Você está na página 1de 123

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE HISTÓRIA

RACHEL XIMENES AGUIAR

AMÉRICA DO SUL EM FORMAÇÃO:


CONTEXTOS E CONCEITOS DA CONSTRUÇÃO DA UNASUL ENTRE 2000 E 2008.

FORTALEZA
2017
RACHEL XIMENES AGUIAR

AMÉRICA DO SUL EM FORMAÇÃO: CONTEXTOS E CONCEITOS DA


CONSTRUÇÃO DA UNASUL ENTRE 2000 E 2008.

Monografia apresentada ao Curso de História


do Departamento de História da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial para
obtenção do Título de Bacharel em História.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Luiz Macêdo e


Silva Filho.

FORTALEZA
2017
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Ricardo e Ana Claudia Aguiar pelo apoio e suporte durante a
construção desta pesquisa.
Ao meu orientador, Prof. Antonio Luiz Macêdo e Silva Filho, pela paciência e
coragem de entrar no processo de escrita deste trabalho.
Ao meu namorado, Isac do Vale, pelas horas de leitura e revisão do conteúdo aqui
presente.
Aos professores participantes da Banca, Prof. Jailson Pereira da Silva e Prof.
Jawdat Abu-El-Haj, pela sua disponibilidade e colaboração.
À equipe da Coordenação de História da UFC, em especial a Dona Joana, sempre
paciente para tirar minhas dúvidas sobre datas e documentos.
Aos amigos que durante o tempo de realização deste trabalho ouviram com
paciência minhas dificuldades.
“A política trata da convivência entre
diferentes. Os homens se organizam
politicamente para certas coisas em comum,
essenciais num caos absoluto, ou a partir do
caos absoluto das diferenças.” (Hannah
Arendt)
RESUMO

A consolidação da América do Sul enquanto plataforma de projeção internacional para seus


integrantes se relaciona com o processo de integração política da região, representado
atualmente em especial pela União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). A compreensão
de como se consolida essa Organização Internacional permite a percepção de sua importância
como um espaço de exercício da autonomia política, de aprimoramento das relações regionais
e de projeção internacional do Brasil. O objetivo do presente trabalho é analisar o processo de
formação da UNASUL dentro dos contextos múltiplos nos quais ela é delineada, atentando
para o uso potencial que tal instituição pode ter para a Política Externa Brasileira. Com essa
finalidade, os documentos normativos que foram produzidos durante as reuniões de Chefes de
Estado a partir da inédita I Reunião de Presidentes Sul-Americanos em 2000 até a assinatura
do Tratado Constitutivo da UNASUL em 2008 são confrontados entre si e com o contexto
histórico, o político e o econômico nos quais foram acordados. Tanto o cenário internacional
quanto o regional geraram um ambiente propício para a criação de um espaço exclusivamente
regional de concertação política que discute e consolida conceitos e valores comuns,
influenciando na formulação de políticas de integração da nossa região.

Palavras-chave: UNASUL. Integração sul-americana. Política externa brasileira.


RESUMEN

La consolidación de la América del Sur como medio de protagonismo internacional para sus
miembros tiene relación inherente con el proceso de integración política de la región,
representado actualmente sobre todo por la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR).
La comprensión de la forma en la que se va consolidando esa organización internacional
proporciona un mejor entendimiento de su importancia como ámbito privilegiado donde se
ejerce la autonomía política, se refina las relaciones regionales y se encuentra posibilidad para
el protagonismo internacional brasileño. El objetivo de la presente investigación es analizar el
proceso de creación de la UNASUR considerando el contexto múltiplo en el cual ella es
esbozada mientras se subraya su uso potencial para la política exterior de Brasil. Para hacerlo,
los documentos normativos acordados en los encuentros de los Jefes de Estado desde la
inédita I Reunión de Presidentes de América del Sur en 2000 hasta la firma del Tratado
Constitutivo en 2008 son confrontados entre si y con el contexto histórico, político y
económico en el que fueron producidos. Ambos panoramas internacional y regional generaran
un entorno propicio para la creación de un ámbito exclusivamente sudamericano de consulta
política que discute y consolida conceptos y valores comunes que influyen en la formulación
de políticas de integración de nuestra región.

Palabras claves: UNASUR. Integración sudamericana. Política exterior brasileña.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACE Acordo de Complementação Economica


ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ALADI Associação Latino-Americana de Integração
ALCA Área de Livre Comercio das Américas
ALCSA Área de Livre Comércio Sul-Americana
ALBA Aliança Bolivariana para os Povos da América
ANC African National Counsil
APEC Asia Pacific Economic Cooperation
ASEAN Association of South-East Asian Nations
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social
BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CAF Corporação Andina de Fomento
CAF Comissão de Altos Funcionários da CASA
CALC Cúpula da América Latina e Caribe
CAN Comunidade Andina
CASA Comunidade de Nações Sul-Americanas
CARICOM Comunidade do Caribe
CECLA Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana
CDS Conselho de Defesa Sul-Americano
CEPAL Comissão Econômica para América Latina e Caribe
CELAC Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos
CID Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
ECOSOC Conselho Econômico e Social da ONU
FAO Food and Agriculture Organization
FED Federal Reserv
FIP Força Interamericana de Paz
FOCEM Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL
FONPLATA Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata
FMI Fundo Monetário Internacional
GATT General Agreement on Tariffs and Trade
IBAS Cooperação Índia, Brasil e África do Sul
IPA Iniciativa para as Américas
IIRSA Iniciativa para Infraestrutura Regional Sul-Americana
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MNA Movimento dos Não Alinhados
NAFTA North America Free Trade Treaty
OEA Organização dos Estados Americanos
OMC Organização Mundial do Comércio
ONU Organização das Nações Unidas
OPA Organização Pan-Americana
OTCA Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
PEB Política Externa Brasileira
PEI Política Externa Independente
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
TEC Taxa de exportação Comum
TCA Tratado de Cooperação Amazônico
TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
UE União Europeia
UNASUL União de Nações Sul-Americanas
UNCATD United Nations Conference on Trade and Development
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 UMA BREVE RETOMADA DOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA
.................................................................................................................................................. 31
3 COMÉRCIO E INSERÇÃO INTERNACIONAL: ESTABILIDADE E
INVESTIMENTO................................................................................................................... 48
3.1 As Reuniões de Presidentes e o Início de uma Inserção Internacional Conjunta em Meio à
Instabilidade. ............................................................................................................................ 48
3.2 O Boom Das Commodities e a Criação da Comunidade Sul-americana de Nações (CASA)
de 2005 a 2007. ................................................................................................................................... 62
4 DEMOCRACIA, PAZ E INTEGRAÇÃO: ENTRE PROJEÇÃO INTERNACIONAL
E DESENVOLVIMENTO. .................................................................................................... 79
4.1 A democracia entre a história e o documento..................................................................... 90
5 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 100
LISTA DE FONTES............................................................................................................. 108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIACAS ............................................................................ 114
12

1 INTRODUÇÃO

APOIADAS na história compartilhada e solidária de nossas Nações, multiétnicas,


plurilíngues e multiculturais, que tem lutado pela emancipação e pela unidade sul-
americana, honrando o pensamento daqueles que forjaram nossa independência e
liberdade a favor dessa união e a construção de um futuro comum (UNASUL,
2008, Paragrafo 1o, p.1, grifo próprio).

A UNASUL (União das Nações Sul-americanas) surge como proposta de bloco


político internacional-regional em 16 de abril de 2007 por ocasião da I Cúpula Energética Sul-
americana, realizada na Ilha de Margarida, Venezuela, tendo sua origem encaminhada durante
uma sessão de “Diálogo Político” dos presidentes dos Estados participantes (Argentina,
Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai. Peru, Suriname, Uruguai e
Venezuela). Fica, porém, para a reunião do dia 23 de maio de 2008 em Brasília, o primeiro
encontro do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e Governo da UNASUL, a proposta e
discussão do tratado constitutivo da instituição.
Os mesmos 12 países com seus representantes presidenciais vinham se
encontrando de maneira constante desde 2000 com a finalidade de discutir, propor e efetivar
esforços de integração da região Sul-americana, sob o nome de “Reunião de Presidentes da
América do Sul”, com sessões em 2000, 2002 e 2004. Nesse último encontro em 2004 temos
o lançamento da CASA (Comunidade de Nações Sul-Americanas)1 e entre 2004 e 2006 os
documentos (de 2005 e 2006 – também das reuniões dos Chefes de Estado) demonstram os
esforços de tornar a CASA concreta do ponto de vista físico (uma sede) e jurídico (um tratado
constitutivo). Esses esforços, porém não parecem se efetivar e logo em 2007 tem-se a
proposta de criação da UNASUL e em 2008 seu tratado constitutivo.
O apoio da criação de tal união, porém, como vemos no trecho acima do tratado,
fica expresso na noção de uma história comum na qual está presente a luta pela emancipação
sul-americana, marcada pelo pensamento de integração dos líderes da independência da
região. Claramente temos uma retomada do bolivarismo, nome dado à ideia de uma aliança
sul-americana (parecida com a aliança entre os Estados dos EUA) que Simon Bolívar tentou
implantar no chamado ao Congresso Anfictiônico do Panamá em 1826. Sequer as teorias mais
recentes de integração como a da CEPAL – Comissão Econômica para América-Latina
(1948), ou iniciativas mais recentes como O Congresso de Uruguaiana de 1961 assinado entre
Brasil e Argentina, ou o MERCOSUL criado em 19912, ou a Integração da Infraestrutura

1
A sigla CASA não é um acrônimo do nome da Comunidade, é um apelido carinhoso que foi dado e utilizado
para se referir à iniciativa.
2
Esses processos de integração serão discutidos com mais detalhes na próxima parte deste trabalho.
13

Regional Sul-Americana de 2000 (motivo pelo qual houve a “Reunião de Presidentes que deu
início à possibilidade de uma integração sul-americana) foram mencionadas.
A CASA é mencionada a partir de seus documentos: “INSPIRADAS nas
Declarações de Cusco (8 de dezembro de 2004), Brasília (30 de setembro de 2005 e
Cochabamba (9 de dezembro de 2006)” (UNASUL, 2008, parágrafo 2, p.1)3.
Parece-me então que houve necessidade de delimitar que esse é um novo projeto,
mesmo quando as bases da UNASUL, inclusive do próprio Tratado Constitutivo, são forjadas
no interior das discussões sobre a continuidade da CASA, a diferenciação entre as duas
iniciativas fica nas entrelinhas.
O objetivo desse trabalho é, por meio da interpretação dos documentos
normativos produzidos pelos encontros dos presidentes desses doze países ao longo de oito
anos (2000-2008), analisar o processo de modelagem da UNASUL enquanto projeto principal
de integração política da América do Sul. Pretendo mostrar como a consolidação desse espaço
de integração configura uma expressão de certa bonança econômica revertida em concertação
política que gera espaço para expressar maior autonomia do grupo na tomada de decisões
referente a problemáticas de interesse desses países4.
Nesse sentido parto da crescente ênfase que, ao longo do período de oito anos o
grupo de 12 países vai construindo sobre como atuar e decidir sobre questões do seu território.
Considero que o Banco do Sul, proposta de integração financeira pensada ainda no ainda no
âmbito da CASA, em 2005; a UNASUL, enquanto projeto de integração política com
personalidade jurídica e o Conselho de Defesa, proposto enquanto órgão da UNASUL, ainda
em 2008, são três exemplos de uma autonomia que vai se desenrolando nesse período. Tal
autonomia, em especial a financeira, encontra-se enquadrada em um contexto histórico de
aumento no preço das commodities e alta do preço do petróleo. A UNASUL, mesmo
consolidada nesse momento de abundancia de recursos para os países da América do SUL e
da crise financeira de 2008 que atingia os EUA e a Europa (ocasionando certa ausência das
potencias mundiais nos países periféricos), ainda persiste atualmente enquanto um mecanismo
de integração5 mesmo que a realidade econômica tenha mudado consideravelmente.

3
No sitio eletrônico da UNASUL, a continuidade com a CASA é reconhecida na página que se propõe explicar
como a União de Nações Sul-americanas surgiu. Isso implica que a continuidade do projeto de integração foi
reconhecida em algum momento após o Tratado Constitutivo da UNASUL ser concluído. Por isso a questão da
não referencia à CASA nesse documento fundante é intrigante, fazendo-se necessária sua contextualização.
4
É importante ressaltar a importância de autogestão em termos internacionais para países que por muito tempo
direcionaram sua politica internacional para o alinhamento com as potências da Europa ou os EUA. Tema que
será discutido mais profundamente ao longo deste trabalho.
5
O Conselho de Defesa, mecanismo concretizado, tem caráter inovador: pela primeira vez, a América do Sul
pensa em conjunto sobre seu território comum e como defendê-lo, não apenas a defesa das Nações e muito
14

Entendendo a integração sul-americana como um processo histórico que deixa


suas impressões nas formas mais recentes de relações regionais, no primeiro capítulo
apresento uma breve retrospectiva das diferentes propostas de integrar o subcontinente desde
sua independência da metrópole europeia no século XIX.
Ainda perseguindo o objetivo central, levo em consideração o contexto político e
econômico de formação do Tratado Constitutivo da UNASUL, ou seja, o ambiente
internacional no qual ocorrem as reuniões dos 12 países membros dentro do recorte temporal
que vai da inédita “Reunião de Presidentes da América do Sul” em Brasília em 2000 ate a
assinatura do Tratado Constitutivo da UNASUL, também na capital brasileira, em 2008 6. Esse
tema será abordado no segundo capítulo, que leva em consideração as dificuldades
econômicas do fim dos anos 1980 até os anos 1990 e como elas contribuem para uma
aproximação em torno do trema da integração no início da década de 2000. Posteriormente,
analiso a melhora nas balanças comerciais dos países da América do Sul, impulsionadas pelo
boom das comodities e o grande crescimento mundial até 2008 e como isso contribui para a
consolidação da UNASUL.
Porém, antes da prática, no caso de criação de instituições, vem a teoria: é
necessário moldar os valores, as regras e os objetos sobre os quais tal organização irá atuar.
Ou seja, o que justifica a criação de cada organização e o que ela pretende alcançar. Tudo isso
também tem seu processo de formação, as atas das reuniões vão sendo acrescidas de novos
vocábulos e de novas intenções, enquanto outros caem no desuso e os mecanismos de
interação vão sendo (re)criados pelos Estados. Essa interação deve ser vista como um duplo
movimento a partir da CASA. Desse momento em diante, ao mesmo tempo em que são
criados mecanismos internos de ação recíproca, também são construídos meios e parâmetros
para a relação do grupo com terceiros. Ou seja, o grupo não se relaciona somente entre si, mas
com o sistema internacional, e para isso há criação de maneiras diferenciadas nas duas

menos uma defesa pensada em um conflito entre elas (o que era comum, dada, por exemplo, as rivalidades
Brasil-Argentina ou Equador-Colômbia), mas um pensamento estratégico para a região. o Conselho de Defesa,
criado em 2008 na Cúpula extraordinária da União de Nações Sul Americanas na Costa do Sauipe (Bahia),
representa uma independência regional das outras Organizações Internacionais (TIAR- Tratado Interamericano
de Assistência Reciproca, de 1945, e OEA - Organização dos Estados Americanos, de 1948) que antes seriam os
locais responsáveis pela discussão de assuntos sobre a defesa do espaço sul-americano. “O Conselho de Defesa
Sul-Americano (CDS) seria, então, uma extensão do processo político, marcado pela tentativa de sobrepujar os
atuais mecanismos de segurança coletiva atuantes no subcontinente com a criação de uma comunidade de
segurança” (DREGER, 2008, p.9). O Banco do Sul foi uma proposta de integração financeira ainda na CASA.
Ele propunha uma concerto financeiro entre os Bancos de Desenvolvimento Nacionais e Regionais, fato que me
levou a entender isso como uma pretensão de autonomia frente a dificuldade de alguns países de conseguir
empréstimos em órgãos de financiamento internacionais, como é o caso do Suriname. O Banco do Sul foi
sugerido no documento da Comissão Estratégica de Reflexão sobre os processos de integração sul-americanos
em 2006 e não foi concretizado, em especial por não haver acordo sobre a legislação da possível instituição.
6
A ratificação desse acordo só tenha sido concluída em março de 2011.
15

instâncias de interação. Afinal, com a CASA cria-se um limite oficial entre um “nós” e um
“eles”, partindo de um grupo politicamente coeso em torno daquilo que Ricoeur chamou de
“pertencimento participativo” e sobre o qual Prost escreve:

O nós dos atores serve de fundamento implícito à entidade coletiva utilizada pelo
historiador. Para legitimar essa transferência da psicologia individual para as
entidades coletivas. P. Ricoeur propõe a noção de ‘pertencimento participativo’: os
grupos em questão são constituídos por indivíduos que os integram e que têm uma
consciência mais ou menos confusa desse pertencimento. Essa referência, oblíqua e
implícita, permite tratar o grupo como um ator coletivo (PROST, 2008, p. 128).

Claro que não posso aplicar perfeitamente o “pertencimento participativo” já que


se trata de um grupo de Estados, mas as semelhanças são suficientes para que se faça um
paralelo e que se delimite a atuação do grupo enquanto uma entidade única, por mais que seja
múltipla em sua constituição7.
A integração sul-americana como um todo é um movimento desconexo, como
veremos existe uma sobreposição de instituições que a cada contexto têm um peso mais
significativo para a política externa de cada país. Coexistem atualmente no contexto sul-
americano, a UNASUL, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a Comunidade Andina
de Nações (CAN); já no contexto latino-americano, temos a ALADI, a CELAC. Outra
organização regional é a ALBA que valoriza mais a territorialidade andina e caribenha. A
maioria desses processos será apresentada neste trabalho8.
Então, para entender os valores comuns do grupo, como eles são construídos e
como sua defesa se reverte em expressão de autonomia e de valorização do caráter social da
integração, utilizo-me da observação dos conceitos de Estado de Direito e Democracia dentro
dos documentos. Desse assunto trata o capítulo três, no qual faço um breve apanhado
histórico dos dois conceitos e mostro como eles são expressos nos documentos. Sua
utilização, importância e defesa geram iniciativas originadas a partir da UNASUL as quais
podem ser entendidas como expressão de independência política: O Conselho Eleitoral da
UNASUL, na defesa da democracia da Região demonstra, por exemplo, autonomia na

7
Isso não significa que não haja atritos internos em torno de projetos nos quais se envolvem, ou que o sistema
internacional deixa de olhar para cada país na sua individualidade, ou que cada país passe a interagir com outros
ou entre si somente por meio da CASA (já que ela no caso é que primeiro cria esse “pertencimento
participativo”).
8
A Aliança Bolivariana para os Povos da América (ALBA) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (CELAC), são casos diferentes. A primeira se encontra dentro do contexto histórico de criação da
UNASUL, pois a ALBA surge em 2004. Já a CELAC é criada fora do meu recorte histórico, em 2010 e lançada
em 2011. Essa comunidade engloba esses territórios como um meio de facilitação do concerto político, garantir
democracia e a boa relação entre os vizinhos. Ela substitui a Cúpula da América Latina e Caribe (CALC) e o
Grupo Rio. Sobre a ALBA falaremos brevemente no decorrer do trabalho.
16

interpretação de se houve ou não ruptura democrática9. Outro aspecto do capítulo três é o


esforço dos países com a criação de uma cidadania sul-americana, conceito que é criado
dentro do processo de formação da UNASUL e que gerou iniciativas na instituição.
Foram consultados de forma prioritária os documentos gerados nas reuniões de
cúpula (dos presidentes) desses organismos porque em tais papeis se concentram a regras
normativas. Neles trata-se dos aspectos mais políticos da integração e faz-se um apanhado
geral do que vem sendo alcançado10. É necessária a percepção de que para o surgimento e
efetivação da UNASUL existiu todo um processo, não apenas burocrático, mas temporal e
conjuntural que perpassa contextos múltiplos.
Internacionalmente, temos o aumento da crença no multilateralismo na década de
1990 (pós Guerra-Fria), uma multilateralidade significativamente mais auto representativa e
que se desvinculava da lógica bilateral EUA x URSS, fazendo com que os discursos e as
políticas externas se colocassem em novos espaços de atuação por meio da aceitação de novos
atores e do aumento de espaços de discussões e de temas a serem discutidos11. A
consolidação dos processos de independência no continente Africano12 e a reestruturação dos
países do Leste Europeu que saiam da influencia da Rússia para se integrar ao sistema
internacional são exemplos de novos agentes na cena internacional.
Em relação ao aumento de mecanismos multilaterais nesse período, no âmbito de
Cooperação Sul-Sul (atuais países em desenvolvimento), temos o Grupo de Apoio a
Contadora, de 198413, e a tentativa de formar um grupo de países do Sul (hoje reconhecidos
como “países em desenvolvimento”) para contrapor ao G-8, iniciativa do Congresso Nacional

9
O CE da UNASUL não é analisado intimamente neste trabalho, mas é tomado como uma consequência da
autonomia regional que a UNASUL promove, pois sem a União de Nações não haveria um Conselho Eleitoral
regional, seriam utilizados os mecanismos da Carta Democrática Interamericana de 2001 firmada no âmbito da
OEA ou os mecanismos da ONU. Ambos espaços políticos mais abrangentes com possibilidade de impor suas
próprias interpretações sobre o assunto.
10
Tais documentos foram adquiridos em espanhol no sitio eletrônico da IIRSA, com exceção do Tratado
Constitutivo da UNASUL que foi adquirido no sitio eletrônico da mesma. Além deles também foi consultado o
Tratado de Assunção, fundador do Mercosul, também disponível na internet para download em pdf.
11
A OMC, criada em 1995, é um exemplo de uma Organização Internacional nascida nesse período e a
Conferência Pequim+20, também de 1995 que discutiu a discriminação contra mulheres. No último caso, mais
importante foi a declaração resultante do evento, a chamada Declaração e Plataforma de Ação de Pequim que
“listou 12 pontos prioritários de trabalho, além de ações detalhadas para alcançar seus objetivos estratégicos. Em
suma, trata-se de um roteiro para o avanço da igualdade e do empoderamento das mulheres nos países”
(http://www.onumulheres.org.br/pequim20/). O Brasil também foi palco de um desses encontros: a Rio 92 que
discutiu o tema do Meio-Ambiente. Lindgren Alves, em seu livro “Relações Internacionais e Temas Sociais: a
década das conferencias” se debruça sobre as particularidades desses encontros
12
A Namíbia termina sua independência em 1991 e a Eritreia foi um dos derradeiros com início no mesmo ano.
13
O Grupo da Contadora foi uma junção de países Latino-americanos (Colômbia, México, Paraguai e
Venezuela) liderados pelo México que surgiu em 1983 com o intuito de propor uma resolução pacífica para as
guerras que aconteciam na América Central desde a década de 1960 em países como El Salvador, Nicarágua e
Guatemala. Argentina, Brasil, Peru e Uruguai formaram o Grupo de Apoio à Contadora em 1985
17

Africano (ANC) em 199414. Era a “emergência de uma grande diplomacia voltada para a
estruturação de um sistema internacional multipolar como forma de contornar a nova
hegemonia unilateral norte-americana” (VISENTINI, 2013, p. 62).
Em um contexto mais regional temos o fim das ditaduras civis-militares a partir
da metade da década de 1980 e a formação posterior de alianças entre os recém-formados
Governos Democráticos da América Latina. Não podemos esquecer que a década de 1990
testemunha, por exemplo, países historicamente rivais como Argentina e Brasil chegarem a
um processo de integração econômica como o Mercosul em 1991. Era uma década de
expectativas:

A tendência rumo à democracia era fenômeno real, que se espraiava por todos os
continentes, a começar pela América Latina. Com algumas exceções importantes,
uma espécie de euforia, temperada com apreensões, predominava na maioria das
sociedades. Em países previamente submetidos a regimes autoritários e totalitários,
os segmentos políticos e entidades não-governamentais antes asfixiados ou
inexistentes fruíam da liberdade conquistada numa movimentação inusitada,
frequentemente interativa. O clima internacional desanuviado do temos de uma
guerra nuclear com o qual havia convivido, era, em geral, de compreensível
otimismo (Alves, 2001, p.31).

Em termos econômicos, havia grandes perspectivas para abertura de novos


mercados, o que gerava maior crédito internacional, em especial, na forma do Plano Brady do
FMI, que, lançado em 1989, negociou a dívida de 33 países com a adesão dos credores ao
“Consenso de Washingon”, ou seja, abertura de mercado, liberalização dos fluxos de capitais,
reformas trabalhistas e privatizações. A esse plano aderiram Argentina e México. Na primeira
metade da década de 90, a Ásia estava crescendo economicamente alavancada pelo excesso
de Poupança do Japão. No Brasil o plano real tinha se consolidado e a inflação estava
começando a ser controlada.
Toda essa euforia financeira internacional começa a cair quando o México declara
moratória em 1994, em seguida, em 1997 estoura a crise da Ásia. Isso gera um receio dos
investidores internacionais com relação a países em desenvolvimento, levando-os a investir
menos (diminuição de crédito disponível para empréstimos) e aumentando a probabilidade
desses mesmos países entrarem em colapso financeiro, ou severas dificuldades econômicas.
Ora, se há menos crédito disponível, os juros aumentam, fazendo com que os países se
endividem mais e sem entrada de dólares, ocasionada pela diminuição ou ausência de

14
Segundo Visentini (2013) os problemas com o primeiro governo democrático de Nelson Mandela na Pretória
acabaram por tornar o projeto irrealizável. Novamente em 2000, Thabo Mbeki, sucessor de Mandela, propõe um
G-8 do Sul. O fórum desse grupo nunca se realiza por causa dos ataques do 11 de setembro aos Estados Unidos.
Em 2003 se realiza o primeiro Forum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) cujo embrião se encontrava no
primeiro encontro proposto pela ANC.
18

Investimentos Estrangeiros Diretos, os países não conseguem regular sua Balança de


Pagamentos e gerar recursos para pagar suas dívidas. A crise acontece no Brasil em 1998 e a
Argentina não está muito longe de sofrer sua própria convulsão em 2001.
Esses contextos dão base para os as Reuniões de Presidentes iniciadas em 2000
que irão começar a dar forma ao processo de integração, criando a CASA em 2004 e
finalmente a UNASUL em 2008. É interessante notar que os encontros dos presidentes, ao
longo desses oito anos, são marcados pela periodicidade sistemática: primeiramente de dois
em dois anos e, a partir da CASA, de ano em ano; o que demonstra compromisso com a
continuidade do projeto. Outra característica é a dinâmica temática e de ênfase no social mais
que no comercial: discute-se desde uma integração física (IIRSA) até uma integração política
(UNASUL), passando pelo combate às drogas e pelo desenvolvimento social sustentável.
No que tange a contextualização, há destaque no presente trabalho para a situação brasileira,
argentina e mexicana, já que tais países são as grandes economias da América Latina. A relação
mais específica entre Brasil e América do Sul também é priorizada. Entendo que o Brasil teve
uma posição de liderança no processo de integração que aqui estudado. Não apenas a iniciativa
de convocar a Primeira Reunião de Presidentes da América do Sul (2000), mas também
arcando com o peso monetário dessa liderança regional: O BNDES15 financiou, entre 2002 e
2012, 4 projetos na Venezuela, 10 na Argentina e um no Equador, além de se comprometer
com 70% dos recursos do FOCEM (Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul), ativo
desde 2007. 16

15
“Fundado em 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um dos maiores
bancos de desenvolvimento do mundo e, hoje, o principal instrumento do Governo Federal para o financiamento
de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira” (BNDES, [20--]). O BNDES pode
constituir subsidiárias no exterior de acordo com o Estatuto do BNDES, artigo 2 o, parágrafo único – incluído por
decreto em 2008 e pode financiar empresas brasileiras em projetos no exterior, desde que tais projetos sejam
vinculados a desenvolvimento econômico e social do país de acordo com o artigo 9 o, inciso II – incluído por
decreto em 2007 (BNDES, 2017).
16
BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Consulta a financiamento de exportação pós-embarque -
serviços de engenharia. Disponível em: < http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-
operacoes-bndes/consulta-a-financiamentos-de-exportacao-pos-
embarque/!ut/p/z1/xVTLctowFP2WLrwUusIPoDsDDqSYhJCCsTeMbAQoxZKRBQ79-
gqSBUkaMu1MJlrJV9fncTVHOMEznAi65yuquRR0Y77jxJuHrUHQd24h7I2BgO8Orvxpd2A3AXB0aoB3lg84
ufz_FCc4yYQu9BrHqViwcs5FqbneZScFFqxlzizQioqyoIqJjFMLMinK3UZTtOSCHks5E1qWZwevj9CCIfZYS
KVpRiUqTIXlKVXbHTtKKDK-
wLFtM0YhpSj1nBZyCAXUYmSJvKwB3rIOrkcWx26yyA_P1i94Sy5PJjoinSPcXtsB-
P1O6DrBgPRa9nPDpem-
RAB7dGUQQjJxhm2oDxwcG5GNM5GjG9Pg3rWhFzjEIR6O9pxVeCKkys193__7LKLOcH43CcaG6TSWGPf
hDe203QU_vL4PexOwm4R8Bu0HVt0v4Gx8BuePjzJlQltXw85wZbioXiMulhLP_isZBoo_bLeJb0IqhWaPGs--
KqXG92oj06dXyRep3TQGFVsyxVRtp0x5rXXx3QILqqqqnWTWVnJfS5WpFIb2hGvEllyzdyT_DXstS2P7NS
Yu8knetMUB_Ro3q58snnfbN-
7D03YY2Pnod8gilKSHyv_2B1ib0Kc!/dz/d5/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/?1dmy> Acesso em: 10 dezembro
2016. E MERCADO COMUM DO SUL. Institucionalização e regulamentação do Fundo para Convergência
Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). Disponível em: < http://www.mercosul.gov.br/fundo-para-a-
convergencia-estrutural-do-mercosul-focem>. Acesso em: 10 dezembro 2016.
19

Também se deve atentar para a existência de uma política de Estado brasileira que
direcionou esforços políticos para as regionalizações como uma estratégia de inserção na
conjuntura internacional:

Os projetos de regionalização do espaço subcontinental sul-americano se tornaram


imperativos para a política externa brasileira em diversas análises, desde as mais
comuns questões discutidas ao passo dos últimos dez anos (2002 – 2012), de
maneira especial nas diretrizes estabelecidas durante os oito anos de Governo Luiz
Inácio Lula da Silva (2003 – 2010). Ainda é preciso frisar que, para seus vizinhos
essa dimensão também se tornou irremediável e incontestável no alvorecer do século
XXI. No período em questão, caracterizado por turbulências na contestação da
ordem global cristalizada na Pax Americana – do 11 de setembro às guerras da era
Bush II no Iraque e Afeganistão, com o consequente endividamento estadounidense
que contribuiu para a crise financeira de 2008 –, notou-se o aprofundamento radical
dessa estratégia de consolidação da presença brasileira no mundo a partir da
plataforma continental sul-americana (CHAVES, 2013, p. 308).

Dada a natureza das fontes que escolhi trabalhar, deve ser levado em consideração
que Declarações, Comunicados e Consensos Internacionais de organismos multilaterais, como
toda fonte historiográfica, trazem aspectos particulares a serem apontados. Nesse caso são,
além do que os próprios nomes literalmente nos propõem, projeções, maneiras de demonstrar
pontos de vista, projetos futuros, metas concluídas e linhas de ações sobre determinado
assunto, constituindo-se também em formas de afirmar ou negar pretensões perante o sistema
internacional. Tais projeções partem tanto de cada país individualmente como do conjunto.
Buscarei comparar esses documentos atentando para sua inserção na conjuntura
internacional, regional e nacional que se desenrolam na época da produção dessas fontes. Não
podemos esquecer que o contexto específico acaba dando certo sentido às diretrizes
escolhidas, aos anseios expressos e às ações tomadas. Podemos observar então, que:

Com o passar do tempo, a palavra pode manter sua forma, entretanto seu conteúdo
pode alterar-se substancialmente. Ou seja, a despeito do significante manter se
manter o mesmo, a gama de significados atribuídos a ele pode se modificar
completamente. A recepção desses conceitos possui uma história empiricamente
reconstituível. É justamente a alteração dos significados e não propriamente a
alteração da palavra em si que interessa à História dos Conceitos (MIRANDA, 2013,
p 215).

Assim, em função disso, analiso os dois termos escolhidos (Estado de Direito e


Democracia) partindo de uma breve historicização dos conceitos com foco nos seus
significados para processo de produção das fontes e na sua importância para o grupo e para o
contexto no qual se inserem, já que os conceitos são formas de apreensão da realidade tanto
20

dos que produziram os documentos como dos historiadores (PROST, 2008)17. Também, Não
podemos deixar de notar uma peculiaridade nessa produção específica: os conceitos
utilizados, mesmo que mantenham o mesmo significado ao longo do recorte, tem uma
pretensão política envolvida;

No campo efetivo dos debates políticos os neologismos são criados a partir de um


processo de ressignificação dos conceitos e, por vezes, assumem uma função
dinâmica de agrupamento de interesses. Conceitos novos têm por objetivo
transformar a realidade política vivida e definir cenários futuros. Nesse sentido, a
função dos neologismos se desloca da apreensão pela linguagem das realidades
vividas para a proposição, através da linguagem, de situações e realidades a serem
conquistadas. Como afirma Koselleck, “a relação entre as palavras e seu uso é mais
importante para a política do que qualquer outra arma.” [...] Portanto os conceitos
são históricos, ou seja, são ditos ou escritos apenas uma única vez e sua formulação
está intimamente ligada a uma situação concreta específica. Contudo, eles carregam
consigo um histórico de significados capaz de justificar sua seleção e seu uso por
parte dos atores políticos. Assim, o uso dos conceitos é singular, mas seus efeitos
sobre o contexto vivido, não (MIRANDA, 2013 p. 214-215).

Como coloquei anteriormente, existe a criação de um padrão de relacionamento


organização-sistema internacional que leva tanto a uma atuação conjunta externa (por
exemplo, a coerência de discurso sobre certos assuntos e a pressão política para atuação alheia
em determinada área – que é o caso de pressionar por melhores condições financeiras de
empréstimos internacionais), como a uma imagem que o sistema internacional vincula não
apenas à organização internacional em si, mas aos países que dela fazem parte. Essa imagem é
importante porque pode influenciar na maior ou menor participação em outros fóruns de
discussão e no maior ou menor fluxo de investimentos, tanto os internacionais feitos no país
como os feitos pelo país em outros territórios nacionais.
A participação em fóruns e o fluxo de investimentos são cruciais para a projeção e
a influencia internacionais. São fatos que proporcionam mais espaço de atuação para que os
Estados possam perseguir seus objetivos internacionais (melhora econômica, proteção
nacional, estabilidade territorial, por exemplo) seja em conjunto ou individualmente18.

17
A partir de Koselleck, Prost demonstra os dois níveis dos conceitos. O primeiro seria como as pessoas criam
conceitos no seu dia-a-dia, a partir de suas realidades, “é designar com seu próprio nome, determinadas
realidades que, atualmente, não tem equivalente. Verifica-se uma hesitação em considerar esses termos como
conceitos porque eles possuem um indiscutível conteúdo concreto” (PROST, 2008, p.116). Já o segundo nível se
mostra em momentos que “[...] o historiador venha a recorrer a conceitos estrangeiros à época, por lhe parecerem
mais bem adaptados.” (Ibid, p.117). O autor ainda adverte do cuidado com a ocorrência de anacronismos para o
segundo nível de conceitos, ou seja, de colocar padrões atuais para o passado sem haver qualquer cuidado com a
contextualização dos conceitos utilizados.
18
Muitos objetivos, como a ascensão econômica, podem ser buscados em conjunto, seja fazendo acordos de
complementariedade produtiva ou defendendo interesses comuns em instancias internacionais, como é o caso do
fim das tarifas alfandegárias para produtos agrícolas.
21

Projetar uma imagem requer, geralmente, uma retrospectiva do passado, que tem
sua importância para os conceitos e como eles se projetam. “Os conceitos adquirem sentido
por sua inserção em uma configuração herdada do passado, por seu valor performático
anunciador de um futuro e por seu alcance polêmico no tempo presente” (PROST, 2008, p.
131). Além disso, uma imagem sólida e estável é aquela que se perpetua dentro do maior
quadro de tempo possível, dessa forma o passado dá mais credibilidade ao processo que se
pretende dar início.
A formação e existência da UNASUL deixa claro que os países no âmbito das
suas políticas externas, pretendiam à época, influenciar na construção de um futuro comum.
Eles tomam medidas no presente que podem delimitar esse futuro e muitas vezes essas
medidas têm impacto na população como um todo. A UNASUL, então, se caracteriza como
uma proposta de impacto não apenas para dinâmica da política internacional-regional e para o
ambiente internacional mais amplo, mas também para o dia a dia daqueles que são cidadãos
dos países que nela se inserem. Não apenas o objeto desse estudo em si (UNASUL) como as
Relações Internacionais se tornam pertinentes para entendermos e atuarmos sobre certos
aspectos do nosso dia a dia que muitas vezes não percebemos.
Tal pertinência foi frisada na obra “20 anos de crise” (1939), do britânico E.H.
Carr, na qual ele defende que a Ciência Política Internacional nasce, como toda ciência, da
vontade de entender fenômenos. A essa definição, o autor agrega duas considerações que me
parecem fundamentais. A primeira é a quem interessam os fenômenos políticos, sendo 1914
uma data de mudança. Antes essa área era de primazia das pessoas profissionalmente nela
engajadas, a guerra era um negócio de soldados e a política internacional, de diplomatas. Com
o fim da Primeira Guerra Mundial e seus efeitos sobre a sociedade, os conflitos bélicos como
e a diplomacia viraram interesse da população. A segunda consideração aponta para a
potencialidade de ação que o conhecimento político tem dentro da sociedade: a pesquisa tem a
função de elucidar um assunto por meio de análises e proporcionar uma compreensão
específica de determinado fenômeno e da cadeia de ações conjuntas que o compõem. Ao
publicar um trabalho o autor se torna um ator, pois, influenciando ou não outros atores
políticos, tem a potencialidade de atuar na realidade internacional e modificá-la, alterando
também seu próprio objeto de estudo. A importância que o estudo de Relações Internacionais
tem, então, seu ponto crucial na grande consequência de que as decisões tomadas nessa área
afetam a vida de muitos.
Falando de um tempo histórico que acabou de presenciar uma das duas grandes
guerras que o mundo vivenciaria no século XX e cujos resultados foram de grande impacto no
22

mundo, talvez seja natural que Carr tenha destacado esse aspecto bélico dos resultados de
Política Externa. Mas não podemos nos esquecer dos diversos aspectos que essa área
influencia no nosso cotidiano: as roupas que usamos, os produtos que comemos, a tecnologia
que temos disponível, os meios de transporte e de comunicação, e até filmes que assistimos se
vinculam a uma interação política entre Estados.
As fábricas e tecnologias as quais temos acesso em território nacional limitam os
bens de consumo, sua qualidade, preço, disponibilidade de serviço técnico. Isso funciona
como exemplo, não apenas de comércio, mas de política internacional que influenciam no dia
a dia da população. Boas relações abrem mercados; e, geralmente, o primeiro passo para uma
expansão comercial se dá por meio de missões, para tratar de relações entre os países,
normalmente elas tem em seu corpo de funcionários diplomatas, mesmo que não seja
chefiadas por um – como foi o caso da abertura dos mercados chineses para o Brasil na
missão empresarial Horácio de Coimbra em 197219.
Cabe também pensarmos na questão de como as Relações Internacionais se
encontram na nossa espacialidade. Thales Castro, em seu livro "Teoria das Relações
Internacionais" (2012, p.68) ressalta que:

[...] a ciência das Relações Internacionais é, simultaneamente, objeto material e


imaterial apresentada ao sujeito. Quando tratamos, por exemplo, dos escombros e
das ruínas contabilizadas pelas guerras ou ainda os milhões de refugiados na África
Subsaariana, estamos lidando com a materialidade das RI na condição de objeto.
Quando tratamos, por exemplo, de valores ou de ideais partilhados globalmente
como a paz, a cooperação, a segurança coletiva ou ainda a isonomia defendida pela
ONU em várias passagens da sua Carta de 1945, referimo-nos aos aspectos
imateriais das Relações Internacionais. A materialidade ou a imaterialidade do saber
internacional vai depender, portanto, de sua concretude ou abstração temática
apresentada e processada pelo sujeito.

É interessante perceber como Castro condiciona a percepção que o sujeito20 tem


das Relações Internacionais e, possivelmente, a importância que dá a ela à experiência de
vida. Porém penso que e o impacto da materialidade/imaterialidade que nos cerca afeta a
experiência de vida de todos e criam percepções sobre as Relações Internacionais
independente da atuação ou não desse indivíduo na área internacional. Além disso, tais

19
Até na nossa alimentação percebemos a influência dessa política. Os produtos que estão a disposição no
supermercado e o preço de cada um deles servem como exemplo: o Brasil é um grande exportador de lagosta,
mas poucos brasileiros tem a lagosta na sua dieta em função do alto preço, definido pelo mercado internacional e
cuja taxação e regulamentação são até certo ponto controladas pelo governo.
20
No seu livro acima citado, Castro define o sujeito (termo geral) como aquele que atua nas Relações
Internacionais excluindo o pesquisador desse processo cognitivo e excluindo também as pessoas que não atuam
na área.
23

percepções dependem muito do lugar social (CERTEAU, 1982) de quem as vivencia e das
experiências de vida de cada um. Sobre a relevância dessa área de Estudo o autor completa:

A importância dos estudos das Relações internacionais é autoevidente. As Relações


internacionais estão em toda parte; fazem parte do nosso cotidiano, quer queiramos
ou não. O saber internacional perfura nossas vidas, amplia nossas visões, redefine
quem somos como cidadãos e disseca a forma de analisar e tratar o outro. Sua força
questiona e transforma o Estado, seu papel e suas atribuições, (re)equacionando a
lógica de poder entre cidadãos, empresas, unidades subnacionais, sociedade civil e
organismos multilaterais (CASTRO, 2012, p. 53, grifo próprio).

Parece-me que Castro exacerba a importância das Relações internacionais de


maneira “autoevidente”. Se assim o fosse, todos os trabalhos dessa temática seriam no
mínimo um conjunto de frases redundantes tentando incrementar uma obviedade estabelecida.
Porém, de fato, essa área do conhecimento pode trazer uma carga de modificação significativa
em termos de transformação de valores políticos e sociais que geram mudanças institucionais.
Um dos exemplos de maior repercussão recente é a Primavera Árabe, uma luta pela
democracia e eleições na região21.
A questão da propagação de valores ditos universais22 talvez seja um dos aspectos
mais marcantes de como as Relações Internacionais influenciam nossa maneira de
compreender os outros e a nós mesmos. Este trabalho não tem a pretensão de assumir que a
propagação desses valores seja igualitária, quer entre Estados ou entre pessoas23, apenas
constatar que ela existe e que tem uma pretensão universal, dessa forma podemos nos
questionar: se há uma propagação, por quais meios ela transita?

21
Primavera Árabe é o nome que se dá à leva de protestos, revoltas e revoluções que se espalhou no Oriente
Médio e norte do continente africano iniciados na Tunísia em fins de 2010. Em alguns lugares, como na Síria,
esse movimento social ocasionou uma situação de guerra civil que se alastra até hoje. Outros países que
presenciaram essas manifestações foram Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Jordânia e Omã.
22
Nesse sentido me refiro à pressão internacional, por exemplo, de valores como democracia, pacifismo, direitos
iguais e direitos humanos sobre Estados, que por motivos internos e muitas vezes por motivos de interferência
externa não seguem esses modelos. O caso da Palestina, divindade entre Estado palestino e Israel em 1947, é um
exemplo dessa imposição, um dos mais críticos eu diria. Mas isso também se reflete em outros pontos: países,
como Ruanda, onde a homossexualidade é crime, ou o tratamento da mulher em alguns países de religião árabe,
como o Iêmen, são muitas vezes focos de discursos que tentam desvaloriza-los no ambiente político
internacional. Não é que eu me posicione contra ações humanitárias ou não defenda direitos iguais, mas o fato de
esses valores precisarem ser defendidos mostra que eles não são tão universais quanto se propõem e que os
países que hoje os defendem passaram por seus próprios processos violentos para reconhecê-los e implementá-
los. Então até que ponto tais interferências afetam o direito de autodeterminação dos povos? A partir de que
momento a intervenção é uma defesa de valores ou um jogo de interesses políticos, econômicos e militares?
(acredito que seja um pouco dos dois com um peso maior do segundo). A questão da interferência e noção de
valores universais geram pontos de discussão, conflitos e resoluções, que vale a pena ter em mente no quadro da
dinâmica internacional.
23
Certamente um país que presenciou mais invasões e bombardeios terá uma população com uma defesa da
resolução pacífica mais forte que outro que não tenha sofrido essas circunstâncias.
24

Existem algumas pistas: a Carta da ONU, O Estado (por meio da constituição),


Grupos de Estados, Organizações Internacionais, personalidades políticas24 e a mídia
internacional e nacional funcionam como meios de incentivo ou bloqueio de valores; sem,
entretanto, estarem isentas de serem influenciadas pelos mesmos. Ou seja, os valores não são
imutáveis, nem há a garantia de que haja um grau de coerência entre um país que, em defesa
dos Direitos Humanos bombardeie determinada região de conflito. Assim como acontece em
escalas menores, nem sempre se joga o jogo pelas regras pretendidas: na prática a teoria
muitas vezes é outra.
A ONU é um exemplo dessas contradições: defende o caráter de isonomia dos
Estados25, mas acabou sendo fundada como uma instituição de cúpula (Conselho de
Segurança das Nações Unidas - CSNU), e passa, desde 1956, por propostas de reforma
(Marchioro, 2014) dentre as quais foram aceitas apenas o aumento de assentos não
permanentes, fato que não muda a essência do Conselho: um órgão de cúpula que tem como
epicentro das suas decisões os cinco países com poder de veto (Rússia, China, Inglaterra,
França e Estados Unidos). Porém, não fazer parte da ONU, mesmo com todas essas questões
a serem resolvidas, torna muito difícil uma projeção internacional consistente e dificulta o
direito de se posicionar com relação a questões importantes no âmbito universal. Como o caso
da Palestina que não é reconhecida como Estado membro da ONU e por isso não tem direito a
voto e tem acesso limitado aos comitês internacionais que compõem as Nações Unidas26.
Mesmo com essas controvérsias a ONU não se torna um organismo descreditado,
pelo menos não até o momento, para garantir um grau de convivência específico entre os
Estados. Ela institucionalizou uma série de práticas que tornou a diplomacia mais aberta e
mais abrangente, como a publicidade das discussões e tratados diplomáticos que até pouco
antes de sua criação aconteciam em segredo (SEITENFUS, 2012).
Não devemos esquecer também que certos valores podem ser inseridos por meio
de rituais que muitas vezes parecem banais, como a capacidade de fala igualitária na
Assembleia Geral da ONU e a votação mais aberta dentro do mesmo órgão. Dessa forma vale

24
Por personalidade políticas me refiro a intelectuais de prestígio especializados no estudo de política
internacional, seja com viés sociológico como Z. Bauman ou histórico como E. Hobsbawm, políticos
proeminentes dentro da comunidade internacional, como Kofi Annan e Ban Ki-Moon, respectivamente ex e atual
Secretários Gerais da ONU.
25
Artigo 2o, Paragrafo 1o: “A Organização é baseada no principio de igualdade de todos os seus membros”.
(Carta da ONU e Estatuto da Corte Internacional de Justiça – Centro de Informações das Nações Unidas Rio de
janeiro).
26
Somente em 2012 a palestina foi reconhecida como Estado observador não-membro e só a partir dessa data
teve acesso, por exemplo a Corte Internacional de Justiça, o tribunal da ONU.
25

a pena entender que as instituições internacionais, ao atuar no mundo por meio de valores que
vão desde sua constituição (normas jurídicas) passam pela a forma como se organiza e
aparecem no ritual de encontro, têm a capacidade de se reinventar. Elas surgem de influências
de valores e por eles são influenciadas e modificadas, de forma que:

Em resumo, sob uma perspectiva neoinstitucionalista discursiva, instituições são


locus de práticas sociais e discursivas que moldam as representações que os atores
fazem de si, dos outros e do mundo, seja por constituir uma formação discursiva que
socializa ao fornecer um conjunto de práticas discursivas e significados, seja pela
atuação proativa dos agentes socializando, persuadindo ou mimetizando
(MEUNIER; MEDEIROS, 2013, p. 686).

Instituições têm então um caráter ativo como fator modificador das Relações
Internacionais, seja pela disseminação de valores (muitas vezes imposição desses), seja pela
criação de normas de conduta (o próprio modelo de participação por meio de um Estado) ou
pela utilização de um linguajar discursivo específico.
Já que estamos falando de uma relação Estado-Instituição internacional-ambiente
internacional vale a pena delimitar teoricamente o poder de ação desses três participantes.
Para o presente trabalho, será utilizada a noção de sistema internacional. Tal conceito
pressupõe certo nível de controlabilidade dos atores internacionais (Estado, de preferencia)
por instituições de valor jurídico, como a ONU, havendo assim uma delimitação da atuação
dos dois atores que esbarram na questão de Capitais de força, poder e interesse (Kfpi) dos
Estados com relação a determinados assuntos27 (CASTRO, 2012).
Resumidamente há uma análise de valor de relevância do tema em destaque: se
interessa ao Estado, ele pondera entre aceitar a mediação ou interferência dos organismos
internacionais ou agir por conta própria e lidar com as consequências. O fator de
diferenciação é se o Estado tem Capital de força e poder para agir segundo seu interesse, caso
esse seja relevante, e ter capacidade de lidar com a reação do sistema internacional, ou seja,
estar uma situação que os outros países são incapazes de criar sanções, ou ter sanções que
serão irrelevantes se comparadas com os benefícios alcançados por sua ação. Um exemplo
disso foi a investida estadounidense em 2001 no Afeganistão, que agiu contra a decisão do
Conselho de Segurança da ONU6. Ou seja, quando foi julgado necessário pelo país ele saiu da

27
Outro termo bastante utilizado para retratar o ambiente internacional é “comunidade internacional”. É a noção
de que no macroambiente internacional os países são iguais e há um alto grau de institucionalização que regula
as relações entre os Estados no seu total. Também existe um conceito que se opõe ao de comunidade: cenário
internacional. Nesse há anarquia internacional e heteronomia completa em todas as instancias de relacionamento
dos Estados. Os conceitos de “sociedade” e “sistema” se encontram no meio desses extremos, o primeiro pende
para a noção de “comunidade” e o segundo para a de “cenário”.
26

regra comum, sem receber nenhuma punição real, já que os EUA são a grande potência da
ONU, dificilmente uma sanção econômica teria efeito benéfico de coerção, pois
desestruturaria a economia mundial, por exemplo. O país tinha capitais de força poder e
interesse (KFPI) e agiu como achou necessário nesse assunto específico, mas em outros agiu e
age conforme as regras estabelecidas.
Desse modo as regras internacionais e os valores a elas vinculados tem eficiência
e dominam até certo ponto a relação entre os Estados, da mesma maneira que o Estado tem
um poder de ação, baseado do seu KFPI (um Estado que não fosse os EUA não poderia agir da
forma como agiu sem sofrer penalizações que normalmente o desencorajaria a agir
belicosamente) que também é limitado, até certo ponto, pelos valores defendidos na
sociedade.
Considerando que o poder de sanções da instituição é proporcional à força que ela
tem e que no período de que trata o trabalho (de 2000 a 2008) a UNASUL está em
constituição, a relação Estado-instituição aqui estudada é aquela que procura apreender o
processo de construção e conformação de valores que serão propagados (MEUNIER;
MEDEIROS, 2013) pela organização sul-americana, levando também em consideração a
influência sensível dos valores internacionais já estabelecidos e o contexto em que se escolhe
sedimentar determinado conceito.
Com isso devemos perceber que as instituições não se opõem ao Estado em
termos de atuação internacional, elas funcionam como espaço de discussão de temas, de
exposição e defesa de opiniões e de decisões de impasses. As características são múltiplas,
assim como o caráter das instituições e suas funções para os Estados-membros, elas só
funcionam como controladoras parciais da cena internacional por causa dessas atribuições
múltiplas e da participação mesma dos Estados, sem esses aquelas deixam de existir.
Percebendo essa analise complexa das relações entre Estado e Instituição, recorro à teoria
sistêmica de analise das Relações Internacionais para tentar explicar a relação entre
Sociedade-Intituição-Estado; porém ao analisar a importância da integração regional para o
Brasil por meio da UNASUL, creio que a teoria realista demonstra uma percepção mais
estratégica do que essa Organização Internacional pode representar para a PEB.
Parece-me necessário trazer o ponto de vista histórico para as Relações
Internacionais e perceber que as mudanças em valores e ideias afetam sim o ator político, pois
o Estado, enquanto constituído por pessoas também tem a sua temporalidade específica, e
com ela uma linguagem, um conjunto de ações e um complexo de crenças que posicionam
indivíduo e Estado em determinado espaço e tempo. São os conceitos, no seu momento de
27

utilização,28 que dão sentido ao sistema de crença comum e a existência de um grupo, no caso
de Estados, em torno delas:

Reinhart Koselleck, principal expoente dessa perspectiva, entende que os eventos


políticos só podem se compreendidos e interpretados através da analise de seu
horizonte conceitual contemporâneo e dos usos linguísticos compartilhados pelos
atores que vivenciam essa experiência. Os conflitos políticos, as mutações de
comportamento, e expectativas sobre o devir são apreendidos na linguagem e através
da linguagem. A partir da participação dos atores políticos neles envolvidos. Na base
da estrutura dessas linguagens políticas é possível identificar determinados conceitos
que atuam como fundadores delas. ‘Sem conceitos comuns não pode haver uma
sociedade e, sobretudo, não pode haver unidade de ação política (MIRANDA, 2013,
p. 212).

A partir de interlocuções com Marx Weber e Kant, Prost (2008, p. 121) coloca o
conceito com uma concepção que não precisa necessariamente ser real, é uma ferramenta
analítica para ser comparada com a realidade, “convém descrevê-los, desenrolá-los [...]
explica-los é sempre explicitá-lo” podendo assim haver uma comparação entre conceitos,
entre conceito e realidade, tendo suas diferenças e similitudes discutidas.
Então, se conceitos são utilizados como padrões de autodefinição do grupo de
Estados sul-americanos, como podemos entender por qual meio e de que forma se dá esse
uso? Não me parece exagero abranger a relação que Isabel Meunier e Marcelo de Almeida
Medeiros (2013, p. 685) estabelecem entre instituição, identidade e discurso para todo o
complexo de valores das Relações Internacionais pós Segunda Grande Guerra29:

Mas como instituições, identidades e interesses se conectam? E qual papel exerce o


discurso nessa dimensão? A resposta parece apontar para mecanismos de interação
entre lógica do dia-a-dia, comportamentos estratégicos e processos
sociopsicológicos de internalização normativa; os quais são definidos em sentido
amplo na literatura como mecanismos de socialização.

Os autores definem que a relação entre essas três instancias se dá a partir de três
lógicas: a da consequência, que vê a utilização da identidade apenas como mecanismo
estratégico numa relação de custo benefício voltada para a legitimação da instituição, por
exemplo. A lógica da apropriação que seria “a internalização das normas pelos agentes” que
“engendraria seu cumprimento continuado” (MEUNIER; MEDEIROS, 2013, p. 685) como

28
Assim, o conceito é polissêmico, ou seja, seu significado é mais abrangente do que a linguagem: “Um conceito
não pode ser entendido como uma ‘re-representação’ da linguagem, mas sim como elemento constitutivo dela.
Sua aplicação comumente generaliza uma concepção específica e indica algo que está além da língua. Ele se
relaciona diretamente com aquilo que se pretende compreender e torna inteligível seu conteúdo” (MIRANDA,
2013, p. 213).
29
Considero essa cronologia do pós-Segunda Guerra porque é quando os atores internacionais de maior peso
(Inglaterra, França, Estados Unidos, China e Rússia – o chamado P5 do CS) se juntam em torno de ideais
internacionais comuns. A criação da ONU pode ser entendida como o início dessa relação de maior peso entre
instituição internacional, valores/ideias e atores estatais (as próprias instituições e os Estados).
28

uma absorção da norma que é imposta em primeira instância e, posteriormente apropriada


como forma de auto-expressão do Estado. A terceira é a lógica do dia-a-dia, a lógica do
mimetismo, que seria a cópia de um padrão de ação, práticas e significados que seriam
replicados sem serem pensados, como uma reprodução mecânica relacionada ao momento
inicial de inserção de um Estado dentro de determinada instituição (MEUNIER; MEDEIROS,
2013).
Essas três logicas definem bem três dimensões da relação valores/ideias-
instituições-Estado se levarmos em conta também o discurso como meio de atuação desses
sujeitos atores: a dimensão de utilidade, a de internalização e a de primeiro contato. Isso é
percebido nos primeiros documentos (os das Reuniões de Presidentes entre 2000 e 2004)
especialmente quando vemos necessidade do grupo de países reunidos em definir certos
estatutos como importantes, é o caso da democracia, da paz e da estabilidade, pois eles são
fundamentais para o Sistema Internacional e para a ONU. O modelo de instituição de cúpula
que vai se conformando com a criação da CASA, a defesa da igualdade entre os países
membros e a necessidade de definir que esses países seguem os preceitos da ONU
demonstram como essas logicas se integram em processo de (re)criação de padrões
amplamente aceitos mesmo quando a reunião não se insere dentro de um local vinculado ao
órgão criador de tais padrões30, demonstrando o peso que teve a criação da ONU para a
diplomacia.
Tendo em vista a dimensão de Relações internacionais na vida social
influenciando em várias instâncias, a maneira como Instituição e Estado atuam no sistema
internacional, a relação instituições-valores/ideias-Estados e a nova conjuntura internacional
pós Guerra-Fria, mecanismos multilaterais de interação regional entram como uma pauta de
discussão importante: eles poderão ser o futuro das RI. Mas, nesse caso, serão também o devir
de milhares de pessoas envolvidas nesse processo que é intencionalmente lançado para a
população por seus Estados, mas que é ao mesmo tempo uma resposta à conjuntura histórica
no qual se desenvolve, sendo imprescindível uma análise conjunta do processo normativo e
do desenrolar conjuntural, proposta desse trabalho para a criação da UNASUL.
Dentro desse quadro do que Elói Martins Senhoras (2010) explica como “novo
regionalismo” iniciado na década de 1990 e que encontrou entre 2000 e 2010 uma

30
Isso não quer dizer que esse seja o único motivo pelo qual o grupo de países atua dessa forma, trabalharemos
essa problemática na segunda parte do primeiro capítulo, porém é representativo como certos aspectos são
assimilados no aparato burocrático, comportamental ou ideológico de um grupo de atores, no caso, políticos. Isso
importa porque o alcance dessas instituições muitas vezes ultrapassa o político e se envolve no tecido social e
muitas vezes quando isso não ocorre, tais instituições não perseveram (VIGEVANI; FAVARON; RAMANZINI
Jr; CORREIA, 2008).
29

complexidade de integração cada vez maior no âmbito regional-internacional da América do


Sul, a UNASUL tem sua importância como meio de diálogo entre os países e como local no
qual os Estados podem pensar a região a partir de suas semelhanças e diferenças, buscando
um objetivo comum e criando laços políticos que podem ser fundamentais para se pensar uma
identidade sul-americana. Ela é representativa de um processo de mudança de um
regionalismo mais preocupado com a inserção internacional no molde de blocos comerciais e
fixado na discussão de tarifas de comércio (regionalismo aberto) para um regionalismo que
dialoga com a ideia de integração pensada como um meio de superação da condição de baixo
desenvolvimento social em comum entre os países sul-americanos (regionalismo pós-liberal
ou pós-hegemônico) (RIGGIOZI; TUSSIE, 2012). A UNASUL nasce múltipla e se pretende
forte: trata termos de infraestrutura, política, jurisdição, representatividade coletiva e
problemas sociais como drogas e segurança cidadã.
Atualmente com a crise econômica, advinda da baixa do preço das commodities a
partir de 2014 devido à desaceleração do crescimento mundial e à diminuição da demanda por
esses bens, e a crise política de representatividade que ocorre na América do Sul, cujos
exemplos são o golpe do Paraguai em 201231, a crise de representatividade na Venezuela e o
Impeachment da Ex-Presidente Dilma; o futuro das integrações regionais é colocado em
xeque. A tendência é que, em crise, os países se fechem, o que dificulta o diálogo e a
continuidade dos projetos; sem contar que em um momento de déficits primários que afetam
negativamente a Balança Comercial dos países colocando em crise monetária a continuidade
dos projetos políticos em nível nacional, os projetos internacionais dispendiosos são logo
criticados e sua utilidade relevada.
No caso do Brasil causou certa apreensão o fato de, ao assumir o cargo de
Ministro das Relações Exteriores, José Serra não ter feito menção à América do Sul (SERRA,
2016). Tal fato representou a mudança no enfoque da PEB (Política Externa Brasileira) para o
seu entorno, que desde o governo Sarney e sua aproximação com a Argentina, passando por
Collor e o MERCOSUL, culminando com a abertura de diversas embaixadas na América
Latina e no Caribe durante o Governo Lula, tinha dado destaque na atenção para com seus
vizinhos. Essa ausência regional no discurso preocupou mais porque estamos em um
momento de crise internacional e grande desequilíbrio nas contas fiscais do Brasil, potencia
indispensável para se pensar na continuidade da integração na região. Mesmo que o tom mais

31
Refiro-me a tal acontecimento como golpe porque o próprio MERCOSUL considerou o impeachment do Ex-
Presidente Fernando Lugo uma quebra de constitucionalidade, fato que gerou a suspenção do Paraguai na
organização até a realização de novas eleições.
30

negativo sobre as relações regionais tenham sido amenizados posteriormente ao discurso de


José Serra e o Presidente Temer tenha estado presente em diálogos com a Argentina, as
diretivas parecem não estar voltadas para dar destaque à América do Sul.
Além disso, o grande modelo de integração da União Europeia encontra-se hoje
severamente abalado em vários fronts. A crise fiscal da Grécia em 2008 seguidas pelas crises
em Portugal, Itália, Irlanda e Espanha (países com endividamentos excessivos) foi o primeiro
baque do qual a UE (União Europeia) se recupera depois da grande injeção de capital alemão.
A crise migratória atual oriunda dos conflitos no Oriente Médio, que levaram alguns países a
construir cercas em suas fronteiras, põe em xeque o acordo de livre circulação entre os
participantes do Espaço Schengen32. No front político, a possível saída do Reino Unido (o
Brexit) e a ascensão de políticos de extrema direita na Europa, mais preocupante no caso da
Alemanha, centro econômico do bloco; são desafios futuros para a continuidade da União
Europeia.
Apesar desses contrapontos, Alguns analistas e políticos internacionais, como Matias
Spector e Andres Cisneiros33, acreditam que no plano regional Sul-americano se constituíram
complementações econômicas que fazem necessárias a manutenção da importância que os
dois países tem para a estabilização da região. Segundo o Relatório do Departamento de
Relações Internacionais e Comércio Exterior do FIESP em 2015 a Argentina foi o terceiro
principal destino de exportação dos produtos brasileiros, o que corrobora a ideia desses
estudiosos.
Assim, em um período de incertezas com relação ao futuro das integrações regionais,
tanto política como econômicas, me parece de interesse analisar o processo de modelagem da
UNASUL enquanto projeto de integração política. Como já foi dito, o objetivo geral deste
trabalho é traçar quais foram os caminhos normativos para que a UNASUL surgisse, tal qual
seu tratado de constituição assinado em 2008, em Brasília.

32
Até o momento de redação deste trabalho, Reino Unido, Irlanda, Chipre, Romênia, Bulgária e Croácia fazem
parte da UE, mas não são fronteiras de livre transição, pois não fazem parte do Espaço Schengen ou Acordo
Shengen. Esse documento foi assinado em 1985 entre Holanda, Bélgica, Alemanha, Luxemburgo e Holanda e
ratificado pelos mesmos em 1995, quando passou a funcionar. Foi um acordo criado fora do âmbito da UE,
porém introduzido na mesma em 1997 no Tratado de Amsterdã. O fato de o acordo ser estrangeiro a União faz
com que nem todo país pertencente à UE seja parte do Espaço Shengen ou que o pertencimento à UE seja
clausula obrigatória: Suiça, Islândia e Noruega fazem parte do Acordo Shengen, mas não são Membros da União
Europeia.
33
Mesmo que o momento atual de crise econômica faça com que se questione a funcionalidade de acordos
regionais como o MERCOSUL, até o momento alguns estudiosos da área, como Matias Spector e Andres
Cisneiros, em entrevista recente ao programa “Sem Fronteiras” (19/05/2016), ainda acreditam na manutenção e
na pertinência dessas instituições.
31

2 UMA BREVE RETOMADA DOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO NA


AMÉRICA

O processo de integração na América não é uma novidade do século XX. Desde a


independência da América hispânica no século XIX, é possível encontrar iniciativas de
aglutinar os países em alguma forma mais ampla de governo. Exemplo mais demonstrativo
disso é a ideia federalista de Bolívar com a formação da Gran-Colômbia e com o Congresso
do Panamá de 182634.
A luta de independência da Argentina e do Chile, com San Martin a frente do
comando bélico, teve um espírito libertador mais ou menos nos moldes do de Bolívar: uma
América unida contra o controle europeu; sendo também representativa dessa tendência
ideológica de união da região. No caso das Províncias Unidas do Prata, sua incapacidade de
exercer controle militar e político efetivo em um espaço mais abrangente composto de elites
próprias consolidadas no poder, impediu a realização da “Gran-Argentina”, o território
referente ao antigo Vice-reino do Prata, que agregava as províncias de Buenos Aires,
Tucumán, Paraguai, Characas e Cuyo. Somando-se 22 jurisdições (HEREDIA, 2015) e
(CERVO, 2015). Dentro desse quadro, as Províncias Unidas do Prata acabaram fixando suas
atenções para a estabilização do território sob o qual já tinha hegemonia, ou seja, Tucumán e
Buenos Aires, formando assim a Argentina (HEREDIA, 2015).
Na época da independência, tanto a disputa por recursos naturais como por
parceiros comerciais impediu o funcionamento da federação imaginada por Bolívar. O
companheirismo da independência foi passageiro, resultando na fragmentação e na vitória dos
poderes locais35. Levando essa característica do processo de emancipação da América

34
Congresso Anfictiónico do Panamá em 1826 pretendia tratar de uma união dos países americanos recém-
independentes, como antiga Grande Colômbia, México, Peru, Bolívia e Guatemala. O encontro pretendia a união
dos países para resistir a potencias, em especial as europeias, mas, sem a presença dos Estados Unidos, não tinha
uma força real de aplicação e ficou sem efetivação. O Império Brasileiro se omitiu da presença, segundo José
Carlos Brandi Aleixo, por razões diversas como o não comparecimento da Argentina, a recém transição para um
regime de Monarquia Constitucional e a dificuldade de acesso ao Panamá na época: “O grande prócer Pedro
Gual, um dos dois representantes da Colômbia, demorou um mês, só de Bogotá a Cartagena” (ALEIXO, 2000)
35
No que tange ao tema reuniões entre Estados da América Latina no século XIX, houve mais quatro reuniões
derivadas dos ideais bolivarianos. Duas delas foram promovidas pelo Peru: As conferências de Lima de 1847-
1848 e de 1864-1865 e a Conferencia de Santiago em 1856 no Chile. Edmundo A. Heredia (2015), chama a
atenção para o papel do Peru nesse movimento de aproximação entre as nações a partir de congressos
internacionais: as duas movimentações de independência (a de San Martin do sul e a de Bolívar vinda do norte
da América do Sul) convergem-se nesse país e deixam um ideário escorado em normas jurídicas que viam a
vantagem e necessidade de uma relação com bases normativas entre todos os Estados recém independentes.
32

hispânica pode-se dizer que a ideia de integração americana é anterior à independência dos
Estados e se forma na esteira do processo de formação dos mesmos, posto que as tentativas de
confederações do século XIX tenham todas fracassado (HEREDIA, 2015).
Outro projeto de integração regional foi apresentado pelos EUA em 1888 na I
Conferência Pan-Americana quando foram discutidas as propostas de união aduaneira para a
América, de unificação de pesos e medidas e de arbitragem obrigatória em caso de disputas
territoriais. Com a Primeira República (1889-1930) o Brasil muda o direcionamento da sua
política externa: uma aproximação com as repúblicas ganha importância para a nova inserção
internacional (em especial a República dos EUA) e o pan-americanismo de perspectiva
estadounidense, junto com um alinhamento pragmático36 à potência norte-americana, se torna
o principal motor dessa inserção37.
O resultado dessa conferência não foi a formação de uma união de qualquer tipo,
mas ela consolidou um espaço para se discutir a política do continente americano, com clara
dominância dos EUA, que discutiu e apresentou durante os encontros duas das políticas
externas mais significativas da época: a Doutrina Monroe e o Corolário Roosevelt (política do
Big Stick). Esses encontros ocorreram em uma base constante desde o final do século XIX,
ultrapassando a primeira Guerra mundial38 e foram base para a as mediações em disputas
territoriais na região39.
Outro resultado foi a afirmação da posição de alinhamento do Brasil aos EUA e a
parceria tanto política quanto econômica que levaria o primeiro país a se considerar como o
representante da América na Liga das Nações entre 1919 e 1926 dada a ausência dos EUA, tal
posição era apoiada pela potência norte-americana, mas contestada por praticamente todos os
países latino-americanos, em especial México e Argentina. Essa parceria com os EUA

36
Entende-se aqui um alinhamento denominado pragmático com os EUA porque tal posicionamento era uma
estratégia de inserção internacional do Brasil, uma maneira pragmática de obter vantagens (proteção contra
possível invasão europeia e bons acordos comerciais) colocando-se sob a tutela dos EUA. O caráter ideológico
da relação fica assim amenizado e as decisões são tomadas mais porque servem a interesses nacionais do que
para demonstrar afinidade ideológica (PINHEIRO, 2004).
37
A troca da missão que representava o Brasil no I Congresso Pan-Americano de 1888 é muito simbólica dessa
mudança. Os diplomatas que respondiam ao imperador mantiveram, durante sua estadia, a neutralidade e falta de
apoio às medidas dos EUA (Criação de uma tarifa única para a América, criação de um Tribunal Unificado
Americano para arbitragem e a unificação de pesos e medidas). Após a substituição dos diplomatas da missão
Lafayette pelos representantes da delegação Salvador de Mendonça, o espírito republicano solidário entra na
mesa de negociações e o Brasil passa a apoiar as propostas estadounidenses (DORATIOTO; VIDIGAL, 2014).
38
Para listar as Conferencias desse período teríamos: II Conferencia Pan-Americana na Cidade do México em
1901, III Conferencia Pan-Americana na Cidade do Rio de Janeiro em 1906, a IV Conferencia Pan-Americana
na Cidade de Buenos Aires em 1910, a V Conferencia Pan-Americana em Santiago em 1923, a VI Conferencia
Pan-Americana em Havana em 1928 e a VII Conferencia Pan-Americana em Montevideo em 1933.
39
para citar as mediações que o Brasil entrou como parte interessada na disputa territorial temos: Questão de
Palmas (1895) com a Argentina, Questão do Amapá (1900) com a França, a Questão com a Colômbia em 1904 e
1909, a Questão do Acre (1903) com a Bolívia e a Questão do Pirara (1904) com a Inglaterra.
33

também se baseava no papel brasileiro de mediador entre a política estadounidense e a


América Latina, o que levou ao acirramento das disputas entre Brasil e Argentina. A república
platina relutava constantemente com a política estadounidense da Doutrina Monroe, também
conhecida pela frase “América para os americanos”. Experimentando o ápice das suas
negociações com a Inglaterra, a Argentina presenciou no início do século XX um período de
grande investimento urbano, educacional, cultural e comercial no país, então a ideia de uma
politica que desprivilegiasse o seu principal parceiro econômico era barrada e contestada,
inclusive com frases de efeito como “América para a humanidade” declarada pelo
representante argentino na I Conferência Pan-Americana de Washington em 1888.
Essa situação de apoio aos EUA e de fortalecimento da Política Externa Brasileira
no período do Barão do Rio Branco como chanceler (1902-1912) gerou um clima de tensão na
relação com a Argentina, escalonando em 1908 com o caso do telegrama 9, no qual o então
Ministro das Relações Exteriores da Argentina, Estanislao Zeballos, forjou um telegrama
brasileiro que conteria intenções hostis contra a o país portenho. O caso terminou com a
demissão de Zeballos e um esforço dos dois países de procurar algum entendimento (Bueno,
2012).
É nesse contexto que o Barão delineia, em 1909, o Pacto ABC. Ele só será
assinado em 1915 por Argentina Brasil e Chile como um acordo para arbitragem de conflitos
e não como um projeto de hegemonia coletiva, como era o contorno original em 1909 40.
(CONDURU, 1998). O pacto acabou por ser rejeitado na Câmara dos Deputados da
Argentina, porém os três países em conjunto, no âmbito de negociação e da assinatura do
Pacto ABC, tiveram um papel importante na arbitragem em 1914 do conflito entre EUA e
México pela ocasião da invasão estadounidense do porto de Veracruz ocorrida durante a
Revolução Mexicana (1910 - 1920) (VIDIGAL; DORATIOTO, 2014).
Na década de 1920 o Brasil se afasta da Europa, em um período que Clodoaldo
Bueno e Amado Cervo descrevem como “ilusão de poder”, no qual o Brasil, em posição auto-
nominada de representante da América insiste na sua inclusão enquanto membro permanente
do Conselho Executivo da Liga das Nações. Quando seu pleito não é atendido, o Brasil sai da
organização (1924 com confirmação em 1926) e retorna seu foco para o continente
americano, especialmente para a sua relação alinhada com relação aos EUA.

40
Existem duas vertentes que analisam o Pacto ABC de 1915, uma delas entende o tratado como uma resistência
ao pan-americanismo estadounidense e ao imperialismo europeu, defendida por Moniz Bandeira, Celso Lafer e
Bredforf Burns. A segunda, defendida por Clodoaldo Bueno e Rubens Ricupero não encontra nenhuma
contradição ou resistência regional ao contexto internacional de imperialismo (CONDURU, 1998)
34

Durante o governo de Vargas (1930-1945), em termos de interação com a


América Latina, temos em 1933 a assinatura do Pacto Saavedra Lamas de não agressão,
antibelicismo e conciliação entre Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai e Uruguai. O
Brasil também atuou como mediador nos seguintes conflitos: a Guerra do Chaco ocorrida de
1932 a 1938 entre o Paraguai e a Bolívia e a Questão Leticia (1932 a 1933) entre Colômbia e
Peru, nesse último caso, agiu auxiliando a Liga das Nações (VISSENTINI, 2013). Apesar das
mediações, as relações com os países Latino-americanos ainda se dava muito no plano
bilateral, ou seja, relações Brasil-Argentina, Argentina-Uruguai, Uruguai-Brasil, sem abranger
um espaço real e duradouro de encontro entre os vários países e, muitas vezes.
No Pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o alinhamento com os EUA
contribui pars o desgaste da imagem do Brasil perante seus vizinhos, mas ainda assim há
temas que os países latino-americanos defendem em conjunto, especialmente a necessidade de
ajuda para o desenvolvimento. Para tal as décadas de 1940 e 1950 presenciam o surgimento
de iniciativas multilaterais de interação regional.
Durante o Governo Dutra tivemos a criação da Organização dos Estados
Americanos (OEA) por meio da assinatura do Pacto de Bogotá em 1948, ela seria o órgão
multilateral por excelência da América: os conflitos na região deveriam ser tratados no âmbito
dessa organização e nenhuma ditadura de esquerda seria permitida. A Organização dos
Estados Americanos, com a força de peso político, militar e econômico dos EUA, deveria ser
o único fórum de discussão da América: era a lógica da Guerra Fria já em formação
(VISENTINI, 2013).
Na esteira da criação da OEA, temos a criação da CEPAL (Comissão Econômica
para América Latina) também em 1948 como parte da ONU. É a partir da propagação de
ideias dessa Comissão que se pode falar da América latina como uma espacialidade que se
opõe à América anglo-saxônica do norte, rompendo assim com o pensamento pan-
americanista que ainda se mantinha na política externa brasileira alinhada (CARVALHO,
2009). A CEPAL se prontifica a estudar os problemas de desenvolvimento da região, que
começam a ser reconhecidos como semelhantes, e a propor soluções para melhorar o cenário
socioeconômico latino-americano, desenvolvendo, então teorias que procuravam entender a
região como um conjunto. É um espaço acadêmico regional-multilateral em que os
intelectuais da América Latina começam a conviver academicamente, discutir ideias e abrir
caminho para uma interação mais profunda. A CEPAL tem um papel importante na
integração regional especialmente porque sua teoria seria de que a complementariedade
econômica da região, alcançada por meio da integração, seria importante para a
35

industrialização, diminuindo a dependência com relação países industrializados e resolvendo


o problema do sun-desenvolvimento.
Dessa forma, as necessidades econômicas enfrentadas pelas maiores economias da
região juntamente com a falta de apoio sistemático dos EUA, que preocupados com a
restauração da Europa e com o combate ao comunismo não davam o suporte financeiro
esperado pelos países latino-americanos, aproximam a região de si mesma. (VIDIGAL, 2012).
Na década de 1950 tivemos o relançamento do Pacto ABC de 1909 pelo então
presidente argentino Perón, agora em seu segundo governo (1952 a 1955), buscando uma
aproximação com Vargas (1950-1954). Porém o presidente brasileiro já não exercia tanta
influência como no seu governo anterior e não pode, por mais que tivesse interesse, realizar o
Pacto. As elite brasileiras temiam imensamente uma união com Perón que pudesse
desencadear em um rompimento com os EUA e um retorno à Ditadura Varguista, era um
momento delicado para o ex-ditador em sua política interna (BUENO, RAMANZINI e
VIGEVANI, 2014).
Outra proposta dessa década foi a Operação Pan-Americana (OPA) em 1958. Tal
proposta de iniciativa do governo de JK (1955-1960) defendia a criação de um novo espaço
para investimentos internacionais na região, com o intuito de buscar desenvolvê-la a partir do
apoio dos EUA. A OPA incorporou a lógica da Guerra-Fria a partir da utilização do
argumento de que a pobreza gera subversão. O projeto resulta na criação do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) e gera alguns acordos financeiros que beneficiam o
Brasil, mas a OPA é colocada de lado pelo governo de Eisenhower a favor de um projeto
próprio dos Estados Unidos de desenvolvimento para a América Latina, após a Revolução
Cubana em 1959. Tal movimento social demonstrou para os EUA que a América Latina não
era uma zona tão resguardada como se imaginava e que precisava sim de atenção e
investimento.
A década de 1960 presenciou uma proliferação de organizações que visavam uma
união regional para o desenvolvimento econômico e aproximação diplomática da América
Latina. No molde das Comunidades Europeias, comunidades de integração na Europa que
foram unindo os países em torno de áreas de interesse comum, como carvão e aço; aconteceu
a assinatura do I Tratado de Montevideo em 1960 e a estruturação da Associação Latino-
americana de Livre comércio (ALALC), cujo foco era criar um mercado comum latino
americano. Assinado por Brasil, Argentina, Paraguai, México, Uruguai Chile, e Bolívia; o
projeto não teve continuidade especialmente pela escolha de reger o novo bloco com o
princípio da nação mais favorecida e pela proliferação de ditaduras militares de caráter
36

nacionalista. O primeiro motivo é um princípio que se baseia na igualdade de todos os


participes do bloco, dessa forma um acordo tratado entre dois países, com benefícios
acordados entre ambos, seria estendido para todos os membros, independente de eles fazerem
parte ou não do tratado ou da negociação. Obviamente tal princípio inibia a formação de
qualquer tipo de tratado, temendo as consequências não calculadas pela extensão de
benefícios para todos os outros países41. O caráter nacionalista das Ditaduras Militares, além
de levar a certas rixas políticas ligadas à discursos de pretensa declarada superioridade de
cada nação, levavam a um protecionismo de mercado para valorizar as industrias nacionais.
O início da década de 1960, ainda no espirito da ALALC, das teorias cepalinas e
dos estudos do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros)42, a Política Externa
Independente43 de Jânio Quadros e de seu chanceler Afonso Arinos buscou maior
proximidade com a Argentina, país com o qual o Brasil vinha tendo boas relações já desde o
governo JK, com Arturo Frondizi na presidência da república platina entre 1958-1962. Temos
então o Encontro de Uruguaiana em abril de 1961, ponto alto da dimensão sul-americana da
PEI, que combinava com o governo desenvolvimentista de Frondizi.

A ideia era separar a América do Sul dos problemas do Caribe, visto que os EUA
tendiam a analisar os problemas latino-americanos como um conjunto e sob a ótica
do contexto caribenho. Todo o raciocínio do presidente argentino baseava-se na

41
O princípio da nação mais favorecida foi o princípio que inicialmente se fixou no GATT (General Agreement
on Tariffs and Trade – Acordo Geral sobre tarifas e comércio) criado em 1947. Esse acordo seria a base para a
criação da OMC (Organização Mundial do Comércio) em 1995.
42
Outro local de formulação teórica sobre os problemas políticos e econômicos do Brasil foi o ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros). Dentre os teóricos isebianos, Hélio Jaguaribe publicou seu livro “O
nacionalismo na atualidade Brasileira” em 1958. Esse estudo coloca como ponto crucial para a neutralização do
poder estadounidense a união da América Latina, cuja base seria a articulação entre Brasil e Argentina. Sem
avanços nessa parceria, que deveria impulsionar uma integração economica regional, dificilmente seria possível
ter poder e influencia suficientes para inverter as regras na América do Sul. (VIDIGAL, in: A América do sul e a
integração regional, 2012)
43
A PEI é considerada por estudiosos, como Visentini, um primeiro passo da multilateralidade internacional
brasileira. Esse autor interpreta essa política multilateral como o início do terceiro grande período das relações
internacionais brasileiras chamado: multilateralidade, na fase da crise hegemônica no sistema mundial, em
oposição ao “americanismo” pautado pelo alinhamento aos EUA (VISENTINI, 2013). A Política Externa
Independente, nomeada assim pelo próprio Presidente, teve como seu principal promovedor o Chanceler Afonso
Arinos, responsável pela Reforma do Ministério das Relações Exteriores (Conhecida como Reforma Arinos) de
1961. Tivemos novas aberturas de embaixadas em Senegal, na Costa do Marfim, na Nigéria e na Etiópia, como
parte de um novo direcionamento político para a África, o primeiro direcionamento sistemático para o continente
africano da história da PEB, que incluiu a nomeação do escritor negro Raimundo de Souza Dantas como
embaixador do Brasil em Gana. Tivemos também a elevação à Embaixada das Legações do Brasil na Polônia e
no Irã, como parte de um estreitamento de relações entre esses países. Para o Leste europeu temos a Missão
diplomática de João Dantas após o reestabelecimento de relações diplomáticas com a Hungria e com a Romênia,
rompidas desde a Segunda Guerra Mundial. No contexto latino americano tivemos a declaração de “profunda
apreensão” com relação ao episódio do Ataque à Baía dos Porcos em Cuba em 1961, declaração muito diferente
do apoio durante o Governo civil de Vargas quando houve a intervenção na Guatemala em 1954. Vale ressaltar
que o Governo de Jânio Quadros foi curto e tumultuado para a PEI ser corretamente implantada. O estudo da PEI
normalmente se dá pela influencia das suas diretrizes em governos posteriores como o de Geisel, e até mesmo de
Costa e Silva e Médici.
37

constatação de que não era vantajoso opor-se à política estadounidense para a região.
O posicionamento brasileiro, tendente ao neutralismo, devia-se às condições internas
do país (VIDIGAL, in: A América do sul e a integração regional, 2012 p 67).

Desse encontro resultou o Convênio de Amizade e Consulta que, tentando


consolidar os laços de amizade entre os países, previa consultas permanentes sobre os
assuntos de interesse comum e a coordenação de suas ações no âmbito continental e mundial,
além disso, também estaria aberto para a adesão de outros países do continente. O acordo foi
rechaçado do congresso brasileiro durante o governo de João Goulart (1961 a 1964) e apesar
de ter sido ratificado no congresso argentino, o golpe militar de 196244 nesse país colocou no
poder um grupo político a favor da aproximação com os EUA. O acordo, porém permanece
com a importância do ineditismo em termo de uma integração sul-americana partindo de uma
maior interação entre Brasil e Argentina (VIDIGAL, 2012).
Essa autonomia promulgada pela PEI, continuada no governo de Jango, em um
momento de instabilidade da Guerra Fria contribui para o Golpe Civil Militar de 1964, mas
não pode ser entendida como causa do mesmo (SILVA, 2014). Tampouco podemos limitar tal
tomada de poder a uma ação exclusiva dos EUA. O Golpe teve apoio e força dentro do
panorama interno e ocorreria mesmo sem o suporte da potência norte-americana, porém é
importante para o início do novo governo ter o apoio dos EUA tanto para financiar projetos
como para reconhecer o governo internacionalmente.
Com a Ditadura Civil-Militar, instalada em 1964, temos um retorno a Washington
enquanto linha de política externa. Adota-se uma política econômica convergente com a dos
EUA, incluindo o pagamento de indenizações à empresas estadounidenses que haviam sido
nacionalizadas no governo anterior e uma política monetária que incluía reformas fiscais e
monetárias45.
Outro espaço multilateral da América Latina na década de 1960 foi a CECLA
(Comissão Especial de Coordenação Latino-americana) criada em início de março de 1964
para a coordenação das posições dos países da região na I UNCTAD (United Nations
Conference on Trade and Development – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
44
Esse golpe militar resulta na derrocada do Presidente Frondizi e na ascensão do Presidente do senado Jose
Maria Guido e posteriormente a eleição de Umberto Illia. Ou seja, foi um golpe de intervenção, diferente do que
ocorreria nos golpes de 1966 e posteriormente 1976 que colocariam no poder juntas militares.
45
O alinhamento com as decisões dos Estados Unidos chega ao ponto de ratificar o envio tropas brasileiras à
República Dominicana em 1965 como uma missão da FIP (Força Interamericana de Paz) pela OEA
(Organização dos Estados Americanos). Não podemos também esquecer que esse apoio vinha com uma
contrapartida monetária: a entrada de novos recursos da USAID e do Banco Mundial ainda em 1964 e em 1965
temos o crédito de 125 milhões de dólares do FMI e mais 23 milhões vindos dos acordos da Aliança para o
Progresso (GARCIA, 2005). A frase pronunciada pelo novo Chanceler Juracy Magalhães enquanto ainda era
embaixador em Washington é a tônica desse período: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o
Brasil”.
38

Desenvolvimento) que ocorreu em 23 de março em Genebra. Essa reunião na Europa foi


montada para se pensar uma base de comércio mais justa para os países em
desenvolvimento46.
Da mesma forma que a proclamação da república em 1889 mudou o
direcionamento das propostas brasileiras na I Conferência Pan-americana, novamente uma
mudança de governo ocorre em pleno desenvolvimento de uma reunião multilateral
internacional. Nesse caso a liderança do Brasil sobre a defesa de um comércio mais
equilibrado entre produtos industrializados e matérias primas foi decepcionante. Com o Golpe
Civil-Militar a postura brasileira mudou afetando seu papel nas discussões das questões
comerciais para os países subdesenvolvidos. A relação do Brasil, então é conflituosa com seu
entorno nesse início de ditadura, especialmente porque os países da região ainda não tinham
sofrido seus próprios golpes militares.
No Governo de Castelo Branco (1964-1967) temos uma série de acontecimentos
marcantes dessa tensão: a Venezuela chega a romper relações diplomáticas com o Brasil por
um curto período de tempo em 196447, o governo Brasil rompe relações diplomáticas com
Cuba e inicia uma aproximação com o Paraguai para o aproveitamento comum dos recursos
hidrelétricos, gerando um retorno às tensões com a Argentina em 1966 – data de um novo
golpe militar nesse país e dessa vez mantêm-se o regime militar até 197348.

46
A criação da CECLA ocorre em uma reunião na Argentina e gera a “Carta de Altagarcia” que se compõe em
três partes:
“I Declaração de Alta Gracia: em que são expostas a situação dos países em desenvolvimento no quadro do
intercâmbio mundial, a necessidade de reestruturação do comércio internacional e os princípios a serem
defendidos pelos países da América Latina, a fim de que esta reestruturação transforme o comércio em
instrumento eficaz para o desenvolvimento. Esta declaração contém igualmente a manifestação do desejo latino-
americano de coordenar suas posições com as dos países em desenvolvimento de outroscontinentes.
II Princípios gerais: onde estão explicitadas as diretrizes que, a juízo dos países latino-americanos, devem reger a
nova estruturação do comércio internacional a fim de adequá-lo às necessidades de desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos e, conseqüentemente, contribuir para diminuir a diferença hoje crescente entre os níveis de
renda, que os separa dos países industrializados.
III Conclusões gerais: em que se definem as normas e medidas correspondentes aos produtos primários,
manufaturados, invisíveis, financiamento, diversificação geográfica do comércio, agrupamentos econômicos de
países em desenvolvimento e estrutura institucional.
Essas conclusões são as de Brasília que receberam agora confirmação política por parte dos governos latino-
america”. (Resumo noticioso, distribuído à imprensa, acerca dos objetivos e resultados da reunião da Comissão
Especial de Coordenação Latino-Americana, realizada em Alta Gracia, de 24 de fevereiro a 6 de março de
1964 Circular n. 5.078, de 11 de março de 1964 – FRANCO, 2008)
47
A Venezuela é, juntamente com a Colômbia, um dos países que não entra em ditadura nesse período. Em 1959
instaura-se a fase do Punto fixismo, que, ao alternar dois partidos no poder, põe fim a uma ditadura anterior que
durou de 1948-1958 (ELLNER, 1996).
48
O Governo Castela Branco é normalmente reconhecido pelos estudiosos como um desvio na continuidade
universalista que a PEI havia instaurado, isso porque os governos militares posteriores a esse buscariam uma
diversificação de parcerias e mais autonomia política concernente às suas decisões e aos seus posicionamentos
internacionais. Exemplo disso foi o caso da participação como liderança do Brasil na II UNCTAD em 1968, os
desacordos com os EUA sobre Direitos Humanos no Governo Geisel e a não assinatura do TNP (Tratado de não
proliferação) também em 1968. Amado Cervo chama o governo de Castelo Branco de “um passo fora da
39

De qualquer forma, a proliferação de ditaduras militares (1954 no Paraguai, 1966


e 1976 na Argentina, 1964, 1966 e 1971 na Bolívia, 1973 no Chile e no Uruguai, 1968 e 1975
na Bolívia, 1968 e 1992 no Peru)49 facilita a aproximação da região em termos de comércio
exterior, pois a maioria dos países tinham programas desenvolvimentistas a partir de uma base
nacional e agora, com uma aceitação geral da condição não democrática de quase toda a
região, o regime político de cada país não era empecilho para trabalharem em conjunto em
determinadas frentes de discussão. É nesse sentido que a CECLA continua a existir e outros
acordos vão sendo costurados.
Em 1969, Argentina, Bolívia, Brasil Uruguai e Chile assinam o Tratado da Bacia
do Prata50 para impulsionar o comércio na região e isolar o México. Porém nesse tratado
ainda não há uma clara definição do que se pode definir como América do Sul, sim uma
continuidade do foco dos países da região em uma zona de uso comum que que sempre esteve
em pauta na diplomacia desde a formação desses Estados.
Também em 1969 o Chile lidera o Pacto Andino ou Pacto de Bogotá que cria a
Comunidade Andina (CAN). Aqui esses países se contrapõem ao projeto da ALALC, visto
por eles como economicista, favorecendo apenas países já industrializados como Brasil,
México e Argentina. Porém em 1976, sob a influência neoliberal da Escola de Chicago, o
Chile se retira da CAN, enfraquecendo consideravelmente a comunidade.
Apesar de seu caráter secreto, Operação Condor de 1975 pode ser entendida como
outra parceria entre os vários Estados da região. Esse acordo contava com uma rede de apoio

cadência” (CERVO; BUENO, 1992). Porém em termos de integração, Vidigal e Visentini diferem do
direcionamento que esse governo deu a esse processo. Para Carlos Vidigal a integração regional fazia parte de
“um projeto maior modificado pelo novo regime, mas que conservou importantes elementos das propostas
integracionistas da PEI. A diferença era que, em vez de um processo de integração vinculado à conciliação
histórica entre o regime democrático representativo e uma reforma social capaz de suprimir a opressão da classe
trabalhadora pela classe proprietária, como proposto por San Tiago Dantas para a PEI, nessa nova fase o projeto
de integração da América do Sul respondia a valores geopolíticos dos militares e a interesses da classe
proprietária, ou seja, dos grupos empresariais hegemônicos no país.” (VIDIGAL, 2012, p 69). Para Visentini, a
dimensão da política hemisférica do Brasil se voltou inteiramente para os EUA, os princípios da PEI e os
ideários da OPA foram desmantelados e o bilateralismo se tornou o novo enfoque da política externa brasileira
(Visentini, 2013). As integrações regionais só teriam valor se efetuadas na “ótica das relações prioritárias com
os EUA” (VICENTINI, 1998, p. 48 apud: VIDIGAL, 2012, p. 70).
49
A Bolívia ganha em termos de números de golpes com grande instabilidade entre 1964 e 1971. No caso do
Peru em1992, o então presidente Alberto Fujimori declara um autogolpe em nome do combate ao terrorismo. O
mesmo aconteceu no Uruguai em 1971 com o autogolpe de Bordaberry (SILVA, 2013).
50
A essência do Tratado era somar esforços com o fim de promover o desenvolvimento equilibrado e a
integração física na região da Bacia do Prata. Os mecanismos utilizados seriam a realização de estudos para
facilitar a navegação e utilização racional da água (por meio do aproveitamento equitativo dos recursos naturais
da região), a complementação econômica regional, mediante a radicação de indústrias para desenvolvimento da
Bacia do Prata, e a elaboração de projetos, principalmente aqueles de interesse comum. É importante mencionar
que o governo brasileiro não via este acordo com “bons olhos”, já que sua ideia era não contrair obrigações com
terceiros que pudessem restringir-lhe a liberdade de construir obras dentro de suas fronteiras ou de realizar
projetos bilaterais com países vizinhos (FERRES, 2004).
40

trans-regional para identificação, vigilância, encarceramento, deportação e morte de civis


considerados “subversivos” à ordem político-ideológica defendida pelas Ditaduras Civis-
Militares dos países participantes (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Peru,
que entrou para o grupo em 1980). O espaço de atuação da Operação vai diminuindo ao passo
que os regimes repressores perdem poder de ação, tanto internamente, como
internacionalmente.
Ao mesmo tempo em que estar em um regime de governo semelhante gera certa
proximidade, o caráter nacional e ufanista desses Estados abre espaço para uma série de
disputas, em sua maioria com algum elemento territorial que envolviam tensões oriundas do
século XIX. O discurso e a disputa também podem ser entendidos como meio de angariar
apoio da população, em especial após a crise de 1973 do primeiro choque do petróleo
(LAPSKY, 2013).
Exemplo disso foi as tensões entre Argentina e Chile em 1978 que teve como
causa a disputa de posse de três ilhotas no extremo sul do continente e as entre Colômbia e
Venezuela em 1987 causada pela disputa de águas do golfo da Venezuela, ricas em petróleo.
Tais ocorrências foram mediadas e não chegaram à guerra, apesar de ter havido deslocamento
de forças militares para os locais disputados. O conflito que de fato ocorreu na região não foi
entre os países sul-americanos, mas entre Argentina e Reino Unido na disputa pela ilha de
Falkland (Malvinas) em 1982.
No decorrer de fins da década de 1960 e início da de 1970, o milagre brasileiro
impulsiona a economia e dá respaldo ao discurso ufanista da Ditadura Civil-Militar, fato que
coloca o Brasil em conflito com os discursos nacionais dos outros países da região:

O presidente Médici visita os EUA, com o objetivo político de assegurar o


reconhecimento do novo status internacional do país como potência emergente (7-12
dez.). Na ocasião, o presidente norte-americano, Richard Nixon, afirma que ‘para
onde for o Brasil, irá o resto da América Latina’. A frase gera descontentamento da
América Latina e alimenta a ideia de que o Brasil estaria desempenhando papel
‘sub-imperialista’ no continente, como ‘satélite privilegiado’ dos EUA (GARCIA,
2005, p. 109).

Representativa dessa ideia de superioridade foi a crise Itaipu x Corpus iniciada em


1973, quando, sem consultar a Argentina, rompendo com o acordado no tratado de 1969, o
Brasil fechou com o Paraguai a construção da hidroelétrica de Itaipu. A situação da Argentina
entre 1973 e 1976 era de grande instabilidade política e econômica e Perón procura negociar
para chegar a um denominador comum com todos na região sobre o assunto, incluindo o
acordo fechado com o Paraguai para a construção da hidroelétrica de Corpus; essa
41

negociação, porém não sobrevive à morte do Presidente Argentino no ano seguinte (FERREZ,
2004). A situação só se agravando que diz respeito à tensão e às mudanças no relacionamento
dos dois países. Há a ruptura por parte do Brasil da prática diplomática de chamada de
“cordialidade oficial” por Matias Spektor (2002). Tal prática se dava pelo reconhecimento
mútuo da importância do outro como potência regional, evitando assim conflitos51. No
Governo Geisel (1974 – 1979), mais especificamente na chancelaria do Ministro Azeredo da
Silveira, temos a mudança desse comportamento. O Itamaraty percebe a fraqueza e a
instabilidade da Argentina e passa a desconsiderar suas ações e ameaças52 (SPEKTOR, 2002).
“As tensões são desanuviadas de forma definitiva em 1979, com a assinatura do
Acordo Tripartite de Cooperação Técnico-Operativa pelos chanceleres de Brasil, Argentina e
Paraguai, que compatibiliza os projetos de Itaipu e Corpus” (CANDEIAS, 2005, p. 23). Essa
resolução marcou uma mudança na relação do Brasil com seu entorno, em especial a
Argentina. Entramos na fase que Candeias (2005) define como “Fase da Estabilidade
Estrutural por Cooperação (1979 a 1988)”, que seria um relacionamento mais pautado em
uma parceria e construção mútua de confiança, como a assinatura em 1980 do Acordo de
Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear e a
“neutralidade imperfeita” do Brasil, nos termos de Muniz Bandeira (apud Candeias, 2005),
durante a Guerra das Malvinas em 1982 entre Argentina e Reino Unido, quando o governo
brasileiro vendeu armamentos e aviões, cedeu ajuda técnica de pilotos brasileiros e defendeu a
posse argentina das Malvinas53.
Ainda durante a Ditadura Civil-Militar, teremos o Tratado de Cooperação
Amazônica (TCA), assinado em 1978 entre Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Colômbia,
Venezuela, Guiana e Suriname. O TCA não foi necessariamente projeto de integração, tendo
como objetivo principal a cooperação para promover o desenvolvimento da região amazônica,
além de explicitar a soberania estatal de gestão de qualquer parte do seu território, inclusive
reservas ecológicas. Esse ultimo ponto se relaciona com a publicação do relatório Limits to

51
A cordialidade oficial começou no pós guerra do Paraguai e seria definida como “o conjunto de princípios e
concepções que informou a diplomacia brasileira para Buenos Aires com o objetivo primordialde evitar que a
dinâmica entre os dois principais poderes da América do Sul levasse a uma rota de colisão. Esse apanhado de
orientações pode ser resumido por (a) uma postura tolerante em relação ao elevado perfil da diplomacia
argentina em assuntos regionais, hemisféricos e globais, (b) a sistemática busca de faixas de cooperação com
aquele país no intuito de diluir potenciais desentendimentos, (c) a inclusão da Argentina nas iniciativas
internacionais do Brasil, e (d) a promoção de bons ofícios entre Buenos Aires e Washington sempre que o
sensível relacionamento entre as duas capitais apontasse para o confronto” (SPEKTOR, 2002, p. 118)
52
Processo de mudança teve início, contudo, antes da posse de Geisel, quando, em 1967, o debate pela utilização
dos trechos internacionais da bacia do Prata ganhou contornos de discordância frontal entre os dois países. Foi
sobre o uso das águas que a validade da estratégia brasileira para a Argentina foi revisada (SPEKTOR, 2002).
53
Desde 1833, data da invasão do Reino Unido à ilha, o Brasil defende a posse argentina do território.
42

growth (1972), relacionando o impacto ambiental com o desenvolvimento. Tal estudo foi
utilizado por países desenvolvidos, organizados no Clube de Roma (1968), para defender
desmatamento zero das reservas naturais dos países, fossem eles desenvolvidos ou não 54. O
TCA também representa a abertura de um novo foco para a diplomacia brasileira, é a primeira
vez que o Brasil se coloca como ator político internacional de maneira mais representativa na
área setentrional da América do Sul55.
A década de 1980 marca o início de um período de crises para os países em
desenvolvimento, tanto uma crise econômica internacional quanto uma interna. É um período
em que os Estados da América Latina buscam opções em conjunto. Em 1980, temos a
assinatura do II Tratado de Montevideo entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile,
México, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, substituindo a ALALC pela
Associação Latino-Americana De Integração (ALADI). O objetivo continua sendo o mesmo:
criar um mercado comum latino-americano, porém com mudanças cruciais: não existe mais o
princípio de nação mais favorecida, permitindo acordos entre quaisquer países (são os acordos
conhecidos como ACE – Acordo de Complementação Econômica) e a ausência de prazo para
formação do mercado comum. Essas mudanças dão uma flexibilidade, dinamismo e
resistência à Organização, que mesmo em momentos de crise nos seus membros, não se vê em
perigo de extinção56.
Instabilidades econômicas normalmente precedem ou são concomitantes a
instabilidades políticas, nesse período não foi diferente. Os governos em processo de
redemocratização tiveram que lidar com a desestruturação das ditaduras e a reorganização de
um novo regime político. Tal reestruturação não ocorreu sem conflitos, mesmo que em alguns
lugares, como no Brasil, tenha sido feita de forma ordenada pelo próprio governo.
No panorama latino-americano o Brasil esboçou preocupação de inserir-se nos
assuntos políticos com um viés mais amistoso e sem projetar fortemente uma política de
54
A questão do meio ambiente se torna um assunto de embate porque os países desenvolvidos fizeram sua
revolução industrial com base no uso extensivo de suas reservas naturais e nesse momento pretendiam impor aos
países subdesenvolvidos limites para o uso de suas reservas naturais para a mesma finalidade de
desenvolvimento. Essa relação entre meio-ambiente e desenvolvimento deu espaço para a criação do conceito de
Desenvolvimento Sustentável, debatido e defendido por vários países em desenvolvimento, como o Brasil.
Lembrando que desenvolver-se de forma sustentável é crescer economicamente hoje, garantindo reservas que
proporcione o crescimento futuro.
55
Impulsionando ainda essa diplomacia na região temos em 1998 a criação da Organização do Tratado de
Cooperação Amazônico (OTCA) com sede em Brasília. As outras iniciativas de âmbito multilateral que
englobarão a região amazônica, mesmo que não tratem exclusivamente dela, serão a IIRSA em 2000 e a
UNASUL, em 2008, ambas discutidas posteriormente no presente trabalho.
56
Na ALADI, todos os países partícipes têm que ter seus acordos publicados pela organização. O MERCOSUL,
enquanto Tratado de Assunção assinado em 1991 por países membros da ALADI está nela registrado como o
ACE 18.
43

interesse nacionalista, como ocorria no período anterior. Isso passa a ser mais coerente a partir
no novo governo civil com o Presidente Sarney (1985-1990), quando se começa a construção
de uma imagem de parceria na América Latina. Esse novo comportamento é exemplo de um
movimento mais amplo da PEB o qual Gelson Fonseca Jr. (1998) deu o nome de “Renovação
de credenciais”, ou seja, ruptura com algumas políticas da década de 1970 que acarretavam
uma imagem negativa estigmatizada do Brasil em áreas internacionalmente importantes,
como direitos humanos e tecnologia nuclear, nas quais o Governo brasileiro não abria mão de
sua soberania.
Em 1983, os governos de Colômbia, México, Panamá e Venezuela impulsionados
pelo pedido de ganhadores do Premio Nobel Gabriel García Márquez, Alfonso García Robles
e Alva Myrdal, que atendiam ao chamado do Primeiro Ministro Sueco, traçaram um plano de
ação para a mediação nos conflitos que ocorriam a cerca de três décadas na América Central,
em especial para El Salvador, Nicarágua e Guatemala. Os quatro países mediadores se
intitularam Grupo de Contadora (Cidade panamenha sede da primeira reunião) e tiveram seu
projeto de paz apoiado pela Assembleia Geral da ONU, pelo Conselho de Segurança e pela
maioria dos países latino-americanos, não contou com o apoio dos EUA. Em 1986, Argentina,
Brasil, Peru e Uruguai, demonstraram interesse nas questões de instabilidade política regional
ao fundar o Grupo de Apoio a Contadora, porém a paz na região foi alcançada por meio do
Acordo de Paz de Esquípulas, cujas discussões se iniciaram em 1986 e se estenderam a 1987,
com apoio dos Estados Unidos57.
Esses dois grupos (o de Contadora e o de Apoio) resolvem se reunir no Grupo dos
Oito e, posteriormente, no Grupo Rio; com reuniões a partir de 1987, que passara a discutir
temas como divida externa e desenvolvimento tecnológico da região. O Grupo Rio se mostra
um espaço onde os países mais influentes da América Latina conseguem dialogar sobre
assuntos pertinentes à sua realidade. Vale ressalta o caráter mais político desse bloco. O
Brasil, mesmo durante a ditadura civil-militar, não deixou de integrar discussões multilaterais
sobre comércio e desenvolvimento ao lado dos países latino-americanos.
Também no Governo Sarney houve direcionamento para maior participação nas
questões políticas regionais e para fomentar um relacionamento mais íntimo com a Argentina,
construindo confiança e fortalecendo bases para o processo de integração que viria na década
seguinte. O interesse do presidente argentino Raul Alfonsín, no poder desde 1983, também

57
O Grupo de Contadora gerou a da Ata de paz da Contadora para América Central, em 1984, projeto de
mediação não aceito, mas que lançou bases para o processo de paz de Esquípulas.
44

converge para uma aproximação regional, buscando estabilidade e caminhos para Diversos
acordos e declarações são assinados nesse período.
No ano de 1985 temos a assinatura da Declaração de Iguaçu, um documento de
conteúdo político que declara o compromisso de aprofundar as relações econômicas entre os
dois países sul-americanos. Mesmo não sendo um compromisso vinculante, é considerado um
marco da integração entre os dois países, demonstra esforço dos novos regimes em fomentar
uma parceria entre eles.
Em 1986 temos a assinatura do Programa de Integração e Cooperação Econômica
(PICE) entre Brasil e Argentina, focando na integração de setores de ambas as economias 58.
E, em 1988, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, esse sim de caráter
vinculante, coloca prazo de 10 anos para a integração completa das duas economias. Era o
início burocrático para as negociações que delineariam o MERCOSUL.
A década de 1990 presenciou uma multiplicação de blocos econômicos em vários
continentes, em quantidade e ritmo sem precedentes até então. Entra-se na “Segunda Onda de
Integração Regional” (SENHORAS, 2010) partindo do incremento comercial, iniciou-se uma
nova dinâmica internacional que viria a gerar o que Paulo Visentini coloca como “O crescente
desequilíbrio entre a ordem econômica (crescentemente multipolar) e a ordem político-militar
(que permanece dominada pela superpotência remanescente, os Estados Unidos)” e que
“elevam as incertezas deste cenário” em época de crise (VISENTINI, 2013, p. 120).
Em 1989 tivemos a Asia Pacific Economic Coperation – Cooperação Economica
Ásia-Pacífico (APEC), em 1990 a IPA (Iniciativa Para as Américas), em 1992 a União
Europeia, em 1994 o NAFTA (North America Free Trade Treaty – Acordo de Livre Comércio
da América no Norte). Em 1992 a ASEAN (Association of Southeast Asian Nations -
Associação de Nações do Sudeste Asiático) que existe de 1967 assinou seu tratado para se
tornar uma área de livre comércio.
O Brasil entra a nova década firmando com a Argentina a Ata de Buenos Aires
em 1990, antecipando o prazo do tratado de 1988 para dezembro de 1994. É nesse encontro

58
Para Joaquim Cadete, esse acordo tem um lado político: maior integração econômica significa uma parceria
mais intima entre os dois governos com a finalidade de evitar o reestabelecimento de regimes autoritários. Isso
significaria também mais estabilidade na região do prata, deixando a política externa brasileira com mais
recursos para focar na questão amazônica (CADETE, 2015 p. 44). Não me parece que a política brasileira para a
região ganhou grandes benefícios para dedicar-se à questão amazônica, especificamente, já que não houve
tratados significativos sobre essa área. Um interesse político mais plausível para o Brasil me parece ser a
construção de uma imagem de parceria na América Latina que respaldaria os esforços de ruptura com algumas
políticas da década de 1970 e da imagem do Brasil como um com estigma de soberania em áreas
internacionalmente importantes como direitos humanos e tecnologia nuclear resultando na política que Gelson
Fonseca JR. (1998) Chamou de “Renovação de credenciais”, como já foi mencionado anteriormente neste
trabalho.
45

que Paraguai e Uruguai integram as negociações para o Mercado Comum do Sul, que ganha
textualidade no Tratado de Assunção de 1991, no governo Collor, e funcionamento político
em 1994, com o Protocolo de Ouro Preto, já no governo de Itamar. O MERCOSUL marca a
consolidação de uma novas fase de interação do Brasil com a Argentina, a de “Estabilidade
Estrutural pela Integração” iniciada em 1988 segundo o recorte de Matias Spektor
(SPEKTOR, 2002). Esse Mercado Comum Também contribui para sedimentar a projeção
política brasileira na América Latina como liderança e parceria.
O bloco que surge com a assinatura do Tratado de Assunção é um acontecimento
de peso para a região. Ele representa uma Organização Internacional advinda de uma
aproximação autônoma, sem presença de potências mundiais, e com base sólida e constante
que permite sua continuidade; diferente de iniciativas como a OPA ou o Convênio de
Amizade e Consulta. É a consolidação da ruptura com uma política de integração a partir da
lógica geopolítica do interesse nacional, como Vidigal coloca a visão integracionista do
regime civil-militar (VIDIGAL, 2012). O MERCOSUL abre espaço para mostrar as
possibilidades benéficas de uma integração e permitindo uma forma mais íntima de o cone-sul
interagir em suas questões econômicas. É nesse momento que um assunto que sempre foi
motivo de rixas ou concorrência – o controle da interação entre mercado regional e
internacional – passa a ser um fator de integração (CERVO, 2015). O Mercosul é o marco
positivo da participação pouco efetiva, porém constante do Brasil na história da integração
regional (SILVA, 2013) e sem dúvida é um abrir de portas para o concerto político da região,
para a resistência a políticas de fora e para outras iniciativas de integração.
Também da década de 1990 temos o projeto pouco desenvolvido da ALCSA
(Área de Livre Comércio Sul-Americana) em 1993/1994, durante o governo de Itamar
Franco, e a proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) de 1994, ambas não
chegaram a ser acordadas, porém tiveram influencia na política de integração que se
desenrolou no fim do século XX e início do XXI.
A ALCSA, para Visentini (2013) é uma clara reação à iniciativa do NAFTA que
incluiu o México ao Canada e aos EUA, concretizada em 1994. Já para Adilson Santana de
Carvalho (2009), a ALCSA é um projeto que se opõe mais diretamente à ALCA, já que o
Brasil vinha agindo com cautela desde 1990 com a Iniciativa para as Américas (IPA), lançada
pelo governo do primeiro presidente Bush, e que “incluía o estabelecimento de uma área de
livre comércio com pretensões de abarcar do Alasca à Patagônia” (ibid., p. 35).
Interpretações a parte, foi uma iniciativa brasileira que claramente se opôs às iniciativas
46

estadounidenses para a integração regional.59 A AlCSA, e posteriormente a União de Nações


Sul-americanas se tornam maneiras de regionalizar a Política Externa Brasileira, fazendo
frente à crise da noção de América Latina e inserindo o Brasil no contexto de mega-blocos
(VILAFAÑE, 2014). A AlCSA (apresentada na VII Cúpula do Grupo Rio em 1993) também
foi “a primeira aproximação ao conceito de América do Sul tal como ele é expresso hoje no
discurso diplomático brasileiro” (CARVALHO, 2009, p. 37).
No início do Governo de FHC, há um emparelhamento maior com as políticas dos
EUA e um abrandamento no discurso de regionalização que o governo de Itamar Franco
assumiu (incluindo o próprio FHC enquanto Ministro). O projeto da ALCSA é arquivado,
porém o Brasil não se mostra entusiasmado com o projeto estadunidense. A Área de Livre
Comercio das Américas tiraria o Mercosul da existência e diminuiria a zona de influencia
brasileira na região. Começa então um jogo de não apoiar, mas também não rechaçar
abertamente o plano político econômico de uma zona americana de livre comércio
(VISENTINI, 2013).
FHC só se volta mais firmemente para a América do Sul durante a metade do seu
segundo mandato. Ainda para Visentini (2013), os fatores conjunturais de mudança que
favoreceram a aproximação brasileira com os países sul americanos foram as crises asiática
(1997) e russa (1998) que, ao desestabilizarem o mercado financeiro, levaram os países
desenvolvidos e os em desenvolvimento a tomarem medidas mais protecionistas. No quadro
nacional o Real começa a desvalorizar e o Mercosul cessou sua fase inicial de lucros fáceis o
que dificultava a situação para os países participantes. Para atrair investimentos, a América
do Sul precisava mostrar estabilidade: esse foi o tom da I Reunião de Presidentes Sul
Americanos que, por iniciativa do governo brasileiro, voltado agora para a realidade sul-
americana como alternativa à crise do Real e à impopularidade crescente do liberalismo
figurado na proposta da ALCA, reuniu os chefes de governo em Brasília entre 31 de agosto e
primeiro de setembro de 2000.
Por último gostaria de terminar o texto com um pensamento interessante de Carlos
Vidigal (2011). O autor entende que não foram as teorias cepalinas, as isebianas ou a ideia de
um renascimento do bolivarismo que levou ao que conhecemos hoje como integração sul-
americana. Existe, para ele, um acumulado histórico bilateral em torno desse tema: projetos
anteriores, políticas em comum e aproximação diplomática. As dificuldades econômicas
sofridas pela América Latina no pós Segunda Guerra levaram à existência de iniciativas como

59
A inclusão do México no NAFTA, segundo Cláudio Villafañe (2014), serviu para degradar lentamente o
conceito de América, sendo a UNASUL uma reação a essa erosão.
47

a OPA e, em especial o congresso de Uruguaiana, que colocou de maneira inédita integração


regional como diretriz. A ideia era combater a dependência econômica e tecnológica da região
para com os países desenvolvidos. Na década de 1970, com a mudança do discurso
diplomático brasileiro60, as iniciativas de boas relações com a Argentina tiveram frutos e
permitiu a crescente aproximação entre os dois países e a consolidação de uma confiança
mútua que persistiu durante o processo de redemocratização e contribuiu para colocar em
prática a integração regional atual.
Foi levando em consideração esse acumulado histórico que me propus a fazer esse
breve resumo, para que seja perceptível que mesmo que meus estudos se iniciem no ano 2000,
motivo de ser considerado mais importante seu contexto político e histórico mais próximo,
não significa que a integração, enquanto ideia política e econômica, tenha iniciado nesse
período. Essa visão historicamente mais ampla também permite que se vejam as linhas de
continuidade e ruptura da estruturação da integração sul-americana, mostrando que seu
processo nunca foi uma evolução em linha reta e certeira, ele tampouco começa em 2000 e
muito menos termina com as incertezas e crises do período atual.

60
Vidigal (2011) entende que essa mudança se iniciou no Governo Geisel.
48

3 COMÉRCIO E INSERÇÃO INTERNACIONAL: ETABILIDADE E


INVESTIMENTO.

3.1 As Reuniões de Presidentes e o Início de uma Inserção Internacional Conjunta em


Meio à Instabilidade.

Entre 2000 e 2004 os presidentes dos 12 países componentes da América do Sul


se encontram três vezes. 2000, 2002 e 2004, sob o título de Reunião de Presidentes Sul-
americanos. É valido lembrar que já havia entre eles iniciativas de integração: a CAN,
composta por Peru, Equador, Colômbia e Bolívia; e o MERCOSUL cujos Estados membros à
época eram Argentina Brasil, Paraguai e Uruguai e o Chile, enquanto Estado associado do
Mercosul. Fora do processo até o momento estavam a Guiana, o Suriname e a Venezuela61.
Tal agrupamento gerou, respectivamente, três documentos: o Comunicado de
Brasília (2000), o Consenso de Guayaquil (2002) e a Declaração de Ayacucho (2004). Esses
documentos são considerados os documentos normativos, pois deles partem as normas,
regras, diretrizes ou características que serão guias para a ação do grupo ou países.62 Muitas
vezes tais papéis também constam de pronunciamentos sobre acontecimentos diversos do
cenário internacional que os participantes julgaram pertinente discutir e incorporar durante as
reuniões63.
O tema central de todas as reuniões acima referidas é a integração física da
América do Sul: a primeira reunião, em Brasília no ano 2000, lança o Plano de Ação da
Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana64, fundando assim a

61
Venezuela só entra para o Mercosul em 2006 e a Bolívia em 2012. Mas esses Estados são associados ao
Mercosul desde 2004 e 1996 respectivamente.
62
Tais documentos não geram, porém obrigações jurídicas para fins de Direito internacional Eles são o que o
próprio nome propõe: comunicados, declarações e consensos. Apenas os tratados ou acordos geram obrigações
63
Outros temas podem ser discutidos e chegam ao público em forma de anexos e notas. Ao fim do trabalho, na
discriminação de todas as fontes utilizadas para o presente texto, consta uma lista com os Anexos de cada
reunião presidencial dos referidos encontros. Os documentos anexos e as notas serão tratados ao longo do
presente trabalho de acordo com sua pertinência para o tema discutido.
64
“Esta Iniciativa se constituiu como um mecanismo institucional de coordenação de ações intergovernamentais
dos doze países sul-americanos com o objetivo de construir una agenda comum para impulsar projetos de
integração de infraestrutura nas áreas de transportes, de energia e de comunicação.
A Iniciativa IIRSA é criada com o objetivo de promover o desenvolvimento da infraestrutura regional em um
contexto de competitividade y sustentabilidade crescentes. Dessa forma se pretende gerar as condições
necessárias para alcançar, na região, um padrão de desenvolvimento estável, eficiente e equitativo, identificando
os requisitos de tipo físico, normativos e institucionais necessários e procurando mecanismos de implementação
que fomentem a integração física a nível continental.
A coordenação técnica da IIRSA foi delegada a três bancos multilaterais de desenvolvimento: o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para
o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA). Estes bancos produziram, conjuntamente, um Plano de
Ação com um horizonte de trabalho de dez anos” (IIRSA, tradução própria).
49

Iniciativa de Infraestrura Regional Sul-Americana (IIRSA). Esse tema não será o principal
abordado no trabalho, mas estará presente sempre que for pertinente.
O Comunicado de Brasília, documento principal para este estudo, oriundo dessa
reunião, discute uma multiplicidade de assuntos: democracia, comércio, infraestrutura de
integração, drogas ilícitas e tecnologia (conhecimento e informação). Porém, pesar de trazer
essa gama de assuntos em forma de tópicos, a fonte parece estar centrada em discutir a
situação da América do Sul dentro do processo de novas conformações internacionais
presentes no início do século XXI. Vê-se o interesse de discutir uma situação comum aos
países participantes, motivação que não é inovadora como vimos na história da política
externa da região.
Na virada do século o tom do sistema internacional era a inserção na realidade
globalizada e neoliberal e a busca de projetos para desenvolvimento que permitiriam a entrada
dos países dentro do mercado mundial, assunto que já vinha da década passada. Ciente dessa
conjuntura, o grupo não estava desatento para a falta de equilíbrio e de simetria entre os países
sul-americanos e outros participantes mais fortes economicamente, como EUA, Japão, e a
nascente União Europeia.

13. Os Presidentes da América do Sul concordaram que o processo de globalização


conduzido a partir de uma perspectiva de equilíbrio e de igualdade em seu
desenvolvimento e em seus resultados, pode gerar para os países da região
benefícios tais como a ampliação do comércio, a expansão dos fluxos de
investimentos e a maior divulgação do conhecimento e da tecnologia. Ao mesmo
tempo, este processo também gera desafios que devem ser enfrentados igualmente
por meio de compromissos políticos e ações concentradas dos países da América do
Sul, de modo que a globalização se converta em um meio eficaz para ampliar as
oportunidades de crescimento e desenvolvimento da região e melhorar de forma
sustentável e equitativa seus níveis de bem-estar social (COMUNICADO de
Brasília, 2000, p. 02, parágrafo 13, tradução própria).

Partindo desse parágrafo vemos que os presidentes estão seguros na sua posição
de apoio à globalização e ao comércio. Isso pode parecer banal, mas indica consciência do
posicionamento internacional que a região assume em uma realidade comum que, em menos
de dez anos, presenciou a queda do muro de Berlim, passou por um processo de
redemocratização e tem proximidade espacial com a Cuba socialista e ditatorial. Definir sua
posição é um ponto que demonstra como o grupo pretende se inserir no sistema internacional.
Essa adesão ao mundo globalizado, porém, não se dá sem a noção de que esse
modelo econômico apresenta suas falhas. Os países sul-americanos estão cientes do desafio de
distribuir os benefícios e conscientes de que a realidade internacional não opera sintonia. Dois
parágrafos são muito emblemáticos sobre essa questão:
50

14. Os Chefes de Estado concordaram com a avaliação de que a determinação para


programar políticas macroeconômicas consistentes é essencial para a estabilidade
interna de cada país e para garantir avanços continuados nos processos de
integração. Enfatizaram, por outro lado, a importância fundamental de um ambiente
econômico externo favorável que complemente os esforços nacionais e regionais.
Assinalaram, nesse contexto, a importância dos preços adequados para os produtos
básicos exportados pela região, tendo em mente a importância desse aspecto para os
esforços de erradicação da pobreza.
15. É vital que as negociações comerciais multilaterais comecem a ser orientadas por
um maior grau de equilíbrio e de simetria entre os direitos e compromissos de países
desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Os Presidentes recordaram que seus
países adotaram programas valorosos de abertura comercial nos anos noventa, ao
mesmo tempo que persistem barreiras impostas pelos países desenvolvidos a
exportações de produtos sul-americanos. A execução dos acordos da Rodada do
Uruguai65 não foi suficiente para corrigir os atuais desequilíbrios nos fluxos
econômicos e comerciais internacionais. O sistema multilateral de comércio ainda
padece de distorções provocadas por medidas protecionistas e outras medidas de
apoio a sua produção por parte dos principais sócios (COMUNICADO de Brasília,
2000, p. 03, parágrafos 14 e 15, tradução própria, grifos próprios).

O tom de crítica ao posicionamento protecionista de países que defendem a


bandeira neoliberal é diplomático, mas presente. Os Presidentes entendem que, para seus
países, o protecionismo de certos mercados dificulta a arrecadação monetária, pois diminui os
lucros com a exportação, carro chefe da economia dessas nações. As exportações influenciam
no calculo do PIB (Produto Interno Bruto)66 índice mais comum de medição do crescimento
econômico de um país e reflexo da estabilidade econômica.
Estabilidade é uma palavra chave para investimentos e financiamentos,
especialmente os privados, sejam eles nacionais ou internacionais. Isso ocorre porque
estabilidade anda junto com previsibilidade: quando um negócio é previsível, seu desempenho
pode ser calculado e, caso possibilite lucro, atrairá os investimentos necessários para sua
realização. O mercado financeiro, que lida com investimentos a partir dos bancos e das bolsas
de valores, funciona muito com base em expectativas e expectativas são traçadas a partir de
estabilidade. Dessa forma, assegurar um PIB alto e estável é uma das formas de desenvolver
um país. Então, algo que afeta esse índice, afeta também a capacidade de conseguir
financiamento para projetos, tanto estatais quanto privados, do país.

65
A Rodada do Uruguai foi uma das rodadas de negociações de regulação do livre comércio no modelo do
GATT (General Agreement on Tariffs and Trades – Acordo Geral de Tarifas e Comércio) mais longas da
história. Ela tem sua agenda de discussão preparada em 1982 e termina em 1994. Entre os assuntos estavam a
regulamentação de tarifas alfandegárias, incluindo a taxação de produtos agrícolas e a reforma do sistema do
GATT que resultou na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). O GATT era a regulamentação do
livre comércio no Pós-Segunda Guerra Mundial, oriundo de uma seção da Carta de Havana de 1948 (PEREIRA,
2005).
66
A maneira mais usual de se calcular o PIB é por meio da lógica da demanda: a soma do Consumo das
Famílias, dos Investimentos Privados, dos Gastos Governamentais, e da diferença entre exportação e importação.
Essa forma consiste na soma das despesas de um país: a quantidade que o núcleo familiar, o setor privado e o
Governo gastam (MANKIW, 2010).
51

Portanto, quando os presidentes fazem essa crítica à realidade desigual do


comércio internacional, não estão defendendo apenas uma posição econômica para empresas
que comerciam commodities67, tema principal das negociações da Rodada do Uruguai (1994)
e assunto recorrente de negociações na OMC ainda hoje. Eles estão assegurando também
maior PIB e melhores possibilidades de investimentos para o país. Isso afeta a viabilidade
econômica de políticas governamentais das mais diversas, como conseguir dinheiro para
investir na construção de mais escolas. Além disso, é necessário poder arcar financeiramente
com uma pressuposta liderança política internacional, ou com a existência de uma
organização. Dessa forma, impulsionar o PIB, conseguir mais acordos comerciais favoráveis,
atrair investimentos e fazer investimentos são formas de se inserir na economia mundial e
aumentar sua importância internacional dentro do sistema68.
Esses trechos do Comunicado de Brasília (2000, p. 03) também deixam a entender
que sob a ótica dos líderes reunidos na primeira edição da Reunião de Presidentes Sul-
Americanos o sistema internacional tem um grau de responsabilidade para com os países em
desenvolvimento e em processos recentes de abertura comercial e política da América do Sul.
O termo “ambiente econômico externo favorável” e a solicitação por um equilíbrio são
exemplos disso. Nesse tipo de discurso fica um tanto quanto implícita que oferecer “um
ambiente econômico externo favorável que complemente os esforços nacionais e regionais” é
importante para o desenvolvimento dos países e para a melhora de vida dentro dos mesmos.
Para tal vale lembrar que o desenvolvimento é uma bandeira levantada pela ONU
desde sua criação. Tal fato é evidenciado pela criação do Conselho Econômico e Social

67
Commodity são produtos com características semelhantes que podem ser produzidos por diversos produtores e
são consumidos por muitos. Eles geralmente são matéria prima, como a soja, o trigo e o minério de ferro. Como
tanto sua produção como seu consumo são amplos o preço dos Commodity geralmente é definido pelo mercado,
pois nenhum país que produz pode influenciar o preço do produto, já que vários outros países podem abastecer o
mercado, um país que queira vender seu produto, nesse caso, terá que seguir o preço dos demais. O mesmo
ocorre com a demanda: um consumidor que não compre o produto ao preço dado não faz diferença, porque
muitos outros irão comprar. O preço dos commodity funcionam como um Mercado Competitivo (ibid.).
68
Segundo a teoria realista de Relações Internacionais, um país não precisa ser uma grande potência, ou nem
mesmo estável para se inserir no panorama político internacional (Morgenthau, 2002). O clássico do Irã
atualmente é um grande exemplo de que não é necessário estabilidade ou paz para participar dessas relações ou
para influenciar como os outros países reagem; o contraponto desse exemplo é o caso da Suíça: extremamente
estável e tem qualidade de vida alta, porém não é muito expressiva em termos de política internacional, ela não
está em muitas noticias em jornais quando o assunto é política externa. Porém o caso analisado não reflete
nenhum desses dois exemplos: a América do Sul se insere internacionalmente dentro da norma internacional
implantada pela ONU e a partir das concepções de globalização e comércio, como eles mesmos definem ao
longo do documento. Paz e estabilidade são importantes para o comércio e para os investimentos, fato para o
qual atentou Norman Angel, no período quase imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial em sua Obra
“A Grande Ilusão”. Dessa forma, já que a política externa latino-americana (incluindo aqui a sul-americana)
segue historicamente uma tendência a buscar fora meios de se desenvolver internamente (diplomacia voltada
para a economia) a inserção desses países geralmente se dá dentro da ordem aceita pelos participantes mais
influentes do sistema internacional.
52

(ECOSOC), baseado no terceiro propósito estabelecido no artigo 1º da Carta da ONU e com


objetivo central de elaborar estudos a respeito de assuntos internacionais de caráter
econômico, social, cultural, educacional e sanitário (SEITENFUS, 2012). Percebe-se então,
no Comunicado de Brasília (2000), uma apropriação desse discurso que a própria ONU
legitima, que ganha mais força a partir das décadas de 60 e 70 com o MNA (Movimento dos
Não Alinhados) e o Grupo dos 77 e que permanece como uma bandeira comum ainda no
século XXI.
Dentro desse contexto cabe analisar do ponto de vista mais conceitual o seguinte
trecho:

17. Os desequilíbrios nos mercados financeiros internacionais continuam sendo


fonte de preocupações. A comunidade internacional deve preservar, com maior grau
de prioridade, na identificação e na execução de medidas para corrigir ditos
desequilíbrios, os quais podem ter efeitos altamente negativos para os esforços
internos de estabilização econômica na América do Sul (COMUNICADO de
Brasília, 2000, p. 03, parágrafo 17, tradução própria, grifo próprio).

Ao chamar o macroambiente internacional69 de “comunidade internacional” o


grupo toma um posicionamento ideológico que talvez ocorra de forma inconsciente ou de
forma consciente levando em conta um jogo político específico para países em
desenvolvimento num momento internacional recuperação das crises dos anos 1990. Nos
parágrafos 14 e 15 (COMUNICADO de Brasília, 2000, p.3) as expressões usadas são
“sistema multilateral de comércio” – em referencia ao GATT – e “um ambiente econômico
externo favorável” que são termos mais econômicos. Já o termo utilizado no parágrafo 7 é
“comunidade internacional” que, como conceito parte da Teoria das Relações Internacionais
tem um valor ideológico agregado ao seu significado: é um meio específico de compreensão
do macroambiente.
“Comunidade Internacional” é a compreensão de que os atores principais das
Relações Internacionais são os Estados e Organizações, relacionando-se sobre o “pressuposto
de harmonia, entendimento inter-partes, boa fé, isonomia, humanitarismo pacifismo”
(CASTRO, 2012, p. 89). Nela, os litígios eventuais serão sempre resolvidos pela norma
jurídica e “a guerra, em qualquer nível de sistemia (macrossistemia, mesossistemia e
microssistemia) é uma aberração, um desvio de conduta moral” (ibid., p. 87). Esse
relacionamento pressupõe uma afinidade moral e ética intimamente compartilhada entre os

69
Macroambiente é a expressão usada por Thales Castro (2012, p.68) para definir o “canal base por onde os atos
e fatos são apresentados e assimilados pelo sujeito cognoscente por meio de um processo anterior de simetria,
direcionalidade e pertinência (pre-ordem)”, ou seja, é o conceito utilizado pelo autor para explicar o ambiente
internacional sem juízo de valor.
53

Estados, um comunitarismo idílico baseado na norma jurídica como mediadora de qualquer


controvérsia (ibid.).
Ao escolher o nome “Comunidade Internacional” o grupo passa a ideia de que as
relações internacionais entre os Estados se pauta por um compartilhamento moral e por uma
igualdade intrínseca entre os membros. Longe de ser uma escolha idealista, essa definição
pode ser trazida para o âmbito político como forma de pressionar pelo apoio ao
desenvolvimento desses países: fica clara a noção de que eles fizeram sua parte deles com
reformas e adequações e, em contrapartida, a comunidade internacional deve também se
manter estável, já que é representante de uma relação intra-estatal que prevê solidariedade e
reciprocidade comunitária. O apelo à inclusão e a geração de oportunidades se torna muito
mais orgânico nesse caso:

Da mesma forma, para alguns dos países sul-americanos muito endividados, a


constituição de sua dívida, não apenas constitui uma pesada carga, como também
põe em perigo a estabilidade e compromete seriamente seu desenvolvimento
econômico e social. Nesse sentido, os mandatários instam à comunidade financeira
internacional a trabalhar para que se encontre, entre todos, uma rápida solução
para esse problema; e exortam os credores a adotar medidas que favoreçam tal
propósito, para contribuir assim com o reestabelecimento do crescimento econômico
dos países afetados pelo endividamento e apoiar a luta dos governos das regiões
contra a pobreza (COMUNICADO de Brasília, 2000, p. 03, parágrafo 17, tradução
própria, grifo próprio).

E no Consenso de Guayaquil (2002, p. 02, parágrafo 2 “d”, tradução própria, grifo


próprio) os presidentes “assinalam em particular o seguinte”:

Seu convencimento de que a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) 70 é um


elemento necessário para o desenvolvimento humano sustentável. Constataram com
preocupação sua permanente diminuição, motivo pelo qual reiteraram a exortação à
comunidade internacional para que a AOD seja incrementada urgentemente,
conforme a Declaração de Monterrey sobre Financiamento para o
Desenvolvimento. Assim mesmo, tomam nota, com interesse, da proposta do
Presidente da República Bolivariana da Venezuela, para a criação de um fundo
humanitário internacional, no entendimento de que não deverão ser comprometidos
os recursos fiscais dos países em desenvolvimento.

No mesmo documento em um parágrafo quase ao final:

70
A AOD é um tipo de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID). A CID, um dos pilares da
ONU, teve no pós-Segunda Grande Guerra seu momento inicial, com o Plano Marshall como seu grande e
frutífero exemplo. No pós-Guerra Fria, a CID toma um novo impulso: em 2000 foi celebrada a Cúpula do
Milênio. A AOD, sendo um tipo de CID, tem como uma das suas determinantes que a origem do empréstimo
deve ser de um Estado Desenvolvido à outro Estado em desenvolvimento com o objetivo de auxiliar nas políticas
de crescimento do recebedor. No momento do documento (2002), a AOD estava em crise, não a CID
especificamente (empréstimos do FMI são uma forma de CID, por exemplo). Esse debate se amplia com a não
concretização das Metas do Milênio e com a análise de dados entre países que efetivamente se desenvolveram a
partir de medidas de como a AOD (Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura, são os parcos exemplos)
contra os que, mesmo com a utilização desse assistencialismo, ainda seguem em subdeselvimento (América
Latina), colocam a questão do auxílio internacional em debate de eficiência e ética.
54

31. Ao fazer referência aos efeitos negativos dos desequilíbrios do sistema


econômico e financeiro internacional sobre a região, os Presidentes reiteraram seu
apoio e solidariedade ao povo e Governo da República Argentina71, diante do
esforço que vêm realizando para superar a atual conjuntura adversa e instaram a
comunidade financeira internacional à estender o apoio necessário para a
reativação econômica do pais irmão sul-americano (ibid., p. 08, parágrafo 31,
tradução livre, grifo próprio).

Uma característica que me chamou a atenção foi que, ao pedir ajuda, os países de
certa forma se excluem enquanto possíveis criadores de mecanismos próprios para lidar com o
problema do desequilíbrio. O trecho acima expõe o dever, de acordo com o grupo de países
sul-americanos, da “comunidade financeira internacional” de gerar um ambiente de
estabilidade propício ao desenvolvimento e de ajudar os países em dificuldades, tendo em
contrapartida, claro, a adequação dos mesmos ao sistema comercial liberal. Isso sendo o uso
da teoria assistencialista para o desenvolvimento.
Vale lembrar que a necessidade de investimento financeiro como fator importante
para o desenvolvimento de um país não é nova. Essa política assistencialista está presente na
base de criação da ONU, como fica claro pelo já mencionado ECOSOC, e se desenvolve com
mais peso na década de 1950 e 1960, sem deixar de ter peso dentro do panorama internacional
(como vimos no caso da AOD). Grande influenciadora desse discurso assistencialista foi a
teoria do crescimento econômico de Robert Solow, que, segundo Joaquim Cadete (2015), em
1956, coloca como papel do investimento e da ajuda internacional potencializar as “condições
intrínsecas ao crescimento econômico nas sociedades menos desenvolvidas” no caso dessas
não terem poupança doméstica ou capacidade de atrair investimento estrangeiro (SOLOW,
1956 apud CADETE, 2015, p. 26). Essa teoria ganha adeptos em um contexto de Guerra Fria
como um projeto anti-comunista de desenvolvimento, que ganha grande repercursão dentro da
implementação e do sucesso do Plano Marshall para a Europa e da teoria dos estágios do
crescimento de Rostow (1960 apud CADETE, 2015), na qual o subdesenvolvimento é um
estágio para o desenvolvimento. Essa forma de desenvolver um Estado se torna a principal no
ocidente graças ao posicionamento capitalista dos EUA, mas não foi a única aceita ou válida
durante o período. Vale relembrar que paralelamente a essa teoria de Solow, pregando a
importância da assistência para o desenvolvimento, temos os EUA em uma política de
distanciamento financeiro com relação à América Latina. A CEPAL também diverge
enquanto teoria de desenvolvimento, pregando certo protecionismo de mercado para o
desenvolvimento de uma indústria nacional competitiva e investimentos estatais para o

71
Nesse momento é feito referência à crise da Argentina de 2001, quando o governo desse país declarou
moratória diante da incapacidade de manter a paridade dólar-peso prometida para o pagamento de suas dívidas.
55

direcionamento do crescimento (em que, quanto e quando investir). A teoria cepalina e a de


Solow não são opostas e muitas vezes os países latino-americanos se valiam das duas para
conseguir atingir seus objetivos, como foi o caso da proposta da OPA.
O assistencialismo foi uma constante na ONU e no sistema internacional,
mudando mais a noção do que é considerado desenvolvimento72 do que da necessidade de
assistência. Programas para Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) ainda
são amplos e extensos, sendo uma realidade nas Relações Internacionais, dessa forma seria
estranho que não houvesse menção a esse tipo de relacionamento entre países do norte e do
sul políticos. Outro fator que contribui para o uso praticamente exclusivo do assistencialismo
para a resolução do desequilíbrio do sistema financeiro é a situação econômica da região.
A crise do modelo de substituição de importações geraria na década de 1980
sérias crises de endividamento nos países da América Latina, em especial a partir do aperto
monetário do Federal Reserve Bank (FED – Banco Central dos EUA) em 1979 e o segundo
choque do petróleo, no mesmo ano. Em 1982 o Brasil estava perto do colapso com suas
reservas internacionais esgotadas, quando foi socorrido pelo FMI, demorando até meados de
1985 para organizar suas contas externas e poder voltar-se para a alta inflação interna, que por
sua vez só seria resolvida em 1994, com o sucesso do plano real. Isso se quer significaria uma
recuperação completa, pois as crises da Rússia, da Ásia, e do México na década de 1990
afetariam a economia da América Latina.
O México foi o grande modelo de aplicação do Consenso de Washington, no fim
da década de 1980 e início da década de 1990. Em verdade, o que ficou conhecido como
Consenso de Washington foi a adesão às diretrizes do Plano Brady do FMI datado de 1989.
Tal plano foi colocado como solução de negociação das dívidas externas que estavam gerando
crises generalizadas na década de 1980 entre os países em desenvolvimento, em especial a

72
A questão dos impactos da exploração econômica sobre o meio ambiente que teve como marco a Conferência
de Estocolmo para o Meio Ambiente Humano de 1972 começa a modificar o pensamento entre desenvolvimento
e sustentabilidade da flora e da fauna mundial. Porém, apenas em 1983, a partir do relatório “Nosso Futuro
Comum”, seria difundida a ideia de “desenvolvimento sustentável” que iria se tornar argumento de articulação
dos países em desenvolvimento para combater a teoria de desenvolvimento zero, ou seja, preservação ambiental
acima da industrialização para evitar poluição e desgaste maior dos recursos naturais do planeta. Dessa forma
temos a lenta incorporação do termo “sustentável” ao termo “desenvolvimento”, reforçada também pela noção
de assistencialismo já que o aperfeiçoamento tecnológico permite menos poluição, então ajudar a desenvolver
um país é poluir menos. A questão de direitos humanos também influencia a noção de desenvolvimento. A
incorporação oficial de direitos econômicos, sociais e culturais juntamente com direitos civis e políticos ao rol de
direitos humanos, a partir de 1993 pela ONU põe fim a uma discussão existente no sistema internacional sobre
como definir ao que o indivíduo deve ter acesso para se confirmar o cumprimento dos direitos humanos. Ao
adicionar direitos sociais, como acesso à educação, a um ideário tão importante para os países ocidentais após a
segunda Guerra Mundial a ONU abre espaço para se pensar a que setores da sociedade esse desenvolvimento
deve ser dirigido e quais devem ser seus objetivos. Desenvolver-se então tem um caráter mais humano, assim
como o assistencialismo que propicia tal desenvolvimento.
56

América Latina. Ao aderir ao Plano Brady, o país deveria então abrir o mercado, realizar
privatizações, aderir ao livre fluxo de capitais e praticar uma política fiscal e monetária mais
disciplinada, envolvendo diminuição de gastos do governo. As medidas variavam de acordo
com o caso específico do país, porém seguiam esses preceitos base, que ficaram conhecido
como o Consenso de Washington, já que os EUA de fato acordou com instituições financeiras
internacionais e com economistas conceituados defendendo que o desenvolvimento passaria
por uma redução do papel do Estado na economia (KESSLER, 2001).
O México adere ao Plano Brady no início dos anos 90, praticando todo o pacote
de medidas. As privatizações foram efetivadas, inclusive a do seu sistema bancário e da
TELMEX (monopólio da telefonia no país); a abertura comercial foi efetuada de maneira bem
sucedida, transformando em o déficit em superávit; e a liberalização do fluxo de capitais e a
manutenção do câmbio fixo e valorizado com uma pequena margem de desvio – conhecida
como crawling peg – ajudou a controlar a inflação (ibid.). Essas medidas, porém, fizeram a
economia mexicana dependente cada vez mais da sua balança comercial para a manutenção
do superávit e aquela por sua vez dependente da manutenção da crawling peg que acabava
incentivando importações e saída de dólares, levando ao endividamento crescente do governo
para manter a taxa de cambio.73 Para compensar a saída de dólares e manter a taxa fixa, o
governo mexicano precisaria comprar mais dólares: a administração Salinas (1989-1994)
esvaziou as reservas internacionais do México de U$$ 30 bilhões para U$$ 6 bilhões no final
de 1994 (ibid.). A situação se tornou insustentável quando o FED aumentou sua taxa de juros,
tornando os títulos estadounidenses mais rentáveis que os mexicanos, e quando uma série de
assassinatos políticos ocorreu no mesmo ano que o Levante de Chiapas, aumentando a
percepção de instabilidade do México. Além disso, a incerteza política da continuidade das
medidas econômicas com a mudança de governo levou os investidores internacionais a
preferir os EUA como aporte do seu capital e investir menos no país latino-americano. A
constante fuga de capitais levou o governo seguinte de Ponce de León (1994-2000) a ampliar
a crawling peg para um desvio de 15,3%, o que só concretizou os receios dos investidores

73
Para entender porque um país gasta para manter seu cambio fixo é necessário pensar na cotação cambial como
representação de um mercado das diferentes moedas nacionais, ou seja, um espaço de troca de uma moeda por
outra regulamentada pela lei da oferta e da procura, de modo que quanto mais se procura por uma moeda, mais
seu valor aumenta. Esse mercado normalmente é medido a partir da taxa de juros da venda de títulos dos países,
a taxa Selic no caso do Brasil. Então, na prática o governo que quer manter sua taxa de cambio fixa paga pela
diferença de preço entre o valor de cotação que ele está impondo e o valor atual do mercado internacional. Assim
se no mercado internacional 1 dólar vale 2 moedas x, mas o governo deseja igualar na proporção 1x1 ele deve
comprar dólares dos EUA a 2x e vender dentro do país a 1x, arcando com a diferença. Manter a taxa de cambio
fixa ajuda a atrair investimentos porque diminui o grau de incerteza relativo à flutuação do financeiro que
diariamente muda os valores monetários.
57

internacionais e consolidou a crise: o sistema financeiro entrou em colapso, o desemprego e a


violência cresceram exponencialmente e a desvalorização e a inflação corroeram o salário real
(ibid.).
A solução passou por um investimento pesado dos EUA: o governo Clinton (1993
- 2001) e o FMI entraram com uma ajuda financeira de emergência de U$$ 50 bilhões, afinal
a real ruina do México seria a comprovação do fracasso do Plano Brady, além disso, o
presidente Clinton estava em meio as negociação do NAFTA e em vias de propor a ALCA;
ter seu principal parceiro na América Latina em crise não contribuía para os planos de
integração. A recuperação mexicana foi efetiva e relativamente rápida, em 1997 o país já
mostrava um crescimento robusto.
O efeito dessa crise para a América Latina foi uma diminuição dos investimentos
estrangeiros diretos que afetaram em especial o Brasil e Argentina, duas economias grandes,
com baixa poupança interna, dependente do capital internacional e que praticavam taxa de
cambio fixo. Kessler (2001) entende que o comportamento dos investidores globais para as
crises subsequentes (Rússia, Coreia do Sul, Brasil – ao lançamento do seu artigo a crise da
Argentina ainda não havia estourado) foi uma consequência importante da crise do México,
porem o caso mexicano também mostraria que o impacto do capital internacional é
fundamentalmente condicionado por políticas e diretrizes.
Isso se provou no caso Brasil e Argentina: as políticas para lidar com o que ficou
conhecido como efeito tequila (efeito em cadeia da crise mexicana de 1994) foram distintas,
assim como suas consequências. Fábio Giambiagi (2011) define os anos de 1995-1998 como
“a gestação da crise”. Nesse período, a gestão FHC optou por manter a valorização do real,
assumindo dívidas externas públicas cada vez maiores e aumentando taxa Selic (títulos do
governo) com finalidade de gerar financiamento para manutenção do real dentro da margem
prevista pelo regime de flutuação em bandas; da mesma forma que o México, era necessário
comprar dólares para manter o real fixo e valorizado.
Entre 1995-1997 as importações em dólares cresceram a uma taxa média de
21,8% ao ano, enquanto as vendas para o exterior cresceram apenas 6,8% a.a., esse
desequilíbrio da Balança Comercial somado ao endividamento gerou um déficit em Conta
Corrente de U$$ 30 bilhões em 1997, comparados aos U$$ 2 bilhões de 1994 (GIAMBIAGI,
2011). A deterioração das contas públicas era evidente, então porque continuar nesse
caminho?
Para Giambiagi (2011) três motivos podem ser ressaltados: o temor de uma
repetição dos efeitos que a mudança na margem cambial de 15,3% teve para o estopim da
58

crise no México, a estabilização do plano real e a esperança de que o mundo continuasse a


financiar o Brasil no reestabelecimento de um equilíbrio. De fato, o plano real era novo em
seu sucesso de controle da inflação e a indexação ainda estava na memória do povo brasileiro,
então desvalorizar o real poderia ser um risco à estabilidade penosamente alcançada. Com o
relativo sucesso de atração de investimentos estrangeiros da política de FHC e o consequente
crescimento de 6% do PIB em 1996 com relação ao mesmo período de 1996, o real valorizado
continuou a ser a opção (ibid.).
A moratória russa em 1998 junto com a crise de 1997 da Ásia faria impossível a
manutenção do real valorizado, porém o governo esperaria mais um ano até desvalorizar o
real: em 1997 a Emenda Constitucional de reeleição estava sendo votada e os planos do
governo para reeleição de FHC para a presidência já em 1998 são fatores de influencia do
panorama político para as decisões econômicas, desvalorizar o real e arriscar uma crise não
era uma opção para o governo (GIAMBIAGI, 2011). Assim em 1999 o governo anuncia o
abandono da ancora cambial e a adoção da taxa de cambio flutuante, que reflete em uma
desvalorização do real74. Em função de questões conjunturais, como a contração da demanda
desde 1996, o aumento do salário mínimo em 5% em maio de 1999, a mudança na
mentalidade de reajuste (presente no crescimento da demanda agregada durante os planos
monetários anteriores75), a desvalorização não ocasionou um pico de inflação e a economia
brasileira se colocou em leve ritmo de recuperação até 2001 quando sofreu com a crise
energética, proveniente de uma falta de investimento no setor, e com as repercussões locais da

74
O cambio flutuante é uma aplicação de livre mercado ao sistema cambial internacional, ou seja, temos a lei da
oferta e da procura imperando na cotação de uma moeda em relação a outra. O sistema de cambio flutuante
permite também a comparação do real com qualquer moeda.
75
A mentalidade de reajuste era um comportamento do setor de oferta que modificava seus preços (normalmente
para cima) de acordo com qualquer aumento na demanda agregada (mais procura). Essa mentalidade refletia a
época de grande instabilidade econômica gerada pela alta inflação que aumentava com o maior do consumo,
impulsionado pela mentalidade de estoque (consumidores compravam mais que o necessário com medo de faltar
produto ou com receio de grande aumento), e pouca oferta (ocasionada pelo desabastecimento). Mesmo quando
houve a abertura de mercado no governo Collor, que melhorou o problema do desabastecimento, as medidas
tomadas não conseguiram conter o aumento da demanda agregada (sequestrar a poupança individual na verdade
estimula o consumo: se não é possível guardar, a opção é gastar) e a inflação continuou a subir impulsionando as
mentalidades de estoque e de reajuste. Um dos grandes motivos do plano real ter dado certo foi que a moeda
indexada (Unidade Real de Valor com o preço fluido de acordo com o dólar) junto com a economia aberta
funcionou como um estabilizador dos preços: o aumento da competitividade ocasionada pela entrada de novas
marcas e produtos no país funcionava como um controle de preços para os setores de venda (não adiantava um
produtor aumentar seu preço se o concorrente vende mais barato – o mesmo era válido para distribuidores) e a
atualização diária do URV por alguns meses mostrava a estabilização desses preços: a cada dia a era mais
constante o valor e a indexação quase constante (isso foi importante porque ia gerando crença na estabilização da
economia, diminuindo a mentalidade de estoque e controlando a mentalidade de reajuste). Para controlar o
consumo, houve a diminuição de crédito e a diminuição da emissão de moeda. Quando o real é lançado, a taxa
de cambio por flutuação em bandas mantém o real valorizado justamente para impedir o retorno a esses
comportamentos, o receio era que uma desvalorização cambial significasse um aumento de preço que reativasse
a mentalidade de estoque e o ciclo inflacionário.
59

crise argentina de 2001 (GIAMBIAGI, 2011). O saldo final, em termos econômicos do


segundo Governo FHC seria então, ambíguo: “de um lado o crescimento permaneceu baixo e
o país continuou amargando taxas de juros reais elevadas; de outro houve melhora sistemática
da balança comercial e do resultado em conta-corrente” (ibid., p. 181), além disso, o difícil
ajuste fiscal das metas de superávit primário, a política cambial da taxa de cambio flutuante, e
a política monetária das metas de inflação foram implantados com sucesso. De outro, o Brasil
termina 2002 com a relação dívida PIB a 60%, ou seja, as dívidas públicas internacionais
contam 60% do PIB brasileiro para aquele ano (ibid.).
Na Argentina a adesão do país ao Consenso de Washington se deu no governo de
Carlos Menem (1989-1999) e se vinculou a um alinhamento político aos EUA: a gestão
Guido di Tella (1991-1999) como chanceler argentino foi conhecida como a busca de
relaciones carnales (relações carnais) com os Estados Unidos. Essa aproximação ocorre em
concordância com a teoria de Realismo periférico: a ausência de excedente de poder dos
países periféricos faria com que esses para obter vantagens no sistema internacional se
alinhassem a uma potência para a defesa de seus interesses.
Em 1991, a Argentina adere ao Consenso de Washington por meio do Plano de
Conversibilidade, que ficou conhecido como Plano Caballo, o qual regulava as privatizações,
a liberalização do mercado e dos fluxos de capitais, a disciplina fiscal e a manutenção da taxa
de cambio valorizada por meio da conversibilidade total. A Argentina, a partir daquele
momento, se responsabilizava constitucionalmente por manter a paridade entre o peso e o
dólar, ou seja, o cambio fixo de 1x1 entre peso e dólar, além de permitir o uso do dólar como
moeda corrente nacional e a abertura de contas em dólares nos bancos Argentinos.
De acordo com Andrés Haines (1998), a adoção dessas medidas deve ser colocada
em dois contextos: o de grande crise de hiperinflação que o país vivenciava ao final dos anos
80 e início dos 90, quando a inflação acumulou mais de 1.300% nos preços ao consumidor, e
o de falta de credibilidade do governo Menem diante dos empresários tanto internacionais
como nacionais. Tal fato levou o presidente argentino a passar o controle do ministério da
fazenda para um alto executivo da multinacional Bunge & Boom, que priorizou o caráter de
longo prazo das reformas, não conseguindo, durante os seis meses em que liderou esse
ministério resolver o problema da hiperinflação.
A adoção do Plano Caballo consegue junto ao FMI recuperar certa credibilidade,
especialmente por meio da não atuação do Estado na economia e da inclusão do plano
econômico em lei. Esse plano e suas medidas devem então ser colocados em perspectiva de
um processo de reformas que precisava ganhar credibilidade perante a população e resolver
60

problemas do curto prazo, para então trabalhar o longo prazo com a mentalidade e apoio do
povo para a aplicação de mudanças econômicas. Nesse quesito ele foi bem sucedido:

Em especial, a equiparação da moeda nacional ao dólar por lei mostrou-se


verdadeiramente exitosa para baixar, de forma abrupta, a taxa de inflação. A partir
deste instante, também se inicia um processo de recuperação ininterrupta do nível de
atividade econômica, com duração de quatro anos consecutivos ( 1991 a 1994) e
com variação positiva do produto interno, que é a mais longa na história econômica
argentina desde o colapso do modelo substitutivo em 1975. Para este crescimento foi
importante a influência do governo ao incentivar, graças a uma sensível melhora na
posição fiscal, o nível de atividade. Além disso, com a conversibilidade, o governo
logrou restaurar a confiança popular e prosseguiu - de fom1a mais acentuada - a
caminhada das reformas estruturais (HAINES, 1998, p. 78).

O plano Caballo faz com que o ingresso de capital externo e o processo de


privatizações se tornem o motor dinamizador da economia e por isso o efeito tequila, que
retira essa entrada de investimento, é sentido tão pesadamente no país. Isso não poderia ter
acontecido em pior hora para a Argentina: em 1994 o país tinha fechado com déficit fiscal (ao
contrário do Brasil que tinha acabado 1994 com crescimento do PIB e mostrando sinais de
melhoras econômicas), as dívidas públicas acumuladas no montante de U$$ 5,2 bilhões
estavam para vencer e havia insegurança social gerada tanto pela taxa de desemprego, que
havia subido, como pelas eleições presidenciais de maio de 1995 (HAINES, 1998). A
intenção a partir desse momento foi garantir a paridade dólar-peso e manter a credibilidade do
sistema financeiro internacional, para tal o governo argentino se endividou amplamente e com
a reeleição de Menem em 1995 conseguiu contornar os efeitos da crise mexicana. O
MERCOSUL teve um impacto tanto para a Argentina como para o Brasil na superação dessa
crise:

A fase de formação do Mercosul também é uma fase de expansão do comércio entre


seus membros. O volume total de comércio intrabloco em 1991 é de US$ 10.201
milhões. Em 1992, o volume de comércio entre os quatro países aumenta para US$
14.497 milhões. Esse aumento é proporcionalmente maior do que o aumento no
comércio desses países com o resto do mundo, que sobe de US$ 68.038 milhões, em
1991, para US$ 74.846 milhões em 1992. O comércio intrabloco continua a crescer
nos anos seguintes, chegando a US$ 19.143 milhões em 1993, US$ 23.712 milhões
em 1994, US$ 28.438 milhões em 1995 e US$ 34.226 milhões em 1996.
Proporcionalmente, a fatia do comércio relativo ao bloco cresce: enquanto em 1991
o comércio com os países do Mercosul correspondia a 13% do total de comércio
desses países, em 1997, o comércio intrabloco respondia por 23% do total.
Essa expansão contínua vai até 1997, quando o valor total das trocas dentro do bloco
chega a US$ 41.074 milhões, um valor quatro vezes maior que o de 1991. Nesse
mesmo período, o comércio extra-regional também cresceu, mas em ritmo mais
lento: de US$ 68.038 milhões, em 1991, para US$ 139.046 milhões, em 1997, um
volume duas vezes maior (HOFMAN; COUTINHO; KFURI, 2008, p. 106).

No caso da Argentina, porém, além das crises russa e asiática, de 1998 e 1997
respectivamente; em 1999, a desvalorização cambial do Brasil contribui para a diminuição das
61

reservas internacionais do país de língua espanhola. Em função do comércio bilateral entre os


dois países ter crescido por causa do MERCOSUL, a desvalorização do real causa um
aumento de importação dos produtos brasileiros que pesa no equilíbrio da balança de
pagamento por meio da compra de dólares. A confiança na capacidade do governo de manter
a situação foi deteriorando nos anos 2000 e 2001, nesse ultimo ano “a recessão prolongada
gerou inadimplência dos devedores privados e queda na qualidade dos ativos bancários,
abalada também pelas já referidas dificuldades de pagamento do setor público” (BATISTA
JR, 2002, p. 90). A crise teve seu estopim em 2001 depois que uma corrida de saques
bancários em novembro levou o presidente Fernando de La Rua (1999-2001) a decretar
bloqueio dos depósitos públicos, moratória da dívida externa e esgotamento das reservas
internacionais do país em dezembro do mesmo ano (BATISTA JR, 2002). A crise econômica
gerou uma crise política refletida na inconstante ocupação do cargo de Presidente que passou
por Adolfo Rodríguez Sá, Eduardo Camaño e Eduardo Duhalde entre 2001 e 2003,
estabilizando-se apenas com a eleição de Nestor Kirchner (2003 - 2007).
Paraguai e Uruguai também sofreram dificuldades econômicas na segunda metade
da década de 1990, para demonstrar que os efeitos da crise não se restringiram às duas
economias mais diversificadas do cone sul:

Em 1995, ano de maior efeito da crise mexicana nas economias emergentes, o


Paraguai estava passando por uma crise bancária, e o efeito da crise fez com que os
recursos externos se tornassem mais escassos. Após o efeito da crise bancária
instalada no país, o Paraguai apresentou bons resultados no balanço de pagamentos,
especialmente pelo aumento no volume de capitais. O efeito da crise no México não
foi maior na economia do Paraguai, devido ao fato de que o país não tem relações
comerciais significativas com o México, a ponto de trazer um forte impacto na
economia.
O Uruguai até o ano de 1990 passou por elevados índices de inflação, déficit fiscal,
e pesada carga de dívida externa. No início desse período, o presidente Luiz Alberto
Lacalle, primeiro governo eleito após a ditadura militar, implantou algumas políticas
que reduziram as despesas do governo, privatizou empresas de telecomunicações,
aviação e energia elétrica. Os cinco anos de governo terminam com a vitória do
presidente Lacalle, após a retomada do crescimento econômico, conjugada à queda
da inflação e aumento do PIB. A crise mexicana refletiu na economia do Uruguai no
início da recuperação econômica em 1994, o efeito tequila gerou uma fuga de 42%
do capital investido no país em 1995, passando para 83% em 1996. Em 1997 a
economia do Uruguai voltou à normalidade, após o efeito da crise mexicana, a conta
capital e financeira aumentou 69% em relação ao ano anterior (MONÇÃO;
BASTOS; DIAS, 2011, p. 20).

Os efeitos das duas décadas anteriores ainda estavam presentes na economia sul-
americana durante essa primeira fase de encontros (2000-2004), de fato, os governos tinham
poucos capitais para investir e estavam, em sua maioria, lidando com o ajuste a uma nova
realidade econômica. A crise da Argentina, deflagrada em meio ao período inicial de
62

reuniões, ainda piorava a situação em função da crise política e incerteza em um país


importantíssimo para a dinâmica política e econômica da região.
Essa espera por um assistencialismo não significa ausência de propostas em outras
áreas que influenciam no desenvolvimento da região, demonstrando um interesse para além
da integração física. Tecnologia e energia são os temas mais recorrentes em termos de
medidas ativas: no Comunicado de Brasília (2000), há o reconhecimento de que o
conhecimento científico e tecnológico é “base de produção da riqueza nacional em todos os
planos”, e da necessidade de um esforço conjunto para superar os obstáculos tecnológicos.
Por último, há a proposta brasileira da criação de um Fundo Sul-americano de estimulo às
atividades de cooperação científica e tecnológica da região, que será o PROSUL, citado na II
Reunião dos Presidentes Sul-americanos. A energia só é discutida mais amplamente no
Consenso de Guayaquil (2002), ganhando o montante de nove parágrafos e uma sugestão
sobre possibilidade de uma Carta Energética Sul-americana.
Vale ressaltar que de 2000 para 2002 houve um pequeno pulo léxico com relação
ao desenvolvimento. Se no Comunicado de Brasília há o reconhecimento da sua importância
para a estabilidade governamental dos países sul-americanos76, no Consenso de Guayaquil
(2002, p. 03, parágrafo 2“c”) há o “direito universal e inalienável ao desenvolvimento”. Pode
parecer um detalhe, mas classificar o desenvolvimento como um “direito”, não algo que
acontece naturalmente dadas condições internas e externas, mas algo que se respalda pela lei,
algo que é inerente ao Estado; é dar uma carga de significado mais seguro e mais ativo ao
desenvolvimento, definindo, também um campo de luta específico: o desenvolvimento é
agora assunto legal, ou seja, pertinente a uma legislação. Com o advento da CASA, a
integração regional vai ganhando um molde mais consistente e o discurso proativo ganha mais
espaço.

3.2 O Boom Das Commodities e a Criação da Comunidade Sul-americana de Nações


(CASA) - 2005 a 2007.

76
Não é a toa que há o documento traz o tom de “fizemos nossa parte, agora é com vocês” com relação à
abertura neoliberal das economias sul-americanas na década de 1990, como vimos nos parágrafos 14 e 15 acima.
63

A Comunidade Sul-americana de Nações, com a sigla de CASA, é instaurada em 8


de dezembro de 200477 no âmbito da III Reunião de Presidentes da América do Sul. O
documento que lhe dá legitimidade inicial é a Declaração de Cusco sobre a Comunidade Sul-
americana de Nações. Ela é dividida em preambulo, que contém um parágrafo, e três seções: I
– A Comunidade Sul-americana de Nações (parágrafos 1º ao 9º); II – O Espaço sul-americano
integrado se desenvolverá e se aperfeiçoará impulsionando os seguintes processos (10º
parágrafo ao 15º); e III – A Ação da Comunidade Sul-americana de Nações (16º parágrafo ao
18º).
O intuito de inserção internacional do grupo é mais ressaltado dentro das
justificativas de criação da entidade internacional, aparecendo tanto no segundo quanto no
terceiro parágrafos, contidos na primeira seção do documento:

A História compartida e solidária das nossas nações, que, desde as façanhas das
independências; têm enfrentado desafios internos e externos comuns, demonstra que
nossos países possuem potencialidades ainda não aproveitadas tanto para utilizar
melhor suas aptidões regionais, como para fortalecer as capacidades de negociação
e projeção internacional.
[...]
A convergência de seus interesses políticos, econômicos, sociais, culturais e de
segurança como um fator potencial de fortalecimento e desenvolvimento de suas
capacidades internas para sua melhor inserção internacional (DECLARACIÓN de
Cusco, 2004, p. 01, parágrafos primeiro e terceiro, tradução própria e destaque
próprio).

De fato a criação de tal instituição regional transnacional, na definição de Senhoras


(2010)78, deixa claro a intenção dar um maior respaldo internacional para os consensos que
estavam sendo produzidos desde 2000. Quando uma decisão conjunta vem de um grupo mais
coeso, como uma comunidade internacional fundada, os temas discutidos e as decisões
tomadas têm um caráter mais válido e mais seguro que decisões tomadas em âmbito de
reuniões ou cúpulas. Nesse sentido, a criação da CASA é um passo para uma autonomia
maior e uma primeira experiência de consolidação política desse projeto regional de
integração. E digo consolidação política porque dará ao processo integrador uma instituição e
órgãos específicos próprios, mesmo que tais pontos sejam frágeis, como veremos mais
adiante.

77
Considero o ano de 2005 como ano inicial da CASA porque, apesar de surgir em 2004, nesse ano os
Presidentes não se reúnem como Presidentes da CASA e sim como Cúpula de Presidentes Sul-americanos, ou
Reunião de Presidentes sul-americanos, termo que utilizo neste trabalho.
78
Elói Martins Senhoras (2010), geralmente se refere aos processos de integração entre nações como “regionais
transnacionais” para diferenciar de processos regionais internos e deixar mais específico que a que tipo de
regionalização está se referindo.
64

Se o MERCOSUL foi uma forma diferente dos países do Cone Sul se relacionarem
e a Reunião de Presidentes deu uma definição espacial mais coesa ao projeto de integração
sul-americano, a CASA tem a importância de ser o começo da difícil tarefa de juntar países
com legislação, situação político-economica, realidades sociais, línguas e cultura distintas sob
o mesmo aspecto político e institucional. Outro fator que demonstra essa intencionalidade de
mais autonomia e inserção internacional é que a partir da CASA o grupo de presidentes
começa a relacionar-se com outros grupos trans-regionais: em 2005, na I Reunião de
Presidentes da Comunidade Sul-americana de Nações, órgão de decisões da instituição, são
publicados duas declarações sobre as relações de cúpula (de presidentes) entre a CASA e duas
outras organizações, a União Africana e os Países Árabes79. Tais declarações não foram feitas
enquanto o grupo se reunia sob o nome de Reunião Presidencial, o que reafirma a posição da
recém criada comunidade como um organismo mais autônomo para representar a região sul-
americana. Isso quer dizer que, enquanto uma Organização Internacional, a CASA, por meio
das reuniões de Chefes de Estado irá se pronunciar como uma frente única sobre os assuntos
pertinentes, fato que permite um relacionamento direto entre essa comunidade e outras
organizações ou países, valorizando o âmbito multilateral de relações internacionais. Também
integram a construção de um grupo mais coeso o linguajar com tom autônomo, a recorrência a
um passado comum e o esboço de instituições próprias para a CASA.
Tanto em 2000 como em 2002, a identidade sul-americana se fortalece diante de
outros processos de regionalização, na resistência à ALCA, por exemplo, e o passado comum
aparece para mostrar as vantagens que a integração possibilita para a inserção na economia
globalizada. Seu papel aqui é completamente secundário. No Consenso de Guayaquil (2002,
p. 03, parágrafo 5, tradução própria e grifo próprio):

É vontade da América do Sul, fiel ao mandato de seus Libertadores e a sua


identidade como região com história comum e herança cultural compartilhada,
construir de maneira coordenada um espaço integrado, mediante o fortalecimento
das conexões físicas e a harmonização dos marcos institucionais, normativos e
regulatórios. A Consolidação deste objetivo permitirá que a região participe mais
amplamente nas correntes internacionais de capital, bens, serviços e tecnologia; já
que sua geografia constitui uma extraordinária base física para a intensificação dos
esforços de integração produtiva, comercial e de infra-estrutura.

Porém é a criação da CASA (2004) que marca a importância e o aprofundamento


que o passado terá para o grupo sul-americano, pois enfim existe um direcionamento comum
pautado na criação de uma Organização Internacional, abrindo espaços de discussão e
79
Vale ressaltar que ambas são junções de países do antigo Terceiro Mundo, o que demonstra uma inclinação
para negociações Sul-Sul (países em desenvolvimento em negociação mutua) em detrimento de uma negociação
Norte-Sul (países desenvolvidos e países em desenvolvimento).
65

ambientes de integração que precisam ter uma história em comum, pois agora o grupo age em
um patamar mais unitário. Há no mínimo a pretensão de se formar, ou tomar como já
formada, uma identidade sul-americana, composta de valores comuns intrínsecos com a
finalidade de solidificar e respaldar a Comunidade de Nações Sul-Americanas recém-
constituída. Como disse antes, pensar em uma Comunidade pressupõe uma identificação com
o outro em um nível mais essencial.
Já no preambulo80 da Declaración de Cusco (2004, p. 01), que funda Comunidade
Sul-americana de Nações, a questão do passado e da integração são bem claras: partindo do
exemplo dos libertadores, heróis da independência, e “interpretando as aspirações e anseios
dos seus povos a favor da integração, da unidade e da construção de um futuro comum” é que
os Presidentes decidem fundar a CASA. O linguajar, a data, os heróis de independência e
idealizadores de uma América Latina integrada81 são colocados em conjunto com as
aspirações e os anseios dos povos para que a Comunidade se conforme.
Nota-se que esse parágrafo é construído como se mantivesse uma continuidade
entre o passado e o presente, como se os anseios daqueles defensores da integração, fossem os
mesmo dos povos (tanto à época dos heróis, quanto agora) e tivessem resultando na
integração regional nascedoura. A sensação que se tem é de uma busca de legitimidade no
passado para proporcionar maior respaldo no presente, excluindo-se da equação o meio que
liga esse passado específico ao agora.
O passado não é contínuo, a obviedade disso é que se assim o fosse não haveriam
se passado mais de 200 anos entre as independências e a constituição da CASA. Se, como nos
diz Joaquim Cadete, a Operação Pan-americana (OPA) de 1958 marca para a noção brasileira
de desenvolvimento nacional “uma ruptura com o passado, dado que assume que o
desenvolvimento regional será impossível sem um elevado nível de cooperação regional, ao
invés de um Brasil independente e autônomo” (CADETE, 2015, p. 28) demorou ainda 46
anos entre a proposta da OPA fracassar e os países sul-americanos conformarem de fato uma
organização internacional que, apesar das suas falhas, teve continuidade.
Dessa forma, entendo que retomar um passado comum e uma história
compartilhada fundamenta a integração, dá mais coesão ao grupo e, por isso, mais autonomia.
É o uso do passado para dar força de união ao grupo, criando laços de similitude que

80
Preambulo é a parte de introdução de um documento normativo, ou seja, um relatório ou introdução a
determinada legislação ou norma.
81
Particularmente Simon Bolívar foi quem lutou pela integração da América latina, De fato, Venezuela,
Colômbia e Equador já constituíam a República da Grande Colômbia, sob a presidência de
Bolívar.
66

fortalecem a instituição internamente e externamente, já que quanto mais coeso é um grupo,


mas decisivamente ele consegue atuar internacionalmente. Retomar um passado mais distante
no qual ideais de integração eram discutidos também faz a integração atual parecer um
movimento mais longo e por isso mais confiável.
Depois desse retorno à época da independência, seria esperada alguma definição
de como a CASA operaria, já que finalmente o sonho integrador de Bolívar se via em vias de
concretude, mas em três parágrafos a organização da Comunidade Sul-Americana de Nações
é resumida:

A Comunidade Sul-Americana de Nações estabelecerá e implementará


progressivamente seus níveis e âmbitos de ação conjunta, promovendo a
convergência e sobre a base da institucionalidade existente, evitando duplicação e
superposição de esforços e sem que implique novos gastos financeiros.
Os Ministros de Relações Exteriores elaborarão uma proposta concreta de cursos de
ação que considere, entre outros aspectos, as reuniões de Chefes de Estado como
instância máxima de condução política e as de Chanceleres como âmbito de decisão
executiva do processo. Os Ministros contarão com a cooperação do Presidente do
Comitê de Representantes Permanentes do Mercosul, do Diretor da Secretaria Geral
da ALADI e da Secretaria Permanente da Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica, assim como de outros esquemas de cooperação e integração sub-
regional. As reuniões de Chefes de Estado e de Chanceleres substituirão as
chamadas Reuniões de Cúpula Sul-americanas.
O Governo do Peru exercerá a Secretaria Pro-Tempore até a realização da Primeira
Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, que se
realizará no Brasil no ano de 2005. A segunda reunião se realizará na Bolívia
(DECLARACIÓN de Cusco, 2004, p. 03, parágrafos 10 a 13, tradução própria).

Pode até dar a impressão de que essa é uma condição inicial já que esse
documento apenas cria a CASA e não é de fato sua institucionalização, porém na Declaración
Presidencial y Agenda Prioritaria (2005, p. 02, parágrafo 7, tradução própria), apesar de
algumas implementações como a Reunião de Ministros das Relações Exteriores e a Reunião
de Ministros Setoriais, a CASA aparece sempre com o direcionamento para a utilização dos
espaços das organizações internacionais de integração regional já existentes, no lugar de fixar
um espaço próprio:

A Comunidade Sul-Americana de Nações se estabelecerá com base na


institucionalidade existente, evitando a duplicação e a superposição de esforços, sem
novos gastos financeiros, estabelecendo coordenações entre as Chancelarias, com o
apoio dos organismos de integração existentes e aperfeiçoando seu funcionamento.

Além disso, a estrutura burocrática que se pretende formar é pequena se for


levado em consideração a proposta de uma integração política regional. As Reuniões de
Ministros setoriais serão as responsáveis pela discussão dos projetos da Agenda Prioritária: O
diálogo político, a integração física, o meio ambiente, a integração energética, os mecanismos
67

financeiros sul-americanos, as assimetrias, a promoção da coesão social, da inclusão social e


da justiça social, e as telecomunicações (ibid., p. 02, parágrafo 9). Parece uma sobrecarga de
funções tanto para o aparato diplomático quanto governamental dos setores ministeriais
específicos que teriam que lidar com a Agenda Prioritária e com as suas funções anteriores
dos outros grupos de integração (MERCOSUL e CAN):

As Reuniões Ministeriais Setoriais serão convocadas pelos Chefes de Estado e


examinarão e promoverão projetos e políticas especificas de integração sul-
americana em áreas como saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, segurança
cidadã, infraestrutura de energia, transportes, comunicações e desenvolvimento
sustentável. Nesse sentido essas reuniões se se realizarão valendo-se dos
mecanismos existentes no MERCOSUL e na CAN (ibid., p. 2, parágrafo 11).

Pelo que se percebe a questão do funcionamento burocrático de desenvolvimento


ficam a cargo do MERCOSUL e da CAN. Nunca houve no bojo da criação da CASA uma
perspectiva de institucionalização própria, o que a torna fraca e inapta para seguir o processo
de integração como uma organização independente. De uma forma ou de outra, todos os
países da CAN se tornaram ao longo da década de 2000 associados do MERCOSUL e vice-
versa: 7 de julho de 2005 a CAN aprova a Norma Andina que outorga a condição de Membro
Associada à Argentina, ao Brasil, ao Paraguai e ao Uruguai; em 2005 Peru entra para o
Mercosul como país associado, seguido em 2004 pela Colômbia e pelo Equador; já a Bolívia,
enquanto país associado está presente desde 1995; o Chile é país associado de ambos
processos de integração (1996 para MERCOSUL e 2006 para a CAN)82. Essa mútua
participação gera acordos, especialmente os de vertente econômica, que acabam por
direcionar a integração para o âmbito comercial83 fazendo assim aumentar o nível de fluxo de
comércio entre os países sul-americanos, criando elos e parcerias. Devemos levar em
consideração que nesse momento a CASA serviu como uma saída à estagnação do
MERCOSUL. Por meio do impulso em outras áreas de atuação da integração, a CASA
funciona como uma instituição coadjuvante, tendo por fim um papel de agregar os resultados
de todos os encontros sobre diversas áreas comuns84. A CASA de fato dá um novo espaço e
um novo impulso ao processo de integração do Mercado Comum:

82
Suriname e Guiana só entram para o Mercosul em 2013
83
No encontro de Chefes de Estado da CASA, em 2005, foi produzida a Declaración sobre la Convergencia de
los Procesos de Integración en América del Sur. Tal documento se refere principalmente à convergência dos
Acordos de Complementação Econômica, assinados entre países os países, partindo de um estudo a ser
proporcionado pela ALADI, pelo Mercosul, pela CAN e pelo CARICOM reunidos.
84
Em 2006, por exemplo, são apresentadas notas presidenciais com essa característica, girando em torno de
reuniões fora do âmbito da CASA (como ela mesma propôs em sua institucionalização) com temas presentes na
Agenda Prioritária da Comunidade: O papel das florestas no desenvolvimento sustentável e na estabilidade
climática; Integração energética sul-americana; Declaração dos direitos dos povos indígenas da ONU; Em
68

Tendo a CASA como respaldo institucional do Mercosul ampliado, seus membros


encaminham por consenso a convergência política e os mecanismos comerciais, de
integração física e energética de que resulte o fortalecimento dos blocos,
Comunidade Andina (CAN) e Mercosul. Os desafios são discutidos em conjunto e
não são poucos nem de pequena monta: temas ambientais entre Argentina e
Uruguai, assimetrias macroeconômicas entre as economias, preço do gás entre
Argentina e Chile e entre Brasil e Bolívia, entraves ao livre-comércio entre todos.
Trezentos milhões de dólares destinados a melhorar as assimetrias econômicas são
postos à disposição do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento
Institucional do Mercosul, com aporte principal do Brasil (CERVO, 2008, p. 174).

Toda essa baixa institucionalidade pode indicar uma contra-mão no processo de


construção de uma autonomia, porém devemos levar em consideração os parâmetros de baixa
institucionalização que se mostraram de certa forma tradicionais no relacionamento da
América do Sul com ela mesma, em especial nos processos de integração, o que respalda a
utilização do termo regionalismo aberto (Comunicado de Brasília, 2000, p. 06, parágrafo 33)
para esse início de integração.
Mas o que seria esse regionalismo aberto? Senhoras o define a partir de uma visão
mais geral do que foram os regionalismos que começaram a surgir a partir da década de 1990,
com uma Segunda Onda de Integrações Regionais:

Entende-se por novo regionalismo, regionalização aberta ou integração regional o


processo de formação de blocos de países economicamente integrados, em maior ou
menor grau, que é estimulado, e ao mesmo tempo estimula o comércio intra-
industrial e o aproveitamento de economias de escala, capacitando as economias
para o desenvolvimento e para inserções mais dinâmicas no cenário capitalista
global (Senhoras, 2010, p. 02).

O termo também engloba a uma padronização da relação que ocorre entre um


grupo de Estados dentro de um espaço de integração, em especial para deixar claro que tal
interação proporcionará um desprendimento entre as políticas nacionais e as iniciativas para
integração:

O conceito de regionalismo aberto foi utilizado na perspectiva de plena inserção


internacional, aproveitando as vantagens de uma área de livre comércio, sem criar os
instrumentos necessários para políticas regionais de desenvolvimento e de
complementariedade, portanto sem políticas públicas voltadas ao objetivo da
sustentabilidade da integração. O valor autonomia permaneceu enraizado nas
esferas da administração e dos empresários agora sob a égide de um conceito
importante, elaborado, a autonomia pela integração (FONSECA Jr, 1998 apud
VIGEVANI, et al., 2008, p. 8/9).

direção à construção de uma política e agenda regional em matéria de saúde; Desenvolvimento social e humano
inclusivo como um dos eixos da CASA; Alívio da dívida com o BID; integração física sul-americana e
Integração da educação sul-americana.
69

Dessa forma, o Mercosul constitui um regionalismo aberto – busca uma


integração entre os Estados, com vantagens de comércio intra-bloco e com a negociação da
Taxa de Exportação Comum (TEC) para comércio extra-bloco. A situação inicial e que
persiste até hoje da baixa institucionalização e do caráter intergovernamental dificultam a
concretização de medidas que envolvam perda significativa de autonomia dos Estados-
membros (VIGEVANI, et al., 2008).
A primeira característica é um tanto autoexplicativa: é a existência de regras
frouxas para delimitar a interação e os deveres do grupo. A segunda permite que as decisões
tomadas pelo grupo passem por uma internalização estatal para serem aceitas por cada país,
ou seja, só são validas se e quando passarem pela aprovação do Estado individualmente
(CRUZ, 2010). O argumento diplomático era de que “a baixa institucionalização e o caráter
intergovernamental do processo seriam fatores que garantiriam avanços rápidos, prescindindo
de burocracias pesadas.” (VIGEVANI, et al., 2008).
Outro exemplo de proposta de integração com grande flexibilidade é a
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) de 1980 que não institui prazo para a
integração econômica, mas fornece um ambiente de negociação para acordos entre seus países
membros (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, México, Bolívia, Chile, Colômbia,
Venezuela, Peru, Equador, Cuba Panamá e Nicarágua): são os Acordos de Complementação
Econômica (ACEs) que formam uma rede de relações de privilégios econômicos no espaço
latino-americano (http://www.aladi.org/sitioAladi/index.html) 85.
Então, diante da realidade de processos de integração anteriores, a baixa
institucionalidade da CASA não surpreende e, em minha opinião, a própria iniciativa de se
criar tal organização valida uma inserção mais autônoma enquanto grupo porque ela gera um
espaço de discussão sobre que caminho deve tomar a integração sul-americana e assim é
crucial para a consolidação da UNASUL.
O produto mais importante da CASA foi o DOCUMENTO FINAL de la Comisión
Estratégica de Reflexión: Un Nuevo Modelo de Integración de América del Sur - Hacia la
Unión Sudamericana de Naciones.86 Ele é dividido em Preambulo, Introdução, Princípios
Diretores e Elementos da Integração Sul-americana, Objetivos da Integração Sul-americana,

85
Ao falarmos da ALADI é importante perceber que essa ausência de prazos e liberdade na interação entre os
Estados membros vem do caráter dificultoso de juntar uma região social e economicamente diversa –
demonstrado no fracasso da ALAC. Ela cumpre o papel de abrir caminhos para integrações mais específicas na
esperança que a multiplicidade dos processos um dia abarque todo o território que compõe a ALADI e, assim,
aos poucos a região possa se integrar.
86
Documento final da Comissão Estratégica de Reflexão – Um Novo Modelo de Integração da América do Sul
Em Direção à União Sul-Americana de Nações.
70

Arquitetura institucional, Estrutura Funcional e Anexo sobre o Banco Sul-americano. E, como


o próprio nome sugere, lança a ideia da UNASUL.
A Comissão de Reflexão foi criada em dezembro de 2005 em Montevidéu,
retomando as propostas dos Presidentes da Venezuela e do Uruguai sobre a integração sul-
americana. Ela constou de 12 membros Altos Representantes pessoais designados pelos países
da CASA e tinha o dever de elaborar propostas para impulsionar a integração em todos os
aspectos: político, econômico, comercial, social, cultural, energético e de infraestrutura. O
resultado de tal comissão foi um documento que pretende direcionar uma nova perspectiva de
integração e assim renovar a Comunidade Sul-americana de Nações a partir de uma reflexão
mais incisiva sobre realidade social, econômica, política e histórico-cultural da América do
Sul. Esse documento é representativo de um novo tipo de compreensão da integração regional
que supera a noção de regionalização como um mecanismo de acesso a mercados e suporte
financeiro, ocasionando desde um aprofundamento das relações entre os países e a busca de
alternativas ao investimento internacional para o desenvolvimento da região (UNASUL,
CARICOM) até um modelo mais radical que enfatiza os aspectos políticos e sociais da
integração, com novos compromissos de bem-estar social (ALBA) (RIGGIOZI; TUSSIE,
2012).
Dessa forma, na visão da recém-formada comissão, a inexistência de uma estrutura
burocrática era preocupante para a autonomia da integração e para futuros direcionamentos. É
proposta, então, uma série de mudanças, presentes na seção “Arquitetura institucional”, que
de fato viabilizam uma existência da CASA por ela mesma.

Ainda que se deva levar em conta o planejamento de definir a institucionalidade da


Comunidade Sul-Americana de Nações a partir da Convergência dos esquemas de
integração existentes, é evidente que esse modelo, por si só, não garantirá a solidez e
a rapidez necessárias para a consolidação da Comunidade.
É imprescindível que se deem passos em matéria de fortalecimento institucional,
mais além do que as reuniões Presidenciais, Ministeriais e setoriais. Para alcançar os
objetivos de efetiva coordenação da Comunidade se fazem necessárias instancias
orgânicas que garantam a planificação, implementação e continuidade dos projetos e
iniciativas regionais. (DOCUMENTO FINAL de la Comisión Estratégica
de Reflexión: Un Nuevo Modelo de Integración de América del Sur -
Hacia la Unión Sudamericana de Naciones, 2006, p. 09, tradução própria).

O documento de reflexão é, então, uma tentativa de reforma e reestruturação da


CASA. Ele provoca, por meio da Declaración de Cochabamba (2006, p. 05-06), a criação da
Comissão de Altos Funcionários (CAF). Além disso, a estrutura de Grupos de Trabalho
também é aceita, mas os GTs ficam a encargo da CAF. Há na verdade certa sobrecarga de
funções para essa nova Comissão: ela deverá assegurar no plano executivo a implantação das
71

decisões presidenciais e ministeriais e a coordenação das iniciativas existentes; deverá


estabelecer os GTs com o apoio das organizações regionais existentes; deverá criar um GT
específico para estudos de propostas para a constituição ou adaptação de mecanismos
financeiros e de fomento para a América do Sul; deverá assegurar o aprofundamento dos
vínculos institucionais entre Mercosul e CAN e examinar a possibilidade de estender os
acordos alcançados nos países membros dessas organizações para toda a América do Sul;
deverá estudar elementos para a construção de um Acordo constitutivo da CASA e, por
último, deverá promover o diálogo com diferentes atores da sociedade civil e propor
mecanismos mais institucionalizados para tal87.
Com essas funções a CAF disporá de “apoio técnico de uma estrutura reduzida
que estará no primeiro ano no Rio de Janeiro. As propostas da CAF se aprovarão por
consenso.” (ibid., p.5).
O ponto de citar todas essas atribuições é para atentarmos para como suas
estruturas ficam sobrecarregadas. As medidas propostas no Documento de Reflexão que são
incorporadas pela CASA se dão no âmbito de uma organização que ainda dispõe de apoio
técnico reduzido, o que dificulta a implementação real do que foi estipulado no papel. Além
disso, a proposta de uma Secretaria permanente não foi consagrada, outro fator que faz com
que a CASA ainda fique dependente dos outros processos de integração. As mudanças são
parciais, porém também foram cruciais para a constituição burocrática organizativa da
UNASUL: o que a Comunidade não conseguiu aderir de inicio a União definitivamente fez
uso para se constituir: temos a inserção de um nível operativo funcional composta por uma
Secretaria Permanente, financiada por meio de cotas de acordo com a capacidade de cada
país, e o Conselho de Delegados e Delegadas.
O Documento de Reflexão propõe, então, uma CASA mais autônoma, com um
sistema de governança próprio (Secretariado) e diversas iniciativas políticas e econômicas
mais atuantes: como a criação de um Grupo de Trabalho ad hoc88 para elaborar uma

87
Vale ressaltar que o Acordo Constitutivo da CASA não chegou a ser discutido enquanto tal, no ano seguinte o
projeto de integração muda de nome para UNASUL e o que se discute a é aprovação e ratificação é o Tratado
Constitutivo dessa. Em termos de diálogos com a sociedade civil, a CASA, em seu período de existência (2004-
2007) não demonstrou projetos concretos que se direcionasse para essa inclusão, esse não foi o único plano não
concretizado, porém tal perspectiva de diálogo não ficou esquecida, ela é presente no documento e discuti-la-ei
um pouco ao falar da participação cidadã vista como um desdobramento do Estado de Direito.
88
Um grupo de Trabalho ad hoc é um GT com propósito específico e direcionado para aplicabilidade de
determinado tema, ou seja, promove um pesquisa para um fim específico que se finda com sua aplicabilidade,
ele não seria responsável por possíveis maus resultados, pela aplicação ou pela fiscalização do produto da sua
pesquisa.
72

constituição dos mecanismos de finanças e de fomento da América do Sul 89; a criação de um


Observatório Social da América do Sul, sob a supervisão do Grupo de Trabalho de políticas
sociais e cuja atuação seria para criar padrões para as políticas sociais conjuntas. Além disso,
também temos a proposta para a construção gradual de um Parlamento Sul-americano a partir
dos parlamentos do Mercosul e da CAN, com a participação do Chile, da Guiana e do
Suriname.
Relacionando essa iniciativa por uma integração mais autônoma com o seu
contexto, vários fatores econômicos parecem convergir para que os países sul-americanos
pudessem de fato pensar na construção de uma instituição política mais forte para o plano da
integração regional.
O aumento considerável dos preços dos commodities de meados dos anos 2000
com seu ápice em 2008, sem dúvida influenciou na criação de um excedente de poder
monetário que deu suporte financeiro para que os países pudessem investir na criação da
UNASUL90. De acordo com Nicola Spatafora e Irina Tytell, em um estudo publicado pelo
FMI:

O último boom nos preços dos produtos energéticos e industriais brutos, incluindo
materiais brutos da agricultura e da metalurgia, foi particularmente notável; o preço
de comidas e bebidas também aumentou, mas de maneira menos dramática. De
acordo com padrões históricos, o ultimo boom do preço das comodities teve uma
base larga de bens e foi sustável por um período de tempo considerável, com o preço
de muitas comodities – petróleo, metais, a maioria das colheitas de comidas e
algumas bebidas – subindo rapidamente (SPATAFORA; TYTEL, 2009,p. 03)91 .

Porém o aumento do preço das commodities não reflete diretamente uma melhora
na balança comercial, a relação entre importação e exportação (therms of trade – termos de
troca) desses mesmos bens deve ser levada em conta, pois se um país exportar determinado
commoditie e importar um que ficou mais caro, seu saldo final poderá ser negativo, como foi
o caso de El-Salvador nos anos de 2002 a 2007 (JENKINS, 2011).
Além disso, Spatafora e Tytel (2009) trazem uma perspectiva interessante de que
a participação desses termos de trocas no PIB de um país ajuda a estimar o quanto esse o

89
A criação do Banco do sul começa a ser discutida nesse documento que tem como anexo conclusões sobre a
viabilidade e operacionalidade dessa instituição financeira.
90
Devemos perceber que, para se concretizar, uma Organização Internacional depende de investimentos diretos e
constantes, envolve gastos com espaço físico, funcionários e manutenção de projetos. Tudo isso necessário para
a continuidade da instituição, portanto são despesas constantes.
91
The latest boom in the price of energy and industrial inputs, including agricultural raw materials and metals,
was particularly notable; the prices of food and beverages also increased, but less dramatically. By historical
standards, the latest commodity-price boom was broad-based and sustained, with the prices of many
commodities—oil, metals, major food crops, and some beverages— rising sharply
73

aumento das commodities de fato impacta a economia de um Estado que tem esses termos de
troca positivos, ou seja, exporta em valor monetário maior do que importa commodities.
Dessa forma temos no gráfico a seguir uma comparação da influencia cambiante
da relação entre termos de troca de commodities e o PIB. Note que para o caso da América
Latina, desde a década de 1970 constitui uma queda da importância das commodities no PIB
da região em especial entre a segunda metade da década de 90 até meados dos 2000, havendo
então um crescimento da parcela. No caso do Brasil esse movimento é representativo de uma
re-primarização da economia, ou seja, um crescente investimento em setores de produção de
matérias primas (commodities) paralela a uma perda de participação dos manufaturados na
pauta de exportação: de 55% em 1985, mantendo-se com poucas oscilações até 2002 e em
queda até chegar a 39% em 2010 (GIAMBIAGI, 2011).

Gráfico 1 – Termos de Troca de Comodities por Região.

Fonte: SPATAFORA; TYTEL, 2009, p. 08)


74

Gráfico 2 – Correlação entre Crescimento Real do PIB e Termos Troca dos


Comodities para a América do Sul;

Fonte: The World Bank, abril de 2016.

Também devemos ter em mente que nem todas as commodities sofreram aumento
no período de 2002 a 2007. Das 15 principais vendidas pela América do Sul, os metais
(minério de ferro, zinco e cobre) foram os que tiveram maiores altas entre 2002 e 2007:
184.1%, 316.5% e 356.5%, respectivamente. O aumento do petróleo, do café (125.6%), do
grão e do óleo de soja (80.6% e 85.1%), dos pescados (83.6%) e da madeira (63.6%) também
foi notável (JENKINS, 2011). O aumento exponencial do preço, em especial dos minérios, se
relaciona tanto ao aumento da demanda pelo crescimento da China no período, quanto à
limitação das reservas naturais e à demora em ter retorno após aplicar investimentos no setor
de extração (ibid.). O paralelo pode ser melhor representado pelo seguinte gráfico que
relaciona o crescimento de países sul-americanos com a China:
75

Gráfico 3 – Crescimento na América (SA) do Sul e na China (CH)

Fonte: The World Bank, abril de 2016.

Jenkins divide a América do Sul em quatro grupos: os que tiveram o ganho entre
20% e 50% (Peru, Chile e Bolívia) majoritariamente os exportadores de metais e os que
tiveram o ganho entre 7% e 20% (Venezuela, Mexico, Equador, Argentina e Brasil) os três
primeiros são grandes exportadores de petróleo e os dois últimos, as economias mais
diversificadas da região. O terceiro grupo ficou com ganhos menores que 10% (Colombia e
Paraguai) e o quarto e último grupo foram os que ficaram com impacto negativo (El Salvador,
Costa Rica, Nicarágua, Panamá e Uruguai) (JENKINS, 2011).
Os efeitos desses aumentos também devem levar em consideração que as
possibilidades de desenvolvimento para os países que lucram com esse boom das
commodities estão balizados por mais do que um simples aumento na balança comercial. O
crescimento nesse período também se deve a fatores específicos dos países que
experimentaram os benefícios econômicos do aumento do preço de seus produtos primários,
76

como a estabilidade política para direcionar os ganhos e investimentos, o nível de


desenvolvimento anterior ao boom e as possibilidades de aumento de produção vinculados a
infraestrutura de exploração de determinado recurso natural (SPATAFORA e TYTEL, 2009).
Dessa forma entende-se que o crescimento econômico presenciado no boom atual, por
exemplo, não foi impulsionado apenas por fatores globais, também foi influenciado pela
demanda interna dos países beneficiados, com Consumo e Gastos do governo mostrando
sinais de aumento; além, claro do aumento de Investimentos estrangeiros (ibid.). Esses fatores
influenciam, pois compõem variáveis do cálculo do PIB (Consumo familiar + Investimentos +
Gastos do Governo + (exportações – importações)). Dessa forma as políticas de aumento de
gastos dos governos e de impulso da demanda agregada – praticada em quase toda a América
do Sul– também refletem no crescimento medido pelo Produto Interno Bruto.
O período de grande crescimento mundial e liquidez do sistema financeiro
internacional que precedeu a crise de 2008 dos EUA também contribuiu para o crescimento
vivenciado na década de 2000 pela América do Sul, pois maior se liquidez significa mais
dinheiro disponível no sistema financeiro para investimentos. Com os gráficos a seguir
conseguimos ver a relação entre a receita fiscal com os comodities e o gasto dos governos,
note-se que, mesmo com a receita decrescente desde 2013, os gastos dos governos sul-
americanos não estabilizaram nem diminuíram. Outro fator interessante é notar o aumento de
no gasto governamental no período da crise de 2008/2009 novamente contrariando a receita.

Gráfico 4 – (A) Receita Relacionada aos Comonities na América do Sul (AS) e na


América Central e Caribe (MCC); (B) Gastos Governamentais na América do Sul (AS) e na
América Central e Caribe (MCC).

Fonte: The World Bank, abril de 2016.


77

Vemos que de fato a política da região se direcionou tanto para atrair


investimentos privados como para aumento dos gastos públicos. Essa diretriz se traduziu
muitas vezes em projetos políticos de aumento da disponibilidade de crédito, programas de
distribuição de renda e melhora da infraestrutura – pontos considerados importantes para os
governos de esquerda que estavam tomando o poder entre o fim da década de 1990 e 2003.
O fator político convergente na região também determinou o rumo mais social da
integração. A preocupação com o bem-estar social se traduz e preocupação com políticas de
erradicação da pobreza, como o Fome-Zero do Brasil e no impulso da demanda (consumo das
famílias)92.
Dessa forma os fatores econômicos e políticos lentamente permitiram que o
projeto de integração fosse tomando uma forma mais autônoma, a UNASUL é uma integração
com um nível estrutural e institucional bem delimitado, com uma secretaria permanente, que
permite a continuidade dos projetos e gera espaços para a criação de novos. Também
representativo desse novo momento de bonança econômica e direcionamento social das
políticas que muitas vezes ultrapassavam o âmbito nacional, como foi o caso do Programa
Nacional de Alimentação Escolar do Brasil e hoje programa para diminuir a fome infantil na
FAO (Food and Agriculture Organization – Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura). Outro exemplo foi a criação da Aliança Bolivariana para os
Povos de nossa América (ALBA)93. Surgida de um encontro entre Cuba e Venezuela de 2004
a ALBA, enquanto reação à ALCA, propunha uma integração regional preocupada com as
questões sociais, em especial a melhora das condições básicas de saúde (BATISTA, 2016).
Juntamente com o início da proposta da CASA e posteriormente a UNASUL, ela integra um
momento político regional de ascensão dos governos de centro-esquerda que levou a uma
integração com base na cooperação, complementaridade e solidariedade e a ruptura com um
padrão único de regionalismo (RIGGIOZI; TUSSIE, 2012).

92
Esse quesito de aumento do consumo familiar conta para a situação a inflação que a região presenciará na
década seguinte em 2010, principalmente porque se deu concomitante com o alcance da capacidade máxima de
desenvolvimento da geração de bens e serviços. Em resumo, existiam mais pessoas com renda querendo comprar
do que produtos no mercado, gerando aumento de preços.
93
A ALBA é composta hoje por Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Dominica, Honduras, Equador, são
Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda. Haiti, Santa Lucia e Suriname são convidados especiais. Ela tem
caráter híbrido, uma mistura de Organização internacional, com conselhos e comissões; e acordo multilateral,
com a promoção de acordos bilaterais entre países membros e não membros. Seu enfoque é no desenvolvimento
social com a ocorrência das chamadas Missões Sociais. O Banco ALBA, criado em 2009, o SUCRE (Sistema
Unitário de Compensação Regional) e a Tele SUR (inicialmente ALBA TV) são outros projetos que se
desenvolvem no âmbito da ALBA. A Organização enfrenta hoje problemas devido a morte de Chávez, grande
idealizador, a queda do preço do petróleo e a leve aproximação de Cuba com os EUA. (BATISTA, 2016)
(NITSCHBRESSAN, LUCIANO e SIRI, 2015).
78

Para RIGGIOZI (2012), nesse período os países da América do Sul questionam e


contestam a sabedoria do livre mercado, juntamente com o afastamento da liderança dos
EUA, e diversas plataformas e projetos políticos ganham espaço para a atuação, como foi o
caso da UNASUL, e projetos antigos são remodelados para atender a essas novas demandas e
pensamentos, como foi o caso do MERCOSUL social. O fator mais importante é que esses
projetos perpassam uma aproximação com o outro pensado de um ponto de vista mais
intimista que o puramente comercial, voltado para a criação de uma identidade que define o
grupo de países enquanto um conjunto, (re)significando o espaço geográfico e (re)criando a
própria noção de regionalismo, que não mais pode ser definida por “aberto” na contemplação
de Riggiozi (2012). De fato, temos essa ruptura quando pensamos no processo de formação da
UNASUL, porém, não me parece que todos os elementos do regionalismo aberto não estão
mais presentes, a baixa institucionalização e o caráter intragovernamental continuam
presentes nas relações da América do Sul. Parece-me que a multiplicidade de projetos de
regionalismo mesmo dentro de um processo de integração é a melhor alternativa para
entendermos a UNASUL e a melhor opção para a sua continuidade.
Isso posto, dentro do contexto de maior autonomia econômica e de um discurso
político mais próximo e mais reconhecedor do seu entorno territorial, o espaço de concertação
política da América do Sul (UNASUL) se concretiza, porém em torno de que conceitos o
grupo se constrói? Quais os valores mais proclamados? Se o contexto econômico é importante
para gerar possibilidades de uma maior autonomia do projeto de integração, o de
convergência política também tem um forte peso na formação de um grupo. Esse caráter é
ainda mais definidor de como o grupo se identifica entre si e como ele se projeta para os
outros.
79

4 DEMOCRACIA, PAZ E INTEGRAÇÃO: ENTRE PROJEÇÃO


INTERNACIONAL E DESENVOLVIMENTO.

3. América do Sul inicia o novo século fortalecida pela progressiva consolidação


das suas instituições democráticas, pelo compromisso com os direitos humanos, a
proteção do meio ambiente – aplicando o conceito de desenvolvimento sustentável –
, a superação das injustiças sociais e o desenvolvimento dos seus povos, pelo
crescimento de suas economias, pelo empenho em manter a estabilidade econômica
e pela ampliação e aprofundamento do seu processo de integração.
(COMUNICADO de Brasília, 2000, p. 01, parágrafo 3, tradução prórpria e grifo
próprio).

A partir do parágrafo acima vemos claras as diretrizes do grupo que se reuniu em


fins de agosto e começo de setembro de 2000: imprescindibilidade da democracia, adesão dos
direitos humanos, compromisso com o desenvolvimento sustentável (uma pauta mencionada
especialmente a partir de 2004), superação das injustiças sociais e estabilidade econômica.
No decorrer dos próximos três parágrafos do mesmo documento, serão ressaltados
esses conceitos guias, assim como o comprometimento com as “normas pertinentes do Direito
Internacional” 94 e com a resolução pacífica de conflitos, para assegurar o pacto do grupo com
a paz na região. Fica implícita adoção da Carta da ONU, grande norma internacional para
relação entre os Estados, e da Carta da OEA (1948) que é retomada, em termos de
compromisso, no Consenso de Guayaquil, em 2002, quando, por coincidência o representante
máximo dessa organização estava presente.
Ao se reafirmarem seu compromisso com essas normas, os países se colocam em
posição de responsáveis por seguir essas leis, o que acarreta uma permissão de jurisprudência
por tribunais internacionais, como o Tribunal da Corte Interamericana de Direitos Humanos
ou a Corte Internacional de justiça, vinculando-se assim à possibilidade de serem
responsabilizados por crimes internacionais e terem que implementar medidas para reverter o
dano causado. Colocando de maneira mais simples esses países se comprometem em abrir
mão da soberania em alguns assuntos, e seguir a lei internacional, ou seja, há uma submissão
à norma externa. Alguns compromissos já haviam sido firmados desde a Carta da ONU,
porém, passando por um período de transição para governos democráticos, como vimos e de

94
Por normas de Direito Internacional deve-se entender leis que regulam as relações dos Estados em âmbito
internacional, sendo tais normas advinda de tratados dos quais os países fazem parte ou do costume geral
internacional. Nesse caso os documentos que contam com obrigação jurídica são o Estatuto da Corte
Internacional de Justiça e a própria Carta da ONU que são documentos jurídicos. Os compromissos foram
firmados e estão sendo apenas reiterados nas Declarações e Comunicados, esses não tem poder jurídico.
80

crise no início do século XXI , essa confirmação se torna mais veemente, em especial o novo
compromisso com a democracia, estabelecido pela Carta Democrática de Lima em 2001, e
com o Protocolo de Ushuaia sobre compromisso democrático no MERCOSUL, Bolívia e
Chile; que permitem que medidas internacionais sejam tomadas no caso de ruptura da
democracia.
Tal regime de governo tem uma seção própria no corpo do Comunicado de
Brasília (2000). Essa fonte, entre as analisadas é sem dúvida a que mais remete ao conceito de
democracia: o termo aparece 13 vezes no texto, muitas delas junto a termos como paz,
integração e desenvolvimento econômico e social; mostrando inclusive a relação entre os
mesmos:

24. O fortalecimento da democracia e seu aperfeiçoamento e atualização estão


intimamente ligados ao desenvolvimento econômico e social dos povos
sulamericanos. A pobreza e a marginalidade ameaçam a estabilidade institucional da
região. Sua erradicação continuará merecendo um tratamento prioritário por parte
dos governos da América do Sul. Nesse sentido, os Presidentes da América do Sul
reconheceram com satisfação a assinatura da Carta de Buenos Aires sobre
Compromisso Social no MERCOSUL, Bolívia e Chile, em 29 de junho de 2000.
(COMUNICADO de Brasília, 2000, p. 05, parágrafo 24, tradução livre, grifo
próprio).

E:

5. Reconhecendo que a paz, a democracia e a integração constituem elementos


indispensáveis para garantir o desenvolvimento e a segurança da região, os
Presidentes destacam a importância da Declaração do MERCOSUL, Bolívia e Chile
como Zona de Paz e livre de armas de destruição em massa, assinada em Ushuaia
em junho de 1998. Assim como o compromisso Andino de Paz, Segurança e
Cooperação de dezembro de 1989. (ibid., p. 01, tradução própria, grifo próprio).

Há então o reconhecimento por esses países de que a democracia se vincula a


questões indispensáveis aos países (desenvolvimento) e de interesse comum (integração). Ela
é então considerada uma como “condição indispensável”:

21. A democracia representativa é o fundamento da legitimidade dos sistemas


políticos e a condição indispensável para a paz, para a estabilidade e para o
desenvolvimento da região. É indispensável estimular a participação efetiva, ética e
responsável dos cidadãos e de suas organizações na democracia; contribuir para a
modernização e para o fortalecimento dos partidos políticos; promover a
participação das organizações civis e sua contribuição no debate dos temas de
interesse público; ampliar o acesso à justiça e aos povos dos países da América do
Sul; garantir a manutenção de processos eleitorais livres, recorrentes,
transparentes, justos e pluralistas, baseados no sufrágio secreto e universal; e
estimular o fortalecimento institucional dos processos eleitorais mediante o uso de
tecnologias avançadas de informática.
22. Os Chefes de Estado concordam que a democracia na América do Sul deve ser
reforçada com a permanente promoção e defesa do estado de direito; com a
aplicação eficiente dos princípios de boa governança; com a transparência das
instituições públicas e dos processos de definição de políticas públicas; com o
81

combate à corrupção por meio de medidas legais, administrativas e políticas; com


reforma e aperfeiçoamento nos serviços judiciais, objetivando consolidar sistemas
mais eficazes, transparentes e de amplo acesso para os habitantes dos países sul-
americanos; com acesso livre à informação a cerca das atividades de autoridades
públicas, assim como dos recursos administrativos; e com o aumento dos níveis de
competência e promoção da ética e do profissionalismo dentro do serviço público.
23. Os Chefes de Estado expressaram a importância do “compromisso democrático”
do MERCOSUL, Bolívia e Chile, formalizado pelo Protocolo de Ushiaia e do
“Compromisso da Comunidade Andina com a Democracia”. São duas garantias
adicionais para a estabilidade e a continuidade institucional na América do Sul.
Inspirados por esses precedentes, decidiram que a manutenção do estado de direito
e o pleno respeito ao regime democrático em cada um dos doze países da região
constituem um objetivo e um compromisso compartilhados, tornando-se desde hoje
condição para a participação em futuros encontros sulamericanos. Respeitando os
mecanismos de caráter regional existentes, concordaram em realizar consultas
políticas no caso de ameaça de ruptura com a ordem democrática na América do Sul.
(ibid., p. 04-05, parágrafos 21, 22 e 23, tradução própria, grifo próprio).

Democracia é legitimidade para novos sistemas políticos que estão se


consolidando, não me parece coincidência que seja vinculada ao desenvolvimento, como
vimos a maioria dos governos militares saíram do poder em crise econômica. A mudança para
um governo civil com eleições para os representantes trazia também a esperança de uma
mudança na situação econômica dos países.
Nesse início de século o grande documento assinado pelos países participantes da
OEA é a Carta Democrática Interamericana de Lima em 2001, na qual os Estados se
responsabilizam por defender a democracia. Ela vincula diversos temas sociais e econômicos
à manutenção e ao fortalecimento da democracia, dessa forma, fomentar educação, preservar
o meio ambiente, manter os equilíbrios macroeconômicos, reduzir a pobreza, garantir os
direitos humanos, buscar meios para o desenvolvimento social e econômico, manter a paz e
cooperar econômica e politicamente com outros países americanos, são todos temas de
dialogam com a democracia, que a fortalecem e a mantêm. Além disso, os Estados se
comprometem com fortalecimento da institucionalidade democrática, com missões de
observação eleitoral e com a promoção da cultura democrática. Nesse caso os Estados que
rompessem com a democracia estariam sujeitos a suspenção da OEA (CARTA Democrática
Interamericana, 2011).
Voltando ao nosso conjunto de documentos dos países sul-americanos, a
democracia é constantemente retomada no Consenso de Brasília (2000) e no Consenso de
Guayaquil (2002). Esse foi o produto da II Reunião de Presidentes Sul-Americanos, na qual o
termo aparece seis vezes, vinculado agora também à questão da governabilidade. Como vimos
no momento do Consenso de Guayaquil existia uma crise no financiamento internacional, a
Argentina havia declarado moratória no ano anterior e o documento traz um discurso de
82

necessidade de apoio internacional, já que instabilidade econômica dificulta a democracia e a


governabilidade (CONSENSO de Guayaquil, 2002, p.1, parágrafo 2 “a”).
A grande retomada do termo democracia, a constante citação de cartas e
compromissos que garantam sua manutenção, a importância dada a ela dentro do processo de
desenvolvimento econômico e social e dentro do processo de integração chamam a atenção.
Para entendermos melhor esse conceito, tão caro aos documentos, acredito que é pertinente
uma retrospectiva do seu significado para o continente latino americano e contexto político
regional no qual ele é utilizado.
A década de 2000 faz parte de um contexto político maior que vinha surgindo na
região a partir do fim de da década 1990. Segundo a autora Maria Celina D`Araujo (2008, p.
324), esse momento se caracteriza por uma frustração de expectativas de melhores condições
de vida prometidas pelo retorno à democracia nas décadas de 1980-1990, tal
descontentamento estaria gerando uma grande novidade na América Latina: a quebra de
“monopólios tradicionais de representação política, em um contexto de escassez de recursos
econômicos”. Representativo disso seria:

No Uruguai, durante quase um século, dois partidos dividiram o poder – Colorados e


Blancos – até a eleição de Tabaré Vásquez pela Frente Ampla, em 2004. Na
Argentina a Frente País Solidário, Frepaso, surpreendeu como alternativa a
justicialistas e radicais, mas recentemente temos um governo praticamente de
partido único, com uma oposição fragmentada. Dois países mostraram processos
mais drásticos na reordenação partidária: no Peru, os partidos são hoje praticamente
inexistentes como correntes de identificação política e, na Venezuela, a eleição de
Hugo Chávez em 1998 pôs por terra o prestígio dos partidos tradicionais (Comité de
Organización Política Electoral Independiente, Copei, e a Acción Democrática, AD)
que governaram o país desde os anos1950.
Na maior parte dos países, portanto, está em marcha um processo de intensa
mudança no sistema partidário, com a emergência de novos partidos e de novos
atores políticos, especialmente os grupos indígenas, a exemplo de Venezuela,
Bolívia, Equador e Peru.2 No caso do Brasil, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva,
em 2002, representou simbolicamente a emergência dos trabalhadores no poder, fato
notável se consideramos o elitismo e o conservadorismo da política brasileira
(D`ARAUJO, 2008, p. 323).

Especialmente a partir de 2002, teríamos a chegada ao poder das esquerdas sul-


americanas que além do enfoque no combate à pobreza e à indigência trouxeram temas
centrais para o debate político: a questão do chamado socialismo do século XXI – com grande
expressão durante o governo de Chávez na Venezuela – a democracia participativa, a
participação política de minorias e o reforço da integração sul-americana (ARAÚJO, 2013).
Rafael Pinheiro de Araújo (2013, p. 283) identifica assim dois grupos de esquerda na região:

Um de centro-esquerda, marcado por um programa análogo ao da socialdemocracia


europeia da década de 1990, coadunando políticas sociais à manutenção dos
83

paradigmas econômicos neolibeirais. Nesse grupo poderíamos enquadrar os


governos de Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina, Lula da Silva e Dilma
Rousseff no Brasil, Tabaré Vasquez e Pepe Mujica, no Uruguai e os governos da
“Concertación”, no Chile entre outros.
O segundo grupo é composto por uma esquerda radical e nacionalista. Evo Morales
(Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Hugo Chávez (Venezuela) representam um
setor que se coloca contrário aos paradigmas neoliberais e que oferece o socialismo
do século XXI como alternativa para os povos sul-americanos.

Além dessas mudanças de Chefes do Executivo, o momento histórico se


caracteriza por um decréscimo de credibilidade dos governos implantados na região: de
acordo com pesquisas do Latinobarometro, da PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) e de sites da Transparência Internacional; em 1997, 63% das pessoas de 18
países da América Latina apoiavam a democracia. Em 2004, o percentual baixou para 53%
dos quais apenas 62% estão satisfeitos com a democracia (D`ARAUJO, 2008).
Para Francisco Carlos Teixeira (2013, p. 56), essa crise na representatividade das
instituições saídas da transição para a democracia nos anos de 1980-1990 é um fenômeno
novo que passa por uma questão de personalismo político na região: “Na prática, os partidos
políticos eram/são capturados, ou criados ad hoc, por lideranças de forte apelo eleitoral e de
cunho personalista que não expressam programas ou valores e, na maioria das vezes são tão
somente uma forma específica de agir político”.
Paralelamente, e talvez até paradoxalmente a essa “crise na democracia
representativa”; temos no mesmo período um esforço de fixar esse padrão de regime de
governo por meio de tratados interestatais a fim de fortalecer a governabilidade e a
democracia (D`ARAUJO, 2008). Isso é o que se vê de forma clara nesses documentos
analisados: os critérios de “democracia representativa” e “estado de direito” serão, no
parágrafo 23, p. 04 do Comunicado de Brasília (2000), condição obrigatória para a
participação dos países em ditos encontros. No mesmo caminho tivemos em 1998 o Protocolo
de Ushuaia sobre Compromisso Democrático, o Compromisso da Comunidade Andina com a
Democracia de 1989 e a Carta Democrática Interamericana (2001).
No Consenso de Guayaquil (2002) esse tema ainda é presente, porém o tom é de
reafirmação, especialmente em caráter da elaboração de uma Zona de Paz Sul-americana
(2002) que será aprovada na II Reunião dos Presidentes. Esse ultimo documento, colocado
como pauta de discussão já no encontro de Brasília (2000), é um compromisso regional dos
doze países de manter esse espaço comum pacífico, resolvendo suas contendas por meio de
negociações não bélicas, deixando “...proscrito, também, a colocação, desenvolvimento,
fabricação, posse, exibição, experimentos e utilização de todo tipo de armas de destruição em
massa, incluindo as nucleares, químicas, biológicas e tóxicas, assim como seu trânsito pelos
84

países da região...” (ANEXO II al Consenso de Guayaquil – Declaración sobre Zona de Paz


Sudamericana, 2002, p. 01).
Temos então dois termos que se relacionam: democracia e estado de direito.
Ambos são colocados como aspectos fundantes da legitimidade dos Estados e, especialmente
o primeiro, como uma condição para o desenvolvimento e para a integração. Devido a grande
recorrência do tema nos documentos, especialmente nos anos iniciais e a importância da
questão democrática para a América Latina como um todo, optei por focar nesse aspecto 95.
Democracia e estado de direito não parecem, porém, ter o mesmo peso: inicialmente vemos
uma combinação desses dois elementos, nos primeiros anos (2000 a 2004) os dois termos
constam, porém a partir de 2005, não há menção ao “estado de direito” enquanto democracia
ou valores democráticos é uma constante até a confecção do Tratado Constitutivo da
UNASUL em 2008. Isso não significa que as práticas que caracterizam o conceito de “estado
de direito” não estejam presentes.
Aqui cabe discutir um pouco a noção desse conceito, ele foi materializado
concomitantemente com a confecção da constituição escrita: a Constituição dos Estados
Unidos da América é a primeira, criada em 1787 e ratificada no ano seguinte, e depois temos
a Constituição da França em 1791. Isso porque um Estado de Direito significa um Estado que
se submete às leis (constituição), ou seja, “os sujeitos incumbidos de exercer o poder político
deixarão de apenas impor normas aos outros, passando a dever obediência a certas normas
jurídicas, cuja finalidade é impor limites ao poder” (SUNFELD, 2009, p. 35). Dessa forma a
população não está exposta às flutuações de um indivíduo (Rei) que apenas a submete ao
poder das leis, sem que ele mesmo sofra qualquer restrição – Estado classificado como Estado
de Polícia (ibid.).
Dessa forma, o Estado de Direito, implementado com a Independência dos EUA e
a Revolução Francesa, também é o meio de despersonalização do Estado, já que agora os
cargos burocráticos se relacionam com a constituição, não com o monarca (SUNFELD, 2009;
HOBSBAWM, 2007; GRESPAN, 2003). Enquanto um Estado com poder limitado para
garantir certas liberdades ao indivíduo, o Estado de Direito não precisa necessariamente ser
democrático, ele controla o poder e com isso protege os direitos individuais, mas não garante
a participação política de todos. Não devemos nos esquecer de que tal Estado é associado ao

95
Outros assuntos também são debatidos ao longo das três Reuniões presidenciais, temas como combate às
drogas, combate à pobreza, energia e tecnologia, como vimos, são constantes ao longo da documentação. São
assuntos que, dentro do desenvolvimento normativo, institucional e estrutural do grupo sul-americano vão tendo
seus locais de discussão mais definidos, aparecendo nos documentos como resultados alcançados ou planos para
serem executados. No entanto, o desenvolvimento desses temas específicos não é o enfoque do presente
trabalho, por isso eles não ganharão destaque na discussão.
85

movimento liberal, que ao limitar o poder do rei garante a liberdade individual, sendo assim
fruto de uma desconfiança com relação ao poder público, buscando limitar e controlar a ação
dos seus governantes, como a divisão em Três Poderes. Assim o Estado deveria apenas
sancionar as infrações e prevenir suas repetições (REMOND, 1976).
O liberalismo, porém também é uma doutrina de conservação de poder, na qual a
sociedade burguesa impõe seus interesses, seus valores e suas crenças, uma sociedade na qual
o poder está reservado a uma elite que, por meio do sucesso pessoal – demonstrado pela posse
de dinheiro – se classificaria como apta a decidir os caminhos do Estado (REMOND, 1976)
96
. Para Carlos Ari Sunfeld (2009, p. 50), democracia e Estado de Direito vão, de forma
gradual, se complementando:

Superada sua fase inicial, o Estado de Direito foi paulatinamente incorporando


instrumentos democráticos, com a finalidade de permitir a participação do povo no
exercício do poder – de modo muito coerente, aliás, com o projeto inicial de
controlar o Estado. O Conceito jurídico que inicialmente sintetiza tais instruções é o
de República – idéia que se vai mesclando à de Estado de Direito, para formar com
ela, na atualidade, um todo uno e indivisível. [...] Estabelece-se, destarte, relação de
representação entre o povo (titular do poder) e os agentes públicos (exercentes do
poder), atuando estes como mandatários, como verdadeiros procuradores, daquele.

Renné Rémond (1976) entende que houve uma evolução gradual no papel do
Estado na sociedade, e que de fato, ele incorpora o ideal democrático, isso não se dá, porém,
sem conflito. A democracia é sim herdeira do liberalismo em função da apropriação de
instituições estabelecidas pela sociedade liberal, porém houve um processo conflituoso de
ampliação dessas instituições. Diferentes conceitos vão disputando em instancias variadas do
processo político e social do século XIX e início do XX, como o caso da concepção do
eleitorado, visto pelos democráticos como um direito natural, inerente à cidadania, mas que os
liberais encaravam como uma função, “uma espécie de serviço público, do qual a nação
decide investir nesta ou naquela categoria de cidadãos, introduzindo assim uma distinção
entre o país legal e o real.” (REMOND, 1976, p. 41). A sociedade também estava em
mudança, a Revolução Industrial, com sua revolução técnica e o desenvolvimento do setor
terciário, cria novas profissões, proporcionando o surgimento de novos segmentos sociais
96
O critério censitário assim é uma libertação do imobilismo do Antigo Regime, no qual os bens não saíam das
famílias e a mobilidade social era dificilmente realizada. Porém tal critério também se demonstra opressor, já
que as pessoas não tem a mesma condição inicial para chegar a um objetivo comum. Assim, para quem não tem
dinheiro ou muita sorte, a possibilidade de mobilidade social pronunciada pela sociedade burguesa não acontece.
A mudança de um poder pessoal e assistencialista, que ligava os empregados aos seus empregadores de forma
mais íntima (o empregador quase sempre era responsável a alimentar e dar abrigo ao seu empregado) para um
poder impessoal, no qual o salário e a ideia de um homem que cresce socialmente por seus próprios méritos
desvincula responsabilidades entre essas duas partes, acaba gerando o aumento da miséria e limita a participação
popular na política mais do que antes (REMOND, 1976).
86

intermediários entre a elite e o operário. Os representantes do antigo regime, ou seja, a


aristocracia, ainda estavam presentes, assim como a burguesia mais rica, tentando conservar
seu recente status de elite política. Eram sociedades diversas que coexistiam.
A década de 1830 presenciou uma série de revoluções na Europa oriundas de um
descontentamento urbano geral no Ocidente, como as guerras civis portuguesa e espanhola, o
aumento das barricadas em julho de 1830 em Paris e a defesa da Carta do Povo na Inglaterra
97
em 1839 (HOBSBAWM, 2007) . Tais movimentos representaram o choque da rápida
transformação ocasionada pela mudança política, social e econômica do período e neles
encontramos o conflito da coexistência e da conformação de projetos diversos de sociedade.
Eles, além de terem trazido de volta a possibilidade de uma revolução de massa nos moldes da
França de 1789, separaram os moderados dos radicais no movimento da esquerda européia.
Foi o período de consolidação da classe burguesa na posição de repressora dos pleitos mais
abrangentes da população em geral (ibid).
Dessa forma, a incorporação do voto universal se deu de maneira paulatina, sendo
exemplo tanto dos conflitos de classes do período como da abrangência da atuação Estatal no
âmbito popular. Na Inglaterra, por exemplo, houve reformas eleitorais em 1832, 1867 e 1885,
muitas vezes vinculadas a pressões de movimentos sociais por mais representatividade na
política. A primeira reforma, por exemplo, decorreu da Revolução de 1830 na França, que
gerou a revisão da constituição francesa e em 1848 adotou-se o voto universal. A
consolidação do voto universal só se deu, porém após a Primeira Guerra Mundial em 1918 e
1919. Além do voto universal, foi necessário se pensar na política como um trabalho, com o
subsídio parlamentar como o salário, já que os políticos de classes populares que conseguiam
o numero de votos necessários não tinham outro meio de renda que não o seu tempo dedicado
ao trabalho, dificultando sua participação igual com os políticos vindo de votos e classes mais
abastadas que tinham mais tempo livre para se dedicar à política (REMOND, 1976;
HOBSBAWM, 2007).

Assim, ora por uma necessidade inerente ao exercício efetivo da democracia, ora
pelo prolongamento natural de sua inspiração, a democracia modifica não apenas a
forma do regime, mas tende ainda para a harmonização das instituições políticas e
das instituições sociais (REMOND, 1976, p. 77).

97
O movimento de defesa da Carta do Povo, conhecido como Cartismo, merece aqui destaque como uma
revolução para mudança no sistema político por via constitucional. A troca entre operários e parlamento de
missivas que abrangiam desde questões eleitorais, como o voto universal, à questões trabalhistas, como a
regulamentação do trabalho infantil, alcança seu clímax na Carta do Povo entre 1839-1842. É considerado um
momento de amadurecimento político se comparado com os anteriores e, apesar da sua derrota e repressão,
mantém sua influencia até 1848 na Primavera dos Povos (HOBSBAWM, 2007).
87

É assim então que, por meio da influencia da democracia no Estado de Direito que
temos a produção de uma categoria diferenciada de direitos: os direitos políticos, ou seja, a
garantia imediata de participação no poder (SUNFELD, 2009). Ao definir essa prática
democrática, Carlos Ari Sunfeld (2009) a vincula ao segmento de uma norma pré-determinada
indispensável: regulamentação constitucional, ou seja, sem uma noção prévia de
constitucionalidade a democracia não teria estabelecida regras que norteariam e assegurariam
o seu exercício.
O Estado no papel de interventor em certas em certas áreas da vida social, antes
deixadas no Estado de Direito para a iniciativa privada, é outra mudança que vai ocorrendo na
evolução dessa instituição. Rémond (1976) coloca como exemplos da causa dessa evolução a
intervenção para evitar fraudes, que acaba aumentando o numero de contratações para o
serviço público; a ocorrência de eventuais desastres naturais como terremotos e enchentes,
que exigiam coordenação pública; a eventualidade de grandes epidemias, que dificultavam o
controle das doenças apenas pelos órgãos religiosos ou privados normalmente encarregados
dessa área; e a devastação causada pela Primeira Guerra mundial. O fim do conflito foi
definitivo para a consolidação do Estado Social, um Estado com o dever promover a
recuperação do país. A quebra da bolsa de Nova York em 1929 seguida da crise social e
econômica foi outro momento que consolidou a necessidade de um Estado ativo nas questões
sociais e econômicas, dai a implantação do New Deal em 1933.
Vale aqui não esquecer que essas intervenções estatais também foram balizadas
pelo crescente impacto do movimento socialista no entre guerras e nas lutas por melhores
condições de trabalho, moradia e saúde vinda da classe operária. Essa incorporação do Estado
Social foi lenta, quase que por necessidade, em alguns momentos, mas não foi de forma
alguma isenta de conflitos (HOBSBAWM, 2007; RÉMOND, 1976).
De acordo com Carlos Ari Sunfeld (2009), novamente o Estado Social é garantido
pelo que o precedeu: o Estado Democrático de Direito. Para o autor, esses três conceitos de
Estado se fundem em necessária convivência e funcionalidade, as três noções de origens
distintas se incorporam para serem válidas. Vemos então que o conceito de Estado de Direito,
de maneira pura, não incorpora questões democráticas ou sociais, porém em termos legais e
nos documentos analisados, Estado de Direito parece abarcar todas as atribuições dos três
conceitos distintos.

O exercício efetivo da democracia representativa é a base o Estado de Direito e dos


regimes constitucionais dos Estados membros da Organização dos Estados
Americanos. A democracia representativa reforça-se e aprofunda-se com a
88

participação permanente, ética e responsável dos cidadãos em um marco de


legalidade, em conformidade com a respectiva ordem constitucional (CARTA
Democrática Interamericana de Lima, 2001, p. 10, art. 2).

Tal conceito é praticado hoje em questões como a do acesso dos cidadãos à justiça
e da perspectiva de aprimoramento do sistema judiciário, ou seja, também envolve a ideia de
que os órgãos de Estado estejam efetivamente ao alcance das demandas da população, no caso
da integração, prevê órgãos que estejam em contato com a sociedade civil. Em termos mais
democráticos, o acesso do cidadão ao voto em um processo eleitoral constitucionalmente
aprovado e seguido são cruciais para a definição desse Estado de Direito e da democracia,
além claro da noção de um chefe de Estado limitado por uma constituição.
Nesse sentido serão dirigidos grandes esforços para a garantia da pratica cidadã
indo além da garantia ao voto defendida pela obrigatoriedade da democracia. Tivemos na
cidade de Fortaleza em 2005 a Reunião dos Ministros de Justiça de Interior, Defesa e
Segurança Cidadã que discutiu o direito a segurança, a importância da atuação da sociedade
civil nesse âmbito e políticas comuns que poderiam ser tomadas pelos países da América do
Sul (tal encontro foi discutido na I Reunião de Cúpula da CASA). Em 2006 o MERCOSUL
também promoverá a Cúpula MERCOSUL Social, para tratar da interação entre prática
cidadã e a integração regional. Existe assim em esforço crescente no período estudado em
garantir esses direitos no âmbito da integração regional.
No preâmbulo do DECLARACIÓN de Seguridad Ciudadana en Sudamérica de
2005 (p. 01, tradução própria) temos que no âmbito da CASA os Estados membros
considerando: “QUE a participação cidadã é um elemento chave para avançar na consolidação
de valores e normas comunitárias, como o respeito e a solidariedade, que têm sido tradicionais
nas comunidades sul-americanmas”. E no corpo do documento o ponto três trata do:

Interesse em aprofundar os esforços para incluir, onde as normas permitirem, novos


atores na gestão dos assuntos referentes à segurança do cidadão, tais como governo
distintos ao nível nacional, agências governamentais encarregadas de atender às
populações em risco, assim como o setor privado, ONGs e a própria sociedade civil
organizada, tomando em consideração que a Segurança Cidadã deve assumir-se
como uma responsabilidade compartilhada entre governo e sociedade (ibid. p. 02,
tradução própria).

A questão da segurança para a América do sul ainda se apresenta como um tema


sensível, os países reconhecem os abusos das ditaduras civis-militares que constaram no
processo político da maioria dos países, porém o tema também se relaciona com a noção de
soberania, com desenvolvimento social sustentável e com a defesa dos direitos humanos. Na
89

Declaração de Cusco em 2004 (p. 02, tradução própria) temos que a CASA se conforma
levando em conta:

O pertencimento comum à sistemas democráticos de governo e a uma concepção da


governabilidade, sustentada na participação cidadã que incremente a transparência
na condução dos assuntos públicos e privados, e exerça o poder com o estrito apego
ao estado de direito, conforme as disposições da Carta Democrática Interamericana,
em um marco de luta contra a corrupção em todos os âmbitos.

E no Tratado Constitutivo da Unasul (2008, p. 10, tradução própria), o artigo 18


versa sobre o tema da participação cidadã:

Promover-se-á a participação plena da cidadania no processo da integração e na


união sul-americana, por meio do diálogo e da interação ampla, democrática,
transparente, pluralista, diversa e independente com os diversos atores sociais,
estabelecendo canais efetivos de informação, consulta e seguimento nas diferentes
instâncias da UNASUL.
Os Estados membros e os órgãos da UNASUL gerarão mecanismos e espaços
inovadores que incentivem a discussão dos diferentes temas garantindo que as
propostas que tenham sido apresentadas pela cidadania, recebam uma adequada
consideração e resposta.

Por mais que os “mecanismos inovadores” não sejam de fato criados no dado
momento, temos o reconhecimento da importância desse fator social para a integração. Fazer
a sociedade interagir com a proposta de integração dos governos é garantir solidez e
continuidade ao projeto, por essa questão também passa a apropriação de um passado e de
uma identidade comum, temas que entram em pauta a partir da criação da CASA98.
Esse fator de inclusão da sociedade civil aparece como garantia de uma sociedade
participativa dos projetos de Estado, além de ser representativo dos governos da região no
momento (2000 - 2008) quando existe uma valorização do papel social tanto do Estado
quanto da integração, vinculando-se com a noção de desenvolvimento social sustentável.
Então, inclusão da sociedade civil se conecta nos documentos ao Estado de Direito. Essa ideia
vai ao encontro da teoria funcionalista de integração regional, para a qual o “o parâmetro de
sucesso é sua capacidade de modificar a realidade anterior à constituição de um bloco
regional, produzindo novos comportamentos” (VIGEVANI, et al., 2008, p.12). Dessa forma:

Os atores sociais e econômicos devem participarativamente do processo, nele


interferindo a partir de determinado ponto após o take off inicial, buscando
pressionar e convencer as elites nacionais a transferirem ou não parcelas de
soberania para a esfera regional. Um aspecto importante é a participação, o efeito

98
A construção desses temas também se dá de forma muito própria do grupo de países, passando por fases até
uma consolidação no tratado constitutivo, porém por questão de escolha metodológica o presente trabalho não
aborda tal trajeto.
90

mobilizador da integração, que, por sua vez, está ligado à satisfação de interesses.
Essa situação possibilitaria o aprofundamento do processo e facilitaria sua
propagação e manutenção. O incremento da ação dos atores sociais e econômicos e
das elites faria com que aumentassem as demandas visando o gerenciamento comum
de interesses, exatamente o spillover. A espiral crescente de intervenção e integração
para regulamentação destes interesses constituiria o motor que garantiria a
continuidade da integração (ibid., loc. cit.).

Assim, procurar meios de inserir a sociedade civil no processo de integração e


torná-la atuante no mesmo é uma maneira de garantir a solidez e a continuidade do projeto. A
teoria neofuncionalista destaca no mesmo sentido o papel da elite nesse processo. Nesse caso
não seria a sociedade civil como um todo, mas apenas uma elite que deveria ver seus
interesses atendidos pela integração, efetivando assim o projeto e amortecendo ou abafando
outras camadas sociais cujos interesses ou vão de encontro à essa política, ou não são
atendidos por ela (ibid.).
Podemos concluir que, sempre presente, o tema da cidadania acaba se
entrelaçando com o do estado de direito e com o da democracia, porém a constância do termo
democracia é mais presente, e esse conceito tem uma relação bastante singular com a América
Latina.

4.1 A democracia entre a história e o documento.

A retrospectiva do significado de democracia para o continente latino americano


pode ser feita a partir dos anos 1960, em especial após a proliferação de ditaduras na região.
Nessa década o conceito sofre uma unificação simplificada do seu significado se comparado
com as duas décadas anteriores: uma noção de democracia mais comprometida com
demandas sociais e com maior participação no popular no processo político é associada ao
comunismo e a democracia ligada ao liberalismo econômico e político se consolida como o
único conjunto de práticas que poderia definir o conceito de democracia (MIRANDA, 2013).
Era a lógica dualista da guerra fria se impondo: a discussão sobre o aumento da participação
popular foi interpretada como uma ameaça às instituições políticas e como caminho para o
totalitarismo. Consolidada, então essa noção de democracia liberal, qualquer outra estrutura
que fuja desse padrão acaba sendo considerada “uma estratégia demagógica de líderes com
vieses autoritários na busca de ampliação de poder” (ibid., p. 237).
Mário Angelo de Oliveira Miranda (2013) traça então um paralelo entre o período
da década de 1960, com os debates entorno do conceito de democracia e as décadas de 2000 e
2010 quando temos uma mudança na prática democrática de alguns governos a partir dos anos
91

2000, notadamente nos que definimos anteriormente como uma esquerda radical e
nacionalista (Venezuela, Equador e Bolívia). O autor aponta que muito da discussão sobre o a
existência ou não de uma quebra democrática nesses governos gira em torno dessa
simplificação do conceito. A recorrência a alternativas como plebiscitos para ampliar a
participação popular e a aprovação de reformas muitas vezes descentralizadoras do poder
político – retira parte das competências e do poder de decisão dos Congressos Nacionais,
dando às organizações comunitárias mais atuação política dentro de sua comunidade (como é
o caso dos Conselhos Comunais na Venezuela a partir de 2009) – só são entendidas como
totalitarismos ou ditaduras dentro do conceito fechado de democracia ocidental. A questão da
participação popular ainda gera outras apreciações:

Por fim ainda há o risco de que se proliferem análises que insistam na tese de
manipulação das massas, o que desqualifica a capacidade de compreensão da
participação política por parte dos cidadãos sul-americanos. Em última instância,
essa tese pode apontar para uma concepção elitista, em que o povo devera aprender a
votar de acordo com o entendimento das elites políticas, também muito presente na
cena sul-americana nos anos de 1950 e 1960 (ibid., p. 237).

Então se em um primeiro momento (2000-2004), durante as Reuniões de


Presidentes, temos a afirmação exaustiva da democracia enquanto regime de governo, como
vimos anteriormente; outro desafio que surge para esses países: como definir essa democracia
representativa?
Tal questão é especialmente importante na constituição da CASA (2004-2007), já
que é nesse momento que o grupo sul-americano de fato começa a se posicionar dentro de
uma organização internacional que deve ser capaz de representar todos. Constituindo uma
comunidade de nações com grandes diferenças entre si, desde graus de desenvolvimento
socioeconômico à dimensões territoriais, encontrar pontos em comum que possam ser base
para uma identidade conjunta é crucial. Além disso, deve ser levado em consideração que ter
diretrizes aprovadas e acordadas garante maior legitimidade do grupo: definirem-se enquanto
países que têm o respeito à democracia representativa constitui critério de apoio e de
formação da posição do grupo perante o sistema internacional.
A definição das diretivas nos documentos normativos importa porque a garantia
da estabilidade político-territorial, firmada aqui por compromissos externos e pelas normas
concordadas nos mesmos, influencia também o nível de desenvolvimento de uma nação. É
necessário saber a que recursos determinado Estado tem acesso e se seu governo pode de fato
usufruir desses recursos. Um país que não tem seu Espaço nacional definido não pode calcular
quanto de recursos naturais e de mão de obra pode ter acesso. Uma nação em guerra com
92

outra nação ou mesmo com narcotráfico, não pode garantir que certas diretrizes serão bem-
sucedidas: a construção de uma fábrica, por exemplo, pode ser impedida por um
bombardeamento ou por uma ocupação de facção criminosa.
Então como Maurício Santoro Rocha (2013) defende: a democracia permite
também a resolução de conflitos no âmbito político, consolidando uma estabilidade regional
que não era tão sólida nas ditaduras anteriores. Para esse autor a democracia foi importante
também para criar a confiança que permitiu o início do processo de integração sul-americano,
identificado na aproximação entre Brasil e Argentina nos meados da década de 1980, além de
evitar conflitos bélicos na região, sendo assim, como já havia comentado, condição
indispensável para a estabilidade.
Para além da questão de desenvolvimento, as diretrizes definem o local político
do qual o grupo fala, locus que coloca o grupo dentro da norma ocidental e de certa forma
americana de política externa. Elas refletem o alinhamento político dos países e asseguram
sua participação conjunta e individual em fóruns internacionais específicos. A Carta da ONU,
por exemplo, prima pela manutenção da paz e da resolução de controvérsias por meio não
bélicos; caso um país desacorde com esse princípio, será expulso ou não aceito. Nesse
sentido, é importante ver que, em termos de política internacional a imagem de um país
deriva, em grande parte, dos compromissos que assume, do tipo de Governo que o representa
e de que trajetória de ação ele mantem.
Quando os Presidentes sul-americanos traçam em conjunto essas diretrizes, eles se
propõem a seguir determinada linha de atuação política internacional e nacional. Estabelecer
como pressupostos a Democracia e o respeito aos Direitos Humanos é trabalhar uma imagem
internacional específica. Dessa forma, dentro do contexto de inserção internacional não só da
América do Sul, mas também da América Latina, a democracia se torna uma moeda de troca
política e econômica, garantindo estabilidade e continuidade para ter acesso a negociações e
investimentos do sistema internacional (D`ARAUJO, 2008).
Podemos entender então que deriva dessa questão a grande preocupação com a
continuidade democrática dentro de períodos de crise política, havendo um real esforço para a
manutenção da legitimidade dos governos que os sucedem e para a não implantação de
regimes que possam ser considerados como de exceção (D`ARAUJO 2008; SPEKTOR,
2014). Tal paralelo pode ser feito não apenas para a ascensão da esquerda nos anos 2000
como também para a retomada as direitas liberais no momento em que esse trabalho está
sendo escrito, a crise na Venezuela e a o impedimento da ex-Presidente Dilma (2016) são
exemplos disso.
93

Assim, na década de 2000 temos:

Do ponto de vista político, temos mais estabilidade. Nos últimos 20 anos, 14


presidentes da República eleitos, em 10 dos 34 países, deixaram o poder mediante
renúncia ou destituição: Argentina em 1989 e 2001; Brasil em 1992; Venezuela e
Guatemala em 1993; República Dominicana em 1996; Equador em 1997, 2000 e
2003; Paraguai em 1999; Peru em 2000; Bolívia em 2003 e 2005; Haiti em 2004.
Além disso, houve uma tentativa frustrada de golpe na Venezuela em 2002. Em
nenhum caso, contudo, tivemos regimes de exceção. Mesmo com tentativas
desviantes, como a de Alberto Fujimori no Peru e o golpe na Venezuela em 2002, a
sucessão no poder tem sido feita pelas vias institucionais. Países como Bolívia, Haiti
e Equador, com problemas de governabilidade de longo prazo, acomodam-se às
regras legais. O Equador teve sete presidentes entre 1997 e 2005 e a Bolívia, quatro
entre 2001 e 2005 (D`ARAUJO, 2008, p. 325).

Como vimos, mesmo durante os períodos de crise econômica, como no caso da


Argentina entre fins de 2001 e 2003, a sucessão de presidentes manteve sua via democrática.
No período inicial da CASA, nos anos de 2004 e 2005, os documentos não se mostram tão
preocupados em definir a democracia, mas nesse momento, como vimos, o próprio projeto de
integração não tinha solidez. Apesar de ter sido o momento em que se cria a Comunidade não
se conformou uma secretaria própria da instituição ou um esforço de torná-la autônoma dos
outros projetos de integração da região, em especial do MERCOSUL. Dessa forma a questão
de definição da democracia entra em cena, como muitas outras questões, no ano de 2006 com
o Documento Final de la Comisión Estratégica de Reflexión: Un Nuevo Modelo de
Integración de América del Sur - Hacia la Unión Sudamericana de Naciones (2006). E nesse
momento temos o termo democracia associado a novas palavras.
No contexto da Reunião de presidentes (2000-2004), como vimos, esse termo se
vincula à integração, desenvolvimento (Comunicado de Brasília, 2000) e governabilidade
(Consenso de Guayaquil, 2002), além de constar sempre como valor comum, fato que tem
continuidade nos anos iniciais da CASA. No Documento Final de la Comisión Estratégica de
Reflexión (2006) temos um direcionamento mais social que abrange a ideia de pluralidade na
democracia e cita questões como a do direito de diferentes setores sociais comuns à região. O
documento propõe como princípio:

Democracia e Pluralismo: promoção da democracia e compromisso de seu


aperfeiçoamento. Uma integração sem ditaduras e respeitosa dos direitos humanos.
Reconhecimento dos direitos dos povos originários, dos afrodescendentes e
migrantes, com igualdade de gênero e respeito a todas as minorias e seus
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e seu direito a espaços de
participação democrática em cada um dos países sul-americanos (ibid., p. 05,
tradução própria, grifo próprio).
94

E no Tratado Constitutivo da UNASUL (2008, p. 10, tradução própria, grigo


proprio) temos:

Se promoverá a participação cidadã no processo da integração e da união


sulamericana por meio do diálogo e da interação ampla democrática, transparente,
pluralista, diversa e independente com os diversos atores sociais; estabelecendo
canais efetivos de informação, consulta e acompanhamento nas diferentes instancias
da UNASUL.

Perceber essas diferentes palavras ligadas à ideia de democracia, nos passa uma
visão mais específica do que é a democracia para esse grupo de países, isso porque os
conceitos políticos podem ser compreendidos tanto pelos seus contraconceitos como pelos
seus conceitos associados, ou seja, palavras que ampliam o significado do conceito original,
mostrando as transformações políticas com as quais as palavras passam (KOSELEK apud
MIRANDA, 2013). No caso do trecho do documento de 2006, vemos claramente ditadura
como um contraconceito de democracia e de direitos humanos, uma realidade democrática
exclui a existência de um governo ditatorial.
Ao mesmo tempo vemos a associação de democracia com a coexistência da
diversidade social e com o reconhecimento dos direitos dessa, fato que consiste em um
direcionamento mais focado na sociedade e na sua participação na política para além do
simples voto. Mudança saliente se o trecho dor confrontadp com o Comunicado de Brasília
(2000, p. 04, parágrafo 21, tradução própria, grifo próprio):

21. A democracia representativa é o fundamento da legitimidade dos sistemas


políticos e a condição indispensável para a paz, para a estabilidade e para o
desenvolvimento da região. É indispensável estimular a participação efetiva, ética e
responsável dos cidadãos e de suas organizações na democracia; contribuir para a
modernização e para o fortalecimento dos partidos políticos; promover a
participação das organizações civis e sua contribuição no debate dos temas de
interesse público; ampliar o acesso à justiça e aos povos dos países da América do
Sul; garantir a manutenção de processos eleitorais livres, recorrentes, transparentes,
justos e pluralistas, baseados no sufrágio secreto e universal; e estimular o
fortalecimento institucional dos processos eleitorais mediante o uso de tecnologias
avançadas de informática.

Nesse documento de 2000, temos de maneira clara que a participação cidadã na


política se dá especialmente a partir do voto, do fortalecimento dos partidos e do processo
eleitoral. Já em 2006 os movimentos sociais são reconhecidos como fator da democracia, a
questão da pluralidade supera uma pluralidade partidária e se torna uma pluralidade social e
cidadã. Vemos no trecho acima citado do Tratado constitutivo que a participação dos cidadãos
não se dá apenas pelo voto nas suas respectivas democracias.
95

Penso então que a noção de democracia, para além do voto partidário ou da


democracia representativa, possa ser aceita como uma ampliação da participação democrática
pelos países sul-americanos. Acima disso podemos traçar a noção de democracia como uma
oposição à ditadura, mas não especificamente ao autoritarismo, termo que não é mencionado
nos documentos específicos de criação da UNASUL nem na Carta Democrática
Interamericana de 2001.
Interessante perceber que a própria democracia tampouco se constituía em uma
oposição ao autoritarismo no início da sua implementação na Europa do século XIX, os
democratas costumavam se opor mais ao parlamentarismo, pois essa instituição ficou muito
ligada ao regime censitário (RÉMOND, 1976). Tanto na democracia representativa e
parlamentar quanto na autoritária:

[...] a origem do poder é o consentimento popular; mas, no primeiro caso o povo


soberano delega esse poder a representantes por todo o tempo da legislatura,
enquanto que no outro caso ele o confia a um executivo, que está acima das
assembleias, parlamentares. Existe assim um tipo de democracia plebiscitária,
antiparlamentar, antiliberal, que associa a autoridade e a base popular que constitui,
a seu modo uma forma de democracia (ibid., p. 74).

Exemplos dessa democracia autoritária teria sido o governo de Napoleão. Além


disso, Rémond lembra que a fase mais democrática da Revolução Francesa foi a mais
autoritária, com os jacobinos no poder. Mais interessante se torna essa ausência do termo
autoritarismo em função da realidade política venezuelana na época, como falei acima.
De todo modo, há um consenso sobre como lidar com a questão da quebra da
democracia o qual se relaciona com a costura conceitual entre estado de direito e democracia,
levando em consideração a pluralidade que de projetos de governo diferentes dentro da
democracia representativa, garantindo assim soberania e autodeterminação dos povos –
panorama de conceito e ação muito primado pelos países Latino Americanos –. Isso se dá
enfatizando aquilo que Jonathan Hartlyn (apud MIRANDA, 2013) chamou de dimensão
constitucional da democracia acima das outras duas dimensões: a dimensão competitiva e a
dimensão participativa99. E podemos perceber tal prática despontando em 2004 já nos
documentos:

99
Para Hartlyn a democracia seria composta de um pilar ou dimensão competitiva, marcada pela livre expressão
política dos partidos e na aceitação da legitimidade de oposições, outro pilar constitucional, definido pela
existência e respeito a uma constituição que “impõe limites à hegemonia das maiorias eleitorais e protege o
funcionamento das instituições democráticas” e por fim do pilar participativo, centrado na incorporação da
população adulta ao processo eleitoral (MIRANDA, 2013). Essas dimensões seguiriam essa ordem de
aprofundamento da democracia, de forma que a dimensão participativa dependeria do adensamento dos dois
pilares anteriores que criaria “uma densa rede de associações, organizações, e de oportunidades para a
participação voluntária” (HARTLYN, p. 60 apud MIRANDA, 2013, p. 257).
96

9) Reiteramos o direito soberano dos Estados de identificar suas prioridades


nacionais de segurança, de definir planos e ações a esse respeito, em conformidade
com seu ordenamento jurídico e com plena observância do direito internacional e
das Cartas da Organizações dos Estados Americanos e da Carta das Nações Unidas
(DECLARACIÓN de Ayacucho, 2004, p. 09, parágrafo 9).

Tal modus operandi não está restrito à comunidade sul-americana, essa concepção
vem se tornando “argumento aglutinador de opiniões na comunidade internacional, mesmo
em países de orientação e projetos políticos distintos” (MIRANDA, 2013, p. 269). Para
sustentar tal argumento, Mario Miranda (2013) apresenta os desdobramentos dessa estratégia
nos processos de integração sul-americana, como as discussões para a incorporação da
Venezuela ao MERCOSUL iniciadas em 2004 e a crise da polícia no Equador em 2010.
Especialmente no caso da última a defesa do sistema internacional ao respeito à
constitucionalidade foi marcante. Vale, porém, lembrar que toda constituição tem seus limites
de interpretação, ou seja, certos processos descritos na lei podem aparecer de forma vaga,
deixando espaço para uma interpretação que favorece a um ou a outro grupo político interno,
esticando assim o conceito do que seria essa democracia constitucional interna. Esse assunto
se demonstra assim uma discussão delicada que muitas vezes pode variar dependendo das
relações internacionais que um país tem com o outro e até que ponto certo Estado levou a
interpretação de determinadas questões democráticas. Defender a constituição interna como
uma forma de balizar desvios da democracia, apesar de ser a solução mais seguida, tampouco
é uma solução que se esgota em si mesma, ela ainda traz muitas possibilidades de discussão
nos diversos casos em que foi e é aplicada.
Então, mesmo com seus limites, a conformação, ocorrida entre 2000 e 2004, de
um consenso sobre a democracia para o grupo sul-americano acontece em um contexto em
que tal conceito é necessário para a realidade internacional em modificação e ocorre de modo
quase automático após o fim das ditaduras civis-militares. A queda do muro de Berlim
contribuiu para a popularidade da ideia de liberdade, propagada pelo o ocidente como uma
característica inerente ao homem. A queda da URSS em 1991 representa um grande fracasso
político, econômico e social dos Governos Totalitários e Ditatoriais. As ditaduras civis-
militares da América Latina já estavam em processo de abertura política, impulsionado não
apenas pelo contexto internacional, como também pelas pressões do presidente
estadounidense Jimmy Carter em torno do respeito aos direitos humanos; mas também levado
a cabo por estruturas internas que, especialmente na década de 1980, influenciaram no
enfraquecimento desses regimes ditatoriais, como o desgaste do modelo de substituições de
importações implantado na desses governos.
97

Porém a operacionalização do conceito de democracia para abarcar a


multiplicidade política que a continuidade do regime democrático traz para a região ocorre de
maneira paulatina, e pode até ser considerada como ativa até o momento político atual,
constituindo assim um processo ainda em desenvolvimento com características próprias. É
interessante perceber que a existência da democracia permite que se tenha um concerto
político em torno do conceito da mesma, englobando diferentes práticas da região que
contradizem a lógica unitária da prática democrática.
Entre os anos de 2005 e 2008, podemos entender que essa operacionalização
passa pela estratégia de focar na constitucionalidade da democracia, mas também é
influenciada pela necessidade reconhecer e respeitar as diferenças políticas e sociais entre os
países. Isso se vincula também à concepção negativa das políticas de intervenção estrangeira
que os países sul-americanos, em especial Argentina, Brasil e Chile, possuem:

Argentina, Brasil e Chile são democracias em países em desenvolvimento, em uma


região onde intervenções estrangeiras têm sido parte do problema, não da solução.
De modo que não ficam muito entusiasmadas com a perspectiva de impor
democracia e direitos humanos do exterior e são geralmente contra o uso da força
para obter isso – nos Balcãs durante a Guerra do Kosovo, no Oriente Médio durante
a Guerra do Iraque e a Primavera Árabe etc. Mas criaram mecanismos na América
do Sul e apoiaram instituições no sistema ONU que focam em ferramentas políticas
e no Direito Internacional, como o Conselho de Direitos Humanos e o Tribunal
Penal Internacional (ROCHA, 2013, p. 21).

Então, os países sul-americanos não assumirão uma posição de impor por meio de
força uma democracia específica ou mesmo outras diretrizes. Na fase em que o grupo é
apenas uma Reunião de Presidentes os documentos intitulados consensos ou declarações tem
um peso bem menor que a assinatura de um tratado, pois não há obrigação jurídica de que se
siga as regras determinadas. Dessa forma os documentos das Reuniões de Presidentes (2000 -
2004) mostram entendimentos conjuntos sobre assuntos como democracia participativa,
direitos humanos e direito ao desenvolvimento que se tornarão temas de discussão dentro da
CASA (2005-2007) e finalmente diretrizes do Tratado Constitutivo da Unasul (2008), esse
sim vinculante.
Porém durante todo o processo o diálogo e o concerto político são os pontos
principais de concórdia e de relação entre os países, em especial porque esses são os objetivos
o projeto de integração vai adquirindo: a Unasul é uma integração política, com uma vertente
econômica, social, cultural e territorial, mas essencialmente um espaço de coordenação
política dos países da região. E as decisões buscadas por consenso, por meio do diálogo
político dentro do órgão:
98

A concertação política entre os Estados Membros da UNAUL será um fator de


harmonia e respeito mútuo que afiance a estabilidade regional e sustente a
preservação dos valores democráticos e a promoção dos direitos humanos.
Os Estados Membros reforçarão a prática de construção de consensos no que se
refere aos temas centrais da agenda internacional e promoverão iniciativas que
afirmem a identidade da região como um fator dinâmico nas relações internacionais
(TRATADO Constitutivo da UNASUL, 2008, p. 09, art. 14).

A diretriz que se vincula à não intervenção é a que traz o respeito à soberania,


conceito que começa a despontar nos documentos da III Reunião de Presidentes em (2004) e
data de fundação da CASA, e será uma constante ao longo das reuniões subsequentes,
resultando na sua consolidação no Tratado Constitutivo de 2008:

9) Reiteramos o direito soberano dos Estados de identificar suas prioridades


nacionais de segurança, de definir planos e ações a esse respeito, em conformidade
com seu ordenamento jurídico e com plena observância do direito internacional e
das Cartas da Organizações dos Estados Americanos e da Carta das Nações Unidas
(DECLARACIÓN de Ayacucho, 2004, p. 02, parágrafo 9).

Em seguida:

O pensamento político e filosófico nascido de sua tradição, que reconhecendo a


preeminência do ser humano, de sua dignidade e direitos, a pluralidade de povos e
culturas, tem consolidado uma identidade sulamericana compartilhada e valores
comuns tais como: a democracia, a solidariedade, os direitos humanos, a liberdade, a
justiça social, o respeito a integridade territorial, a diversidade, a não discriminação
e a afirmação da autonomia, a igualdade soberana dos Estados e a solução pacífica
de controvérsias (DECLARACIÓN de Cusco, 2004, p. 01).

E, posteriormente:

SEGURAS que a integração é um passo decisivo em direção ao fortalecimento do


multilateralismo e a vigência do direito nas relações internacionais para alcançar um
mundo multipolar, equilibrado e justo, no qual se prima a igualdade soberana dos
Estados e uma cultura de paz em um mundo livre de armas nucleares e de destruição
em massa (TRATADO Constitutivo da UNASUL, 2008, p. 01).

Se levarmos em consideração a mudança de atuação dos governos que chegaram


ao poder nos anos 2000 e como suas Políticas Externas vão se apropriando de conceitos
internacionais e os desenvolvendo, percebemos que o momento político-economico também
favorece uma maior autonomia no grupo.
Essa mudança governamental traz a tona outra questão muito cara às Relações
Internacionais: a continuidade da política externa de um país mesmo diante da mudança de
um governo. Nesse sentido acredito que possa haver certa permanência nessas diretivas, o
Brasil, por exemplo, tem um eixo que pouco se modificaram em termos de direcionamento da
Política Externa: a centralidade da perspectiva econômica (CADETE, 2015). Porém, analisar
99

a forma de como cada governo levou tal diretiva à concretude, ou mudou completamente a
diretiva é importante para se ter em mente que os meios para os fins importam na política,
especialmente porque os outros sujeitos de relações internacionais100 estão vendo, analisando
e gerando opiniões.
A quantidade e a continuidade de redemocratizações na América do Sul nas
décadas 1980 e 1990 e as afirmações nesses documentos, pouco tempo depois, mostram a
importância de determinados posicionamentos para a prática política internacional: a
democracia é, sem dúvida, um consenso. Então, chegar a posicionamentos semelhantes com
relação a temas internacionais ou regionais de pertinência é o foco que essas reuniões vão
adquirindo, além da coordenação de iniciativas conjuntas como a IIRSA e proposta do Banco
do Sul.
Não é por impulso que o governo FHC convoca a I Reunião de Presidentes Sul-
Americanos (2000), é uma estratégia de desenvolvimento econômico conjunto, de integração
física e de concertação política que visa uma posição mais favorável internacionalmente para
o Brasil. As reuniões propiciam que pontos comuns sejam discutidos, metas comuns sejam
traçadas e ajuda, primeiramente extra-regional e posteriormente intra-regional, seja
conseguida. Esses encontros ao longo de oito anos foram se constituindo em um espaço de
autonomia política para os países, um local onde seus problemas podem ser discutidos sem
competir com outros assuntos extra-regionais.
Também, proporcionou um espaço institucional para afinar seus direcionamentos
políticos e promover uma cooperação mais harmoniosa e em sintonia que resultou em um
projeto de integração política. Tudo isso propicia mais autonomia política para a região,
mesmo que a UNASUL coexista com outros processos de integração tanto na América do Sul
como na América Latina.

100
Vale aqui retomar a discussão de sujeito presente na introdução deste trabalho, no qual se entende sujeito de
relações internacionais como os Estados e seus planejadores da política externa e as Organizações
Internacionais; os acadêmicos que escrevem sobre o tema e a própria população.
100

5 CONCLUSÃO.

A concretude do projeto por meio da entrada em vigor do Tratado Constitutivo de


2008 não quer dizer nem o fim de disputas no interior do grupo e muito menos o alinhamento
político em todos os assuntos internacionais. Brasil e Argentina ainda discordam sobre a
liderança brasileira como representante da região em uma possível reforma do Conselho de
Segurança da ONU. O Plano Colômbia (2000) e a Operação Fênix (2008), aliança entre o
governo colombiano e os EUA para o combate do narcotráfico no país sul-americano gerou
tensões com a Venezuela e com o Equador. Chile e Bolívia ainda tem disputas acerca da
passagem para o mar que esse perdeu após o fim da guerra do pacífico e entre 2008, e, em
2014, o Peru e o Chile tiveram uma contenda na Corte Internacional de Justiça sobre a
definição de aguas nacionais para pesca.
A criação da UNASUL, porém, significa sem dúvida que foi possível chegar a um
denominador comum em mais de um componente das políticas externas dos diferentes países.
O nascimento da União de Nações Sul-Americanas pode ser entendido assim como o
surgimento de um espaço político advindo da estabilidade na região e que proporciona mais
estabilidade na mesma, mas sua importância não se esgota nesse quesito.
Ela também pode ser entendida como produto de um contexto de revisão dos
princípios diretivos da integração regional, incorporando diversas variáveis como aspectos
ligados ao social, ao político, a defesa territorial, a cultura e a geração de energia (BONO;
BORDAZAR, 201). Uma aproximação política com bases mais concretas propicia uma frente
de luta conjunta por interesses em comum, fortalecendo alianças e propiciando discussões em
níveis mais conceituais do agir político dentro e fora da América do Sul. O processo de
integração analisado entra no panorama de discussão por meio do espaço (integração física) e
dele vai se tornando mais independente, adentrando outras áreas que vão sendo aceitas como
de interesse comum.
A IIRSA acaba sendo absorvida em 2009 pelo Conselho Sul-americano de
Infraestrutura e Planejamento, demonstrando continuidade com o projeto de integração nessa
área. Questões culturais são discutidas, como o caso da declaração, aprovada em 2012, do
reconhecimento da mastigação da folha de coca como uma manifestação cultural. Assuntos
como as declarações da Coreia do Norte em 2010 e da síria em 2013 também foram ponto de
discussão.
Em 2011 temos a declaração do Compromisso da UNASUL Contra Desigualdade,
novamente reiterando a necessidade de discussões sobre políticas conjuntas para a região,
101

documento que mostra a preocupação com questões sociais. Nessa linha em 2012 tivemos as
declarações sobre doação voluntária de leite materno, desenvolvimento social, segurança
cidadã, justiça e coordenação de ações contra a delinquência organizada transnacional. No
mesmo ano é aprovado pelo Conselho de Chefes de Chefas de Estado o Estatuto Sul-
americano de Governo em Saúde.
Questões internacionais também foram discutidas e acordadas de um ponto de
vista regional. É o caso da questão das Malvinas (ou Ilha Falkland) que ainda está em
processo de análise dentro da ONU, ambiente onde a UNASUL defende tanto a continuidade
do processo pacífico de resolução de conflitos quanto a posse argentina da ilha. A disputa
entre Argentina e o Reino Unido tem importância estratégica para a América do Sul: pode se
constituir em intromissão europeia nos assuntos da região, tanto políticos quanto de defesa,
pois a ilha, localizada no sul da Argentina dá acesso àquilo que acontece na transição entre os
oceanos Atlântico e Pacifico. Nesse caso é um ponto estratégico de informação e certo
controle marítimo que em caso de conflito bélico pode até ser utilizado como ponto de apoio.
Esse quadro apresentado acima demonstra a importância geopolítica da UNASUL.
A questão das Malvinas, porém se constitui também em uma disputa pela
exploração econômica da área marítima, como prospecção de petróleo ou pesca de salmão.
Provavelmente esse é o ponto de maior importância nas discussões atuais sobre a ilha,
especialmente porque envolve a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), uma área marinha que se
estende entre 200 e 350 milhas marítimas que é de exploração exclusiva dos países com
fronteiras litorâneas, ou seja outros países podem trafegar, mas não explorar recursos naturais
(Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, 1982).
A democracia continua a ser um tema recorrente. Ela é reafirmada em 2010 com a
aprovação do Protocolo Adicional do Tratado Constitutivo da UNASUL sobre Compromisso
com a Democracia, ou seja, aprovaram-se normativas que lidam com a ruptura ou ameaça de
ruptura da ordem democrática. Na esteira dessa mesma questão, em 2012, há a incorporação
do Conselho Eleitoral da UNASUL e a aprovação do Estatuto, Critérios e Normas das
missões eleitorais. Há um trabalho conjunto dos poderes judiciários dos países membros para
chegar em concordância sobre normas jurídicas acerca da questão eleitoral. As missões
eleitorais foram e são ainda realizadas em casos de período eleitoral, acompanhando
atualmente o caso da Venezuela.
Na questão da participação cidadã em 2013 foram aprovadas as diretrizes de
funcionamento do Fórum de Participação Cidadã, constituído de espaços nacionais, instalados
de acordo com cada constituição dos países membros, onde se discutiria as questões dos
102

grupos da sociedade civil sobre a integração, gerando um relatório para ser discutido na
plenária do fórum em âmbito regional e assim levado à secretaria pro-tempore.
O fato de a proposta da ALCA e a NAFTA terem impulsionado uma reunião que
resultou na institucionalização de um projeto integracionista inovador na História da Política
Externa sul-americana mostra que a questão das conformações econômico-espaciais regionais
está no cerne da criação do espaço territorial e identitário da América do Sul: é uma resposta à
conjuntura. Levando em consideração a questão do contexto de globalização, muitos autores
colocam os processos de regionalização como uma consequência desse contexto e não como
uma oposição a ele:

Os blocos regionais surgem com uma resposta politicamente organizada à


globalização, buscando através de um compromisso formal entre diversos Estados,
assegurar uma maior estabilidade econômica e melhor inserção de seus integrantes
nesse novo cenário mundial.
Desta forma, a velina controvérsia sobre os méritos relativos do regionalismo e do
globalismo tornou-se crescentemente obsoleta, na medida em que as organizações
regionais atuais constituem um desdobramento natural da cooperação internacional,
compatível e até mesmo fundamental para o multilateralismo e para o sistema das
Nações Unidas (SENHORAS, 2010, p.3).

Enquanto processo de integração, a UNASUL se conforma de acordo com as


limitações que a conjuntura internacional e, em especial, a situação interna da maioria dos
países que a compõem. Seu surgimento foi um processo, como vimos, com disputas que vão
se constituindo a partir da capacidade de aproximação dos países sul-americanos e a forma
que essa proximidade pode desenvolver levando em consideração suas relações anteriores.
Tendo em conta tal processo não é surpreendente que a dimensão política tenha
sido mais expressa no Tratado Constitutivo e, por consequência, na instituição como um todo:
desde a Reunião dos Presidentes, passando pela CASA, o grupo de países nunca colocou
nesses encontros discussões comerciais. A UNASUL não tem essa função de atuação
econômica comercial, que fica muito a cargo da relação entre MERCOSUL e CAN e os
outros países associados, o que torna injusta a comparação de alguns críticos entre as
diferentes organizações internacionais de integração existentes na região. Esse
direcionamento político, porém, não quer dizer que a UNASUL não tenha uma dimensão
econômica:

Ao contrário, os objetivos econômicos estão diretamente ligados às iniciativas


políticas, voltadas para o reforço da autonomia dos países e de sua estabilidade
política. Ademais, a promoção de obras de infraestrutura, central desde a primeira
Reunião de Presidentes Sul-Americanos, tem como fim primeiro o desenvolvimento
econômico dos países por meio da articulação física entre eles (MEUNIER;
MEDEIROS, 2013, p. 686).
103

Dado o processo, também não é tão surpreendente que a UNASUL nasça com
personalidade jurídica, ou seja, capacidade de negociar com outros países e organizações.
Deisy Ventura e Camila Braldi (2008?) fazem uma comparação entre a rápida aquisição de
personalidade jurídica da UNASUL e a adquirida após três anos pelo MERCOSUL (o tempo
decorrido entre o Tratado de Assunção em 1991 e o Tratado de Ouro Preto em 1994). De fato,
se não levarmos em consideração o processo de integração, que vai desde de 2000 ou pelo
menos desde a instituição da CASA em 2004/2007 tal atribuição pode parecer repentina.
Além disso, o MERCOSUL foi o primeiro ensaio de uma parceria comercial multilateral entre
os países sul-americanos, não surpreende que tenha havido uma maior cautela: os processos
que permitiriam a continuidade da integração ainda estavam sendo discutidos.
Levando em consideração o passado das Políticas Brasileiras para com a América
do Sul e até mesmo da América do Sul para com ela mesma, a criação e permanência da
UNASUL é um marco para a História das Políticas Externas da região, essa organização tem
a capacidade institucional de ser de fato uma instituição regional internacional. Isso não quer
dizer que a União não apresente dificuldades, como o descrédito internacional, a ausência de
spillover e a mudança político-econômica de meados da década de 2010.
A questão da falta de credibilidade internacional paira muito sobre a existente
retorica acerca do discurso integracionista sem de fato haver a prática da integração
(MEUNIER; MEDEIROS, 2013), sobre a pulverização de esforços integrativos gerado pela
participação conjunta e mútua de diversas organizações; e sobre o padrão sistêmico da
resolução nacional de problemas, ou seja, a questão da autonomia nacional. Christopher
Sabatini coloca esse descredito a partir da “incapacidade técnica e incredibilidade política”
para lidar com a possibilidade de fraude eleitoral na Venezuela. A comissão da UNASUL
teria sido apenas espectadora da eleição de Maduro em 2013 ignorando prováveis atentados
aos Direitos humanos e as vaias e reclames sobre o ganho eleitoral do referido presidente. O
autor continua defendendo que esses multilateralismos fracos colocam a estabilidade da
Democracia e a preservação dos Direitos Humanos em risco por criarem espaços de atuação
sem poder real de gerência, e defende a OEA enquanto uma organização mais forte, pelo
menos nesse sentido (SABATINI, 2014).
O caso da ausência de Spillover é discutido por Tullo Vigevani, Gustavo Favron,
Haroldo Ramanzini Junior e Rodrigo Correia (2004), em seu estudo sobre o MERCOSUL. Os
autores chamam a atenção de que o processo integrativo não é estático e que a maioria dos
processos ou espalha para o resto da sociedade, partindo de áreas políticas e econômicas (o
104

chamado spillover) ou ele cessa de existir, porém no caso do MERCOSUL eles analisam que
nem houve spillover nem o fim do bloco. Poderíamos trazer essa observação para o caso do
processo de integração sul-americano partindo da CASA e para a UNASUL e daí a
preocupação mais acentuada desde o Documento Final de la Comisión Estratégica de
Reflexión (2006) com meios de inserir a “sociedade civil” no processo político da integração,
a posterior criação do Fórum de Participação Cidadã (2013) e o inicio de discussões sobre
uma cidadania sul-americana em 2012, apontada como um dos objetivos da UNASUL.
Dentro desse esforço de congregar a sociedade civil, em 2015 iniciou-se o Café UNASUL,
um programa de debates e espaço de convivência entre jovens estudantes de universidades e
colégios e a instituição representada pelo Secretário Geral.
A última dificuldade pode ser englobada em um cenário de baixa dos preços das
comodities e de crise econômica da balança comercial dos países da América do Sul que
acentuou a retomada do poder de partidos centro-direita na região101. Esses grupos parecem
estar mais a favor de uma retomada da integração no molde economicista de inícios da década
de 1990 com o enfoque no comércio e na autonomia nacional. Por um lado, (re)colocar os
projetos nesse molde permite a continuidade da integração, porém dificulta que ela atinja os
objetivos de aproximação social e política que começaram a se conformar em meados dos
anos 2000. A UNASUL, então, corre o risco de perder investimento e poder de atuação
política. Tais questões são válidas e pertinentes quanto aos problemas que a união terá que
lidar para continuar funcional. Porém:

Para além dos limites topográficos, uma região é forjada por vínculos que os
indivíduos desenvolvem com um determinado território, o que deriva de uma
história coletiva mas também de interações presentes, inclusive por meio de
instituições. Estas instituições prescrevem normas de comportamento e regulam
atividades, bem como frame the discourse (Schmidt, 2008:314): definem os limites
dentro dos quais determinados repertórios de ideias e interações discursivas serão
mais ou menos aceitáveis (MEUNIER; MEDEIROS, 2013, p. 675).

Os documentos normativos tanto efetuam quanto refletem um posicionamento


internacional, uma narrativa de um passado com um conceito de autonomia que são
socialmente construídas pelo processo de conformação do estado e de seus objetivos com
102
relação à política internacional (PINHEIRO, 2004) . A sua existência enquanto espaço de

101
Entre os quais podemos contar o Paraguai, a Argentina, o Brasil, e o Peru.
102
Leticia Pinheiro (2004) discute a construção social do conceito de desenvolvimento e da autonomia pelas
elites diplomáticas brasileiras, muitas vezes isoladas das mudanças governamentais existentes, fator que
contribuiu para certa manutenção dessas duas diretivas da PEB. Dessa forma os conceitos de autonomia, passado
e lugar no sistema internacional podem ser entendidos como construídos socialmente para a América do Sul, se
fizermos um paralelo partindo do estudo das fontes trabalhadas na presente monografia.
105

discussão, estudos e difusão do processo de integração pode influenciar nos rumos que a
integração sul-americana pode seguir, tanto para sua efetivação (cenário no qual teríamos uma
identidade sul-americana construída e consolidada) como para seu fim (cenário que
representaria o fim de esforços políticos para manter os espaços de integração existentes). Por
isso a noção de Carr (1981) de que somos todos atores no campo da política externa, se esse
campo afeta a nossa vida, devemos fazer parte do seu processo de construção.
A validade da UNASUL está na sua existência política e burocrática, em ser um
espaço que discute o território sul-americano e sua integração, que propões estudos e gera
políticas, em ser um espaço de atuação, de inserção e de voz dos países que a compõem. Essa
instituição se constitui em um esforço de manter canais abertos sobre debates diversos e de
colocar em movimento uma identificação regional na política, na economia e nas questões
sociais, como cidadania, saúde, segurança e educação. A força da UNASUL nesse novo
cenário político econômico de incerteza quanto ao direcionamento dos processos de
integração é sem dúvida a multiplicidade dos seus temas, que poderia gerar direcionamento da
instituição para fins mais políticos que sociais, mas não o esvaziamento de seus projetos. Ela
é, então, um local importante de exercer, ou pelo menos procurar exercer dentro dos limites
da conjuntura econômica e política internacional, certo grau de autonomia política.
Conceitualmente, para a América Latina, autonomia “corresponde à capacidade de
definir uma política externa sem a imposição de restrições por parte dos mais poderosos”, de
forma que um Estado pode ou não possuí-la e essa condição levaria a total dependência (ou
alinhamento), ou a total autonomia (CADETE, 20015, p 10).
Para a região esse conceito vai se delineando desde a independência das colônias,
provavelmente pelo caráter de imposição das políticas coloniais. No século XIX temos os
EUA com suas políticas para a América Latina e a clara influência do país norte americano
em outros países independentes, em especial no caribe. Isso modifica para a América Latina o
significado tradicional do conceito de autonomia que se vincula ao de soberania, ou seja, ao
reconhecimento dos Estados como partes iguais na ordem internacional anárquica e assim
capazes de apenas eles terem gestão sobre seu próprio território, então o conceito de
autonomia tradicionalmente se vincula mais a uma capacidade interna dos Estados do que
necessariamente a posições e ações no âmbito internacional103 (CADETE, 20015). Na década

103
Vale lembrar que a questão da autonomia para política europeia se deu na Paz de Westefália em 1648. Foi um
consenso entre os países para concordar que em cada território mandava seu Rei ou Soberano e assim, dentro
desse espaço teriam eles, de forma independente, monopólio na criação de suas próprias leis, sendo cada lei
válida dentro do respectivo território. Dessa independência viria autonomia para escolher em que tratados seriam
parte, tornando as leis de tal acordo válidos nos reinos dele partícipe.
106

de 1970, a questão da autonomia cresce em importância para a América Latina, foi um


período de ufanismos para a região, o que levava à visão de valorização da atuação e o
suposto poder nacional. Exemplo disso é a “diplomacia do Interesse Nacional” de Médici no
Brasil. A UNASUL, como outros processos de integração como o Mercosul e CAN, aparece
como esforço de exercício de autonomia, mesmo que com enfoques diferentes (comercial
versus o social), dentro de uma conjuntura internacional e nacional da região. Acredito que, a
UNASUL tenha um caráter inovador tanto no propósito, enquanto espaço de concerto político
e de esforço para ampliar a integração sul-americana, representativa do momento de
regionalismo pós-liberal, porém sua utilidade ultrapassa o desgaste desse modelo no momento
atual.
No caso particular do Brasil, a UNASUL se constitui em uma oportunidade de
atingir o potencial territorial da nossa política externa, historicamente direcionada para o
atlântico ou focada na região platina, mas que tem em comum todo o sub-continente. Esse
potencial de temas em comum com praticamente todos os países da América do sul é uma
singularidade brasileira na região, temos um território que permite atuação internacional
desde a bacia do rio da prata, até à Amazônia, uma economia diversificada com potencial para
se integrar à região. A UNISUL é um meio para realizar essa potencialidade.
Ela também é reflexo da geopolítica estratégica do governo brasileiro que depois
do governo FHC passou a “considerar a ‘América do Sul’ seu nicho estratégico, abrindo mão
de uma política ‘latino-americana’” (DA SILVA, 2014, p.167).

A Unasul consolidou o projeto do Brasil de garantir para a região poder de


coordenação política em momentos de crise, capaz de evitar a interferência de outras
potências em assuntos da América do Sul, em especial dos Estados Unidos.
Contribui para essa interpretação a criação, no âmbito dessa instituição, do Conselho
de Defesa Sul-Americano (CDS), que reúne os ministros de Defesa dos 12 países em
busca de debater e solucionar questões ligadas ao tema e que tenham interesse
regional (SILVA, 2013 p. 177).

Ainda analisando o contexto de criação da instituição para a Política Externa


Brasileira, vale salientar que a UNASUL não foi a única a qual o Brasil se inseriu, inclusive
como membro fundador. Durante o governo Lula, Francisco Carlos Teixeira fala de um novo
protagonismo brasileiro, que, legitimado por uma política nacional de desenvolvimento com
amplos programas de distribuição de renda, buscou uma ação internacional mais ativa e
propositiva, colocando-se em posições de vantagens mais competitivas para o seus pleitos e
objetivos (TEIXEIRA, 2014). Expressão do sucesso dessa política seria a participação do
107

Brasil no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), grupo dos principais países
emergentes, as repetidas vitórias em disputas na OMC; a liderança no G-20 comercial
também dentro da Organização Mundial do Comércio, a participação no G-20 financeiro, a
liderança na formação em 2004 no G-4 para a reforma do Conselho de Segurança da ONU
(CSNU) e a criação do IBAS (Cooperação Índia, Brasil e África do Sul), todos esses
mecanismos multilaterais de diálogos foram criados na mesma época que a UNASUL (ibid.).
Nessa mesma esteira, ainda tivemos a escolha do Rio de Janeiro para sede dos Jogos
Olímpicos de 2016 e do Brasil como sede Copa do Mundo de Futebol em 2014; componentes
que atestaram o novo prestígio internacional do Brasil na busca de reconhecimento do país
como um Estado novo, eficiente e pacífico, (ibid.).
Francisco Doratioto e Carlos Vidigal (2015), porém, comparam esse momento, de
suposto reconhecimento internacional do Brasil, em especial seu pleito de se inserir como
membro permanente no CSNU, à política externa brasileira na década de 1920 intitulada de
“ilusão de poder” (CERVO; BUENO, 2008). Nessa década o Brasil iniciou o pleito de entrada
como membro permanente do Conselho Executivo da Liga das Nações que, recusada sua
entrada, levou, em 1926, à saída voluntária do Brasil e o veto do mesmo para a entrada da
Alemanha na posição almejada pelo nosso país.
O período da era Lula seria então uma ilusão da mudança do posicionamento
brasileiro no ambiente internacional:

O governo Lula, nesse sentido, avançou em um processo definido nos governos


anteriores, acelerou a alavancagem do capitalismo brasileiro, articulou empresários e
Estado, mas não mudou o lugar do Brasil na economia mundial. A hipótese é que o
Brasil tenha dado alguns passos em direção às economias desenvolvidas, mas como
essas avançaram no mesmo ritmo, ou mais rapidamente em termos tecnológicos e no
desenvolvimento de produtos e serviços, o país não alterou de forma substancial sua
posição relativa. Nesse processo que colocou o Brasil em posição de maior destaque,
as forças econômicas e políticas internacionais tiveram maior influência que o
protagonismo de Lula ou Fernando Henrique (DORATIOTO; VIDIGAL, 2015, p.
128).

Ilusões de poder a parte, a UNASUL ainda constitui local de projeção para a


política brasileira acerca da integração regional e ambiente de concerto político onde
prevalece o fortalecimento de pleitos comuns entre os países membros em outros espaços
multilaterais. Não é uma instituição que esteja se esvaziando de atribuições e por isso deve ser
considerada dentro da Política Externa regional como membro importante do conjunto de
processos de integração.
108

LISTA DE FONTES

Documentos sul-americanos:

COMUNICADO de Brasília (Comunicado de Brasília). I Reunião dos Presidentes Sul-


Americanos de 31 de agosto 2000 - 01 de setembro 2000, Brasilia, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/comunicado_brasilia_esp.pdf>.
Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN de los Presidentes (Declaração dos Presidentes) I Reunião dos


Presidentes Sul-Americanos de 31 de agosto 2000 - 01 de setembro 2000, Brasilia, Brasil.
Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia2000_declarac
ion_de_los_presidentes.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN de apoyo al proceso de paz en Colombia (Declaração de apoio ao


processo de paz na Colômbia). I Reunião dos Presidentes Sul-Americanos de 31 de agosto
2000 - 01 de setembro 2000, Brasilia, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/declaracion_de_apoyo_al_proce
so_de_paz_en_colombia.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACION sobre las Malvinas (Declaração sobre Malvinas). I Reunião dos


Presidentes Sul-Americanos de 31 de agosto 2000 - 01 de setembro 2000, Brasilia, Brasil.
Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/declaracion_%20sobre_malvinas
.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

LA CONTRIBUCIÓN del Banco Interamericano de Desarrollo a la integración física


de América del Sur (A contribuição do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a
integração física da América do Sul). I Reunião dos Presidentes Sul-Americanos de 31de
agosto 2000 - 01 setembro 2000, Brasilia, Brasil. Disponível
em:<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia2000_contribucio
n_bid_infraestructura.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

VÍAS para la Integración (Caminhos para a Integração). I Reunião dos Presidentes


Sul-Americanos de 31de agosto 2000 - 01 setembro 2000, Brasilia, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/vias_para_la_integracion_2000.
pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

CONSENSO de Guayaquil sobre Integración, Seguridad y Infraestructura para el


Desarrollo (Consenso de Guayaquil sobre Integração, Segurança e Infraestrutura para o
Desenvolvimento). ). II Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 26 – 27 de julho de 2002,
Guayaquil, Equador. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_consenso_de_guayaquil.pdf
>. Acessado em: 05 jun. 2015.

ANEXO I al Consenso de Guayaquil – Autoridades de Organismos Internacionales


(Anexo I ao Consenso de Guayaquil – Autoridades de Organizações Internacionais. ). II
Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 26 – 27 de julho de 2002, Guayaquil, Equador.
Disponível em:
109

<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_anexo1_autoridades.pdf>.
Acessado em: 05 jun. 2015.

ANEXO II al Consenso de Guayaquil – Declaración sobre Zona de Paz Sudamericana


(Anexo II ao Consenso de Guayaquil – Declaração sobre Zona de Paz Sul-americana). ). II
Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 26 – 27 de julho de 2002, Guayaquil, Equador.
Disponível
em:<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_anexo2_declaracion_sobr
e_zona_de_paz_sudamericana.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

ANEXO III al Consenso de Guayaquil – Informe del Comité de Coordinación


Técnica CCT (Anexo III ao ao Consenso de Guayaquil – Informe do Comitê de Coordenação
Técnoca CCT) ). II Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 26 – 27 de julho de 2002,
Guayaquil, Equador. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_anexo3_informe_comite_coo
rdinacion_tecnica.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

ANEXO IV al Consenso de Guayaquil – Declaración Presidencial relativa a la


Cumbre Mundial sobre el Desarrollo Sostenible (Anexo III ao Consenso de Guayaquil –
Declaração Presidencial relativa à Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável). II
Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 26 – 27 de julho de 2002, Guayaquil, Equador.
Disponível
em:<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_anexo4_declaracion_pres
idencial_%20cumbre_mundial_sobre_desarrollo_sostenible.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN del Cusco sobre la Comunidad Sudamericana de Naciones


(Declaração de Cusco Sobre a Comunidade Sul-americana de Nações). III Reunião de
Presidentes Sul-Americanos de 07 - 09 de dezembro de 2004, Cusco, Peru. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/oe_cusco04_declaracion_del_cu
sco.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN de Ayacucho (Declaração de Ayacucho). III Reunião de Presidentes


Sul-Americanos de 07 - 09 de dezembro de 2004, Cusco, Peru. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/oe_cusco04_declaracion_de_aya
cucho.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

MEMORANDUM de Entendimiento de Cooperación Técnica para Exportación por


Envíos Postales para Pymes entre los gobiernos de Brasil y Perú (Memorando de
Entendimento e Cooperação Técnica para Exportação por Envios Postais para Pequenas e
Médias Empresas entre os governos do Brasil e do Peru). III Reunião de Presidentes Sul-
Americanos de 07 - 09 de dezembro de 2004, Cusco, Peru. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/oe_cusco04_memorandum_envi
os_postales.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

PROTOCOLO de Intenciones sobre Roaming Internacional entre los gobiernos de


Brasil y Perú (Protocolo de Intensões sobre Roaming Internacional entre os governos do
Brasil e do Peru). III Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 07 - 09 de dezembro de
2004, Cusco, Peru. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/oe_cusco04_protocolo_de_inten
ciones_sobre_roaming.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.
110

MEMORANDO de Entendimiento entre Perú y la CAF (Memorando de Entendimento


entre Pery e a CAF). III Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 07 - 09 de dezembro de
2004, Cusco, Peru. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/oe_cusco04_memorando_de_ent
endimiento_peru_caf.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

COMUNICADO Conjunto Perú-Brasil (Comunicado Cojunto Peru-Brasil). III


Reunião de Presidentes Sul-Americanos de 07 - 09 de dezembro de 2004, Cusco, Peru.
Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/oe_cusco04_comunicado_conju
nto_peru_brasil.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN Presidencial y Agenda Prioritaria (Declaração Presidencial e


Agenda Prioritária), também reconhecido como Declaração de Brasília. I Reunião de Chefes
de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) de 29 – 30 de setembro de
2005, Brasília, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia05_csn_declaracion_p
residencial_y_agenda_prioritaria.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN sobre Integración en el Área de Infraestructura (Declaração sobre


Integração em Área de Infraestrutura). I Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-
Americana de Nações (CASA) de 29 – 30 de setembro de 2005, Brasília, Brasil. Disponível
em:<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia05_csn_declaracio
n_sobre_integracion_en_%20area_de_infraestructura.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN sobre la Convergencia de los Procesos de Integración en América


del Sur (Declaração sobre a Convergência dos Processos de Integração da América do Sul). I
Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) de 29 – 30
de setembro de 2005, Brasília, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia05_declaracion_conv
ergencia_%20procesos_integracion.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN de Caracas en el Marco de la I Reunión de Ministros de Energía de


la CASA. (Declaração de Caracas no marco da I Reunião de Ministros de Energia da CASA).
I Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) de 29 – 30
de setembro de 2005, Brasília, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia05_csn_declaraci%C3
%B3n_de_caracas.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN de Seguridad Ciudadana en Sudamérica (Declaração de Segurança


Cidadã na América do Sul). I Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de
Nações (CASA) de 29 – 30 de setembro de 2005, Brasília, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia05_csn_declaracion_s
eguridad_ciudadana_en_sudam%C3%A9rica.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN sobre la Cumbre Comunidad Sudamericana de Naciones / Unión


Africana (Declaração sobre a Cúpula CASA/União Africana). I Reunião de Chefes de Estado
da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) de 29 – 30 de setembro de 2005, Brasília,
Brasil. Disponível em:
111

<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia05_csn_decl_sudaf.pd
f>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACÓN sobre el Seguimiento de la Cumbre América del Sur/Países Árabes


(Declaração sobre a Continuidade da Cúpula América do Sul/Países Árabes). I Reunião de
Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) de 29 – 30 de setembro
de 2005, Brasília, Brasil. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia05_csn_declaracion_s
eguimiento_de_la_cumbre_america_del_sur_paises_arabes.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECISIÓN sobre la Creación de la Comisión Estratégica de Reflexión sobre el


Proceso de Integración Sudamericano (Decisão da Criação da Comissão Estratégica de
Reflexão sobre o Processo de Integração Sul-americano). Sessão Extraordinária da Reunião
de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, 9 de dezembro de 2005,
Montevideo, Uruguai. Disponível em: <http://www.isags-
unasur.org/it_biblioteca.php?cat=1&lg=1&bb=582>. Acessado em: 17 fev. 2016.

DOCUMENTO FINAL de la Comisión Estratégica de Reflexión: Un Nuevo Modelo


de Integración de América del Sur - Hacia la Unión Sudamericana de Naciones (Documento
Final da Comissão Estratégica de Reflexão: Um Novo Modelo de Integração da América do
Sul – Em Direção à União Sul-americana de Nações. II Reunião de Chefes de Estado da
CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006, Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_docume
nto_final_comision_estrategica_de_reflexion.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

DECLARACIÓN de Cochabamba: Colocando la Piedra Fundamental para una Unión


Sudamericana (Declaração de Cochabamba: Colocando a Pedra Fundamental para uma União
Sul-americana). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006,
Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_declarac
ion_de_cochabamba.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

NOTA presidencial: El Rol de los bosques en el desarrollo sostenible y estabilidad


climática (O Papel dos Bosques para o desenvolvimento sustentável e para a estabilidade
climática). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006,
Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_el_rol_d
e_los_bosques_en_el_desarrollo_sostenible_y_estabilidad_climatica.pdf>. Acessado em: 05
jun. 2015.

NOTA presidencial: Integración Energética Sudamericana (Integração Energética Sul-


Americana). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006,
Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_integraci
on_energetica_sudamericana.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

NOTA presidencial: Llamado para la Constitución de un Espacio Parlamentario


Sudamericano (Chamado para a Constituição de um Espaço Parlamentar Sul-americano). II
Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006, Cochabamba,
Bolívia. Disponível em:
112

<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_llamado
_para_la_constitucion_de_un_espacio_parlamentario_sudamericano.pdf>. Acessado em: 05
jun. 2015.

DECLARACIÓN de los Derechos de los Pueblos Indígenas de la Organización de


Naciones Unidas (Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU). II Reunião de
Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006, Cochabamba, Bolívia.
Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_declarac
ion_derechos_de_pueblos_indigenas_de_naciones_unidas.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

NOTA presidencial: Hacia la Construcción de una Política y Agenda Regional en


Materia de Salud (Em direção à Construção de uma Política e Agenda Regional em Matéria
de Saúde). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006,
Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_hacia_la
_construccion_de_una_politica_y_agenda_regional_en_materia_de_salud.pdf>. Acessado em:
05 jun. 2015.

NOTA presidencial: El Desarrollo Social y Humano Incluyente como uno de los Ejes
de la Comunidad Sudamericana de Naciones (O Desenvolvimento Social e Humano como um
dos Eixos da CASA). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de
2006, Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_desarroll
o_social_y_humano_incluyente_%20como_uno_de_los_ejes_de_la_%20csn.pdf>. Acessado
em: 05 jun. 2015.

NOTA presidencial: Alivio de la Deuda con el Banco Interamericano de Desarrollo


(Alívio da Dívida com o BID). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de
dezembro de 2006, Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_alivio_d
e_la_deuda_con_el_bid.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

NOTA presidencial: Integración Física Sudamericana (Integração Física Sul-


americana). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006,
Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_integraci
on_fisica_sudamericana.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

NOTA presidencial: Integración Educativa Sudamericana (Integração Sul-americana


da Área da Educação). II Reunião de Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de
2006, Cochabamba, Bolívia. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_integraci
on_educativa_sudamericana.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

NOTA presidencial: Cuestión de Malvinas (Questão das Malvinas). II Reunião de


Chefes de Estado da CASA, de 08 – 09 de dezembro de 2006, Cochabamba, Bolívia.
Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_cochabamba06_csn_cuestion
_de_las_malvinas.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.
113

DECLARACIÓN de Margarita (Declaração da Ilha Margarida). I Cúpula Energética


Sul-americana de 16 -17 de abril de 2007, Isla Margarita, Venezuela. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/declaraci%C3%B3n_de_margari
ta.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

TRATADO Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas. I Reunião do Conselho


de Chefes e Chefas de Estado da UNASUL, em 23 de maio de 2008, Brasilia, Brasil.
Disponível
em:<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/rp_brasilia08_cumbre_unasu
r_tratado_constitutivo.pdf>. Acessado em: 05 jun. 2015.

Outros documentos:

CARTA das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Conferência


das Nações Unidas sobre Organização Internacional, 26 de junho de 1945. Rio de Janeiro:
Centro de informação das Nações Unidas, 2008.

CARTA Democrática Interamericana ou Carta Democrática de Lima (2001).


Aprovada na primeira sessão plenária da OEA em 2001. Disponível em:
<http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm>. Acesso em: 10
julho 2017.

CONVENÇÂO das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Disponível em:


http://www.iea.usp.br/noticias/documentos/convencao-onu-mar>. Acesso em: 20 fev. 2017.
114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIACAS:

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Discursos e Pronunciamentos: A


dimensão retórica da historiografia. In: O Historiador e suas fontes. PINSKY, Carla
Bassanezi; DE LUCA, Tânia Regina. (Org). São Paulo: Contexto, 2009.

ALEIXO, José Carlos Brandi. O Brasil e o Congresso Anfictiônico do Panamá. Rev.


bras. polít. int., Brasília, v.43, n.2, p.170-191, Dec.2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292000000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 jun. 2017.

ALMEIDA, Paulo Roberto de. A falência da AOD. [S.L : s.n] 2010. Disponível em :
<http://economia.ig.com.br/falencia-da-assistencia-oficial-ao-
desenvolvimento/n1237604726706.html>. Acessado em: 24 fev. 2016.

ANGEL, Norman. A grande Ilusão. Brasília: Unb/IPRI, 2002.

ARAÚJO, Rafael Pinheiro de. Revolução, Bicentenário e Aocialismo do século XXI:


a comparação entre Bolívia, Equador e Venezuela. In: LAPSKY, Igor; SCHRUSTER, Karl;
DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira (Org.). Instituições na América Latina: caminhos da
integração. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013, p. 283-352.

ARAUJO, Rafael. A Presença do Brasil na América do Sul: integração regional e


política externa brasileira em debate. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXVI,
2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História –ANPUH, São Paulo, julho
2011 Disponível em:
<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1299684839_ARQUIVO_ApresencadoB
rasilnaAmericadoSul-integracaoregionalepoliticaexternabrasileiraemdebate-ANPUHSP.pdf>.
Acessado em: 20 jun. 2017.

BATISTA, Ian Rebouças. A ALBA e o Modelo pós-hegemônico de Integração


Regional. In: Seminário Nacional de Sociologia da UFS, I, 2016, Sergipe. Anais do I
Seminário Nacional de Sociologia da UFS. p. 1074-1090. Disponível em:
<http://seer.ufs.br/index.php/snsufs/article/viewFile/6097/5109>. Acesso em: 30 nov. 2016.

BATISTA JR., Paulo Nogueira. Argentina: uma crise paradigmática. Estudos


Avançados, São Paulo , v. 16, n. 44, p. 83-96, Apr. 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142002000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 nov. 2016.

BETHEL, Leslie; ROXBOROUGH, Ian. América Latina entre a Segunda Guerra


Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

BONO, Laura M; BORDAZAR, Laura Bogado. Los Modelos de Integración por


Infraestructura en la Region Sudamericana. In: LAPSKY, Igor; SCHRUSTER, Karl; DA
SILVA, Francisco Carlos Teixeira (Org.). Instituições na América Latina: caminhos da
integração. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.
115

BUENO, Clodoaldo. O Barão do Rio Branco no Itamaraty (1902-1912). Rev. bras.


polít. int., Brasília, v.55, n.2, p.170-189, Dec.2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292012000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 04 nov. 2016.

BUENO, Clodoaldo; RAMANZINI JR, Haroldo; VIGEVANI, Tullo. Uma Perspectiva


de Longo Período sobre a Integração Latino-americana Vista pelo Brasil. Contexto
Internacional, Rio de Janeiro, vol. 36, no2, julho/dezembro 2014, p. 549-583. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cint/v36n2/0102-8529-cint-36-02-0549.pdf>. Acesso em: 24 mar.
de 2017.

BUENO, Clodoaldo; CERVO, Amado L. História da Política Exterior do Brasil. São


Paulo: Ática, 1992

BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Brasília: Editora UnB/IPRI, 2002.

CANDEAS, Alessandro Warley. Relações Brasil-Argentina: uma análise dos avanços


e recuos. Rev. bras. polít. int., Brasília , v. 48, n. 1, p. 178-213, junho 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292005000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 05 nov. 2016.

CARDOSO, Eliel Waldvogel. Construção da Confiança na América latina: do Grupo


de Contadora ao Gripo do Rio (1985-1990). Revista Eletronica da ANPHLAC, no 15, p. 282-
306, jul-dez 2013. Disponível em: <http://revistas.fflch.usp.br/anphlac/article/view/1442>.
Acesso em: 20 jun. 2017.

CARR, Edgar H. Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Brasília: Editora UnB/IPRI, 1981.

CARVALHO, Adilson Santana de. A evolução política brasileira de integração: do


Mercosul à Unasul. 2009. 74f. TCC (Graduação em Relações Interrnacionais) - Instituto de
relações Internacionais, Universidade de Brasilia, Brasília, 2009. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/unasul/mono_carvalho_unasul.pdf>. Acessado em: 2
fev. 2016.

CASTRO, Thales. Teoria das Relações Internacionais. Brasília: FUNAG, 2012, 580p.

CERTAU, Michel de. A escrita da historia. Rio de Janeiro : Forense Universitária,


1982.

CERVO, Amado Luiz. Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros.


São Paulo: Saraiva, 2008.

___________________. A Dimensão Internacional e Regional da Independência. In:


CERVO, Amado Luiz; RAPORT, Mario (Org.). História do Cone Sul. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Revan, 2015, p. 76 – 115.

CERVO, Amado Luiz; RAPORT, Mario (Org.). História do Cone Sul. 2ª edição. Rio
de Janeiro: Revan, 2015.
116

CHAVES, Daniel Santiago. Integração Física e Política no Tempo Presente Sul-


americano. LAPSKY, Igor; SCHRUSTER, Karl; DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira
(Org.). Instituições na América Latina: caminhos da integração. Rio de Janeiro: Mauad X,
2013.

CONDURU, Guilherme Frazão. O subsistema americano, Rio Branco e o ABC. Rev.


bras. polít. int., Brasília, v.41, n.2, p.59-82, Dec.1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73291998000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 nov. 2016.

CRUZ, Paula Chaves. O caráter intragovernamental do MERCOSUL em face da


supranacionalidade da União Europeia. [S.L : s.n], 2010. Disponível em:
https://unieducar.org.br/artigos/O%20CARATER%20INTERGOVERNAMENTAL%20DO
%20MERCOSUL.pdf>. Acesso em 04 nov. 2016

D´ARAUJO, Maria Celina. Densidade Democrática e Instabilidade na


Redemocratização Latino-Americana. In: FICO, Carlos. et al. Ditadura e Democracia na
América Latina: balanço histórico e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.

DORATIOTO, Francisco. A política platina do Barão do Rio Branco. Rev. Bras. Polít.
Int. Brasília, v.43 n.2. p.130-149, 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v43n2/v43n2a06.pdf>. Acesso em: 04 Novembro 2016.

DORATIOTO, Francisco; VIDIGAL. Carlos Eduardo. História das Relações


Internacionais do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

ELNER, Steve. Venezuela. In: BETHEL, Leslie; ROXBOROUGH, Ian. América


Latina entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

FERRES. Virginia Perez. A Solução do Conflito de Itaipu como Início da Cooperação


Política Argentino-Brasileira na década de 80. Proj. História, São Paulo, v.29 tomo 2, p.661-
672, dez.2004. Disponível em:
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact
=8&ved=0ahUKEwiGof745f_RAhWBGpAKHeW-
Du8QFggdMAA&url=http%3A%2F%2Frevistas.pucsp.br%2Findex.php%2Frevph%2Farticl
e%2Fdownload%2F9989%2F7422&usg=AFQjCNGCrF7fzUE7YaVtjYx771RHaE2e0g&bv
m=bv.146094739,d.Y2I>. Acesso em: 20 jun. 2017.

FIORI, José Luiz. Globalização, hegemonia e império. In: TAVARES, Maria da


Conceição; FIORI, José Luiz (Org.). Poder e Dinheiro: uma economia política da
globalização. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.

FONSECA JR, Gelson. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. 2.ed. São


Paulo: Paz e Terra, 1998).

FRANCO, Alvaro da Costa. (Org.) Documentos da política externa independente. Rio


de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2008. Disponível em: <http://funag.gov.br/loja/download/500-
Documentos_da_PolItica_Externa_Independente_-_Vol_II.pdf#page=295&zoom=auto,-
175,577> acessado por último em 20 de fev. 2017
117

GARCIA, Eugênio Vargas. Projeto de pacto do abc de 1909. Rio de Janeiro: FGV –
CPDOC, [201-]. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/PROJETO%20DE%20PACTO%20DO%20ABC%20(1909).pdf.> Acesso em: 4
Novembro 2016.

______________________. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil. Rio de


Janeiro: Contraponto Editora, 2005.

GIAMBIAGI, Fábio. Estabilização, Reformas e Desequilíbrios Macroeconomicos: os


Anos FHC; Rompendo com a Ruptura: o Governo Lula (2003-2010). In: GIAMBIAGI,
Fábio. et al. (Org). Economia Brasileira Contemporânea: 1945 – 2010. 2ª Edição. Rio de
Janiero: Elsévier, 2011.

GIAMBIAGI, Fábio. et al. (Org). Economia Brasileira Contemporânea: 1945 – 2010.


2ª Edição. Rio de Janiero: Elsévier, 2011.

GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003.

HAESBAERT, Rogério. A (Des)ordem Mundial, os Novos Blocos de Poder e o


Sentido da Crise. São Paulo: Terra livre-AGB, no 9, julho-dezembro de 199, p. 103-128.

HAINES, Andrés Ferrari. A Economia Argentina dos anos 90: Reformas Estruturais e
Lei de Conversibilidade. 1998. 157f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de
Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,1998.

HAKIM, Peter. O Brasil em ascensão: os desafios e as escolhas de uma potência


global emergente. Política Externa, São Paulo, v. 19, n.1, p. 43-53, junho-agosto 2010.

HEREDIA, Edmundo A. O Cone Sul e a América Latina. In: CERVO, Amado Luiz;
RAPORT, Mario (Org.). História do Cone Sul. 2ª edição. Rio de Janeiro: Revan, 2015.p. 118
– 160.

HOBSAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.

_______________. A Era das Revoluções: Europa 1789 – 1848. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2007.

HOFFMAN, Andrea Ribeiro; COUTINHO, Marcelo; KFURRI, Regina. Indicadores e


Análise Multidimensional do Processo de Integração do Cone Sul. Rev. Brasileira de Política
Internacional. Brasília, v.51 n.2. p: 98-116, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v51n2/v51n2a07.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017.

JENKINS, Rhys. The “China effect” on commodity prices and latin american export
earnings. Cepal Review, v.103, p.73- 87, abril 2011. Disponível em:
<http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/11471/103073087I_en.pdf>. Acessado
em: 08 out. 2016.
118

KESSLER, Timothy. A Quebra do Peso Mexicano: Causas, Consequências e


Recuperação. Revista de Economia Política, São Paulo, v.21, n.3 (83), p. 121-145, julho-
setembro de 2001. Disponível em: <http://www.rep.org.br/PDF/83-7.PDF>. Acesso em 08
out. 2016.

LAPSKY, Igor. Conflitos, Rivalidades e Integração Sul-americana.In: LAPSKY, Igor;


SCHRUSTER, Karl; DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira (Org.). Instituições na América
Latina: caminhos da integração. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.

LAPSKY, Igor; SCHRUSTER, Karl; DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira (Org.).


Instituições na América Latina: caminhos da integração. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.

LEGRO, Jeffrey W; MORAVCSIK, Andrew. Is Anybody Still a Realist?


International Security, Massachusetts, v. 24, n2, p. 5-55, fall-1999.

MANCCINI, Giulia. Cooperação Internacional para o Desenvolvimento:


Mecanismos, História e Eficácia. [S.L : s.n] 2013. Disponível em:
<http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/coopera%C3%A7%C3%A3o-internacional-para-o-
desenvolvimento-mecanismos-hist%C3%B3ria-e-efic%C3%A1cia>. Acesso em: 20 mai.
2016.

MARCHIORO, Kelvin. Propostas e Grupos da Reforma do Conselho de Segurança


das Nações Unidas. [S.L : s.n] 20014. Disponível em: <
http://www.humanas.ufpr.br/portal/conjunturaglobal/files/2014/03/Propostas-e-grupos-da-
reforma-do-Conselho-de-Seguran%C3%A7a-das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas.pdf>.
Acesso em: 23 out. 2015.

MEUNIER, Isabel e MEDEIROS, Marcelo de Almeida. Construindo a América do


Sul: Identidade e interesses na formação discursiva da UNASUL. DADOS – Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 56, n3, p.673-712, 2013.

MIRANDA, Mário Angelo Brandão de Oliveira. As Significações e Usos do Conceito


de Democracia no Ambiente Político Sul-americano Atual e sua Relevância no Contexto da
Integração Regional. In: LAPSKY, Igor; SCHRUSTER, Karl; DA SILVA, Francisco Carlos
Teixeira (Org.). Instituições na América Latina: caminhos da integração. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2013.

MONÇÂO, Bruno André; BASTOS, Luciana Aparecida; DIAS, Ricardina. Avaliação


dos Reflexos da Crise Mexicana nas Economias Membros do MERCOSUL: 1994 a 1997. In:
ENCOTNTRO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA, VI, 2011, Campo
Mourão. Anais da VI EPCT. Campo Mourão: Faculdade Estadual de Ciências e Letras de
Campo Mourão, 2011. Disponível em:
<http://www.fecilcam.br/nupem/anais_vi_epct/PDF/ciencias_sociais/09.pdf>. Acesso em 08
out. 2016.

MORGENTHAU, Hans. Política entre as Nações. São Paulo: Imprensa Oficial do


Estado de São Paulo-Edtora Universidade de Brasília /IPRI, 2003.
119

NITSCHBRESSAN, Regiane; LUCIANO, Bruno Theodoro; SIRI, Angel Alberto Castillo. O


Futuro Bolivariano: Desafios Contemporâneos e Limites Institucionais da ALBA. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ABRI, 5º, 2015, Belo Horizonte. Anais do V Encontro
Nacional da Associação Brasileira de Reçlações Internacionais – Análise de Plítica Externa.
Disponível em:
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=7&cad=rja&uact
=8&ved=0ahUKEwiW0eLEwIjSAhXCGZAKHfjUBk8QFghIMAY&url=http%3A%2F%2F
www.encontronacional2015.abri.org.br%2Farquivo%2Fdownloadpublic%3Fq%3DYToyOntz
OjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjQ3NDgiO30i
O3M6MToiaCI7czozMjoiNjJkZjIzYzUzZTExNGM0OWNkMmRhY2QwNWFhNDc4OGEi
O30%253D&usg=AFQjCNECPdBLOcgknPV9AeX2zpZ1HAFpQw>. Acessado em: 28 out.
2016.

PEREIRA, Wesley Robert. Histórico da OMC: Construção e Evolução do Sistema


Multilateral de Comércio. Conjuntura Internacional, Belo Horizonte: PUC editora, 2005.
Disponível em: <https://geovest.files.wordpress.com/2015/05/histc3b3rico-da-omc.pdf>.
Acesso em 10 dez. 2016.

PINHEIRO, Leticia de Abreu. Política Externa Brasileira: Descobrindo o Brasil. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.

PROST, Antoine. Como a História faz o Historiador? Porto Alegre: Anos 90, no14,
dezembro de 2000.

______________. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

REIS, Daniel Arão (Coord.). História do Brasil Nação vol.5: Modernização, Ditadura
e Democracia. 19964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

RÉMOND, René. Introdução à história de nosso tempo vol. 2: O século XIX (1815 –
1914). São Paulo: Cultrix, 1997.

RIGGIOZI, Pia. Reconstructing Regionalism: what does development have to do with


it? In: RIGGIOZI, Pia; TUSSIE, Diana. (Org.). Post-Hegemonic Regionalism: The case of
Latin America. Springer Science and Busines Media: 2012. Disponível em:
<https://www.academia.edu/13391863/The_Rise_of_Post-
Hegemonic_Regionalism_The_Case_of_Latin_America?auto=download>. Acesso em: 15
abr. 2017.

RIGGIOZI, Pia; TUSSIE, Diana. Post-Hegemonic Regionalism: The case of Latin


America. Springer Science and Busines Media: 2012. Disponível em:
<https://www.academia.edu/13391863/The_Rise_of_Post-
Hegemonic_Regionalism_The_Case_of_Latin_America?auto=download>. Acesso em: 15
abr. 2017.

ROCHA, Mauricio Santoro. Democracia e Política Externa no Cone Sul da América


Latina. In: PENAFORTE, Charles; MIRANDA, RobertO. (Org.). Brasil e Argentina: da
rivalidade à cooperação. 1.ed. v.1. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Geopolítica e
Relações Internacionais, 2013, p.73-100. Disponível em:
120

<http://www.becanestorkirchner.org/papers/Paper_Portugues-Mauricio_Santoro_Rocha.pdf.>
Acesso em: 30 nov. 2016.

RUIZ. José Briceño. Ejes y Modelos en la etapa actual de la integración económica


regional em América Latina. Estudios Internacionales, Santiago, n.175, p.9-39 , 2013.
Disponível em: <http://www.scielo.cl/pdf/rei/v45n175/art01.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2017.

SABATINI, Christopher. Meaningless Multilateralism: In International Diplomacy,


South America Chooses Quantity Over Quality. Foreign Affairs snapshot, ago. 2014.
Disponível em: <https://www.foreignaffairs.com/articles/south-america/2014-08-
08/meaningless-multilateralism >. Acesso em: 10 dez. 2016.

SARAIVA, José Flávio Sombra. A projeção internacional da América do Sul. Rev.


bras. polít. int., Brasília, v.43, n.2, p.201-204, dec. 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292000000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 15 abr. 2017.

SARAIVA, José Flávio Sobra (Org.). História das Relações Internacionais


Contemporâneas: da sociedade internacional do século XIX à era da globalização. São
Paulo: Saraiva, 2008.

SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das Organizações Internacionais. 5. Ed.


Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

SENHORAS, Elói Martins. A regionalização transnacional na América do Sul e a


institucionalização diplomática da UNASUL. Roraima: Núcleo Amazônico de Pesquisa em
Relações internacionais (NAPRI), 2013.

SERRA, José. Discurso de Posse como Ministro das Relações Exteriores. Clipping
CACD: Brasília, 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DFJ_PTihvrs .
Acesso em: 19 julho 2017.

SEVSENKO, Nicolau. Introdução e Aceleração tecnológica, mudanças econômicas e


desequilíbrios. In: SEVSENKO, Nicolau. A Corrida para o século XXI: no loop da montanha
russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 11-58.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. O Brasil no Mundo. In: REIS, Daniel Arão
(Coord.). História do Brasil Nação vol.5: Modernização, Ditadura e Democracia. 19964-
2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

_______________. Tradição e Modernidade no Agir Política da América do Sul: a


questão da crise de representatividade. In: LAPSKY, Igor; SCHRUSTER, Karl; DA SILVA,
Francisco Carlos Teixeira (Org.). Instituições na América Latina: caminhos da integração.
Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.

SPATAFORA, Nikola e TYTELL, Irina. Commodity Terms of Trade: The history of


booms and busts. IMF working papper – research department septermber 2009. Disponível
em: <https://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2009/wp09205.pdf>. Acesso em: 8 out. 2016.
121

SPEKTOR, Matias. O Brasil e a Argentina entre a cordialidade oficial e o projeto de


integração: a política externa do governo de Ernesto Geisel (1974-1979). Rev. Bras. Polít. Int.
Brasília, v.45, n.1, p117-145, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v45n1/a05v45n1.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2017.

__________. 18 Dias: Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2009.

VENTURA, Deisy e BARALDI, Camila. A UNASUL e a nova gramática da


integração sul-americana. [S.L : s.n] [2008?]. Disponível em <
http://fes.org.br/brasilnomundo/wp-content/uploads/2014/06/ventura-baraldi-unasul-
pontes.pdf >. Acesso em: 19 jun. 2017.

VIDIGAL, Carlos Eduardo. A Integração Sul-americana como um Projeto Brasileiro:


de Uruguaiana às Malvinas. In: FUNAG (Org.). América Do Sul e a Integração Regional. Rio
de Janeiro: FUNAG, 2011.

VIGEVANI, Tullo. et al. O papel da integração regional para o Brasil: universalismo,


soberania e percepção das elites. Rev. bras. polít. int., Brasília, v.51, n.1, p. 5-27, 2008.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292008000100001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 fev. 2017.

VILAFAÑE, Luís Claudio. A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro.


Brasília: FUNAG, 2014.

VISENTINI, Paulo Fagundes. A projeção internacional do Brasil: 1930-2012. Rio de


Janeiro: Elsevier, 2013.

WALTZ, Keneth N. Structural Realism after the Cold War. International Security.
Massachusetts, v. 25, n.1, p.5-41, summer - 2000.

WIGHT, Martin. A política do poder. Brasília: Unb/IPRI, 2002. Disponível em: <
http://fes.org.br/brasilnomundo/wp-content/uploads/2014/06/ventura-baraldi-unasul-
pontes.pdf >. Acesso em 19 jun. 2017.

Sítios Eletrônicos de Organizações e entidades:

BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Consulta a financiamento de


exportação pós-embarque - serviços de engenharia. [S.L : s.n] [20--] Disponível em: <
http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-operacoes-
bndes/consulta-a-financiamentos-de-exportacao-pos-
embarque/!ut/p/z1/xVTLctowFP2WLrwUusIPoDsDDqSYhJCCsTeMbAQoxZKRBQ79-
gqSBUkaMu1MJlrJV9fncTVHOMEznAi65yuquRR0Y77jxJuHrUHQd24h7I2BgO8Orvxpd2
A3AXB0aoB3lg84ufz_FCc4yYQu9BrHqViwcs5FqbneZScFFqxlzizQioqyoIqJjFMLMinK3U
ZTtOSCHks5E1qWZwevj9CCIfZYSKVpRiUqTIXlKVXbHTtKKDK-
122

wLFtM0YhpSj1nBZyCAXUYmSJvKwB3rIOrkcWx26yyA_P1i94Sy5PJjoinSPcXtsB-
P1O6DrBgPRa9nPDpem-
RAB7dGUQQjJxhm2oDxwcG5GNM5GjG9Pg3rWhFzjEIR6O9pxVeCKkys193__7LKLOcH
43CcaG6TSWGPfhDe203QU_vL4PexOwm4R8Bu0HVt0v4Gx8BuePjzJlQltXw85wZbioXi
MulhLP_isZBoo_bLeJb0IqhWaPGs--
KqXG92oj06dXyRep3TQGFVsyxVRtp0x5rXXx3QILqqqqnWTWVnJfS5WpFIb2hGvEllyzd
yT_DXstS2P7NSYu8knetMUB_Ro3q58snnfbN-
7D03YY2Pnod8gilKSHyv_2B1ib0Kc!/dz/d5/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/?1dmy> Acesso
em: 10 dez. 2016.

_________________________________________. Estatuto Social do Banco


Nacional do desenvolvimento (BNDES). [S.L : s.n] 2017. Disponível em:
<http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/quem-somos/governanca-controle/empresas-
sistema-bndes/Legislacao_do_SItema_BNDES/Estatuto-do-BNDES>. Acesso em: 20 jun.
2017

__________________________________________. Quem Somos. [S.L : s.n] [20--].


Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/quem-somos/>. Acesso em:
20 jun. 2017.

MERCADO COMUM DO SUL. Institucionalização e regulamentação do Fundo para


Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). Disponível em: <
http://www.mercosul.gov.br/fundo-para-a-convergencia-estrutural-do-mercosul-focem>.
Acesso em: 10 dez. 2016.

THE WORLD BANK GROUP. The comodity Cycle in Latin America: Mirages and
Dilemas. Semiaunal report – office of the regional chief economist – abril 2016. Disponível
em: https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/24014>. Acesso em: 08 out. 2016

INICIATIVA PARA INFRAESTRUTURA REGIONAL SUL-AMERICANA.


Primeira Reunião de Presidentes da América do Sul. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/Event/Detail?Id=145> Acessado em 05 jun. 2015.

Outros sítios eletrônicos consultados ao longo da Pesquisa

UNASUL:
http://www.unasursg.org/

Itamaraty:
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/

ONU:
http://www.onu.org.br/

Conselho de Segurança da ONU:


http://www.un.org/en/sc/

ALBA:
http://alba-tcp.org/en/contenido/governing-principles-tcp
123

CAN:
http://www.comunidadandina.org/Seccion.aspx?id=189&tipo=QU&title=somos-
comunidad-andina

MERCOSUL:
http://www.mercosur.int/

Você também pode gostar