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Educação Inclusiva

Módulo Complementar
Aula 2

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO


SE 1 - Departamento de Ações Educacionais
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO
Silvia de Araújo Donnini

DEPARTAMENTO DE AÇÕES EDUCACIONAIS-SE 1


Nueli Olinda Quirino de Souza Vinturini
Patrícia dos Santos Vieira de Oliveira
Rosangela Alves Babinska

DIVISÃO DE ENSINO FUNDAMENTAL, EDUCAÇÃO INFANTIL E DE JOVENS E


ADULTOS- SE 11
Vanessa de Magalhães Pina

DIVISÃO DE SUPORTE AO ENSINO - SE 12


Regina Maura Mazzari Viegas

SEÇÃO DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES- SE 121


Rosa Maria Monsanto Glória

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA- NEAD


Kátia Raquel Viana

COORDENAÇÃO GERAL DO CURSO


Joseleine de Campos Gomes
Olga Kikue Takinami
PRODUÇÃO DE CONTEÚDO
Ana Maria Diniz Canet
Ana Paula Neves Lopes
Andrea Mariz de Medeiros Girardi
Bárbara Lobo Gonçalves Preto
Flávia Alves Lente
Juliana Pereira Lopes
Márcia Azevedo de Sousa Matumoto
Márcia Maria Maiole Carvalho
Maria de Fátima Neves da Silva
Talita Rodrigues da Silva
Colaboradora: Carla Silvestre

COPIDESQUE E DESIGN INSTRUCIONAL


Katia Raquel Viana
Vinicius Salermo de Lima

EDIÇÃO GRÁFICA E DESENVOLVIMENTO WEB


Vinicius Amorim Belli

ADMINISTRAÇÃO DE DADOS
Bárbara Paz Rodrigues Marques Trovão
Introdução

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
E , no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.
Cecília Meireles. Obra Poética.

Todo aluno, em seu percurso escolar, desenvolve-se a


partir de interações sociais que lhe permitirão apropriar-se
do conhecimento historicamente produzido e
sistematizado, bem como constituir sua singularidade.
Refletimos, na primeira aula, sobre o papel da escola e do
educador na garantia de direitos da criança e do
adolescente e agora podemos avançar um pouco mais
para compreender, que no processo de apropriação de
conhecimento, as ações intencionais do educador junto
aos alunos têm papel preponderante.
Mas que papel é esse? Como o educador, em sua
convivência cotidiana com os alunos, interfere nos
processos de aprendizagem e na constituição do
psiquismo da criança? Essas são algumas das perguntas
sobre as quais vamos refletir ao longo da Aula 2.

3
Iniciaremos nossa aula dialogando sobre o conceito de
mediação, que está relacionado às diferentes intervenções
realizadas pelos educadores visando a apropriação de
novos conhecimentos pelos alunos.
Este material foi produzido com a intenção de favorecer
o estudo de conceitos bastante complexos, sobre os quais
faremos algumas aproximações e os desdobramentos
destes conceitos nas ações cotidianas.
Boa aula!

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Mediação: o que é isso ?

Mediação?

Você já usou ou ouviu essa palavra


ao conversar com outros
educadores? A que significados
essa palavra te remete?

Muitas vezes, entre os profissionais que trabalham na


escola, o entendimento mais comum sobre a palavra
“mediação” costuma estar associado à ajuda que o
professor – ou um parceiro mais experiente – oferece aos
alunos nas atividades escolares. Vejamos o que comenta
uma estudiosa nessa temática:

“Entendida como sinônimo de ajuda empreendida


pelo professor na interação com o aluno, muitas
vezes a mediação parece se confundir com a imagem
da presença física do professor intervindo nas tarefas
que o estudante realiza.” (SFORNI, 2008, p. 1)

Há um outro sentido muito comum dado à palavra


“mediação” no campo da Educação e você já deve ter
ouvido falar sobre ele.
Pensemos sobre a seguinte situação: dois alunos
estão brigando no pátio da escola e logo começam a
chorar.
5
Ao perceber o
desentendimento e a
reação dos dois, o
que você faria?

Você poderia, entre outras ações, chamar os alunos,


acalmá-los, ouvir suas versões sobre o que aconteceu,
ajudar cada aluno a ouvir a versão do outro, ajudar os
alunos a encontrarem uma saída para aquele impasse ou
conflito. Essas intervenções costumam ser chamadas de
mediação, ou seja, um ato educativo que acontece depois
que uma situação conflitante ocorreu e que busca
restabelecer uma relação amigável ou, ao menos,
respeitosa entre aqueles que se desentenderam.

Mas mediação não é só


isso!

Vamos compreender, de forma mais precisa, o que


estamos chamando de mediação?

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Mediação na Teoria Histórico Cultural

Em diferentes teorias que tratam dos processos de


ensino e de aprendizagem, a palavra mediação assume
diferentes significados e importância.
Neste tópico vamos tratar de mediação tal como é
definida pela Teoria Histórico Cultural, cujo principal
representante é o psicólogo russo Lev Vygotsky,
importante referência no campo da Educação e também
uma das referências da Proposta Curricular de São
Bernardo do Campo.
SAIBA MAIS
Você sabia que Vygotsky é um nome russo e que
. existem várias formas de escrever seu nome? Sabe
porque isto acontece? No alfabeto russo existem 3
formas de "i". Há autores que escrevem Vigotski, outros
Vigotsky ou ainda Vygotski. Segundo o consultor Victor
Emilianovitch Selin se a tradução ocorresse fielmente
seria Vygotskiy. A forma de escrita mais utilizada no
Brasil é Vygotsky, em decorrência da influência das
tradições de língua inglesa.

Quer saber mais sobre Vygotsky?


Acesse
https://www.youtube.com/watch?v=B
S8o_B5M9Zs
Ou utilize o leitor de QR Codes do seu
smartphone:

7
Na teoria desenvolvida por Vygotsky e seus
colaboradores, o conceito de mediação tem um sentido
muito preciso e ocupa papel central na explicação sobre
como se dão os processos de aprendizagem e de
desenvolvimento e qual é a relação que se estabelece
entre eles.
Podemos afirmar, tal como indica Sforni (2008), que a
atividade mediada é condição para o desenvolvimento
humano. Veja como isso é sério e precisa ser considerado
em nossa atuação profissional na escola.
Ao longo de sua história, o homem cria, de forma
intencional, objetos que satisfazem suas necessidades, ao
mesmo tempo em que cria conhecimento sobre esses
objetos e sobre si mesmo. Dito de outra forma, ao mesmo
tempo que vai se apropriando de sua cultura, o homem a
modifica e modifica a si mesmo.
Vamos a um exemplo?
A partir de suas relações sociais, o homem teve
necessidade de desenvolver instrumentos que lhe
permitissem se comunicar com outros homens, mesmo
estando longe deles. Para isso, inventou o telefone. Com
base nos conhecimentos acumulados por gerações
anteriores, as gerações seguintes foram aperfeiçoando esse
objeto, de modo que ele sofresse transformações e
adquirisse, inclusive, novas funções. Haja visto os celulares
no tempo atual!

Veja estas fotos...

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Elas poderiam ter
sido feitas há 15
anos atrás?

É comum vermos crianças muito pequenas passando o


dedo sobre o celular para mudar a imagem da tela. Essa
ação foi apreendida a partir de muitas mediações
envolvendo a criança (sujeito de aprendizagem), o celular
(objeto de conhecimento) e os adultos (sujeitos que
dominam o objeto). A criança vai se apropriando, de forma
cada vez mais complexa, do uso desse objeto a ponto de,
quando adulta, a depender de oportunidades e de suas
motivações, poder desenvolver outras tecnologias ainda
mais evoluídas, a partir daquelas já criadas pelas gerações
que a antecederam. Assim avança a humanidade no
conhecimento.
Como, então, a criança chega
a fazer uso autônomo dos objetos
criados no contexto cultural?

Inserida em uma cultura, a criança aprende o uso de


muitos objetos. As mediações que permitem essa
apropriação nem sempre são intencionais, ainda que
estejam presentes nas diferentes relações sociais das quais
participa, pois a criança está inserida na cultura.

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Vamos tratar, mais especificamente, das mediações
realizadas pelos educadores no processo de aprendizagem
dos alunos.
A escola é a instituição incumbida, socialmente, da
tarefa de ensinar. Cabe a ela organizar os processos de
ensino na perspectiva de favorecer essa aprendizagem e,
para tanto, será necessário realizar uma série de
mediações, de forma intencional.
O educador, seja ele professor, auxiliar, inspetor ou outro
profissional que trabalhe na escola precisa saber o que
quer ensinar, planejando mediações que possibilitem à
criança apropriar-se dos diferentes conhecimentos que
compõem o currículo (autocuidado, cuidar de si e do outro,
cuidar do ambiente, comunicar desejos e necessidades,
grafar no papel, conhecer diferenças entre desenhos,
números e letras, dominar a produção de uma fábula,
compreender o funcionamento do corpo etc.).

Mas o que significa mediar?


Vamos pensar sobre como a criança aprende o uso de
um objeto relativamente simples de nossa cultura: uma
colher para se alimentar.
Vai uma colher aí?

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A colher é um objeto que possui um significado e uma
função em determinadas culturas.

...… mas não em todas!

Em cada cultura há formas específicas de preparar e


servir os alimentos, diferentes rituais para comer, talheres
diversos para levar o alimento à boca, etc. O hashi, por
exemplo, é um talher utilizado em países como Japão e
China. Há culturas em que há contato direto da mão com o
alimento. De acordo com essas especificidades no ato de
alimentar-se, ocorrem determinadas aprendizagens e
diferentes habilidades são desenvolvidas.
Em nossa cultura utilizamos talheres específicos para
nos alimentarmos, como o garfo, a faca e a colher. Nós os
apresentamos paulatinamente à criança, ou seja, só em
certo momento de seu desenvolvimento o bebê começa a
aprender, por exemplo, o uso da colher.
Quando um adulto apresenta a colher – ou qualquer
outro objeto – para um bebê, não está apenas

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apresentando um instrumento que lhe será útil em
determinadas situações. Mais que isso, está apresentando
uma diversidade de significados ligados a esse objeto na
cultura de que faz parte. Esse ato de transmissão e
inserção na cultura por meio da aprendizagem do uso de
um objeto inclui também a apropriação pela criança de
muitos elementos ligados ao desenvolvimento dessa
ferramenta: outros instrumentos e palavras relacionados a
ela; o conhecimento humano sobre as técnicas e os
materiais mais apropriados para produzi-la; as diferentes
necessidades humanas que ela atende etc.
Em síntese, a criança, ao aprender a usar a colher,
apropria-se também das objetivações humanas
presentes nesse objeto.
Você já tinha imaginado quanta aprendizagem existe
junto com o aprender comer com a colher?
Se é assim com uma colher, é assim também com
ideias, conhecimentos que circulam em sua cultura
transmitidos de uma geração a outra, com os
conhecimentos científicos constituídos pelas ciências
exatas, biológicas e humanas, com as produções artísticas
etc. Na aula 1, por exemplo, pudemos discutir as
conquistas humanas no campo dos direitos sociais e, mais
especificamente, no âmbito da proteção de crianças e
adolescentes. Tal como os objetos, a criança se apropria
dessas conquistas sociais e culturais por meio de
múltiplas mediações.

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Avançando nas Aprendizagens

Para entender melhor a relação entre mediação e


aprendizagem, voltemos ao exemplo da aprendizagem do
uso da colher feita pela criança pequena.

Vamos analisar o vídeo a seguir “Bebê Comendo


Com Garfo E Colher: Aprendendo A Manusear Os
Talheres!”. Nele você verá um bebê que ainda está
aprendendo a comer. O vídeo tem
aproximadamente 7 minutos, mas basta assistir os
4 primeiros minutos. Vamos a ele?Acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=KBV11Ywhhew
ou utilize o leitor de QR Code do seu Smartphone.

O que chamou sua atenção ao ver esse bebê


aprendendo a comer? Que instrumentos ele usa? Ele os
usou o tempo todo? Quais as ações que a mãe foi fazendo
enquanto ele comia? Além de comer, que trocas o bebê
fez com a mãe, com os instrumentos que estavam sendo
utilizados e com a comida?
A primeira ideia importante a destacar é que a criança
aprende em atividade. Um bebê não aprende a comer
apenas observando ou ouvindo as explicações da mãe.
Esse é um fator que contribui para a aprendizagem, mas
não é o único, pois aprender a comer com a colher
dependerá de outras mediações.

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Quando os adultos almoçam junto com a criança, por
exemplo, essa situação se constitui em um ato mediador
para a aprendizagem do uso da colher. Observando os
adultos de seu convívio comerem, a criança faz as
primeiras aproximações sobre como se usa esse objeto.
Entretanto, para apropriar-se do uso da colher, a criança
precisa fazer mais do que apenas observar. É necessário
que ela domine a ação motora que essa atividade exige.
Quando a mãe pega na mão do bebê e o ajuda no
manuseio da colher está fazendo uma mediação que
permite à criança se apropriar dos atos motores
envolvidos na manipulação desse objeto. Também há
momentos em que a mãe ou o educador deixa que a
criança use sozinha a colher, apostando que ela possa vir a
fazer uso autônomo desse instrumento.
Em síntese, a criança vai reorganizando seus
movimentos e ações em um progressivo domínio do uso
do instrumento até poder utilizá-lo de forma autônoma e
intencional, de acordo com a necessidade. Podemos dizer,
de outra forma, que um fenômeno que inicialmente era
externo à criança - o uso da colher pelos adultos com os
quais ela convive - passou a compor seu repertório motor
para o uso da colher; uma vez dominado externamente, o
manuseio da colher será internalizado enquanto
habilidade cognitiva.
Esse processo de apropriação individual de um
conhecimento social e sua incorporação como habilidade
cognitiva chamamos internalização.

14
Mais que isso, a criança será capaz de generalizar
essa aprendizagem, ou seja, dispor das ações e operações
empregadas para manusear a colher para usar outros
objetos, como o garfo e a faca, com os ajustes que cada
objeto exige, o que resultará no autodomínio de sua
conduta para realização dessas atividades. A
internalização, a generalização e finalmente o autodomínio
da conduta são momentos do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Esse progressivo domínio da criança não se dá apenas
em relação ao uso dos objetos, mas em relação à sua
representação mental, que são os signos.

Como assim?

Conforme Pasqualini e Tsuhako (2016):

O emprego de ferramentas é uma conquista decisiva


para o desenvolvimento psíquico pois a criança
passa a se relacionar com os objetos do mundo de
forma mediada. Vygotsky (2004) demonstra que o
uso de ferramentas ou instrumentos técnicos se faz
acompanhar, necessariamente, do uso de
instrumentos psicológicos, ou seja, de signos que
permitem ao homem dominar o próprio processo de
comportamento. (PASQUALINI e TSUHAKO, 2016, p.
125)

15
Portanto, assim como o domínio de ferramentas e
instrumentos permite à criança se relacionar com os
objetos da realidade de forma mediada, os signos, que são
imagens mentais (subjetivas) da realidade objetiva
compartilhada pelo grupo social em que vive, permitem ao
homem que se relacione com outros homens e conquiste
o autodomínio de sua conduta.
Os signos podem ser os mais variados:

Uma imagem... Um gesto... Um símbolo...


Entretanto, os signos mais importantes dos quais os
seres humanos se apropriam são as PALAVRAS. É pelo uso
da palavra que a relação com o ambiente social e cultural
passa a ser mediada. Por exemplo, se perguntarmos a um
grupo de pessoas o que cada uma imagina quando se fala
a palavra CADEIRA, essas pessoas serão capazes, mesmo
não estando na presença desse objeto, de o descreverem;
ainda que o objeto possa ser imaginado de formas
diferentes, a palavra CADEIRA remeterá todos a um
mesmo objeto, do ponto de vista de suas características
essenciais e função. Esse compartilhamento social do
significado da palavra permite ao homem organizar e
comunicar seu pensamento.

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Em síntese, é por meio da apropriação da palavra - e
da linguagem, de forma mais ampla - que a criança ganha
domínio de seu pensamento, a condição de comunicá-lo e
o próprio domínio de sua conduta. Sobre essa importante
aquisição, a construção da linguagem, falaremos mais
adiante, na aula 3.
Atentemos, agora, para outro aspecto relevante a
considerar quando falamos em mediação: por dominar o
uso do objeto, é o adulto/educador quem tem condição
de mediar sua apropriação pela criança. Ao ser
apresentado à colher, o bebê provavelmente teria uma
ação exploratória sobre esse objeto, pois é o que as
funções psíquicas que já construiu lhe permitiriam.
Essa ação só se amplia, com novas aprendizagens
sobre o uso e significado desse objeto, se houver a
mediação daqueles que já têm domínio de seu uso, sua
função e seus significados em suas formas mais
complexas. Isso vale para a aprendizagem do uso de
instrumentos, de objetos, para a fala, a leitura, a escrita e
tantas outras aprendizagens que conquistamos ao longo
da vida.

17
Cenas do cotidiano
Você com certeza reconhece algumas cenas no
cotidiano da escola que podem exemplificar o que
vimos sobre mediação ! Vamos considerar que as
mediações são feitas em diferentes ambientes
escolares, como sala de aula, pátio, banheiro,
refeitório etc. Você já deve ter feito alguma mediação
em situação escolar.
Pense na seguinte cena:

O aluno com dificuldades no


desenvolvimento motor está no refeitório e
tenta se servir de suco sem derramar na mesa.
Como pode ocorrer a mediação nesta
situação?

A mediação pode ocorrer de muitas formas:


com o educador alertando através da fala para que
ele preste atenção para não derramar; o educador
oferecendo o apoio necessário sobre a mão do
aluno que segura a jarra para que ele controle os
movimentos com ajuda; o educador que opta por
uma jarra menor para facilitar que o aluno consiga
se servir sozinho sem derramar e assim por diante.
Todas estas possibilidades auxiliam na
aprendizagem do aluno na situação de servir-se
sozinho de suco.

18
Zona de Desenvolvimento Próximo

Então qualquer desafio é bom


para a criança?

Vale lembrar que não se consegue aprender


qualquer coisa, em qualquer momento do
desenvolvimento. Seria possível a um bebê de 6 meses
fazer uso de um lápis? Ou uma criança de 1 ano e meio
narrar uma história?
Na convivência com a criança, podemos perceber
aquilo que ela já faz sozinha e aquilo que consegue fazer,
desde que tenha ajuda. Dito de outro modo, há um
período atual de desenvolvimento da criança (zona de
desenvolvimento real) que lhe permite fazer certas
tarefas, ao mesmo tempo em que há funções
psicológicas em maturação (zona de desenvolvimento
potencial) que, a partir de novas aprendizagens, sofrem
um salto qualitativo em direção a um período posterior
de desenvolvimento. Nas palavras de Chaiklin (2011, p.
666), “designarei essa constelação [...] composta pelo
período atual do desenvolvimento, pelas funções em
maturação e pelo próximo período etário como zona de
desenvolvimento próximo”.

19
Zona de Desenvolvimento Próximo?
Dá para explicar melhor?

Uma boa mediação consiste em intervir oferecendo


à criança recursos, instruções, experiências
justamente nesse momento/lugar em que as funções
psicológicas estão em processo de maturação e que se
manifesta por meio das aprendizagens que estão em
curso.

O resultado desse processo é a reorganização das


funções psicológicas superiores, ou seja, uma nova
possibilidade de aprendizagem produz, no sujeito,
condições para o desenvolvimento. A esse momento, em
que está em jogo a possibilidade dessas novas
organizações, mais complexas, é que Vygotsky chamou
de Zona de Desenvolvimento Próximo.

SAIBA MAIS

É comum, na literatura sobre Vygotsky, a tradução de


ZDP como Zona de Desenvolvimento Proximal. Neste
texto foi adotada referência bibliográfica que usa a
expressão Zona de Desenvolvimento Próximo, que
refere-se à tradução mais aproximada da expressão em
russo.

20
Cenas do Cotidiano
Novamente vamos pensar em cenas que
acontecem cotidianamente na escola para
compreender este conceito de zona de
desenvolvimento próximo.

Vamos pensar em uma cena onde um aluno


consegue realizar uma soma simples usando

+
estratégias próprias de cálculo, como contar nos
dedos ou contar com outros objetos, mas não
consegue chegar ao resultado utilizando a
técnica operatória de adição se não receber
ajuda do pai ou professor, por exemplo.

A zona de desenvolvimento real é a condição de


desenvolvimento que permite à criança realizar
certas atividades sozinha; no caso de nosso exemplo,
a realização de somas simples por meio estratégias
pessoais é uma atividade que está dentro da zona de
desenvolvimento real da criança.
Entretanto, percebemos que o uso da técnica
operatória ainda está em processo de apropriação por
essa criança, ou seja, ela consegue realizá-la, desde
que receba ajuda; podemos dizer que essa atividade,
que ela só realiza com ajuda está na zona de
desenvolvimento próximo. São a mediações que o
professor faz que permitirão à criança, aos poucos,
realizar essa atividade com autonomia, ampliando sua
zona de desenvolvimento real, ou seja, promovendo
desenvolvimento.

21
Funções Psicológicas Superiores

O que são funções


psicológicas?

Esse é um conceito bastante complexo. Podemos


dizer que as funções psicológicas superiores são funções
que diferenciam o psiquismo humano do psiquismo
animal, determinado biologicamente. O psiquismo
humano, tal como o psiquismo animal, tem uma base
biológica, mas diferencia-se por constituir-se pela
experiência social e cultural. As funções psicológicas.
superiores são, portanto, ferramentas cognitivas - ou seja,
da inteligência - que o homem desenvolve a partir das
aprendizagens que conquista em sua interação com o
meio cultural em que vive.

SAIBA MAIS

Você sabe quais são as Funções Psicológicas


Superiores?
A sensação, a percepção, a atenção, a
linguagem, o pensamento e a imaginação são
algumas das funções psicológicas superiores.

22
A mediação possibilita mudanças significativas nas
funções psicológicas, tornando-as mais complexas. Isso
significa que são geradas no indivíduo capacidades mais
amplas de ação; essas capacidades mais amplas, mais
complexas de ação é o que denominamos
desenvolvimento.
Aqui vale destacar mais um aspecto importante da
teoria de Vygotsky: é a aprendizagem que provoca
desenvolvimento, e não o contrário.
Daí a importância da mediação como motor dos
processos de aprendizagem e consequente
desenvolvimento.

E para alunos com deficiência, esses processos são os


mesmos?

23
Toda criança aprende do mesmo jeito, ainda que
tenha uma deficiência, seja ela intelectual ou não. A partir
dos desafios postos no meio social, seus progressos
cognitivos vão se tornando mais complexos para dar
respostas.

As mediações precisarão considerar a


especificidade de cada aluno e alguns recursos
para acesso ao conhecimento precisarão ser
disponibilizados. Uma criança que está aprendendo
a escrever pode precisar de recursos de apoio à
memória (uma placa com a escrita de seu nome, a
sequência alfabética, uma lista com nomes dos
colegas de classe etc.). Algumas crianças, com ou
sem deficiência, podem também precisar de um
tempo maior de uso desses recursos.

Alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA)


possuem peculiaridades na relação com o conhecimento.
Alguns possuem altas habilidades cognitivas, escrevendo
em outros idiomas além do seu, fazendo cálculos
complexos etc.. Para outros, o cuidado com a forma como
os desafios são oferecidos é necessário, pois, diante de
demandas mais complexas ou inesperadas, alguns
alunos podem se desorganizar emocionalmente.
Há crianças para quem a leitura e a escrita não fazem
sentido. Independentemente de cada uma dessas
situações, a oferta pedagógica cumpre um papel no

24
processo de cada um tornar-se sujeito e não pode ser
deixada de lado, sendo necessário considerar as
singularidades de cada um.
Tenha a criança uma paralisia cerebral, uma
deficiência múltipla, uma síndrome, uma deficiência
intelectual ou qualquer outra especificidade, seu
aprendizado ocorrerá a partir de mediações que serão
colocadas no seu meio cultural, considerando a zona de
desenvolvimento próximo, sendo que estas devem dispor
de apoios e recursos de acordo com a especificidade de
cada caso.

25
Consolidações

Bem, discutimos, no primeiro tópico desta aula, a


importância da mediação para os processos de
aprendizagem e desenvolvimento a partir do referencial
teórico de Vygotsky.
Vimos que o desenvolvimento, ou seja, a formação de
novas capacidades, tanto motoras quanto cognitivas, são
produto de aprendizagens conquistadas pela criança por
meio de sua atividade nos diferentes contextos da
cultura.
Discutimos o papel da mediação nesse processo, ou
seja, o modo como, na relação da criança com os objetos
do mundo, os atos mediadores de outros sujeitos, pais e
educadores, permitem que conhecimentos socialmente
constituídos passem a compor o repertório individual da
criança.
Refletimos sobre a importância de identificar desafios
possíveis para os alunos com os quais trabalhamos para
que possam ampliar suas aprendizagens, gerando novas
condições de desenvolvimento das funções psicológicas.
Conversamos ainda sobre os processos de
aprendizagem e desenvolvimento para alunos com
deficiência ressaltando que, embora com algumas
singularidades, tais processos ocorrem da mesma forma
para todas as crianças.

26
Os atos mediadores são fundamentais por toda a
vida, pois referem-se a apropriação de conhecimentos,
conceitos, atitudes etc, que todo sujeito constrói ao longo
de sua existência. Nas próximas aulas, trataremos de
algumas dessas importantes aquisições humanas. Você
poderá relacionar a reflexão que propusemos aqui à
situações em que estão em jogo a constituição psíquica
da criança, a apropriação da linguagem, o universo da
brincadeira e o uso de recursos que permitem que a
criança tenha acesso ao conhecimento e estabeleça
relações com seus pares e com adultos. Procure, ao
longo das próximas discussões, refletir sobre sua ação
mediadora diante da diversidade de situações e reflexões
que serão apresentadas a você.

Bom percurso!

27
Validando as Aprendizagens

Esperamos que você tenha conseguido perceber o


quanto sua atuação profissional na escola é importante
para a construção de conhecimento dos nossos alunos
por meio de suas mediações.
Para finalizar, convidamos você a assistir o vídeo
“Criança dançando break com o pai” , refletindo sobre
a relação com as temáticas desta aula.
Acesse o vídeo em
https://www.youtube.com/watch?v=FYU0Fb0JU84 , ou
utilize o leitor de QR Code do seu Smartphone.

A atividade de validação das aprendizagens desta


aula é um questionário e está disponível no ícone
TAREFAS deste curso na plataforma AVAMEC. Antes de
começar, certifique-se de ter visto cuidadosamente todo
o conteúdo desta aula.

ATENÇÃO:
Lembramos que ao acessar o QUESTIONÁRIO, o cronômetro da
plataforma é acionado e você terá 60 minutos para completar seu
envio. Caso saia do questionário, ou hajam interrupções no sinal de
internet e energia elétrica, o cronômetro continua contando o
tempo, não sendo possível responder depois, portanto
certifique-se de iniciar apenas quando for realizá-lo até o fim.

28
Referências Bibliográficas

CANAL MAMA MAMA. Bebê comendo com garfo e colher:


aprendendo a manusear os talheres. Youtube, s. d.
Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=KBV11Ywhhew>.
Acesso em: 30 mai. 2020.

CHAIKLIN, S. A zona de desenvolvimento próximo na


análise de Vigotski sobre Aprendizagem e Ensino. (Trad.:
Juliana Campregher Pasqualini). Psicologia em Estudo,
Maringá, v. 16, n. 4, p. 659-675, out./dez. 2011.

INSTITUTO CLARO. Pensadores na Educação: Vygotsky.


Youtube, s.d. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=BS8o_B5M9Zs>.
Acesso em: 30 mai. 2020.

SFORNI, M. S. F. Aprendizagem e desenvolvimento: o papel


da mediação. In: CAPELLINI, V. L. F.; MANZONI, R. (Org.).
Políticas Públicas, Práticas Pedagógicas e
Ensino-Aprendizagem: diferentes olhares sobre o processo
educacional. 1ª ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2008. In:
Disponível em:
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/
cursoobjetosaprendizagem/sforn_mediacao.pdf>. Acesso
em: 14 mai 2020.

UMASS BOSTON. Face Experiment: Dr. Edward Tronick.


Youtube, s.d. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=apzXGEbZht0>.

29
Acesso em 02 jun. 2020.

VÍDEOS ZAP ZAP. Criança dançando Break com o pai.


Youtube, s.d. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=FYU0Fb0JU84>.
Acesso em: 02 jun. 2020.

Imagens: https://publicdomainvectors.org e www.pixabay.com.br

30
NEAD- NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
htpc.online@saobernardo.sp.gov.br

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