital busca forçosamente trabalhadores com um nível de


abstracção mais elevado, o que implica em mais tempo de escolaridade
e de uma escolaridade de melhor qualidade. Mas também busca,
combinadamente, manter tanto a subordinação do trabalhador quanto
a qualidade de sua formação.

A estratégia mais geral de subordinação do trabalho ao capital


dá-se mediante o mecanismo de exclusão social. Estes mecanismos são
materializados na expansão do desemprego estrutural, na precarização
do trabalho, na contratação de serviços terciarizados, no
enfraquecimento do poder sindical, entre outros processos.

No campo da educação e da formação, o processo de


subordinação do trabalhador ao capital busca efectivar-se mediante a
delimitação dos conteúdos e da gestão do processo educativo. No plano
dos conteúdos, a educação geral, abstracta, vem demarcada da exigência
da polivalência ou de conhecimentos que permitam a poli cognição.

O conceito de “poli cognição”, que busca explicitar as demandas


emergentes do sistema produtivo capitalista dentro do novo padrão
tecnológico, se caracteriza por um conjunto de conhecimentos. Estes

72
conhecimentos envolvem o domínio dos fundamentos científico
intelectuais subjacentes às diferentes técnicas que caracterizam o
processo produtivo moderno, associado ao desempenho de um
especialista em um ramo profissional específico; a compreensão de um
fenómeno em processo no que se refere tanto à lógica funcional das
máquinas inteligentes como à organização produtiva como um todo; a
responsabilidade, lealdade, criatividade e sensualismo; e a disposição
do trabalhador para colocar seu potencial cognitivo e comportamental
a serviço da produtividade da empresa.

O conceito de “polivalência” é de cunho mais operacional. Indica


as exigências demandadas do “novo” trabalhador, isto é, a boa
formação geral, atenção, lealdade, responsabilidade. Indica, ainda, a
capacidade de perceber um fenómeno em processo. Todavia, não indica
a necessidade de domínio dos fundamentos científico intelectuais
subjacentes às diferentes técnicas produtivas modernas.

Bibliografia
Barbosa, W. (s/d). Sociologia e Trabalho: uma leitura introdutória. S/l:
s/e.
Bauman, Z. (1997?). Globalização – as consequências humanas. São
Paulo: Zahar.
Beck, U. (1999). O que é Globalização? Equívocos do globalismo:
respostas à globalização. São Paulo: Paz e Terra.
Giddens, A. (2005). Sociologia. (4ª ed). Porto Alegre: Artmed.

Resumindo

Vimos que as mudanças provocadas pela Revolução Industrial


foram tão profundas que colocaram a sociedade. Que o trabalho existe

73
para satisfazer as necessidades humanas. Desde as mais simples
necessidades, como as de alimento e de abrigo, até as mais complexas,
como as de lazer e de crença. O trabalho se volta, enfim, para satisfazer
as necessidades humanas, materiais e culturais. Ao se analisar as
diversas formas de sociedade, encontram-se os mais variados modos de
organização do trabalho, como também maneiras muito diferentes de
se valorizar essa actividade. Encontram-se, ainda, diferentes formas de
relação do trabalho com as demais esferas da vida social.

Por outro lado, o discurso da valorização humana do trabalhador


e a defesa ardorosa da educação básica para a formação do cidadão e
de um trabalhador polivalente, participativo, flexível e de elevada
capacidade de abstracção e decisão, decorre da própria vulnerabilidade
do novo padrão produtivo. Este é o novo padrão que advoga o aumento
da necessidade qualitativa do trabalhador.

O novo padrão produtivo, apoiado em sistemas informatizados,


projecta o processo de produção com modelos de representação do real
e não com o real. Estes modelos, em face de uma matéria-prima que
não é homogénea, podem apresentar problemas que comprometem
todo o processo. A intervenção directa de um trabalhador com
capacidade de análise torna-se crucial para a gestão da variabilidade e
dos imprevistos produtivos.

Actividades de aprendizagem
Confira se você teve bom entendimento do que tratamos nesta Unidade
realizando as actividades propostas, a seguir. Se precisar de auxílio, não
hesite em contactar seu tutor.
1. O que é a Revolução Industrial?
2. Quais são as principais mudanças que foram provocadas,
inicialmente, pela Revolução Industrial?

74
3. O que a Revolução Industrial provocou na economia inglesa?
4. Quais foram as mais importantes mudanças provocadas pela
Revolução Industrial em relação ao período anterior?
5. Quais foram as principais mudanças culturais que a Revolução
Industrial provocou no âmbito do trabalho?
6. Quais os principais problemas que caracterizam a questão social no
período da Revolução Industrial inglesa?
7. O que é a globalização?
8. O que entende por reestruturação produtiva?
9. Quais são os principais efeitos da reestruturação produtiva nos
chamados países periféricos?
10. O que entende por trabalhador polivalente?
11. As sociedades modernas conseguiram funcionar sem a divisão do
trabalho? Justifique.

75
Unidade 3 - Socialização e Formação da cultura

3.1 Processo de socialização e formação da cultura

Como vimos na Unidade 1, há cerca de 10.000 anos o homem


deixou de ser um caçador itinerante para “sedentarizar-se” em lugares
que lhe permitissem, quase que naturalmente, construir meios e formas
mais apropriados no sentido de facilitar, por meio de sistemas de trocas
– relações sociais –, o suprimento de necessidades comuns, seja de
sobrevivência, seja de convivência.

Evidentemente, viver em agrupamentos significa abrir mão de


certos comportamentos instintivos e aceitar propostas e imposições da
parte de outros ou do grupo, no sentido de resguardar as facilidades
que permitem realizar o objectivo maior da sobrevivência. O impulso
natural de sobrevivência levou o homem a buscar um conjunto de
aprendizagens que lhe permitissem adaptar-se ao meio e, assim, poder
conviver com os demais indivíduos de seu grupo.

Esse processo de adaptação da sua personalidade para a


personalidade própria – e abstracta – do grupo tem o nome de
socialização. Veja, no extracto do texto de Horton e Hunt (1983, p. 39,
citado em Silva, 2010, pp.40-42), um exemplo de como o
comportamento habitual das pessoas, além dos factores biológicos que
o indivíduo traz consigo desde seu nascimento, é uma construção feita
ao longo de sua vida, cujos materiais são as diversas experiências que a
convivência lhe impõe.

76
Consideremos a manhã de um estudante universitário norte-
americano. Desperta sobre um grande e macio acolchoado mantido
acima do chão por uma armação de madeira e coberto com diversas
camadas de tecido suave, entre os quais dorme. É despertado em um
momento cuidadosamente predeterminado pelo retinir do som de uma
diminuta caixa numa plataforma próxima de seu acolchoado para
dormir. Estende o braço, silencia a caixa e depois de coçar-se várias
vezes e grunhir, levanta-se e entra num pequeno compartimento junto
ao quarto e olha fixamente para uma grande superfície brilhante que
reflecte sua imagem. Passa a mão pelo rosto e com a mão apanha um
pequeno objecto cortante, depois coloca-o no lugar de novo e sacode a
cabeça. Torce alguns botões e a água jorra de pequenos pedúnculos e
enche uma bacia, dentro da qual ele mergulha e se debate. Espreme
uma coisa branca em um pequeno bastão com um tufo e esfrega na boca
enquanto faz espuma e saliva.
Enxuga-se com um grande tecido macio, volta e faz escolha de
uma grande quantidade de tecidos de várias cores que estão moldados
para se ajustarem a diferentes partes de seu corpo. Depois deixa o
quarto e se encaminha para uma sala muito maior onde ele e muitos
outros estudantes formam uma fila indiana. Cada um é servido de
alimento que critica em voz alta e consome com avidez.
Depois de comer, deixa o prédio e aproxima-se de uma larga
passagem que está cheia de vagões... A sua frente observa uma jovem
e pensa em pedir-lhe um encontro e ficarem frente ao outro e pularem
para cima e para baixo.
Cada vez ruídos fortes são feitos por
uma equipe de fazedores profissionais de barulho. Deixando
tudo isso de lado, dirige-se a um grande prédio, procura uma
determinada sala, despeja-se numa cadeira e murmura para outro
estudante a seu lado: “O que é esse troço chamado “cultura” de que
esse professor está sempre falando?”. Um jovem Purari da Nova Guiné
desperta de seu sono quando o sol se ergue. Estava

77
dormindo em uma esteira de junco no chão da casa dos
homens.
Com outro jovem solteiro, dorme aqui porque seria chocante e
indecente que dormisse na mesma casa com parentes do sexo
feminino. Boceja, espicha-se e ergue-se para executar a primeira tarefa
do dia que lhe foi atribuída: verificar a fileira de crânios humanos nas
prateleiras em exibição para ver se estão em ordem. Contempla-os e
lembra-se dos poderosos inimigos que representam. Desejava ter idade
suficiente para participar da próxima festa canibal. Assim, os poderes
do inimigo surgiriam através de seus próprios músculos e sua astúcia, a
do inimigo, se alojaria em seu próprio cérebro. Na verdade, deve ser
formidável ser um guerreiro Purari. Mas, entrementes, há trabalho a
ser feito. Dá um mergulho rápido na corrente barrenta e depois vai à
casa do pai para um desjejum de sagui. Encontra a mãe e as irmãs na
casa e, por isso, volta à casa dos homens para ingerir seus desjejuns,
como deve proceder qualquer jovem de boas maneiras. Já que o
trabalho de hoje deve ser caçada aos porcos, ele apanha o arco e as
flechas e junta-se a outros jovens, principalmente parentes pelo lado
paterno da família. Enquanto estão esperando, uma donzela Purari
passa casualmente com sua saia de palha balançando alegremente e
ele conversa com ela por um momento. Desconfia que ela pode estar
gostando dele, mas seus dedos nem ao menos se tocam, porque ambos
estão acima de qualquer exibição vulgar. Quando o bando parte para a
selva, o irmão mais moço da jovem aparece e quietamente caminha
junto dele. Quieto e sem dizer nada, este menino coloca um pequeno
presente – um rolo de folhas de fumo – na mão do moço e desaparece.

Agora o passo do jovem se torna mais elástico e a postura de


seus ombros é mais segura. Agora sabe que a moça gosta dele e que a
cara mágica do amor que ele colocou sob sua esteira de dormir na noite
anterior, funcionou bem. Na verdade, deve ser bom ser um guerreiro
Purari, mas, nesse meio tempo, é bom ser um jovem Purari.

78
Com base nessa citação, você pode perceber claramente que o
comportamento habitual do homem, além dos factores biológicos
trazidos desde seu nascimento, é uma construção feita ao longo de sua
vida e que resulta das diversas experiências que a convivência lhe
desafia. Esse é o caminho pelo qual se constrói a personalidade de cada
um em meio à convivência com todos os membros do conjunto social.
Assim, todo bebé ingressa nesse mundo buscando seu máximo conforto
físico: à medida que cresce, vai internalizando (inserindo em suas
estruturas mentais) sua personalidade, sua linguagem, suas atitudes e
seus sentimentos, seus valores, seus gostos e suas recusas, suas metas
e seus propósitos, tudo isso traduzido por padrões de interacção com as
outras pessoas que fazem parte de seu meio. Cada pessoa constrói
todos esses traços e características mediante um processo chamado de
socialização9.

A socialização é um processo de aprendizagem permanente que


se inicia quando o indivíduo nasce. Essa aprendizagem parte de
processos puramente biológicos e é a convivência com seus
semelhantes durante o seu desenvolvimento que irá transformá-lo em
um indivíduo social, capaz de conviver com os outros de seu meio sem,
no entanto, torná-lo igual aos demais, pois na socialização o indivíduo
conserva características próprias. Como vimos rapidamente na Unidade
1, compete à Sociologia:
▪ examinar esses fenómenos vinculados e/ou decorrentes do
processo de socialização, buscando suas causas e seus efeitos;
▪ buscar explicações sobre as origens (história, função,
significado) desses fenómenos; e

9
Processo mediante o qual, ao longo da vida, o indivíduo aprende e interioriza os padrões
sócio-culturais dos meios de convivência dos quais ele faz parte.

79
▪ indicar possíveis consequências de seu uso/adopção ou rejeição
por parte do todo social.

Dessa forma, descobertas, analisadas e explicadas as relações


sociais que se formaram em um dado contexto, examinadas suas
origens e seus possíveis efeitos, o homem pode propor novas formas de
relacionamentos colectivos. Quando trabalhamos nesse sentido,
estamos fazendo Sociologia Aplicada e, desse modo, aplicando esses
conhecimentos em organizações privadas produtoras de bens e serviços
(uma fábrica de móveis, uma construtora, uma mercearia),em
organizações públicas (um posto de saúde, uma prefeitura), em grupos
diversos (uma organização não governamental (ONG) que se preocupa
com menores abandonados, com o meio ambiente etc.),sejam elas
formais ou informais. Trata-se de um campo de particular interesse,
pois, por intermédio de métodos científicos próprios, busca intervir de
modo prático e operacional nessas organizações (Silva, 2010).

A Sociologia Aplicada à Administração, considerando as


competências descritas acima, tentará sugerir intervenções no sentido
de fazer ajustamentos ou mesmo, à luz de uma definição do que seja
importante para essa sociedade ou para essa organização, fazer
provocações de mudanças que melhorem a convivência dos
participantes daquele contexto social (Silva, 2010).

Para que essa intervenção seja sistemática e adequada, ela deverá


realizar estudos e pesquisas no sentido de buscar:
▪ conhecer os modelos de relações que se estabelecem entre os
membros das organizações;

▪ conhecer os objectivos declarados e os não declarados das


organizações ou de quem esteja a sua frente; e

80
▪ antever os resultados produzidos, seja do ponto de vista interno
da organização, seja do ponto de vista externo, isto é,
resultantes dessas relações, sugerindo a definição de acções que
serão consideradas importantes para a consecução dos
objectivos propostos e o uso dos instrumentos necessários para
subsidiar, apoiar e facilitar essas acções (Silva, 2010).

Os estudos e pesquisas listados acima, uma vez elaborados, vão


constituir-se em uma relação dos aspectos que, examinados à luz do
contexto social10, devem fazer parte de qualquer plano de mudança que
se queira promover na organização.

Os diferentes elementos que foram apresentados – modelos de


relação, objectivos, acções a propor, resultados esperados – tentam
explicar a realidade que envolve uma organização e estão,
evidentemente, vinculados uns aos outros de tal maneira que se tornam
praticamente interdependentes. Certamente, esses elementos
interferem na maneira como as pessoas que fazem parte de um
contexto se relacionam, sem, no entanto, retirar do indivíduo sua
própria personalidade. O projecto ideológico de formação social
elaborado dinamicamente pelos elementos do contexto social sobre as
pessoas e das pessoas sobre o contexto social conduzirá à criação de
valores, símbolos e sanções, atitudes e comportamentos, significados e
sentidos, que serão dialecticamente construídos, assumidos e expressos
pelas pessoas que vivem naquele contexto e mediados todos os seus
novos membros. Considerada em sua perspectiva dinâmica, definimos,
em um primeiro momento, a cultura11 como sendo a totalidade das

10
Sistema de relações sociais, papéis, processos, estruturas, paradigmas, etc.
11
Pode ser entendida como forma comum e aprendida de vida partilhada pelos
membros de uma sociedade. 10Porte físico.
81
expressões criadas, vividas e mediadas, transmitidas pelos membros de
um conjunto social.

A cultura é uma extensa rede de significados sociais, isto é, de


significados compartilhados por todos os membros que fazem parte do
conjunto social. Assim, cada momento, cada elemento, cada objecto,
apresenta ao membro do grupo um padrão de pensamento/atitude e
um modelo de conduta.

Podemos enunciar de maneira mais simples que cultura é tudo o que


é criado, vivido, compartilhado e mediado pelos membros de uma
sociedade; que os hábitos adquiridos e os paradigmas construídos pelo
homem, os conhecimentos, a tecnologia, a arte, os valores, a moral, o
direito, as crenças, os costumes, os sentimentos, os símbolos, enfim,
tudo o que o homem construiu e partilhou com seus semelhantes,
constituem a cultura de uma sociedade. E, assim como na linguagem
quotidiana definimos por alguns qualificativos a compleição10 física de
uma pessoa – magro, alto, gosto, franzino, atarracado, etc., – na
linguagem psicológica, atribuímos qualidades vinculadas à
personalidade – personalidade agressiva, sociável, simpática, tímida
etc. Da mesma forma, ao estudarmos as organizações do ponto de vista
sociológico, buscamos dar ao conjunto de suas características sociais
atributos que venham a identificar melhor aquela organização.

Poderíamos avançar muito sobre o conceito de cultura; entretanto,


a partir das expressões anteriores, já podemos depreender os
elementos essenciais para a compreensão do termo, a saber:
▪ a totalidade das produções, vivências, criações, símbolos e
significados compartilhados e convencionados;
▪ a transmissão ao longo do tempo;

82
▪ a modelagem de uma forma comum devida a ser levada
naturalmente pelos membros de um conjunto social;

▪ as mudanças normalmente lentas; e


▪ a constatação de que se diferencia de uma sociedade ou de um
lugar para outro (Silva, 2010).

O termo cultura, no senso comum, apresenta um significado


diferente daquele que estamos empregando neste livro; significa
acumulação de saber, de um saber de conhecimentos gerais, de um
saber acumulado a partir de experiências, de viagens, de leituras etc.
Esse é o sentido original da palavra criada por Johann Christoph
Adelung. Praticamente um século depois, o termo cultura foi adoptado
pela nascente ciência da Antropologia e da Sociologia, mas não mais no
sentido de acumulação de conhecimentos, e sim no sentido de um
complexo que envolve os conhecimentos, as crenças, a arte, a moral, o
direito, os costumes e todas as outras aptidões e hábitos que o homem
cria e herda como membro de uma sociedade (Tylor citado em Rocher,
1968, citado em Silva, 2010).

A cultura envolve estudar e compreender as formas que o homem


encontrou para constituir-se:
▪ Poder sobreviver: inclui a criação fortuita ou acidental,
sistemática e científica, de instrumentos que tragam os valores
do plano ideal para o plano real.

Poder conviver: inclui a elaboração de limites e normas


comportamentais, os gestos, as crenças e os símbolos com seus
respectivos significados nos quais se baseiam muitas das normas e
dos limites de conduta, os costumes e hábitos como paradigmas de
satisfação de necessidades, e a arte como expressão de suas
satisfações e insatisfações.

83
3.2 Personalidade, socialização e cultura

Como vimos anteriormente, o impulso natural de sobrevivência


leva o homem a buscar um conjunto de conhecimentos e de habilidades
que lhe permita adaptar-se ao meio e assim poder conviver com sua
espécie: é o que chamamos de socialização. Quando falamos de
personalidade, estamos entrando em uma área em que as definições
são as mais variadas possíveis. No que diz respeito ao tema desta
Unidade, interessa mostrar como o homem se adapta aos padrões
comportamentais do grupo com o qual convive e que, portanto, devem
ser sempre considerados.

Yinger (citado em Horton & Hunt, 1983, p. 72, citado em Silva,


2010, p. 47) nos apresenta uma melhor definição:
[...] personalidade é a totalidade do comportamento de um
indivíduo com um dado sistema de tendências interagindo com
uma sequência de situações.

Observe, portanto, que a convivência admite a individualidade


de cada um de seus membros, porém, os padrões já experimentados e
aprovados pelo e dentro do grupo exigem do indivíduo sua adaptação
esses padrões. Quem não se adapta, corre o risco de ver-se excluído do
grupo por meio de sanções, as mais diversas possíveis.

Várias conclusões podem ser deduzidas desse conceito de


cultura e do facto de que esse processo de convivência influencia
profundamente não apenas os comportamentos, mas também o modo
de pensar das pessoas que dela compartilham em seus juízos de valor,
em suas percepções e nos significados que encontram em seu meio.

84
Podemos dizer que cada conjunto social, em função do contexto
social, constrói ou forma ao longo do tempo, uma cultura própria. As
atitudes e os comportamentos dos membros dessa sociedade tenderão
a diferenciar-se das atitudes e dos comportamentos dos membros de
outra sociedade, um exemplo interessante sobre o que estamos
dizendo é o caso dos japoneses: de maneira geral, os japoneses são
trabalhadores disciplinados e empenhados, o que faz com que, ao
serem demitidos, sintam-se humilhados a ponto de cometerem
suicídios.

Nas culturas ocidentais, ser despedido não deixa de ser um


transtorno e um abalo significativo na vida de um trabalhador, mas não
chega a ser um motivo que o leve ao suicídio; da mesma forma que
culturas ditas nacionais, as subculturas12, também constroem maneiras
de pensar e de agir distintas umas das outras. As atitudes das pessoas
frente ao trabalho nas diferentes regiões de Moçambique, ainda que
pouco estudadas, são muito comentadas e geram comportamentos
bastante distintos no que diz respeito aos modos e as formas de gestão
das organizações públicas e privadas.

O processo de socialização, como vimos na sua própria


conceituação, ocorre durante toda a vida do indivíduo. Entretanto, é na
infância e na adolescência que os padrões e as atitudes mais se firmam e
tomam consistência na personalidade do indivíduo. O adulto pode sim
alterar seu comportamento, porém, à custa de interiorização e
adaptação (o que demanda certo decurso de tempo) ou a partir de
confrontações que põem sua vida em risco (uma doença, um perigo
iminente). O indivíduo “mal socializado”, isto é, aquele que internalizou

padrões e atitudes não plenamente condizentes com a sociedade ou com

12
Parte da cultura total de uma sociedade que caracteriza segmentos ou grupos da mesma
sociedade.

85
o posto de trabalho que ocupa, encontrará dificuldade em mostrar o
desempenho e a eficiência que lhe é exigida, porque tais padrões não
fazem parte de sua personalidade (Silva, 2010).

3.2.1 Elementos da cultura

A cultura produzida pelo homem em seus mais variados processos


de interacção com o meio que o cerca nos apresenta duas faces:
▪ Elementos materiais: todo e qualquer material físico que foi
tomado e/ou modificado pelo homem passa a receber sentido
ou é usado para suprimir necessidades. Incluímos entre esses
materiais a tecnologia, a alimentação, as roupas, etc. Assim, um
seixo rolado tomado para segurar folhas de papel, se absorvido
e compartilhado pelos membros de um conjunto, passa a ser um
elemento cultural; as bebidas e os alimentos e suas formas de
prepará-los, também. Todos os objectos manufacturados –
ferramentas, móveis, casa, construções, fazendas, qualquer
objecto físico modificado pela acção do homem – constituem o
acervo material de uma cultura.

▪ Elementos imateriais: toda e qualquer construção mental que


está presente no dia a dia das pessoas e que faz parte daquela
sociedade: ideias, crenças, costumes, hábitos, atitudes (frente à
vida, ao trabalho, à riqueza, às normas, etc.), símbolos, gestos e
seus significados, língua falada e sotaque, formas e modelos de
comportamento das pessoas. Da mesma forma, as palavras que
designam as coisas de um contexto, as crenças, os hábitos, as
ideias associadas etc., também se constituem em elementos não
materiais.

86
Os elementos materiais de uma cultura são produzidos pela
formação e pela construção não material de símbolos e de significados
que os acompanham quase que simultaneamente: para quem não
conhece o que seja um jogo de futebol, um gramado com traves e as
demarcações próprias do campo de jogo, esses elementos perdem o
sentido produzido e passam a ser exclusivamente um gramado riscado
daquele jeito. Para quem nunca ouviu falar de xadrez ou dama, aquele
tabuleiro quadriculado não é mais do que um tabuleiro quadriculado.

O homem, portanto, é quem dá a medida das coisas que o


envolvem. Dessa forma, as coisas passam a ter um sentido e se
constituem em objecto material da cultura, e a medida que se dá a elas
passa a ser o elemento não material dessa cultura. Os elementos não
materiais da cultura são que dão sentido aos elementos materiais.

Assim, o sistema de normas e de leis (expressão positiva dos valores


cultivados pelo homem) regula as relações entre os membros da
sociedade, os hábitos e os costumes, as instituições. Os elementos não
materiais de uma cultura se constituem no que chamamos de cultura
ideal, em contraponto à cultura real, constituída pelos suprimentos
reais que os membros da sociedade efectivamente trocam entre si. A
pontualidade é um valor que se expressa em todo tempo e lugar de
culturas contemporâneas que já incorporaram o valor do tempo em seu
dia a dia (cultura ideal). Entretanto, na prática, um número significativo
de culturas não se importa muito com atrasos de 30 minutos ou mais
para o início de um espectáculo ou de uma partida ou chegada de um
veículo ou de uma reunião (cultura real) (Silva, 2010).

Compreender um povo significa dar conta de sua cultura ideal e de


sua cultura real. Quanto mais próxima à cultura real estiver da cultura
ideal, mais satisfações terão os membros dessa sociedade, pois,
87
teoricamente, as construções da cultura ideal são mais lógicas foram
adequadamente feitas para tratar todos com a igualdade que a
diversidade existente entre seus membros requer.

No que tange à cultura real – “micro formas” próprias de expressões


comuns presentes entre os membros de uma sociedade –, a referência
é o traço cultural responsável pela expressão de menores elementos
que permitem a descrição da cultura.
Considerando essa nossa discussão, podemos então afirmar que os
traços culturais permitem identificar a procedência de alguém?

Sim, além de justificar seus comportamentos, suas acções e suas


reacções e até sua maneira de pensar e de sentir. Por exemplo, se
vemos um homem trajando uma saia quadriculada que lhe vai até pouco
abaixo dos joelhos, sapatos e meias 3/4, certamente podemos dizer que
se trata de um traje típico escocês.

Traço, como definimos anteriormente, é uma expressão


pequena de um todo maior. Trajes, comidas, cumprimentos,
sentimentos, cores, gestos, sotaques e palavras, sem falar de crenças13,
costumes, ritos e rituais, manifestações colectivas, festas etc. podem
muito bem ser considerados traços de uma cultura. O traço não
necessariamente revela 100% uma cultura; por vezes, são necessários
mais traços para permitira identificação ou a aproximação.

Mais completada cultura que eles representam. Por outro lado,


quando se compreende o alcance que um traço cultural representa na
dinâmica de uma cultura e, por via de consequência, na vida das pessoas
que estão inseridas nessa vivência cultural, podemos compreender com

13
Convicção profunda e sem fundamento racional a respeito de uma pessoa, coisa ou
fenómeno.
88
maior clareza essas pessoas ou intervir nessa cultura, caso seja
necessário, para melhorar sua performance(caso de organizações) ou
para melhorar sua qualidade de vida (caso de políticas públicas).

O traço cultural tomado isoladamente é a expressão de apenas


uma face do todo cultural de uma sociedade. Entretanto, outra razão da
importância de identificarmos e de compreendermos traços culturais
está no fato de que estes, ainda que sejam expressões de uma
determinada face ou de um dado aspecto da vida social, se vinculam a
outros traços culturais de outros aspectos da vida social, formando uma
espécie de rede que envolve a todos e perpassa, desse modo, várias
formas de expressão daquela sociedade. Dito de outra forma, um traço
vinculado aos aspectos de alimentação pode estar vinculado ao aspecto
de saúde, de higiene, de educação, entre outros (Silva, 2010).

A cultura de uma sociedade forma uma espécie de rede


constituída de traços culturais interconectados. Na maioria das vezes,
um traço de uma instituição (família, por exemplo) se vincula a outro de
outra instituição (educação) e mais outros (economia, política etc.),
formando uma rede de traços com significados próprios e interferência
mútua. Por isso, alterações em aspectos de uma da instituição
(economia, por exemplo) produzem, ora de forma quase imediata, ora
de forma mais demorada, mudanças de traços ou de aspectos de outras
instituições (no caso, política, família, educação, etc.). Para entender
melhor, observe a Figura 2.
Figura 2: Rede de traços culturais

89
Fonte: Silva (2010, p. 52)

Perceba, então, com base na figura acima, que abolir ou lutar


contra um traço cultural pode resultar, muitas vezes, em ineficiência,
uma vez que um traço cultural normalmente não se expressa
isoladamente.

Na maioria das vezes, ele está fortemente ligado a outro traço


ou a outros traços que, aparentemente, não lhe dizem respeito: a
escola, por exemplo, está muito vinculada à família, que tem conexões
muito estreitas com os aspectos económicos e/ou religiosos e/ou
políticos, etc. Assim, ao reprimirmos um traço não desejável ou criarmos
outro em seu lugar, tornamos necessário conhecer toda a série de
vínculos que conectam tais traços uns aos outros para que o objectivo
pretendido possa ser mais facilmente alcançado.

Essas observações são extremamente válidas quando falamos


em alterações de uma estrutura social ou de mudanças em uma cultura.
Sem menosprezarmos o fato de que tais mudanças devem começar pela
Clarificação dos objectivos e dos valores, tornamos fundamental que
um levantamento de traços não condizentes com os objectivos
propostos seja listado para que, em seu
90
lugar, sejam apresentados e postos em prática outros traços ou relações
que se identificam com as novas propostas. Sem que os traços culturais
sejam levantados, compreendidos, avaliados em seu conjunto, qualquer
tentativa de mudança tende, alongo prazo, a resultar ineficiente,
porque as pessoas, em sua sociedade ou em seu local de trabalho, estão
também sujeitas à lei da inércia (inércia social).

Quando falamos de contexto social, entendemos este, como


mencionamos anteriormente, ou seja, como um tecido de relações, de
estruturas, de paradigmas etc., que se forma a partir dos diversos
elementos (tempo, espaço, recursos etc.) que o cercam e, até certo
ponto, dão-lhe condições de tornar-se consistente e permanente. Ao
aplicar tais elementos à noção de cultura, podemos facilmente deduzir
que tais elementos vão permitir a formação de diferenças em uma
mesma sociedade (Silva, 2010).

Podemos então entender que toda sociedade tem sua cultura, mas que
esta, dentro de uma mesma sociedade, não é inteiramente homogénea?

Realmente, um mesmo povo, ao ocupar diversos espaços, com


recursos diferenciados, formará ao longo do tempo pequenas
diferenças nas suas relações e nos seus modelos de satisfação de
necessidades: campo, cidade, montanha, planícies etc.; espaços estes
que vão criar peculiaridades próprias, caracterizando-se como
subculturas.

Tais peculiaridades se manifestarão nos mesmos fenómenos que


compõem uma cultura. Podemos ver e sentir tais diferenças ao
visitarmos, por exemplo, campi universitários em uma mesma região;
povoados a pequenas ou grandes

91
distâncias da cidade; bairros de uma mesma grande cidade. Outras
vezes, no entanto, precisamos observar com mais cuidado o nosso
entorno para ver essas subtis diferenças que fazem com que a
sociedade não seja um bloco uniforme, mas sim um bloco com
diferenças não essenciais que lhe subtraiam a homogeneidade e a
tornem mais interessante e rica de detalhes (Silva, 2010).

Evidentemente, uma subcultura, como o próprio nome está


dizendo, se expressa em grupos ou segmentos de uma sociedade por
formas e modos um pouco diferentes daqueles que caracterizam
acultura como tal, seja nos comportamentos (observação que se faz a
“olho nu”), seja no modo de pensar ou de sentir (constatável a partir de
pesquisas que utilizam métodos indirectos de observação). Confira a
respeito a figura 3.

Figura3: As crenças variam conforme a cultura, a classe social e as categorias

Fonte: Adaptado de Bernardes e Marcondes (1999, citados em Silva, 2010, p. 55)

Corroborando com essa discussão, a famosa antropóloga


americana Ruth Benedict, em seu livro clássico Patterns of culture,
publicado em 1934, apresenta uma discussão sobre as características
sociais do povo de uma pequena ilha ao sul da Nova Guiné Oriental

92
chamada Dobu. A citação a seguir foi extraída da edição francesa dessa
obra, Padrões de Civilização:

Dobu é uma pequena ilha ao sul da Nova Guiné Oriental[...]


Por sua localização, esta ilha fica perto das Ilhas Trobriand,
descritas por Malinowski. As ilhas são próximas e o povo de
Dobu navega a vela para negociar com o povo de Trobriand.
Entretanto, convém notar que são dois povos de
características e temperamentos completamente
diferentes. As ilhas Trobriand são baixas e férteis e
permitem a seus habitantes levar uma vida relativamente
fácil e hospitaleira: o solo é rico e suas lagoas e baías são
tranquilas e piscosas. Do outro lado, Dobu tem uma costa
rochosa e um solo vulcânico, com apenas algumas franjas
de terras cultiváveis. A população trabalha duro para tirar
do solo um mínimo de alimentos suficientes apenas para a
sobrevivência[...] Entretanto, a fama dos “dobuanos”
naquelas ilhas não tem nada a ver com sua pobreza: eles
são “gente perigosa”. Eles são considerados feiticeiros
dotados de poderes diabólicos e guerreiros que não
recuam diante de nenhuma dificuldade para realizar a
vingança. Antes da aparição do homem branco, eles eram
o único povo canibal e isto numa região onde a maior parte
dos povos não comia carne humana. (Benedict, 1950, p.
177, citada em Silva, 2010, pp. 55-56).

Na sequência, Horton e Hunt (1980, pp. 73-74, citados em Silva,


2010, pp. 56-57) continuam a descrever as características sociais desse
povo:

[...] a criança dobuana poderia pensar duas vezes antes de


vir a este mundo, se tivesse a possibilidade de escolher. Ela
nasce numa família em que o único membro capaz de
interessar-se por ela é um tio, irmão da mãe, do qual ela se
tornará herdeira. O pai, que se interessa pelos filhos da
própria irmã, fica aborrecido porque terá de esperar até

93
que a criança fique desmamada para voltar a ter relações
sexuais com a mãe. Muitas vezes a criança também é
rejeitada pela mãe, sendo o aborto muito frequente. Em
Dobu, as crianças recebem pouco calor humano ou afeição.
A criança dobuana logo aprende que vive em um mundo
governado pela magia. Nada acontece por causas naturais:
todos os fenómenos são controlados por bruxaria e
feitiçaria. Doenças, acidentes e mortes são evidência de
que a bruxaria foi usada contra a pessoa, o que vai exigir
vingança por parte dos parentes. A má vontade e a traição
são virtudes em Dobu e o medo domina seus habitantes.
Cada dobuano vive no temor de ser envenenado: o
alimento é cuidadosamente vigiado enquanto é preparado
e há, efectivamente, poucas pessoas com as quais um
dobuano consentiria em partilhar uma refeição. O casal
dobuano passa anos alternados nas vilas da mulher e do
marido, de modo que um deles é sempre um forasteiro
humilhado e crivado de suspeitas, que vive na expectativa
diária de ser envenenado ou de que lhe sobrevenha alguma
outra desgraça. Em consequência dos muitos divórcios e
novos casamentos, cada vilarejo abriga homens de outros
vilarejos: assim, nenhum deles confia nos anfitriões e todos
desconfiam uns dos outros. De fato, não se pode confiar
totalmente em quem quer que seja: os homens estão
sempre angustiados com as possíveis bruxarias da mulher
além de temerem as sogras. [...] Os dobuanos são hostis,
desconfiados, ciumentos, desacreditados, sinuosos e
enganosos. Essas são reacções racionais pois vivem em um
mundo repleto de males, cercados de inimigos, de bruxas e
feiticeiros: de repente, poderão ser aniquilados. Segundo
critérios e conceitos ocidentais de higiene mental, todos os
dobuanos são paranóicos a ponto de terem de apelar para
a psicoterapia. Mas chamá-los de paranóicos seria
incorrecto, pois seus medos são justificados e não
irracionais: os perigos que enfrentam são genuínos e não
imaginários. Uma personalidade paranóica imagina que os
outros a estão ameaçando, mas em Dobu os outros estão
mesmo querendo dar cabo de seus
94
semelhantes. Assim, a cultura molda um padrão de
personalidade que é normal e útil para essa cultura.

Bibliografia
Dias, R. (2010). Introdução à Sociologia. (2ª ed.). São Paulo: Pearson
Prentice Hall.
Giddens, A. (2005). Sociologia. (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed. Silva, G.
(2010). Sociologia Organizacional. Florianópolis: Departamento de
Ciências da Administração, UFSC.

Resumindo

Ao longo desta Unidade, você teve a oportunidade de conhecer


o processo de socialização e de formação da cultura. Viu que, em seu
desenvolvimento, o ser humano vai construindo formas de
relacionamento de modo a evitar choques e atritos com os demais
semelhantes que vivem a sua volta. Esse é o processo de socialização:
uma padronização de formas e conteúdos como resposta às
necessidades comuns. Assim, quando consideramos a totalidade dessas
formas e conteúdos, símbolos e significados, crenças e costumes etc. de
uma sociedade, estamos falando de sua cultura, ou seja, de um conjunto
de expressões próprias que são compartilhadas por todos e que se
transmite de geração em geração. Nessa cultura, mesclamos elementos
materiais (objectos diversos, utensílios, construções) e imateriais
(crenças, valores, rituais). Cada lugar, cada organização, cada
comunidade tem sua própria cultura. Ao absorver e vivenciar os

95
objectos materiais e imateriais da cultura de uma maneira mais própria
e diferenciada, um grupo de pessoas tende a construir uma subcultura.
Alterar acultura ou parte dela é um processo delicado que exige
cuidados especiais, sobretudo, no que diz respeito às pequenas
manifestações chamadas de traços culturais.

Esperamos ter contribuído com o seu aprendizado, uma vez que


buscamos destacar a relevância dos temas “relações sociais”e “cultura”
a partir de sua contextualização no quotidiano das pessoas. Se você
ainda tem dúvidas, retorne à leitura ou busque o auxílio de seu tutor.

Actividades de aprendizagem

Você terá agora actividades referentes ao tema estudado nesta Unidade


para fixar seu aprendizado. Esperamos que o conteúdo tenha ajudado
você a entender as características principais desse processo.

1. O que é cultura do ponto de vista do senso comum?


2. Como definimos cultura do ponto de vista científico?
3. O que são subculturas? São culturas inferiores?
4. Podemos afirmar que o processo de socialização é um processo de
aquisição de cultura?
5. Podemos afirmar que a cultura urbana é superior à cultura rural?
Qualquer que seja a resposta, explique por quê?
6. Uma construção cultural é a forma que um determinado
aglomerado humano encontrou/criou para resolver um problema ou
para expressar uma crença ou para simbolizar uma meta. Assim, a casa
é um abrigo da intempérie ao mesmo tempo em que preserva a
privacidade do homem; a roda é uma tecnologia de uma infinidade de
utilidades; o medicamento é uma droga para combater uma doença etc.
Faça uma lista das construções culturais expressas no texto de Horton e

96
Hunt (1983, p. 39), constante da página 40 deste livro-texto, que
descreve a manhã de um estudante norte-americano e de um jovem
Purari.
7. Faça uma lista de elementos culturais materiais e imateriais da
organização em que você trabalha, acrescentando o sentido/significado
que eles têm nesse ambiente (o sentido/significado pode ser diferente
de uma organização para outra).
8. Identifique uma região de Moçambique e liste pelo menos dez
traços culturais próprios dessa região.
9. Com base no conceito de socialização e cultura, identifique
características distintas entre a cultura moçambicana e a cultura de um
país vizinho (Tanzânia, Malawi, Zimbabwe, África do Sul, etc.).
10. Tendo compilado o exercício 9, tente justificar por que aparecem
tantas diferenças.
11. Porque é que a cultura não é propriedade de um indivíduo, mas um
atributo de um grupo ou uma organização?

Unidade 4 - As Organizações

4.1 Conhecendo uma organização

Para iniciar, vamos considerar que a função do ensino é manter


nossas mentes em movimento, dando-nos alimento e energia para

sempre questionarmos nosso ambiente, à luz de novos conhecimentos


e de experiências. Quanto mais sabemos, mais questionamos, e são
esses questionamentos que produzem indivíduos capazes de adaptar,
de criar, de ter iniciativa – características tão valorizadas actualmente
nas organizações.

É inegável que a sociedade humana vive hoje momentos cada


97
vez mais complexos. Se lançarmos um olhar sobre o desenvolvimento
do ser humano ao longo de toda sua vida sobre a Terra, talvez possamos
dizer que a naturalidade e a simplicidade iniciais estão deixando de
existir e dando lugar a um complexo quotidiano.

Ao buscarmos a história da vida do homem sobre a Terra, ainda


que os registos históricos sejam poucos, podemos afirmar que a
sedentarização14 foi um passo extraordinariamente positivo no sentido
de facilitar a sua sobrevivência. Foi no momento em que a espécie
humana se tornou sedentária, explorando os recursos disponíveis e
criando outros com o propósito de facilitar a sua vida, que começou a
sua diferenciação do restante dos animais: os instintos puramente
biológicos passaram a dar lugar ao estabelecimento defunções diversas
que seriam executadas em sequências mais ou menos ordenadas.

Com efeito, como você deve ter observado no início da unidade 1,


ainda que a “nova” vida, repleta de intempéries do meio ambiente,
fosse carregada de impertinências, atritos, brigas e toda sorte de
dificuldades criadas pelos próprios membros do agrupamento, foi essa
convivência que permitiu ao grupo uma extensão de sua própria
capacidade, “oportunizando”:

14
Demarca o período em que o homem deixou de ser um caçador itinerante e isolado, e
passou a fixar-se em determinados lugares, desenvolvendo actividades com vista a sua
sobrevivência junto de seus semelhantes.

98
▪ uma incipiente divisão de penosas tarefas de busca dos meios
de sobrevivência;

▪ a ampliação da capacidade do grupo em sua totalidade, que se


mostrou maior do que a soma das capacidades individuais; e
▪ um aumento significativo no que diz respeito à intervenção do
homem sobre a natureza e sobre as suas forças.

Com o tempo, os agrupamentos humanos foram criando novas


funções que seriam distribuídas e repartidas entre os próprios membros
do grupo. As primeiras organizações nasceram de duas necessidades
bem específicas, quais sejam: a de garantira sobrevivência do grupo –
organização militar – e a de garantir o apoio dos deuses – organização
religiosa.

No início do segundo milénio antes de Cristo, como registado em


documentos que foram preservados ao longo dos séculos e chegaram
até a actualidade, entram em cena o que hoje chamamos de
organizações governamentais. O Código de Hamurabi já propunha uma
divisão de tarefas específicas tanto para os funcionários do império
quanto para os membros da organização religiosa, em um sistema de
comunicações permanente com as demais províncias que ficavam longe
do palácio, além de definição dos impostos e das taxas que
assegurariam a manutenção do próprio império.

Em nossa sociedade moderna, as organizações assumiram uma


importância sem precedentes. Na sociedade Purari, conforme você viu
na Unidade 1, o jovem estava adstrito, de forma simples, aos rituais de
sua tribo, ele estava vinculado a praticamente uma organização – sua
tribo – e as pessoas com quem se relacionava eram sempre as mesmas,
um nome e somente uma função em meio à colectividade. O mesmo,
no entanto, não acontece com o jovem universitário norte-americano.
99
Nesse caso, como em toda a nossa sociedade, as vinculações a que cada
pessoa está sujeita e as relações que cada um estabelece em sua vida
diária são preponderantemente vínculos e relações com outras pessoas
que aí estão como pré-postos de organizações e, nesses casos, tais
pessoas podem mudar a todo instante, conforme a situação em que
cada uma esteja.

Assim, cada disponibilidade que a vida moderna oferece está, de um


modo ou de outro, vinculada a uma organização. Uma organização pode
ser aquela que disponibiliza a água, outra o transporte, uma terceira a
comunicação, outra ainda o ensino e os conhecimentos necessários, e
assim por diante. Quer se queira ou não, o homem moderno está
vinculado às mais diversas organizações, que chegam até ele sob as mais
diversas formas para satisfazer, bem ou mal, todas as necessidades de
seu dia-a-dia.

4.1.1 Conceitos de organização

Como você pôde observar, as organizações existem há muito


tempo, mas foi somente no século XIX, com o surgimento da Sociologia
como ciência, que tal fenómeno começou a ser estudado em suas
múltiplas formas e modos de existência. Como já vimos nas Unidades 1
e 3, à medida que os agrupamentos humanos se complexificam, o
próprio homem vai criando instrumentos materiais ou imateriais para
melhor conviver com o outro e satisfazer suas próprias necessidades.

Nesse contexto, foram criadas as organizações15. A origem da


palavra organização já ilustra, por si só, essa instrumentalidade de que
o homem se serve para melhor construir soluções frente aos inúmeros

15
Do grego orgánon significa ferramento ou objecto com funcionalidade específica.
100
problemas que a vida lhe apresenta, individual ou isoladamente, como
uma tarefa estrondosa, para não dizer quase impossível.

Como já vimos, a sociedade dos homens iniciou com duas


organizações específicas (militar e religiosa) e, à medida que foi se
complexificando, novas formas, modos variados e novos instrumentos
foram sendo criados para o desempenho e o desenvolvimento de
tarefas que já não mais seriam possíveis de serem realizadas pelos
indivíduos isoladamente. Hoje, evidentemente, há uma variedade
quase infinita de organizações e, para nosso estudo, torna-se imperioso
que entendamos bem o que quer dizer o termo organização. Logo,
podemos dizer, sem medo de errar, que onde há um agrupamento
humano, certamente há uma organização, ainda que tímida ou
incipiente.

Existem diferentes redacções para a definição do que seja uma


organização, mas podemos perceber que em todas sobressaem
características que, para os tempos de hoje, podem ser resumidas em:
▪ conjuntos de indivíduos ou grupos reconhecidos pela sociedade;
têm, portanto, uma unidade social que, em muitos casos, pode
ser observada até por pessoas de fora da organização;
▪ finalidades/objectivos próprios definidos no sentido de buscar
satisfação para uma necessidade sentida por seus membros;

▪ interesses a realizar e valores a alcançar por meio de normas de


conduta e por formas de relacionamento delineadas
diferentemente para todos;
▪ hierarquia de comando e/ou autoridade que coordena as acções
e os movimentos do todo; e

▪ espaços de actuação determinados e


continuidade/permanência no tempo (Silva, 2010).

101
Para melhor compreensão, observe a caracterização das
organizações que elaboramos para você por intermédio da Figura 4.
Figura 4: Características das organizações

Fonte: Silva (2010, p. 67)

As definições para organização são compostas a partir dessas


características, enfatizando, ora uma, ora outra, segundo as perspectivas
que parecem mais interessantes aos seus autores.

Bernardes e Marcondes (1999, p. 14, citados em Silva, 2010, p.


67) assim se expressam:

Organização é uma unidade social artificialmente criada e


estruturada, continuamente alterada para se manter no
tempo, e com a função de atingir resultados específicos que
são a satisfação das necessidades de clientes existentes na
sociedade e, também, a de seus participantes.

Por seu turno, Drucker (citado em Dias, 2008) sublinha o aspecto


de que uma organização é sempre especializada em sua tarefa, pois
apenas assim ela poderá apresentar os resultados a que se propõe.
Assim, um hospital é especializado em cuidar de pessoas enfermas, uma
escola se concentra no ensino, uma orquestra se fixa na execução de
música, etc.

102
Giddens (citado em Dias, 2008, p. 22) destaca a organização
como sendo o aspecto de “[...] grande agrupamento de pessoas,
estruturadas em linhas impessoais e estabelecido para atingir
objectivos específicos”.

Para Megginson, Mosley e Pietri Jr. (citados em Dias, 2008, p.23)


[...] organizações são grupos de indivíduos com um
objectivo comum ligados por um conjunto de
relacionamentos de autoridade responsabilidade, e são
necessárias sempre que um grupo de pessoas trabalhe
junto para atingir um objectivo comum.

4.1.1.2 Formalidade e informalidade

As características apontadas anteriormente são essenciais para


que a organização funcione de forma a atingir seus objectivos
prédeterminados, sobretudo, aquele que diz respeito à coordenação à
hierarquia que exerce controle e liderança sobre as acções de todos os
seus membros. Por isso, é normal que sejam estabelecidas estruturas
organizacionais que identifiquem de modo claro as formas e os modelos
de relacionamento entre todos os membros, os interesse e os valores a
preservar, as regras e as políticas de procedimentos, os campos e os
limites de actuação. Quanto mais essas características estiverem
definidas e postas em prática no dia-a-dia da organização, mais se dirá
que a formalidade está presente na organização.

103
Na organização judiciária, por exemplo, o não cumprimento de
uma regra, ainda que pequena ou considerada sem importância, poderá
constituir-se em motivo suficiente para a anulação de todo um
processo. Na escola do bairro, ainda que os prazos e os horários estejam
estabelecidos por edital da direcção, muitas vezes é possível buscar uma
satisfação fora dos horários ou das datas pré-estabelecidas em virtude
do facto de que a formalidade do tempo seja apenas um instrumento
que melhor administre a finalidade da organização que é educar e
ensinar estudantes.

Nas organizações maiores – públicas, privadas, não


governamentais – há definições claras sobre os papéis de cada membro
ou de cada categoria de membro, uma vez que há estruturas
hierárquicas, coordenação e comando. Tais práticas – sob a forma de
estatuto, de regimento, de regulamento ou de outro documento
equivalente –, são propostas de modo expresso a todos, comummente
por escrito, a fim de que não reste dúvida sobre os papéis que cada um
deve exercer, seja isoladamente, seja em conjunto com os outros
membros. Esse conjunto de características e de práticas constituem e
constroem a organização formal. Nesta, as relações entre os membros
vão suceder de modo impessoal, isto é, as relações sucedem desse
modo porque o comportamento dessas pessoas já foi previamente
definido e deverá expressar-se sempre assim. A relação não se dará,
portanto, de fulano para beltrano, mas de chefe para subordinado, de
coordenador para coordenado.

Quando uma ou mais dessas características essenciais da


organização se afrouxam ou deixam de existir, quando a formalidade
começa a dissolver-se por qualquer razão, certamente a organização

104
entra em processo de entropia16, dissolvendo aos poucos sua estrutura,
abrindo espaço a relações não previstas e criando, desse modo,
membros insatisfeitos.

Os membros de uma organização possuem um grau de


percepção e de compreensão próprio e mais elevado da entidade a qual
fazem parte. Evidentemente, quanto mais as características da
organização estiverem impressas na mente dos participantes e menos
expressas positivamente em um papel (regulamento, estatuto, etc.),
mais informalidade será encontrada e mais oportunidade de expressão
de sentimentos pessoais tenderá a existir. Um exemplo típico dessa
informalidade é a família, ou o grupo de amigos que se reúne uma vez
por semana para praticar desporto ou para discutir assistematicamente
um tema ao sabor de uma gostosa refeição ou de uma degustação de
bebida.

Cabe, entretanto, assinalarmos que em qualquer organização, à


medida que ela cresce e aumenta o número de seus membros ou a
precisão de seus objectivos ou o surgimento de uma hierarquia, há
sempre um conjunto de relações e/ou de interacções que também vão
surgindo de modo natural e espontâneo entre os membros e que não
estão previstas e/ou formalmente definidas. Tais relações e interacções
que normalmente ignoram posições estruturadas ocupadas, em seu
início, assumem uma importância bastante significativa e aos poucos
vão sendo formalizadas, isto é, assumem estruturas próprias. Delas, em
grande parte, dependem a motivação, a produtividade, o ambiente de
trabalho e a satisfação de pertença à organização. Equilibrara
informalidade sem abandonar os objectivos propostos e apoiar os
convívios informais entre os membros, como festas, torneios

16
Desordem ou instabilidade de certa informação.
105
desportivos, viagens, etc., sem desestabilizar a própria organização, são
os principais desafios da moderna Gestão de Recursos Humanos (GRH).

Por causa da importância que assumem os relacionamentos


informais, os responsáveis pela organização se dedicam cada vez mais
ao estudo de suas formas, suas origens, suas consequências e à busca
de modelos que facilitem e fomentem
de modo adequado a organização, sempre dentro de limites que evitem
o excesso de personalismo e/ou a dissolução de suas próprias
características. O personalismo exagerado e traduz pela vinculação
quase familiar entre os membros, criando um leque amplo de
possibilidades e/ou de probabilidades de que as regras e as normas, as
estruturas e a hierarquia, os meios e os objectivos, sejam deixados de
lado para atender a situações pessoais que não estejam adequadas à
organização.

Como vimos na Unidade 3, a informalidade é um dos


componentes da cultura real. Assim, devemos lembrar que os
relacionamentos informais fazem parte da própria organização, que não
deixa de exercer forte influência sobre eles, quer quantitativa ou
qualitativamente. O exercício dessa influência se dará sempre pela
clareza das regras, das políticas e dos procedimentos, todos essenciais
à estrutura organizacional, e que, sempre presentes no espírito dos
membros, vão construir a identidade e o carácter da organização que,
de um modo ou de outro, estarão estampados nas expressões formais
ou informais – de seus membros.

O facto de a organização conter em si um conjunto de


relacionamentos formais, definidos em suas características, e outros
tantos informais – conforme vimos antes –, exige do administrador o
acto de estabelecer o equilíbrio entre esses dois conjuntos: de um lado,

106
uma definição de regras de dedicação, de esforço e de trabalho
produtivo (dito em português coloquial: “vestir a camisa!”) e, de outro
lado, estabelecer um sistema de compensações que contrabalance
essas exigências integrantes do contrato de trabalho sob a forma de
incentivos, entre os quais estão incluídas, além da retribuição financeira
propriamente dita, outras formas de apoio, de incentivo e de sanções
positivas aos membros. A organização real se compõe dessas duas
metades que se complementam ao longo da sua existência.

Assim, sob o enfoque do primeiro aspecto, a formalidade, a


organização deverá deixar claro aos seus membros quais as actividades
desenvolver, as pessoas que participarão, os meios a serem usados, os
objectivos a serem atingidos e a própria avaliação dos resultados.

Sob o enfoque do segundo aspecto, a informalidade, que


retribuição terão os membros da organização e em que condições, em
razão de sua dedicação e de seu esforço.

É evidente que a composição equilibrada desses dois conjuntos


de valores e de propostas deverá estar plenamente integrado ao
conjunto maior de relações e de interacções humanas que compõe
acultura da organização. Pesquisas realizadas em um sem-número de
organizações públicas, privadas e não governamentais reconhecem,
indicam e insistem no binómio “formalidade-informalidade”, revelando
que a formalização das propostas, dos valores e das estratégias deverá
vir acompanhada de algumas atitudes que favoreçam a motivação dos
membros, como a opinião dos colegas de trabalho, o reconhecimento
do chefe/director em relação ao trabalho realizado, o bem-estar no
ambiente, as informações mais completas sobre a própria organização
e, por fim, um salário condizente.

107
4.1.1.3 Tipos de organizações

Você já deve ter observado que não existe apenas um tipo de


organização, não é? Pois bem, há vários tipos e cada uma com
características próprias, actuando em uma área que venha a satisfazer
alguma necessidade em nossa sociedade.

Independentemente de suas características, que permanecem as


mesmas para todas as organizações, estas podem ainda ser classificadas
como sendo:
▪ públicas;
▪ privadas; e
▪ do terceiro sector.

Tal classificação atende, sobretudo, de um lado, às finalidades


impressas na organização e, de outro lado, à sua origem e ao controle
que se exerce sobre ela. Evidentemente, cada uma dessas classes de
organizações pode compreender uma gama mais específica, podendo
ser ordenada pela função que desempenha na sociedade, como
destacam Katz e Kahn (citados em Dias, 2008); pelas suas finalidades,
como aponta Maintz (citado em Dias, 2008); pelos seus métodos de
trabalho (cooperativas); ou por sua área de abrangência, se regional,
nacional, multinacional. Neste quesito, cada autor constrói sua própria
classificação, de acordo com as diferenciações que ele mesmo percebe
na existência desses sistemas sociais.

Nesse contexto, podemos afirmar que a organização pública é


caracterizada pelo fato de buscar preencher uma necessidade que seja
comum aos cidadãos – ou a uma categoria de cidadãos – e que seja
imprescindível para o pleno desenvolvimento da cidadania. Logo, sua

108
finalidade primordial é, portanto, a prestação de um serviço; por
exemplo, uma organização escolar que alfabetize o cidadão ou uma
organização hospitalar que atenda às necessidades de saúde do cidadão
ou uma actividade estratégica que atenda a interesses dobem comum
como é o caso dos serviços de vigilância sanitária, de segurança pública
etc. Em qualquer uma delas, o objectivo principal não é o
interesse/finalidade económica, mas a prestação de serviços de
natureza comum a todos os membros de uma sociedade ou a algum
sector/aspecto específico. Para isso, a organização pública dispõe de
um orçamento que, teoricamente, permite-lhe realizar os objectivos a
que se propôs (Silva, 2010).

Por outro lado, como essas organizações tratam da satisfação de


uma parcela considerável de membros da sociedade, as relações de
poder que se estabelecem para esses tipos de organização se
constituem em estruturas relativamente fortes, hierarquizadas, pouco
participativas e pouco flexíveis, o que lhes dá uma rigidez operacional
nem sempre desejável, uma vez que as sociedades estão em processos
contínuos de mudanças e de transformações.

Outra situação que merece destaque é que um número expressivo


de lideranças buscou, ao longo de todos os tempos, mas especialmente
no século passado, ampliar o raio de acção de suas organizações
privadas, buscando compartilhar com o Estado a realização de políticas
públicas, o preenchimento de necessidades sociais específicas e a
realização de sonhos pessoais que tivessem repercussão social (Silva,
2010).

O século XX foi altamente criativo e profícuo no que diz respeito à


criação de entidades que respondessem às necessidades sentidas por
sociedades inteiras, por parcelas dessa sociedade e mesmo por grupos

109
que quiseram organizar-se em torno de seus interesses particulares
(Barbosa, s/d; Silva, 2010).

Estamos falando das organizações do terceiro sector –


constituídas principalmente por organizações não-governamentais
(ONG’s), por fundações filantrópicas, por sociedades de interesses
artístico-culturais, por organizações civis de interesse público etc. Estas
organizações apresentam características bem diversas das anteriores.

A estrutura de poder das organizações do terceiro sector é


participativa, uma vez que o carácter de solidariedade e de vocação
altruísta exigem formas mais simples e flexíveis de exercício do poder.

Por outro lado, considerando que essas organizações


apresentam normalmente esse carácter de voluntariedade, podemos
dizer que os objectivos operacionais a serem alcançados não se
constituem em uma questão de vida ou de morte da própria
organização, mas são fixados sem razão da disponibilidade de recursos,
a menos que disponham de uma fonte própria de recursos financeiros,
como é o caso de muitas fundações constituídas de líderes empresariais
que lhes destinam valores significativos. Essas organizações sempre
condicionam o alcance de seus objectivos a uma previsão do que será
necessário, incentivando seus membros a realizarem um esforço
contínuo na busca dos meios necessários à execução dos objectivos
traçados (Silva, 2010).

As organizações privadas (sejam elas de serviços, de produção


agrícola ou de produção industrial) são concebidas para o alcance de
objectivos económicos e suas características (estruturas, objectivos,
hierarquia etc.) se desenvolvem e se adaptam com a rapidez e a
flexibilidade necessárias às mudanças que ocorrem no meio em que

110
estão inseridas. Essa rapidez e essa flexibilidade são qualidades
essenciais para a boa performance da organização e representa um
grande diferencial em relação às organizações de carácter público ou do
terceiro sector, como vimos anteriormente.

Tais qualidades se constituem em vantagens, como:


▪ visão aberta das relações que se estabelecem entre a
organização e o ambiente no qual vivem;

▪ especial sensibilidade às mudanças operadas no ambiente;


▪ sistema de canais de comunicação directo e eficaz,
intraorganizacional e inter-organizacional;

▪ busca incessante de inovações que venham a atender a


necessidades muitas vezes apenas vislumbradas pelos membros
da sociedade; e

▪ criação permanente de novas formas e novos modelos de


organização interna que permitam e impulsionem o próprio
desenvolvimento.

Você conseguiu perceber, por meio do que conversamos até agora, que
as organizações existem desde que o homem deixou de ser um
caçadorpredador itinerante e estabeleceu-se em agrupamentos
sedentarizados?

As organizações, hoje, são parte da sociedade dos homens.


Enquanto essa sociedade se complexifica, o próprio homem vai criando
novas organizações e novas formas de organização para responder às
novas necessidades que surgem à medida que o mundo em que ele vive
vai sendo descoberto e dominado (Silva, 2010).

O estudo das organizações busca compreender cada vez melhor


seus constitutivos fundamentais porque é nessa compreensão que
111
reside a melhoria da convivência humana e da qualidade devida. As
organizações se constituem em agentes colectivos, que ora influenciam,
ora determinam, a vida dos agentes sociais colectivos e/ou individuais.

No complexo mundo actual, ninguém mais busca isoladamente


a solução de problemas ou de conflitos sem a participação de uma ou
de mais organizações que se entrelacem na sua origem, nos seus
objectivos ou nos seus métodos de acção. Então, podemos dizer que o
mundo contemporâneo é essencialmente complementar, isto é, o
homem não é uma ilha!

Por isso, propomos a você que, antes de prosseguir, reflicta sobre a


quantidade de organizações a que cada um de nós recorre em nosso dia
a dia para viver e conviver em sociedade. Depois dessa reflexão, siga
para o próximo item desta Unidade, pois lá teremos a oportunidade de
conversar sobre comportamento social eorganizacional. Vamos lá?

4.2 Comportamento social e comportamento organizacional

Ainda para complementar esta Unidade, na qual expomos


informações básicas sobre as características das organizações,
apresentamos agora um item especial sobre o modo como as pessoas,
ao longo do processo de socialização, vão elaborando seu
comportamento do ponto de vista individual e da organização.

Para instigar sua leitura, vamos iniciar com uma pequena


reflexão: homem ou mulher, quem dirige uma organização deverá ter
sempre em mente que sua função principal é influenciar, coordenar e
estar a frente das pessoas que pertencem a essa organização e que, de

112
um modo ou de outro, ora mais ora menos, se expandem e interferem
nos outros grupos formais e informais existentes e na própria
sociedade. Para bem cumprir sua tarefa, você precisará conhecer as
pessoas que fazem parte da organização e sua “rede social” para então
examinar as causas que originam os seus comportamentos e os diversos
processos pelos quais tais comportamentos se manifestam.

Rede social ou rede de papéis ou papel social “é o

comportamento apresentado pelas pessoas de acordo com as


expectativas já estabelecidas pela sociedade para uma
determinada função ou exercício profissional” (Silva, 2010, p. 77).

Podemos considerar que papel social é também o conjunto,


relativamente numeroso, de diversos papéis que cada membro da
sociedade desempenha, de modo relativamente independente, em seu
dia a dia e/ou ao longo de sua vida. Dizemos “relativamente
independente” porque na sociedade moderna os papéis
desempenhados por um indivíduo tendem a interferir e a influenciar no
comportamento desse mesmo indivíduo, quando desempenhando
outros papéis aparentemente não conexos. É o caso do operário que,
extremamente cuidadoso e altamente qualificado, um dia sofre um
acidente de trabalho (Silva, 2010).

Examinando esse acidente à luz da razão, podemos constatar


que “sua cabeça” estava em casa, como filho doente ou com a esposa
demitida, ou com algum outro assunto que fosse mais relevante
naquele momento. Por isso, não basta ao administrador actual saber
apenas que um indivíduo é seu empregado, nem tampouco contentarse
em saber que seu empregado é também pai, marido, religioso
praticante, entre outras coisas. A preocupação moderna deverá levar

113
em conta a rede de papéis desse indivíduo e sua grade de desempenho
nos outros papéis vividos fora do âmbito exclusivo da organização, em
outros segmentos sociais independentes da organização à qual está
vinculado. Esses outros papéis do indivíduo também determinam
respostas específicas e exigências próprias distintas das exigências da
organização.

Para entender, observe as Figuras 5, 6, e 7, a seguir, que ilustram


a evolução do entendimento administrativo em relação ao indivíduo.
Em um primeiro momento (Figura 5), a Administração entendia quase
que exclusivamente o papel de empregado como único na vida do
indivíduo. Em um segundo momento (Figura 6),a rede é ampliada, mas
ainda com limitações. Por último (Figura 7),a Administração busca
considerar o indivíduo em sua rede inteira de papéis para que a
intervenção que realiza sobre os membros da organização seja de êxito,
isto é, satisfatória para os indivíduos e paraa própria organização.

Figura 5: A organização e o empregado em seu “único” papel

Fonte: Silva (2010, p. 79)

Figura 6: Outros papéis sociais vinculados ao papel de empregado

114
Fonte: Silva (2010, p. 79)

Figura 7: Outros papéis sociais vinculados a outros e todos se interligam

Fonte: Silva (2010, p. 80)

4.2.1 Posição social e status

Os comportamentos que cada indivíduo desempenha ao longo


de sua convivência são desempenhados diante de outros indivíduos em
um processo de interacção recíproca, que se produz quando as pessoas

115
realizam juntas seus papéis sociais. Essa relação implica a expectativa
de comportamentos já desenvolvidos.

Você já parou para pensar sobre quais são os papéis que você está
desenvolvendo na sociedade onde vive e por que está desenvolvendo
esses papéis?

É importante saber que os papéis que desenvolvemos em nossa


sociedade são resultantes de uma construção cultural.

Nas culturas matriarcais, por exemplo, a mãe desempenha o


papel de maior autoridade na família. Nas sociedades patriarcais, o
papel de maior autoridade é destinado ao pai. Em determinadas
culturas, cabe às crianças apenas ouvir e obedecer aos adultos, em
outras, elas participam activamente das decisões familiares. Assim, os
papéis de diferentes pessoas se encontram e são postos em ligação
entre si e para cada um deles já há um modelo de comportamento que
se espera seja realizado. Dessa forma, há um comportamento que se
espera de quem desempenha o papel de pai que interage comum filho;
o papel de comprador que interage com um vendedor, e assim por
diante.

Na medida em que um membro do conjunto social desempenha


seu papel satisfazendo necessidades, seja de outros membros do
conjunto com os quais interage, seja do próprio conjunto social, ele
passa a ocupar uma posição social: um vendedor ocupa uma boa
posição social quando satisfaz plenamente as expectativas do
comprador; um pai gozará de boa posição social se satisfizer as
necessidades do filho e que tais comportamentos (desempenho)
estejam de acordo com as expectativas esperadas pelo que o todo
social.

116
Todas as sociedades têm seus papéis relativamente demarcados
no que diz respeito aos comportamentos esperados e, de acordo coma
importância que se atribui à satisfação das necessidades sentidas, o
comportamento esperado será mais ou menos considerado e,
consequentemente, o indivíduo que desempenha tais papéis, em uma
medida maior ou menor, suprindo tais necessidades, ocupará uma
posição social mais ou menos considerada.

Certo número de atributos acompanha sempre um exercício


profissional. Os mais comuns em nossa sociedade são o prestígio, o tipo
de trabalho, a liberdade de que se goza e o salário. Essas quatro
variáveis tornam possível definir diversas posições na estrutura social e
atribuir um escore, em função de combinações com esses quatro
atributos, a cada uma das posições.

Normalmente, na estrutura habitual de nossa sociedade, quanto


mais interessante é o trabalho e quanto mais prestígio ele oferece, mais
liberdade a pessoa tem e mais alto é o salário que recebe. Entretanto,
há pessoas que aceitam um salário mais baixo, mas em compensação se
beneficiam de mais prestígio; outras há que se submetem a realizar um
trabalho pouco interessante, mas gozam de mais liberdade de horários
ou recebem um salário mais elevado.

Resumindo, todas as combinações entre esses quatro atributos


são possíveis. Como exemplo dessas afirmações, podemos examinar
alguns papéis comuns em nosso meio social: tomemos o papel de
médico.

A valorização profissional está associada à manutenção do


status17. Há sociedades em que o professor ou o mestre é o profissional
mais valorizado (é o caso do Tibete). A valorização não corresponde
única e exclusivamente a uma posição mais ou menos significativa, mas
117
às ideologias, às relações de poder, ao desenvolvimento de políticas
públicas capazes de diminuir as desigualdades sociais. Na Europa, por
exemplo, há profissionais da área de saúde que são tão valorizados
quanto os electricistas, motoristas, etc., porque o poder aquisitivo entre
eles não apresenta desigualdades.

Podemos então dizer que o exercício da profissão confere status àquele


que a desempenha?

Podemos sim, entretanto, se o desempenho de um determinado


médico não satisfaz às necessidades do conjunto social, ainda que a
profissão continue a gozar de prestígio, a posição que aquela pessoa
ocupará na grade social daquele conjunto não será correspondente ao
status da profissão e, evidentemente, não gozará do prestígio que a
profissão lhe reservaria, teoricamente. Nessa mesma proporção, o
professor terá uma posição menos significativa do que a do médico, ele
terá uma posição talvez mais prestigiada do que a do policial, o garri
menos do que a do policial e, assim, sucessivamente, dependendo de
quais necessidades estejam em mais evidência naquele contexto e da
importância que o contexto atribui àquele exercício profissional.

Como consequência lógica desse fenómeno, as pessoas


participantes de um conjunto social colocam em prática uma avaliação
de desempenho dos papéis sociais: uma forma de reacção positiva ou
negativa pelo desempenho realizado. Essa reacção pode ser aprovada
ou positiva porque o desempenho realizado correspondeu às

17
Posição favorável de um indivíduo nos diferentes âmbitos de relação e interacção social.

118
expectativas do comportamento atribuído àquele papel e reprovada ou
negativa, que se externalizam por repulsa, castigos, multa, boicote,
salários mais baixos etc., quando tais comportamentos não
correspondem às expectativas ou a profissão não representa uma
necessidade premente para o todo.

Dentro de uma organização não será diferente, terá mais


prestígio e consequentemente mais salário quem exerce o papel que
melhor responde pelas necessidades da organização, excepção feitas
cargos – e os salários – ocupados por força de ligações familiares,
nepotismo ou apadrinhamento. Em nossa sociedade, o desempenho
dos papéis sociais, além de não ser somente uma resposta às
necessidades que o conjunto social possui, é também uma forma de
ver, julgar e interpretar a própria realidade, tanto física quanto
imaterial. Assim, engenheiros tendem a ver a realidade social sob o
ponto de vista de uma dinâmica mecanizada, enquanto os médicos
tendem a vê-la sob o prisma de uma evolução biológica. Isso depende
das influências e das trocas culturais que estabelecemos na sociedade.

Por exemplo, pessoas que viajam muito e tem oportunidade de


conhecer e interagir com variadas culturas poderão apresentar maior
capacidade para compreender e lidar com a cultura do lugar onde
habita.

4.3 Processos organizacionais: Poder, Liderança e Comunicação

4.3.1 O Poder e seus impactos


Um componente importante da estrutura organizacional é a
centralização ou a distribuição de poder. As relações de poder que
podem ocorrer entre departamentos, níveis hierárquicos, indivíduos e

119
em qualquer outra área dentro das organizações e entre elas é um
aspecto importante a levar em consideração no estudo das
organizações e dos processos laborais.

4.3.1.1 A natureza do poder nas organizações

O poder, normalmente, pode ser definido de modo simples.


Existe concordância geral de que ele tem que ver com os
relacionamentos entre dois ou mais actores, nos quais o
comportamento de um é afectado pelo comportamento do outro.
Entretanto, este aspecto implica um ponto importante que muitas vezes
é negligenciado: a variável poder é relacional; o poder não tem
significado, a não ser que seja exercido. Uma pessoa ou um grupo não
podem ter poder isoladamente; o poder deve ter relação com uma
pessoa ou colectividade, como quando uma pessoa ou um grupo tem
de suplantar a resistência de outra pessoa ou grupo (Pfeffer, citado em
Hall, 2004).

O aspecto relacional do poder pode ser observado claramente


quando introduzimos a ideia de dependência. As relações de poder
acarretam dependência mútua. Isso significa que as partes necessitam
uma da outra (Emerson, citado em Hall, 2004). Os dirigentes precisam
de trabalhar para prover serviços ou fabricar produtos. Os
trabalhadores precisam dos dirigentes para que possam ser pagos.

Conforme citado anteriormente, as sub-unidades ou


departamentos de uma organização, também possuem quantidades
variadas de poder. Um estudo de empresas industriais constatou que os
departamentos de vendas eram considerados, predominantemente,
como as unidades mais poderosas nas organizações envolvidas. Por
assim considerarem, os membros de outros departamentos,
120
aparentemente, comportavam-se de acordo com tal posicionamento
(Perrow, citado em Hall, 2004).

O ponto importante é que não levar em consideração


relacionamentos de poder inter-departamental, analisando somente o
poder interpessoal, obscurece uma faceta importante do poder e da
vida organizacional.

Deste modo, dois aspectos adicionais do poder são relevantes.


Primeiro, o poder é um acto; constitui algo utilizado ou exercido. Muito
frequentemente, o acto do poder é desprezado em análises, que
tendem a concentrar-se nos resultados de um acto de ordem. Esses
resultados podem assumir diversas formas, incluindo obediência e
conflito, porém o exercício do poder é o que nos interessa. Os
detentores do poder, para mantê-lo, precisam exercê-lo de modo
auto-consciente, para sinalizar aos demais que compreendem as
obrigações inerentes a seus papéis (Briggart & Hamilton, citados em
Hall, 2004).

Segundo, aqueles a quem o poder se dirige são importantes para


determinar se ocorreu um acto de poder. Se essas pessoas interpretam
um acto como sendo de poder, elas reagirão desse modo,
independentemente de o detentor do poder ter pretendido utilizá-lo.
De modo interessante, se o destinatário do poder não responder ao acto
de poder, este não será exercido (Hall, 2004).

4.3.1.2 Bases e fontes de poder

As unidades organizacionais e as pessoas nas organizações


obtêm seu poder por meio de controlo das bases e fontes de poder. As
bases de poder referem-se àquilo que os detentores do poder
121
controlam, o meio pelo qual podem dirigir o comportamento dos
demais. Elas incluem a capacidade de recompensar ou coagir, a
legitimidade, o conhecimento especializado e servem como referencial
para o destinatário do poder. Além disso, o acesso ao conhecimento e
os “laços de família” também podem ser identificados como bases do
poder. Os laços de família referem-se a padrões de amizade mais
amplos e relações de parentesco reais.

Neste sentido, para ter poder numa situação, o poder precisa ter
uma base de valor para o destinatário. Uma das bases de poder de um
professor é a habilidade de recompensar (e, algumas vezes, punir) os
alunos por meio de notas. Um professor também pode ter bases de
legitimidade, especialização e acesso ao conhecimento (Hall, 2004).

Bacharach e Lawler (1980, citados em Hall, 2004) fazem uma


distinção adicional. Eles citam quatro fontes do poder nas organizações.
Empregam o termo “fontes” para referir-se ao modo pelo qual as partes
chegam a controlar as bases do poder. As fontes são:
▪ cargo ou posição na estrutura;
▪ características pessoais, como carisma;
▪ especialização, que é considerada como uma fonte e uma base
de poder, pois os indivíduos trazem consigo, para a organização,
conhecimento especializado por meio de mecanismos com
treinamento profissional, o qual é, então, convertido em base
do poder em uma ocasião específica; e

▪ oportunidade, ou uma combinação de factores, que permite às


partes envolvidas usar suas bases de poder.

Os relacionamentos de poder podem ser especificados rigidamente


de modo antecipado ou desenvolver-se à medida que ocorre o próprio
relacionamento. Esse aspecto reenfatiza a íntima conexão entre a
122
estrutura e os processos organizacionais, pois é a estrutura que
determina os limites originais do relacionamento.

Embora os relacionamentos de poder sejam, frequentemente,


encarados como interpessoais, os diferenciais de poder entre unidades
organizacionais também são importantes. Relacionamentos de poder
entre as unidades ocorrem lateralmente ou ao longo do eixo horizontal
nas organizações. Arranjos verticais ou hierárquicos envolvem, por
definição, um componente de poder. Também na dimensão vertical,
porém não de maneira planeada organizacionalmente, encontram-se as
bases de poder desenvolvidas pelos participantes inferiores, que lhes
permitem exercer o poder sobre aqueles mais acima na hierarquia
organizacional (Hall, 2004).

Ora, a natureza do sistema de poder empregue nas organizações


possui consequências importantes para o modo pelo qual os indivíduos
se vinculam às organizações e para a questão da eficácia organizacional.
Caso sejam utilizadas formas de poder inapropriadas, a organização tem
a possibilidade de ser menos eficaz do que poderia ser na situação
contrária. Ademais, embora um sistema de poder seja estabelecido,
frequentemente, pela organização, formas múltiplas de poder e
reciprocidade envolvida no seu relacionamento tornam um crescimento
geral do poder quase inevitável.

Pois bem, a estrutura e os processos organizacionais interagem com


o ambiente, e os resultados organizacionais afectam o ambiente, o qual,
por sua vez, se torna uma forma de insumo potencialmente alterada.
Deste modo, o afastamento e desvio podem ser vistas como
consequências possíveis. O impacto que normalmente recebe maior
atenção, no entanto, é o conflito, que é parte do estado normal de uma
organização. As consequências do conflito também são normais pelo
123
facto de serem positivas e negativas para os indivíduos e para as
organizações.

4.3.2 A liderança

A liderança nas organizações é um assunto popular;


consideramo-la como apenas um componente para entender as
organizações. As diferenças entre liderança no alto escalão das
organizações e em outros níveis constituem, portanto, elemento
importante na sua avaliação.

A liderança é, por esta via, a par da motivação um dos temas do


domínio do Comportamento Organizacional que mais interesse tem
suscitado tanto a nível teórico como prático. Com uma extensa lista de
trabalhos de investigação pura mas fundamentalmente aplicada, este
conceito suscita paixões, debates arrebatados, “certezas relativas”,
ambiguidades, contradições e uma multiplicidade de definições.

A liderança enquanto um dos processos da gestão é a


capacidade de um indivíduo para influenciar, motivar, promover o
empenhamento dos outros a fim destes contribuírem para a eficácia e
sucesso das organizações a que pertencem.

Assim, ela pode constituir-se para um grupo ou organização


como um importante factor de promoção de maior eficiência e eficácia.
Desta forma a liderança assume o valor de variável instrumental, sendo
que poderão existir diferentes actores individuais a exercer a liderança
em diferentes momentos dos diversos processos organizacionais
(Ribeiro, 2008).

124
4.3.2.1 Conceito de Liderança

As múltiplas definições de liderança concorrem para a existência


de algumas contradições teóricas que inevitavelmente geram questões
a nível da prática organizacional.

Será a liderança consentida pelo grupo ou o líder impõe a sua


liderança ao grupo? A liderança é aceite pelo grupo na medida em que
os seus elementos reconhecem no líder um referencial, um guia, um
exemplo que assegura estabilidade, segurança, vontade em atingir os
objectivos, promove a motivação e o empenhamento dos demais com
vista ao atingir das metas pré-definidas ou, por outro lado, o líder exerce
influência mas numa lógica exclusivamente individual procurando acima
de tudo alcançar os seus objectivos pessoais influenciando os liderados
nesse sentido?

Esta interrogação pode fazer maior sentido no contexto que a


seguir se aborda acerca dos gestores e dos líderes.

4.3.2.2 Gestores versus líderes

Aparentemente a questão que se coloca é se gestão e liderança


são ou não a mesma coisa. Esta pergunta tem suscitado e contribuído
para separar as águas organizacionais no que toca à especificidade de
cada uma; enquanto dimensões organizacionais são ambas percebidas
como muito importantes para o êxito da organização.

Existem referências que apontam no sentido de ninguém poder ser bom


nos dois domínios mas também é verdade que alguns trabalhos
designadamente de carácter prático revelam que um gestor pode ser
um bom líder e este pode ser um bom gestor.

125
Em síntese podemos falar em processos distintos mas que se
complementam e inter-influenciam. Por uma questão de maior
sistematização e compreensão optamos por colocar no seguinte quadro
alguns aspectos que distinguem os dois conceitos:

Quadro 1: Diferentes entre liderança e Gestão

Fonte: Ribeiro (2008, p. 10)

4.3.2.3 Abordagens da Liderança

Analisando a evolução do conhecimento humano constata-se


que existe, desde há muito tempo, a necessidade por parte do ser
humano em procurar entender os fenómenos, situações e dúvidas para
as quais não existisse uma resposta ou relação de causalidade directa,
mais ou menos explícita.

Esta necessidade de explicação e entendimento do que sucede à


sua volta é intrínseca ao próprio indivíduo. Por um lado, resolve um
aspecto da natureza humana que tem a ver com o desconforto de estar
ou poder vir a estar em situações imprevistas ou sem controlo e ajuda a
diminuir esse estado de vulnerabilidade percebida e sentida. Por outro

126
lado a curiosidade de procurar respostas e soluções “aguça o engenho”,
o que permitiu estabelecer na sociedade as ideias de que o
progresso/evolução se pode fazer de formas contínuas ou descontínuas,
que a aprendizagem é um processo voluntário que permite ao individuo
conhecer as diferentes maneiras de conjugar os diferentes recursos. Por
último, os processos de mudança são muito frequentemente a mola de
desenvolvimento e evolução.

Outra estratégia que o ser humano tem para estabilizar e melhor


compreender o seu meio envolvente, de tornar mais previsível a
realidade, é criando categorias. A existência de categorias facilita a
gestão do dia-a-dia e traz consequentemente maior segurança ao
indivíduo.

4.3.2.3.1 Abordagem dos Traços e Competências

Os primeiros estudos realizados sobre liderança tenderam a


enfatizar a importância do inato, referindo a existência de traços físicos
(eg. estatura, aparência), características de personalidade (e.g.
autoconfiança, auto-estima) e aptidões (inteligência geral, fluência
verbal) como sendo as variáveis que conduziam alguns a serem líderes
e outros a não terem esse “dom natural”(cf. Cunha et al., 2003, citado
em Ribeiro, 2008)).

As explicações com base no inato foram utilizadas em muitas


áreas do comportamento humano, não sendo por isso de estranhar que
na explicação da liderança tivesse inicialmente imperado a ideia de que
o “líder nasce”.

Alguns dos traços que Stogdill (1974, citado em Ribeiro, 2008))


fez referência foram: criatividade, auto-estima, controlo emocional,

127
capacidade de trabalhar e de resistência em situações de stress,
persistência, capacidade de persuasão, vontade e apetência por funções
e lugares de poder.

Quando alguns autores, defensores acérrimos da teoria dos traços


poderiam ver neste trabalho de Stogdill um regresso em força à
causalidade directa entre a existência
de certos traços físicos e psicológicos e o grau de eficácia no exercício
de funções de liderança o próprio autor veio relativizar as suas
conclusões ao referir:
▪ uma pessoa que tenha certos traços poderá ter mais
possibilidades de aspirar a posições de liderança, mas isto não
significa uma relação directa e automática para ser ou vir a ser
eficaz como líder;

▪ as situações concretas condicionam a maior ou menor


importância de certos traços ou seja a liderança é uma função
contingente.

No mundo das competências

Vivemos actualmente a era das competências, o que em traços


gerais significa que para muitas organizações mais importante que
descrever, analisar e qualificar funções e responsabilidades é saber que
tipo de competências as organizações necessitam.

Até ao início da década de oitenta do passado século XX, o


paradigma que imperou ao nível da gestão foi o da produtividade. Face
a este paradigma, a questão que mais interessava responder em termos
de gestão de pessoas era a de saber quantas pessoas necessitavam as

128
organizações para atingir os objectivos – ênfase explícita no número e
nas funções (Cabral-Cardoso, 1999, citado em Ribeiro, 2008).

Desta forma surgiu igualmente a necessidade de definir as


competências que podem contribuir para a eficácia dos líderes:

▪ Técnicas: competências voltadas para o saber-fazer que têm a


ver com conhecimentos práticos acerca do modo de realizar as
tarefas, de resolver problemas, de transformar informação em
conhecimento através da aplicação daquela na busca de novas
soluções para os problemas que vão surgindo.

▪ Comportamentais: competências voltadas para o saber-ser ou


saber-estar e que se reportam ao conhecimento sobre o ser
humano e o seu complexo modo de funcionamento a nível
individual, grupal e organizacional. Por exemplo, perceber o
modo como a realidade é apreendida por cada indivíduo; as
formas de comunicação, as motivações, as atitudes, etc.

▪ Cognitivas: competências relativas ao saber-saber e que se


relacionam com a vertente conceptual do funcionamento
humano. A forma como utilizamos a informação: recepção,
transformação e reutilização; a capacidade de transformar
informação em conhecimento e aplicar este nas mais variadas
situações de carácter teórico ou prático. Têm igualmente a ver
com a forma como por exemplo se pensa analítica e
logicamente; como ocorre o raciocínio dedutivo, indutivo,
abstracto, verbal, etc.

Estas categorias de competências podem ser relacionadas, do ponto


de vista da sua utilização, mais directamente com alguns tipos de cargos
de gestão organizacional. Estas diferentes competências sendo úteis
para todos os gestores acabam por ser mais fundamentais para uns ou
outros em função de aspectos vários como sejam a posição ocupada na

129
hierarquia, a dimensão da organização, o tipo, grau e distância da
autoridade exercida, a estrutura organizacional, os recursos disponíveis,
as relações intergrupais existentes, factores sócio-políticoculturais, tipo
de cultura, etc. Assim e a título de exemplo:

▪ as competências técnicas são muito importantes para gestores


operacionais e empreendedores na medida em que a
potenciação do binómio experiência – aprendizagem é
fundamental neste nível de gestão.
▪ os gestores intermédios pelo papel que ocupam na estrutura da
organização e pelas funções e responsabilidades que lhes são
solicitadas têm de recorrer aos três tipos de competências na
medida em que servem de referência e exemplo face aos seus
subordinados, necessitam perceber as diferentes formas de
reacção e ritmos de aprendizagem e adesão a projectos variados
e por outro lado têm de conseguir simplificar certas situações,
adaptar formas de comunicação, compreender os mecanismos
de raciocínio em jogo em diferentes situações e principalmente
conseguirem colocar os diferentes tipos de saberes ao serviço
da sua função particularmente naquilo que a mesma implica de
relacionamento ascendente e descendente e de tomada de
decisão sobre questões, funcionamento e situações do sistema
organizacional, mantendo sempre presente os objectivos da
organização.

▪ os gestores de topo enquanto responsáveis pelo tratamento e


transformação de informação mais vasta e supostamente de
maior complexidade, pela necessidade de definir o pensamento
e as directrizes estratégicas para a organização necessitarão
mais de competências ao nível conceptual.

▪ técnicos altamente especializados em áreas definidas carecem


igualmente de competências ao nível conceptual.

130
▪ gestores que lidem com situações de diversidade cultural ao
nível da sua organização necessitarão de competências ao nível
comportamental que lhes permitam gerir as diferenças
culturais, comportamentais, etc.

▪ organizações de dimensão pequena e média, como é o caso do


tecido empresarial português implicam que os seus gestores
tenham um misto dos três tipos de competências.

▪ em estruturas organizativas de tipo matricial que muitas vezes


se desenvolvem para a realização de projectos relevantes para
a organização, com equipas de
projecto pluridisciplinares, fazem emergir a importância dos
gestores ou líderes do projecto possuírem competências
comportamentais que favoreçam as situações relacionais
existentes neste tipo de contextos estruturais (Ribeiro, 2008,
pp. 13).

Pelo que, algumas competências específicas podem adquirir maior


ou menor significado num determinado cenário fazendo com que um
tipo de gestor que exerce determinado tipo de liderança possa ser mais
eficaz num momento, mas no momento seguinte já a sua liderança
deixede fazer sentido.

É de extrema importância que os gestores aprendam a desenvolver


algumas destas competências o que implica a realização de um exercício
de introspecção pessoal. Por outras palavras, pode ser extremamente
útil que pelos diferentes níveis de gestão possa ser efectuada uma
análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) a nível
pessoal que permita estabelecer estratégias de melhoria e de
desenvolvimento de competências que favoreçam o crescimento do
gestor em toda a amplitude e dimensão que a função possa exigir.

131
4.2.3.2 Abordagem Comportamental

A origem desta abordagem ocorre nos anos 50 surgindo, de certa


forma, como uma forma de responder às limitações que os
investigadores atribuíam às abordagens centradas nos traços e na
dificuldade destas conseguirem explicar a natureza, o grau e a
intensidade da eficácia da liderança.

Foram desenvolvidos múltiplos estudos sobre o que caracteriza


de facto um gestor, sendo os mais conhecidos, e simultaneamente dos
mais desmistificadores da função, os desenvolvidos por Mintzberg
(1975, citado em Ribeiro, 2008). Através destes estudos percebe-se com
rigor científico que o estereótipo classicamente atribuído ao gestor
como sendo alguém que apenas se preocupa com questões de elevado
grau de complexidade, que passa os seus dias a tratar de assuntos da
maior importância, que tem sempre reuniões ao mais alto nível, que se
refugia para poder pensar e definir as grandes linhas estratégicas de
uma organização “cai por terra”.

Tal estereotipo acaba por ser ultrapassado na medida em que no seu


dia-a-dia o gestor acaba, por exemplo, por ter de realizar tarefas muito
rotineiras, participar em rituais variados, representar a organização
numa série de eventos, tomar decisões de impacto limitado e ter de se
preocupar com um conjunto de pequeníssimas coisas que não encaixam
nem em termos de forma nem de conteúdo com aquilo que
mediaticamente é dito sobre esta função e que a sétima arte propõe e
apresenta sobre o “glamour” da função e responsabilidades do gestor.

De forma simples poder-se-á referir que o que caracteriza o


comportamento de orientação para a tarefa é como referem Cunha et
al. (2003, p.284, citados em Ribeiro, 2008, pp. 13) “o grau em que o líder

132
define a estrutura do seu próprio trabalho e o dos subordinados, tendo
em vista o alcance dos objectivos”. Para os mesmos autores o
comportamento de orientação para as pessoas é o “grau em que o líder
age de modo amistoso e apoiante e se preocupa com os subordinados
e com o respectivo bem-estar”.

Também nesta abordagem comportamental os estudos empíricos


desenvolvidos foram inúmeros, não tendo, no entanto, os resultados
obtidos trazido a consistência que se pressupôs à partida, sendo
inclusive mais as inconsistências resultantes. Assim, o único resultado
de maior consistência e consenso foi que as existências de
comportamentos de consideração tendem a relacionar-se
positivamente com a satisfação dos trabalhadores.

Modelo de Blake e Mouton (1964, citado em Ribeiro, 2008)

Este modelo cruza também os dois eixos de orientação


comportamental: para as tarefas e para as pessoas, extraindo cinco
estilos de liderança:
▪ Autocrático
▪ Intermédio
▪ Integrador
▪ Simpático
▪ Anémico

O modelo foi sujeito a pesquisas empíricas variadas nomeadamente


pela asserção efectuada sobre as virtualidades do estilo integrador
como sendo aquele que mais eficácia traz ao processo de liderança
organizacional.

133
A proliferação de pesquisas em torno deste modelo conduziu há
existência de duas versões do mesmo:

▪ versão aditiva baseia-se no pressuposto que as duas orientações


são independentes relativamente ao grau de eficácia na
liderança e produzem respectivamente os seguintes resultados:
a orientação para as tarefas permite uma melhor clarificação
dos papéis de todos os actores organizacionais envolvidos no (s)
processo (s), uma melhor articulação e coordenação dos
colaboradores e uma utilização mais racional e apropriada dos vários
recursos disponíveis; a orientação para as pessoas conduz por seu
lado a maiores e melhores níveis de satisfação e envolvimento nas
tarefas, funções e organização por parte dos colaboradores, conduz a
um estímulo potenciado para a coesão dos grupos e do trabalho em
equipa e fomenta a moral e a auto-estima no indivíduo e nogrupo;

▪ a versão multiplicativa baseia-se no pressuposto que as duas


orientações funcionam como subsistemas interagindo entre si e
inter influenciando-se no sentido em que cada uma facilita os
efeitos da outra. Assim uma orientação gera mais efeitos
positivos quanto mais forte for a outra orientação e
consequências menos benéficas quando a outra é fraca (Ribeiro,
2008).

4.3.2.3 As Abordagens Contingenciais

As abordagens contingenciais vêm colocar a ênfase na


importância de múltiplas variáveis que ao interagirem entre si
concorrem para a não existência da melhor forma de liderar. Estas
abordagens situam-se no oposto das tendências clássicas da gestão
onde imperavam as certezas absolutas e as causalidades directas.

134
Com as abordagens contingenciais é fundamental perceber a
organização interna e externamente nas suas múltiplas variáveis como
sejam por exemplo: o contexto, a situação em concreto, as questões a
resolver, o tipo de organização, estrutura organizacional, cultura
organizacional, gestores e lideres existentes, etc. É no jogo sistémico
destas e outras variáveis entre si que se pode colocar a questão acerca
de que estilo, sistema ou processo de liderança se poderá revelar como
o mais adequado. Abordar-se-á de seguida e sumariamente algumas
destas abordagens ou modelos contingenciais.

O Modelo Situacional de Hersey e Blanchard

Este modelo é um dos mais conhecidos das teorias situacionais e


baseia-se em dois pressupostos:

▪ O primeiro refere-se ao comportamento do líder


nomeadamente na forma como se cruzam a orientação para as
tarefas e a orientação para as pessoas; e
▪ O segundo reporta-se ao grau de maturidade dos liderados quer
a nível de maturidade profissional como psicológica.

Destes dois pressupostos resulta que os líderes devem ajustar o seu


estilo comportamental ao nível de maturidade dos colaboradores
(Ribeiro, 2008).

A Teoria Caminho - Meta

Esta teoria também designada na literatura por “Caminho –


Objectivos” apresenta-se como uma teoria em que as variáveis finais
também designadas por variáveis resultado são de dois níveis:

135
satisfação dos subordinados e desempenho da unidade organizacional.

Estas variáveis finais resultam de um conjunto de


comportamentos do próprio líder como sejam: clarificação, orientação
para o êxito, facilitação do trabalho, apoio, promoção das interacções
em suma, comportamentos muito orientados para a decisão grupal e
baseados em valores.
Estes dois tipos de variáveis são moderados por um outro
conjunto de factores como sejam: as características da tarefa, da
situação e dos colaboradores. Ao nível da tarefa procura perceber-se o
grau de clareza de mesma versus as eventuais zonas de incerteza ou
ambiguidade, o carácter agradável da tarefa e a independência da
mesma em relação a outras.

Ao nível da situação é de referir o potencial grau de stress ou de


incerteza que a mesma pode encerrar e a consistência entre os valores
do líder e os valores da organização e que constituem importantes eixos
da sua cultura.

Por último as variáveis moderadoras ao nível dos colaboradores


como sejam o seu grau de competência, experiência e motivação para
o êxito. A noção mais central desta teoria é que o grau de eficácia dos
líderes está dependente da forma como eles conseguem levar os seus
colaboradores a percepcionarem que podem atingir os objectivos de
trabalho e que existe uma relação entre o alcançar dos objectivos e a
satisfação e a atribuição de recompensas (Ribeiro, 2008).

Por fim é pedido ao líder que desempenhe as suas competências


em ambientes mutáveis e que exigem posturas flexíveis e de grande
adaptação à mudança.

136
4.3.2.4 Comportamentos de Liderança

De acordo com Yukl (1989, citado em Ribeiro, 2008), a classificação


dos comportamentos de liderança são:
Tomar decisões:
1. Planear e organizar
2. Resolver problemas
3. Consultar as pessoas e convidá-las a participarem nas decisões
4. Delegar responsabilidades

Influenciar as pessoas:
5. Motivar, inspirar, apoiar
6. Reconhecer (elogiar, apreciar esforços…)
7. Recompensar

Construir relações:
8. Apoiar (ajudar, ouvir…)
9. Desenvolver as capacidades e carreira das pessoas
10. Gerir conflitos e conseguir espírito de grupo
11. Desenvolver rede de contactos, visando obter informações e
apoios

Obter e disseminar informações:


12. Informar (disseminar informações relevantes)
13. Clarificar (comunicar com clareza as responsabilidades,
objectivos, prazos, desempenho esperado, …)
14. Monitorar (reunir informações, avaliar o desempenho dos
indivíduos e organização, analisar tendências, (...)

4.3.3 Comunicação

137
A comunicação não se limita meramente à fala e pode assumir
diversas formas, como, por exemplo, memorandos, e-mails, boletins,
apresentações visuais ou símbolos e mensagens não verbais.

Ela pode ser de dois tipos: interpessoal e organizacional. A


comunicação interpessoal ocorre entre duas pessoas, seja face a face ou
em contextos de grupos nos quais as partes são tratadas como
indivíduos e não como objectos. Esse tipo de comunicação é diferente
da comunicação organizacional, que abrange a comunicação entre
vários indivíduos ou grupos.
Veja, a seguir, como acontece o processo de comunicação:
▪ a fonte de comunicação é o emissor, quem fala;
▪ a codificação é um pensamento ou mensagem em uma forma
simbólica;
▪ a mensagem é o produto físico concreto da codificação da fonte;
▪ o canal é o meio pelo qual a mensagem viaja;
▪ a descodificação é a tradução em uma forma que o receptor
possa entender;

▪ o receptor é a quem a mensagem é dirigida;


▪ o feedback é a indicação que a mensagem foi recebida (Santos,
2012).

4.3.3.1 Comunicação organizacional

O elo comum entre os autores é a preocupação em definir e


caracterizar comunicação organizacional e seu campo de abrangência,
evidenciando a necessidade de lhe atribuir um lugar de destaque nas
organizações. A comunicação organizacional abrange todas as formas
de comunicação utilizadas pela organização para se relacionar e
interagir com seus públicos.

138
4.3.3.1.1 Tipos de comunicação

Num ambiente organizacional existem vários tipos de


comunicação, nomeadamente comunicação formal/informal e
comunicação interna/externa. A comunicação formal segue as
interacções hierárquicas entre os membros da organização,
tipicamente vertical, limitando-se
apenas à comunicação de tarefas, através de directivas, ordens e
relatórios, mantendo uma certa distância da chefia com os seus
subordinados.

Este tipo de comunicação é feito numa rede formal, podendo


tomar variadas formas, destacando-se três: a cadeia (onde os níveis
hierárquicos inferiores dependem dos superiores), a estrela (forma de
comunicação em que um superior comunica com vários subordinados,
no entanto estes não têm comunicação directa entre si) e por fim, canais
múltiplos onde “todos comunicam com todos” (Rego, 1999, citado em
Ribeiro, p. 32).

Figura : Redes de comunicação mais comum

139
Fonte: Rego (1999, citado em Ribeiro, 2008, p. 33)

Na comunicação informal a informação move-se em todas as


direcções, não obedecendo a linhas formais de autoridade. Pode ajudar,
uma vez que circula mais rapidamente, ou criar dificuldades à realização
das tarefas, na medida em que pode não ser feita de um modo claro e
preciso podendo mesmo impedir o bom funcionamento da empresa.

É de salientar que a comunicação formal pode dar origem a uma


comunicação informal, exemplo disso é o caso de uma reunião de
trabalho, previamente formal, onde os seus intervenientes através das
suas interacções criem um contexto informal. Por outro lado, também
pode acontecer o reverso, ou seja, um ambiente informal pode dar
origem a situações onde se tenha de comunicar formalmente. Por
exemplo, um simples “café” pode levar a que sejam tratados problemas
da empresa.

Relativamente à comunicação interna, é aquela que circula nos


circuitos internos da organização e nela se mantém. É usada por todos
os colaboradores organizacionais podendo ser formal ou informal.

140
Este tipo de comunicação pode ser feito verticalmente, através
de uma comunicação ascendente onde os subordinados tentam fazer
chegar a informação aos seus superiores, informação que permite às
chefias conhecer as necessidades, as reacções, os desejos, e
sentimentos dos níveis hierárquicos inferiores ou através de uma
comunicação descendente na qual a chefia faz chegar a informação aos
seus subordinados, de modo a fazê-los sentir orientados e desta forma
incentivando-os a contribuírem para o desenvolvimento e consolidação
da empresa.

Pode também processar-se horizontalmente, isto é, no mesmo


nível hierárquico, permitindo não só um conhecimento mútuo, como
também um desenvolvimento de um quadro de referência e de uma
identidade da empresa como um todo.

A nível interno a comunicação pode também ser feita na


diagonal. Este tipo de comunicação é bastante importante, como nos
pode mostrar o seguinte exemplo: “um director de marketing que
necessita urgentemente de dados acerca dos clientes pode solicitar
telefonicamente as informações directamente com o especialista do
departamento financeiro – em vez de fazê-lo através do director desse
departamento (Cunha et al., 2003, citado em Ribeiro, 2008). É
importante salientar que a evolução dos meios electrónicos de
comunicação, nomeadamente o correio electrónico, têm contribuído
para o progresso deste tipo de comunicação.

141
Por fim a comunicação externa, que é a comunicação realizada
entre a empresa e o exterior (que podem ser outras organizações ou
empresas ou o próprio meio social). Este tipo de comunicação é mais
cuidada de forma a proteger e melhorar a imagem que o “exterior” tem
da organização, aumentando a sua legitimidade institucional. O
contacto com a envolvente externa pode influenciar o formato
organizacional actuando sobre o comportamento das pessoas e dos
sistemas organizacionais.

4.3.3.2 Barreiras à comunicação organizacional

Ao nível do relacionamento de pessoas e a sua comunicação


organizacional podem ocorrer diversas barreiras e consideramos mais
importantes as que se relacionam com o processo, com as
características pessoais, com as condições físicas e o discurso
semântico.

No que respeita ao processo, do qual faz parte o emissor, a


codificação, a mensagem, o meio, a descodificação, o receptor, o
feedback e o ruído, podemos dizer que este último constitui a maior
barreira de processo e pode ocorrer em qualquer ponto do mesmo. Isto
acontece porque o ruído se interpõe tanto na transmissão como na
recepção da mensagem, podendo enviesá-la e, consequentemente,
reduzir a sua fiabilidade e credibilidade. O ruído pode ser originado de
diferentes formas, nomeadamente fracas ligações telefónicas, vírus nos
sistemas de computação, barulho que rodeia uma conversa ou reunião,
erros de ortografia, dificuldade de oralidade, audição ou visão (cf.
Cunha et al., 2003, citado em Ribeiro, 2008).

142
Relativamente às barreiras pessoais compreendem a
(in)capacidade de comunicar efectivamente, o modo como as pessoas
processam e interpretam a informação, o nível de confiança
interpessoal, estereótipos e preconceitos, fraca capacidade de escuta,
julgamentos e a incapacidade de ouvir empaticamente. A personalidade
de cada um, o estado de espírito, as emoções, os valores são factores
influenciadores. Uma vez ultrapassadas estas barreiras a mensagem é
transmitida da melhor forma e entendida de forma mais correcta e com
o verdadeiro sentido.

Outras barreiras que surgem na comunicação são: a distância


entre os funcionários (quando não é feita cara-a-cara, torna-se mais
complicado perceber a mensagem que o outro quer transmitir, pois não
nos permite obter um feedback imediato), o barulho no trabalho, a
qualidade e fiabilidade dos sistemas de informação que compreendem
as barreiras físicas e, tal como as anteriores, devem ser reduzidas ou
eliminadas.

Por fim temos as barreiras semânticas que surgem como erros


de codificação e descodificação devido à escolha de palavras que são
usadas na comunicação e que podem ser mal interpretadas, isto é,
aquilo que se quer dizer pode não ser interpretado pelo receptor da
maneira como queremos que ele entenda. Outro exemplo é o caso da
própria linguagem, uma vez que uma palavra pode ter diferentes
sentidos mediante a interpretação de cada pessoa. Os gestos também
poderão constituir uma barreira semântica na medida em que podem
ajudar (a interpretar e conhecer o que o outro quer transmitir) ou
dificultar (podem ser sinal de distracção e/ou equívoco) a chegada da
mensagem ao destinatário e, desta forma, influenciar a sua

143
interpretação. Portanto, perante estas barreiras da comunicação, o
resultado da mesma pode tornar-se ineficaz e muito perigoso para as
organizações (Ribeiro, 2008).

4.3.3.3 Comunicação e mudança organizacional

Qualquer processo de mudança por mais necessário e bem


preparado que seja enfrenta resistência seja individual, seja
organizacional, uma vez que vai representar uma alteração da estrutura
de poder e dos hábitos da organização e por isso terá que enfrentar o
“status quo” (Ribeiro, 2008).

No entanto, a empresa tendo como objectivo fundamental


assegurar a sua continuidade e sobrevivência tem de assegurar que
produz bens ou presta serviços que correspondem às necessidades dos
clientes e que o faz em condições competitivas (Rego, 1999, citado em
Ribeiro, 2008)).

Assim, a mudança pode ser definida como a alteração da


estrutura e da forma de funcionamento de uma organização, com o
objectivo de a tornar mais competitiva e adequada às realidades do
mercado (Rego, 1999, citado em Ribeiro, 2008).

Quando uma empresa resolve implementar um novo processo


sabe que este estará sujeito à cultura organizacional e aos julgamentos
que essa cultura fará. Pelo que, dentro desta cultura existem
determinadas formas de comunicação, o que implica que para que os
novos métodos de trabalho consigam obter os resultados esperados
seja importante fazer uma análise às formas já existentes de
comunicação e pautar a sua actuação a este nível utilizando esta
variável.
144
A comunicação assume assim um aspecto importante nas
transformações e pode facilitar a compreensão nos processos de
transmissão e assimilação de novos conceitos e na socialização do
conhecimento, isto é, compartilhar com todos os trabalhadores as
metas da organização, já que quando um trabalhador realmente
conhece os planos da organização poderá colaborar com as mudanças
que são propostas. Desta forma, podemos dizer que acompanhar as
inovações é uma necessidade, porém as organizações obterão maiores
resultados se levarem em conta o ser humano envolvido nos processos
de trabalho.

Para além disso, permite reduzir os custos desse processo de


mudança uma vez que, à medida que o planeamento estratégico analisa
a comunicação inserindo-a nas
estratégias, a probabilidade de sucesso da comunicação é um elemento
muito importante no processo de mudança organizacional, mas para
produzir os devidos efeitos tem que ser utilizada correctamente e
necessita do amplo entendimento da cultura e clima organizacional.

4.3.3.4 Comunicação e motivação organizacional

Sendo a motivação a vontade de um indivíduo exercer um nível


de esforço elevado para alcançar um determinado objectivo, ela
constitui o elemento chave para compromisso dos funcionários para
com a empresa. Desta forma, para que uma organização tenha
empregados motivados ela precisa transmitir a sua visão de negócio. O
compromisso só acontece quando o empregado partilha dessa visão e

145
o crescimento da empresa significa o seu próprio crescimento (Ribeiro,
2008).

Para que isso aconteça a comunicação assume um papel


importante, não apenas a comunicação própria do sistema de
comunicação administrativa da empresa (comunicação vertical) mas
também a conversa diária com os subordinados, a troca de ideias, o
respeito pela sua opinião, a transparência da informação transmitida, a
clareza de intenções para que o funcionário perceba que tem o apoio
necessário da empresa. Portanto, um gestor deve ter consciência que
uma boa comunicação com os seus subordinados pode fazer toda a
diferença, pois fará com que eles sintam que são respeitados,
valorizados e motivados.

Bibliografia
Hall, R.H. (2004). Organizações: estruturas, processos e resultados. (8ª
ed.) São Paulo: Pearson Prentice Hall.
Ribeiro, J. (2008). Manual do Formando: “comportamento
organizacional”. Portugal: ANJE.
Santos, R.M.M. (2012). Psicologia e Comportamento Organizacional.
Brasil: Unisa Digital.
Silva, G. (2010). Sociologia Organizacional. Florianópolis: Departamento
de Ciências da Administração, UFSC.

146
Resumindo

Nesta Unidade, você conheceu algumas definições de


organização, os seus elementos constitutivos, sua classificação –
pública, privada e do terceiro sector –, as suas características e a sua
importância na sociedade; entendendo-a como conjuntos de indivíduos
ou grupos reconhecidos pela sociedade que tem unidade social,
finalidades e objectivos próprios, interesses a realizar, valores a alcançar
e uma hierarquia de comando que coordena acções do todo por meio
de normas de conduta e por formas de relacionamentos delineadas de
forma diferente para todos.

Pôde entender a importância assumida pelos relacionamentos


informais e formais no constitutivo das organizações e, ao
compreendêla, pôde perceber como o comportamento das pessoas
influencia e é influenciado pelo ambiente social no qual vivem e/ou pela
organização na qual trabalham, pois o exercício dessa influência se dará
sempre pela clareza das regras, das políticas e dos procedimentos, todos
essenciais
a estrutura organizacional, e que,
sempre presentes no espírito dos membros, vão construir a identidade
e o carácter da organização.

Você constatou, também, que é preciso conhecer as pessoas que


fazem parte de uma organização e sua “rede social” para então
examinar as causas que originam os seus comportamentos e os diversos
processos pelos quais tais comportamentos se manifestam. Dessa
forma, enquanto nossa sociedade se complexifica, vamos criando novas
organizações e novas formas de organização para responder às novas
necessidades surgidas à medida que o mundo em que vivemos vai sendo
descoberto e dominado.

147
Teve a possibilidade de entender que as unidades
organizacionais e as pessoas nas organizações obtêm seu poder por
meio de controlo das bases e fontes de poder. E que os relacionamentos
de poder podem ser especificados rigidamente de modo antecipado ou
desenvolver-se à medida que ocorre o próprio relacionamento. Esse
aspecto reenfatiza a íntima conexão entre a estrutura e os processos
organizacionais, pois é a estrutura que determina os limites originais do
relacionamento.

Como também, ficou a saber que liderança mais do que um


resultado é um processo de melhoria contínua do líder. Este deve saber
muito bem em que contextos se insere e os potenciais
desenvolvimentos desses contextos; conhecer o sector ou área em que
actua e o grau de evolução desse sector ou área. Bem como que, a
comunicação é como uma dança que exige coordenação entre emissor
e receptor. Pode ser bela sem que para isso o emissor e o receptor
sejam iguais entre si no processo e no acto de comunicar. Na dança
exige-se harmonia, na comunicação também e ela pode provir mesmo
que os intervenientes tenham o seu próprio estilo, mas que se articulam
bem no todo. A criatividade de cada bailarino, a capacidade de
improviso, o conseguir pensar fora do quadrado podem ao invés de
separar criar exactamente um efeito diferente e contrário, ou seja, de
harmonia, coerência, etc. A capacidade de ajustamento na
comunicação é tão ou mais importante que na dança. Esta é
igualmente uma forma de expressão comunicacional. Tal como os
bailarinos também cada um de nós comunica com tudo: verbal e não
verbal, escrito. Os bailarinos da comunicam com todo o corpo, o olhar,
os gestos, o dito e o não-dito. Os comunicadores também, mesmo
aqueles que dizem não saber ou não estar disponíveis para “esta dança”
(cf. Cunha et al., 2003, citados em Ribeiro, 2008)).

148
Actividades de aprendizagem

Confira se você teve bom entendimento do que tratamos nesta


Unidade realizando as actividades propostas, a seguir. Se precisar de
auxílio, não hesite em contactar seu tutor.

1. Qual é a importância dos grupos sociais para o indivíduo?


2. O que significa as pessoas de um grupo social terem consciência de
interacção?
3. A partir de sua experiência, faça uma lista de papéis sociais aos quais
a sociedade atribui uma dada posição ou status. Em seguida, compare a
posição desses papéis nessa sociedade com os mesmos papéis em outra
sociedade. Justifique as diferenças.
4. Retome as características das organizações e identifique cada uma
(sete, ao todo) atribuindo-lhe um grau de importância. Depois, descreva
tais características a alguns colegas de trabalho e peça-lhes que
atribuam um grau de importância a cada uma delas. Justifique as
diferenças ou as igualdades de atribuição de importância.
5. Liste algumas características de uma organização do sector
produtivo industrial e compare com as características de uma
organização do sector público. Se você encontrar diferenças, justifique-
as.

6. Os comportamentos das pessoas, isto é, seus modos, seu jeito de


gesticular ou sua maneira de falar podem revelar sua posição social a
um bom observador? Observe algumas pessoas a sua volta e tente
identificar quais papéis elas desempenham.
7. O estabelecimento de relações amistosas entre chefia e funcionários
é algo que causa impacto no desenvolvimento das actividades da
organização ou independentemente do tipo de relação que se
estabelece entre chefe e funcionários os objectivos de uma organização
podem ser alcançados? Justifique sua resposta.

149
8. Examinando as relações existentes dentro da organização em que
você trabalha, liste ao menos quatro tipos de relações frequentes que
são favoráveis ao melhor desempenho e ao sucesso e outros quatro que
se constituem em entraves. Faça um balanço, comparando-os e
atribuindo-lhes valores (notas) e depois manifeste e justifique sua
posição, expressando positiva ou negativamente sobre a qualidade do
seu ambiente de trabalho.

9. Indique para cada uma das afirmações que se seguem se são verdadeiras (V) ou
falsas (F)
a) Basta a um indivíduo permanecer em silêncio para não estar a comunicar.
b) Os ruídos comunicacionais podem existir em todos os elementos do processo
comunicacional.
c) Ter um objectivo claro e conciso aplica-se mais à mensagem do que ao canal de
comunicação.
d) Diferenças individuais, devido ao background sócio-cultural não constituem forma
de ruído.
e) A comunicação cinésica tem a ver com o tom, timbre e ritmo da voz.
f) O estilo passivo caracteriza-se por um comportamento tímido e retraído.
g) A Cadeia é uma das formas de comunicação formal onde os níveis hierárquicos
inferiores dependem dos superiores.
h) A comunicação é sempre prejudicada quando a interacção entre duas ou mais
pessoas é afectada por certos bloqueios psicológicos.
10. Assinale com V (verdadeiro) e F (Falso) as questões que se indicam:
a) A liderança é um conceito polissémico?
b) A existência de liderança é condicionada pela existência de grupos humanos?
c) Uma das características do estilo de liderança “laissez-faire” é a sua capacidade para
levar o grupo a tomar decisões e a executar as tarefas em tempo oportuno?
d) Numa liderança autocrática o grupo controla os seus próprios resultados?
e) Na liderança democrática o grupo possui uma certa margem de autonomia de
decisão?
f) Sob uma liderança autocrática os membros do grupo tendem a desresponsabilizarse
e a descurar a qualidade.
g) Na liderança democrática a motivação não se baseia apenas na necessidade de
segurança
h) Um dos pressupostos da liderança situacional é basear-se na aceitação da ideia de
que “ os líderes nascem líderes”.
i) A teoria dos traços procurou encontrar, entre outros, atributos de personalidade
que diferenciam líderes de não líderes.
11. Preencha os espaços vazios com a palavra que considera mais adequada.

150
a) Os estudos sobre liderança da Universidade de Michigan identificaram duas
grandes dimensões de comportamentos. Respectivamente comportamentos
centrados nas
e centradas nas
b) A teoria situacional de Hersey e Blanchard baseia-se nos estilos de liderança que
o líder deve imprimir considerando a sua orientação para as tarefas ou para os
comportamentos de .

12. O que é uma organização formal?

13. Porque é comum, as pessoas, nas organizações, afastarem-se de


procedimentos formais?

14. O que é comunicação?

15. O que é comunicação organizacional?

16. Quais são os tipos de comunicação que conhece?

17. Quais são as prinicipais barreiras organizacionais?

18. Porque é que a comunicação é um elemento a ter em conta no


âmbito da mudança organizacional?

151
Unidade 5 - Contexto social, Administração e cultura da organização

5.1 Cultura e organização

Vamos entrar nesse ambiente social e, após descrevermos seu


funcionamento, focaremos os conhecimentos sobre as organizações,
pois este será o objecto de nossos estudos daqui para frente. A razão de
tal proposta está no fato de que as organizações, assim como os grupos
constituídos nas mais diferentes formas de interacção social, tendem a
retratar, de um modo ou de outro, a mesma sociedade na qual estão
inseridos. Em outras palavras, organizações retratam com precisão, ora
maior ora menor, as formas estáticas e dinâmicas do conjunto social e
de seus membros. Assim, daremos partida para conhecer:
▪ quais elementos estão subjacentes à organização e às pessoas
que a formam;

▪ como tais elementos interagem entre si e intervém na dinâmica


que se estabelece entre os membros da organização;
▪ que tipo de análise eles suportam; e
▪ como se pode lidar com eles no sentido de transformá-los em
elementos positivos que ajudem na melhoria da própria
organização.

No final dos anos de 1970 e ao longo de toda a década de 1980, uma


controvérsia bastante significativa tomou conta das discussões dos
pesquisadores em administração: qual filosofia deveria ser mais
importante para a organização manter seus bons resultados ou crescer
ainda mais? Seria a estratégia de uma vantagem competitiva, filosofia
que as organizações japonesas estavam levando ao extremo? Ou uma
filosofia da excelência, que muitas organizações americanas adoptaram
e que lhes alimentava o vigor, o crescimento e a expansão mundo afora?
De fato, como se constatou depois, a controvérsia era falsa.

152
Muito cedo, os consultores e pesquisadores das organizações se
deram conta que a eficácia organizacional é produto daquilo que a
Sociologia e a Antropologia já tinham discutido no início do século XX: o
homem se socializa de acordo com os padrões e os modelos que o
ambiente, no qual está inserido, ensina-lhe. Assim, se o ambiente lhe
ensina que competitividade ou excelência são os principais valores de
um produto ou de um serviço, os resultados (os próprios produtos e/ou
serviços) vão ser competitivos ou excelentes, de acordo com uma escala
de importância da variável. E nesse caso, a própria organização tende a
apresentar melhores resultados.

Isso seria, portanto, um tema que se vincula com bastante


propriedade aos temas da socialização e da cultura, dos quais trata a
Sociologia. Tais axiomas 18 sociológicos contidos no processo de
socialização e expressos na cultura fizeram nascer o interesse dessa
disciplina por parte dos teóricos da Administração e também dos
“práticos”. Assim, os factores culturais passaram a ter importância no
trato das questões administrativas com a certeza de que tais factores
são constitutivos essenciais do processo de diferenciação das
organizações bem-sucedidas.

Estava criada a variável cultura para a ciência da administração.


Esses estudos produziram resultados significativos na competitividade,

18
Premissas consideradas necessariamente evidentes e verdadeiras.

153
na produtividade e na excelência das organizações. Iniciava-se, assim,
em cada organização, a busca de pequenos sinais que evidenciassem e
permitissem aos seus dirigentes e a todos os participantes da
organização detectarem a existência de relações sociais e de traços
culturais presentes no dia-a-dia. A partir dessa constatação e análise, a
organização parte para uma intervenção que seja eficiente sobre seu
presente e seu futuro.

Actualmente, esse é um dos temas mais evidentes frente ao


processo de globalização que vivem as organizações: fusões e
aquisições, novas implantações, joint ventures 19 , incorporações;
elevam em conta os complexos culturais dos países onde ocorrem tais
factos, no sentido de adequar a eficácia organizacional existente na
origem com aquela que está presente nos locais onde a organização vai
actuar. Espaço, tempo, tecnologia, valores, história e tradições,
distância entre cultura real e cultura ideal, e uma quantidade
inumerável de factores não económicos motivam e mobilizam cada vez
mais os passos da globalização.

Nas organizações – sejam elas grandes, envolvendo milhares de


membros, sejam elas pequenas, com número reduzido de participantes
–, são formados ainda padrões de relacionamentos, uma vez que seus
membros, ora com mais intensidade, ora com menos:
▪ têm certos procedimentos comuns com vistas a um mesmo
objectivo;
▪ servem-se dos mesmos valores;

▪ utilizam-se de tecnologias apropriadas para os objectivos que


buscam;

19
Contrato de colaboração empresarial; constitui uma forma ou método de cooperação
entre organizações independentes.
154
▪ trabalham nos mesmos espaços ao longo do tempo; e ▪ dispõem
de mesmos recursos (Silva, 2010).

Isso quer dizer que as organizações também têm sua cultura


formada ao longo de sua própria existência como unidade com vida
própria dentro de uma sociedade. Inseridas dentro de um contexto mais
amplo, as organizações constroem, ao longo de seu tempo e de sua vida,
uma subcultura própria, que interfere nas manifestações de seus
membros de forma diferenciada, sobretudo, naqueles aspectos e
naquelas relações que lhes são tipicamente próprias. Assim, o sector
bancário, por exemplo, desenvolve entre seus membros a preocupação
com a busca permanente do equilíbrio financeiro e do incremento
patrimonial; as organizações do sector mecânico valorizam muito a
questão dos tempos cronometrados; as associações literárias prezam,
sobretudo, as expressões artísticas escritas, e assim por diante (Silva,
2010).

De todos os precedentes, podemos concluir:


▪ a cultura de uma sociedade interfere directamente no modo
como seus indivíduos encaram a realidade, aí entendida a
convivência, o trabalho e a própria vida. O indivíduo, portanto, é
fruto – não um fruto absoluto, pois aí estaríamos admitindo o
determinismo cultural – desse conjunto extraordinariamente
complexo que chamamos de cultura, ou seja, é preciso uma
compreensão de cultura como partilha de significados, pois ela
(a cultura) fornece os códigos a partir dos quais é construída a
visão de mundo dos indivíduos, de suas percepções, de seus
valores etc.;

▪ o indivíduo busca no trabalho primitivo, sem regras definidas e


executado para manter simplesmente a própria sobrevivência,
uma forma de posicionar-se perante seus semelhantes, ser
155
reconhecido e satisfazer-se na vida. No mundo moderno, é o
sucesso que posiciona as pessoas: esse sucesso se expressa de
formas variadas, mas principalmente por meio do poder, do
dinheiro, da carreira e do prestígio;
▪ na complexidade da vida moderna, as organizações
constituemse como um dos melhores locais para o homem
firmar-se e posicionar-se perante seus semelhantes; e
▪ as organizações, tais quais os conjuntos sociais, também
formam e constroem sua cultura; melhor seria dizermos que
constroem sua própria subcultura, visto que seus objectivos são
muito mais específicos e claros do que os da sociedade (seus
valores, seus usos tecnológicos, sua estrutura de relações e
todos os demais elementos que compõem um contexto social).
Assim, enquanto dispõem de uma cultura própria, as
organizações também devem proporcionar aos indivíduos a
possibilidade de serem reconhecidos e de se satisfazerem:
trabalhar nessas organizações significa participar de um
segundo processo de socialização a ser construído
coerentemente sobre o primeiro. É preciso dizer que a
socialização se processa no interior de diversas instâncias da
sociedade, como a família, a escola, a
religião e a própria vida no trabalho (ou as organizações nas
quais se trabalha).

A esse complexo constituído de ideias e de outras abstracções, como


objectivos, metas, valores, tecnologia, relações etc., presentes nas
organizações públicas e privadas, é dado o nome de conjunto
ideológico20. Ao construí-lo e analisá-lo, pesquisadores perceberam que

20
Sistema de ideias, valores, instrumentos tecnológicos, bem como de formas de
relacionamento interpessoal que dão fundamento a uma política organizacional.
20
Manifestação do comportamento de um indivíduo.
156
ele, ora com mais intensidade, ora com menos, actua sobre toda a
organização como se fosse a sua própria “alma” e se expressa como uma
bússola a orientar e a conduzir toda a organização para uma
determinada direcção, em busca da satisfação de seus membros por
meio de bons resultados na sociedade em que está inserida ou para a
qual destina seus produtos.

Assim, essa realidade nos leva à formulação de algumas perguntas


cujas respostas vão esclarecer um pouco mais o papel das organizações
em nossa sociedade:
▪ Que tipo de “alma” será esta?
▪ Será ela a mesma para toda e qualquer organização? ou,
seguindo uma lógica cultural, cada organização constrói sua
própria “alma”?
▪ Que condutas20 essa “alma” inspira naqueles que fazem parte
de uma organização? E que condutas ela inspira na própria
organização frente ao restante da sociedade?
▪ É possível identificá-la e caracterizá-la em suas variáveis? e, uma
vez conhecidas as variáveis, é possível mudá-las?

As respostas a essas e a outras tantas perguntas dessa natureza nos


levam ao estudo do que chamaremos contexto social, e os elementos
subjacentes apontados anteriormente – pessoas e organização, análise
de suas interacções etc. – deverão funcionar como uma espécie de lente
pela qual se passará a observar não apenas a sociedade ou um dado
conjunto social, mas especificamente as organizações que são o objecto
de nosso interesse imediato.

5.1.1 Contexto social

Você teve oportunidade de observar que um texto é uma trama


de letras que forma um tecido de palavras, que, juntas e em certa
157
ordem, mostram um significado que se traduz pela descrição de ideias,
de emoções e de pensamentos do mundo interior de cada um, de
situações, de acontecimentos e de toda sorte de informações do mundo
material? Pois bem, quando falamos de contexto 21 social, estamos
fazendo referência a todo tecido constituído de relações sociais, de
papéis, de condutas e de comportamentos e de toda sorte de processos
dinâmicos construídos pelos participantes de uma sociedade. Logo, os
membros de uma sociedade criam e formam um entrelaçamento
extremamente complexo, composto basicamente daqueles elementos
analíticos descritos nas Unidades anteriores.

Atendendo à análise de interesse do tema que estamos


desenvolvendo e, obedecendo a uma sequência de causa-efeito,
podemos dizer que os elementos desse tecido social formam-se a partir,
normalmente, da definição de um ou de mais objectivos que se
entrelaçam com:
▪ os valores existentes referenciados;

▪ as tecnologias disponíveis; e
▪ as estruturas de relacionamento entre os
membros.

Objectivo
Como vimos na Unidade 3, uma organização praticamente se
define pelo que pretende realizar com as pessoas que nela trabalham
ou dela participam. Quando falamos assim, estamos nos referindo aos
objectivos da organização. Eles devem estar tão inscritos na constituição
da organização e na mente das pessoas que dela fazem parte, que se

21
Quer dizer tecido, trama, entrelaçamento.

158
constituem praticamente em sua pedra fundamental e são a base de
seu desenvolvimento. Por isso, definimos objectivo como algo que a
organização (ou o indivíduo) se esforça por conseguir quando lhe falta,
por manter quando já o possui ou afastar-se quando lhe é aversivo
(Bernardes & Marcondes, citados em Silva, 2010).

Valores
Quando buscamos os objectivos, sejam eles definidos clara e
expressamente, como muitas organizações o fazem, sejam eles
construídos quase que inconscientemente, como muitos grupos não
totalmente organizados demonstram, imediatamente vem à baila a
sequência de um elenco de proposições ideais que são considerados
importantes para os objectivos pretendidos. A esse elenco de
proposições damos o nome de valor.

Valor pode ser definido como um modo de ser ou de agir que


uma pessoa ou uma colectividade reconhece como ideal e que torna
desejáveis os objectos ou as condutas e os comportamentos nos quais
esse modo se concretiza ou se exprime (Silva, 2010).

Assim, podemos dizer que o valor se inscreve de modo duplo na


realidade: de um lado, ele se apresenta como um ideal que chama à
adesão ou convida ao respeito e de outro lado, ele se manifesta nas
coisas ou nos comportamentos que o expressam de modo concreto ou,
mais exactamente, de modo simbólico (Rocher, citado em Silva, 2010).

No primeiro caso – convite à adesão e/ou ao respeito –, temos


os valores das virtudes (honestidade), dos comportamentos
aprovados(fazer o bem), das atitudes louváveis (doações para os que
sofrem).

159
No segundo caso – expressão simbólica de valor –, temos os bens
concretos, como dinheiro, casa, automóvel, roupa etc. Logo, perceba
que os valores, ainda que sejam tratados em um plano ideal, têm a
mesma objectividade que as coisas concretas.

Tecnologia
Ao propormos objectivos, construímos ideal e/ou concretamente
aquilo que nos permite alcançá-los. Da mesma forma, também os
valores nos empurram para a construção de meios que nos possibilitem
trazer aquelas construções ideais para a concretude do aqui e agora.
Como vimos na Unidade 1, a esses meios damos o nome de tecnologia.

Assim, tecnologia designa concomitantemente:


▪ os resultados obtidos (bens e serviços prestados);
▪ os processos utilizados (manuais, mecânicos, automatizados);e
▪ os insumos necessários (máquinas, mão-de-obra,
conhecimentos, habilidades dos executivos, dinheiro e até
tempo).

Para você entender melhor, vamos fazer uma análise dos primórdios
da história, quando o homem passou a dominar o fogo. Ele teve sua vida
relativamente alterada: descobriu que esse elemento natural facilitava
a sua vida (alimentação) e ainda espantava animais (o que lhe permitia
a melhoria de sobrevivência). Da mesma forma,
quando um satélite fotografa um
fenómeno meteorológico – massas polares, chuvas, furacões etc. –, há
alterações nas relações
estabelecidas em um dado contexto social, normalmente para melhorar
a convivência. Essa melhor convivência pode ser traduzida de muitas
formas: prevenção de acidentes, aumento de produção e/ou
produtividade, correcção de direcção etc.
160
Quando uma tecnologia realmente produz os resultados
esperados, pode causar uma alteração dos modos e das formas pelas
quais os membros de um contexto social passarão a buscar suprimentos
para suas necessidades.

Furacões, tempestades, expressões diversas das forças da


natureza, até uns 50 anos atrás, eram fenómenos naturais aceitos a
contragosto pela sociedade dos homens e muitas vezes atribuídos à ira
divina. A partir do momento em que a ciência, munida de uma
instrumentação tecnológica (meios) mais apurada, passou a conhecer
fenómenos naturais com mais propriedade, a identificá-los em suas
causas, a prever e a anunciar sua “conduta”, as relações nessa mesma
sociedade dos homens passaram a apresentar mudanças, algumas
significativas, outras nem tanto.

Importa recordar que as previsões meteorológicas já permitem


acções preventivas não apenas de protecção à vida das pessoas como
também de técnicas construtivas diferenciadas. Há pouco mais de 20
anos, quase todas as nossas cidades tinham suas salas de cinema
concentrando bom número de pessoas em suas sessões. A videocassete
e, hoje, o DVD esvaziaram essas salas. Hoje, salas de cinema se
constituem em valor agregado dos centros comerciais. O que vemos
hoje é que as relações entre os membros de um contexto social e do
próprio universo social, englobam, com maior ou com menor
intensidade, todos os países e estão se modificando continuamente.

Dessa forma, podemos agora corrigir a afirmação clássica, que


vimos na Unidade 1, de que as relações sociais tendem a ser
permanentes: quanto mais um conjunto social recebe aportes
tecnológicos ou sofre mudanças de valores ou altera seus objectivos,
161
menos permanentes se tornam as formas e os modelos de relações
sociais estabelecidas.

Estamos em uma era de mudanças permanentes, na qual o


denominador comum de todas essas mudanças é o fato de que elas
constituem o produto de uma aceleração muito grande da ciência, com
aplicações tecnológicas quase que imediatas, a qual chamamos de
revolução científico-tecnológica. É a mudança que preside o tempo
presente e presidirá também o futuro de nosso século. Nestes tempos,
o conhecimento será um factor determinante: estamos também na era
do conhecimento, como podemos observar na Figura 8.

Figura 8: Evolução da participação das tecnologias na formação do


Produto Interno Bruto (PIB) dos países da OCDE.

Fonte: Adaptada de Salat (1984, citado em Silva, 2010, p. 103)

Examinando o crescimento dos países industrializados,


verificamos uma diferença entre os diversos sectores económicos em
função de sua participação na formação do Produto Interno Bruto(PIB).
Tais diferenças podem ser identificadas no desenvolvimento dos países
que compõe a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE), a partir de seu surgimento nas diferentes “ondas
tecnológicas”. Assim, o subsector A agrupa indústrias de base: cimento,

162
aço, química, vidro, metal, têxtil, automobilística, electrodoméstica,
construção civil e alimentação. O subsector B inclui hardware de
informática, electrónica, telecomunicações, química farmacêutica,
serviços em geral (turismo, finanças, marketing), aviação comercial e
armamentos. O subsector C compreende os sectores industriais de
informática avançada (aplicações gráficas e engenharia computacional),
de armamentos sofisticados, de robótica e de indústrias baseadas em
tecnologia avançada.

O subsector A alavancou o desenvolvimento económico desses


países proporcionando crescimento de renda e emprego até sua
maturação no fim dos anos de 1950. O subsector B, que teve início
depois da grande depressão dos anos de 1930, tomou a vez,
proporcionando um crescimento significativo de postos de trabalho
durante os anos de 1960 e de 1970, quando, então, deu-se início a uma
nova crise. O subsector C é, hoje, o que mais proporciona crescimento
e renda (Salat, 1984, citado em Silva, 2010).

5.2 Estruturas de relacionamento

Na Unidade 1, vimos que o homem está constantemente


buscando satisfações para as necessidades que vão se apresentando ao
longo de sua vida e que, quando encontra meios de satisfazer uma
delas, ele constrói um modelo de relação que chamamos de paradigma.

Ao desenvolver uma extensa rede das mais diversas relações para poder
conviver e sobreviver, o homem está realizando uma construção social
que passaremos a chamar de estrutura social ou estrutura de relações.
Assim, quando falamos de estrutura de relações fazemos referência ao

163
conjunto de formas e de modos que envolvem a relação social que
estudamos na Unidade 1.

O termo estrutura social ou estrutura de relações22 se presta a


muitas definições e interpretações. Na definição clássica de
RadcliffeBrown (citado em Rocher, citado em Silva, 2010) “[...] estrutura
social é a rede de relações sociais realmente existentes”. Enquanto a
forma concreta, as partes, no caso dessa definição, podem sofrer
alterações, a disposição geral de como acontecem as relações sociais
tende a permanecer estável, invariável e constante por muito mais
tempo do que as partes propriamente ditas.

Em uma organização – privada, pública, não governamental etc.


o facto de mudar um director não altera de modo significativo a rede de
relações já existentes, a menos que esse novo director imprima novos
objectivos, valores, disponibilidade de recursos ou um conjunto novo de
meios e métodos de trabalho (tecnologia) a esse circuito de relações.

Entretanto, é importante observar que não estamos dizendo que


a estrutura das relações não se altera: ela se altera sim, de modo lento
e gradual. Quanto mais são alterados os objectivos ou os valores ou os
recursos disponíveis ou a tecnologia, mais as estruturas de
relacionamento tendem a se modificar.

Veja, por exemplo, como se modificou o fenómeno da


aprendizagem: há cerca de 50 anos, o único jeito de aprender a ler, a
escrever e a adquirir conhecimentos sistematicamente era
frequentando a escola; à medida que se foi atribuindo importância à
alfabetização e à escolaridade (valores) e os recursos se tornaram mais

22
Disposição ordenada das partes de um todo, disposição essa tida como invariável, sendo,
pelo contrário, variáveis suas partes.
164
disponíveis (tecnologias de comunicação), foram modificados
completamente a forma e o modo de como se aprende e o ensino a
distância no qual você está inscrito é um bom exemplo dessas
alterações ocorridas nas estruturas de relacionamento.

Raramente, as alterações nas estruturas de relações são bruscas


e, quando acontecem, caracterizam o que chamamos de revolução,
deixando o contexto social em um estado de equilíbrio precário que
toma bastante tempo para ser restabelecido.

É considerada revolução, no sentido de alterações nas estruturas


de relação sob o ponto de vista político, o caso de Cuba, com a tomada
do poder por Fidel Castro em 1959, ou o caso do Irão, com a queda do
Xá e a ascensão dos aiatolas em 1979. Nesses dois casos, a mudança
brusca no conjunto de relações políticas alterou profundamente toda a
estrutura de relações sociais existentes naquelas sociedades. Para você
verificar tal revolução sob um ponto de vista mais restrito, observe
como uma família se modifica quando um dos membros, sobretudo, se
este é o chefe de família, morre ou quando o casal se separa.

Estrutura de relações é, portanto, uma referência directa de


comportamento; é como as pessoas agem habitualmente; é como elas
conduzem sua própria vida no dia-a- dia. A esse respeito, convém
esclarecermos que o homem apenas muda sua maneira de agir quando
um “novo modo” lhe permite alcançar a mesma coisa (suprimento) ou
até mais do que o necessário, com menosesforço (Silva, 2010).

A alteração do modo ou a forma de estabelecer uma relação é


baseada no factor “comodidade”: uma nova tecnologia somente será
adoptada caso proporcione menos esforço ou o mesmo esforço com

165
uma resposta maior ou melhor. Entretanto, a tecnologia não é o único
factor de mudanças estruturais. No caso de organizações, há aspectos
políticos e culturais que devem ser levados em conta quando
consideradas as mudanças estruturais. Para verificarmos isso, no
aspecto político, relembremos os casos citados anteriormente de Cuba
e do Irão: mesmo não havendo introdução de novas tecnologias, as
mudanças estruturais aconteceram e alteraram significativamente todo
o sistema de relações daquelas sociedades.

No caso de pessoas, o risco iminente de um perigo ou mesmo


de morte faz com que o homem altere profundamente seu modo de
vida e seu comportamento. Evidentemente, a questão económica da
“nova” tecnologia deverá ser levada em conta quando de sua adopção
por parte da sociedade ou das pessoas. Entretanto, com a produção em
economia de escala, computada a relação custo/benefício, a adopção
dessa “nova” tecnologia é apenas uma questão de tempo.

No que diz respeito ao comportamento das pessoas, Hersey e


Blanchard (1986, citados em Silva, 2010) ilustram muito bem essa
questão já no primeiro capítulo de seu livro, conforme podemos ver na
Figura 9, ao mencionarem a relação entre o tempo e o grau de
dificuldade de cada um desses níveis de mudança quando não entra em
jogo o factor coerção ou outra forma de dominação.
Figura 9: Tempo e grau de dificuldade para mudanças

166
Fonte: Hersey e Blanchard (1986, citados em Silva, 2010, p. 107)

As mudanças mais fáceis de serem realizadas são as de


conhecimento, seguidas pelas de atitude 23 interna. As estruturas
atitudinais diferem das estruturas cognitivas por um componente
emocional positivo ou negativo. As mudanças de comportamento, sem
que haja introdução de novas tecnologias, já são consideradas mais
difíceis e bem mais demoradas do que quaisquer das duas anteriores.
Mas talvez a mais difícil e mais lenta de todas seja a mudança no
desempenho de grupos ou de organizações.

Podemos afirmar que a alteração de uma estrutura de relações


depende muito da introdução de uma nova tecnologia, mas não
exclusivamente. As mudanças também e muitas vezes estão vinculadas
aos parâmetros de proposições ideais (valores) que, como vimos, são
demarcações para a conquista de objectivos traçados.

É por essa razão de dependência mútua que os elementos que


estão presentes em todo contexto social são mencionados em ordem
de causa/efeito. Isso quer dizer que para alterar resultados 24 em

23
É a predisposição de um indivíduo para responder ou agir de modo próprio ou
característico sobre determinada relação e/ou situação.
24
Busca de eficiência, implementação de novas tecnologias, etc.
167
qualquer contexto social, instituição, organização, família etc., a ordem
de intervenção é de fundamental importância.

Uma frase do filósofo do Império Romano, Lúcio Aneu Sêneca,


diz “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde quer ir”.
Logo, em qualquer organização, se não existir clareza do que se
pretende, certamente os valores se confundem, as tecnologias não
produzem os resultados esperados, as relações que se estabelecem
entre os membros da organização deixarão a desejar do ponto de vista
da satisfação e os resultados finais obtidos não serão os melhores.

Quando essas etapas são sistematizadas para intervenção,


criamos um modelo de análise do contexto social, e isso nos permite
verificar que tais etapas estão intimamente conectadas umas as outras
de tal modo que a intervenção, para produzir os resultados esperados,
deverá ser feita do centro para a periferia, sob pena de caracterizar-se
como falaz e incompleta. Observe a Figura 10 que ilustra o processo.

Figura 10: Modelo de análise do contexto social

Fonte: Silva (2010, p. 109)

A mudança de um contexto social, seja de uma organização, seja de


uma comunidade, deve conjugar os processos da Figura 9, tendo o(s)
objectivo(s) como ponto de partida.

168
Além dos aspectos enumerados anteriormente e que são intrínsecos
à organização, a análise do contexto social deverá ainda levar em conta
alguns outros aspectos que, extrínsecos a ele, interferem de modo
directo em sua dinâmica. São eles:
▪ Tempo: aqui entendido como a época em que a formulação dos
componentes do contexto social ocorre. Assim, uma organização poderá
ser vista e considerada em um tempo actual ou em seu passado ou
projectada para o futuro. De qualquer maneira, a variável “tempo” está
sempre presente na análise do que chamamos de contexto social.

▪ Espaço: aqui denominado como a localização geográfica na qual


está inserida a organização. Ainda que a globalização se estenda
mundo afora derrubando fronteiras e limites geográficos, não há
como negar que a organização, aqui e agora, ainda manifeste
uma dependência muito estreita e forte do local onde está
inserida e das pessoas que vivem ou habitam nesse local. São
por demais conhecidos os casos de organizações que se instalam
em outros locais e que, nos primeiros tempos de sua nova sede,
dificilmente conseguem a performance que tinham no antigo
local. Isso porque, querendo ou não, os espaços geográficos e
as pessoas que nele habitam têm interferências directas na
organização e a alteração que se sucede obedece a uma
sequência de pequenos passos até a suacompletude.
▪ Disponibilidade de recursos: dispor ou não dispor de recursos
de qualquer natureza – naturais, financeiros, tecnológicos etc. –
para facilitar a convivência, a sobrevivência ou o trabalho
realizado representa um aspecto fundamental na análise de
qualquer organização humana.

▪ Massa crítica: diz respeito à capacidade de voltar-se para o que


já está feito no sentido de repensá-lo para fazê-lo melhor, essa
é uma das variáveis que deve ser levada em conta quando da
análise de um contexto social. Podemos dizer que massa crítica

169
é um sinónimo de desenvolvimento de informação e de
conhecimento. Muitas vezes, quando as organizações existentes
em um dado contexto desenvolvem suas capacidades críticas,
toda a sociedade pode aproveitar-se dessa capacidade. Nesse
sentido, serve de ilustração o caso japonês: sem dispor de
recursos naturais, o japonês desenvolveu uma afinada
capacidade crítica capaz de criar tecnologias que lhe
permitissem absorver de outros países os recursos financeiros
necessários à sua sobrevivência, constituindo uma economia de
primeira grandeza (Silva, 2010).

Portanto, analisar um contexto social para melhor compreendê-lo e


nele intervir, significa discernir cada um dos aspectos de sua
composição e estabelecer as relações que cada um desses aspectos,
tanto isoladamente quanto em conjunto, mantém com as variáveis que
o rodeiam e que nele interferem, ora positiva, ora negativamente.

À semelhança das pessoas que estão inseridas em um contexto


social, também as organizações se constituem em objecto de estudos.
Compreender a organização para nela intervir requer o uso dos mesmos
instrumentos de análise listados anteriormente: a organização como
produto da mente humana tende a ser e a manifestar-se da mesma
forma que as pessoas que nela trabalham.

Assim, para compreendermos a organização e nela intervirmos com


eficiência, precisamos levar sempre em consideração os mesmos
critérios construídos para compreender as pessoas que fazem parte da
sociedade:
▪ os objectivos que as pessoas têm em mente – velada ou
declaradamente – vão exigir a definição dos...
▪ os valores que orientem as acções para a busca e a consecução
dos objectivos fixados, utilizando-se de uma dada...
170
▪ a tecnologia. A interacção entre objectivos, valores e tecnologia
tende a formar modelos de troca – paradigmas – que se
cristalizam em...
▪ as estruturas de relações relativamente invariáveis, ainda que
constituídas de partes variáveis.

E não para por aí. Esses elementos sofrem ainda a acção do:
▪ tempo: quanto mais tempo qualquer um dos componentes
anteriores permanece actuando, mais difícil se torna a
intervenção de alteração;
▪ espaço: quanto mais o ambiente favorece um determinado tipo
de relação, mais essa relação se enraíza nas formas e nos
modelos de trocas que as pessoas utilizam;

▪ espaço: quanto mais o ambiente favorece um determinado tipo


de relação, mais essa relação se enraíza nas formas e nos
modelos de trocas que as pessoas utilizam;
▪ massa crítica: sem compor informações e desenvolver
conhecimentos, a abundância de recursos pode não significar
nada. E, se esse factor se inscreve em um ambiente sem
dificuldades, podemos, com certeza, considerar que a
organização estará sendo levada à acomodação (Silva, 2010).

Quando aplicamos esses princípios às organizações públicas,


precisamos acrescentar que há uma estreita relação de dependência
entre eles e os ordenamentos político-jurídicos da constituição e da
existência da organização. Por isso, as intervenções que nelas se
realizam se tornam mais complexas e, evidentemente, vão exigir maior
cuidado no que diz respeito a esses constitutivos que fazem parte do
contexto social.

171
Para completar, podemos dizer que o contexto social, seja ele de
uma organização ou família, será sempre visto como um quadro cuja
composição e trama está limitada e emoldurada por seus componentes.
Esse conjunto de componentes indica que não há um modelo padrão de
organização, isto é, que não há um meio único, uma receita padrão, de
organizar tais componentes. Pelo contrário, tais factores vão desenhar
uma organização com personalidade própria e única e todo modelo
deve criar uma estrutura adequada e ajustada aos meios contingenciais
disponíveis, no momento de sua formação ou ao longo do caminho, de
interacções que percorrem sua existência.

Assim, as influências desses elementos como factores


individualizantes da organização nos permitem concluir que:

▪ não existe forma única e universal de organização (tal como a realidade


faz ver que não existe modelo único de família, de bairro, de cidade etc.);

▪ elementos contingenciais, como os apontados (objectivos,


valores etc.) interferem na forma mais apropriada de
organização; e
▪ a estrutura de relações se estabelece a partir dessa
individualização, isto é, tem um carácter operacional em relação
à estratégia25.

Desde que a competitividade (guerra de preços, qualidade, design,


ponto de venda, garantias, serviços pós-venda, marketing etc.)
começou a ser instalada no mercado, por similitude, aos poucos foi se
adoptando o termo “estratégia” para a política da organização e para o
seu principal director encarregado de definir as propostas a serem
levadas adiante pelo director executivo – Chief Executive Office (CEO) –
as quaisa organização constrói para sua sobrevivência e sua convivência.
Nossa última observação esclarece que a estrutura de relações se

172
constitui em uma das maneiras, talvez a principal, de a organização
alcançar e concretizar seus objectivos. Os objectivos derivam de
estratégias da organização, por isso é necessário que estratégia e
estrutura se interliguem.

É importante observar que uma alteração na estratégia significará


necessariamente uma alteração na estrutura e vice-versa: quando se
altera a estrutura, seja por intervenção directa, seja por processos
participativos, certamente a estratégia organizacional sofrerá
alterações.

Alfred Chandler (1918–2007), professor de Administração e de


História Económica em Harvard, a partir de suas investigações

25
Definição de meios para o alcance dos objectivos e/ou metas correspondentes.

históricas, concluiu em seu livro Estratégia e estrutura, publicado


em1962, que não existe uma fórmula única de construir uma
organização.

A partir de uma análise histórica das grandes corporações


americanas, Chandler (1962, citado em Ferreira, 1996, citado em Silva,
2010) conduziu suas investigações no sentido de buscar a relação
estreita entre estratégia empresarial e estrutura organizacional e
verificou que a estrutura foi continuamente modificada, ajustada e
adequada à estratégia, sendo até possível definir, sob o ponto de vista
da estrutura, um processo evolutivo pelo qual passam as grandes
corporações. Uma de suas conclusões é de que a estratégia de uma linha
de produtos e/ou serviços está normalmente associada a estruturas
simples; posteriormente, comum planeamento estratégico de
diversificação de produtos/serviços ou de novas exigências do mercado,
os administradores tiveram de repensar e de criar espaços para
estruturas mais elaboradas e com alto grau de formalização.

173
Assim, não fazia sentido – como não faz até hoje – iniciarmos o
desenho de uma organização pela sua estrutura, e sim pelos objectivos
que queremos atingir para somente depois de claramente expressos e
tecnologicamente definidos tais objectivos construirmos a própria
estrutura.

O esclarecimento dessas noções de estratégia e de estrutura vem


proporcionando cada vez mais especificidade às organizações. Dele
emergiram dimensões antes pouco significativas como inovação,
custos, diferenciação de produto, imitação, design, garantias, qualidade
etc.

Agora, pare e reflicta: quais os possíveis ganhos para uma organização


que baseia suas acções nesse conhecimento construído por Chandler
(1962, citado em Ferreira, 1996, citado em Silva, 2010)?

Esse ganho diz respeito à percepção, por exemplo, uma


estratégia para a inovação de um produto ou de um serviço requer
uma estrutura organizacional própria e diferenciada da estrutura
construída para a diminuição de custos.

Enquanto a primeira (inovação) requer uma estrutura simples e


flexível, com muita informação sobre o produto, aberta a críticas e
reduzida formalização de tarefas, a segunda (diminuição de custos)
requer um volume de informações internas da própria organização,
uma equipe muito bem estruturada na eficiência e na estabilidade, além
de relações muito mais mecanicistas (números de custos, balanços,
endividamento, giro de estoques etc.)

Nas organizações que buscam eficiência, a estruturadas relações


que se estabelece entre os membros é uma função da estratégia de
174
mercado ou de prestação de serviços que se quer atingir naquele
contexto social. Dessa maneira, a análise do contexto inclui
necessariamente examinar a organização sob a óptica dos elementos
que a cercam e que lhe servem de moldura como a um quadro.

A Figura 11 ilustra a moldura a que uma organização está


circunscrita: objectivo(s), valor(es), tecnologia, estrutura de relações,
tempo, espaço, disponibilidade de recursos e massa crítica.

Figura 11: Enquadramento da organização no contexto social

Fonte: Silva (2010, p. 115)

Qualquer organização, para a melhoria contínua de


desempenho, deve ser enquadrada pela descrição e pela análise dos
elementos do contexto social no qual está inserida. Perceba, portanto,
que qualquer alteração em um dos componentes exige que o outro
componente se altere para que o equilíbrio social seja mantido.

Bibliografia
Silva, G. (2010). Sociologia Organizacional. Florianópolis: Departamento
de Ciências da Administração, UFSC.

175
Resumindo

Chegamos ao final da Unidade 5. Esperamos que você tenha


entendido que toda e qualquer organização se movimenta dentro de
uma trama de relações normalmente complexa entre seus membros, de

seus membros com o meio ambiente na qual ela e eles estão inseridos,
ao mesmo tempo em que desempenham seu trabalho sem perder de
vista um conjunto de elementos que lhe dá sustentação e vida e que
faz parte da sociedade; e que toda essa trama de relações existe em
um sistema de equilíbrio relativamente estável.

Você deve, no entanto, levar em conta que qualquer alteração


de um dos elementos que cercam a organização (objectivos, valores,
tecnologia, espaço, etc.) tende a interferir na própria organização, com
mais ou menos intensidade. Se o administrador não estiver atento a tais
mudanças, certamente seu trabalho ou os objectivos da organização em
que ele trabalha serão afectados negativamente.

Decorre desse contexto que o conhecimento, a formação das


pessoas no trabalho, o exame permanente dos meios tecnológicos
empregados e a avaliação constante dos objectivos estabelecidos são
fundamentais para a melhoria da qualidade de vida não apenas dos que
trabalham na organização como também daqueles para os quais a
organização, em sua totalidade, trabalha.

Actividades de aprendizagem

Caso tenha ficado alguma dúvida, faça uma releitura cuidadosa dos
conceitos ainda não bem entendidos ou, se achar necessário, entre em
176
contacto com seu tutor.

1. O que é cultura organizacional?

2. Pode a cultura de uma sociedade influenciar o trabalho no seio de


uma organização? Justifique.

3. Faça uma pesquisa sobre avanços tecnológicos e produtividade


agrícola, reportando-se desde a agricultura primitiva até o moderno
agro-negócio e anote como as tecnologias alteraram não somente o
campo como também as cidades.
4. Considere a organização em que você trabalha e descreva seus
componentes (todos, desde objectivos até massa crítica, etc.) ao longo
de certo tempo, fazendo um breve comentário (algumas linhas apenas)
sobre cada um deles. Relate e justifique as mudanças ocorridas.
5. A partir do domínio do fogo e da invenção da roda, relacione pelo
menos cinco novas tecnologias e suas consequentes alterações no
contexto social à época em que essa tecnologia surgiu.
6. Faça um mapa da estrutura de funcionamento da organização em
que você trabalha (uma parte apenas) ou de uma/outra organização
pública. Para tal, lembre-se do conceito de estrutura: o trabalho
continuará sendo feito do mesmo modo, independentemente das
pessoas que hoje o estão executando na organização.
7. Liste os objectivos, os valores e os instrumentos tecnológicos
utilizados pela organização em que você trabalha e tente avaliar se tais
componentes representam efectivamente uma sequência lógica. Se não
há identificação lógica entre eles, busque sinalizar os entraves.
8. O que é estratégia organizacional?
9. É a cultura organizacional um factor para desempenho
organizacional? Em que medida?

177
Unidade 6 – Cultura das organizações: características, classificação e intervenção
6.1 Cultura das organizações: um pouco de história

O conjunto de ideias, de paradigmas, de intenções, de metas, de


valores, de tecnologia, de relações etc. que se faz presente, ora com
mais intensidade, ora com sinais subtis e menos evidentes, nos
ambientes de uma organização, constrói quase que naturalmente uma
microssociedade que apresenta as mesmas características de
socialização e de formação cultural de uma comunidade ou de um
povo.

Foi há pouco mais de 50 anos que pesquisadores e estudiosos da


eficiência empresarial deram-se conta dessa realidade. Desde os
tempos de Taylor, a questão eficiência e produtividade estava centrada
nos equipamentos, na tecnologia e no treinamento das pessoas. O
referencial taylorista conduziu o processo administrativo para
procedimentos clássicos altamente recomendados, mas que hoje, com
a automação e a robótica, são considerados obsoletos.

A partir da Escola de Relações Humanas, década de 1930, o


ambiente empresarial passou a ser objecto de estudos mais específicos,
ou seja, de estudos dos grupos e das lideranças. Mayo e sua equipa
conduziram uma longa pesquisa na fábrica da General Electric, em
Howthorne/Chicago, buscando resolver uma série de problemas.

Ao final, ainda que os métodos e as técnicas de produção


fossemos mesmos, eles chegaram à conclusão de que a integração
social dos empregados, o reconhecimento e a aprovação social, os
grupos informais que se formavam e os aspectos emocionais dos
empregados definiam com muito mais propriedade o resultado do
trabalho do que simplesmente os métodos mecanicistas. A partir dessa
178
pesquisa, surgiu a preocupação em construir conhecimentos sobre
indivíduos e grupos dentro da organização, preocupação essa que
atravessou quase três décadas após a segunda Guerra Mundial.

As inúmeras pesquisas posteriores possibilitaram o


conhecimento de que as organizações, com seus objectivos, valores,
tecnologia, pessoas, etc.; formavam um contexto social quase
independente, com características próprias e quase exclusivas, ou seja,
que elas, ao longo do tempo e do espaço, construíam cultura própria: a
cultura da organização.

A cultura da organização foi realmente tomada como tema de


preocupações e de estudos no final dos anos de 1970, conhecendo
amplo desenvolvimento nos anos de 1980. O interesse dos estudos
fundava-se na tomada de consciência de que factores culturais exerciam
influência no processo administrativo, ora às claras, em situações fáceis
de perceber, ora às escondidas, em circunstâncias cuja percepção
somente se obtinha por métodos investigativos indirectos.

A percepção obtida por métodos indirectos fazia aumentar a


crença generalizada – porém, ainda não totalmente explicada – de que
os factores culturais eram um diferencial entre as organizações mais
bem-sucedidas e as menos bem-sucedidas.

Com o advento da globalização da economia, quando fusões e


aquisições passaram a fazer parte do cardápio das organizações
multinacionais, o estudo desses fenómenos se intensificou e permitiu a
constatação de muitas certezas para as afirmações até então teóricas
sobre a cultura da organização.

179
A globalização da economia e a multi-nacionalização de
organizações possibilitaram os estudos e a construção de
conhecimentos sobre aspectos e impactos culturais de uma nova
organização que se instalava em outro país e de uma antiga organização
que passava a ser regida por nova orientação, muitas vezes, não
condizente com os componentes internalizados pelos trabalhadores sob
a administração anterior (Silva, 2010).

Valores, tradições, costumes, símbolos e linguagem – inclusive a


gíria –, personalidade do gerente ou líder ou supervisor e uma série de
outros elementos materiais e imateriais da cultura do local em que está
instalada a organização passam a ter significado próprio e, na maioria
das vezes, determinam todo o novo processo administrativo a ser
implantado, seja na fusão, seja na aquisição de uma organização por
outra.

Você já parou para pensar por que esses factos acontecem?

Porque a cultura não é propriedade de um indivíduo, mas sim


atributo de um grupo ou de uma organização. Nesse aspecto, esse
atributo é sentido, aprendido, compartilhado, padronizado e tem seu
fundamento no simbolismo dos diversos elementos, tanto materiais
quanto imateriais, disponíveis na organização. Tais factos demonstram
que a cultura de uma sociedade está representada, em grande parte,
também dentro dos muros de uma organização ou nos limites de
actuação de outra organização.

Isso significa, também, que os elementos culturais, em uma


organização, vão além daqueles puramente concretos, como a
instrumentação tecnológica disponível, os números contáveis, os dados
económicos e o domínio de mercado para abraçar e incluir, também, os

180
elementos simbólicos presentes nas conversas, nos discursos, nas
práticas operacionais e na própria forma de vida da organização. Logo,
se levarmos em conta a cultura organizacional, é fundamental
buscarmos a compreensão dos elementos, materiais e imateriais,
presentes nas organizações.

Além da compreensão da cultura organizacional, devemos


buscar também a caracterização das organizações, as quais poderão
fornecer dados de suas fases evolutivas, de seu desenvolvimento, de
suas modificações, de seus padrões e de suas alterações, ocorridas ao
longo do tempo por causa das mudanças no universo de sua actuação.
Portanto, é importante que você tenha sempre em mente que o
desempenho organizacional depende de um conjunto de elementos:
estratégia, objectivos, tecnologia, controles de qualidade, etc., mas
todos esses elementos se relacionam com outros que são
culturalmente construídos, como o uso de poder pessoal, a liderança, a
amizade, o reconhecimento e as recompensas (estas não
necessariamente financeiras).

Você já parou para pensar sobre o porquê de todos esses estudos?

Essa preocupação com processos administrativos, no sentido de


buscar constantemente metodologias e mecanismos que facilitem o
trabalho produtivo na organização, é impulsionada pela necessidade de
satisfazer aqueles que realizam o trabalho e, principalmente, aqueles
que recebem os benefícios desse trabalho, os clientes.

Em uma organização, ao proceder à análise de sua cultura, de que


modo poderiam se expressar tais conjuntos de elementos que estão
subjacentes à cultura?

181
Tais elementos são basicamente de três origens distintas; eles
nascem e se desenvolvem entre todos os membros da organização,
como se estivessem em um processo permanente de retro alimentação:

▪ as emoções e os sentimentos criados e cultivados;


▪ as crenças propagadas e as percepções transmitidas; e
▪ as informações que circulam horizontalmente e verticalmente.

Quando listamos e perfilamos tais elementos, podemos


caracterizálos como variáveis, uma vez que:
▪ interferem no todo do processo e na própria organização, de
modo diverso, normalmente não mensurável;
▪ existem em diferentes graus em todas as organizações; e
▪ são percebidos e sentidos de maneira não uniforme pelos
membros da organização e também por outras pessoas alheias
à organização.

Resta sabermos ainda a respeito de tais variáveis:


▪ Qual é a sua natureza?
▪ Até onde tais variáveis interferem, positiva ou negativamente,
nos processos administrativos da organização?

▪ Qual é a sua operacionalidade efectiva para a melhoria da


gestão?

6.2 As variáveis culturais e a Análise Transaccional

Em 1961, Eric Berne, médico psiquiatra canadiano radicado nos


Estados Unidos, depois de uma série de publicações altamente criativas
e inovadoras na área da psicologia e da psiquiatria, publicou um
trabalho sobre grupos: Estrutura e dinâmica das organizações e grupos.

182
Nessa obra, ainda que Berne (2006, citado em Silva, 2010) não
fosse um teórico da ciência da Administração, buscou a aplicação de sua
teoria da Análise Transaccional nas relações que se estabeleciam nos
grupos e, a partir dos grupos, nas organizações. Sua preocupação
principal era a saúde das pessoas e, em razão disso, em que e como as
organizações podiam ajudar as pessoas.

Em outras palavras, entrou na seara das organizações,


considerada uma mistura da imagem espelhada da personalidade de
seus dirigentes com a cultura na qual nascem e se desenvolvem as
próprias organizações.

Ao discorrer sobre a cultura, Berne (2006, citado em Silva, 2010)


também atribuiu a ela os mesmos estados presentes nas relações – os
quais ele chama de transacções – que se estabelecem entre as pessoas.
De fato, a teoria criada por Berne usa o termo transacção no mesmo
sentido que foi dado ao termo relação: ela trata o relacionamento
humano como sendo basicamente um complexo de transacções,
palavra de amplo uso no comércio e na vida comum das pessoas. Nesse
contexto, transacção implica a troca de bens, de serviços ou de
suprimentos entre duas ou mais pessoas ou entidades: “alguém dá
alguma coisa a você e você lhe dá algo em troca”. Quando tais trocas se
dão em aspectos materiais (a compra de um objecto, por exemplo),
pouco se tem a analisar.

Quando, entretanto, a transacção não envolve tanto a


materialidade, mas encerra significados menos evidentes, escondidos
ou ocultos, é preciso analisá-la para se poder tirar desses significados
um significado mais verdadeiro. Berne (2006, citado em Silva, 2010)

183
imprimiu ao seu tema de estudos e pesquisa o nome de Análise
Transaccional.

Mas como se dão tais transacções? Você sabe? Já ouviu falar?


A Análise Transaccional explica que a pessoa estabelece suas
transacções a partir de três estados distintos de seu ego: o estado de
Pai (P), o estado de Adulto (A) e o estado de Criança (C). O estado de Pai
expressa-se via comportamentos que reforçam padrões, paradigmas e
modelos já provados e consolidados no contexto social em que a pessoa
nasceu e se desenvolveu e pode denotar:

▪ julgamento: – Isso não serve para você!;


▪ ordem, autoridade: –Vamos fazer assim...;
▪ normas: – Você deve ater-se a...Você não deve...;
▪ críticas: – Aquele cidadão não deveria ter feito...;
▪ comiseração: – Coitadinho! Pobrezinho!; ▪ juízos de valor: – A
melhor maneira de progredir...; e
▪ desprezo, rebaixamento: – Burro! Estúpido! Ridículo!

O estado de Adulto manifesta-se mediante comportamentos


lógicos, directos, inquiridores, típicos daquelas atitudes consideradas
científicas ou frias de querer conhecer os factos. São, entre outras,
perguntas das transacções adultas: onde? Quando? Por quê? Para quê?
Como? O que é provável? O que é possível? O que é relativo?

Uma opinião para o Adulto é sempre uma opinião; para o Pai, uma
opinião já é uma crítica (se a opinião expressa diferença) ou um apoio
(se expressa concordância). Já o estado de Criança mostra-se em
atitudes e em comportamentos que, como o próprio nome diz, são
típicos de atitudes livres, ainda não plenamente socializadas e sem os
modelos sociais de transacções já socializadas e plenamente
estruturadas (paradigmas), expressando quase directamente os
184
sentimentos (raiva, ódio, alegria, amor, carinho, afeição, etc.) sem
maiores pudores e indirectas, buscando satisfazer o eu em primeiro
lugar (o meu..., não me importa..., eu quero..., eu vou fazer assim...),
demonstrando liberdade, criando e inventando coisas, buscando
bemestar, satisfação e prazer.

Ao longo de seu dia, ou mesmo de sua vida, uma pessoa estabelece


um sem-número de transacções, conforme a transacção que estabelece
naquele momento em que se encontra, a partir de seus estados
internos.

Tais estados seriam como posições a partir das quais se dão ou


ocorrem as transacções. Assim, quando um jornalista entrevista
alguém, ele o faz a partir da posição Adulto; ao chegar em casa e cobrar
a lição de seus filhos, ele actua (estabelece uma transacção) como Pai e
ao brincar com esses mesmos filhos, ele o faz no estado de Criança.

Não há ninguém puramente Pai ou puramente Adulto ou


puramente Criança: a cada momento, o ser humano constrói suas
transacções, de acordo com as circunstâncias que lhe parecem ser
melhores.

Entretanto, cada ser humano, em consequência de seu processo


educacional e de como elaborou suas próprias transacções ao longo de
sua vida, apresenta um dos estados como o mais característico de sua
personalidade. Em outras palavras, o ser humano tende a expressar-se,
isto é, a transaccionar preferencialmente a partir do estado
predominante construído ao longo de sua vida.

Assim, teremos pessoas com forte tendência a se manifestarem com


mais frequência a partir de seu estado de Pai; outras se manifestarão

185
mais de seu estado de Adultas e menos de seu estado de Crianças ou
menos de seu estado de Pai. Há, ainda, quem, apesar de ser
cronologicamente adulto, se expresse com mais frequência pelo estado
de Criança. É o que Berne (2006, citado em Silva, 2010) chamou de
personalidade predominante.

Uma pessoa está no estado de Pai quando está agindo, pensando ou


sentindo de mesmo modo como faziam seus pais, seus superiores ou
seu chefe ou como manda o regulamento, a norma, o costume, a
tradição.

Alguém “transa” no estado de Adulto quando lida com a realidade


dos factos, trabalha com dados objectivos e confirmados, processa
factos, participa de outras transacções com objectividade e sem críticas,
trabalha com a lógica da realidade e não com suposições tomadas como
verdades (Silva, 2010).

Mesmo uma pessoa madura está no estado de Criança quando


sente-se ou age como se fosse criança, quando se dedica a inventar ou
criar, quando se dá aos prazeres de uma boa mesa, de um filme, do
conforto, de um joguinho no fim-de-semana, quando manifesta seus
sentimentos sem meias medidas ou meias palavras, quando se diverte
ou brinca com outros, quando ocupa seu tempo assistindo a desenho
animado.

Há um princípio que diz que o homem faz as coisas a sua imagem e


semelhança, isto é, o que o homem produz, faz, projecta, realiza, é
produto do que está dentro de sua própria personalidade.

A teoria da Análise Transaccional apenas toma esse princípio como


um axioma, transferindo essas formas de manifestação dos estados

186
transaccionais para as organizações, comprovando-as na prática. A
partir desse axioma, a teoria da Análise Transaccional foi trabalhada no
sentido de transferir tais ensinamentos para as organizações. Assim, a
teoria visualizou e identificou na cultura das organizações essas três
variáveis básicas. À semelhança das pessoas – que se expressam, isto é,
que transaccionam em um estado ou em outro, mas por força de sua
personalidade manifestam-se predominantemente por um deles – Pai,
Adulto ou Criança –, as organizações, do ponto de vista de sua cultura,
apresentam as mesmas características.

Na transferência da teoria da Análise Transaccional para as


organizações, a terminologia usada
assume as palavras Instituição, Tecnologia e Expressão, querendo dizer
que uma organização manifesta um carácter, uma marca, uma
tendência mais acentuadamente institucional ou tecnológica ou
expressiva.

O carácter institucional de uma cultura manifesta-se quando há


uma valorização acentuada dos preceitos, das normas, das regras de
conduta e dos regulamentos, dos padrões, da hierarquia e das posições,
da autoridade, do uso de poder, dos horários, dos rituais e das crenças,
dos valores que se cultivam implícita ou explicitamente, das sanções e
das aprovações, enfim, todas as transacções que traduzem as
características de Pai.

Assim, podemos dizer que uma corporação militar tem carácter


cultural institucional, uma vez que nela prevalece a hierarquia dos
postos de comando (autoridade), a disciplina e os padrões
comportamentais.

187
Diante do perigo iminente de uma guerra, ainda que as pernas
tremam ou que o coração dispare, ninguém pode manifestar qualquer
sentimento de medo, pois isso não é valorizado dentro da instituição.
Ao contrário, quem manifesta tal sentimento é menos considerado e
passa a ser observado com reservas.

O carácter tecnológico expressa-se em dados objectivos, como os


resultados perseguidos ou obtidos, os procedimentos metodológicos
utilizados, a importância atribuída ao conhecimento, a política de
actualização constante de seus membros, o uso da hierarquia como
instrumento de resultados e não de poder, o tratamento e a
importância atribuídos aos dados do mercado de seus produtos, sem
esquecer o aspecto tecnológico propriamente dito (máquinas,
equipamentos, métodos, processos, garantias etc.). Esses são, também,
os elementos materiais da cultura.

Em uma organização empenhada em superar a concorrência,


patrões e empregados lutam por resultados positivos, deixando de lado,
muitas vezes, padrões já estabelecidos (tradição! Sempre se fez
assim...), surpreendendo todos com atitudes e procedimentos
vinculados ao objectivo de vencer e de dominar o mercado (novas
tecnologias, campanhas de marketing, promoções e vantagens para os
clientes, etc.).

Por fim, a cultura de carácter expressivo deixa lugar e oportunidade


para que os participantes expressem seus sentimentos, sejam eles
positivos (alegria, amor, amizade, carinho, entusiasmo, admiração,
simpatia, medo, malícia, fair-play, apatia etc.), sejam eles negativos
(tristeza, raiva, ódio, medo, decepção, inveja, etc.).

188
Isso não quer dizer que uma organização de carácter
predominantemente institucional (Pai) não manifeste também
situações tecnológicas (Adulto) ou expressivas (Criança).

Como vimos anteriormente, toda organização manifesta


transacções, ora de um estado, ora de outro. Logo, uma organização
somente tem um carácter predominantemente institucional,
tecnológico ou expressivo quando um desses estados se manifesta com
mais importância, mais frequência e/ou mais intensidade.

Tanto as expressões de sentimentos quanto as outras manifestações


(posição e poder ou trabalho e resultados), conforme o carácter
predominante, ora são incentivadas, ora são coibidas. Em uma
sociedade literária, em um clube de
jovens ou em uma associação religiosa, os sentimentos afloram e, quase
independentemente das regras e das posições, podem ser expressos de
acordo com os valores cultivados. Em uma organização militar, o
carácter institucional deve predominar, porque a hierarquia é sua
espinha dorsal nas relações entre seus membros; se forem abertas
excepções, a organização tende à desintegração. No caso de uma
organização de produtos de consumo, dado que o mercado está em
constante movimento e mudança, a tecnologia (de produção ou do
próprio produto), os sistemas de informação económico-financeira e as
pesquisas sobre o grau de satisfação dos clientes são fundamentais para
seu bom desempenho e sua sobrevivência.

Como você pode ver, há uma inter-relação estreita entre as três


características pelas quais uma organização se dá a conhecer. Incentivar
um tipo de carácter não significa necessariamente desestimular o outro.

189
No entanto, além de conhecermos qual é a sua principal
característica (institucional, tecnológica, expressiva), precisamos saber
qual é o ponto de equilíbrio entre elas, sob pena de criarmos pequenos
desvios que podem comprometer a busca dos objectivos.

Buscar mais resultados, por meio do trabalho, em uma organização


cujo carácter predominante seja institucional (preceitos) requer
mudança nas formas e nos modelos de relacionamento, diminuindo
assim a importância atribuída às regras e às posições detidas pelos
membros, e essa mudança é difícil. Isso significa, em primeiro lugar, que
uma mudança no modo de ver e de julgar a realidade circundante:
fornecedores, clientes, concorrentes, mercado, enfim, o universo em
que se situa a organização, trata-se de uma alteração cultural ampla
demais para ser processada em pouco tempo pelos participantes da
organização.

6.2.1 Outras variáveis culturais

Desde que o tema da cultura das organizações começou a ser


ventilado, um sem-número de pesquisas teve lugar entre os estudiosos
da Administração. A transferência dos conceitos da teoria da Análise
Transaccional para a identificação da cultura das organizações
encontrou eco bastante forte na área da Administração por causa da
simplicidade dos processos e de sua fácil aplicabilidade. Não é,
entretanto, matéria única ou incontestável.

Edgar Schein (1985, citado em Silva, 2010), retomando alguns enfoques


produzidos por Berne (2006, citado em Silva, 2010), deu ao tema uma
consistência singular, vinculando-o à questão da liderança e tratando-o
como matéria que vai além da simples sociologia: caminha com os

190
estudos da psicologia das organizações, uma vez que atinge ou abarca
também os sistemas de crenças das organizações.

Inúmeros tipos de abordagens e seus consequentes


questionários foram divulgados para tornar o acesso ao conhecimento
da cultura de uma organização mais fácil e identificável. No entanto,
talvez o tipo de abordagem de Roger Harrison professor em Harvard,
seja mais acessível, em razão também de sua simplicidade. Harrison
(1985, citado em Silva, 2010) propõe outras variáveis. Segundo o
professor, as organizações são criadas, formadas e desenvolvidas,
alimentando-se de quatro características básicas: poder ou autoridade;
forma ou função; trabalho ou resultados; e desenvolvimento e
satisfação das pessoas.

Para entender cada uma delas, veja a descrição que preparamos


para você, a seguir:
▪ Poder: no sentido weberiano, é a capacidade que alguém tem
de fazer valer sua própria vontade, em razão de sua posição ou
de sua força, ainda que outros não queiram ou lhe façam
oposição. Ainda que não queira, o soldado está à mercê de seu
superior hierárquico; pode até discordar da ordem recebida,
mas ou a cumpre ou sofre a penalidade por não cumprimento a
ela vinculada.

▪ Autoridade: é a habilidade de levar pessoas a fazer o proposto a


partir da capacidade de persuasão do proponente. Um gerente
líder leva seus colaboradores a produzir com qualidade ou a
prestar um serviço atencioso porque esclarece a todos a
importância de cada um e do trabalho que realizam.

▪ Forma: é o procedimento determinado, estabelecido para uma


relação. Para uma acção trabalhista, a demanda deverá ser
elaborada por escrito, por um advogado, e ser protocolada na
191
secretaria do tribunal. Se não for assim, não haverá
prosseguimento.

▪ Função: é o exercício de um papel social. Funcionário é aquele


que exerce um papel social que lhe foi atribuído e, como tal,
deverá satisfazer demandas que lhe são dirigidas pelos outros
com os quais esse papel se relaciona.

▪ Trabalho: é toda actividade humana dirigida para a produção de


bens e/ou de serviços.

▪ Resultado: é o produto do trabalho.


▪ Satisfação: como você já estudou na Unidade 1, é a sensação de
necessidades supridas, seja de forma plena ou de forma ainda
incompleta.

A partir de tais conceituações, podemos estabelecer similitude entre


a terminologia de Harrison (1985, citado em Silva, 2010) e a de Berne
(2006, citado em Silva, 2010), como nos mostra a Figura 12.

Figura 12: Equivalência das terminologias de Harrison (1985) e de Berne (2006) Fonte:
Silva (2010, 134)

Perceba que uma organização “constrói” sua cultura a partir das


circunstâncias que a cercam ao longo de sua existência, e as mudanças
operadas em seu interior ocorrem a partir de traços que vão se
intensificando e “arrastando” consigo outras manifestações, as quais,
juntas, constituirão uma expressão significativa do carácter da
organização.
192
6.3 Buscando conhecer a cultura de uma organização

Detectar na cultura de uma organização a sua característica


principal é fundamental para conhecê-la com mais propriedade e, a
partir desse conhecimento, trabalhar suas estruturas de relações e seus
paradigmas com vistas à melhoria de seu desempenho.

Para tanto, o exame das relações em suas mais variadas formas


de manifestação é imprescindível. Tal exame deverá abranger desde o
que está abertamente expresso – normas positivas, costumes
“consagrados”, jeitos e modos de ser e tratar os outros, fluxo dos
processos e decisões – até as manifestações que, à primeira vista,
podem não significar nada, como símbolos e sinais transmitidos;
olhares (de aprovação ou reprovação); crenças (positivas ou negativas)
permeadas e difundidas; considerações feitas; prioridades atribuídas;
normas não escritas, porém sentidas, aceitas e praticadas; além de um
sem-número de outras expressões nem sempre claras como a luz do
dia.

Mas como identificar a cultura de uma organização? Será que é essa é


uma tarefa possível?

Identificar a cultura das organizações por meio dessas variáveis


é tarefa árdua e requer, muitas vezes, a aplicação de questionários
próprios. Além do mais, como vimos nas Unidades anteriores,
objectivos, valores, tecnologia, espaços etc. são considerados molduras
de sistemas de relações que se estabelecem entre as pessoas.

Em uma organização, isso é evidente quando se consideram os


diversos sectores de trabalho. À medida que a organização cresce mais
pessoas vão se agregando a ela em tarefas antes não existentes. Surge,

193
então, a primeira divisão: actividades-fim versus actividades-meio.

Os sistemas de pressão e as molduras dos trabalhos e das


relações que se estabelecem nesses dois ambientes distintos
“oportunizam” a formação de subculturas dentro da própria cultura da
organização, cada uma com seu carácter, sua marca própria.

A partir daí, a própria visão que se tem da organização passa a


alimentar-se de modo diferente e, caso não haja elementos
integrativos, facilmente se instalam processos sociais disjuntivos
(competição, oposição, conflito): a “turma” da produção versus a
“equipa” de vendas ou o “grupinho” da administração etc.

Para cada uma dessas características, há muitas formas de


observação e uma diversidade grande de instrumentos de verificação,
de medida e de avaliação. Normalmente, o instrumento mais comum é
o questionário escrito, cujas respostas podem ser traduzidas
numericamente e interpretadas estatisticamente.

Quando falamos de “práticas ou procedimentos”, não excluímos


de modo algum aquele conjunto imaterial de elementos culturais que
estão sempre presentes e internalizados pelas pessoas que fazem parte
da organização e que, de um modo ou de outro, permeiam o ambiente
da organização.

Nesse conjunto imaterial de elementos culturais estão as


crenças e as crendices, as esperanças e os sentimentos, as regras
escritas (cultura ideal) e as regras praticadas (cultura real), os símbolos
e os sinais, o modo de encarar a organização, o trabalho, o mercado e o
concorrente, enfim, a universalidade das impressões e das expressões
daquele todo chamado organização.

194
Dessa maneira, um questionário, via tais procedimentos,
buscará concordância ou discordância, em maior ou menor grau, do
membro da organização em relação a esses diversos traços e faces que
constituem sua cultura. Mesmo que tais aspectos (faces, traços) não
tenham sido ainda notados, isso não significa que não sejam vigentes
ou praticados na organização.

Como já assinalamos na Unidade 5, a percepção que as pessoas


têm da organização e da cultura da organização em que elas estão
inseridas está vinculada directamente ao seu grau de instrução, ao
trabalho que elas desenvolvem, à posição que ocupam, ao espaço
social que usufruem, ao tempo de vidapassado na organização e a uma
série de outras variáveis que, tomadas isoladamente, podem dar a
impressão de que em uma mesma organização existem “várias”
organizações.

Tal fenómeno justifica o que foi chamado de subcultura: as


variáveis apontadas anteriormente interferem na percepção que os
membros da organização têm de si, dos colegas e da própria
organização.

O facto de haver uma variedade tão grande de subculturas –


quanto mais numerosos forem os sectores de uma organização, os tipos
de serviços ou de trabalhos, as tecnologias usadas, etc., mais
subculturas tenderão a se formar – não invalida a necessidade de
conhecermos tais subculturas, porque qualquer intervenção que
busque melhorar a eficiência e a performance deverá sempre levar em
conta a trama de traços que se forma.

Para complementar nosso estudo, vejamos um exemplo de


como essa trama de traços necessita ser bem conhecida para que a
intervenção possa ser eficiente, por meio do extracto de texto de
195
Coutinho (2006, p.118, citado em Silva, 2010, pp. 137-138).

Malária dá de dez no governo


Há quatro anos, o Brasil dava sinais de que tinha
conseguido conter a malária. O número de pessoas que
contraíram a doença caíra de 640.000, em 1999, para
350.000, em 2002 [...] os casos se multiplicaram. No ano
passado, o número de infecções voltou à casa dos 600.000
[...] Em Manaus, a principal causa do crescimento da
malária foi a ocupação de 130 km de igarapés por favelas.
Nesses braços de rio, agora repletos de palafitas e
assoreados pelo lixo, a água represada transformou-se em
criadouro de mosquitos transmissores. A piscicultura
também está entre os factores de disseminação da doença.
Apenas em Manaus há 300 tanques de criação de peixes.
Metade é também viveiro do Anopheles [...] A maioria dos
negócios não deu certo e os reservatórios viraram
integralmente piscinas de mosquitos.
Resultado: só neste ano, 25% dos moradores da cidade
foram contaminados. Os assentamentos da reforma
agrária são outros focos de malária. Os sem-terra
instalaram-se em áreas de floresta virgem que são
infestadas pelo Anopheles. Como algumas dessas pessoas
chegaram infectadas e lá foram picadas pelos insectos, a
doença disseminou-se. A epidemia de malária nada tem a
ver com a falta de dinheiro. O governo aumentou em 25%os
recursos destinados a combater a doença, mas a epidemia
voltou porque foram deixadas de lado medidas para
identificar contaminados, tratá-los e impedi-los de ir para
localidades no interior, que não haviam sido infectadas.
Atenção ainda menor foi dada à limpeza dos igarapés e ao
esforço de educação dos moradores de palafitas [...].

Como você pode constatar, as questões de saúde não podem ser


apenas objecto de uma definição financeira que implemente acções
correctivas. Há uma estrutura de relações que, de acordo com o quadro
que apresentamos na Figura 3, tem implicações sérias que fazem com

196
que uma acção determinada, ainda que aparentemente correcta, seja
completamente anulada, permanecendo os resultados indesejáveis que
se queria combater. Isso acontece porque quando falamos de cultura,
nenhuma intervenção pode ser considerada isoladamente, sob pena de
a intervenção revelar-se imprópria, inadequada, parcial ou mesmo de
resultado zero (Silva, 2010).

6.3.1 Intervenção na organização

As organizações existem para proporcionar satisfação às


necessidades do homem. Nesse processo, é fundamental também que
todos que, de um modo ou de outro, estão envolvidos sintam-se
satisfeitos. Assim, a organização contribui para a melhoria da qualidade
de vida da sociedade. Caso isso não ocorra, necessidades não supridas
dão lugar a frustrações, e as frustrações contribuem aceleradamente
para a entropia.

O conhecimento da cultura da organização tem o sentido de


buscar melhorias contínuas no desempenho da organização. Nesse
âmbito, torna-se indispensável, talvez, não uma mudança cultural total
e completa, mas, na maioria das vezes, alterações de parte dos traços
cuja totalidade forma a cultura. Esse processo de mudança acelerou-se

exponencialmente com a globalização ocorrida em nível mundial nos


últimos anos e tornou-se imperativo para qualquer organização que
quer crescer, pois exigirá mudanças de paradigmas nos sistemas de
relações que se estruturaram ao longo do tempo na própria
organização.

Como vimos, mudanças exigem tempo e apresentam dificuldades.


No entanto, hoje, elas são necessárias e sua efectivação será mais fácil
e adequada quando:

197
▪ os objectivos da organização forem claros para todos aqueles
que estão directamente envolvidos no processo de trabalho;

▪ a análise do mercado disser com propriedade quais


necessidades não estão sendo satisfeitas e por que não o estão;
▪ a clareza de objectivos incluir também a definição dos meios e a
habilidade no uso adequado de tais meios para as questões
levantadas no item anterior; e

▪ as rotinas – traços culturais positivos ou negativos que


favorecem ou não o alcance dos objectivos propostos –
estiverem devidamente identificas e classificadas (Silva, 2010).

Essas etapas encontrarão acabamento quando complementadas


com:

▪ a substituição dos traços negativos por traços positivos e o


fortalecimento dos traços positivos já existentes;

▪ a definição de prazos e de medidas em que tais etapas serão


implementadas, processadas e estruturadas; e

▪ a contínua avaliação desses procedimentos a ser feita


periodicamente e dos sistemas de satisfação (premiação) a
serem outorgados àqueles que se enquadrarem no processo
(Silva, 2010).

Organizações que não adoptarem tais procedimentos como rotina


de sua própria existência estarão, com certeza e sem o sentir, sendo
contaminadas pelo imobilismo e muito cedo não mais terão lugar neste
universo, cuja característica principal é a mudança.

6.3.2 Como a Análise Transaccional interpreta estados do EU

A seguir, apresentamos exemplos de manifestações típicas dos


três estados do ego (P – Pai; A – Adulto; C – Criança):
198
1. De uma pessoa que vê os passageiros embarcando para Londres no
aeroporto:
P – “Como se nosso País pudesse se dar ao luxo de perder essas divisas
todas.”
A – “Uma viagem à Europa deve estar mais acessível agora. Quanto
custaria?”
C – “Ah, que vontade de ir também!”

2. De uma secretária cujo chefe acaba de chamá-la a sua sala:


P – “O sr. João ainda tem muito que aprender para ser um bom chefe.”
A – “O sr. João precisa daquele relatório até às cinco horas.”
C – “O sr. João apenas me chama para me criticar!”

3. De uma pessoa que vê dois garotos a lutar na rua:


P – “Parem com isso! Vocês não têm vergonha de ficar aí a lutar ao invés
de trabalhar ou de estudar.”
A – “Acho melhor separar os dois e ver o que está a ocorrer.”
C – “Puxa! Que murro aquele menino deu!”

4. De uma funcionária que acaba de receber a informação de que seu


salário foi aumentado em 20%:
P – “Somente 20%? É, os coitados estão mesmo em má situação!” A –
“Um aumento de 20% não dá nem para cobrir o aumento do custo de
vida. Verei o que vou fazer.”
C – “É uma exploração! Como vou viver com um salário desses?”

5. De uma pessoa que ouve a música ambiente no escritório:


P – “O trabalho já é difícil e o é ainda mais com esse barulho!”
A – “É difícil falar e ouvir com uma música tão alta.”
C – “Já pensou: um lugarzinho gostoso, uma boa cerveja, boa companhia
e essa música?”

199
6. De um chefe cuja secretária chegou atrasada:
P – “Coitada! Pela cara dela parece que passou a noite em claro.” A –
“Se ela chegar atrasada novamente, os outros empregados ficarão
insatisfeitos.”
C – “Quisera eu poder chegar mais tarde!”

Resumo

Nesta Unidade, você aprendeu que à semelhança dos contextos


sociais que se formam onde os seres humanos vivem, também as
organizações constroem sua própria identidade, a qual chamamos de
cultura da organização.

Tal cultura se constitui a partir de um conjunto ideológico que a


organização propõe e se apresenta sempre com algumas características
predominantes, mas não exclusivas. O estudo dessas características vai
permitir uma identificação aproximada do tipo de cultura existente.

O conhecimento dessas características e de suas variáveis deve


ser sempre referenciado ao contexto social em que a organização se
insere e ao seu próprio conjunto ideológico. Somente com tais dados
conhecidos e analisados é que podemos proceder, se for o caso, às
mudanças, levando em conta, sempre, as mudanças que ocorrem a
partir dos traços culturais.

200
Exercício de consolidação

1. O que é análise transaccional?


2. O que é cultura organizacional?

3. Como proceder quando pretendemos conhecer a cultura de uma


organização?

4. Como podemos intervir na cultura de uma organização?

5. Quais são os efeitos da globalização económica e da


multinacionalização das organizações sobre as organizações
locais/nacionais?

6. As afirmações a seguir expressam características culturais de


organizações. Se um conjunto de características de mesma natureza é
por demais frequente, podemos dizer que toda a cultura da organização
tende a apresentar-se com essa qualificação. Segundo a terminologia de
Harrison (1985), relacione o número das características básicas culturais
de uma organização com as assertivas que as seguem:
(1) Poder/Autoridade
(2) Forma/Função
(3) Resultados/Trabalho
(4) Satisfação e Desenvolvimento das Pessoas
a) ( ) Na organização, o trabalho é feito com certa eficiência devido ao
facto de que as pessoas gostam de agradar aos demais colegas e ficam
preocupadas com suas necessidades e seus modos de pensar.
b) ( ) Na organização, é pensamento geral que a sociedade é um
sistema racional e organizado e que as leis de mercado podem, mesmo
que seja com o tempo, resolver os conflitos e as negociações que
venham a surgir.
c) ( ) Os sistemas de controle e de comunicação são adequados porque
as ordens fluem de cima para baixo, como em uma pirâmide; assim, as
informações e os demais factos importantes para a performance da
201
organização têm sua sequência normal descendente, como deve serem
tudo.
d) ( ) A competição entre as pessoas geralmente é uma ocasião para
aumentar a qualidade da contribuição de cada um na busca do objectivo
procurado por todos.
e) ( ) A organização trata os indivíduos como pessoas importantes e
interessantes e que valem por si mesmas.
f) ( ) A organização considera que as pessoas têm seu tempo e suas
energias permanentemente disponíveis para o trabalho, em vista de um
contrato bilateral de direitos e deveres.

g) ( ) Um bom empregado é aquele que é cumpridor de seus deveres:


trabalha firme e se preocupa em estar sempre de acordo com seu chefe.
h) ( ) As pessoas trabalham juntas porque crêem que a contribuição de
todos e de cada um é necessária para melhor realizar a tarefa que todos
têm pela frente.
7. As pessoas que trabalham bem nessa organização são:
( ) Os espertos e os competitivos, com forte sentido do poder de
influência sobre os demais.
( ) Os conscientes e os responsáveis de suas obrigações e com forte
sentido de lealdade para com a organização que lhe provém salário. ( )
Os tecnicamente competentes: com grande preocupação com a
realização do trabalho que têm pela frente.
( ) Os afectivos e os hábeis nas relações pessoais: preocupados com as
necessidades pessoais dos demais colegas e com o desenvolvimento de
todos.
8. Ao longo dos filmes Sociedade dos Poetas Mortos e Perfume de
Mulher, você percebe como a cultura de uma organização – em ambos
os casos: um colégio, que é uma organização educacional – se manifesta
em uma infinidade de traços expressos ao longo de praticamente todo
o filme. Se você ainda não os assistiu, assista a um ou aos dois filmes e
depois elabore e descreva uma lista de três ou mais cenas em que,
202
naquelas organizações educacionais, se manifeste:

a) O carácter institucional (poder, autoridade).


b) O carácter tecnológico (a razão, a objectividade).
c) O carácter expressivo (a liberdade, a criatividade).
9. Com base nas leituras sugeridas nesta Unidade e na discussão
do(s)filme(s) indicados anteriormente, escreva um texto em mídia
digital(máximo duas páginas), manifestando sua opinião a respeito do
processo educacional: deverá o processo educacional nas escolas ter
predominância institucional? Ou deverá ser altamente tecnológico? Ou,
quem sabe, deverá ser simplesmente expressivo. Justifique sua opinião.

203
Exercicios Modular

1. Qual é a ideia de ciência social preconizada por Comte?


2. Por que Durkheim é importante para a sociologia, superando de
algum modo o papel desempenhado por Comte?
3. Qual foi a principal contribuição de Marx para a sociologia?
4. O que são acções sociais para Weber?
5. O que é a Revolução Industrial?
6. Quais são as principais mudanças que foram provocadas,
inicialmente, pela Revolução Industrial?

7. Quais foram as principais mudanças culturais que a Revolução


Industrial provocou no âmbito do trabalho?
8. Quais os principais problemas que caracterizam a questão social no
período da Revolução Industrial inglesa?
9. O que é a globalização?
10. O que entende por reestruturação produtiva?
11. Quais são os principais efeitos da reestruturação produtiva nos
chamados países periféricos?
12. Como definimos cultura do ponto de vista científico?
13. O que são subculturas? São culturas inferiores?
14. Podemos afirmar que o processo de socialização é um processo de
aquisição de cultura?
15. O que é comunicação organizacional?

16. Quais são os tipos de comunicação que conhece?

17. Quais são as prinicipais barreiras organizacionais?

18. Porque é que a comunicação é um elemento a ter em conta no


âmbito da mudança organizacional?

19. O que é cultura organizacional?


20. Pode a cultura de uma sociedade influenciar o trabalho no seio de
uma organização?Justifique.
21. O que é estratégia organizacional?
204
22. É a cultura organizacional um factor para desempenho
organizacional? Em que medida?
23. O que é base de poder numa organização?
24. Quais são as principais bases e fontes de poder numa organização?

205
Bibliografia

Bibliografia Recomendada

• Cardoso, Univaldo Coelho. (2014). Associação. Série empreendimentos


colectivos. SEBRAE. Brasília.

• Filho, G. C. F. (2002). Terceiro sector, economia social, economia solidária e


economia popular: traçando fronteiras conceituais. Bahia Análise & Dados.
Salvador. V. 12, nº 1, P. 919

• Filipa moreira Ribeiro e Sofia Ferreira Santos. (2013). A fiscalidade e as


organizações da economia social. Vida económica. Porto.

• Gawlak, A., & Ratzke. F. (2007). Cooperativismo: primeiras lições. Serviço


nacional de aprendizagem do cooperativismo (Sescoop)3a. Ed. Brasília.

• Lechat, N. M. P. (2002) Economia social, economia solidária, terceiro sector: do


que se trata. Revista de ciências sociais Civitas. Ano 2, nº 1.
Bibliografia Complemetar

• Pimentel, D. (2012). Sociologia da Empresa e das Organizações


– uma breve introdução a problemas e perspectivas. Lisboa:
Escolar Editora.

• Silva, G. (2010). Sociologia Organizacional. Florianópolis:


Departamento de Ciências de Administração, UFSC.

• Amado, Gilles et al (1092): A Dinâmica da Comunicação nos


Grupos. Rio de Janeiro, Zahar Editores.

• Bériot, Dominique: Mudança na Empresa: Uma Abordagem


Sistémica. Lisboa, Instituto Piaget.

• Bertrand, Yves et al (1994): Organizações: Uma Abordagem


Sistémica. Lisboa, Instituto Piaget.

• Chiavenato, Idalberto (1983): Introdução à Teoria da


Administração. São Paulo, McGraw-Hill.

206

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