Ouvindo um barulho do vento, áspero como uma terra seca, frio como uma água recém tirrada

de um riacho, Enotré, o arlequim do reino de Mensongeur, refletia sobre mais uma semana de sua vida.

"Daqui parece um espetáculo bobo", fechou os olhos e riu, "bobo para um bobo da corte".

Do alto do monte em que meditava toda semana, às duas da tarde de uma terça feira apática,
como era comum naquele lugar, naquela época. Alguns diriam que é maluquice retirar-se no silêncio
num período mododrrento como esse, mas se esquecem de Enotré, e do papel que ele cumpre naquele
reino.

Todas as manhãs, Enotré, caminha de seus aposentos, coloca sua roupa arlequina, claro, depois
de comer, comer é uma atividade sagrada para ele. "Se quiser ser feliz coma quando tiver de comer, e
não coma quando tiver de fazer outra coisa, faça a outra coisa" Pensava enquanto comia. Ao colocar a
sua roupa, fiel para um bobo da corte, toda cheia de quadrados e circulos, e sóis e luas, e nuvens e
estrelas, com cores e não cores, com seda e veludo e juta para os bolsos, riu mais uma vez.

"Vejo mais do que todos os olhos desse reino".

O Rei usava tons roxos e amarelos, a rainha usava vermelhos e dourados também, afinal para
serem um deveriam ter algo em comum. A cor mais sagrada para eles, o dourado. Cor do sol, da seara,
do sal molhado, do suor nú diante da luz, do semeio contínuo ao fim do dia. Cor da vída em movimento.

Enotré não tinha espelho algum no seu quarto, o que ele era estava em sua roupa, parecia haver
nela tudo o que vivia, ou tudo o que via, Além de não querer criar uma artificial imagem dele para si
mesmo. Confuso? As pessoas precisam se ver não é? - Enotré dizia que para isso bastavam os rios que
sempre mudavam, mas permaneciam com a sua limpidez e reflexibilidade, a natureza dá tudo o que
homem precisa, "O espelho é o homem querendo dizer o que ele é para o mundo, sem perceber que o
verdadeiro espelho é o mundo e como ele reage as suas ações verdadeiras". - Talvez, mas a lógica, pode
ser um veneno para o louco se for a primeira coisa que ver ao acordar. Caso o contrário, o peso dela, se
não acolhida da forma certa pode destruir a beleza.