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Homeopatia é feita de nada!

Por Natalia Pasternak


Imagine a seguinte situação hipotética: você vai ao médico homeopata com um resfriado forte
e dor de garganta. Você ouviu dizer que a homeopatia é uma medicina natural, mais gentil e
que “trata o paciente como um todo”. O médico, muito atencioso, faz perguntas sobre todos os
aspectos da sua vida, escuta com atenção e interesse genuínos. Ao fim da consulta, receita um
remédio. Você vai à farmácia de manipulação mais próxima, manda fazer o remédio, e uma
semana depois está curado.
Segunda situação: você vai a um otorrino que respeita a ciência, mas talvez não seja um cara
tão legal, tão interessado nos detalhes da sua vida, quanto o homeopata. Ele diz que é apenas
uma infecção viral e recomenda tomar muito líquido e repousar. Uma semana depois, você está
curado.
Terceira situação: idêntica à primeira, mas ao final da consulta, o médico homeopata resolve
abrir o jogo. Explica que receitou um remédio feito a partir de fígado de pato, tão diluído em
água que não sobrou nada do pato ali. Ele explica que não existe análise possível que seja capaz
de distinguir uma bolinha de açúcar comum da bolinha homeopática de fígado de pato. Mas
que a “memória” do fígado está ali. E é essa memória que vai curar o seu resfriado.
Ele também explica que a homeopatia é exatamente a mesma há 200 anos, não levou em
consideração, por exemplo, a descoberta da existência de vírus e bactérias, nem a do DNA. E
que vários estudos já demonstraram que não funciona melhor do que um placebo, aquelas
pílulas de mentira que os cientistas usam em testes clínicos de medicamentos. Mas insiste que
tem certeza de que funciona, porque vê pacientes satisfeitos na sua clínica. E, se a ciência não
explica, não há problema, porque ela não tem todas as respostas, e a homeopatia não pode ser
testada pelo método científico, porque opera em outra dimensão.
Os princípios da homeopatia foram inventados por um médico que não acreditava que seria um
dia possível saber como o corpo humano funciona por dentro, e que por isso só o que a medicina
poderia tocar seriam os sintomas tais como descritos pelo paciente. Outros médicos achavam
que entendiam o funcionamento do corpo, mas estavam errados — e prescreviam coisas como
sangrias, vômitos e laxantes, que na prática acabavam sendo piores do que água limpa ou
bolinhas de açúcar.
Isso foi séculos atrás. Todo mundo estava errado, mas o erro homeopata causava, na época,
menos dano. O problema é que, de lá para cá, os não homeopatas tiveram a humildade de
aprender com seus equívocos e lançar uma medicina de base científica.
Falamos muito em ética, e consentimento esclarecido do paciente. Mas a verdade é que não
existe esclarecimento sem informação. E essa informação nem sempre está presente nos
consultórios homeopáticos. Apela-se a outras dimensões, energias quânticas ou espirituais para
tentar escapar do fato que a homeopatia foi testada pela ciência e falhou.
Mas por que, às vezes, a homeopatia parece funcionar? Porque, assim como o resfriado que
passou em uma semana com ou sem homeopatia, muitas doenças são cíclicas, têm picos de
sintomas e depois voltam naturalmente ao padrão, ou se resolvem sozinhas com o tempo, como
tantas doenças da infância e da puberdade. Para completar, temos o efeito placebo que
geralmente acompanha um condicionamento: tomar uma pílula, receber uma injeção, ou
mesmo receber carinho e atenção costuma surtir efeito nas pessoas, aliviando sintomas e
reduzindo dor.
Por isso usamos o grupo placebo em testes clínicos: para distinguir esses efeitos dos que são
de fato causados pelo medicamento. Quando a comparação é bem feita, o saldo homeopático é
zero. Isso não é surpresa, já que se trata justamente de um placebo. É apenas água, ou açúcar.
A homeopatia não funciona, porque ela é feita de nada.

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