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CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE HISTÓRIA
FORTALEZA
2017
RACHEL XIMENES AGUIAR
FORTALEZA
2017
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Ricardo e Ana Claudia Aguiar pelo apoio e suporte durante a
construção desta pesquisa.
Ao meu orientador, Prof. Antonio Luiz Macêdo e Silva Filho, pela paciência e
coragem de entrar no processo de escrita deste trabalho.
Ao meu namorado, Isac do Vale, pelas horas de leitura e revisão do conteúdo aqui
presente.
Aos professores participantes da Banca, Prof. Jailson Pereira da Silva e Prof.
Jawdat Abu-El-Haj, pela sua disponibilidade e colaboração.
À equipe da Coordenação de História da UFC, em especial a Dona Joana, sempre
paciente para tirar minhas dúvidas sobre datas e documentos.
Aos amigos que durante o tempo de realização deste trabalho ouviram com
paciência minhas dificuldades.
“A política trata da convivência entre
diferentes. Os homens se organizam
politicamente para certas coisas em comum,
essenciais num caos absoluto, ou a partir do
caos absoluto das diferenças.” (Hannah
Arendt)
RESUMO
La consolidación de la América del Sur como medio de protagonismo internacional para sus
miembros tiene relación inherente con el proceso de integración política de la región,
representado actualmente sobre todo por la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR).
La comprensión de la forma en la que se va consolidando esa organización internacional
proporciona un mejor entendimiento de su importancia como ámbito privilegiado donde se
ejerce la autonomía política, se refina las relaciones regionales y se encuentra posibilidad para
el protagonismo internacional brasileño. El objetivo de la presente investigación es analizar el
proceso de creación de la UNASUR considerando el contexto múltiplo en el cual ella es
esbozada mientras se subraya su uso potencial para la política exterior de Brasil. Para hacerlo,
los documentos normativos acordados en los encuentros de los Jefes de Estado desde la
inédita I Reunión de Presidentes de América del Sur en 2000 hasta la firma del Tratado
Constitutivo en 2008 son confrontados entre si y con el contexto histórico, político y
económico en el que fueron producidos. Ambos panoramas internacional y regional generaran
un entorno propicio para la creación de un ámbito exclusivamente sudamericano de consulta
política que discute y consolida conceptos y valores comunes que influyen en la formulación
de políticas de integración de nuestra región.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 UMA BREVE RETOMADA DOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA
.................................................................................................................................................. 31
3 COMÉRCIO E INSERÇÃO INTERNACIONAL: ESTABILIDADE E
INVESTIMENTO................................................................................................................... 48
3.1 As Reuniões de Presidentes e o Início de uma Inserção Internacional Conjunta em Meio à
Instabilidade. ............................................................................................................................ 48
3.2 O Boom Das Commodities e a Criação da Comunidade Sul-americana de Nações (CASA)
de 2005 a 2007. ................................................................................................................................... 62
4 DEMOCRACIA, PAZ E INTEGRAÇÃO: ENTRE PROJEÇÃO INTERNACIONAL
E DESENVOLVIMENTO. .................................................................................................... 79
4.1 A democracia entre a história e o documento..................................................................... 90
5 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 100
LISTA DE FONTES............................................................................................................. 108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIACAS ............................................................................ 114
12
1 INTRODUÇÃO
1
A sigla CASA não é um acrônimo do nome da Comunidade, é um apelido carinhoso que foi dado e utilizado
para se referir à iniciativa.
2
Esses processos de integração serão discutidos com mais detalhes na próxima parte deste trabalho.
13
Regional Sul-Americana de 2000 (motivo pelo qual houve a “Reunião de Presidentes que deu
início à possibilidade de uma integração sul-americana) foram mencionadas.
A CASA é mencionada a partir de seus documentos: “INSPIRADAS nas
Declarações de Cusco (8 de dezembro de 2004), Brasília (30 de setembro de 2005 e
Cochabamba (9 de dezembro de 2006)” (UNASUL, 2008, parágrafo 2, p.1)3.
Parece-me então que houve necessidade de delimitar que esse é um novo projeto,
mesmo quando as bases da UNASUL, inclusive do próprio Tratado Constitutivo, são forjadas
no interior das discussões sobre a continuidade da CASA, a diferenciação entre as duas
iniciativas fica nas entrelinhas.
O objetivo desse trabalho é, por meio da interpretação dos documentos
normativos produzidos pelos encontros dos presidentes desses doze países ao longo de oito
anos (2000-2008), analisar o processo de modelagem da UNASUL enquanto projeto principal
de integração política da América do Sul. Pretendo mostrar como a consolidação desse espaço
de integração configura uma expressão de certa bonança econômica revertida em concertação
política que gera espaço para expressar maior autonomia do grupo na tomada de decisões
referente a problemáticas de interesse desses países4.
Nesse sentido parto da crescente ênfase que, ao longo do período de oito anos o
grupo de 12 países vai construindo sobre como atuar e decidir sobre questões do seu território.
Considero que o Banco do Sul, proposta de integração financeira pensada ainda no ainda no
âmbito da CASA, em 2005; a UNASUL, enquanto projeto de integração política com
personalidade jurídica e o Conselho de Defesa, proposto enquanto órgão da UNASUL, ainda
em 2008, são três exemplos de uma autonomia que vai se desenrolando nesse período. Tal
autonomia, em especial a financeira, encontra-se enquadrada em um contexto histórico de
aumento no preço das commodities e alta do preço do petróleo. A UNASUL, mesmo
consolidada nesse momento de abundancia de recursos para os países da América do SUL e
da crise financeira de 2008 que atingia os EUA e a Europa (ocasionando certa ausência das
potencias mundiais nos países periféricos), ainda persiste atualmente enquanto um mecanismo
de integração5 mesmo que a realidade econômica tenha mudado consideravelmente.
3
No sitio eletrônico da UNASUL, a continuidade com a CASA é reconhecida na página que se propõe explicar
como a União de Nações Sul-americanas surgiu. Isso implica que a continuidade do projeto de integração foi
reconhecida em algum momento após o Tratado Constitutivo da UNASUL ser concluído. Por isso a questão da
não referencia à CASA nesse documento fundante é intrigante, fazendo-se necessária sua contextualização.
4
É importante ressaltar a importância de autogestão em termos internacionais para países que por muito tempo
direcionaram sua politica internacional para o alinhamento com as potências da Europa ou os EUA. Tema que
será discutido mais profundamente ao longo deste trabalho.
5
O Conselho de Defesa, mecanismo concretizado, tem caráter inovador: pela primeira vez, a América do Sul
pensa em conjunto sobre seu território comum e como defendê-lo, não apenas a defesa das Nações e muito
14
menos uma defesa pensada em um conflito entre elas (o que era comum, dada, por exemplo, as rivalidades
Brasil-Argentina ou Equador-Colômbia), mas um pensamento estratégico para a região. o Conselho de Defesa,
criado em 2008 na Cúpula extraordinária da União de Nações Sul Americanas na Costa do Sauipe (Bahia),
representa uma independência regional das outras Organizações Internacionais (TIAR- Tratado Interamericano
de Assistência Reciproca, de 1945, e OEA - Organização dos Estados Americanos, de 1948) que antes seriam os
locais responsáveis pela discussão de assuntos sobre a defesa do espaço sul-americano. “O Conselho de Defesa
Sul-Americano (CDS) seria, então, uma extensão do processo político, marcado pela tentativa de sobrepujar os
atuais mecanismos de segurança coletiva atuantes no subcontinente com a criação de uma comunidade de
segurança” (DREGER, 2008, p.9). O Banco do Sul foi uma proposta de integração financeira ainda na CASA.
Ele propunha uma concerto financeiro entre os Bancos de Desenvolvimento Nacionais e Regionais, fato que me
levou a entender isso como uma pretensão de autonomia frente a dificuldade de alguns países de conseguir
empréstimos em órgãos de financiamento internacionais, como é o caso do Suriname. O Banco do Sul foi
sugerido no documento da Comissão Estratégica de Reflexão sobre os processos de integração sul-americanos
em 2006 e não foi concretizado, em especial por não haver acordo sobre a legislação da possível instituição.
6
A ratificação desse acordo só tenha sido concluída em março de 2011.
15
instâncias de interação. Afinal, com a CASA cria-se um limite oficial entre um “nós” e um
“eles”, partindo de um grupo politicamente coeso em torno daquilo que Ricoeur chamou de
“pertencimento participativo” e sobre o qual Prost escreve:
O nós dos atores serve de fundamento implícito à entidade coletiva utilizada pelo
historiador. Para legitimar essa transferência da psicologia individual para as
entidades coletivas. P. Ricoeur propõe a noção de ‘pertencimento participativo’: os
grupos em questão são constituídos por indivíduos que os integram e que têm uma
consciência mais ou menos confusa desse pertencimento. Essa referência, oblíqua e
implícita, permite tratar o grupo como um ator coletivo (PROST, 2008, p. 128).
7
Isso não significa que não haja atritos internos em torno de projetos nos quais se envolvem, ou que o sistema
internacional deixa de olhar para cada país na sua individualidade, ou que cada país passe a interagir com outros
ou entre si somente por meio da CASA (já que ela no caso é que primeiro cria esse “pertencimento
participativo”).
8
A Aliança Bolivariana para os Povos da América (ALBA) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (CELAC), são casos diferentes. A primeira se encontra dentro do contexto histórico de criação da
UNASUL, pois a ALBA surge em 2004. Já a CELAC é criada fora do meu recorte histórico, em 2010 e lançada
em 2011. Essa comunidade engloba esses territórios como um meio de facilitação do concerto político, garantir
democracia e a boa relação entre os vizinhos. Ela substitui a Cúpula da América Latina e Caribe (CALC) e o
Grupo Rio. Sobre a ALBA falaremos brevemente no decorrer do trabalho.
16
9
O CE da UNASUL não é analisado intimamente neste trabalho, mas é tomado como uma consequência da
autonomia regional que a UNASUL promove, pois sem a União de Nações não haveria um Conselho Eleitoral
regional, seriam utilizados os mecanismos da Carta Democrática Interamericana de 2001 firmada no âmbito da
OEA ou os mecanismos da ONU. Ambos espaços políticos mais abrangentes com possibilidade de impor suas
próprias interpretações sobre o assunto.
10
Tais documentos foram adquiridos em espanhol no sitio eletrônico da IIRSA, com exceção do Tratado
Constitutivo da UNASUL que foi adquirido no sitio eletrônico da mesma. Além deles também foi consultado o
Tratado de Assunção, fundador do Mercosul, também disponível na internet para download em pdf.
11
A OMC, criada em 1995, é um exemplo de uma Organização Internacional nascida nesse período e a
Conferência Pequim+20, também de 1995 que discutiu a discriminação contra mulheres. No último caso, mais
importante foi a declaração resultante do evento, a chamada Declaração e Plataforma de Ação de Pequim que
“listou 12 pontos prioritários de trabalho, além de ações detalhadas para alcançar seus objetivos estratégicos. Em
suma, trata-se de um roteiro para o avanço da igualdade e do empoderamento das mulheres nos países”
(http://www.onumulheres.org.br/pequim20/). O Brasil também foi palco de um desses encontros: a Rio 92 que
discutiu o tema do Meio-Ambiente. Lindgren Alves, em seu livro “Relações Internacionais e Temas Sociais: a
década das conferencias” se debruça sobre as particularidades desses encontros
12
A Namíbia termina sua independência em 1991 e a Eritreia foi um dos derradeiros com início no mesmo ano.
13
O Grupo da Contadora foi uma junção de países Latino-americanos (Colômbia, México, Paraguai e
Venezuela) liderados pelo México que surgiu em 1983 com o intuito de propor uma resolução pacífica para as
guerras que aconteciam na América Central desde a década de 1960 em países como El Salvador, Nicarágua e
Guatemala. Argentina, Brasil, Peru e Uruguai formaram o Grupo de Apoio à Contadora em 1985
17
Africano (ANC) em 199414. Era a “emergência de uma grande diplomacia voltada para a
estruturação de um sistema internacional multipolar como forma de contornar a nova
hegemonia unilateral norte-americana” (VISENTINI, 2013, p. 62).
Em um contexto mais regional temos o fim das ditaduras civis-militares a partir
da metade da década de 1980 e a formação posterior de alianças entre os recém-formados
Governos Democráticos da América Latina. Não podemos esquecer que a década de 1990
testemunha, por exemplo, países historicamente rivais como Argentina e Brasil chegarem a
um processo de integração econômica como o Mercosul em 1991. Era uma década de
expectativas:
A tendência rumo à democracia era fenômeno real, que se espraiava por todos os
continentes, a começar pela América Latina. Com algumas exceções importantes,
uma espécie de euforia, temperada com apreensões, predominava na maioria das
sociedades. Em países previamente submetidos a regimes autoritários e totalitários,
os segmentos políticos e entidades não-governamentais antes asfixiados ou
inexistentes fruíam da liberdade conquistada numa movimentação inusitada,
frequentemente interativa. O clima internacional desanuviado do temos de uma
guerra nuclear com o qual havia convivido, era, em geral, de compreensível
otimismo (Alves, 2001, p.31).
14
Segundo Visentini (2013) os problemas com o primeiro governo democrático de Nelson Mandela na Pretória
acabaram por tornar o projeto irrealizável. Novamente em 2000, Thabo Mbeki, sucessor de Mandela, propõe um
G-8 do Sul. O fórum desse grupo nunca se realiza por causa dos ataques do 11 de setembro aos Estados Unidos.
Em 2003 se realiza o primeiro Forum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) cujo embrião se encontrava no
primeiro encontro proposto pela ANC.
18
15
“Fundado em 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um dos maiores
bancos de desenvolvimento do mundo e, hoje, o principal instrumento do Governo Federal para o financiamento
de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira” (BNDES, [20--]). O BNDES pode
constituir subsidiárias no exterior de acordo com o Estatuto do BNDES, artigo 2 o, parágrafo único – incluído por
decreto em 2008 e pode financiar empresas brasileiras em projetos no exterior, desde que tais projetos sejam
vinculados a desenvolvimento econômico e social do país de acordo com o artigo 9 o, inciso II – incluído por
decreto em 2007 (BNDES, 2017).
16
BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Consulta a financiamento de exportação pós-embarque -
serviços de engenharia. Disponível em: < http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-
operacoes-bndes/consulta-a-financiamentos-de-exportacao-pos-
embarque/!ut/p/z1/xVTLctowFP2WLrwUusIPoDsDDqSYhJCCsTeMbAQoxZKRBQ79-
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7D03YY2Pnod8gilKSHyv_2B1ib0Kc!/dz/d5/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/?1dmy> Acesso em: 10 dezembro
2016. E MERCADO COMUM DO SUL. Institucionalização e regulamentação do Fundo para Convergência
Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). Disponível em: < http://www.mercosul.gov.br/fundo-para-a-
convergencia-estrutural-do-mercosul-focem>. Acesso em: 10 dezembro 2016.
19
Também se deve atentar para a existência de uma política de Estado brasileira que
direcionou esforços políticos para as regionalizações como uma estratégia de inserção na
conjuntura internacional:
Dada a natureza das fontes que escolhi trabalhar, deve ser levado em consideração
que Declarações, Comunicados e Consensos Internacionais de organismos multilaterais, como
toda fonte historiográfica, trazem aspectos particulares a serem apontados. Nesse caso são,
além do que os próprios nomes literalmente nos propõem, projeções, maneiras de demonstrar
pontos de vista, projetos futuros, metas concluídas e linhas de ações sobre determinado
assunto, constituindo-se também em formas de afirmar ou negar pretensões perante o sistema
internacional. Tais projeções partem tanto de cada país individualmente como do conjunto.
Buscarei comparar esses documentos atentando para sua inserção na conjuntura
internacional, regional e nacional que se desenrolam na época da produção dessas fontes. Não
podemos esquecer que o contexto específico acaba dando certo sentido às diretrizes
escolhidas, aos anseios expressos e às ações tomadas. Podemos observar então, que:
Com o passar do tempo, a palavra pode manter sua forma, entretanto seu conteúdo
pode alterar-se substancialmente. Ou seja, a despeito do significante manter se
manter o mesmo, a gama de significados atribuídos a ele pode se modificar
completamente. A recepção desses conceitos possui uma história empiricamente
reconstituível. É justamente a alteração dos significados e não propriamente a
alteração da palavra em si que interessa à História dos Conceitos (MIRANDA, 2013,
p 215).
dos que produziram os documentos como dos historiadores (PROST, 2008)17. Também, Não
podemos deixar de notar uma peculiaridade nessa produção específica: os conceitos
utilizados, mesmo que mantenham o mesmo significado ao longo do recorte, tem uma
pretensão política envolvida;
17
A partir de Koselleck, Prost demonstra os dois níveis dos conceitos. O primeiro seria como as pessoas criam
conceitos no seu dia-a-dia, a partir de suas realidades, “é designar com seu próprio nome, determinadas
realidades que, atualmente, não tem equivalente. Verifica-se uma hesitação em considerar esses termos como
conceitos porque eles possuem um indiscutível conteúdo concreto” (PROST, 2008, p.116). Já o segundo nível se
mostra em momentos que “[...] o historiador venha a recorrer a conceitos estrangeiros à época, por lhe parecerem
mais bem adaptados.” (Ibid, p.117). O autor ainda adverte do cuidado com a ocorrência de anacronismos para o
segundo nível de conceitos, ou seja, de colocar padrões atuais para o passado sem haver qualquer cuidado com a
contextualização dos conceitos utilizados.
18
Muitos objetivos, como a ascensão econômica, podem ser buscados em conjunto, seja fazendo acordos de
complementariedade produtiva ou defendendo interesses comuns em instancias internacionais, como é o caso do
fim das tarifas alfandegárias para produtos agrícolas.
21
Projetar uma imagem requer, geralmente, uma retrospectiva do passado, que tem
sua importância para os conceitos e como eles se projetam. “Os conceitos adquirem sentido
por sua inserção em uma configuração herdada do passado, por seu valor performático
anunciador de um futuro e por seu alcance polêmico no tempo presente” (PROST, 2008, p.
131). Além disso, uma imagem sólida e estável é aquela que se perpetua dentro do maior
quadro de tempo possível, dessa forma o passado dá mais credibilidade ao processo que se
pretende dar início.
A formação e existência da UNASUL deixa claro que os países no âmbito das
suas políticas externas, pretendiam à época, influenciar na construção de um futuro comum.
Eles tomam medidas no presente que podem delimitar esse futuro e muitas vezes essas
medidas têm impacto na população como um todo. A UNASUL, então, se caracteriza como
uma proposta de impacto não apenas para dinâmica da política internacional-regional e para o
ambiente internacional mais amplo, mas também para o dia a dia daqueles que são cidadãos
dos países que nela se inserem. Não apenas o objeto desse estudo em si (UNASUL) como as
Relações Internacionais se tornam pertinentes para entendermos e atuarmos sobre certos
aspectos do nosso dia a dia que muitas vezes não percebemos.
Tal pertinência foi frisada na obra “20 anos de crise” (1939), do britânico E.H.
Carr, na qual ele defende que a Ciência Política Internacional nasce, como toda ciência, da
vontade de entender fenômenos. A essa definição, o autor agrega duas considerações que me
parecem fundamentais. A primeira é a quem interessam os fenômenos políticos, sendo 1914
uma data de mudança. Antes essa área era de primazia das pessoas profissionalmente nela
engajadas, a guerra era um negócio de soldados e a política internacional, de diplomatas. Com
o fim da Primeira Guerra Mundial e seus efeitos sobre a sociedade, os conflitos bélicos como
e a diplomacia viraram interesse da população. A segunda consideração aponta para a
potencialidade de ação que o conhecimento político tem dentro da sociedade: a pesquisa tem a
função de elucidar um assunto por meio de análises e proporcionar uma compreensão
específica de determinado fenômeno e da cadeia de ações conjuntas que o compõem. Ao
publicar um trabalho o autor se torna um ator, pois, influenciando ou não outros atores
políticos, tem a potencialidade de atuar na realidade internacional e modificá-la, alterando
também seu próprio objeto de estudo. A importância que o estudo de Relações Internacionais
tem, então, seu ponto crucial na grande consequência de que as decisões tomadas nessa área
afetam a vida de muitos.
Falando de um tempo histórico que acabou de presenciar uma das duas grandes
guerras que o mundo vivenciaria no século XX e cujos resultados foram de grande impacto no
22
mundo, talvez seja natural que Carr tenha destacado esse aspecto bélico dos resultados de
Política Externa. Mas não podemos nos esquecer dos diversos aspectos que essa área
influencia no nosso cotidiano: as roupas que usamos, os produtos que comemos, a tecnologia
que temos disponível, os meios de transporte e de comunicação, e até filmes que assistimos se
vinculam a uma interação política entre Estados.
As fábricas e tecnologias as quais temos acesso em território nacional limitam os
bens de consumo, sua qualidade, preço, disponibilidade de serviço técnico. Isso funciona
como exemplo, não apenas de comércio, mas de política internacional que influenciam no dia
a dia da população. Boas relações abrem mercados; e, geralmente, o primeiro passo para uma
expansão comercial se dá por meio de missões, para tratar de relações entre os países,
normalmente elas tem em seu corpo de funcionários diplomatas, mesmo que não seja
chefiadas por um – como foi o caso da abertura dos mercados chineses para o Brasil na
missão empresarial Horácio de Coimbra em 197219.
Cabe também pensarmos na questão de como as Relações Internacionais se
encontram na nossa espacialidade. Thales Castro, em seu livro "Teoria das Relações
Internacionais" (2012, p.68) ressalta que:
19
Até na nossa alimentação percebemos a influência dessa política. Os produtos que estão a disposição no
supermercado e o preço de cada um deles servem como exemplo: o Brasil é um grande exportador de lagosta,
mas poucos brasileiros tem a lagosta na sua dieta em função do alto preço, definido pelo mercado internacional e
cuja taxação e regulamentação são até certo ponto controladas pelo governo.
20
No seu livro acima citado, Castro define o sujeito (termo geral) como aquele que atua nas Relações
Internacionais excluindo o pesquisador desse processo cognitivo e excluindo também as pessoas que não atuam
na área.
23
percepções dependem muito do lugar social (CERTEAU, 1982) de quem as vivencia e das
experiências de vida de cada um. Sobre a relevância dessa área de Estudo o autor completa:
21
Primavera Árabe é o nome que se dá à leva de protestos, revoltas e revoluções que se espalhou no Oriente
Médio e norte do continente africano iniciados na Tunísia em fins de 2010. Em alguns lugares, como na Síria,
esse movimento social ocasionou uma situação de guerra civil que se alastra até hoje. Outros países que
presenciaram essas manifestações foram Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Jordânia e Omã.
22
Nesse sentido me refiro à pressão internacional, por exemplo, de valores como democracia, pacifismo, direitos
iguais e direitos humanos sobre Estados, que por motivos internos e muitas vezes por motivos de interferência
externa não seguem esses modelos. O caso da Palestina, divindade entre Estado palestino e Israel em 1947, é um
exemplo dessa imposição, um dos mais críticos eu diria. Mas isso também se reflete em outros pontos: países,
como Ruanda, onde a homossexualidade é crime, ou o tratamento da mulher em alguns países de religião árabe,
como o Iêmen, são muitas vezes focos de discursos que tentam desvaloriza-los no ambiente político
internacional. Não é que eu me posicione contra ações humanitárias ou não defenda direitos iguais, mas o fato de
esses valores precisarem ser defendidos mostra que eles não são tão universais quanto se propõem e que os
países que hoje os defendem passaram por seus próprios processos violentos para reconhecê-los e implementá-
los. Então até que ponto tais interferências afetam o direito de autodeterminação dos povos? A partir de que
momento a intervenção é uma defesa de valores ou um jogo de interesses políticos, econômicos e militares?
(acredito que seja um pouco dos dois com um peso maior do segundo). A questão da interferência e noção de
valores universais geram pontos de discussão, conflitos e resoluções, que vale a pena ter em mente no quadro da
dinâmica internacional.
23
Certamente um país que presenciou mais invasões e bombardeios terá uma população com uma defesa da
resolução pacífica mais forte que outro que não tenha sofrido essas circunstâncias.
24
24
Por personalidade políticas me refiro a intelectuais de prestígio especializados no estudo de política
internacional, seja com viés sociológico como Z. Bauman ou histórico como E. Hobsbawm, políticos
proeminentes dentro da comunidade internacional, como Kofi Annan e Ban Ki-Moon, respectivamente ex e atual
Secretários Gerais da ONU.
25
Artigo 2o, Paragrafo 1o: “A Organização é baseada no principio de igualdade de todos os seus membros”.
(Carta da ONU e Estatuto da Corte Internacional de Justiça – Centro de Informações das Nações Unidas Rio de
janeiro).
26
Somente em 2012 a palestina foi reconhecida como Estado observador não-membro e só a partir dessa data
teve acesso, por exemplo a Corte Internacional de Justiça, o tribunal da ONU.
25
a pena entender que as instituições internacionais, ao atuar no mundo por meio de valores que
vão desde sua constituição (normas jurídicas) passam pela a forma como se organiza e
aparecem no ritual de encontro, têm a capacidade de se reinventar. Elas surgem de influências
de valores e por eles são influenciadas e modificadas, de forma que:
Instituições têm então um caráter ativo como fator modificador das Relações
Internacionais, seja pela disseminação de valores (muitas vezes imposição desses), seja pela
criação de normas de conduta (o próprio modelo de participação por meio de um Estado) ou
pela utilização de um linguajar discursivo específico.
Já que estamos falando de uma relação Estado-Instituição internacional-ambiente
internacional vale a pena delimitar teoricamente o poder de ação desses três participantes.
Para o presente trabalho, será utilizada a noção de sistema internacional. Tal conceito
pressupõe certo nível de controlabilidade dos atores internacionais (Estado, de preferencia)
por instituições de valor jurídico, como a ONU, havendo assim uma delimitação da atuação
dos dois atores que esbarram na questão de Capitais de força, poder e interesse (Kfpi) dos
Estados com relação a determinados assuntos27 (CASTRO, 2012).
Resumidamente há uma análise de valor de relevância do tema em destaque: se
interessa ao Estado, ele pondera entre aceitar a mediação ou interferência dos organismos
internacionais ou agir por conta própria e lidar com as consequências. O fator de
diferenciação é se o Estado tem Capital de força e poder para agir segundo seu interesse, caso
esse seja relevante, e ter capacidade de lidar com a reação do sistema internacional, ou seja,
estar uma situação que os outros países são incapazes de criar sanções, ou ter sanções que
serão irrelevantes se comparadas com os benefícios alcançados por sua ação. Um exemplo
disso foi a investida estadounidense em 2001 no Afeganistão, que agiu contra a decisão do
Conselho de Segurança da ONU6. Ou seja, quando foi julgado necessário pelo país ele saiu da
27
Outro termo bastante utilizado para retratar o ambiente internacional é “comunidade internacional”. É a noção
de que no macroambiente internacional os países são iguais e há um alto grau de institucionalização que regula
as relações entre os Estados no seu total. Também existe um conceito que se opõe ao de comunidade: cenário
internacional. Nesse há anarquia internacional e heteronomia completa em todas as instancias de relacionamento
dos Estados. Os conceitos de “sociedade” e “sistema” se encontram no meio desses extremos, o primeiro pende
para a noção de “comunidade” e o segundo para a de “cenário”.
26
regra comum, sem receber nenhuma punição real, já que os EUA são a grande potência da
ONU, dificilmente uma sanção econômica teria efeito benéfico de coerção, pois
desestruturaria a economia mundial, por exemplo. O país tinha capitais de força poder e
interesse (KFPI) e agiu como achou necessário nesse assunto específico, mas em outros agiu e
age conforme as regras estabelecidas.
Desse modo as regras internacionais e os valores a elas vinculados tem eficiência
e dominam até certo ponto a relação entre os Estados, da mesma maneira que o Estado tem
um poder de ação, baseado do seu KFPI (um Estado que não fosse os EUA não poderia agir da
forma como agiu sem sofrer penalizações que normalmente o desencorajaria a agir
belicosamente) que também é limitado, até certo ponto, pelos valores defendidos na
sociedade.
Considerando que o poder de sanções da instituição é proporcional à força que ela
tem e que no período de que trata o trabalho (de 2000 a 2008) a UNASUL está em
constituição, a relação Estado-instituição aqui estudada é aquela que procura apreender o
processo de construção e conformação de valores que serão propagados (MEUNIER;
MEDEIROS, 2013) pela organização sul-americana, levando também em consideração a
influência sensível dos valores internacionais já estabelecidos e o contexto em que se escolhe
sedimentar determinado conceito.
Com isso devemos perceber que as instituições não se opõem ao Estado em
termos de atuação internacional, elas funcionam como espaço de discussão de temas, de
exposição e defesa de opiniões e de decisões de impasses. As características são múltiplas,
assim como o caráter das instituições e suas funções para os Estados-membros, elas só
funcionam como controladoras parciais da cena internacional por causa dessas atribuições
múltiplas e da participação mesma dos Estados, sem esses aquelas deixam de existir.
Percebendo essa analise complexa das relações entre Estado e Instituição, recorro à teoria
sistêmica de analise das Relações Internacionais para tentar explicar a relação entre
Sociedade-Intituição-Estado; porém ao analisar a importância da integração regional para o
Brasil por meio da UNASUL, creio que a teoria realista demonstra uma percepção mais
estratégica do que essa Organização Internacional pode representar para a PEB.
Parece-me necessário trazer o ponto de vista histórico para as Relações
Internacionais e perceber que as mudanças em valores e ideias afetam sim o ator político, pois
o Estado, enquanto constituído por pessoas também tem a sua temporalidade específica, e
com ela uma linguagem, um conjunto de ações e um complexo de crenças que posicionam
indivíduo e Estado em determinado espaço e tempo. São os conceitos, no seu momento de
27
utilização,28 que dão sentido ao sistema de crença comum e a existência de um grupo, no caso
de Estados, em torno delas:
A partir de interlocuções com Marx Weber e Kant, Prost (2008, p. 121) coloca o
conceito com uma concepção que não precisa necessariamente ser real, é uma ferramenta
analítica para ser comparada com a realidade, “convém descrevê-los, desenrolá-los [...]
explica-los é sempre explicitá-lo” podendo assim haver uma comparação entre conceitos,
entre conceito e realidade, tendo suas diferenças e similitudes discutidas.
Então, se conceitos são utilizados como padrões de autodefinição do grupo de
Estados sul-americanos, como podemos entender por qual meio e de que forma se dá esse
uso? Não me parece exagero abranger a relação que Isabel Meunier e Marcelo de Almeida
Medeiros (2013, p. 685) estabelecem entre instituição, identidade e discurso para todo o
complexo de valores das Relações Internacionais pós Segunda Grande Guerra29:
Os autores definem que a relação entre essas três instancias se dá a partir de três
lógicas: a da consequência, que vê a utilização da identidade apenas como mecanismo
estratégico numa relação de custo benefício voltada para a legitimação da instituição, por
exemplo. A lógica da apropriação que seria “a internalização das normas pelos agentes” que
“engendraria seu cumprimento continuado” (MEUNIER; MEDEIROS, 2013, p. 685) como
28
Assim, o conceito é polissêmico, ou seja, seu significado é mais abrangente do que a linguagem: “Um conceito
não pode ser entendido como uma ‘re-representação’ da linguagem, mas sim como elemento constitutivo dela.
Sua aplicação comumente generaliza uma concepção específica e indica algo que está além da língua. Ele se
relaciona diretamente com aquilo que se pretende compreender e torna inteligível seu conteúdo” (MIRANDA,
2013, p. 213).
29
Considero essa cronologia do pós-Segunda Guerra porque é quando os atores internacionais de maior peso
(Inglaterra, França, Estados Unidos, China e Rússia – o chamado P5 do CS) se juntam em torno de ideais
internacionais comuns. A criação da ONU pode ser entendida como o início dessa relação de maior peso entre
instituição internacional, valores/ideias e atores estatais (as próprias instituições e os Estados).
28
30
Isso não quer dizer que esse seja o único motivo pelo qual o grupo de países atua dessa forma, trabalharemos
essa problemática na segunda parte do primeiro capítulo, porém é representativo como certos aspectos são
assimilados no aparato burocrático, comportamental ou ideológico de um grupo de atores, no caso, políticos. Isso
importa porque o alcance dessas instituições muitas vezes ultrapassa o político e se envolve no tecido social e
muitas vezes quando isso não ocorre, tais instituições não perseveram (VIGEVANI; FAVARON; RAMANZINI
Jr; CORREIA, 2008).
29
31
Refiro-me a tal acontecimento como golpe porque o próprio MERCOSUL considerou o impeachment do Ex-
Presidente Fernando Lugo uma quebra de constitucionalidade, fato que gerou a suspenção do Paraguai na
organização até a realização de novas eleições.
30
32
Até o momento de redação deste trabalho, Reino Unido, Irlanda, Chipre, Romênia, Bulgária e Croácia fazem
parte da UE, mas não são fronteiras de livre transição, pois não fazem parte do Espaço Schengen ou Acordo
Shengen. Esse documento foi assinado em 1985 entre Holanda, Bélgica, Alemanha, Luxemburgo e Holanda e
ratificado pelos mesmos em 1995, quando passou a funcionar. Foi um acordo criado fora do âmbito da UE,
porém introduzido na mesma em 1997 no Tratado de Amsterdã. O fato de o acordo ser estrangeiro a União faz
com que nem todo país pertencente à UE seja parte do Espaço Shengen ou que o pertencimento à UE seja
clausula obrigatória: Suiça, Islândia e Noruega fazem parte do Acordo Shengen, mas não são Membros da União
Europeia.
33
Mesmo que o momento atual de crise econômica faça com que se questione a funcionalidade de acordos
regionais como o MERCOSUL, até o momento alguns estudiosos da área, como Matias Spector e Andres
Cisneiros, em entrevista recente ao programa “Sem Fronteiras” (19/05/2016), ainda acreditam na manutenção e
na pertinência dessas instituições.
31
34
Congresso Anfictiónico do Panamá em 1826 pretendia tratar de uma união dos países americanos recém-
independentes, como antiga Grande Colômbia, México, Peru, Bolívia e Guatemala. O encontro pretendia a união
dos países para resistir a potencias, em especial as europeias, mas, sem a presença dos Estados Unidos, não tinha
uma força real de aplicação e ficou sem efetivação. O Império Brasileiro se omitiu da presença, segundo José
Carlos Brandi Aleixo, por razões diversas como o não comparecimento da Argentina, a recém transição para um
regime de Monarquia Constitucional e a dificuldade de acesso ao Panamá na época: “O grande prócer Pedro
Gual, um dos dois representantes da Colômbia, demorou um mês, só de Bogotá a Cartagena” (ALEIXO, 2000)
35
No que tange ao tema reuniões entre Estados da América Latina no século XIX, houve mais quatro reuniões
derivadas dos ideais bolivarianos. Duas delas foram promovidas pelo Peru: As conferências de Lima de 1847-
1848 e de 1864-1865 e a Conferencia de Santiago em 1856 no Chile. Edmundo A. Heredia (2015), chama a
atenção para o papel do Peru nesse movimento de aproximação entre as nações a partir de congressos
internacionais: as duas movimentações de independência (a de San Martin do sul e a de Bolívar vinda do norte
da América do Sul) convergem-se nesse país e deixam um ideário escorado em normas jurídicas que viam a
vantagem e necessidade de uma relação com bases normativas entre todos os Estados recém independentes.
32
hispânica pode-se dizer que a ideia de integração americana é anterior à independência dos
Estados e se forma na esteira do processo de formação dos mesmos, posto que as tentativas de
confederações do século XIX tenham todas fracassado (HEREDIA, 2015).
Outro projeto de integração regional foi apresentado pelos EUA em 1888 na I
Conferência Pan-Americana quando foram discutidas as propostas de união aduaneira para a
América, de unificação de pesos e medidas e de arbitragem obrigatória em caso de disputas
territoriais. Com a Primeira República (1889-1930) o Brasil muda o direcionamento da sua
política externa: uma aproximação com as repúblicas ganha importância para a nova inserção
internacional (em especial a República dos EUA) e o pan-americanismo de perspectiva
estadounidense, junto com um alinhamento pragmático36 à potência norte-americana, se torna
o principal motor dessa inserção37.
O resultado dessa conferência não foi a formação de uma união de qualquer tipo,
mas ela consolidou um espaço para se discutir a política do continente americano, com clara
dominância dos EUA, que discutiu e apresentou durante os encontros duas das políticas
externas mais significativas da época: a Doutrina Monroe e o Corolário Roosevelt (política do
Big Stick). Esses encontros ocorreram em uma base constante desde o final do século XIX,
ultrapassando a primeira Guerra mundial38 e foram base para a as mediações em disputas
territoriais na região39.
Outro resultado foi a afirmação da posição de alinhamento do Brasil aos EUA e a
parceria tanto política quanto econômica que levaria o primeiro país a se considerar como o
representante da América na Liga das Nações entre 1919 e 1926 dada a ausência dos EUA, tal
posição era apoiada pela potência norte-americana, mas contestada por praticamente todos os
países latino-americanos, em especial México e Argentina. Essa parceria com os EUA
36
Entende-se aqui um alinhamento denominado pragmático com os EUA porque tal posicionamento era uma
estratégia de inserção internacional do Brasil, uma maneira pragmática de obter vantagens (proteção contra
possível invasão europeia e bons acordos comerciais) colocando-se sob a tutela dos EUA. O caráter ideológico
da relação fica assim amenizado e as decisões são tomadas mais porque servem a interesses nacionais do que
para demonstrar afinidade ideológica (PINHEIRO, 2004).
37
A troca da missão que representava o Brasil no I Congresso Pan-Americano de 1888 é muito simbólica dessa
mudança. Os diplomatas que respondiam ao imperador mantiveram, durante sua estadia, a neutralidade e falta de
apoio às medidas dos EUA (Criação de uma tarifa única para a América, criação de um Tribunal Unificado
Americano para arbitragem e a unificação de pesos e medidas). Após a substituição dos diplomatas da missão
Lafayette pelos representantes da delegação Salvador de Mendonça, o espírito republicano solidário entra na
mesa de negociações e o Brasil passa a apoiar as propostas estadounidenses (DORATIOTO; VIDIGAL, 2014).
38
Para listar as Conferencias desse período teríamos: II Conferencia Pan-Americana na Cidade do México em
1901, III Conferencia Pan-Americana na Cidade do Rio de Janeiro em 1906, a IV Conferencia Pan-Americana
na Cidade de Buenos Aires em 1910, a V Conferencia Pan-Americana em Santiago em 1923, a VI Conferencia
Pan-Americana em Havana em 1928 e a VII Conferencia Pan-Americana em Montevideo em 1933.
39
para citar as mediações que o Brasil entrou como parte interessada na disputa territorial temos: Questão de
Palmas (1895) com a Argentina, Questão do Amapá (1900) com a França, a Questão com a Colômbia em 1904 e
1909, a Questão do Acre (1903) com a Bolívia e a Questão do Pirara (1904) com a Inglaterra.
33
40
Existem duas vertentes que analisam o Pacto ABC de 1915, uma delas entende o tratado como uma resistência
ao pan-americanismo estadounidense e ao imperialismo europeu, defendida por Moniz Bandeira, Celso Lafer e
Bredforf Burns. A segunda, defendida por Clodoaldo Bueno e Rubens Ricupero não encontra nenhuma
contradição ou resistência regional ao contexto internacional de imperialismo (CONDURU, 1998)
34
A ideia era separar a América do Sul dos problemas do Caribe, visto que os EUA
tendiam a analisar os problemas latino-americanos como um conjunto e sob a ótica
do contexto caribenho. Todo o raciocínio do presidente argentino baseava-se na
41
O princípio da nação mais favorecida foi o princípio que inicialmente se fixou no GATT (General Agreement
on Tariffs and Trade – Acordo Geral sobre tarifas e comércio) criado em 1947. Esse acordo seria a base para a
criação da OMC (Organização Mundial do Comércio) em 1995.
42
Outro local de formulação teórica sobre os problemas políticos e econômicos do Brasil foi o ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros). Dentre os teóricos isebianos, Hélio Jaguaribe publicou seu livro “O
nacionalismo na atualidade Brasileira” em 1958. Esse estudo coloca como ponto crucial para a neutralização do
poder estadounidense a união da América Latina, cuja base seria a articulação entre Brasil e Argentina. Sem
avanços nessa parceria, que deveria impulsionar uma integração economica regional, dificilmente seria possível
ter poder e influencia suficientes para inverter as regras na América do Sul. (VIDIGAL, in: A América do sul e a
integração regional, 2012)
43
A PEI é considerada por estudiosos, como Visentini, um primeiro passo da multilateralidade internacional
brasileira. Esse autor interpreta essa política multilateral como o início do terceiro grande período das relações
internacionais brasileiras chamado: multilateralidade, na fase da crise hegemônica no sistema mundial, em
oposição ao “americanismo” pautado pelo alinhamento aos EUA (VISENTINI, 2013). A Política Externa
Independente, nomeada assim pelo próprio Presidente, teve como seu principal promovedor o Chanceler Afonso
Arinos, responsável pela Reforma do Ministério das Relações Exteriores (Conhecida como Reforma Arinos) de
1961. Tivemos novas aberturas de embaixadas em Senegal, na Costa do Marfim, na Nigéria e na Etiópia, como
parte de um novo direcionamento político para a África, o primeiro direcionamento sistemático para o continente
africano da história da PEB, que incluiu a nomeação do escritor negro Raimundo de Souza Dantas como
embaixador do Brasil em Gana. Tivemos também a elevação à Embaixada das Legações do Brasil na Polônia e
no Irã, como parte de um estreitamento de relações entre esses países. Para o Leste europeu temos a Missão
diplomática de João Dantas após o reestabelecimento de relações diplomáticas com a Hungria e com a Romênia,
rompidas desde a Segunda Guerra Mundial. No contexto latino americano tivemos a declaração de “profunda
apreensão” com relação ao episódio do Ataque à Baía dos Porcos em Cuba em 1961, declaração muito diferente
do apoio durante o Governo civil de Vargas quando houve a intervenção na Guatemala em 1954. Vale ressaltar
que o Governo de Jânio Quadros foi curto e tumultuado para a PEI ser corretamente implantada. O estudo da PEI
normalmente se dá pela influencia das suas diretrizes em governos posteriores como o de Geisel, e até mesmo de
Costa e Silva e Médici.
37
constatação de que não era vantajoso opor-se à política estadounidense para a região.
O posicionamento brasileiro, tendente ao neutralismo, devia-se às condições internas
do país (VIDIGAL, in: A América do sul e a integração regional, 2012 p 67).
46
A criação da CECLA ocorre em uma reunião na Argentina e gera a “Carta de Altagarcia” que se compõe em
três partes:
“I Declaração de Alta Gracia: em que são expostas a situação dos países em desenvolvimento no quadro do
intercâmbio mundial, a necessidade de reestruturação do comércio internacional e os princípios a serem
defendidos pelos países da América Latina, a fim de que esta reestruturação transforme o comércio em
instrumento eficaz para o desenvolvimento. Esta declaração contém igualmente a manifestação do desejo latino-
americano de coordenar suas posições com as dos países em desenvolvimento de outroscontinentes.
II Princípios gerais: onde estão explicitadas as diretrizes que, a juízo dos países latino-americanos, devem reger a
nova estruturação do comércio internacional a fim de adequá-lo às necessidades de desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos e, conseqüentemente, contribuir para diminuir a diferença hoje crescente entre os níveis de
renda, que os separa dos países industrializados.
III Conclusões gerais: em que se definem as normas e medidas correspondentes aos produtos primários,
manufaturados, invisíveis, financiamento, diversificação geográfica do comércio, agrupamentos econômicos de
países em desenvolvimento e estrutura institucional.
Essas conclusões são as de Brasília que receberam agora confirmação política por parte dos governos latino-
america”. (Resumo noticioso, distribuído à imprensa, acerca dos objetivos e resultados da reunião da Comissão
Especial de Coordenação Latino-Americana, realizada em Alta Gracia, de 24 de fevereiro a 6 de março de
1964 Circular n. 5.078, de 11 de março de 1964 – FRANCO, 2008)
47
A Venezuela é, juntamente com a Colômbia, um dos países que não entra em ditadura nesse período. Em 1959
instaura-se a fase do Punto fixismo, que, ao alternar dois partidos no poder, põe fim a uma ditadura anterior que
durou de 1948-1958 (ELLNER, 1996).
48
O Governo Castela Branco é normalmente reconhecido pelos estudiosos como um desvio na continuidade
universalista que a PEI havia instaurado, isso porque os governos militares posteriores a esse buscariam uma
diversificação de parcerias e mais autonomia política concernente às suas decisões e aos seus posicionamentos
internacionais. Exemplo disso foi o caso da participação como liderança do Brasil na II UNCTAD em 1968, os
desacordos com os EUA sobre Direitos Humanos no Governo Geisel e a não assinatura do TNP (Tratado de não
proliferação) também em 1968. Amado Cervo chama o governo de Castelo Branco de “um passo fora da
39
cadência” (CERVO; BUENO, 1992). Porém em termos de integração, Vidigal e Visentini diferem do
direcionamento que esse governo deu a esse processo. Para Carlos Vidigal a integração regional fazia parte de
“um projeto maior modificado pelo novo regime, mas que conservou importantes elementos das propostas
integracionistas da PEI. A diferença era que, em vez de um processo de integração vinculado à conciliação
histórica entre o regime democrático representativo e uma reforma social capaz de suprimir a opressão da classe
trabalhadora pela classe proprietária, como proposto por San Tiago Dantas para a PEI, nessa nova fase o projeto
de integração da América do Sul respondia a valores geopolíticos dos militares e a interesses da classe
proprietária, ou seja, dos grupos empresariais hegemônicos no país.” (VIDIGAL, 2012, p 69). Para Visentini, a
dimensão da política hemisférica do Brasil se voltou inteiramente para os EUA, os princípios da PEI e os
ideários da OPA foram desmantelados e o bilateralismo se tornou o novo enfoque da política externa brasileira
(Visentini, 2013). As integrações regionais só teriam valor se efetuadas na “ótica das relações prioritárias com
os EUA” (VICENTINI, 1998, p. 48 apud: VIDIGAL, 2012, p. 70).
49
A Bolívia ganha em termos de números de golpes com grande instabilidade entre 1964 e 1971. No caso do
Peru em1992, o então presidente Alberto Fujimori declara um autogolpe em nome do combate ao terrorismo. O
mesmo aconteceu no Uruguai em 1971 com o autogolpe de Bordaberry (SILVA, 2013).
50
A essência do Tratado era somar esforços com o fim de promover o desenvolvimento equilibrado e a
integração física na região da Bacia do Prata. Os mecanismos utilizados seriam a realização de estudos para
facilitar a navegação e utilização racional da água (por meio do aproveitamento equitativo dos recursos naturais
da região), a complementação econômica regional, mediante a radicação de indústrias para desenvolvimento da
Bacia do Prata, e a elaboração de projetos, principalmente aqueles de interesse comum. É importante mencionar
que o governo brasileiro não via este acordo com “bons olhos”, já que sua ideia era não contrair obrigações com
terceiros que pudessem restringir-lhe a liberdade de construir obras dentro de suas fronteiras ou de realizar
projetos bilaterais com países vizinhos (FERRES, 2004).
40
negociação, porém não sobrevive à morte do Presidente Argentino no ano seguinte (FERREZ,
2004). A situação só se agravando que diz respeito à tensão e às mudanças no relacionamento
dos dois países. Há a ruptura por parte do Brasil da prática diplomática de chamada de
“cordialidade oficial” por Matias Spektor (2002). Tal prática se dava pelo reconhecimento
mútuo da importância do outro como potência regional, evitando assim conflitos51. No
Governo Geisel (1974 – 1979), mais especificamente na chancelaria do Ministro Azeredo da
Silveira, temos a mudança desse comportamento. O Itamaraty percebe a fraqueza e a
instabilidade da Argentina e passa a desconsiderar suas ações e ameaças52 (SPEKTOR, 2002).
“As tensões são desanuviadas de forma definitiva em 1979, com a assinatura do
Acordo Tripartite de Cooperação Técnico-Operativa pelos chanceleres de Brasil, Argentina e
Paraguai, que compatibiliza os projetos de Itaipu e Corpus” (CANDEIAS, 2005, p. 23). Essa
resolução marcou uma mudança na relação do Brasil com seu entorno, em especial a
Argentina. Entramos na fase que Candeias (2005) define como “Fase da Estabilidade
Estrutural por Cooperação (1979 a 1988)”, que seria um relacionamento mais pautado em
uma parceria e construção mútua de confiança, como a assinatura em 1980 do Acordo de
Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear e a
“neutralidade imperfeita” do Brasil, nos termos de Muniz Bandeira (apud Candeias, 2005),
durante a Guerra das Malvinas em 1982 entre Argentina e Reino Unido, quando o governo
brasileiro vendeu armamentos e aviões, cedeu ajuda técnica de pilotos brasileiros e defendeu a
posse argentina das Malvinas53.
Ainda durante a Ditadura Civil-Militar, teremos o Tratado de Cooperação
Amazônica (TCA), assinado em 1978 entre Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Colômbia,
Venezuela, Guiana e Suriname. O TCA não foi necessariamente projeto de integração, tendo
como objetivo principal a cooperação para promover o desenvolvimento da região amazônica,
além de explicitar a soberania estatal de gestão de qualquer parte do seu território, inclusive
reservas ecológicas. Esse ultimo ponto se relaciona com a publicação do relatório Limits to
51
A cordialidade oficial começou no pós guerra do Paraguai e seria definida como “o conjunto de princípios e
concepções que informou a diplomacia brasileira para Buenos Aires com o objetivo primordialde evitar que a
dinâmica entre os dois principais poderes da América do Sul levasse a uma rota de colisão. Esse apanhado de
orientações pode ser resumido por (a) uma postura tolerante em relação ao elevado perfil da diplomacia
argentina em assuntos regionais, hemisféricos e globais, (b) a sistemática busca de faixas de cooperação com
aquele país no intuito de diluir potenciais desentendimentos, (c) a inclusão da Argentina nas iniciativas
internacionais do Brasil, e (d) a promoção de bons ofícios entre Buenos Aires e Washington sempre que o
sensível relacionamento entre as duas capitais apontasse para o confronto” (SPEKTOR, 2002, p. 118)
52
Processo de mudança teve início, contudo, antes da posse de Geisel, quando, em 1967, o debate pela utilização
dos trechos internacionais da bacia do Prata ganhou contornos de discordância frontal entre os dois países. Foi
sobre o uso das águas que a validade da estratégia brasileira para a Argentina foi revisada (SPEKTOR, 2002).
53
Desde 1833, data da invasão do Reino Unido à ilha, o Brasil defende a posse argentina do território.
42
growth (1972), relacionando o impacto ambiental com o desenvolvimento. Tal estudo foi
utilizado por países desenvolvidos, organizados no Clube de Roma (1968), para defender
desmatamento zero das reservas naturais dos países, fossem eles desenvolvidos ou não 54. O
TCA também representa a abertura de um novo foco para a diplomacia brasileira, é a primeira
vez que o Brasil se coloca como ator político internacional de maneira mais representativa na
área setentrional da América do Sul55.
A década de 1980 marca o início de um período de crises para os países em
desenvolvimento, tanto uma crise econômica internacional quanto uma interna. É um período
em que os Estados da América Latina buscam opções em conjunto. Em 1980, temos a
assinatura do II Tratado de Montevideo entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile,
México, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, substituindo a ALALC pela
Associação Latino-Americana De Integração (ALADI). O objetivo continua sendo o mesmo:
criar um mercado comum latino-americano, porém com mudanças cruciais: não existe mais o
princípio de nação mais favorecida, permitindo acordos entre quaisquer países (são os acordos
conhecidos como ACE – Acordo de Complementação Econômica) e a ausência de prazo para
formação do mercado comum. Essas mudanças dão uma flexibilidade, dinamismo e
resistência à Organização, que mesmo em momentos de crise nos seus membros, não se vê em
perigo de extinção56.
Instabilidades econômicas normalmente precedem ou são concomitantes a
instabilidades políticas, nesse período não foi diferente. Os governos em processo de
redemocratização tiveram que lidar com a desestruturação das ditaduras e a reorganização de
um novo regime político. Tal reestruturação não ocorreu sem conflitos, mesmo que em alguns
lugares, como no Brasil, tenha sido feita de forma ordenada pelo próprio governo.
No panorama latino-americano o Brasil esboçou preocupação de inserir-se nos
assuntos políticos com um viés mais amistoso e sem projetar fortemente uma política de
54
A questão do meio ambiente se torna um assunto de embate porque os países desenvolvidos fizeram sua
revolução industrial com base no uso extensivo de suas reservas naturais e nesse momento pretendiam impor aos
países subdesenvolvidos limites para o uso de suas reservas naturais para a mesma finalidade de
desenvolvimento. Essa relação entre meio-ambiente e desenvolvimento deu espaço para a criação do conceito de
Desenvolvimento Sustentável, debatido e defendido por vários países em desenvolvimento, como o Brasil.
Lembrando que desenvolver-se de forma sustentável é crescer economicamente hoje, garantindo reservas que
proporcione o crescimento futuro.
55
Impulsionando ainda essa diplomacia na região temos em 1998 a criação da Organização do Tratado de
Cooperação Amazônico (OTCA) com sede em Brasília. As outras iniciativas de âmbito multilateral que
englobarão a região amazônica, mesmo que não tratem exclusivamente dela, serão a IIRSA em 2000 e a
UNASUL, em 2008, ambas discutidas posteriormente no presente trabalho.
56
Na ALADI, todos os países partícipes têm que ter seus acordos publicados pela organização. O MERCOSUL,
enquanto Tratado de Assunção assinado em 1991 por países membros da ALADI está nela registrado como o
ACE 18.
43
interesse nacionalista, como ocorria no período anterior. Isso passa a ser mais coerente a partir
no novo governo civil com o Presidente Sarney (1985-1990), quando se começa a construção
de uma imagem de parceria na América Latina. Esse novo comportamento é exemplo de um
movimento mais amplo da PEB o qual Gelson Fonseca Jr. (1998) deu o nome de “Renovação
de credenciais”, ou seja, ruptura com algumas políticas da década de 1970 que acarretavam
uma imagem negativa estigmatizada do Brasil em áreas internacionalmente importantes,
como direitos humanos e tecnologia nuclear, nas quais o Governo brasileiro não abria mão de
sua soberania.
Em 1983, os governos de Colômbia, México, Panamá e Venezuela impulsionados
pelo pedido de ganhadores do Premio Nobel Gabriel García Márquez, Alfonso García Robles
e Alva Myrdal, que atendiam ao chamado do Primeiro Ministro Sueco, traçaram um plano de
ação para a mediação nos conflitos que ocorriam a cerca de três décadas na América Central,
em especial para El Salvador, Nicarágua e Guatemala. Os quatro países mediadores se
intitularam Grupo de Contadora (Cidade panamenha sede da primeira reunião) e tiveram seu
projeto de paz apoiado pela Assembleia Geral da ONU, pelo Conselho de Segurança e pela
maioria dos países latino-americanos, não contou com o apoio dos EUA. Em 1986, Argentina,
Brasil, Peru e Uruguai, demonstraram interesse nas questões de instabilidade política regional
ao fundar o Grupo de Apoio a Contadora, porém a paz na região foi alcançada por meio do
Acordo de Paz de Esquípulas, cujas discussões se iniciaram em 1986 e se estenderam a 1987,
com apoio dos Estados Unidos57.
Esses dois grupos (o de Contadora e o de Apoio) resolvem se reunir no Grupo dos
Oito e, posteriormente, no Grupo Rio; com reuniões a partir de 1987, que passara a discutir
temas como divida externa e desenvolvimento tecnológico da região. O Grupo Rio se mostra
um espaço onde os países mais influentes da América Latina conseguem dialogar sobre
assuntos pertinentes à sua realidade. Vale ressalta o caráter mais político desse bloco. O
Brasil, mesmo durante a ditadura civil-militar, não deixou de integrar discussões multilaterais
sobre comércio e desenvolvimento ao lado dos países latino-americanos.
Também no Governo Sarney houve direcionamento para maior participação nas
questões políticas regionais e para fomentar um relacionamento mais íntimo com a Argentina,
construindo confiança e fortalecendo bases para o processo de integração que viria na década
seguinte. O interesse do presidente argentino Raul Alfonsín, no poder desde 1983, também
57
O Grupo de Contadora gerou a da Ata de paz da Contadora para América Central, em 1984, projeto de
mediação não aceito, mas que lançou bases para o processo de paz de Esquípulas.
44
converge para uma aproximação regional, buscando estabilidade e caminhos para Diversos
acordos e declarações são assinados nesse período.
No ano de 1985 temos a assinatura da Declaração de Iguaçu, um documento de
conteúdo político que declara o compromisso de aprofundar as relações econômicas entre os
dois países sul-americanos. Mesmo não sendo um compromisso vinculante, é considerado um
marco da integração entre os dois países, demonstra esforço dos novos regimes em fomentar
uma parceria entre eles.
Em 1986 temos a assinatura do Programa de Integração e Cooperação Econômica
(PICE) entre Brasil e Argentina, focando na integração de setores de ambas as economias 58.
E, em 1988, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, esse sim de caráter
vinculante, coloca prazo de 10 anos para a integração completa das duas economias. Era o
início burocrático para as negociações que delineariam o MERCOSUL.
A década de 1990 presenciou uma multiplicação de blocos econômicos em vários
continentes, em quantidade e ritmo sem precedentes até então. Entra-se na “Segunda Onda de
Integração Regional” (SENHORAS, 2010) partindo do incremento comercial, iniciou-se uma
nova dinâmica internacional que viria a gerar o que Paulo Visentini coloca como “O crescente
desequilíbrio entre a ordem econômica (crescentemente multipolar) e a ordem político-militar
(que permanece dominada pela superpotência remanescente, os Estados Unidos)” e que
“elevam as incertezas deste cenário” em época de crise (VISENTINI, 2013, p. 120).
Em 1989 tivemos a Asia Pacific Economic Coperation – Cooperação Economica
Ásia-Pacífico (APEC), em 1990 a IPA (Iniciativa Para as Américas), em 1992 a União
Europeia, em 1994 o NAFTA (North America Free Trade Treaty – Acordo de Livre Comércio
da América no Norte). Em 1992 a ASEAN (Association of Southeast Asian Nations -
Associação de Nações do Sudeste Asiático) que existe de 1967 assinou seu tratado para se
tornar uma área de livre comércio.
O Brasil entra a nova década firmando com a Argentina a Ata de Buenos Aires
em 1990, antecipando o prazo do tratado de 1988 para dezembro de 1994. É nesse encontro
58
Para Joaquim Cadete, esse acordo tem um lado político: maior integração econômica significa uma parceria
mais intima entre os dois governos com a finalidade de evitar o reestabelecimento de regimes autoritários. Isso
significaria também mais estabilidade na região do prata, deixando a política externa brasileira com mais
recursos para focar na questão amazônica (CADETE, 2015 p. 44). Não me parece que a política brasileira para a
região ganhou grandes benefícios para dedicar-se à questão amazônica, especificamente, já que não houve
tratados significativos sobre essa área. Um interesse político mais plausível para o Brasil me parece ser a
construção de uma imagem de parceria na América Latina que respaldaria os esforços de ruptura com algumas
políticas da década de 1970 e da imagem do Brasil como um com estigma de soberania em áreas
internacionalmente importantes como direitos humanos e tecnologia nuclear resultando na política que Gelson
Fonseca JR. (1998) Chamou de “Renovação de credenciais”, como já foi mencionado anteriormente neste
trabalho.
45
que Paraguai e Uruguai integram as negociações para o Mercado Comum do Sul, que ganha
textualidade no Tratado de Assunção de 1991, no governo Collor, e funcionamento político
em 1994, com o Protocolo de Ouro Preto, já no governo de Itamar. O MERCOSUL marca a
consolidação de uma novas fase de interação do Brasil com a Argentina, a de “Estabilidade
Estrutural pela Integração” iniciada em 1988 segundo o recorte de Matias Spektor
(SPEKTOR, 2002). Esse Mercado Comum Também contribui para sedimentar a projeção
política brasileira na América Latina como liderança e parceria.
O bloco que surge com a assinatura do Tratado de Assunção é um acontecimento
de peso para a região. Ele representa uma Organização Internacional advinda de uma
aproximação autônoma, sem presença de potências mundiais, e com base sólida e constante
que permite sua continuidade; diferente de iniciativas como a OPA ou o Convênio de
Amizade e Consulta. É a consolidação da ruptura com uma política de integração a partir da
lógica geopolítica do interesse nacional, como Vidigal coloca a visão integracionista do
regime civil-militar (VIDIGAL, 2012). O MERCOSUL abre espaço para mostrar as
possibilidades benéficas de uma integração e permitindo uma forma mais íntima de o cone-sul
interagir em suas questões econômicas. É nesse momento que um assunto que sempre foi
motivo de rixas ou concorrência – o controle da interação entre mercado regional e
internacional – passa a ser um fator de integração (CERVO, 2015). O Mercosul é o marco
positivo da participação pouco efetiva, porém constante do Brasil na história da integração
regional (SILVA, 2013) e sem dúvida é um abrir de portas para o concerto político da região,
para a resistência a políticas de fora e para outras iniciativas de integração.
Também da década de 1990 temos o projeto pouco desenvolvido da ALCSA
(Área de Livre Comércio Sul-Americana) em 1993/1994, durante o governo de Itamar
Franco, e a proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) de 1994, ambas não
chegaram a ser acordadas, porém tiveram influencia na política de integração que se
desenrolou no fim do século XX e início do XXI.
A ALCSA, para Visentini (2013) é uma clara reação à iniciativa do NAFTA que
incluiu o México ao Canada e aos EUA, concretizada em 1994. Já para Adilson Santana de
Carvalho (2009), a ALCSA é um projeto que se opõe mais diretamente à ALCA, já que o
Brasil vinha agindo com cautela desde 1990 com a Iniciativa para as Américas (IPA), lançada
pelo governo do primeiro presidente Bush, e que “incluía o estabelecimento de uma área de
livre comércio com pretensões de abarcar do Alasca à Patagônia” (ibid., p. 35).
Interpretações a parte, foi uma iniciativa brasileira que claramente se opôs às iniciativas
46
59
A inclusão do México no NAFTA, segundo Cláudio Villafañe (2014), serviu para degradar lentamente o
conceito de América, sendo a UNASUL uma reação a essa erosão.
47
60
Vidigal (2011) entende que essa mudança se iniciou no Governo Geisel.
48
61
Venezuela só entra para o Mercosul em 2006 e a Bolívia em 2012. Mas esses Estados são associados ao
Mercosul desde 2004 e 1996 respectivamente.
62
Tais documentos não geram, porém obrigações jurídicas para fins de Direito internacional Eles são o que o
próprio nome propõe: comunicados, declarações e consensos. Apenas os tratados ou acordos geram obrigações
63
Outros temas podem ser discutidos e chegam ao público em forma de anexos e notas. Ao fim do trabalho, na
discriminação de todas as fontes utilizadas para o presente texto, consta uma lista com os Anexos de cada
reunião presidencial dos referidos encontros. Os documentos anexos e as notas serão tratados ao longo do
presente trabalho de acordo com sua pertinência para o tema discutido.
64
“Esta Iniciativa se constituiu como um mecanismo institucional de coordenação de ações intergovernamentais
dos doze países sul-americanos com o objetivo de construir una agenda comum para impulsar projetos de
integração de infraestrutura nas áreas de transportes, de energia e de comunicação.
A Iniciativa IIRSA é criada com o objetivo de promover o desenvolvimento da infraestrutura regional em um
contexto de competitividade y sustentabilidade crescentes. Dessa forma se pretende gerar as condições
necessárias para alcançar, na região, um padrão de desenvolvimento estável, eficiente e equitativo, identificando
os requisitos de tipo físico, normativos e institucionais necessários e procurando mecanismos de implementação
que fomentem a integração física a nível continental.
A coordenação técnica da IIRSA foi delegada a três bancos multilaterais de desenvolvimento: o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para
o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA). Estes bancos produziram, conjuntamente, um Plano de
Ação com um horizonte de trabalho de dez anos” (IIRSA, tradução própria).
49
Iniciativa de Infraestrura Regional Sul-Americana (IIRSA). Esse tema não será o principal
abordado no trabalho, mas estará presente sempre que for pertinente.
O Comunicado de Brasília, documento principal para este estudo, oriundo dessa
reunião, discute uma multiplicidade de assuntos: democracia, comércio, infraestrutura de
integração, drogas ilícitas e tecnologia (conhecimento e informação). Porém, pesar de trazer
essa gama de assuntos em forma de tópicos, a fonte parece estar centrada em discutir a
situação da América do Sul dentro do processo de novas conformações internacionais
presentes no início do século XXI. Vê-se o interesse de discutir uma situação comum aos
países participantes, motivação que não é inovadora como vimos na história da política
externa da região.
Na virada do século o tom do sistema internacional era a inserção na realidade
globalizada e neoliberal e a busca de projetos para desenvolvimento que permitiriam a entrada
dos países dentro do mercado mundial, assunto que já vinha da década passada. Ciente dessa
conjuntura, o grupo não estava desatento para a falta de equilíbrio e de simetria entre os países
sul-americanos e outros participantes mais fortes economicamente, como EUA, Japão, e a
nascente União Europeia.
Partindo desse parágrafo vemos que os presidentes estão seguros na sua posição
de apoio à globalização e ao comércio. Isso pode parecer banal, mas indica consciência do
posicionamento internacional que a região assume em uma realidade comum que, em menos
de dez anos, presenciou a queda do muro de Berlim, passou por um processo de
redemocratização e tem proximidade espacial com a Cuba socialista e ditatorial. Definir sua
posição é um ponto que demonstra como o grupo pretende se inserir no sistema internacional.
Essa adesão ao mundo globalizado, porém, não se dá sem a noção de que esse
modelo econômico apresenta suas falhas. Os países sul-americanos estão cientes do desafio de
distribuir os benefícios e conscientes de que a realidade internacional não opera sintonia. Dois
parágrafos são muito emblemáticos sobre essa questão:
50
65
A Rodada do Uruguai foi uma das rodadas de negociações de regulação do livre comércio no modelo do
GATT (General Agreement on Tariffs and Trades – Acordo Geral de Tarifas e Comércio) mais longas da
história. Ela tem sua agenda de discussão preparada em 1982 e termina em 1994. Entre os assuntos estavam a
regulamentação de tarifas alfandegárias, incluindo a taxação de produtos agrícolas e a reforma do sistema do
GATT que resultou na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). O GATT era a regulamentação do
livre comércio no Pós-Segunda Guerra Mundial, oriundo de uma seção da Carta de Havana de 1948 (PEREIRA,
2005).
66
A maneira mais usual de se calcular o PIB é por meio da lógica da demanda: a soma do Consumo das
Famílias, dos Investimentos Privados, dos Gastos Governamentais, e da diferença entre exportação e importação.
Essa forma consiste na soma das despesas de um país: a quantidade que o núcleo familiar, o setor privado e o
Governo gastam (MANKIW, 2010).
51
67
Commodity são produtos com características semelhantes que podem ser produzidos por diversos produtores e
são consumidos por muitos. Eles geralmente são matéria prima, como a soja, o trigo e o minério de ferro. Como
tanto sua produção como seu consumo são amplos o preço dos Commodity geralmente é definido pelo mercado,
pois nenhum país que produz pode influenciar o preço do produto, já que vários outros países podem abastecer o
mercado, um país que queira vender seu produto, nesse caso, terá que seguir o preço dos demais. O mesmo
ocorre com a demanda: um consumidor que não compre o produto ao preço dado não faz diferença, porque
muitos outros irão comprar. O preço dos commodity funcionam como um Mercado Competitivo (ibid.).
68
Segundo a teoria realista de Relações Internacionais, um país não precisa ser uma grande potência, ou nem
mesmo estável para se inserir no panorama político internacional (Morgenthau, 2002). O clássico do Irã
atualmente é um grande exemplo de que não é necessário estabilidade ou paz para participar dessas relações ou
para influenciar como os outros países reagem; o contraponto desse exemplo é o caso da Suíça: extremamente
estável e tem qualidade de vida alta, porém não é muito expressiva em termos de política internacional, ela não
está em muitas noticias em jornais quando o assunto é política externa. Porém o caso analisado não reflete
nenhum desses dois exemplos: a América do Sul se insere internacionalmente dentro da norma internacional
implantada pela ONU e a partir das concepções de globalização e comércio, como eles mesmos definem ao
longo do documento. Paz e estabilidade são importantes para o comércio e para os investimentos, fato para o
qual atentou Norman Angel, no período quase imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial em sua Obra
“A Grande Ilusão”. Dessa forma, já que a política externa latino-americana (incluindo aqui a sul-americana)
segue historicamente uma tendência a buscar fora meios de se desenvolver internamente (diplomacia voltada
para a economia) a inserção desses países geralmente se dá dentro da ordem aceita pelos participantes mais
influentes do sistema internacional.
52
69
Macroambiente é a expressão usada por Thales Castro (2012, p.68) para definir o “canal base por onde os atos
e fatos são apresentados e assimilados pelo sujeito cognoscente por meio de um processo anterior de simetria,
direcionalidade e pertinência (pre-ordem)”, ou seja, é o conceito utilizado pelo autor para explicar o ambiente
internacional sem juízo de valor.
53
70
A AOD é um tipo de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID). A CID, um dos pilares da
ONU, teve no pós-Segunda Grande Guerra seu momento inicial, com o Plano Marshall como seu grande e
frutífero exemplo. No pós-Guerra Fria, a CID toma um novo impulso: em 2000 foi celebrada a Cúpula do
Milênio. A AOD, sendo um tipo de CID, tem como uma das suas determinantes que a origem do empréstimo
deve ser de um Estado Desenvolvido à outro Estado em desenvolvimento com o objetivo de auxiliar nas políticas
de crescimento do recebedor. No momento do documento (2002), a AOD estava em crise, não a CID
especificamente (empréstimos do FMI são uma forma de CID, por exemplo). Esse debate se amplia com a não
concretização das Metas do Milênio e com a análise de dados entre países que efetivamente se desenvolveram a
partir de medidas de como a AOD (Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura, são os parcos exemplos)
contra os que, mesmo com a utilização desse assistencialismo, ainda seguem em subdeselvimento (América
Latina), colocam a questão do auxílio internacional em debate de eficiência e ética.
54
Uma característica que me chamou a atenção foi que, ao pedir ajuda, os países de
certa forma se excluem enquanto possíveis criadores de mecanismos próprios para lidar com o
problema do desequilíbrio. O trecho acima expõe o dever, de acordo com o grupo de países
sul-americanos, da “comunidade financeira internacional” de gerar um ambiente de
estabilidade propício ao desenvolvimento e de ajudar os países em dificuldades, tendo em
contrapartida, claro, a adequação dos mesmos ao sistema comercial liberal. Isso sendo o uso
da teoria assistencialista para o desenvolvimento.
Vale lembrar que a necessidade de investimento financeiro como fator importante
para o desenvolvimento de um país não é nova. Essa política assistencialista está presente na
base de criação da ONU, como fica claro pelo já mencionado ECOSOC, e se desenvolve com
mais peso na década de 1950 e 1960, sem deixar de ter peso dentro do panorama internacional
(como vimos no caso da AOD). Grande influenciadora desse discurso assistencialista foi a
teoria do crescimento econômico de Robert Solow, que, segundo Joaquim Cadete (2015), em
1956, coloca como papel do investimento e da ajuda internacional potencializar as “condições
intrínsecas ao crescimento econômico nas sociedades menos desenvolvidas” no caso dessas
não terem poupança doméstica ou capacidade de atrair investimento estrangeiro (SOLOW,
1956 apud CADETE, 2015, p. 26). Essa teoria ganha adeptos em um contexto de Guerra Fria
como um projeto anti-comunista de desenvolvimento, que ganha grande repercursão dentro da
implementação e do sucesso do Plano Marshall para a Europa e da teoria dos estágios do
crescimento de Rostow (1960 apud CADETE, 2015), na qual o subdesenvolvimento é um
estágio para o desenvolvimento. Essa forma de desenvolver um Estado se torna a principal no
ocidente graças ao posicionamento capitalista dos EUA, mas não foi a única aceita ou válida
durante o período. Vale relembrar que paralelamente a essa teoria de Solow, pregando a
importância da assistência para o desenvolvimento, temos os EUA em uma política de
distanciamento financeiro com relação à América Latina. A CEPAL também diverge
enquanto teoria de desenvolvimento, pregando certo protecionismo de mercado para o
desenvolvimento de uma indústria nacional competitiva e investimentos estatais para o
71
Nesse momento é feito referência à crise da Argentina de 2001, quando o governo desse país declarou
moratória diante da incapacidade de manter a paridade dólar-peso prometida para o pagamento de suas dívidas.
55
72
A questão dos impactos da exploração econômica sobre o meio ambiente que teve como marco a Conferência
de Estocolmo para o Meio Ambiente Humano de 1972 começa a modificar o pensamento entre desenvolvimento
e sustentabilidade da flora e da fauna mundial. Porém, apenas em 1983, a partir do relatório “Nosso Futuro
Comum”, seria difundida a ideia de “desenvolvimento sustentável” que iria se tornar argumento de articulação
dos países em desenvolvimento para combater a teoria de desenvolvimento zero, ou seja, preservação ambiental
acima da industrialização para evitar poluição e desgaste maior dos recursos naturais do planeta. Dessa forma
temos a lenta incorporação do termo “sustentável” ao termo “desenvolvimento”, reforçada também pela noção
de assistencialismo já que o aperfeiçoamento tecnológico permite menos poluição, então ajudar a desenvolver
um país é poluir menos. A questão de direitos humanos também influencia a noção de desenvolvimento. A
incorporação oficial de direitos econômicos, sociais e culturais juntamente com direitos civis e políticos ao rol de
direitos humanos, a partir de 1993 pela ONU põe fim a uma discussão existente no sistema internacional sobre
como definir ao que o indivíduo deve ter acesso para se confirmar o cumprimento dos direitos humanos. Ao
adicionar direitos sociais, como acesso à educação, a um ideário tão importante para os países ocidentais após a
segunda Guerra Mundial a ONU abre espaço para se pensar a que setores da sociedade esse desenvolvimento
deve ser dirigido e quais devem ser seus objetivos. Desenvolver-se então tem um caráter mais humano, assim
como o assistencialismo que propicia tal desenvolvimento.
56
América Latina. Ao aderir ao Plano Brady, o país deveria então abrir o mercado, realizar
privatizações, aderir ao livre fluxo de capitais e praticar uma política fiscal e monetária mais
disciplinada, envolvendo diminuição de gastos do governo. As medidas variavam de acordo
com o caso específico do país, porém seguiam esses preceitos base, que ficaram conhecido
como o Consenso de Washington, já que os EUA de fato acordou com instituições financeiras
internacionais e com economistas conceituados defendendo que o desenvolvimento passaria
por uma redução do papel do Estado na economia (KESSLER, 2001).
O México adere ao Plano Brady no início dos anos 90, praticando todo o pacote
de medidas. As privatizações foram efetivadas, inclusive a do seu sistema bancário e da
TELMEX (monopólio da telefonia no país); a abertura comercial foi efetuada de maneira bem
sucedida, transformando em o déficit em superávit; e a liberalização do fluxo de capitais e a
manutenção do câmbio fixo e valorizado com uma pequena margem de desvio – conhecida
como crawling peg – ajudou a controlar a inflação (ibid.). Essas medidas, porém, fizeram a
economia mexicana dependente cada vez mais da sua balança comercial para a manutenção
do superávit e aquela por sua vez dependente da manutenção da crawling peg que acabava
incentivando importações e saída de dólares, levando ao endividamento crescente do governo
para manter a taxa de cambio.73 Para compensar a saída de dólares e manter a taxa fixa, o
governo mexicano precisaria comprar mais dólares: a administração Salinas (1989-1994)
esvaziou as reservas internacionais do México de U$$ 30 bilhões para U$$ 6 bilhões no final
de 1994 (ibid.). A situação se tornou insustentável quando o FED aumentou sua taxa de juros,
tornando os títulos estadounidenses mais rentáveis que os mexicanos, e quando uma série de
assassinatos políticos ocorreu no mesmo ano que o Levante de Chiapas, aumentando a
percepção de instabilidade do México. Além disso, a incerteza política da continuidade das
medidas econômicas com a mudança de governo levou os investidores internacionais a
preferir os EUA como aporte do seu capital e investir menos no país latino-americano. A
constante fuga de capitais levou o governo seguinte de Ponce de León (1994-2000) a ampliar
a crawling peg para um desvio de 15,3%, o que só concretizou os receios dos investidores
73
Para entender porque um país gasta para manter seu cambio fixo é necessário pensar na cotação cambial como
representação de um mercado das diferentes moedas nacionais, ou seja, um espaço de troca de uma moeda por
outra regulamentada pela lei da oferta e da procura, de modo que quanto mais se procura por uma moeda, mais
seu valor aumenta. Esse mercado normalmente é medido a partir da taxa de juros da venda de títulos dos países,
a taxa Selic no caso do Brasil. Então, na prática o governo que quer manter sua taxa de cambio fixa paga pela
diferença de preço entre o valor de cotação que ele está impondo e o valor atual do mercado internacional. Assim
se no mercado internacional 1 dólar vale 2 moedas x, mas o governo deseja igualar na proporção 1x1 ele deve
comprar dólares dos EUA a 2x e vender dentro do país a 1x, arcando com a diferença. Manter a taxa de cambio
fixa ajuda a atrair investimentos porque diminui o grau de incerteza relativo à flutuação do financeiro que
diariamente muda os valores monetários.
57
74
O cambio flutuante é uma aplicação de livre mercado ao sistema cambial internacional, ou seja, temos a lei da
oferta e da procura imperando na cotação de uma moeda em relação a outra. O sistema de cambio flutuante
permite também a comparação do real com qualquer moeda.
75
A mentalidade de reajuste era um comportamento do setor de oferta que modificava seus preços (normalmente
para cima) de acordo com qualquer aumento na demanda agregada (mais procura). Essa mentalidade refletia a
época de grande instabilidade econômica gerada pela alta inflação que aumentava com o maior do consumo,
impulsionado pela mentalidade de estoque (consumidores compravam mais que o necessário com medo de faltar
produto ou com receio de grande aumento), e pouca oferta (ocasionada pelo desabastecimento). Mesmo quando
houve a abertura de mercado no governo Collor, que melhorou o problema do desabastecimento, as medidas
tomadas não conseguiram conter o aumento da demanda agregada (sequestrar a poupança individual na verdade
estimula o consumo: se não é possível guardar, a opção é gastar) e a inflação continuou a subir impulsionando as
mentalidades de estoque e de reajuste. Um dos grandes motivos do plano real ter dado certo foi que a moeda
indexada (Unidade Real de Valor com o preço fluido de acordo com o dólar) junto com a economia aberta
funcionou como um estabilizador dos preços: o aumento da competitividade ocasionada pela entrada de novas
marcas e produtos no país funcionava como um controle de preços para os setores de venda (não adiantava um
produtor aumentar seu preço se o concorrente vende mais barato – o mesmo era válido para distribuidores) e a
atualização diária do URV por alguns meses mostrava a estabilização desses preços: a cada dia a era mais
constante o valor e a indexação quase constante (isso foi importante porque ia gerando crença na estabilização da
economia, diminuindo a mentalidade de estoque e controlando a mentalidade de reajuste). Para controlar o
consumo, houve a diminuição de crédito e a diminuição da emissão de moeda. Quando o real é lançado, a taxa
de cambio por flutuação em bandas mantém o real valorizado justamente para impedir o retorno a esses
comportamentos, o receio era que uma desvalorização cambial significasse um aumento de preço que reativasse
a mentalidade de estoque e o ciclo inflacionário.
59
problemas do curto prazo, para então trabalhar o longo prazo com a mentalidade e apoio do
povo para a aplicação de mudanças econômicas. Nesse quesito ele foi bem sucedido:
No caso da Argentina, porém, além das crises russa e asiática, de 1998 e 1997
respectivamente; em 1999, a desvalorização cambial do Brasil contribui para a diminuição das
61
Os efeitos das duas décadas anteriores ainda estavam presentes na economia sul-
americana durante essa primeira fase de encontros (2000-2004), de fato, os governos tinham
poucos capitais para investir e estavam, em sua maioria, lidando com o ajuste a uma nova
realidade econômica. A crise da Argentina, deflagrada em meio ao período inicial de
62
76
Não é a toa que há o documento traz o tom de “fizemos nossa parte, agora é com vocês” com relação à
abertura neoliberal das economias sul-americanas na década de 1990, como vimos nos parágrafos 14 e 15 acima.
63
A História compartida e solidária das nossas nações, que, desde as façanhas das
independências; têm enfrentado desafios internos e externos comuns, demonstra que
nossos países possuem potencialidades ainda não aproveitadas tanto para utilizar
melhor suas aptidões regionais, como para fortalecer as capacidades de negociação
e projeção internacional.
[...]
A convergência de seus interesses políticos, econômicos, sociais, culturais e de
segurança como um fator potencial de fortalecimento e desenvolvimento de suas
capacidades internas para sua melhor inserção internacional (DECLARACIÓN de
Cusco, 2004, p. 01, parágrafos primeiro e terceiro, tradução própria e destaque
próprio).
77
Considero o ano de 2005 como ano inicial da CASA porque, apesar de surgir em 2004, nesse ano os
Presidentes não se reúnem como Presidentes da CASA e sim como Cúpula de Presidentes Sul-americanos, ou
Reunião de Presidentes sul-americanos, termo que utilizo neste trabalho.
78
Elói Martins Senhoras (2010), geralmente se refere aos processos de integração entre nações como “regionais
transnacionais” para diferenciar de processos regionais internos e deixar mais específico que a que tipo de
regionalização está se referindo.
64
Se o MERCOSUL foi uma forma diferente dos países do Cone Sul se relacionarem
e a Reunião de Presidentes deu uma definição espacial mais coesa ao projeto de integração
sul-americano, a CASA tem a importância de ser o começo da difícil tarefa de juntar países
com legislação, situação político-economica, realidades sociais, línguas e cultura distintas sob
o mesmo aspecto político e institucional. Outro fator que demonstra essa intencionalidade de
mais autonomia e inserção internacional é que a partir da CASA o grupo de presidentes
começa a relacionar-se com outros grupos trans-regionais: em 2005, na I Reunião de
Presidentes da Comunidade Sul-americana de Nações, órgão de decisões da instituição, são
publicados duas declarações sobre as relações de cúpula (de presidentes) entre a CASA e duas
outras organizações, a União Africana e os Países Árabes79. Tais declarações não foram feitas
enquanto o grupo se reunia sob o nome de Reunião Presidencial, o que reafirma a posição da
recém criada comunidade como um organismo mais autônomo para representar a região sul-
americana. Isso quer dizer que, enquanto uma Organização Internacional, a CASA, por meio
das reuniões de Chefes de Estado irá se pronunciar como uma frente única sobre os assuntos
pertinentes, fato que permite um relacionamento direto entre essa comunidade e outras
organizações ou países, valorizando o âmbito multilateral de relações internacionais. Também
integram a construção de um grupo mais coeso o linguajar com tom autônomo, a recorrência a
um passado comum e o esboço de instituições próprias para a CASA.
Tanto em 2000 como em 2002, a identidade sul-americana se fortalece diante de
outros processos de regionalização, na resistência à ALCA, por exemplo, e o passado comum
aparece para mostrar as vantagens que a integração possibilita para a inserção na economia
globalizada. Seu papel aqui é completamente secundário. No Consenso de Guayaquil (2002,
p. 03, parágrafo 5, tradução própria e grifo próprio):
ambientes de integração que precisam ter uma história em comum, pois agora o grupo age em
um patamar mais unitário. Há no mínimo a pretensão de se formar, ou tomar como já
formada, uma identidade sul-americana, composta de valores comuns intrínsecos com a
finalidade de solidificar e respaldar a Comunidade de Nações Sul-Americanas recém-
constituída. Como disse antes, pensar em uma Comunidade pressupõe uma identificação com
o outro em um nível mais essencial.
Já no preambulo80 da Declaración de Cusco (2004, p. 01), que funda Comunidade
Sul-americana de Nações, a questão do passado e da integração são bem claras: partindo do
exemplo dos libertadores, heróis da independência, e “interpretando as aspirações e anseios
dos seus povos a favor da integração, da unidade e da construção de um futuro comum” é que
os Presidentes decidem fundar a CASA. O linguajar, a data, os heróis de independência e
idealizadores de uma América Latina integrada81 são colocados em conjunto com as
aspirações e os anseios dos povos para que a Comunidade se conforme.
Nota-se que esse parágrafo é construído como se mantivesse uma continuidade
entre o passado e o presente, como se os anseios daqueles defensores da integração, fossem os
mesmo dos povos (tanto à época dos heróis, quanto agora) e tivessem resultando na
integração regional nascedoura. A sensação que se tem é de uma busca de legitimidade no
passado para proporcionar maior respaldo no presente, excluindo-se da equação o meio que
liga esse passado específico ao agora.
O passado não é contínuo, a obviedade disso é que se assim o fosse não haveriam
se passado mais de 200 anos entre as independências e a constituição da CASA. Se, como nos
diz Joaquim Cadete, a Operação Pan-americana (OPA) de 1958 marca para a noção brasileira
de desenvolvimento nacional “uma ruptura com o passado, dado que assume que o
desenvolvimento regional será impossível sem um elevado nível de cooperação regional, ao
invés de um Brasil independente e autônomo” (CADETE, 2015, p. 28) demorou ainda 46
anos entre a proposta da OPA fracassar e os países sul-americanos conformarem de fato uma
organização internacional que, apesar das suas falhas, teve continuidade.
Dessa forma, entendo que retomar um passado comum e uma história
compartilhada fundamenta a integração, dá mais coesão ao grupo e, por isso, mais autonomia.
É o uso do passado para dar força de união ao grupo, criando laços de similitude que
80
Preambulo é a parte de introdução de um documento normativo, ou seja, um relatório ou introdução a
determinada legislação ou norma.
81
Particularmente Simon Bolívar foi quem lutou pela integração da América latina, De fato, Venezuela,
Colômbia e Equador já constituíam a República da Grande Colômbia, sob a presidência de
Bolívar.
66
Pode até dar a impressão de que essa é uma condição inicial já que esse
documento apenas cria a CASA e não é de fato sua institucionalização, porém na Declaración
Presidencial y Agenda Prioritaria (2005, p. 02, parágrafo 7, tradução própria), apesar de
algumas implementações como a Reunião de Ministros das Relações Exteriores e a Reunião
de Ministros Setoriais, a CASA aparece sempre com o direcionamento para a utilização dos
espaços das organizações internacionais de integração regional já existentes, no lugar de fixar
um espaço próprio:
82
Suriname e Guiana só entram para o Mercosul em 2013
83
No encontro de Chefes de Estado da CASA, em 2005, foi produzida a Declaración sobre la Convergencia de
los Procesos de Integración en América del Sur. Tal documento se refere principalmente à convergência dos
Acordos de Complementação Econômica, assinados entre países os países, partindo de um estudo a ser
proporcionado pela ALADI, pelo Mercosul, pela CAN e pelo CARICOM reunidos.
84
Em 2006, por exemplo, são apresentadas notas presidenciais com essa característica, girando em torno de
reuniões fora do âmbito da CASA (como ela mesma propôs em sua institucionalização) com temas presentes na
Agenda Prioritária da Comunidade: O papel das florestas no desenvolvimento sustentável e na estabilidade
climática; Integração energética sul-americana; Declaração dos direitos dos povos indígenas da ONU; Em
68
direção à construção de uma política e agenda regional em matéria de saúde; Desenvolvimento social e humano
inclusivo como um dos eixos da CASA; Alívio da dívida com o BID; integração física sul-americana e
Integração da educação sul-americana.
69
85
Ao falarmos da ALADI é importante perceber que essa ausência de prazos e liberdade na interação entre os
Estados membros vem do caráter dificultoso de juntar uma região social e economicamente diversa –
demonstrado no fracasso da ALAC. Ela cumpre o papel de abrir caminhos para integrações mais específicas na
esperança que a multiplicidade dos processos um dia abarque todo o território que compõe a ALADI e, assim,
aos poucos a região possa se integrar.
86
Documento final da Comissão Estratégica de Reflexão – Um Novo Modelo de Integração da América do Sul
Em Direção à União Sul-Americana de Nações.
70
87
Vale ressaltar que o Acordo Constitutivo da CASA não chegou a ser discutido enquanto tal, no ano seguinte o
projeto de integração muda de nome para UNASUL e o que se discute a é aprovação e ratificação é o Tratado
Constitutivo dessa. Em termos de diálogos com a sociedade civil, a CASA, em seu período de existência (2004-
2007) não demonstrou projetos concretos que se direcionasse para essa inclusão, esse não foi o único plano não
concretizado, porém tal perspectiva de diálogo não ficou esquecida, ela é presente no documento e discuti-la-ei
um pouco ao falar da participação cidadã vista como um desdobramento do Estado de Direito.
88
Um grupo de Trabalho ad hoc é um GT com propósito específico e direcionado para aplicabilidade de
determinado tema, ou seja, promove um pesquisa para um fim específico que se finda com sua aplicabilidade,
ele não seria responsável por possíveis maus resultados, pela aplicação ou pela fiscalização do produto da sua
pesquisa.
72
O último boom nos preços dos produtos energéticos e industriais brutos, incluindo
materiais brutos da agricultura e da metalurgia, foi particularmente notável; o preço
de comidas e bebidas também aumentou, mas de maneira menos dramática. De
acordo com padrões históricos, o ultimo boom do preço das comodities teve uma
base larga de bens e foi sustável por um período de tempo considerável, com o preço
de muitas comodities – petróleo, metais, a maioria das colheitas de comidas e
algumas bebidas – subindo rapidamente (SPATAFORA; TYTEL, 2009,p. 03)91 .
Porém o aumento do preço das commodities não reflete diretamente uma melhora
na balança comercial, a relação entre importação e exportação (therms of trade – termos de
troca) desses mesmos bens deve ser levada em conta, pois se um país exportar determinado
commoditie e importar um que ficou mais caro, seu saldo final poderá ser negativo, como foi
o caso de El-Salvador nos anos de 2002 a 2007 (JENKINS, 2011).
Além disso, Spatafora e Tytel (2009) trazem uma perspectiva interessante de que
a participação desses termos de trocas no PIB de um país ajuda a estimar o quanto esse o
89
A criação do Banco do sul começa a ser discutida nesse documento que tem como anexo conclusões sobre a
viabilidade e operacionalidade dessa instituição financeira.
90
Devemos perceber que, para se concretizar, uma Organização Internacional depende de investimentos diretos e
constantes, envolve gastos com espaço físico, funcionários e manutenção de projetos. Tudo isso necessário para
a continuidade da instituição, portanto são despesas constantes.
91
The latest boom in the price of energy and industrial inputs, including agricultural raw materials and metals,
was particularly notable; the prices of food and beverages also increased, but less dramatically. By historical
standards, the latest commodity-price boom was broad-based and sustained, with the prices of many
commodities—oil, metals, major food crops, and some beverages— rising sharply
73
aumento das commodities de fato impacta a economia de um Estado que tem esses termos de
troca positivos, ou seja, exporta em valor monetário maior do que importa commodities.
Dessa forma temos no gráfico a seguir uma comparação da influencia cambiante
da relação entre termos de troca de commodities e o PIB. Note que para o caso da América
Latina, desde a década de 1970 constitui uma queda da importância das commodities no PIB
da região em especial entre a segunda metade da década de 90 até meados dos 2000, havendo
então um crescimento da parcela. No caso do Brasil esse movimento é representativo de uma
re-primarização da economia, ou seja, um crescente investimento em setores de produção de
matérias primas (commodities) paralela a uma perda de participação dos manufaturados na
pauta de exportação: de 55% em 1985, mantendo-se com poucas oscilações até 2002 e em
queda até chegar a 39% em 2010 (GIAMBIAGI, 2011).
Também devemos ter em mente que nem todas as commodities sofreram aumento
no período de 2002 a 2007. Das 15 principais vendidas pela América do Sul, os metais
(minério de ferro, zinco e cobre) foram os que tiveram maiores altas entre 2002 e 2007:
184.1%, 316.5% e 356.5%, respectivamente. O aumento do petróleo, do café (125.6%), do
grão e do óleo de soja (80.6% e 85.1%), dos pescados (83.6%) e da madeira (63.6%) também
foi notável (JENKINS, 2011). O aumento exponencial do preço, em especial dos minérios, se
relaciona tanto ao aumento da demanda pelo crescimento da China no período, quanto à
limitação das reservas naturais e à demora em ter retorno após aplicar investimentos no setor
de extração (ibid.). O paralelo pode ser melhor representado pelo seguinte gráfico que
relaciona o crescimento de países sul-americanos com a China:
75
Jenkins divide a América do Sul em quatro grupos: os que tiveram o ganho entre
20% e 50% (Peru, Chile e Bolívia) majoritariamente os exportadores de metais e os que
tiveram o ganho entre 7% e 20% (Venezuela, Mexico, Equador, Argentina e Brasil) os três
primeiros são grandes exportadores de petróleo e os dois últimos, as economias mais
diversificadas da região. O terceiro grupo ficou com ganhos menores que 10% (Colombia e
Paraguai) e o quarto e último grupo foram os que ficaram com impacto negativo (El Salvador,
Costa Rica, Nicarágua, Panamá e Uruguai) (JENKINS, 2011).
Os efeitos desses aumentos também devem levar em consideração que as
possibilidades de desenvolvimento para os países que lucram com esse boom das
commodities estão balizados por mais do que um simples aumento na balança comercial. O
crescimento nesse período também se deve a fatores específicos dos países que
experimentaram os benefícios econômicos do aumento do preço de seus produtos primários,
76
92
Esse quesito de aumento do consumo familiar conta para a situação a inflação que a região presenciará na
década seguinte em 2010, principalmente porque se deu concomitante com o alcance da capacidade máxima de
desenvolvimento da geração de bens e serviços. Em resumo, existiam mais pessoas com renda querendo comprar
do que produtos no mercado, gerando aumento de preços.
93
A ALBA é composta hoje por Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Dominica, Honduras, Equador, são
Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda. Haiti, Santa Lucia e Suriname são convidados especiais. Ela tem
caráter híbrido, uma mistura de Organização internacional, com conselhos e comissões; e acordo multilateral,
com a promoção de acordos bilaterais entre países membros e não membros. Seu enfoque é no desenvolvimento
social com a ocorrência das chamadas Missões Sociais. O Banco ALBA, criado em 2009, o SUCRE (Sistema
Unitário de Compensação Regional) e a Tele SUR (inicialmente ALBA TV) são outros projetos que se
desenvolvem no âmbito da ALBA. A Organização enfrenta hoje problemas devido a morte de Chávez, grande
idealizador, a queda do preço do petróleo e a leve aproximação de Cuba com os EUA. (BATISTA, 2016)
(NITSCHBRESSAN, LUCIANO e SIRI, 2015).
78
94
Por normas de Direito Internacional deve-se entender leis que regulam as relações dos Estados em âmbito
internacional, sendo tais normas advinda de tratados dos quais os países fazem parte ou do costume geral
internacional. Nesse caso os documentos que contam com obrigação jurídica são o Estatuto da Corte
Internacional de Justiça e a própria Carta da ONU que são documentos jurídicos. Os compromissos foram
firmados e estão sendo apenas reiterados nas Declarações e Comunicados, esses não tem poder jurídico.
80
crise no início do século XXI , essa confirmação se torna mais veemente, em especial o novo
compromisso com a democracia, estabelecido pela Carta Democrática de Lima em 2001, e
com o Protocolo de Ushuaia sobre compromisso democrático no MERCOSUL, Bolívia e
Chile; que permitem que medidas internacionais sejam tomadas no caso de ruptura da
democracia.
Tal regime de governo tem uma seção própria no corpo do Comunicado de
Brasília (2000). Essa fonte, entre as analisadas é sem dúvida a que mais remete ao conceito de
democracia: o termo aparece 13 vezes no texto, muitas delas junto a termos como paz,
integração e desenvolvimento econômico e social; mostrando inclusive a relação entre os
mesmos:
E:
95
Outros assuntos também são debatidos ao longo das três Reuniões presidenciais, temas como combate às
drogas, combate à pobreza, energia e tecnologia, como vimos, são constantes ao longo da documentação. São
assuntos que, dentro do desenvolvimento normativo, institucional e estrutural do grupo sul-americano vão tendo
seus locais de discussão mais definidos, aparecendo nos documentos como resultados alcançados ou planos para
serem executados. No entanto, o desenvolvimento desses temas específicos não é o enfoque do presente
trabalho, por isso eles não ganharão destaque na discussão.
85
movimento liberal, que ao limitar o poder do rei garante a liberdade individual, sendo assim
fruto de uma desconfiança com relação ao poder público, buscando limitar e controlar a ação
dos seus governantes, como a divisão em Três Poderes. Assim o Estado deveria apenas
sancionar as infrações e prevenir suas repetições (REMOND, 1976).
O liberalismo, porém também é uma doutrina de conservação de poder, na qual a
sociedade burguesa impõe seus interesses, seus valores e suas crenças, uma sociedade na qual
o poder está reservado a uma elite que, por meio do sucesso pessoal – demonstrado pela posse
de dinheiro – se classificaria como apta a decidir os caminhos do Estado (REMOND, 1976)
96
. Para Carlos Ari Sunfeld (2009, p. 50), democracia e Estado de Direito vão, de forma
gradual, se complementando:
Renné Rémond (1976) entende que houve uma evolução gradual no papel do
Estado na sociedade, e que de fato, ele incorpora o ideal democrático, isso não se dá, porém,
sem conflito. A democracia é sim herdeira do liberalismo em função da apropriação de
instituições estabelecidas pela sociedade liberal, porém houve um processo conflituoso de
ampliação dessas instituições. Diferentes conceitos vão disputando em instancias variadas do
processo político e social do século XIX e início do XX, como o caso da concepção do
eleitorado, visto pelos democráticos como um direito natural, inerente à cidadania, mas que os
liberais encaravam como uma função, “uma espécie de serviço público, do qual a nação
decide investir nesta ou naquela categoria de cidadãos, introduzindo assim uma distinção
entre o país legal e o real.” (REMOND, 1976, p. 41). A sociedade também estava em
mudança, a Revolução Industrial, com sua revolução técnica e o desenvolvimento do setor
terciário, cria novas profissões, proporcionando o surgimento de novos segmentos sociais
96
O critério censitário assim é uma libertação do imobilismo do Antigo Regime, no qual os bens não saíam das
famílias e a mobilidade social era dificilmente realizada. Porém tal critério também se demonstra opressor, já
que as pessoas não tem a mesma condição inicial para chegar a um objetivo comum. Assim, para quem não tem
dinheiro ou muita sorte, a possibilidade de mobilidade social pronunciada pela sociedade burguesa não acontece.
A mudança de um poder pessoal e assistencialista, que ligava os empregados aos seus empregadores de forma
mais íntima (o empregador quase sempre era responsável a alimentar e dar abrigo ao seu empregado) para um
poder impessoal, no qual o salário e a ideia de um homem que cresce socialmente por seus próprios méritos
desvincula responsabilidades entre essas duas partes, acaba gerando o aumento da miséria e limita a participação
popular na política mais do que antes (REMOND, 1976).
86
Assim, ora por uma necessidade inerente ao exercício efetivo da democracia, ora
pelo prolongamento natural de sua inspiração, a democracia modifica não apenas a
forma do regime, mas tende ainda para a harmonização das instituições políticas e
das instituições sociais (REMOND, 1976, p. 77).
97
O movimento de defesa da Carta do Povo, conhecido como Cartismo, merece aqui destaque como uma
revolução para mudança no sistema político por via constitucional. A troca entre operários e parlamento de
missivas que abrangiam desde questões eleitorais, como o voto universal, à questões trabalhistas, como a
regulamentação do trabalho infantil, alcança seu clímax na Carta do Povo entre 1839-1842. É considerado um
momento de amadurecimento político se comparado com os anteriores e, apesar da sua derrota e repressão,
mantém sua influencia até 1848 na Primavera dos Povos (HOBSBAWM, 2007).
87
É assim então que, por meio da influencia da democracia no Estado de Direito que
temos a produção de uma categoria diferenciada de direitos: os direitos políticos, ou seja, a
garantia imediata de participação no poder (SUNFELD, 2009). Ao definir essa prática
democrática, Carlos Ari Sunfeld (2009) a vincula ao segmento de uma norma pré-determinada
indispensável: regulamentação constitucional, ou seja, sem uma noção prévia de
constitucionalidade a democracia não teria estabelecida regras que norteariam e assegurariam
o seu exercício.
O Estado no papel de interventor em certas em certas áreas da vida social, antes
deixadas no Estado de Direito para a iniciativa privada, é outra mudança que vai ocorrendo na
evolução dessa instituição. Rémond (1976) coloca como exemplos da causa dessa evolução a
intervenção para evitar fraudes, que acaba aumentando o numero de contratações para o
serviço público; a ocorrência de eventuais desastres naturais como terremotos e enchentes,
que exigiam coordenação pública; a eventualidade de grandes epidemias, que dificultavam o
controle das doenças apenas pelos órgãos religiosos ou privados normalmente encarregados
dessa área; e a devastação causada pela Primeira Guerra mundial. O fim do conflito foi
definitivo para a consolidação do Estado Social, um Estado com o dever promover a
recuperação do país. A quebra da bolsa de Nova York em 1929 seguida da crise social e
econômica foi outro momento que consolidou a necessidade de um Estado ativo nas questões
sociais e econômicas, dai a implantação do New Deal em 1933.
Vale aqui não esquecer que essas intervenções estatais também foram balizadas
pelo crescente impacto do movimento socialista no entre guerras e nas lutas por melhores
condições de trabalho, moradia e saúde vinda da classe operária. Essa incorporação do Estado
Social foi lenta, quase que por necessidade, em alguns momentos, mas não foi de forma
alguma isenta de conflitos (HOBSBAWM, 2007; RÉMOND, 1976).
De acordo com Carlos Ari Sunfeld (2009), novamente o Estado Social é garantido
pelo que o precedeu: o Estado Democrático de Direito. Para o autor, esses três conceitos de
Estado se fundem em necessária convivência e funcionalidade, as três noções de origens
distintas se incorporam para serem válidas. Vemos então que o conceito de Estado de Direito,
de maneira pura, não incorpora questões democráticas ou sociais, porém em termos legais e
nos documentos analisados, Estado de Direito parece abarcar todas as atribuições dos três
conceitos distintos.
Tal conceito é praticado hoje em questões como a do acesso dos cidadãos à justiça
e da perspectiva de aprimoramento do sistema judiciário, ou seja, também envolve a ideia de
que os órgãos de Estado estejam efetivamente ao alcance das demandas da população, no caso
da integração, prevê órgãos que estejam em contato com a sociedade civil. Em termos mais
democráticos, o acesso do cidadão ao voto em um processo eleitoral constitucionalmente
aprovado e seguido são cruciais para a definição desse Estado de Direito e da democracia,
além claro da noção de um chefe de Estado limitado por uma constituição.
Nesse sentido serão dirigidos grandes esforços para a garantia da pratica cidadã
indo além da garantia ao voto defendida pela obrigatoriedade da democracia. Tivemos na
cidade de Fortaleza em 2005 a Reunião dos Ministros de Justiça de Interior, Defesa e
Segurança Cidadã que discutiu o direito a segurança, a importância da atuação da sociedade
civil nesse âmbito e políticas comuns que poderiam ser tomadas pelos países da América do
Sul (tal encontro foi discutido na I Reunião de Cúpula da CASA). Em 2006 o MERCOSUL
também promoverá a Cúpula MERCOSUL Social, para tratar da interação entre prática
cidadã e a integração regional. Existe assim em esforço crescente no período estudado em
garantir esses direitos no âmbito da integração regional.
No preâmbulo do DECLARACIÓN de Seguridad Ciudadana en Sudamérica de
2005 (p. 01, tradução própria) temos que no âmbito da CASA os Estados membros
considerando: “QUE a participação cidadã é um elemento chave para avançar na consolidação
de valores e normas comunitárias, como o respeito e a solidariedade, que têm sido tradicionais
nas comunidades sul-americanmas”. E no corpo do documento o ponto três trata do:
Declaração de Cusco em 2004 (p. 02, tradução própria) temos que a CASA se conforma
levando em conta:
Por mais que os “mecanismos inovadores” não sejam de fato criados no dado
momento, temos o reconhecimento da importância desse fator social para a integração. Fazer
a sociedade interagir com a proposta de integração dos governos é garantir solidez e
continuidade ao projeto, por essa questão também passa a apropriação de um passado e de
uma identidade comum, temas que entram em pauta a partir da criação da CASA98.
Esse fator de inclusão da sociedade civil aparece como garantia de uma sociedade
participativa dos projetos de Estado, além de ser representativo dos governos da região no
momento (2000 - 2008) quando existe uma valorização do papel social tanto do Estado
quanto da integração, vinculando-se com a noção de desenvolvimento social sustentável.
Então, inclusão da sociedade civil se conecta nos documentos ao Estado de Direito. Essa ideia
vai ao encontro da teoria funcionalista de integração regional, para a qual o “o parâmetro de
sucesso é sua capacidade de modificar a realidade anterior à constituição de um bloco
regional, produzindo novos comportamentos” (VIGEVANI, et al., 2008, p.12). Dessa forma:
98
A construção desses temas também se dá de forma muito própria do grupo de países, passando por fases até
uma consolidação no tratado constitutivo, porém por questão de escolha metodológica o presente trabalho não
aborda tal trajeto.
90
mobilizador da integração, que, por sua vez, está ligado à satisfação de interesses.
Essa situação possibilitaria o aprofundamento do processo e facilitaria sua
propagação e manutenção. O incremento da ação dos atores sociais e econômicos e
das elites faria com que aumentassem as demandas visando o gerenciamento comum
de interesses, exatamente o spillover. A espiral crescente de intervenção e integração
para regulamentação destes interesses constituiria o motor que garantiria a
continuidade da integração (ibid., loc. cit.).
2000, notadamente nos que definimos anteriormente como uma esquerda radical e
nacionalista (Venezuela, Equador e Bolívia). O autor aponta que muito da discussão sobre o a
existência ou não de uma quebra democrática nesses governos gira em torno dessa
simplificação do conceito. A recorrência a alternativas como plebiscitos para ampliar a
participação popular e a aprovação de reformas muitas vezes descentralizadoras do poder
político – retira parte das competências e do poder de decisão dos Congressos Nacionais,
dando às organizações comunitárias mais atuação política dentro de sua comunidade (como é
o caso dos Conselhos Comunais na Venezuela a partir de 2009) – só são entendidas como
totalitarismos ou ditaduras dentro do conceito fechado de democracia ocidental. A questão da
participação popular ainda gera outras apreciações:
Por fim ainda há o risco de que se proliferem análises que insistam na tese de
manipulação das massas, o que desqualifica a capacidade de compreensão da
participação política por parte dos cidadãos sul-americanos. Em última instância,
essa tese pode apontar para uma concepção elitista, em que o povo devera aprender a
votar de acordo com o entendimento das elites políticas, também muito presente na
cena sul-americana nos anos de 1950 e 1960 (ibid., p. 237).
outra nação ou mesmo com narcotráfico, não pode garantir que certas diretrizes serão bem-
sucedidas: a construção de uma fábrica, por exemplo, pode ser impedida por um
bombardeamento ou por uma ocupação de facção criminosa.
Então como Maurício Santoro Rocha (2013) defende: a democracia permite
também a resolução de conflitos no âmbito político, consolidando uma estabilidade regional
que não era tão sólida nas ditaduras anteriores. Para esse autor a democracia foi importante
também para criar a confiança que permitiu o início do processo de integração sul-americano,
identificado na aproximação entre Brasil e Argentina nos meados da década de 1980, além de
evitar conflitos bélicos na região, sendo assim, como já havia comentado, condição
indispensável para a estabilidade.
Para além da questão de desenvolvimento, as diretrizes definem o local político
do qual o grupo fala, locus que coloca o grupo dentro da norma ocidental e de certa forma
americana de política externa. Elas refletem o alinhamento político dos países e asseguram
sua participação conjunta e individual em fóruns internacionais específicos. A Carta da ONU,
por exemplo, prima pela manutenção da paz e da resolução de controvérsias por meio não
bélicos; caso um país desacorde com esse princípio, será expulso ou não aceito. Nesse
sentido, é importante ver que, em termos de política internacional a imagem de um país
deriva, em grande parte, dos compromissos que assume, do tipo de Governo que o representa
e de que trajetória de ação ele mantem.
Quando os Presidentes sul-americanos traçam em conjunto essas diretrizes, eles se
propõem a seguir determinada linha de atuação política internacional e nacional. Estabelecer
como pressupostos a Democracia e o respeito aos Direitos Humanos é trabalhar uma imagem
internacional específica. Dessa forma, dentro do contexto de inserção internacional não só da
América do Sul, mas também da América Latina, a democracia se torna uma moeda de troca
política e econômica, garantindo estabilidade e continuidade para ter acesso a negociações e
investimentos do sistema internacional (D`ARAUJO, 2008).
Podemos entender então que deriva dessa questão a grande preocupação com a
continuidade democrática dentro de períodos de crise política, havendo um real esforço para a
manutenção da legitimidade dos governos que os sucedem e para a não implantação de
regimes que possam ser considerados como de exceção (D`ARAUJO 2008; SPEKTOR,
2014). Tal paralelo pode ser feito não apenas para a ascensão da esquerda nos anos 2000
como também para a retomada as direitas liberais no momento em que esse trabalho está
sendo escrito, a crise na Venezuela e a o impedimento da ex-Presidente Dilma (2016) são
exemplos disso.
93
Perceber essas diferentes palavras ligadas à ideia de democracia, nos passa uma
visão mais específica do que é a democracia para esse grupo de países, isso porque os
conceitos políticos podem ser compreendidos tanto pelos seus contraconceitos como pelos
seus conceitos associados, ou seja, palavras que ampliam o significado do conceito original,
mostrando as transformações políticas com as quais as palavras passam (KOSELEK apud
MIRANDA, 2013). No caso do trecho do documento de 2006, vemos claramente ditadura
como um contraconceito de democracia e de direitos humanos, uma realidade democrática
exclui a existência de um governo ditatorial.
Ao mesmo tempo vemos a associação de democracia com a coexistência da
diversidade social e com o reconhecimento dos direitos dessa, fato que consiste em um
direcionamento mais focado na sociedade e na sua participação na política para além do
simples voto. Mudança saliente se o trecho dor confrontadp com o Comunicado de Brasília
(2000, p. 04, parágrafo 21, tradução própria, grifo próprio):
99
Para Hartlyn a democracia seria composta de um pilar ou dimensão competitiva, marcada pela livre expressão
política dos partidos e na aceitação da legitimidade de oposições, outro pilar constitucional, definido pela
existência e respeito a uma constituição que “impõe limites à hegemonia das maiorias eleitorais e protege o
funcionamento das instituições democráticas” e por fim do pilar participativo, centrado na incorporação da
população adulta ao processo eleitoral (MIRANDA, 2013). Essas dimensões seguiriam essa ordem de
aprofundamento da democracia, de forma que a dimensão participativa dependeria do adensamento dos dois
pilares anteriores que criaria “uma densa rede de associações, organizações, e de oportunidades para a
participação voluntária” (HARTLYN, p. 60 apud MIRANDA, 2013, p. 257).
96
Tal modus operandi não está restrito à comunidade sul-americana, essa concepção
vem se tornando “argumento aglutinador de opiniões na comunidade internacional, mesmo
em países de orientação e projetos políticos distintos” (MIRANDA, 2013, p. 269). Para
sustentar tal argumento, Mario Miranda (2013) apresenta os desdobramentos dessa estratégia
nos processos de integração sul-americana, como as discussões para a incorporação da
Venezuela ao MERCOSUL iniciadas em 2004 e a crise da polícia no Equador em 2010.
Especialmente no caso da última a defesa do sistema internacional ao respeito à
constitucionalidade foi marcante. Vale, porém, lembrar que toda constituição tem seus limites
de interpretação, ou seja, certos processos descritos na lei podem aparecer de forma vaga,
deixando espaço para uma interpretação que favorece a um ou a outro grupo político interno,
esticando assim o conceito do que seria essa democracia constitucional interna. Esse assunto
se demonstra assim uma discussão delicada que muitas vezes pode variar dependendo das
relações internacionais que um país tem com o outro e até que ponto certo Estado levou a
interpretação de determinadas questões democráticas. Defender a constituição interna como
uma forma de balizar desvios da democracia, apesar de ser a solução mais seguida, tampouco
é uma solução que se esgota em si mesma, ela ainda traz muitas possibilidades de discussão
nos diversos casos em que foi e é aplicada.
Então, mesmo com seus limites, a conformação, ocorrida entre 2000 e 2004, de
um consenso sobre a democracia para o grupo sul-americano acontece em um contexto em
que tal conceito é necessário para a realidade internacional em modificação e ocorre de modo
quase automático após o fim das ditaduras civis-militares. A queda do muro de Berlim
contribuiu para a popularidade da ideia de liberdade, propagada pelo o ocidente como uma
característica inerente ao homem. A queda da URSS em 1991 representa um grande fracasso
político, econômico e social dos Governos Totalitários e Ditatoriais. As ditaduras civis-
militares da América Latina já estavam em processo de abertura política, impulsionado não
apenas pelo contexto internacional, como também pelas pressões do presidente
estadounidense Jimmy Carter em torno do respeito aos direitos humanos; mas também levado
a cabo por estruturas internas que, especialmente na década de 1980, influenciaram no
enfraquecimento desses regimes ditatoriais, como o desgaste do modelo de substituições de
importações implantado na desses governos.
97
Então, os países sul-americanos não assumirão uma posição de impor por meio de
força uma democracia específica ou mesmo outras diretrizes. Na fase em que o grupo é
apenas uma Reunião de Presidentes os documentos intitulados consensos ou declarações tem
um peso bem menor que a assinatura de um tratado, pois não há obrigação jurídica de que se
siga as regras determinadas. Dessa forma os documentos das Reuniões de Presidentes (2000 -
2004) mostram entendimentos conjuntos sobre assuntos como democracia participativa,
direitos humanos e direito ao desenvolvimento que se tornarão temas de discussão dentro da
CASA (2005-2007) e finalmente diretrizes do Tratado Constitutivo da Unasul (2008), esse
sim vinculante.
Porém durante todo o processo o diálogo e o concerto político são os pontos
principais de concórdia e de relação entre os países, em especial porque esses são os objetivos
o projeto de integração vai adquirindo: a Unasul é uma integração política, com uma vertente
econômica, social, cultural e territorial, mas essencialmente um espaço de coordenação
política dos países da região. E as decisões buscadas por consenso, por meio do diálogo
político dentro do órgão:
98
Em seguida:
E, posteriormente:
a forma de como cada governo levou tal diretiva à concretude, ou mudou completamente a
diretiva é importante para se ter em mente que os meios para os fins importam na política,
especialmente porque os outros sujeitos de relações internacionais100 estão vendo, analisando
e gerando opiniões.
A quantidade e a continuidade de redemocratizações na América do Sul nas
décadas 1980 e 1990 e as afirmações nesses documentos, pouco tempo depois, mostram a
importância de determinados posicionamentos para a prática política internacional: a
democracia é, sem dúvida, um consenso. Então, chegar a posicionamentos semelhantes com
relação a temas internacionais ou regionais de pertinência é o foco que essas reuniões vão
adquirindo, além da coordenação de iniciativas conjuntas como a IIRSA e proposta do Banco
do Sul.
Não é por impulso que o governo FHC convoca a I Reunião de Presidentes Sul-
Americanos (2000), é uma estratégia de desenvolvimento econômico conjunto, de integração
física e de concertação política que visa uma posição mais favorável internacionalmente para
o Brasil. As reuniões propiciam que pontos comuns sejam discutidos, metas comuns sejam
traçadas e ajuda, primeiramente extra-regional e posteriormente intra-regional, seja
conseguida. Esses encontros ao longo de oito anos foram se constituindo em um espaço de
autonomia política para os países, um local onde seus problemas podem ser discutidos sem
competir com outros assuntos extra-regionais.
Também, proporcionou um espaço institucional para afinar seus direcionamentos
políticos e promover uma cooperação mais harmoniosa e em sintonia que resultou em um
projeto de integração política. Tudo isso propicia mais autonomia política para a região,
mesmo que a UNASUL coexista com outros processos de integração tanto na América do Sul
como na América Latina.
100
Vale aqui retomar a discussão de sujeito presente na introdução deste trabalho, no qual se entende sujeito de
relações internacionais como os Estados e seus planejadores da política externa e as Organizações
Internacionais; os acadêmicos que escrevem sobre o tema e a própria população.
100
5 CONCLUSÃO.
documento que mostra a preocupação com questões sociais. Nessa linha em 2012 tivemos as
declarações sobre doação voluntária de leite materno, desenvolvimento social, segurança
cidadã, justiça e coordenação de ações contra a delinquência organizada transnacional. No
mesmo ano é aprovado pelo Conselho de Chefes de Chefas de Estado o Estatuto Sul-
americano de Governo em Saúde.
Questões internacionais também foram discutidas e acordadas de um ponto de
vista regional. É o caso da questão das Malvinas (ou Ilha Falkland) que ainda está em
processo de análise dentro da ONU, ambiente onde a UNASUL defende tanto a continuidade
do processo pacífico de resolução de conflitos quanto a posse argentina da ilha. A disputa
entre Argentina e o Reino Unido tem importância estratégica para a América do Sul: pode se
constituir em intromissão europeia nos assuntos da região, tanto políticos quanto de defesa,
pois a ilha, localizada no sul da Argentina dá acesso àquilo que acontece na transição entre os
oceanos Atlântico e Pacifico. Nesse caso é um ponto estratégico de informação e certo
controle marítimo que em caso de conflito bélico pode até ser utilizado como ponto de apoio.
Esse quadro apresentado acima demonstra a importância geopolítica da UNASUL.
A questão das Malvinas, porém se constitui também em uma disputa pela
exploração econômica da área marítima, como prospecção de petróleo ou pesca de salmão.
Provavelmente esse é o ponto de maior importância nas discussões atuais sobre a ilha,
especialmente porque envolve a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), uma área marinha que se
estende entre 200 e 350 milhas marítimas que é de exploração exclusiva dos países com
fronteiras litorâneas, ou seja outros países podem trafegar, mas não explorar recursos naturais
(Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, 1982).
A democracia continua a ser um tema recorrente. Ela é reafirmada em 2010 com a
aprovação do Protocolo Adicional do Tratado Constitutivo da UNASUL sobre Compromisso
com a Democracia, ou seja, aprovaram-se normativas que lidam com a ruptura ou ameaça de
ruptura da ordem democrática. Na esteira dessa mesma questão, em 2012, há a incorporação
do Conselho Eleitoral da UNASUL e a aprovação do Estatuto, Critérios e Normas das
missões eleitorais. Há um trabalho conjunto dos poderes judiciários dos países membros para
chegar em concordância sobre normas jurídicas acerca da questão eleitoral. As missões
eleitorais foram e são ainda realizadas em casos de período eleitoral, acompanhando
atualmente o caso da Venezuela.
Na questão da participação cidadã em 2013 foram aprovadas as diretrizes de
funcionamento do Fórum de Participação Cidadã, constituído de espaços nacionais, instalados
de acordo com cada constituição dos países membros, onde se discutiria as questões dos
102
grupos da sociedade civil sobre a integração, gerando um relatório para ser discutido na
plenária do fórum em âmbito regional e assim levado à secretaria pro-tempore.
O fato de a proposta da ALCA e a NAFTA terem impulsionado uma reunião que
resultou na institucionalização de um projeto integracionista inovador na História da Política
Externa sul-americana mostra que a questão das conformações econômico-espaciais regionais
está no cerne da criação do espaço territorial e identitário da América do Sul: é uma resposta à
conjuntura. Levando em consideração a questão do contexto de globalização, muitos autores
colocam os processos de regionalização como uma consequência desse contexto e não como
uma oposição a ele:
Dado o processo, também não é tão surpreendente que a UNASUL nasça com
personalidade jurídica, ou seja, capacidade de negociar com outros países e organizações.
Deisy Ventura e Camila Braldi (2008?) fazem uma comparação entre a rápida aquisição de
personalidade jurídica da UNASUL e a adquirida após três anos pelo MERCOSUL (o tempo
decorrido entre o Tratado de Assunção em 1991 e o Tratado de Ouro Preto em 1994). De fato,
se não levarmos em consideração o processo de integração, que vai desde de 2000 ou pelo
menos desde a instituição da CASA em 2004/2007 tal atribuição pode parecer repentina.
Além disso, o MERCOSUL foi o primeiro ensaio de uma parceria comercial multilateral entre
os países sul-americanos, não surpreende que tenha havido uma maior cautela: os processos
que permitiriam a continuidade da integração ainda estavam sendo discutidos.
Levando em consideração o passado das Políticas Brasileiras para com a América
do Sul e até mesmo da América do Sul para com ela mesma, a criação e permanência da
UNASUL é um marco para a História das Políticas Externas da região, essa organização tem
a capacidade institucional de ser de fato uma instituição regional internacional. Isso não quer
dizer que a União não apresente dificuldades, como o descrédito internacional, a ausência de
spillover e a mudança político-econômica de meados da década de 2010.
A questão da falta de credibilidade internacional paira muito sobre a existente
retorica acerca do discurso integracionista sem de fato haver a prática da integração
(MEUNIER; MEDEIROS, 2013), sobre a pulverização de esforços integrativos gerado pela
participação conjunta e mútua de diversas organizações; e sobre o padrão sistêmico da
resolução nacional de problemas, ou seja, a questão da autonomia nacional. Christopher
Sabatini coloca esse descredito a partir da “incapacidade técnica e incredibilidade política”
para lidar com a possibilidade de fraude eleitoral na Venezuela. A comissão da UNASUL
teria sido apenas espectadora da eleição de Maduro em 2013 ignorando prováveis atentados
aos Direitos humanos e as vaias e reclames sobre o ganho eleitoral do referido presidente. O
autor continua defendendo que esses multilateralismos fracos colocam a estabilidade da
Democracia e a preservação dos Direitos Humanos em risco por criarem espaços de atuação
sem poder real de gerência, e defende a OEA enquanto uma organização mais forte, pelo
menos nesse sentido (SABATINI, 2014).
O caso da ausência de Spillover é discutido por Tullo Vigevani, Gustavo Favron,
Haroldo Ramanzini Junior e Rodrigo Correia (2004), em seu estudo sobre o MERCOSUL. Os
autores chamam a atenção de que o processo integrativo não é estático e que a maioria dos
processos ou espalha para o resto da sociedade, partindo de áreas políticas e econômicas (o
104
chamado spillover) ou ele cessa de existir, porém no caso do MERCOSUL eles analisam que
nem houve spillover nem o fim do bloco. Poderíamos trazer essa observação para o caso do
processo de integração sul-americano partindo da CASA e para a UNASUL e daí a
preocupação mais acentuada desde o Documento Final de la Comisión Estratégica de
Reflexión (2006) com meios de inserir a “sociedade civil” no processo político da integração,
a posterior criação do Fórum de Participação Cidadã (2013) e o inicio de discussões sobre
uma cidadania sul-americana em 2012, apontada como um dos objetivos da UNASUL.
Dentro desse esforço de congregar a sociedade civil, em 2015 iniciou-se o Café UNASUL,
um programa de debates e espaço de convivência entre jovens estudantes de universidades e
colégios e a instituição representada pelo Secretário Geral.
A última dificuldade pode ser englobada em um cenário de baixa dos preços das
comodities e de crise econômica da balança comercial dos países da América do Sul que
acentuou a retomada do poder de partidos centro-direita na região101. Esses grupos parecem
estar mais a favor de uma retomada da integração no molde economicista de inícios da década
de 1990 com o enfoque no comércio e na autonomia nacional. Por um lado, (re)colocar os
projetos nesse molde permite a continuidade da integração, porém dificulta que ela atinja os
objetivos de aproximação social e política que começaram a se conformar em meados dos
anos 2000. A UNASUL, então, corre o risco de perder investimento e poder de atuação
política. Tais questões são válidas e pertinentes quanto aos problemas que a união terá que
lidar para continuar funcional. Porém:
Para além dos limites topográficos, uma região é forjada por vínculos que os
indivíduos desenvolvem com um determinado território, o que deriva de uma
história coletiva mas também de interações presentes, inclusive por meio de
instituições. Estas instituições prescrevem normas de comportamento e regulam
atividades, bem como frame the discourse (Schmidt, 2008:314): definem os limites
dentro dos quais determinados repertórios de ideias e interações discursivas serão
mais ou menos aceitáveis (MEUNIER; MEDEIROS, 2013, p. 675).
101
Entre os quais podemos contar o Paraguai, a Argentina, o Brasil, e o Peru.
102
Leticia Pinheiro (2004) discute a construção social do conceito de desenvolvimento e da autonomia pelas
elites diplomáticas brasileiras, muitas vezes isoladas das mudanças governamentais existentes, fator que
contribuiu para certa manutenção dessas duas diretivas da PEB. Dessa forma os conceitos de autonomia, passado
e lugar no sistema internacional podem ser entendidos como construídos socialmente para a América do Sul, se
fizermos um paralelo partindo do estudo das fontes trabalhadas na presente monografia.
105
discussão, estudos e difusão do processo de integração pode influenciar nos rumos que a
integração sul-americana pode seguir, tanto para sua efetivação (cenário no qual teríamos uma
identidade sul-americana construída e consolidada) como para seu fim (cenário que
representaria o fim de esforços políticos para manter os espaços de integração existentes). Por
isso a noção de Carr (1981) de que somos todos atores no campo da política externa, se esse
campo afeta a nossa vida, devemos fazer parte do seu processo de construção.
A validade da UNASUL está na sua existência política e burocrática, em ser um
espaço que discute o território sul-americano e sua integração, que propões estudos e gera
políticas, em ser um espaço de atuação, de inserção e de voz dos países que a compõem. Essa
instituição se constitui em um esforço de manter canais abertos sobre debates diversos e de
colocar em movimento uma identificação regional na política, na economia e nas questões
sociais, como cidadania, saúde, segurança e educação. A força da UNASUL nesse novo
cenário político econômico de incerteza quanto ao direcionamento dos processos de
integração é sem dúvida a multiplicidade dos seus temas, que poderia gerar direcionamento da
instituição para fins mais políticos que sociais, mas não o esvaziamento de seus projetos. Ela
é, então, um local importante de exercer, ou pelo menos procurar exercer dentro dos limites
da conjuntura econômica e política internacional, certo grau de autonomia política.
Conceitualmente, para a América Latina, autonomia “corresponde à capacidade de
definir uma política externa sem a imposição de restrições por parte dos mais poderosos”, de
forma que um Estado pode ou não possuí-la e essa condição levaria a total dependência (ou
alinhamento), ou a total autonomia (CADETE, 20015, p 10).
Para a região esse conceito vai se delineando desde a independência das colônias,
provavelmente pelo caráter de imposição das políticas coloniais. No século XIX temos os
EUA com suas políticas para a América Latina e a clara influência do país norte americano
em outros países independentes, em especial no caribe. Isso modifica para a América Latina o
significado tradicional do conceito de autonomia que se vincula ao de soberania, ou seja, ao
reconhecimento dos Estados como partes iguais na ordem internacional anárquica e assim
capazes de apenas eles terem gestão sobre seu próprio território, então o conceito de
autonomia tradicionalmente se vincula mais a uma capacidade interna dos Estados do que
necessariamente a posições e ações no âmbito internacional103 (CADETE, 20015). Na década
103
Vale lembrar que a questão da autonomia para política europeia se deu na Paz de Westefália em 1648. Foi um
consenso entre os países para concordar que em cada território mandava seu Rei ou Soberano e assim, dentro
desse espaço teriam eles, de forma independente, monopólio na criação de suas próprias leis, sendo cada lei
válida dentro do respectivo território. Dessa independência viria autonomia para escolher em que tratados seriam
parte, tornando as leis de tal acordo válidos nos reinos dele partícipe.
106
Brasil no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), grupo dos principais países
emergentes, as repetidas vitórias em disputas na OMC; a liderança no G-20 comercial
também dentro da Organização Mundial do Comércio, a participação no G-20 financeiro, a
liderança na formação em 2004 no G-4 para a reforma do Conselho de Segurança da ONU
(CSNU) e a criação do IBAS (Cooperação Índia, Brasil e África do Sul), todos esses
mecanismos multilaterais de diálogos foram criados na mesma época que a UNASUL (ibid.).
Nessa mesma esteira, ainda tivemos a escolha do Rio de Janeiro para sede dos Jogos
Olímpicos de 2016 e do Brasil como sede Copa do Mundo de Futebol em 2014; componentes
que atestaram o novo prestígio internacional do Brasil na busca de reconhecimento do país
como um Estado novo, eficiente e pacífico, (ibid.).
Francisco Doratioto e Carlos Vidigal (2015), porém, comparam esse momento, de
suposto reconhecimento internacional do Brasil, em especial seu pleito de se inserir como
membro permanente no CSNU, à política externa brasileira na década de 1920 intitulada de
“ilusão de poder” (CERVO; BUENO, 2008). Nessa década o Brasil iniciou o pleito de entrada
como membro permanente do Conselho Executivo da Liga das Nações que, recusada sua
entrada, levou, em 1926, à saída voluntária do Brasil e o veto do mesmo para a entrada da
Alemanha na posição almejada pelo nosso país.
O período da era Lula seria então uma ilusão da mudança do posicionamento
brasileiro no ambiente internacional:
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