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Slovo – Revista de Estudos em Eslavística, V.1, N.1, Jul. – Dez.

2018
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A língua como elemento político crucial


na construção do estado tchecoslovaco

Flávio Rodrigues Barbosa 1

Resumo: Nosso artigo aborda o papel da língua materna como


Recebido em 12 de abril de 2018.
elemento político central nos conflitos que legitimaram o direito à
Aceito em 05 de junho de 2018.
autodeterminação de pequenas nações eslavas. Como exemplos,
ilustram-se os casos da República Tcheca e da República da Eslo-
váquia, através do alvorecer de seus movimentos culturais nacio-
nalistas, durante os séculos XVIII e XIX. São estudadas e pro-
blematizadas algumas das principais teorias políticas, justifica-
doras dos estados-nacionais, que exerciam profundas influências
nos círculos intelectuais desse período. Dessa forma, são discuti-
dos os conceitos de nação, língua e os respectivos elementos que
legitimam o direito de uma determinada nação se expressar atra-
vés de um estado próprio. Os elementos teóricos discutidos são,
então, contrastados com o itinerário histórico seguido pelo pro-
cesso de imaginação e construção do estado binacional tchecoslo-
vaco. Como o foco deste trabalho se faz sobre o papel político e
central da língua, abordamos duas das três gerações de movimen-
tos nacionalistas. As razões se justificam pelo fato de serem os
dois primeiros grupos compostos, em sua maioria, por filólogos,
linguistas, historiadores, poetas e jornalistas que levaram a cabo,
durante sua fase de atuação, a missão de redescobrir suas histó-
rias culturais, (re)codificar suas línguas e legitimar o direito de
reconhecimento político de suas nações.

Palavras-chave: Língua; Nação; Estado; Política; Povos Eslavos

1Doutor em Ciências Sociais, subárea de Ciência Política pelo PPGCSO/UFJF, com período PDSE/CAPES na
Vysoka Skola Ekonomická v Praze. Email: f.rodriguesbarbosa@gmail.com

Flávio Rodrigues Barbosa


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A Nação como um Caso de Política lítica. Na prática, o conceito se desenvolveu


dentro de grupos fechados2 , tendo por finali-
dade se diferenciar das coletividades estrangei-
O que vem em mente quando pensa-
ras que habitavam as mesmas cidades e desfru-
mos a palavra nação é uma pluralidade de
tavam de alguns privilégios não consentidos
ideias que possuem grande fundo emotivo, re-
aos habitantes naturais da região. Sua expres-
lacionadas a uma história cultural de uma certa
são política, não apenas destacaria um territó-
coletividade. Uma coletividade, no sentido de
rio de origem, mas também um grupo de des-
uma nação, geralmente, só se reconhece como
cendência comum na direção da etnicidade.
um agrupamento político-social, dotado de
Trinta anos depois, na Inglaterra, Lord
questões legitimas e protegidas por um conjun-
John Acton3 publicava seu ensaio sobre nação e
to de direitos, quando experimenta alguma si-
nacionalismo, cujo maior legado se refletiu sob
tuação que a isole das demais ou ameace sua
a crítica de toda produção literária sobre tais
existência, estando ambos os casos diretamente
temas até 1860. De acordo com Acton, todos os
relacionados com situações onde um sentimen-
esforços, até então, produziram definições de-
to de diferenciação ou rejeição inicia um pro-
masiadamente abstratas e fictícias que, no fun-
cesso de produção de autoconhecimento sobre
do, produziam apenas discursos que tinham
si, tendo por finalidade seu reconhecimento,
por finalidade evitar perdas territoriais. A críti-
proteção, conservação e perpetuação. Analisar
ca de Acton se refletiria na persistência do sen-
a edificação do estado-nacional tchecoslovaco
tido da palavra nacion após 1884 – vinte quatro
requer o mapeamento não apenas das ações
anos após a publicação de Acton –, onde seu
políticas ilustradas por sua história, mas, tam-
conceito se enunciava da seguinte forma: “Es-
bém, a abordagem do que a comunidade polí-
tado ou corpo político que reconhece um cen-
tica e acadêmica teorizava sobre o assunto. Em
tro supremo de governo comum”, assim como
outras palavras, como os círculos políticos e
“o território constituído por esse Estado e seus
intelectuais justiçavam o direito de autodeter-
habitantes, considerados como um todo”
minação dos povos em estados nacionais e co-
(HOBSBAWN, 1990, p. 31).
mo seus idealizadores enfrentaram tais ques-
Outro importante, e influente, ensaio
tões.
sobre nação e nacionalismo foi publicado em
1907 por Otto Bauer, importante figura intelec-
Comunidade de Sentimentos e Destinos tual do movimento austromarxista. Em seu en-
saio, Bauer chamava a atenção para a tonalida-
Comuns
de emotiva contida na pronúncia de tais pala-
vras quando evocadas – sobretudo pelos povos
Nosso ponto de partida são os discursos
de língua alemã. Para este autor, a ciência
e ideias que datam de 1830, década em que o
quando passou a tratar os problemas da nação
conceito de nação ganha significado político ao
não a explicou, apenas fez o favor de enuncia-
equalizar “povo ao Estado” às maneiras fran-
la, devendo a nação ser compreendida a partir
cesa e americana, culminando no “princípio de
do conceito de “caráter nacional”, o qual não se
nacionalidade” (HOBSBAWN, 1990). Nesse
resume a uma comunhão relativa de traços e
período também emerge a expressão Estado-
conjunto de comportamentos de indivíduos.
nação, a qual não tardaria a se tornar familiar.
Esse período apresentou um conceito profun-
damente influenciado pelas ideias dos teóricos
2 Conforme argumenta Hobsbauwn, a palavra se desen-
volveria dentro de Guildas e Corporações. Ver:
jusnaturalistas, onde, por nação, entendia-se o HOBSBAUWN (1990, p. 28).
corpo de cidadãos submetidos a um poder cen- 3 Ver: ACTON, John. (1862). Nationality; In BaALA-

tral que compõe um território específico, uno e KRISHNAN, Gopal. (org). (1996). Mapping the Nation.
New York. p. 17-38.
indiviso, que teria no Estado sua expressão po-

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Bauer [1907(1996)] observa que a tarefa da ci- religião, ciência, arte e política que n ele
ência nesse propósito é o de explicar como sur- surtem efeito” (BAUER, 1996, p. 58).
ge tal comunhão de caráter e como os membros
de uma nação, apesar das diferenças individu- O autor também chama atenção pelo
ais, coincidem em uma série de aspectos e dife- fato da nação não ser uma coisa rígida, estando
rem de membros de outras nações. Assim, o sempre em transformação e sua regulação su-
autor argumenta que a “nação” surge como jeita às condições nas quais as pessoas lutam
uma comunhão de destino, não caracterizada pelas suas necessidades vitais e assim se man-
apenas por critérios de semelhança e sujeição a ter:
uma sina comum, tratando-se de uma experi-
“O caráter é determinado por aquele
ência comum de mesmo destino que se realiza
que rege esses fenômenos, pelo modo
através das constantes comunicações e intera- como conduz sua luta pela vida e ga -
ções contínuas entre seus envolvidos: rante suas necessidades de sobrevivên -
cia (...). Cada membro é produto de sua
“Não é a semelhança de destino, mas a nação e o caráter nacional nada mais é
experiência e o sofrimento comum do do que a orientação específica da von-
destino, vivenciado numa interação mú- tade que a comunhão de destino gera
tua geral, em constante ligação de uns em cada um como propriedade indivi-
com os outros que produz a nação” dual. A história das gerações passadas,
(BAUER, 1996, p. 57). as condições de sua luta pela vida, as
forças produtivas que elas dominam e
Bauer [1907(2000)], então, argumenta as relações de produção que estabele-
que a “nação” pode ser mais bem definida co- ceram, tudo isso continua a determinar
mo uma comunhão de caráter que brota de o comportamento de sua progenitura
uma comunhão de destino e não da mera se- natural e cultural. Desse modo, o pró-
melhança de destino. Ressalte-se que, daí, se- prio caráter nacional também perde
gue também a importância da língua para uma seu caráter substancial, isto é, a apa-
rência de ser algo duradouro e persis-
“nação”. O autor aponta duas maneiras de rea-
tente no fluxo dos fenômenos. Não
lização das causas efetivas e condições da luta
sendo nada além de um precipitado da
humana pela vida agregarem coletividades história, ele se modifica a cada hora, a
numa comunhão nacional de destinos: 1) a he- cada novo acontecimento que a nação
rança natural: comunhão de descendência e; 2) vivencia” (BAUER, 1996, p. 59).
a língua: comunidade de comunicação (trans-
missão oral de valores). O caso da herança na- Nossa abordagem sobre o entendimen-
tural é ilustrado pelo autor através da comu- to político sobre a questão da nação, encontra
nhão de descendência, efetuada através da seu ponto final nos escritos de Max Weber.
manutenção e mistura permanente de sangue. Weber (1982) define, inicialmente, a “nação”
Esses dois fatores edificam a comunidade cul- como uma comunidade de sentimentos. Trata-
tural, responsável pela formação do caráter na- se de uma organização coletiva que
cional que será determinado pelos valores cul- (com)partilha uma história e destino político
turais comuns transmitidos de geração para comum. O fato de toda “nação” compartilhar
geração: entre seu agrupamento social valores que os
agregam é a forma pela qual esta vai se dife-
“Mas o caráter do indivíduo nunca é a renciar das demais. Os mesmos fatores e valo-
simples totalidade das propriedades he-
res que vão levá-la a sua manutenção e, prova-
reditárias; é sempre determinado tam-
velmente, expansão, são os fatores que torna-
bém pela cultura que lhe é transmitida,
pela educação de que ele goza, legislação
rão essa coletividade um agrupamento político
a que está sujeito, costumes em que vive, e, assim, sua melhor forma de adequação e ex-
pressão de sentimentos reside na formação de
um Estado próprio. Em outras palavras, é, no

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entendimento de Weber, apenas formando um presente em seu frio entendimento na tradição


Estado próprio, que uma “nação” pode se im- jusnaturalista. Ela também se emancipa de um
por, se proteger contra as outras, assim como conceito que/ou pretende universalizá-la e
exercer e expandir sua destinação política. homogeneizá-la ao conjunto de povos que ha-
Chegamos ao ponto em que se faz ne- bitam um certo território geográfico e estão su-
cessário abordar como Weber (1982) conceitua jeitos às mesmas leis. Assim, a nação ganha não
o Estado e como o fenômeno que define o cará- só um corpo social distinto, mas uma alma dis-
ter político se apresenta. Para o autor, o Estado tinta e dotada de sentimentos e destinos políti-
é uma manifestação histórica da política. Por cos comuns que são compartilhados entre seus
sua vez, a política é tratada como algo que não membros.
se define pelos seus fins, mas pelos seus meios Sentimentos (com)partilhados e um
específicos: o uso da violência; daí o autor destino (político) comum, criam tanto os laços
afirmar que quem busca a política, quer utilizar integrativos que perpetuarão seu reconheci-
os meios que lhes são específicos. Dessa forma, mento como nação perante as futuras gerações,
dispor da política é dispor da violência e, dis- assim como os meios políticos que objetificam
por da violência é, nesse caso, utilizar a política suas ações, as protegem de ameaças externas e
como forma de intervenção na vida dos outros as expandem sobre as demais. Esses dois sen-
(Weber, 1982). Sendo uma manifestação histó- timentos são facilmente reconhecidos nos estu-
rica da política, o Estado é fruto das complexas dos que analisam caracteres como língua, cul-
atividades sociais que formam as bases das or- tura e educação das diversas coletividades que
ganizações sociais e institucionais de uma soci- ocupam um determinado território geográfico,
edade. A partir dessa organização, Weber pas- e os mais variados tipos de conflitos travados
sa a definir o Estado como um moderno agru- entre os mesmos. A questão dos conflitos deixa
pamento político que detém o monopólio do claro como ambos os sentimentos compõem os
uso legítimo da força física e (da aplicação) do meios políticos de ataque à outras nações, co-
constrangimento em um determinado territó- mo aquelas que estarão presentes nas políticas
rio. O uso da força física ou da violência é de- de assimilação – após a anexação territorial de
terminante na concepção de Estado de Max nações pequenas ou belicamente mais fracas –
Weber, uma vez que o autor afirma que se a e na proteção contra nações maiores ou belica-
violência estivesse ausente das estruturas soci- mente mais fortes e/ou, até mesmo, sua inde-
ais, então o conceito de Estado também teria pendência desta.
desaparecido (Weber, 1982). Nota-se que o
conceito de “nação”, para o autor, está remeti-
do ao poder político, onde é persistente a ideia Nação, a Importância da Língua e a Fun-
de uma poderosa comunidade política de pes- ção do Estado
soas que (com)partilham língua, religião, cos-
tumes e lembranças políticas. O elo entre “na- Quando nos referirmos à história políti-
ção” e Estado se torna mais íntimo conforme ca de um povo, queremos abarcar toda cons-
aumenta a ênfase do poder que as relaciona, o trução social, levada à cabo por uma nação, que
que não quer dizer que nação e povo são equi- se torna um coletivo cultural e passa a deter-
valentes, existindo, portanto, nações em um minar sua própria cultura política. Não é por
estado que se declaram independentes dos menos que a cultura política de uma nação tem
demais grupos. seu início com a construção de um conjunto de
O debate intelectual, abordado nas li- valores presentes em mitos fundacionais, os
nhas acimas, nos mostra que, uma vez desco- quais estarão de alguma forma presentes nos
berto seu caráter político, a nação deixa de ser mais variados valores de convergência, comu-
entendida como um simples corpo político arti- nhão e destinação de sua coletividade. Para
ficial que edifica um estado próprio através da que um destino político comum seja comparti-
celebração de um contrato social, conforme lhado, é necessário, antes, que seus membros

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estejam aptos à comunicação entre si, uma vez histórica ou “assimilação”. O naciona-
que é apenas através da comunicação coletiva lismo linguístico refere-se essencialmen-
que se efetivará um sistema pedagógico trans- te à língua de uso oficial e da educação
pública” (HOBSBAWN, 1990, p. 116).
missor de valores, tanto pela via da história
oral, quanto da história política, nos ambientes
Devidos aos efeitos da assimilação e da possí-
formais e informais de aprendizado.
vel erosão histórica – nosso próximo tópico –, o
Para que esses efeitos se tornem efica-
nacionalismo linguístico tomou corpo e se tor-
zes, é necessário, para uma nação, que seus
nou uma mentalidade política importante em
membros se comuniquem através de uma lín-
defesa das nações na constituição de um estado
gua comum, para, assim, o “espírito” e o sen-
próprio. Assim escreveu Otto Bauer:
timento nacional se difundirem através das
duas vias e ambientes citados: “A língua é o “É impensável que uma nação se man-
instrumento da educação e de toda comunica- tenha como uma comunidade cultural,
ção econômica e intelectual. A extensão efetiva à longo prazo, sem a comunhão da lín-
da cultura é marcada pela possibilidade de gua. Por outro lado, a comunhão da
compreender através da linguagem” (BAUER, língua ainda não garante a unidade na-
1996, p.59). cional. Isso indica que é necessária a vi-
O tratamento político da nação, nos tória de uma língua uniforme – nacio-
ajuda a compreender porque a adoção de uma nal – sobre os dialetos: a necessidade
de comunicação mais estreita criou a
língua única sempre implicou em uma escolha
língua uniforme, e a existência da uni-
política. O discurso da nacionalidade atrelado a
ão linguística passa então a submeter
uma língua única “era uma questão política, todos os que a dominam a uma in -
sobretudo nos movimentos políticos após fluência cultural semelhante” (BAUER ,
1810” (HOBSBAWN, 1990, p. 112). A língua 1996, p. 59).
nacional se apresentava como fator fundamen-
tal nos argumentos presentes nos conflitos ter- Assim se fez a ênfase na importância do
ritoriais internacionais, sendo defendida como uso político da língua para uma nação, refor-
a “alma da nação”, ou como critério crucial na çando a necessidade desta de se constituir em
definição de uma nacionalidade. Como ilustra- um estado próprio. O que está em jogo aqui é o
do por Hobsbawn (1990), em um trecho sobre o fato do estado deter o monopólio legítimo do
assunto presente na edição de 1842 da Revuse emprego bem compreendido da força física em
des Deuxs Mondes: “As verdadeiras fronteiras seu território (WEBER, 1985). Com isso, ele
naturais não são determinadas por montanhas também é o meio que detém o monopólio legí-
e rios, mas sim pela língua, pelos costumes, timo sob importantes elementos de controle da
pelas lembranças, por tudo aquilo que distin- produção, reprodução e modificação da cultu-
gue uma nação de outra” (Hobsbawn, 1990, p. ra. Na continuidade desse percurso, é, também,
118). O problema político se mostrava mais legítimo ao estado o monopólio do direito de
agravante para as nações que ainda não podi- interferir na vida das coletividades que habi-
am ser reconhecidas como detentoras de um tam o território sob seu controle. A nação, en-
estado próprio: tão, que nele se expressa, tende a usá-lo como
meio para homogeneizar e assimilar as demais
“O que fazia do problema da língua um culturas e coletividades (rivais e conflitantes),
problema mais explosivo era o fato de,
através de políticas que abrangem, por exem-
nas circunstâncias, qualquer nacionalis-
plo, a nomeação de uma língua oficial do terri-
mo ainda não identificado com um Esta-
do tornar-se necessariamente político.
tório, seu uso obrigatório nos meios de comu-
Pois o Estado era a máquina que tinha nicação, nas instituições administrativas e no
que ser manipulada se uma “nacionali- conjunto de instituições e aparelhos que com-
dade” quisesse se transformar em uma preendem o sistema de educação e de difusão
“nação” ou se proteger contra a erosão de mensagens do estado. Dessa forma, a língua

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tanto figura como o meio crucial para o reco- fatores e critérios étnicos, linguísticos ou num
nhecimento da legitimidade dos direitos das destino comum era impraticável por ambas as
nações, assim como o meio em que uma nação, partes. Quem dominava, acreditava que conce-
que controla um certo território, limita as capa- der tais direitos às nações dominadas era mu-
cidades políticas de outras nações intraterrito- niciá-las em direção a suas independências, por
riais. Pois em casos de não expansão, certo é isso a necessidade da crença na assimilação:
que uma nação se mantém e se perpetua nos
territórios onde é dominante até onde for do- “A combinação de diferen tes nações
minante. num só Estado é uma condição tão ne-
cessária da vida civilizada quanto a
combinação dos homens na sociedade.
Na união política, as raças inferiores se
Dominação e Política de Assimilação
eleva m através do convívio com raças in-
telectualmente superiores. As nações es-
Outro ponto importante a ser ressalta- gotadas e decadentes são revigoradas
do, quando se aborda o debate sobre nação e os pelo con tato com a vitalidade mais jo-
movimentos nacionalistas, especialmente aque- vem. As nações em que se perderam os
les atuantes no final do século XVIII e ao longo elementos da organização e a capacidade
do XIX, reside na influência que o debate so- de governo, quer pela influência desmo-
freu das teorias evolucionistas, as quais funcio- ralizante do despotismo, quer pela ação
navam como justificativa política da domina- desintegradora da democracia, são res-
gatadas e reeducadas sob disciplina de
ção de uma nação sobre outra. Defendia-se a
uma raça mais forte e menos corrompi-
ideia de que nações atrasadas no interior do
da” (ACTON, Lord, [1862(1996)], p. 37).
processo de modernidade – industrialização e
inserção no sistema capitalista – eram nações Heinich von Treitschke, influente pen-
inferiores e fracas. De acordo com tal discurso, sador político alemão do final do século XIX,
nações pequenas e “fracas” estavam destinadas assim escrevia sobre o assunto: “Os estados
ao perecimento. A solução contra esse destino não nascem da soberania do povo, mas são cri-
residia em fundirem-se com nações mais pode- ados contra a vontade do povo, o estado é o
rosas, capazes de “reoxigenar” suas instituições poder da raça mais forte que se estabelece”
e impulsioná-las dentro do curso vigente do (Apud GUIBERNEAU, 1998, p. 16). Suas con-
progresso (BALAKRISHNAN, Gopal et al, cepções políticas influenciariam Max Weber,
1996; GUIBERNEAU, 1998). uma vez que frequentava sua casa devido a
O discurso data do século XIX, época grande amizade que este tinha com seu pai.
em que muitas das pequenas nações, as quais Assim, Treitschke segue suas observações polí-
reivindicavam um estado próprio, se encontra- ticas acerca da relação entre os estados e as na-
vam sob domínio de outras, como aquelas do- ções estabelecendo inicialmente que:
minadas pelo Império Austro-Húngaro. O dis-
curso evolucionista foi tomado como legitima- “O Estado é o p oder da raça mais forte
dor da dominação vigente e do processo de que se estabelece sobre as demais e
unificação e expansão territorial de outras na- exerce seu poder por meio da guerra,
ções mais poderosas. Na teoria, um estado he- sendo a única entidade capaz de man-
terogêneo, composto de várias nações era acei- ter um monopólio da violência, sendo
tável, pois defendia que as nações pequenas, o seu direito às armas o fato que dis-
tingue o estado das outras formas de
atrasadas e mais fracas só tinham vantagens a
vida organizada” (Apud GUIBERNE-
ganhar (HOBSBAWN, 1990, p.45-46). No en-
AU, p. 17).
tanto, os aparelhos administrativos e escolares
obrigavam as pequenas nacionalidades à ado- O apelo às armas seria válido “até o fim da
ção da língua e as leis da nação dominante. Na História, residindo nesse o ponto o caráter sa-
prática, a defesa de um estado não baseado em grado da guerra, sendo esta uma das ativida-

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des mais normais das nações” (Apud GUI- crito e; 3) Uma comprovada capacidade para a
BERNEAU, p. 17), e dessa forma o autor con- conquista 4 .
clui que: “a grandeza da história consiste no Para as nações pequenas, a assimilação
perpétuo conflito entre as nações, sendo uma era o caminho para sua extinção. Contra tal po-
tolice qualquer tentativa de suprimir a rivali- lítica, e na defesa da edificação de um estado
dade entre estas. Assim, a guerra é a ciência próprio, líderes de pequenas nações organiza-
política por excelência” (Ibidem, ibid.). ram diversos movimentos e insurreições que
Treitschke justifica a assimilação através ficaram conhecidos como a guerra das raças
do que aponta como duas forças poderosas em (Foucault, 2005). Trata-se de um discurso que
ação na história, verificáveis na tendência que foi um forte instrumento político para os naci-
todo estado tem em amalgamar sua população onalistas dos séculos XVIII e XIX:
através da linguagem, nos costumes e numa
única unidade: “Nação e estado devem coinci- “O discurso da guerra das raças não per-
dir. Só as nações bravas têm uma existência tence aos oprimidos, não é o discurso do
povo e reivindicado por ele. Foi um dis-
segura, um futuro, um desenvolvimento; as
curso das oposições e diferentes grupos
nações covardes são derrotadas, e é assim que
de oposição. Instrumento de crítica e de
deve ser” (Apud GUIBERNEAU, 1998, p. 19). luta contra uma forma de poder dividido
Em outro trecho, encontramos a continuidade e entre os diferentes inimigos ou a diferen-
a conclusão que faz de tais argumentos: tes formas de oposição a esse poder”
(FOUCAULT, 2005, p. 89).
“Todas as verdadeiras obras-primas da
poesia e da arte se erguem no solo das Raça, nessa guerra, designa uma cliva-
grandes nacionalidades. Um estado de
gem histórico-política, ampla e relativamente
maior tamanho significa um estado
fixa. A guerra das raças é decorrência da coabi-
mais poderoso. Os estados de maior
tamanho têm o poder de impor seu
tação entre dois grupos (étnicos) que não têm
próprio modo de pensar, apres entam- em suas origens igualdade de idioma e credo,
se como “estados superiores” e estimu- que não se misturaram por diferenças e privi-
lam sua arte e cultura a serem tidas légios no que concerne ao direito, à distribuição
como certas” (Apud GUIBERNEAU, das fortunas e ao exercício do poder, e que só
1998, p. 19). se encontram unificadas (mas não unidas) por
intervenções decorrentes de fatores implicados
Acompanhando as apologias da assimi- por ocorrência de invasões, guerra e a conse-
lação, outro discurso figurava no cenário polí- quente dominação por uma das partes e a ten-
tico: o “Princípio do Ponto Crítico”. Segundo são e insuportabilidade de continuidade de su-
Hobsbauwn (1990, p.48-49), esse outro discurso jeição à Pax estabelecida.
se mostrava mais útil que qualquer outro que Uma vez discutidos os conceitos teóri-
debatia as questões da nacionalidade e buscava cos centrais de nosso estudo acerca da impor-
eliminar um número de pequenas nações, ain- tância da língua na construção e legitimação
da que a existência de muitas se mostrava in- dos estados nacionais, passaremos para a análi-
questionável. Três critérios foram utilizados se política e histórica da Tchecoslováquia.
para o reconhecimento de uma nação: 1) Sua
associação histórica com um Estado existente
ou com um Estado de passado recente e razoa-
Uma Análise Histórica do Estado
velmente durável; 2) A existência de uma elite
cultural longamente estabelecida, que possuís- Tchecoslovaco. Um Passado que
se um vernáculo administrativo e literário es-
4 Conforme relata Hobsbawn, a ideia de um povo imperi-
al funcionava como forma de tornar uma população cons-
ciente de sua existência coletiva, enquanto a conquista
funcionava como prova darwiniana do sucesso evolucio-
nista enquanto espécies sociais.

Flávio Rodrigues Barbosa


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Ressuscitará como uma Comunida- e vlastenectví (patriotismo). A palavra ceský


(tcheco), chegou a possuir três significados: um
de de Sentimentos e Destino Políti-
para se referir geograficamente ao território da
co Comum Boêmia e sua diferenciação com a Morávia, um
significado político para se referir as terras da
É difícil precisar uma data que indique coroa (Boêmia, Morávia e Silésia), e, por fim, e
o início do povoamento dos territórios tchecos que iria prevalecer posteriormente, o significa-
e eslovacos. No entanto, a literatura baseada do cultural dos habitantes dos territórios cita-
em fontes arqueológicas e documentos roma- dos. Já o caso eslovaco apresenta menos refe-
nos leva a crer que ambos os territórios come- rências. Slovenský (eslovaco) era usado mais
çaram a ser povoados na época das Grandes para designação de raça do que de território.
Migrações, por volta de 500-600 dc. Em 623 Slovakia (Eslováquia) foi tardiamente definida
d.C., tchecos e eslovacos teriam se unificado como um território habitado por eslovacos,
pela primeira vez para combater uma invasão tendo em 1849, no período de imaginação naci-
Avar. No século IX, por volta de 830, ambos os onal e codificação da língua, o primeiro pro-
povos novamente se unificam, edificando uma nunciamento público do termo. Antes, o uso
unidade política comum conhecida como a comum que os eslovacos faziam de sua própria
Grande Morávia que, por sua vez, teria fim por referência se ilustrava em palavras como: esla-
volta dos anos 904-05 dc. A partir daí, ambos os vos, eslovacos (sem conotação territorial) e es-
territórios seriam governados por dinastias es- lavos da Hungria, o que legava a relevância da
pecíficas – austríacas, para tchecos, e húngaras, identificação territorial como pertencente aos
para eslovacos –, integrando, em 1867, com a húngaros5 .
Ausgleich, o Império Austro-Húngaro (SETON- O fato de terem feito parte conjunta-
WATSON, 1943; POLISENSKÝ, 1991; ORA- mente da Grande Morávia e a proximidade en-
VCOVÁ, 1994). A razão central que provocará tre as duas línguas, contribuíram para o desen-
o levante nacionalista em ambas as regiões re- volvimento de significativos argumentos em
side no temor ao seu aniquilamento total, o defesa da construção, em primeiro lugar nas
qual definimos como o desaparecimento de sua tentativas de uma língua comum e, sem se-
história cultural e idioma, inviabilizando qual- gundo, na construção da nação tcheco-
quer retorno a um estado independente. Isso se eslovaca. Entre os tchecos, um passado, assim
fazia bem claro com as políticas de assimilação como a defesa de uma pré-identidade nacional,
germânica empreendidas em ambos os territó- começou a ser redescoberto em uma literatura
rios, tornando o uso do idioma alemão obriga- produzida na Idade Média, através das Crôni-
tório em todas as instituições administrativas e cas de Kosmas 6 , publicadas em latim entre
escolares, subjugando a um plano secundário 1119-1125, e nas Crônicas de Dalimil7 , sendo a
as línguas maternas tcheca e eslovaca, de ma- primeira obra publicada em língua vulgar no
neira que essas fossem gradativamente substi- início do século XIV. O caso eslovaco é aponta-
tuídas.
Tanto para a língua tcheca, assim como
5 Ver: SETON-WATSON, 1943; KIRSHBAUM, 1990;
para a eslovaca, não exista uma palavra deri-
POLISENSKÝ, 1991; PYNSENT, 1994.
vada direta do latim nasci para designar nação. 6 Kosmas de Praga foi um padre que nasceu e viveu du-

Em ambos os casos, a palavra utilizada é národ. rante toda sua vida na Boêmia. Em suas obras, tratou a
história local a partir da fundação do estado da Boêmia
Termos como: nacionalistický (nacionalista), na-
em 600 D.C. e posteriormente a fundação da dinastia
cionalizmus (nacionalismo), nacionálný (nacio- Premslide e os feitos da nobreza tcheca até 1125, ano de
nal) derivaram do latim, mas ganharam uma publicação de sua terceira crônica e sua morte. A Crônica
inicia com a história dos três irmãos Duques que fundari-
conotação negativa durante o período entre
am as nações eslavas: Lech, Lechia (região da Polônia);
Guerras. Assim, as palavras que expressam po- Cech, Czechia (Boêmia, Morávia e Silésia); e Rus. Ruthenia
sitivamente o amor pela nação encontram seu (Rússia, Bielorrússia e Ucrânia).
7 Autor desconhecido. A obra é uma compilação de anti-
uso em: národný (nacional). Vlastenec (patriota)
gos contos até então disponíveis apenas no latim.

Flávio Rodrigues Barbosa


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do como mais problemático, pelo fato das pri- cação (1848). Entre as lideranças de maior des-
meiras obras datarem do século XVII, período taque, figuram no lado tcheco os nomes de Jo-
em que a identidade nacional começa a ser po- sef Dobrovský, para a primeira fase e Josef
liticamente discutida. Alguns historiadores si- Jungmann e Frantisek Palacky, para a segunda
tuam que o termo slovák (eslovaco) passa a ser geração. No lado eslovaco, figuram os nomes
utilizado como definição de grupo étnico ape- de Juraj Papanék e Anton Bernolak, para a
nas em 1485, permanecendo, todavia, como primeira geração, seguidos de Jan Kollar, Pavel
uma definição vaga até ser trabalhada pelos Safarik e L’udovit Stur, para a segunda.
nacionalistas dos séculos XVIII (PYNSENT, O fato de nosso trabalho se debruçar na
1994). Produções literárias em linguagem ver- importância da língua para a nação e, como
nácula anteriores aos séculos XIV e XV são esta teve papel fundante nos movimentos naci-
muito raras, sendo o latim a língua franca nesse onalistas, abordaremos apenas as duas primei-
período. Sabe-se, também, que a língua tcheca ras gerações, o que deixa de fora um dos mais
se fazia presente na literatura eslovaca, sobre- importantes nomes da história tchecoslovaca,
tudo na prática litúrgica protestante, os quais como o de Tomás G. Masaryk – maior nome da
utilizavam o formato tcheco presente na Bíblia área de filosofia presente na terceira geração do
de Kralice (SETON-WATSON, 1943). movimento nacionalista, sendo também o pri-
O conceito linguístico de nacionalidade meiro presidente da república binacional da
implica um entendimento político que situa a Tchecoslováquia. Nossa justificativa reside no
língua como a alma de uma nação, e assim su- fato de que as mentes mais brilhantes, das duas
geria que cada nação tivesse sua própria lín- primeiras fases, eram acadêmicos que traba-
gua. Dessa forma, tanto a adesão quanto a lhavam como tradutores, poetas, filólogos, jor-
promoção de uma linguagem literária tcheca e nalistas e escritores. Por influência do roman-
eslovaca, implicavam na defesa de que ambas tismo, fizeram um minucioso trabalho de pes-
as nações existiam por direito. Ressalta-se que quisa e coleta de manuscritos antigos – muitos
a linguagem, em ambos os casos abordados, forjados para fins políticos (HROCH, 1986 e
não saiu de algum dialeto utilizado pelas mas- 1996) -, músicas e demais obras, proporcionan-
sas da população nativa, mas foi construída a do uma releitura, atualização e (re)construção
partir das formas comunicativas já utilizadas do folclore e cultura local. Quanto mais se reve-
pelas elites educadas (SETON-WATSON, 1943; lava o passado, mais o sentimento nacional ga-
POLISENSKÝ, 1991). A construção de um dis- nhava forças e se expandia rumo às massas.
curso hegemônico dependeu das habilidades No território tcheco, a fase da Escolari-
das lideranças políticas. Habilidade conferida dade (1770-1810) é retratada como um produto
tanto no discurso político da história da nação, direito do Iluminismo e da influência do Ro-
assim como no processo de construção da mo- mantismo alemão. Conquistas como a dos di-
derna linguagem literária de tais povos. reitos subjetivos, a diminuição da censura e o
estabelecimento da patente de tolerância, assim
como as liberdades de reunião e expressão,
Os Movimentos Nacionalistas Tcheco e proporcionaram o surgimento dos primeiros
Eslovaco: Língua, Letramento e Politiza- jornais políticos (HROCH, 1986 e 1996). Outros
ção fatores fundamentais se deram em consequên-
cia das reformas escolares, a abolição da servi-
Três gerações de movimentos naciona- dão, o fim dos direitos estatais do Tribunal de
listas tcheco e eslovaco são identificadas tanto Chancelaria da Boêmia e a política de germani-
pelo tipo de atividade exercida, assim como zação linguística das instituições administrati-
pela atuação de suas lideranças (HROCH, vas dentro do Império Habsburgo. A influência
1996). Assim, essas fases são divididas dentro do romantismo alemão se fez, em grande parte,
dos seguintes movimentos: 1) Escolaridade entre os letrados e acadêmicos que desenvolve-
(1770-1810); 2) Agitação (1810-1848); 3) Massifi- ram seus estudos em língua alemã, tendo nas

Flávio Rodrigues Barbosa


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obras de Johan Gottfried von Herder sua prin- tcheca, mesmo acreditando, dada sua dificul-
cipal fonte norteadora. Isso se explica pelo fato dade de aprendizado, que está nunca poderia
de que, dentro de seu gênio literário, uma na- ser utilizada nas artes e na ciência (PYNSENT,
ção autêntica se justifica pela sua língua e, só 1994).
através do uso de sua própria língua que se A fase da escolaridade, na Eslováquia,
torna possível a promoção de uma autentica teve início no mesmo período que no território
literatura nacional (HROCH, 1986). tcheco e, assim como no território vizinho, suas
Por efeito das instituições onde estuda- primeiras lideranças nacionalistas também es-
ram, a primeira geração de acadêmicos nacio- creviam em línguas estrangeiras, sendo o latim
nalistas publicava suas obras em latim ou ale- aquela com uso mais comum, com uso do tche-
mão, tendo suas atividades financiadas pela co para outros tipos de publicações. O ambien-
nobreza boêmia descontente com o fim de seus te intelectual, que caracteriza os movimentos
privilégios no Tribunal de Chancelaria. Entre nacionalistas eslovacos foi protagonizado por
as atividades financiadas, destacam-se os estu- duas correntes competidoras pela hegemonia
dos em História, os quais tinham por finalida- das ideias: os Eslovacos-Católicos e os Tchecos-
de inicial defender a língua local como uma lovacos-Protestantes, os quais dedicaram seus
característica marcante da nação tcheca e, pos- esforços nesse período para resolver conflitos
teriormente proceder com sua recodificação. sobre linguística. Para os eslovacos, o problema
Nesse período são fundadas as primeiras insti- não era de reinterpretação de sua própria his-
tuições nacionais tchecas: a Sociedade de Ciên- tória, mas de escrevê-la ao mesmo tempo que
cia da Boêmia, em 1784; a primeira Editora se codificava sua língua. O ponto de partida foi
tcheca, Ceská expedisse8 , em 1790; e a disciplina a Grande Morávia e a gramática desenvolvida
de estudos em língua e literatura tcheca, na pelos irmãos Cyrillo e Methodius, seguida de
Universidade Carolíngia de Praga (Univerzita visões sobre sucessões após o fim da Grande
Karlova v Praze), em 1793. Ainda quem em 1719 Morávia, as quais se mostravam bem variadas
tenha surgido o primeiro jornal em língua entre as lideranças dos movimentos nacionais
tcheca, foi no ano emblemático de 1789 que (PYNSENT, 1994).
surge o primeiro jornal político e nacionalista As duas primeiras grandes lideranças
tcheco: Krameniusovy císarské prazké postovské eslovacas-católicas eram os padres Juraj Pa-
noviny (Real Praga Notícias, de Kramenuis); em pánek e Anton Bernolák. Papánek publicou em
1806, Jan Nejedlý funda o primeiro jornal de 1780 a primeira obra sobre a história eslovaca:
literatura tcheca, Hlastel ceský (O Arauto Tche- Historia gentis Slavae. De regno regisbuque Slo-
co)9 . varum (História do Povo Eslavo. Do Reino e
A historiografia produzida nesse perío- Reinado Eslovaco). O livro aborda uma história
do tinha por finalidade desamarrar a história eslava direcionada para os eslovacos. Em sua
da nação tcheca de velhos mitos produzidos obra, Papánek defendia que a nobreza eslovaca
sob um ponto de vista dogmático católico, havia sido integrada à nobreza húngara, quan-
promovendo a reabilitação do período da Con- do da conquista do território por estes e, por
trarreforma e do movimento Hussitá (SETON- conta disso, a baixa nobreza que havia se for-
WATSON, 1943). No que concerne a recodifi- mado logo após a expulsão dos turcos possuía
cação da língua, Josef Dobrovský exerceria direitos iguais aos demais dentro da Natio
uma liderança fundamental com seu dicionário Hungarica. Papánek argumentava também que
e gramática, publicados em 1809 (primeira par- o estado Húngaro, ao entrar em contato com o
te) e 1821 (segunda parte). Dobrovský, também povo eslovaco, herdara costumes da Grande
fundador dos estudos tchecos-eslavônios, esta- Morávia, sendo esta, apresentada durante toda
beleceria as bases da recodificação da língua sua obra, como o primeiro grande estado eslo-
vaco. Os eslovacos também aparecem como
8Fundada por Václav Matej Kramenius. civilizadores dos nômades e “bárbaros” magia-
9 Ver: SETON-WATSON, 1943; HROCH, 1986; res, os quais teriam se cristianizado e aprendi-
POLISENSKÝ, 1991.

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do agricultura básica com os eslovacos. Apon- tar inicialmente com uma rede de 581 membros
tando o Rio Danúbio como o berço dos povos sobre o território eslovaco.
eslavos, Papánek tratou de colocar os eslovacos A corrente protestante permanecia em
como os mais diretos descendentes originais do defesa da linguagem literária tcheca (Biblictina),
povo eslavo, e sua língua como a mais próxima utilizada na Biblia de Kralice12 e, consequente-
da língua-mãe eslava. Uma história de subju- mente era a linguagem adotada pela população
gação também fora elaborada pelos nacionalis- protestante. Os protestantes eslovacos recorre-
tas eslovacos, onde os grandes adversários fi- ram aos protestantes tchecos para obter fundos
guravam nos magiares e alemães. Muito da para suas atividades. Essa interação produziu
identidade nacional também se produzia em um conceito de existência remota de uma tribo
contraste com os dois povos, somado aos tur- tcheco-eslovaca. Assim, ideais de uma nação
cos. As guerras otomanas figuraram por vezes eslava entre ambas passavam a ganhar algum
como o tema preferidos dos poetas nacionalis- terreno. Sob liderança de Bohuslav Tablic e Ju-
tas. Mas coube aos alemães o status de inimigo raj Palkovic, as ideias de uma comunidade lin-
maior, devido a oposição aos Habsburgos e os guística e cultural tcheco-eslovaca encontrari-
privilégios que a população germânica desfru- am seu lugar de publicidade nas livrarias aber-
tava em seu território e a obrigação do uso do tas, na fundação da Sociedade Tcheco-Eslovaca
idioma alemão em instituições escolares e ad- e com o estabelecimento da cadeira tchecoslo-
ministrativas. Muito tempo depois, soube-se vaca no Liceu Protestante de Bratislava.
que Papanék havia inventado uma linha de reis A fase de agitação política tem início
eslovacos que nunca existiram10 . aproximadamente em 1810. É nesse período
No mesmo ano da publicação de Pa- que toma forma uma ideologia nacional, com
pánek, ocorria, no Seminário Geral de Bratisla- as atividades nacionalistas se mostrando for-
va, um ciclo de debates em torno da codifica- temente presentes em muitas produções como
ção da língua local promovida pela Sociedade obras musicais, jornalísticas e literárias. Nesse
Promotora da Língua Eslovaca, cuja liderança período, ser patriota era escrever em língua
se fazia pelo padre Anton Bernolák. Sete anos local (HROCH, 1996).
após o Seminário, Bernolak apresentou sua Joseph Jungmann, maior liderança tche-
Dissertatio philologio-critica de litteris Slovarum ca desse período, formula, em 1806, o primeiro
(Dissertação Filológica da Letra Eslovaca), on- programa nacional cultural tcheco em seu Dvoií
de criticava qualquer ideia de uma unidade rozmlouvání o jazyku ceském (Duas Conversações
nacional entre tchecos e eslovacos tendo por em Linguagem Tcheca). Anos depois, em 1820,
base uma linguagem literária comum. Para publica Slovenost (Verbo), o primeiro texto em
Bernolák: “a linguagem literária é um meio de tcheco sobre teoria literária. Funda em 1821 o
expressão do caráter nacional e distingue os primeiro jornal científico theco: Krok (Passo).
Eslovacos dos vizinhos das demais nações es- Em 1825, publica um livro sobre a história da
lavas11 ”. A codificação e a linguagem literária literatura tcheca e em 1839 publica o dicionário
empreendida por Bernolák, ficou conhecida Tcheco-Alemão. Entre os discípulos de Jung-
como Bernoláctina, sendo baseada no dialeto mann, destacou-se a romancista e poetiza Bo-
eslovaco-jesuíta e recebeu ampla adoção entre zena Nemcová, que ao fundir lendas e folclores
a população católica eslovaca. Junto com o re- locais, criaria um novo gênero literário. Sob sua
nomado escritor Juraj Fandlý, Bernolák fundou liderança, o movimento nacionalista tcheco,
a primeira instituição nacional eslovaca em com auxílio da nobreza boêmia, inaugura em
1792: Slovenské ucené tovarisstvo (Sociedade Es- 1820 o primeiro Museu Nacional Tcheco. Fi-
lovaca de Aprendizado), a qual chegou a con- nalmente, em 1821, Jungmann, juntamente com
Frantisek Palacký (a segunda maior liderança
10 Ver Slovanství v národnín zivote Cechu a Slováku (1968, nacionalista dessa fase) e Jan Svatopluk Presl
p.102) Apud BAKKE (1999).
11 Ver Slovanství v národnín zivote Cechu a Slováku (1968, 12Primeira bíblia traduzida para a língua tcheca pela Uni-
p.102) Apud BAKKE (1999). tas Fratum (Igreja dos Irmãos Morávios) em 1579.

Flávio Rodrigues Barbosa


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fundam o primeiro jornal nacionalista tcheco: dominado que anseia por sua liberdade e se
Matice ceska (Matriz Tcheca), considerado o direciona contra o seu dominante. Trata-se de
primeiro jornal nacionalista de grande sucesso uma produção influenciada, também, pela lite-
na promoção e avanço das ideias nacionais e o ratura contextualizada na “guerra das raças”
maior centro de atividades do movimento na- (Foucault, 2005). Como parlamentar, com atua-
cional até 1848 (SETON-WATSON, 1943; PO- ção ativa no mundo político dos Habsburgos,
LISENSKÝ, 1991.). Palacký entendeu melhor do que ninguém o
A nova historiografia tcheca foi auxilia- que estava em jogo com as políticas de germa-
da pela Patente de Tolerância, de 1781. O foco nização dos austríacos. Em uma série de per-
das primeiras críticas foi direcionado à Kronyka formances no parlamento, Palacký defendeu
ceská (Crônicas Tchecas), de Václav Hájek z Li- brilhantemente a necessidade do protagonismo
bocan. Era uma fase de repúdio a qualquer austríaco para a Europa Central. Sua intenção
produção católica do passado nacional, muitas era desarticular a adesão da Áustria na unifica-
vezes mencionadas como produções mitológi- ção da Grande Alemanha, ao mesmo tempo
cas. Essa historiografia, que teve em Palacký que articulava seu enfraquecimento perante as
seu grande articulador, reabilitaria os movi- pequenas nações sob domínio austríaco. Isso
mentos protestantes Hussita, na Boemia, e fica bem ilustrado em sua recusa na participa-
Brethren, na Morávia. Palacký colocaria o perí- ção na Dieta de Frankfurt, adicionando as se-
odo Hussitá como um tempo de gloria para os guintes reflexões:
tchecos, conferindo-os grande crédito pelo uso
do tcheco em suas pregações religiosas. Por “Isso pode significar o fim da Áustria. A
outro lado, a contrarreforma ganhou tons de manutenção da Áustria (Áustria, Boêmia
e Hungria), sua integridade e sua conso-
desgraça, assim como os efeitos seguintes a
lidação são da maior importância não
derrota dos tchecos na Batalha da Montanha
apenas para o meu povo, mas para a Eu-
Branca (Bíla Hora), explicitando uma imposição ropa como um todo, para a humanidade
arbitrária para o declínio nacional (HOU- e para a civilização. Um grande império
VZVICKA, 1998). Sua visão política da história está emergindo no ocidente da Europa.
tcheca é marcada pelo constante conflito entre Ele é quase in vencível e um irresistível
os elementos eslavos versus germânicos soma- instinto o leva para o Centro e o Sul.
dos ao poder autoritário da Igreja Católica da Mais sucesso para esse império pode le-
idade média versus a liberdade de espírito. A var a uma monarquia universal. Não sou
partir da visão de Palacký, o movimento Hussi- hostil à Rússia, assim como não sou hos-
til à Alemanha. Sou hostil a uma domi-
tá ganhou status de movimento popular e naci-
nação universal que considero ser fatal
onalista, significando uma luta dos tchecos pela
ao progresso e bem-estar geral. Na Eu-
liberdade contra os princípios autoritários e ropa meridional, juntamente com as
feudais católico-germânicos. Dessa forma, tem fronteiras da Rússia, a História agregou
o início, também, uma produção literária anti- povos que diferem na linguagem, cos-
germânica que predominaria em muitas pro- tumes e trajetória: Eslavos, Romenos,
duções nacionalistas. Magiares, sem falar dos Gregos, Turcos e
É preciso ressaltar a grande figura polí- Albaneses. Nacionalidades que se junta-
tica de Palacký como parlamentar, uma vez ram devido suas fraquezas, já que ne-
que o mesmo é considerado o segundo grande nhuma delas é suficiente para conter um
poderoso vizinho. Estão ligadas pelo
patrono tcheco13 , recebendo uma estátua e uma
Danúbio, e a Áustria, que as mantém
praça no bairro de Praha 2, Plackeho Namesti. A
juntas, não pod e a bandoná-las sem risco.
produção anti-germânica articulada por Pa- Um estado Austríaco é indispensável pa-
lacký não pode ser confundida com de um ra- ra segurança da Europa e da Humani-
cismo étnico. É uma produção política de um dade. Se a Áustria não existe, ela deve
ser inven tada (PALACKÝ, 1948, p. 305-
13
Sendo o primeiro, Karel IV, e o terceiro, Tho mas G. 06)”.
Masaryk.

Flávio Rodrigues Barbosa


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cionalista tcheco, promovendo um interessante


Na mesma carta, Palacký diz conhecer intercâmbio político entre as ideias nacionalis-
as verdadeiras aspirações alemãs e coloca os tas dos dois povos. Kollár recebera grande in-
Habsburgos em uma bifurcação: proceder na fluência do romantismo, escrevia em tcheco e
história, fazendo da Áustria uma mera provín- sua obra Sláv dcera (A Filha Eslava), publicada
cia alemã ou encarnar seu papel histórico de em 1824, é tida como o melhor exemplo de tra-
unificar e liderar a Europa Central. Como re- balho de escritores eslovacos que aderiram a
sultado, os Habsburgos descartam seu papel na produção em tcheco (SETON-WATSON, 1943).
unificação alemã, mas seguem com a política Kollár escrevia no tcheco pré-recodificação e
de germanização em seus domínios. Para buscava expandir a língua tcheca e seu uso no
Frantsek Palacký, a intensão dos Habsburgos território eslovaco. Lutou pela abertura de li-
com a germanização era bem clara, pois apre- vrarias de obras eslavas, gramáticas compara-
sentando seus territórios integralmente como tivas, dicionários, publicação de histórias fol-
alemães/germanizados, venceria a disputa clóricas, tradução de livros e cadeiras de diale-
com seu principal rival pela liderança da tos eslavos nas universidades. Enquanto Kollár
Grande Alemanha, os Hohenzollern. Palacký se dedicava à poesias e romances, Safarik se
passou a pregar repetidamente: “A Boêmia exis- debruçava na produção acadêmica e teórica.
te antes da Áustria e continuará existindo após esta Suas obras mais significativas foram: Geschichte
desaparecer” (OSUSKY. 1937, p. 5). der slawischen Sprache und Literatur nach alle
No território eslovaco, a agitação come- Mundarten (1826), onde busca compreender a
ça na década de 1820, mas o sucesso de mobili- história das línguas eslavas e seus alfabetos;
zação só seria atingido em 1860, quando os Slovanské starozitnosti (1836), dedicado à anti-
campos da cultura e educação tiveram resulta- guidade eslava e Slovanký národopis (1842), on-
dos notáveis. No entanto, o grande problema de buscou retratar a contemporaneidade dos
foi a política de magiarização cultural promo- povos eslavos, região de habitação, linguagem
vida pela Ausgleich14 , em 1867, que atrasaria a e literatura 15 .
fase de massificação para o século XX. Diferen- Uma reaproximação entre Católicos e
te da nobreza tcheca da boêmia, a nobreza no Protestantes eslovacos, sob a bandeira da reci-
território eslovaco era magiar e a burguesia lo- procidade eslava, por volta de 1830, produziria
cal era alemã. Assim, muitos fundos para a novos ares. Mesmo os defensores da Bernolácti-
causa nacionalista eslovaca vinham de seus vi- na, passaram a discursar sobre a existência de
zinhos tchecos (HROCH, 1986; ORAVCOVÁ, um parentesco cultural com os tchecos, ao
1994). mesmo tempo que Kollár e seu círculo passa-
Até 1840, a maioria dos eslovacos liam ram a ver a necessidade de uma reforma lin-
jornais tchecos como o Kvetyy (Flores) (PYN- guística. Como fruto dessa reaproximação,
SENT, 1994). Os jornais tchecos teriam grande funda-se em 1834 a Spolek milovníkov reci a lite-
papel nos movimentos eslovacos, pelo fato de ratury Slovenskej (Associação de Amantes da
colocarem sempre espaço para discussão dos Língua e Literatura Eslovaca), sendo Kollár
problemas, e outras temáticas, de seus vizinhos nomeado seu primeiro presidente.
em suas páginas. A literatura escrita em Berno- O evento decisivo para os eslovacos
láctina teve seu auge nas décadas de 1820 e viria sob a liderança de um antigo opositor de
1830, através do poeta Jan Hollý, o qual conse- Kollár, o poeta, historiador, linguista e pastor
guira espaço para suas publicações no jornal luterano L’udovit Stúr, o qual vinha desenvol-
tcheco Krok. vendo uma nova literatura eslovaca baseada no
As duas principais lideranças eslovacas dialeto eslovaco-central. Os fundamentos de
desse período, Jan Kollár e Pavel Josef Safarik, sua linguagem foram publicados em dois li-
também eram figuras ativas no movimento na- vros: Nárecja slovenskuo (A Língua Eslovaca) e

14Compromisso que estabeleceu a monarquia dual entre 15 Ver: SETON-WATSON, 1943; HROCH, 1986;
os domínios dos Habsburgos. POLISENSKÝ, 1991; PYNSENT, 1994).

Flávio Rodrigues Barbosa


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Náua reci slovenskej (Teoria da Linguagem Eslo- provocou o afastamento de Jan Kollár, o qual
vaca). Inicialmente, Stúr se encontrava entre os passou a alegar que o moderno tcheco era mais
defensores das ideias de uma origem comum difícil de ser ensinado aos eslovacos do que a
Tcheco-Eslovaca, influenciada pela corrente de Biblictina, passando a inserir mais termos dos
Jan Kollar, chegando mesmo a fazer uso por dialetos eslovacos em suas produções literárias.
um tempo da Biblictina. No entanto, em 1843, Sua atitude irritou o lado tcheco que conside-
Stúr romperia com essa visão alegando que os rou suas ações provocadoras de uma catástrofe.
eslovacos eram uma tribo eslava com lingua- O resultado foi o hiato entre os círculos intelec-
gem própria. Ao unir nacionalismo com lin- tuais tchecos e eslovacos, com ambos os lados
guagem, Stúr posicionava os nacionalistas pro- seguindo rumos próprios em seus empreendi-
testantes dentro desse entendimento. Assim mentos linguísticos e gramaticais que defende-
escreveu: riam seus direitos de nação perante os Habs-
burgos. No lado tcheco, as ideias de Dobrovsky
“A linguagem é, en tão, o sinal mais se- e Jungmann saem triunfantes e consolidam o
guro da essência e individualidade de moderno idioma tcheco16 .
cada nação. Apenas como um ser indi-
No lado eslovaco, os círculos literários
vidual, a nação revela seu mais pro-
chegam a um acordo final em 1852, com atua-
fundo eu interior atra vés da lingua-
gem[...] o espirito da nação se desen -
ção destacada do teólogo e pedagogo católico
volve na e com a linguagem na forma Martin Hattala, escrevendo a obra resultante
mais apropriada para ele: são interde- da reforma linguística: Kratká mluvtina slovenská
pendentes e, por isso, não podem exis- (Uma Concisa Gramática Eslovaca), a qual aca-
tir um sem o outro” (PYNSENT, 1994, bou recebendo grande influência das ideias de
p. 186). Stúr. No entanto, a Ausgleich, em 1867, mergu-
lha o nacionalismo eslovaco em um profundo
Durante a segunda metade da década de 1840, retrocesso, agora com a política de magiariza-
três linguagens literárias coexistiram no territó- ção impedindo a difusão de uma identidade
rio eslovaco: Bernoláctina, Stúrtina e a Biblictina. eslovaca, algo que só sairia do ostracismo no
Os nacionalistas tchecos entendiam que início do século XX, na fase (política) da massi-
os eslovacos faziam parte da mesma nação, se ficação eslovaca, quando novamente constroem
posicionando contra a codificação empreendi- uma aliança com os tchecos que resultará na
da por Stúr. Em 1846, Jan Kollár publica Hlaso- fundação da república binacional da Tchecos-
vé o potrebe jednoty spisovného jazyka pro Cechy, lováquia.
Moravany a Slováky (Sobre a Necessidade de
uma Linguagem Literária Unificada entre
Tchecos, Morávios e Eslovacos), no Matica
O Estado Binacional versus Investi-
ceská, onde também acusaria o círculo de Stúr das de Assimilação
de traição da reciprocidade eslava e da unidade
tcheco-eslovaca. O momento de edificação do estado bi-
Lideranças protestantes eslovacas tam- nacional tchecoslovaco se realiza dentro da ter-
bém tentariam influenciar os rumos da recodi- ceira geração de nacionalistas, cuja maior figu-
ficação linguística tcheca. Jural Palkovic rom- ra se ilustra através do filósofo Tomás G. Ma-
peria com Josef Jungmann, alegando a necessi- saryk. É a fase em que toda a construção ante-
dade de conservar muitos elementos da Biblic- rior acerca das histórias culturais e da legitimi-
tina por questões de identidade eslovaca. Ape- dade da línguas maternas tchecas e eslovacas já
sar de ambos concordarem que a linguagem figuram consolidadas no debate, restando ape-
era o mais importante traço da nacionalidade, nas conquistar seus direitos de nações inde-
Jungmann defendia que a linguagem é um or- pendentes. Sabe-se que, tanto tchecos, quanto
ganismo em constante desenvolvimento, não
podendo ser algo fechado em si. Esse impasse 16 Ver: SETON-WATSON, 1943; HROCH, 1986;
PYNSENT, 1994.

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eslovacos, trabalhavam em prol de indepen- tchecos e eslovacos. Realizam-se uma série de


dências singulares. No entanto, o tamanho de assembleias e discussões acerca da organização
seus territórios nacionais não convencia a co- do Estado Tcheco-Eslovaco. O tratado de Pitts-
munidade política internacional de sua sobre- burgh concede autonomia aos eslovacos, po-
vivência. Em outras palavras, por seu tamanho rém com algumas reservas. Em 19 de outubro
e pela crença da época, pequenas nações nunca de 1918, Ferdinand Juriga, único deputado em
seriam capazes de resistir as investidas oriun- atividade no Parlamento húngaro, declara que
das de outras nações maiores e mais poderosas. o Conselho Eslovaco e o povo eslovaco não re-
Assim, tchecos e eslovacos não estariam livres conhecem mais a autoridade do governo hún-
de investidas de assimilação germânica e ma- garo. Finalmente, em 28 de outubro de 1918, o
giar. Conselho Nacional Tchecoslovaco, em Praga,
A primeira iniciativa para a formação funda a República da Tchecoslováquia (POLI-
de um Estado Tchecoslovaco teve origem com SENSKÝ, 1991).
a iniciativa de lideranças tchecos em junho de
1914. Os eslovacos, por sua vez, permaneciam
Conclusão
em passividade, mesmo após o início da Pri-
meira Grande Guerra, com uma única exceção
feita a liderança eslovaca de Milan Hodza Através da abordagem de ambos os ter-
(BAKKE, 1999). Em dezembro do mesmo ano, ritórios, assiste-se que a República da Tchecos-
Tomás Masaryk deixa Praga e viaja por diver- lováquia começa a ser imaginada quando tche-
sas capitais europeias buscando apoio para a cos e eslovacos percebem suas existências ame-
independência. No início de 1915, os Habsbur- açadas pelas ideias evolucionistas contidas nas
gos ordenam a prisão dos líderes políticos que políticas de assimilação e no princípio do ponto
pregam pela independência. Em meados do crítico. Como primeira grande tarefa de auto-
mesmo ano, o movimento pela independência defesa, precisaram apresentar a si mesmos co-
já era explicitamente conhecido no exterior. As mo nação, dotada de língua, história e cultura
Associações de Emigrantes Tchecos e Eslovacos própria para, a partir de então, buscar o reco-
realizam assembleias em Cleveland, Ohio, e nhecimento e legitimidade perante os olhos
defendem uma Federação Tcheco-Eslovaca. Em externos. A tarefa foi empreendida pelos naci-
novembro de 1915, líderes exilados em Paris onalistas da primeira geração, quando estes
explicitam seu desejo por uma Tchecoslováquia redescobriram as origens de suas histórias cul-
independente. O evento leva a associação de turais, promovendo até mesmo o reencontro de
emigrantes eslovacos aderir à proposta Tcheco- um com o outro, quando ambos se enxergam,
Eslovaca, passando a difundi-la no interior de até os dias de hoje, como uma comunidade
seu território, buscando, também, o apoio dos herdeira da Grande Morávia. O próximo passo
líderes locais, os quais permaneciam em confli- foi proceder com a defesa de uma língua no
to com a nobreza magiar. Mas é somente em sentido de alma mater de suas nações e, seguin-
maio de 1918 que os eslovacos tornam oficial do os critérios do princípio do ponto crítico,
sua adesão aos tchecos na Assembleia Nacional buscaram suas origens no vernáculo utilizados
e na Assembleia Socialista. No mesmo ano, é pelas elites de suas regiões. No caso tcheco, a
fundado o Conselho Nacional Tchecoslovaco língua utilizada pela nobreza da Boêmia, en-
em Paris e, em 18 de outubro de 1918, o conse- quanto o lado eslovaco, cuja nobreza falava la-
lho reconhece a legitimação dos Governos tim e alemão, recorreu ao eslovaco-jesuíta.
tchecos e eslovacos, proclamando sua inde- Após a redescoberta cultural que, por
pendência na Declaração de Washington (PO- sua vez, habilita a construção de uma comuni-
LISENSKÝ, 1991). dade de sentimentos, passa-se a tarefa, esta le-
Em 30 de maio de 1918, Masaryk co- gada para a segunda geração de nacionalistas,
assina o acordo de Pittsburgh, nos EUA, em de construção de uma comunidade de língua.
conjunto com as organizações de emigrantes Assim, estes deliberam, codificam, recodificam

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e estabelecem as bases linguísticas e gramati- pública binacional, onde ambas as nações pu-
cais de suas línguas maternas. Ainda sim, am- deram, enfim, consolidar-se como manifestação
bos não estavam livres da política de assimila- histórica, até 1993, em um estado autodetermi-
ção pelo fato de seus territórios serem classifi- nado – isto é, detentor do monopólio legitimo
cados como pequenos e frágeis e, dessa forma, do emprego da política em seu território –, in-
poderiam não sucumbir a novas investidas dependente, e tchecoslovaco.
germânicas e magiares.
Nota-se que, mesmo trabalhando em
causa própria desde o século XVIII, ambas as Referências Bibliográficas
nações redescobrem pontos comuns em suas
histórias que quase a levam a uma terceira uni- ACTON, John. Nationality; In BALAKRISH-
ficação ainda no século XIX através da colabo- NAN. Gopal. (org). (1996). Mapping the Na-
ração para o estabelecimento de uma língua tion. New York. [1862(1996)]
comum para ambas as nações. Mas, é nesse
mesmo ponto que encontramos nos movimen- BAUER, OTTO. The Nation; In BALAKRISH-
tos nacionalistas tcheco e eslovaco uma séria NAN. Gopal. (org). (1996). Mapping the Na-
lacuna que se ilustra na quase completa ausên- tion. New York. [1907(1996)].
cia de um sentimento de destinação política
comum e, provavelmente por isso, ambas per- BAKKE, Elisabeth. Doomed to Failure? The
Czechoslovak Nation Project and the Slovak
maneceram muito tempo separadas e à mercê
Autonomist Reaction 1918-1938. PHD Disser-
da assimilação e outros fatores norteadores do
tation submitted to the Faculty of Social Sci-
princípio do ponto crítico que não conseguiram ences. University of Oslo, Norway, 1999.
sustentar, como é o caso da terceira condição
deste. De fato, o sentimento tcheco-eslovaco se FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Socieda-
apresentou sempre com mais força pelo lado de. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
tcheco. Isso mostra que suas lideranças perce-
beram mais cedo que a independência não ne- GUIBERNAU, Montserrat. Nacionalismos. O
cessariamente equivaleria a sobrevivência, estado nacional e o nacionalismo no século
mesmo após a queda dos Habsburgos. Por ou- XX. Ed. Jorge Zahar. RJ, 1998.
tro lado, a imersão da mesma ideia, nas lide-
ranças eslovacas, só viria com a pulsão de mor- HOBSBAUWN, Eric. Nações e Nacionalismo
te sentida no final da Primeira Grande Guerra. desde 1780. São Paulo: Paz e Terra, 1990.
Em outras palavras, há um desejo de unificação
HOUVZVICKA, Vacláv. Germany as a Factor
territorial, por parte dos eslovacos, puramente
of Differentiation in Czech Society. Czech So-
fundamentado no desejo de sua preservação. ciological Review, n. 2. Vol. 6. p. 219-239, 1998.
Nota-se que suas lideranças percebiam que
uma união com a Hungria poderia conduzir a HROCH, Miroslav. Social Preconditions of
novas investidas de magiarização, com as quais National Revival in Europe: A Comparative
novamente poderiam não obter acordo e saí- Analysis of the Social composition of Patriot-
rem novamente derrotados. Já com os vizinhos ic Groups among the Smaller European Na-
tchecos, em situação equivalente com os austrí- tions. Cambridge: Cambridge UP, 1985.
acos, um acordo político e de tolerância pode-
ria ser construído. Isso fica bem evidente nas HROCH, Miroslav. Nationalism and National
Movements: comparing the past and the
negociações empreendidas que resultaram na
presente of Central and Eastern Europe. Na-
concessão de uma certa autonomia para os es-
tions and Nationalism 2. ASEN-London School
lovacos, assim como na não retomada de qual- of Economics, 1996.
quer tipo acordo para construção e codificação
de uma língua e gramática comum. Dessa for-
ma e, sob tais condições, construiu-se uma re-

Flávio Rodrigues Barbosa


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Janeiro: LTC, 1982.

Abstract: Our paper addresses the role of the moth-


er tongue as a central and political element in the
struggles that legitimized the right to self-
determination of small Slav nations. The examples
are the cases of the Czech Republic and the Slovak
Republic through the dawn of their nationalist cul-
tural movements during the eighteenth and nine-
teenth centuries. Are studied and problematized
some of the main political theories justifires of the
national states, which exerted deep influences in the
intellectual circles of this period. Thus, the concepts
of nation and language and the respective elements
that legitimize the right of a given nation to express
itself through its own state are discussed. The theo-
retical elements discussed are then contrasted with
the historical path followed by the process of imagi-
nation and construction of the binational Czecho-
slovak state. As the focus of this work is on the po-
litical and central role of language, we approach two
of the three generations of nationalist movements.

Flávio Rodrigues Barbosa

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