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LONGO, D.L.
Hematologia e oncologia de Harrison (e-book)
VARIÁVEIS FISIOLÓGICAS
Determinados fatores fisiológicos, intrínsecos ao paciente, podem afetar os resul-
tados dos exames laboratoriais. Estes fatores incluem situação clínica do paciente,
idade, sexo e raça, jejum, postura, efeitos do exercício físico, ritmo circadiano, alti-
tude em que foram coletados os exames, gravidez e estilo de vida do indivíduo.
SITUAÇÃO CLÍNICA
A situação clínica do paciente se refere ao porquê ele está realizando o exame
solicitado. Isso pode parecer uma situação irrelevante, mas na hematologia pode
QUADRO 1.1 Fontes e frequências de erro que afetam a qualidade e confiabilidade dos resultados
FASE PRÉ-ANALÍTICA FASE ANALÍTICA FASE PÓS-ANALÍTICA
46-68% 7-13% 19-47%
Orientação inadequada ao paciente Falha no equipamento Perda do resultado
Tempo de jejum Perda da amostra Interpretação equivocada do resultado
Legibilidade da requisição médica Troca da amostra e ação subsequente
Requisição médica incorreta Contaminação entre amostras Erro na transcrição dos resultados
Interpretação incorreta da requisição médica Sistema analítico não validado Tempo de liberação dos resultados
Perda da requisição médica previamente à analise acima do especificado
Coleta inadequada Falhas não detectadas no controle Problemas com o sistema de
Estase venosa prolongada interno de qualidade: erro sistemático informação laboratorial
Utilização de tubo de coleta inadequado e erro randômico Valores de referência e limites de
Incorreta proporção entre sangue e decisão inapropriados
anticoagulante
Identificação incorreta do paciente
Transporte e armazenamento da amostra
inadequados
Centrifugação inadequada
Fonte: Adaptada de Lima-Oliveira e colaboradores2 e Plebani. 3
ser uma informação bastante útil, pois direciona a gênero e faixa etária. Ocorre um aumento subs-
análise e fornece segurança no momento de rela- tancial na contagem de glóbulos vermelhos nos
tar as alterações hematológicas observadas na mi- recém-nascidos em comparação com a dos adultos
croscopia. Uma doença hereditária se manifesta, em decorrência da glicose ser metabolizada muito
muitas vezes, desde o nascimento. O fato de o pa- rapidamente em neonatos. O aumento do oxigênio
ciente informar que estava bem e que passou a ter arterial logo após o nascimento ocasiona um au-
algum sintoma há pouco tempo, afasta a hipótese mento dos níveis de hemoglobina. Nos recém-nas-
de uma doença hereditária ou pode sugerir, por cidos, a contagem de neutrófilos é elevada e atinge
exemplo, o início de uma crise de hemólise.7 um valor máximo entre 1 e 2 dias após o nasci-
mento, enquanto a contagem de monócitos per-
IDADE, SEXO, RAÇA, JEJUM E POSTURA manece aumentada até duas semanas após o nas-
A idade, o sexo e até mesmo a raça são fundamen- cimento e a contagem de eosinófilos por até uma
tais para a interpretação dos exames hematológi- semana. A contagem de linfócitos está aumentada
cos, pois os valores de referência foram definidos significativamente no momento do nascimento e
para diferentes populações e agrupados conforme permanece elevada em crianças de até 4 anos de
1. Técnica de inserção correta. O sangue flui 2. Bisel sobre a parede superior 3. Bisel sobre a parede inferior da veia
livremente para dentro da agulha da veia não permite que o sangue flua não permite que o sangue flua
4. Agulha inserida além da veia 5. Agulha parcialmente inserida, provocando 6. Veia colabada
extravasamento de sangue no tecido
FIGURA 1.1 Situações que ocorrem durante a inserção da agulha nas coletas sanguíneas.
Fonte: Adaptada de McCall e Tankersley.10
técnica de inserção da agulha (1) e problemas que globular e a hemoglobina são menores no sangue
podem prejudicar a coleta, mas que devem ser capilar em relação ao venoso.11 A concordância
contornados por um coletador experiente. entre esses autores se dá na contagem de plaquetas.
Terminada a punção, a agulha deve ser retira- A Figura 1.3 exemplifica os locais para a realiza-
da da seringa e o sangue passado aos tubos, respei ção da punção capilar.
tando a proporção de sangue e anticoagulante.7
Para a coleta dos exames hematológicos, a prefe-
Punção através das
rência é pela coleta de sangue venoso e a partir da impressões digitais
punção das veias do antebraço: mediana cubital,
cefálica ou basílica. Sempre ambos os antebraços
devem ser observados, e a punção, realizada na
veia mais visível. Antes da punção, deve-se fazer
assepsia com álcool a 70%. A Figura 1.2 mostra a
representação esquemática das veias do antebraço.
Posição lateral
Fossa do calcanhar
Veia antecubital Veia cefálica
mediana
cubital Artéria tibial Posição medial
posterior do calcanhar
Quando a coleta é realizada com sistema de do material que lhe foi enviado e que não tem res-
escalpe, sendo o tubo com citrato o primeiro a ser ponsabilidade sobre troca de amostras, sobre as
coletado, deve-se utilizar um tubo de descarte. O condições de coleta (traumáticas) e sobre o uso do
uso do tubo de descarte tem por finalidade anticoagulante (foi usado o anticoagulante correto?
preenchero espaço morto do escalpe, de modo a A relação sangue/anticoagulante foi obedecida?).
garantir a proporção adequada do anticoagulante Essa responsabilidade deve estar documentada
em relação ao sangue total. Para fins de descarte, pelo laboratório junto ao(s) responsável(eis) pela
pode-se utilizar os próprios tubos de citrato ou tu- coleta e, no laudo, deve ser escrito “amostra envia-
bos sem qualquer aditivo.12 da ao laboratório”.
Amostras que chegam ao setor de hematolo- Uma causa grave e potencialmente fatal de
gia com volume menor do que o volume nominal erro pré-analítico é a troca de amostra ou coleta
do tubo ou visivelmente hemolisadas não devem de sangue de um paciente em um tubo identifica-
ser processadas. A primeira pode conter altera- do com o nome de outro, que gera um erro subse-
ções celulares causadas pelo anticoagulante, e a quente de transcrição do resultado. Esses erros
última, ser reflexo de uma coleta traumática.6 podem ocorrer em qualquer fase e, apesar dos sis-
A gasometria é muito solicitada em laborató- temas informatizados com código de barras para
rios que atendem a domicílio e a hospitais, in- a identificação das amostras dos pacientes, é es-
cluindo leitos de enfermarias, apartamentos, ber- sencial ter um processo de verificação cruzada.
çário ou unidade de terapia intensiva, e esse É interessante que o laboratório oriente e es-
exame exige coleta de sangue arterial, o qual, mui- clareça o paciente sobre os riscos de uma punção
tas vezes, é encaminhado ao laboratório na pró- sanguínea, um processo invasivo que pode ter
pria seringa, sem que haja divisão prévia da amos- como consequência a formação de hematoma, o
tra para os demais exames solicitados. A divisão que judicialmente caracteriza lesão corporal. No
posterior para realização do hemograma não deve dia da coleta, o paciente não deve realizar tarefas
ser feita porque não se consegue a perfeita homo- que exijam esforço físico com o braço que sofreu a
geneização do sangue no interior da seringa. punção. Essas orientações podem estar afixadas
Quando junto à solicitação de gasometria também na sala de coleta (em local perfeitamente visível)
se tem a do hemograma, a amostra sanguínea ou ser entregues ao paciente antes da coleta. Al-
deve ser separada no momento da coleta. A lâmi- guns laboratórios, ao cadastrar o paciente, geram
na deve ser confeccionada logo após o término da um documento que contém as informações sobre
punção, não sendo recomendado que ela seja feita os riscos da coleta. O paciente, após a leitura, dá
no laboratório, porque a gasometria é coletada ciência no documento.
com heparina e esta interfere na coloração das cé-
lulas. Outra situação em relação a pacientes inter- TEMPO DE GARROTEAMENTO
nados (algumas vezes, pacientes ambulatoriais) é O tempo de garroteamento (aplicação do torniquete)
que a coleta pode ser difícil e a amostra inadequa- não deve ultrapassar 1 minuto e, logo após a entrada
da para o exame, mas, por insistência médica ou do sangue no bisel da agulha, ele deve ser liberado.
por se querer cumprir a prescrição solicitada, ela é Um garroteamento além desse tempo ocasiona es-
encaminhada para realização de exames hemato- tase localizada, hemoconcentração, hemólise e in-
lógicos. Esse tipo de amostra não é apropriado filtração de sangue nos tecidos, resultando em au-
para a realização de exames hematológicos, por- mento do volume globular e alterações no TP, TTPa,
que a interpretação do exame pode ficar muito fibrinogênio, D-dímeros e fatores da coagulação. A
comprometida. Muitas vezes, esse resultado ina- coleta de alguns testes especiais de coagulação,
dequado pode ser comparado com outro em que a como o fragmento 1+2 da protrombina (PF1.2) e o
coleta não estava difícil e não se tem uma explica- complexo trombina-antitrombina (TAT), deve ser
ção para a variação entre os resultados. realizada sem o uso de garrote, pois pode provocar
Em muitos hospitais com UTI (geral ou neo- elevações espúrias desses marcadores, particular-
natal) ou com berçário, a coleta não é realizada mente se o tempo de garroteamento ultrapassar 1
pelo laboratório. Nessas situações, a responsabili- minuto. Caso, na procura de uma veia, o paciente
dade sobre a coleta é do profissional que a executa fique garroteado por muito tempo, quando a veia
e não do laboratório, que passa a ser um executor for localizada, o garrote deve ser liberado e, após a
TABELA 1.1 Ordem dos tubos de coleta e as razões para tal ordem
ORDEM DE
TIPO DO TUBO COR DA TAMPA RAZÕES
COLETA
1 Hemocultura Geralmente amarela Minimizar as chances de contaminação bacteriana
2 Tubos com citrato de sódio para Azul Deve ser o primeiro tubo com anticoagulante, pois todos
coagulação os demais anticoagulantes e aditivos alteram os testes
de coagulação
3 Tubos com citrato de sódio para Preta Minimizar as chances de contaminação por outro
VHS automatizado anticoagulante senão o próprio citrato
4 Tubos de vidro para soro e sem Vermelha Prevenir a contaminação por aditivos de outros tubos
aditivos
5 Tubos de plástico para soro, com Amarela ou vermelha Devem ser preenchidos após os tubos de coagulação,
ativador de coágulo, com ou sem pois as partículas de sílica ativam a coagulação e alteram
gel separador os seus testes
6 Tubos com heparina com ou sem Verde A heparina altera os testes de coagulação e interfere na
gel separador de plasma obtenção de soro
7 Tubos com EDTA Roxa O EDTA é o maior responsável por problemas de arraste.
Eleva os resultados de TP e o TTPa. Diminui os níveis de ferro
8 Tubos com oxalato/fluoreto de sódio Cinza Aumenta os níveis de sódio e de potássio e altera a
morfologia dos eritrócitos
VHS, velocidade de hemossedimentação; EDTA, ácido etilenodiaminotetracético; TP, tempo de protrombina; TTPa, tempo de tromboplastina
parcial ativada.
Fonte: Adaptada de McCall e Tankersley10 e Clinical and Laboratory Standards Institute.14
e outros quando refrigerados a 4 °C. Portanto, sanguíneas realizadas a partir de amostras coleta-
para que resultados equivocados não sejam gera- das com heparina apresentam uma coloração de
dos e liberados, deve-se evitar analisar amostras fundo avermelhada, e as bordas celulares ficam
além de 24 horas de armazenamento, indepen- realçadasna mesma cor. A heparina inibe a ativi-
dentemente da temperatura. dade enzimática e não deve ser utilizada na técni-
Longos períodos de armazenamento das amos- ca de reação em cadeia da polimerase (PCR) com
tras coletadas em EDTA provocam mudanças sig- enzimas de restrição. Recomenda-se utilizar a
nificativas na morfologia das células sanguíneas. heparina na concentração de 10 a 30 U/mL de
Os neutrófilos podem apresentar mudanças no nú- sangue.4,11
cleo, o qual se cora mais homogeneamente que em
Citrato de sódio
sangue fresco, tornando-se, às vezes, picnóticos e
O anticoagulante de escolha para o estudo dos fa-
apresentando figuras de cariorréxis. Pode-se ain-
tores da coagulação é o citrato de sódio (tubo com
da observar margens celulares irregulares e me-
tampa azul). A Organização Mundial de Saúde
nos definidas, e alguns vacúolos podem aparecer
(OMS) e o documento H21-A5 do CLSI12 reco-
no citoplasma. Os monócitos e os linfócitos so-
mendam o uso do citrato de sódio 3,2% (109
frem mudanças semelhantes, podendo apresentar
mmol/l), com o citrato na forma di-hidratada
pequenos vacúolos citoplasmáticos e lobulação
(Na 3C 6H5O7.2H 2O), em vez do citrato de sódio
irregular do núcleo.4,19
3,8% (129 mmol/l), embora ambos sejam adequa-
Já os eritrócitos podem apresentar crenação e
dos para os testes de coagulação.12,22 Para reduzir
esferotização após longos períodos de armazena-
a variabilidade nos testes de coagulação, os labo-
mento em contato com o EDTA. Todas as altera-
ratórios devem padronizar a concentração do ci-
ções morfológicas citadas anteriormente dimi-
trato e utilizar valores de referência apropriados
nuem quando a amostra é mantida a 4 °C, mas
para a concentração utilizada. O tempo para a
não são eliminadas, tornando imprescindível a
formação do coágulo in vitro tende a ser maior na
confecção de extensões sanguíneas o mais breve
presença do citrato 3,8% do que na do 3,2% pelo
possível após a coleta da amostra. Trabalhos suge-
fato de que quanto maior a concentração de citra-
rem que um atraso de 3 horas na confecção da ex-
to, mais cálcio adicionado no ensaio será quelado,
tensão é permitido sem maiores interferências.4,19
o qual se torna menos disponível para possibilitar
O fato de laboratórios utilizarem diferentes
a formação do coágulo. Laboratórios de apoio que
formas de EDTA pode, em alguns casos, dificultar
recebem amostras aliquotadas de plasma congela-
a comparabilidade de resultados. Esse erro é agra-
do devem ficar em alerta para a possibilidade des-
vado pelo fato de que, algumas vezes, pouco cui-
sas amostras terem sido coletadas com outros an-
dado é despendido para garantir a proporção cor-
ticoagulantes, uma vez que o EDTA e a heparina
reta de sangue/anticoagulante na amostra.
alteram os testes de coagulação.
Heparina A relação sangue/anticoagulante é de 1:9, uma
A heparina é um mucopolissacarídeo com carac- parte de anticoagulante para 9 partes de sangue. O
terísticas ácidas e exerce ação anticoagulante por citrato de sódio exerce sua atividade anticoagulante
ser um inibidor da molécula de antitrombina. devido à sua habilidade em quelar o cálcio, o qual é
Consequentemente, acelera a inibição dos fatores um componente fundamental para formação do
Xa, IXa e trombina. A heparina está disponível na coágulo. Tubos preenchidos com sangue em níveis
forma de sais de lítio, sódio e amônio. Ela preserva abaixo do volume adequado possuem proporção
a forma e o volume dos eritrócitos e é usada em aumentada de citrato em relação ao sangue, o que
vários testes que avaliam a série vermelha, sendo o permite aumentar a quelação de cálcio e pode levar
anticoagulante de escolha para a realização do a um aumento dos testes de coagulação. Tubos sub-
teste de fragilidade osmótica, além de ser o mais preenchidos com sangue em citrato 3,8% são mais
adequado para a imunofenotipagem por manter propensos à prolongação do tempo dos testes de
os leucócitos viáveis de um dia para o outro. A he- coagulação que aqueles com citrato 3,2%, pelo fato
parina não é adequada para o hemograma devido de que quanto maior for a concentração de citrato,
ao fato de induzir aglutinação de leucócitos e pla- mais cálcio adicionado ao ensaio será quelado. Tu-
quetas. Outra contraindicação é que as extensões bos subpreenchidosmostram elevações significati-
vas dos resultados quando o volume for menor que C = (1,85 × 10 -3) × (100 – VG) × (V)
75 a 90% do recomendado.13,23
C = volume de citrato que deve permanecer no tubo
Tubos preenchidos com sangue além do volu-
VG = volume globular do paciente
me nominal do tubo podem limitar o procedimento V = volume de sangue que será coletado
de homogeneização da amostra, resultando em for- 1,85 × 10 -3 = constante da fórmula
mação de microcoágulos in vitro. É proibido com-
binar 2 amostras de citrato do mesmo paciente, Considerando o exemplo anterior:
pois pode levar à duplicação da concentração e an-
C = (1,85 × 10 -3) × (100 – 70) × (5)
ticoagulante além da diluição da amostra, prolon-
C = 0,27 mL de anticoagulante para um VG de 70%.
gando o tempo dos testes.
A relação sangue/anticoagulante de 9:1 é váli- No exemplo proposto, caso a quantidade de
da para valores de volume globular (VG) ou he- anticoagulante não seja corrigida, haverá um ex-
matócrito (HT) de 45%, com uma variação permi- cesso de 0,23 mL de anticoagulante, e esse excesso
tida entre 25 e 55%. Valores de VG ou HT abaixo presente no plasma coletado irá inibir o cálcio uti-
ou acima desta variação devem ter a quantidade lizado na realização do TP (tromboplastina cálci-
de anticoagulante corrigida, pois o citrato se dis- ca) e do TTPa (adição de CaCl 2). A inibição do
tribui apenas no plasma e não entra nas células. cálcio (combinado com o anticoagulante em ex-
Amostras com VG > 55% mimetizam os efeitos de cesso) fará com que aumente o resultado do TP e
tubos subpreenchidos devido à menor quantidade do TTP. Caso o VG do paciente esteja abaixo da
de plasma disponível. Para exemplificar como variação permitida, haverá falta de anticoagulan-
deve ser feita a correção do anticoagulante, pode- te, levando à formação de coágulos ou microcoá-
-se supor que o laboratório colete 4,5 mL de san- gulos, ativando ou consumindo os fatores da coa-
gue para 0,5 mL de anticoagulante (relação 1:9). gulação, com resultados para mais ou para menos
Para um VG de 45%, tem-se 55 mL de plas- do valor real. Na prática, observa-se que VG abai-
ma em 100 mL de sangue total. Então: xo da variação não tem o resultado tão alterado,
55 mL de plasma .............. 100 mL de sangue total (VG 45%) mas valores acima da variação mostram resulta-
x mL de plasma .................................. 4,5 mL de sangue total dos bastante alterados. Sempre que o valor do VG
estiver fora da variação permitida, a quantidade
x = 2,475 mL de plasma em 4,5 mL de sangue total de anticoagulante deve ser corrigida.
para um VG de 45%.
O correto seria que, antes de coletar sangue
Caso o paciente tenha um VG de 70%, terá para TP ou TTPa, fosse feito o VG ou HT do pa-
30 mL de plasma. Então: ciente e, posteriormente, o sangue citratado fosse
30 mL de plasma .............. 100 mL de sangue total (VG 70%) coletado na relação correta. Como esse procedi-
x mL de plasma .................................. 4,5 mL de sangue total mento é inviável na rotina laboratorial, deve ser
padronizado que, após a centrifugação da amos-
x = 1,35 mL de plasma em 4,5 mL de sangue total tra sanguínea, seja avaliada a relação dos eritróci-
para um VG de 70%. tos sedimentados pelo plasma. É fácil evidenciar a
Deve ser utilizado 0,5 mL de anticoagulante quantidade de plasma com relação aos eritrócitos
para 2,475 mL de plasma (VG = 45%). O paciente quando o VG está abaixo de 25 ou acima de 55%.
em questão tem 1,35 mL de plasma; portanto, Caso tenha sido solicitado hemograma do pacien-
não pode ser utilizada a mesma quantidade de te, sabe-se qual o valor do VG e se a quantidade de
anticoagulante. A correção é feita pelo seguinte anticoagulante deve ou não ser corrigida. Caso
cálculo: haja necessidade de corrigir a quantidade de anti-
0,5 mL de anticoagulante ...... 2,475 mL de plasma (VG 45%) coagulante, uma recoleta deve ser solicitada.
x mL de anticoagulante ............ 1,35 mL de plasma (VG 70%) Uma maneira simples de superar os efeitos do
citrato nas amostras com VG elevado, consideran-
x = 0,27 mL de anticoagulante para um VG de 70%. do que, na maioria das vezes, as amostras apresen-
Conforme documento H21-A5 do CLSI,12 tam VG entre 55 e 65%, é remover 20% do volume
amostras com VG acima de 55% também podem de citrato de sódio contido no tubo de coleta.
ter a quantidade de citrato corrigida pela seguinte O tempo entre a coleta e a análise depende do
fórmula: exame a ser realizado e da temperatura de arma-
zenamento. A Tabela 1.2 contém o tempo de ar- As amostras devem ser transportadas para o labo-
mazenamento dos principais exames de acordo ratório o mais rápido possível, mas caso não se-
com a temperatura. jam, elas devem ser fixadas com metanol a fim de
Os cuidados pré-analíticos são críticos para preservar as características intrínsecas de cada
manter a integridade da amostra e a qualidade dos tipo celular.25 No Capítulo 3, Fase analítica: Aná-
resultados em hemostasia. O Quadro 1.3 resume lise morfológica do sangue periférico e sua corre-
informações sobre fontes de erro pré-analítico e lação com o hemograma, estão descritas as técni-
condições que tornam a amostra ideal ou não. cas de confecção e coloração das lâminas.
TABELA 1.2 Tempo de armazenamento dos principais testes de coagulação conforme a temperatura
EXAME TEMPERATURA AMBIENTE 2 A 8 OC –20 OC
TP 24 h, centrifugado ou não Não armazenar 2 semanas
TTPa 4h 4h 2 semanas
TT 4h Não armazenar 2 semanas
Fibrinogênio 24 h, se centrifugado Não armazenar, pois o fibrinogênio pode precipitar 2 semanas
Proteína C e S 4h Não armazenar 6 meses
Fatores Nunca armazenar em temperatura ambiente Não armazenar 2 semanas
Fonte: Adaptada de Adcock13 e Medeiros Jr e Munhoz.24
mantidas em temperatura ambiente e em até 24 ho- entanto, saídas de água dos eritrócitos junto com a
ras se armazenadas entre 2 e 8 °C.19,26 O docu- glicose restauram o VCM original. Esse efeito hi-
mento H18-A4 do CLSI 27 descreve detalhada- poglicêmico transitório pode ser superado por
mente os procedimentos para o manuseio e uma microdiluição da amostra de sangue em solu-
transporte de amostras de diagnóstico. Na he- ção salina e uma espera de 5 minutos até a amostra
matologia, é fundamental respeitar principal- ser analisada novamente.
mente as temperaturas de transporte a fim de não Hiperlipidemias, incluindo níveis de triglice-
alterar os fatores da coagulação e não degenerar as rideos superiores a 1.000 mg/dL podem provocar
células sanguíneas.8,27 aumento espúrio da concentração de hemoglobina
nos analisadores hematológicos pelo fato de ela ser
CENTRIFUGAÇÃO determinada por espectrofotometria. Esse efeito
Recomenda-se que o tempo entre a coleta e a cen- pode ser superado por meio de centrifugação da
trifugação não ultrapasse uma hora. Como a amostra, retirada do plasma lipêmico e subse-
maioria dos exames de coagulação é realizada em quente ressuspensão do concentrado ou papa de
amostras de plasma pobre em plaquetas, com con- hemácias em igual volume de soro fisiológico ou
diluente do equipamento antes da análise. Após
centração de plaquetas no plasma inferior a
essa análise, considera-se apenas o novo valor de
10.000/µL, torna-se necessário verificar periodi-
hemoglobina e recalcula-se as constantes corpus-
camente o funcionamento da centrífuga. Para
culares (HCM e CHCM). Quanto aos demais pa-
essa verificação, deve-se selecionar algumas
râmetros, como contagem de eritrócitos, leucóci-
amostras da rotina e fazer a contagem de plaque-
tos e plaquetas e o volume globular, mantêm-se os
tas antes e depois da centrifugação. Após a centri-
valores da primeira análise, com a amostra ainda
fugação, todas as amostras devem ter menos de lipêmica, pelo fato de poderem ser alterados com a
10.000 plaquetas/µL, mas caso apresentem resul- manipulação da amostra para a dosagem da he-
tados superiores, deve-se aumentar o tempo de moglobina corrigida. A seguinte fórmula também
centrifugação ou ajustar as configurações da cen- pode ser utilizada para a correção da hemoglobina
trífuga a fim de se obter plasmas pobres em pla- em amostras lipêmicas; contudo, ela só funciona
quetas adequados para se realizar os testes de coa- para amostras com VCM dentro dos valores de re-
gulação. O estudo deve ser repetido após ajuste ou ferência. Da mesma maneira, a hemoglobina cor-
redefinição do tempo de centrifugação para ga- rigida substitui a antiga e recalcula-se as constan-
rantir a sua efetividade. A velocidade de centrifu- tes corpusculares (HCM e CHCM):
gação sugerida para gerar plasmas adequados é de
1500g durante 15 minutos ou mais.24,28 VCM (dentro dos valores
Hemoglobina de referência) × RBC
=
VARIÁVEIS ENDÓGENAS corrigida 2,98 × 10
VCM = volume corpuscular médio
MEDICAMENTOS E ANALITOS
RBC = eritrócitos (do inglês red blood cells)
Vários medicamentos como anti-inflamatórios,
anticoagulantes orais, antirretrovirais, entre ou- A turbidez resultante da precipitação de pro-
tros, interferem nos exames hematológicos, e, por teínas monoclonais, vista em pacientes com mie-
isso, o paciente deve ser questionado quanto ao uso loma ou macroglobulinemia, pode falsamente
de medicamentos eventuais ou crônicos e a forma elevar a concentração de hemoglobina e a conta-
de administração. O laboratório deve estabelecer gem de leucócitos e, em alguns casos, com precipi-
um protocolo de questionamentos a ser respondi- tação intensa e com gelificação das amostras, im-
do pelo paciente. O preenchimento correto desse possibilita totalmente a análise automatizada.
protocolo fica a cargo da recepção do laboratório, a Aglutininas eritrocitárias, hiperglicemia,
qual deve estar capacitada para essa função. O au- fragmentação eritrocitária, contagens elevadas de
mento da concentração de uma substância quími- linfócitos, presença acentuada de plaquetas gigan-
ca pode afetar algumas determinações hematoló- tes, agregados plaquetários e microcitose intensa
gicas. Assim, níveis de glicose superiores a 600 mg/ provocam alterações espúrias da amplitude de
dL podem levar a um aumento transitório do VCM distribuição do tamanho dos eritrócitos (RDW,
na medida em que a água entra nos eritrócitos. No do inglês red blood cell distribution width).29-32