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YouTube e a Revolução Digital
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Chief Culture Ofϔicer
IDADE MÍDIA
A comunicação reinventada na escola
COLABORAÇÃO
Daniela Moreira
Fernando Rossetti
Ismar de Oliveira Soares
Marina Consolmagno
Sérgio Rizzo
Sylvio Ayala
Livro
CAPA Oliver Quinto
FOTO DA CAPA Eddu Ferraccioli/REPENSE
PESQUISA E ENTREVISTAS Caio Dib de Seixas
COPIDESQUE Débora Dutra Vieira
REVISÃO Hebe Ester Lucas
PROJETO GRÁFICO Neide Siqueira
EDITORAÇÃO Join Bureau
COORDENAÇÃO EDITORIAL Débora Dutra Vieira
Marcos Fernando de Barros Lima
DIREÇÃO EDITORIAL Adriano Fromer Piazzi
Blog
(http://livroidademidia.colband.blog.br)
DIREÇÃO Alexandre Le Voci Sayad
EDIÇÃO Caio Dib de Seixas
REPORTAGENS Caio Dib de Seixas
Julia Griebel
TECNOLOGIA Fabio Gondo
Vários colaboradores.
ISBN 978-85-7657-119-3
11-13310 CDD-371.1022
E dez minutos. Dizem que isso acontece quando as coisas andam bem.
Ou quando você envelhece. No caso, os dois.
Esta conquista educativa, que impactou a vida de tantos estudantes,
se deve muito à ousadia de Gilberto Dimenstein e Mauro Aguiar, inspira-
ções no campo da amizade e referências no trabalho.
Deve-se também ao esforço diário e à generosidade de Marina
Consolmagno, Pedro Fregoneze, Emerson Bento Pereira, Ricardo Aguirre,
Ricardo Birrer e Vanessa Crepaldi, a quem agradeço profundamente e de-
dico este trabalho.
Num tempo passado, semente das raízes do que faço hoje, impossível
me esquecer de Aléssio Toni e Laura Góes, que me izeram acreditar que
tinha algum talento, publicaram meus primeiros textos e me apresentaram
o “encanto da possibilidade”. Inesquecíveis são também Percy da Silva e
Michel Metzger, que me ensinaram a gostar mais de literatura, de escrever
e a aproveitar melhor a tecnologia.
Pelo tempo existencial (kairós) e paciência pedagógica, a Vanessa
Brandão. Por ter “segurado a onda” quando foi preciso, a Cassiano Pimentel.
E, especialmente, ofereço cada palavra deste livro a todos os estu-
dantes do Idade Mídia, que são os donos da bola e do projeto e que, sobre-
tudo, ousaram ser tolos junto comigo.
APRESENTAÇÃO
A COMUNICAÇÃO COMO
INOVAÇÃO NA ESCOLA
Por Gilberto Dimenstein
O que está escrito aqui não é apenas uma teoria, mas o relato de uma
experiência, com nome e cara, assentada numa visão de aprendizagem.
Mistura-se o vivo tom da reportagem com o olhar pedagógico.
O resultado certamente mostrará aos educadores como o uso da co-
municação na escola garante ao estudante o bem mais precioso da apren-
dizagem: a autonomia de aprender e a crença na capacidade de realizar.
por fazer o Idade Mídia durar e consolidar-se como pioneiro em sua área
entre os colégios de São Paulo; por mantê-lo vivo. E manter-se vivo signi ica,
para o projeto, manter-se sempre desejado nos corações e mentes dos es-
tudantes (daí a inspiração para a epígrafe desta primeira parte do livro).
Essa história desenhou-se permanentemente interpelada por bar-
reiras e desa ios. O primeiro, dos grandes, que encarei quando assumi o
Idade Mídia, foi minha própria idade. Então com 25 anos, me vi frente a
uma turma de estudantes, na mais so isticada escola de São Paulo, ávida
por algo que nem eu mesmo sabia o quê.
Trabalhar com comunicação junto a jovens era um tema familiar, mas
não no ensino formal. Eu já havia dado o pontapé inicial e ajudava a pensar
uma organização importante na educação não formal, a Cidade Escola
Aprendiz. Ou seja, tinha alguma vivência na área; lia muito sobre o tema,
era curioso e destemidamente ousado – características da minha própria
juventude à época.
Poderia começar aqui um belo romance épico sobre o nascimento do
Idade Mídia no Colégio Bandeirantes. Mas, revirando minhas recordações,
a história verdadeira mais se parece com um ilme roteirizado por Woody
Allen e dirigido por Win Wenders. Cômica, com grandes lacunas de silêncio,
e sempre em busca de signi icado.
Foi numa segunda-feira, após um feriado de Páscoa, em 2002, que o
jornalista e amigo Gilberto Dimenstein, sem mesmo me dizer “alô”, pontuou
ao telefone: “É hoje, hein!”. A frase navegou a esmo na minha mente procu-
rando signi icado ou outra sentença que pudesses completá-la, mas foi em vão.
Segundo me relatou, anos depois, ele teria previamente me avisado
da possibilidade de implementação de um curso de comunicação no Colégio
Bandeirantes. Não que eu me lembre. Nas camadas da cebola que descasco
em minha memória, fui chamado uma hora antes a assumir uma aula sobre
a qual fazia pouca ideia do que tratar. Posteriormente, soube que o curso
havia sido demandado por um grupo de estudantes, entre eles a hoje jor-
nalista Ana Luisa Westphalen, que participou da turma inaugural.
Pode parecer errado admitir que o imprevisto deva fazer parte do
universo da escola, mas o fato é que faz – e pretendo mostrar que isso pode
ajudar a educação.
A indelével linha tênue entre o destino que construímos e o acaso
que nos é oferecido fez parte do meu percurso até chegar ao Bandeirantes:
fui um estudante de jornalismo mais propenso a largar tudo pela psicologia
O garoto e os hipopótamos
ria do vestibular e mesmo à disciplina. “Gostava muito das escolas. Adoro o conheci-
mento. Amo ciências e coleciono livros de biologia até hoje. Mas sempre me mantive
alheio às questões do vestibular, a contragosto de pais e professores, e no ensino fun-
damental era um solitário”, contou, meio sem jeito.
Foi em uma dessas escolas que Stefano iniciou sua obsessão por desenhos de ani-
mais. No jornal do grêmio (outro importante espaço de criação para ele), mantinha uma
coluna que incentivava professores e estudantes a desenharem um porquinho – um
sucesso quando o jornal começava a circular. Em outra, o Horóscopo do Macarrão, o
irônico estudante relacionava características dos signos do zodíaco aos diferentes tipos
de massa – fusili, spaguetti, penne etc.
Com uma trajetória inusitada e irregular na sua formação, Stefano estuda hoje na
USP. E tem todas as qualidades para circular por qualquer área profissional e artística
que desejar – entrar e sair livremente –, porque, o que de fato foi construído no seu
processo educativo, foi uma identidade própria e uma maneira peculiar e muito profun-
da de ver o mundo.
Eu pensava que não me surpreenderia mais durante o bate-papo informal que deu
origem a esta coluna, até Stefano mencionar seus planos. Um documentário sobre a
vida de Mendel, pai da genética, está entre eles. “Gregor Mendel era um plantador de
ervilhas e, por isso, descobriu o código genético. Tem história mais interessante que
essa?”, indagou.
“Para mim, só mesmo a sua”, respondi.
CENÁRIOS
Q ção, seu apogeu poderá ser identi icado no que aconteceu com a
saudita Raniya Almahozi, de 24 anos. Reprimida pelo regime ultra-
conservador de seu país, que proíbe as mulheres de dirigir um automóvel,
ela conseguiu o que parecia impossível: estimulou, por meio da comuni-
cação, suas compatriotas a lutarem pelo direito de levar seus ilhos à es-
cola de carro.
Raniya tirou sua habilitação no Bahrein e, por meio do canal de dis-
tribuição de vídeos YouTube, apareceu guiando seu carro na cidade de
Qatif, Arábia Saudita. A ação estimulou outras mulheres a fazer o mesmo.
O vídeo, que teve mais de cem mil acessos em poucos dias, gerou repercus-
são mundial e fez de Raniya uma ativista social que encontrou na comuni-
cação seu principal instrumento de expressão e aliada.
Em 2002, quando o Idade Mídia começou a se desenvolver, a internet
era pré-adolescente em nosso país, onde começou a funcionar comercial-
mente por volta de 1996; ninguém sabia ainda para onde iria aquela nova
mídia, que parecia apenas convergir todas as outras sem propor nada di-
ferente. Mas, de alguma maneira, casos como o de Raniya pareciam inevi-
táveis de acontecer num futuro próximo.
A proposta de levar a comunicação à sala de aula não poderia ignorar,
já naquela época, o fato de que produzir conteúdo era muito mais fácil
então do que alguns anos atrás; a rede abria espaços para todos nos tor-
narmos emissores de informação, e não meros receptores. Os blogs come-
çavam a virar febre, e os e-mails muitas vezes ganhavam contornos de
A crise de identidade da TV
Dentro dos caminhos que a TV traça, entre o formato digital e a internet, o YouTube,
acaba de abrir um espaço exclusivo para o debate político: o CitizenTube (http://www.
youtube.com/profile?user=citizentube). No começo, a política americana dominou o
canal, mas hoje já é possível assistir a vídeos sobre diversas questões da política mun-
dial, inclusive a latino-americana. Isso sem contar os movimentos que se proliferam
misturando educação e comunicação.
Enquanto soldados ocupavam os estúdios da RCTV, a educadora Milena Szafir circu-
lava com seu projeto “Manifeste-se” pelas ruas da Vila Brasilândia, zona sul de São
Paulo. Trata-se de um carrinho, tipo de pipoqueiro, que é na verdade uma estação móvel
de transmissão para a internet. Por meio de câmeras e microfones, é possível gravar e
transmitir ao vivo pela web depoimentos e reportagens.
Nos Estados Unidos, analistas de mídia já estão criando suas costumeiras estratégias
para articular lobbies com as grandes e tradicionais Fox News, CNN e Bloomberg, em
virtude das eleições presidenciais de 2008. Entretanto, muitos deles já manifestaram sua
preocupação com a nova TV e com portais do tipo YouTube.
Como controlá-los? Intimidando os milhões de usuários-cidadãos-repórteres que
postam conteúdos? No caso, a única inspiração possível (e terrível) vem da China, que
censura a internet há anos. Mas as leis de mercado, liberais e sedentas por consumido-
res, já estão forçando os líderes chineses a repensar seus conceitos democráticos.
Fica mais do que claro, então, porque o legado do Idade Mídia na vida
de seus alunos se ampliaria muito se, além dessa já conhecida análise e
crítica da comunicação, o jovem pudesse de fato interferir no sistema de
comunicação. Nesse panorama, o exercício da cidadania passa pela expres-
são, pelo direito do jovem de se comunicar e intervir nos canais de poder
com sua própria voz. E foi justamente por esse viés que o curso encontrou
seu alicerce e o diferencial em relação a outras experiências: a produção de
comunicação autêntica, feita integralmente pelos jovens. Uma proposta
para além da leitura crítica da mídia.
Mas a educação estava pronta para isso em 2002?
A resposta é simples: não. Para seguir em frente, o Idade Mídia teve
de desa iar mitos que a educação, seus estudiosos e, sobretudo, as institui-
ções tendem a perpetuar, sem discussão. Muitas vezes, essas questões pa-
recem estagnadas no ambiente educacional enquanto a sociedade se
transforma velozmente – como no caso da saudita Ranyia. Seu manifesto
foi bem-sucedido graças a seu domínio da comunicação e à consciência em
relação a seus direitos, garantidos nas convenções internacionais – a quem
deveria caber essa formação senão à escola? Esses fatos, somados à extrema
tradição religiosa muçulmana impregnada nas questões de um Estado não
laico, engrandecem ainda mais a conquista da ativista.
Quando falamos em uma experiência de comunicação dessa natureza,
é muito importante não nos apressarmos em rotulá-la, por mais óbvio que
possa soar. O universo educativo utiliza-se de tecnologia de forma burocrá-
tica, ou mesmo funcionalista; quando uma nova experiência desponta, é
comum que seja categorizada como outras surgidas anteriormente – e que,
neste caso, não lhe dizem respeito.
O Idade Mídia pode ser de inido, por im, como uma metodologia em
comunicação e educação, com foco na expressão do estudante. A vivência
de um ano inclui a ampliação de seu repertório cultural e de sua rede de
contatos sociais, a apropriação dos veículos de comunicação e a produção
original de mídia. Trata-se de um espaço transdisciplinar de cidadania, cria-
tividade e expressão; um laboratório de comunicação à disposição dos es-
tudantes para que eles, sobretudo, criem.
A cada ano, um grupo de vinte jovens ajuda a construir as bases para
o programa, de acordo com seus interesses e com as novidades no campo
da comunicação. Isso fez com que o curso pouco se repetisse em aulas e
temas, e mantivesse sua metodologia aberta à velocidade das transforma-
ções na sociedade.
Exemplo dessa transformação anual aconteceu em 2008, quando as
eleições municipais pautaram a mídia e a agenda política das cidades, as-
sunto que não poderia ser ignorado. Assim, o Idade Mídia aproveitou o
gancho para relacionar toda experiência do ano à discussão da formação e
desenvolvimento da cidade de São Paulo, que foi esmiuçada pelos alunos.
Eles tiveram, por exemplo, a chance de conversar com todos os can-
didatos graças aos debates realizados em parceria com o colégio. Por im,
publicaram a revista Maquete, cujas pautas abordavam uma “nova cidade
e seus desa ios”, como a recente imigração de bolivianos e croatas e os mais
inovadores estilos arquitetônicos presentes na plástica urbana.
Ao longo do programa, ao mesmo tempo em que conversam com
pro issionais das mais diversas áreas, os alunos conhecem espaços de co-
municação, aprofundam-se em conteúdos especí icos e tratam de projetar,
produzir e lançar um produto de comunicação (seja uma revista, um pro-
grama de rádio, um programa de televisão, um documentário, um fanzine
ou um projeto on-line). Também mantêm um blog ativo com desenvolvi-
mento semanal de artigos, além de outros produtos que são construídos
durante esse período.
1. COMUNICAÇÃO
A era da criatividade
ser boa e ruim ao mesmo tempo. Aliás, essa colocação, a princípio, é considerada um
“erro” sob a ótica da educação formal.
Perceber que somos todos “obras em progresso”, e que opiniões podem ser cons-
truídas e destruídas quantas vezes forem necessárias, demanda, primeiramente, abrir a
escuta para a voz dos próprios estudantes. Daí a constatação de que os trabalhos que
envolvem produção de mídia em escola costumam dar mais vazão a essas questões.
Exemplo interessante é o blog Opinião, um instrumento que nasceu da vontade e
iniciativa dos alunos da área de Biológicas do Colégio Bandeirantes, em São Paulo (SP),
e foi apoiado pela instituição. Por meio dele, qualquer tema pode ser abordado, discuti-
do e reconstruído. Tudo num tempo e espaço que não são os escolares.
Voltando a Hermano Vianna, o coautor do “Obra em Progresso” coloca as novas
tecnologias como condição fundamental da educação, da cultura e da participação social;
por esse e por outros projetos, ele vem sendo reconhecido como um antropólogo/educa-
dor. Na grande mídia, basta lembrar o programa Central da Periferia, da Rede Globo, e
todas as produções do gênero que o antecederam – e que têm a mão de Hermano em
sua concepção.
Na internet, o portal colaborativo de artes e comunicação Overmundo, também idea-
lizado por ele, é uma das formas mais interessantes de uso descentralizador da rede, em
que todos são colaboradores, educadores e educandos. São todos sim e não simultanea-
mente, como na vida real.
A não linearidade
Lembro-me de assistir à palestra de um pro issional de de uma
grande empresa, e ele levantava possibilidades de como lidar com a se-
guinte situação que se impunha: todos os funcionários, da recepcionista
aos diretores, agora tinham o mesmo acesso ao pronunciamento semanal
do presidente da companhia. O que antes era visto como sinal de poder
para alguns (“o presidente disse para mim em uma reunião...”) deixou de
ser privilégio. Todos passaram a receber um pequeno vídeo com a mensa-
gem do presidente, e ainda podiam enviar e-mails diretamente para ele com
perguntas, sugestões e dúvidas.
O barateamento das tecnologias facilitou o caminho, junto com a in-
ternet, para que nos tornássemos produtores de comunicação, e não só
receptores. O que era uma via de mão única transformou-se num desenho
mais complexo.
A essa teia viva e tridimensional dá-se o nome de rede. Uma sociedade
em rede acaba por democratizar e pulverizar o acesso à informação e à sua
produção – por consequência, há uma reestruturação de poder, como no caso
do presidente da empresa que ica mais próximo de todos os funcionários.
Emissor
Mensagem
Receptor
Figura 1a Figura 1b
A não informação
Efeito colateral da profusão de informação que corre pelos veios vir-
tuais da sociedade é a explosão de conteúdo que, a princípio, mais atrapalha
do que ajuda na construção de conhecimento: a chamada não informação.
A imagem romântica do jornalista que corre atrás da informação, por
exemplo, faz parte do passado – seu trabalho hoje é semelhante ao de um
garimpeiro numa montanha de lixo: achar e dar sentido ao que realmente
vale a pena. É o que defendem Bill Kovach e Tom Rosenstiel no livro Blur:
how to know what’s true in the age of information overload.
O arquiteto e estudioso da comunicação Richard Wurman – citado
na epígrafe que abre a Parte 2 deste livro – chegou a pesar a edição domi-
nical impressa do jornal The New York Times, que chegava a mais de cinco
quilos. Isso numa era pré-internet. Quem conseguiria lê-la na íntegra? Uma
edição desse tamanho (e peso) contém tanta não informação quanto a pró-
pria internet, e acaba mantendo em latência conteúdos que podem interes-
sar a inúmeras pessoas.
O termo “virtualidade” ganha signi icado quando imaginamos, por
exemplo, o conhecimento potencial armazenado por entre as estantes da
biblioteca do Congresso Americano. “Muito”, neste caso, pode facilmente
signi icar “pouco” se não houver conexões para capturar interesses espe-
cí icos e torná-los inteligíveis.
A criação de iltros próprios passa a ser, assim, uma demanda efetiva
de setores da sociedade. A vítima da epidemia da “ansiedade de informação”,
detectada por Wurman no início da internet, só pode ser curada com tais il-
tros. Não por acaso o Google é hoje uma das mais valiosas empresas do mundo.
Seu trabalho é, basicamente, guiar o internauta até o conteúdo que seja de
seu interesse, descartando a “não informação”. Ou seja, recortar e iltrar.
Complexidade da autoria
No mundo em rede e com profusão de criação e consumo de infor-
mação e cultura, “quem” inventou “o que” tornou-se uma das questões mais
complexas a ser enfrentada por empresários, inventores, advogados, pes-
quisadores e artistas.
O cineasta e escritor Arnaldo Jabor já desistiu de contar quantas ve-
zes negou a autoria de textos a ele atribuídos em e-mails que circularam
livremente. Mas a questão vai muito além da troca de autores.
Novo consumo
Em 2011, uma conhecida fabricante de sapatos passou por uma si-
tuação delicada. Depois de lançar uma coleção que utilizava peles exóticas
de animais em vários itens, a empresa recebeu uma enxurrada de críticas
na internet por meio das redes sociais. Com a repercussão negativa, re-
tirou os produtos das vitrines e simplesmente deixou de fabricá-los.
A “era da criatividade” tem forçado as empresas a se conectarem
mais intimamente com seus clientes, uma vez que conceitos como respon-
sabilidade social e sustentabilidade estão cada vez mais difundidos. Isso
tem exigido um esforço hercúleo do mundo corporativo no sentido de res-
ponder rapidamente a essas demandas.
Como consequência, há uma nova geração de empresas mais atenta
a princípios que podem elevar o valor de suas marcas ou até depreciá-las.
Toda informação chega mais rápido; as respostas, por sua vez, também
devem ser muito ágeis. Nasce um policiamento em tempo real cobrando
um comportamento responsável.
A propaganda e o marketing, por outro lado, têm-se diluído em nosso
dia a dia sem que percebamos; consumimos anúncios acreditando piamente
estarmos lendo uma reportagem. A dicotomia entre conteúdo e propaganda
foi muito clara durante anos, seja nos intervalos comerciais que separam
os blocos das novelas, seja nas páginas de uma revista. A prática do mer-
chandising chegava a ser tosca: a protagonista elogiando, num monólogo,
determinada marca de sabão em pó.
Hoje o cidadão encontra-se mais vulnerável. A rede social Facebook,
por exemplo, é a mais nova “América” para as agências de publicidade: uma
chance de ouro para transformar usuários em garotos-propaganda de ser-
viços e marcas – sem que eles sequer percebam.
Faça uma postagem elogiando o restaurante onde jantou no inal de
semana e você acaba por desencadear ativamente uma cadeia de marketing
viral. Anunciar sem ser percebido e camu lar marcas em conteúdo editorial
são a nova ordem do marketing.
A essa mistura conceitual somam-se novos hábitos de consumo que
nos tomam de surpresa a cada dia. Além de lojas de departamento e super-
mercados ísicos começarem a dar espaço para lojas virtuais, outras moda-
lidades de consumo testam os limites de liberdade e con iança do
internauta-consumidor, como as compras coletivas. Realidade nos Estados
Unidos, esta variante estabelece novos vínculos entre cidadão e empresa/
prestador de serviço – ainda não bem de inidos. O Brasil, com uma classe
média em ascensão, ávida por gastar, tende a se tornar o próximo labora-
tório de novas modalidades de compras e consumo.
2. JUVENTUDE
Pareceu-me um tiro que acertou o vaso quando se mirava o abajur, o livro The age
of American unreason, escrito pela norte-americana Susan Jacoby. Nele, a autora defen-
de haver, hoje, um desinteresse juvenil pelo conhecimento, a apatia de uma geração em
relação ao intelectualismo. Para Jacoby, os nerds ainda são hostilizados por representar
uma reserva cultural acima do cidadão médio.
O que a intelectual desconsidera é a forma como o conhecimento circula ou é orga-
nizado, que mudou muito da década de 1980 para cá. Quando pensamos num conheci-
mento estritamente acadêmico, cristalizado nos livros, a tese de Jacoby talvez faça um
pouco mais de sentido. Porém, outro tipo de conhecimento, menos robusto, mas tão
estimulador e relevante, passou a circular livremente entre jovens, crianças e adultos, e
nunca foi tão difundido e aproveitado quanto agora, na sociedade em rede. Misturado
com muita bobagem, admito. (Eis aqui um papel fundamental para a escola: ajudar a
separar as essencialidades.)
Isso não impede que, em outra embalagem, com outra velocidade e com a possibi-
lidade infinita de criação e interação, o conhecimento seja, sim, muito mais valorizado
que há dez anos. Por conta da internet, hoje é mais popular quem obtém primeiro a
informação, ou quem tem mais informação, seja sobre determinada música, um fato
político que acaba de acontecer ou até mesmo sobre as novidades do último game
lançado. Principalmente num grupo de amigos, o jovem que sabe mais é geralmente o
mais admirado.
plexa nas crianças de hoje em relação aos adultos. Para Tappscot, esta é
também uma geração mais esperta e rápida do que as anteriores.
Especialistas na área de recursos humanos têm quebrado a cabeça
para fazer com que os baby boomers (de 47 a 65 anos) e a chamada de
Geração (entre 31 e 46 anos) entendam a natural tendência de quebra de
hierarquia que os jovens atuais (conhecidos como Geração e Geração )
tendem a promover em um escritório, estimulando um trabalho mais cola-
borativo e desa iando tabus com mais rapidez e tranquilidade.
Como consequência, as empresas que têm foco na criação estão se
reorganizando organizacionalmente, pois perceberam que um ambiente
Quem passou a infância nos anos 1980 sabe o que os nerds significavam e como
viviam. Eram pouquíssimos, juntavam-se em grupinhos, eram virgens – na época, muitos
filmes americanos narravam a aventura da perda da virgindade de um nerd – e discri-
minados. Nerds era um termo pejorativo, para definir uma minoria.
Recentemente, estive presente em inúmeras feiras de ciência estudantis, nos Estados
Unidos – como a ISEF, que reúne mais de mil experimentos de todo o mundo – e na
América Latina, e fiquei impressionado em ver como os jovens cientistas namoram,
gostam de música, são integrados e valorizados por seus colegas mesmo que, even-
tualmente, tenham outras paixões.
Não é preciso ir tão longe. O Campus Party é um Woodstock do conhecimento. O
evento reuniu quatro mil jovens aficionados em tecnologia e cultura no Parque do Ibi-
rapuera, em São Paulo (SP). Passaram dias entre competições de robôs, de games, músi-
ca, paquera e troca de conhecimento.
O fato é que quem olhar para a juventude atual com as mesmas lentes que olhava
a juventude de outras épocas vai, a qualquer momento, acabar soltando a velha máxima
rabugenta “no meu tempo que era bom!”, e vai cometer um tremendo erro.
Os nerds foram minoria; agora, quem não tem assunto para uma conversa fica para
trás. Enfim, os nerds estão mortos. Vivam os nerds!
são tinha sido produzida por um extintor de incêndio que aparecia num
canto da tela, na mão de um contrarregra.
Os rapazes responsáveis pelo esquete chamavam-se Hermes e Re-
nato, e durante dez anos foram os líderes de audiência na . A história
de ascensão dos humoristas é simbólica com relação à Geração ; começa-
ram gravando cenas em roteirizadas e atuadas por eles mesmos, em
Petrópolis, Rio de Janeiro. Enviaram as itas para a e, em pouco tempo,
além de contratados, sustentavam as maiores audiências do YouTube e ti-
nham as mais lotadas comunidades de fãs na rede social Orkut. A média de
idade dos integrantes do grupo era de 20 anos.
Entre 2003 e 2010 não se falava em outra coisas a não ser os episó-
dios de Hermes e Renato entre os estudantes do Idade Mídia. Aos poucos,
dado o contato diário com os alunos, comecei a perceber que palavrões e
grosserias característicos da série eram parte da sátira: os roteiros mime-
tizavam as chanchadas do cinema “boca do lixo” produzido no Brasil nos
anos 1980, e a estética parodiava a própria cultura trash da programação
televisiva. Tratava-se de uma profunda crítica em forma de comédia.
Em pouco tempo, Hermes e Renato tornou-se também um programa
imperdível para mim e me ajudou – e muito – a entender as turmas com que
iria trabalhar nas escolas. Chegamos a trocar episódios raros por e-mail.
Para essa geração, o “fora de moda” tem a velocidade da luz. A nos-
talgia do passado, às vezes em forma de louvação (como às bandas dos anos
1980), ou como deboche e escatologia (como o Hermes e Renato), é uma
maneira de escancarar e brincar com essa absurda rapidez da obsolescên-
cia. Não por acaso, acompanhamos a explosão do chamado stand-up comedy
no Brasil, em sua maioria feito por jovens.
Separei alguns episódios antigos de Hermes e Renato no blog do livro,
que ajudam a ilustrar este capítulo e a entender melhor esse contexto
(http://livroidademidia.colband.blog.br).
3. EDUCAÇÃO
Um lagarto preguiçoso ao sol
As carteiras dos estudantes na posição de ouvintes em contraponto ao
pequeno palco onde reina o professor, detentor do saber, é um arranjo que
Transdisciplinaridade
O modelo francês, de herança fordista, que separa disciplinas em
“gavetas”, ainda impera hoje na coluna vertebral escolar: o currículo. O
termo, cujo signi icado em latim é caminho ou percurso, tem servido hoje
mais como um cabresto na integração das disciplinas e áreas do conheci-
mento do que como uma trilha a ser seguida. No entanto, muitos não en-
xergam problema algum em sua existência centenária e na forte in luência
que exerce ainda hoje.
Informatização
Quando a escola pública recebeu seus primeiros computadores em
rede, em 1996, eu era um jovem repórter da revista Educação. Fiquei pasmo
ao cobrir uma aula de informática numa escola estadual, na qual o profes-
Construtivismo
O educador suiço Jean Piaget deve estar se revirando no túmulo ao
perceber o esvaziamento que afeta sua teoria quando o assunto é educação.
A carga de transformação do movimento reformista da Escola Nova
– que Lev Vygotsky e outros tantos educadores deixaram de legado à nossa
sociedade – é notável e fundamental para um ensino de qualidade. Entre-
Professores preparados
A estudante Samantha Natacci, que cursou o Idade Mídia em 2005,
colocou em debate, durante uma reunião de pauta, o tema cosplay1, que
começara a surgir na mídia fortemente àquela época. Fiz o papel de media-
dor do debate, admitindo que não sabia do que se tratava. Corri para casa
a im de pesquisar. Usei da experiência para criar meu próprio lema de
educador, um tanto bem-humorado: “O dia em que eu não tiver curiosidade
sobre o que é cosplay ou qualquer outra novidade, desisto de dar aula”.
estudos e esforçar-se. Para quem não gosta de estudar (e acredito ser esta
uma vocação da qual nem todos compartilham), o Bandeirantes é uma pés-
sima opção. Os alunos do ensino médio, por exemplo, não são obrigados a
assistir às aulas, mas o fazem porque desenvolvem responsabilidade e
autonomia; sabem que, se desistirem, não vão chegar aonde desejam.
Toda a estrutura ísica acadêmica (rede de internet aberta a todos,
tablets e laptops livres para uso diário e bibliotecas com publicações de
todo o mundo) está disponível em tempo integral para os mais criativos
projetos de alunos e professores.
Foram tais condições que tornaram possível também a realização de
projetos do corpo docente, como o que mescla história da arte e iloso ia
– experiência desenvolvida pelo professor Régis Lima; ou como a proposta
estruturada pela professora Clarice Kelbert, que trabalha um amplo leque
de vivências em cidadania, e com a qual o Idade Mídia se identi icou inicial-
mente. O “Cidadão na Linha”, como foi chamado no princípio, foi um projeto
pioneiro em abrir as portas dessa importante discussão acerca da cidadania
e da educação, e acabou por inspirar uma série de outras experiências.
Mas devo admitir que o que mais me preocupava no início do Idade
Mídia era a autonomia em trabalhar editorialmente com os alunos temas
importantes, mas polêmicos – como drogas e sexualidade –, sem a interfe-
rência dos adultos.
Quando fechamos a primeira edição de nossa revista, As Fanzonas,
iquei em dúvida se submetia o material ao diretor Mauro Aguiar antes de
enviar os originais à grá ica. Na minha proposta de curso, a decisão de
publicar determinado conteúdo era integralmente dos estudantes.
“Claro que não devo ler antes!”, disse Mauro, meio inconformado com
a indagação. Naquele momento, percebi de initivamente que estava no lu-
gar certo, com as pessoas certas, para desenvolver um excelente projeto.