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COMPROMETIDAS
COMAcomuni
DADE
Conselho Editorial
Andreia Schmidt (USP)
Brigido Vizeu Camargo (UFSC)
Deisy das Graças de Souza (UFSCar)
Ederaldo José Lopes (UFU)
Isaías Pessotti (USP)
João Cláudio Todorov (UnB)
José Aparecido da Silva (USP)
José Lino de Oliveira Bueno (USP)
Maria Martha Costa Hubner (USP)
Marilene Proença Rebello de Souza (USP)
Maycoln Leôni Martins Teodoro (UFMG)
Olavo de Faria Galvão (UFPA)
Paula Inez Cunha Gomide (Universidade Tuiuti)
Ricardo Gorayeb (USP)
Ronaldo Pilati (UnB)
Silvia Helena Koller (UFRGS)
FICHA CATALOGRÁFICA
Formação profissional em psicologia: práticas comprometidas com a comunidade / Luciana Carla dos
Santos Elias... [et al.] (organizadores). – Ribeirão Preto : Sociedade Brasileira de Psicologia, 2018.
E-book
ISBN: 978-85-61272-02-9
1. Psicologia : Aspectos profissionais. I. Elias, Luciana Carla dos Santos II. Corradi-Webster,
Clarissa Mendonça. III. Barrera, Sylvia Domingos. IV. Oliveira-Cardoso, Érika Arantes de. V. Santos,
Manoel Antônio dos. VI. Título: práticas comprometidas com a comunidade.
CDU 159.9
Neste capítulo, contamos nossa história com o uso das práticas narrativas em um
Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Iniciamos dando destaque aos contextos teóricos e
multiplicidade de ideias que as compõem e, assim, ampliar seu entendimento para além da noção
conversacionais, sendo um convite a uma nova forma de olhar para as histórias que as pessoas
um atendimento para ilustrar a/ao leitor/a nossa prática. Finalizamos com o compartilhamento
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As práticas narrativas que norteiam nossa atuação foram desenvolvidas por Michael
White e David Epston (1993) em um contexto de terapia familiar nos anos 80. Ao assumir a
metáfora narrativa para guiar a sua prática, Michael White (2012), fez uso da analogia dos textos
literários com as conversações terapêuticas. Inspirado por Jerome Bruner (1986), White entendeu
que assim como os textos literários são compostos por histórias com lacunas que possibilitam a
pessoa a construir e ressignificar suas experiências ao contar e recontar histórias sobre si e sua
vida. Para Michael White (2012), vivemos nossa vida por meio de histórias, ou seja, cada
experiência vivida em nossas relações cotidianas vão sendo organizadas seguindo uma
Essas ideias são influenciadas por entendimentos oriundos de teóricos como Bateson
(1972; 1979), que traz a noção de que as realidades não são objetivas, mas sim produtos de
interpretações que vão sendo transformadas a cada experiência e que apresentam possíveis
Derrida temos o entendimento sobre as contradições que um texto pode revelar no sentido de
que todo dito se remete a um não dito, ou seja, toda história narrada contempla sentidos que
estão ausentes, mas implícitos alguma forma, e com isso privilegiamos determinadas “leituras”
acerca da experiência vivida e deixamos outras fora das narrativas que produzimos (Grandesso,
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Posto que os diferentes sentidos nos permitem expressar múltiplas ideias e discursos nos
mais diversos contextos, as histórias que contamos fazem parte de nossa construção identitária;
nos moldamos por meio de nossas próprias vozes e daquelas que são compostas em nossas
relações com os outros, seja de maneira presencial ou virtual (Drewery & Winslade, 1997;
Grandesso, 2011). Ao olhar para o nosso cotidiano, notamos que esses inúmeros discursos
concorrem para serem ouvidos. Ora são discursos conflitantes com as ideias que temos de nós
mesmos, ora mais consistentes com os padrões relacionais que construímos com o passar do
tempo, endossando nossa forma de significar o mundo e as experiências (Drewery & Winslade,
1997). A força das palavras que usamos ao expressar saberes que relatam como as coisas devem
ser no mundo nos dão uma pista do quanto a fala é uma ferramenta de poder social (Freedman
Foucault (2012), teórico que também influenciou White, traz a noção de saber como um
discurso produzido na sociedade por meio de relações de poder entre os indivíduos - não
Dessa forma, não há saber que, ao ser construído, esteja isento da influência produzida por essas
mesmas relações (Foucault, 1996). As ideias foucaultianas mostram como as pessoas constroem
suas vidas e ideias pautadas em discursos que são acolhidos dentro dessas relações de poder, por
diversas vezes limitando as narrativas daquele sujeito que toma essas verdades como essenciais,
ao mesmo tempo que legitima esses processos de produção do que é dito verdadeiro (Drewery &
Assim, nosso mundo é moldado pela linguagem que utilizamos. O modo como falamos
potencializa ou restringe determinadas realidades e com isso pode ir lhes concedendo o status de
verdade. Nossa fala não é a representação dos nossos pensamentos e sentimentos; ela ativamente
participa da produção das verdades que vivemos e assim influencia nossa forma de estar no
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mundo. Essa ênfase na importância dos efeitos da linguagem na construção dos nossos mundos
sociais ganhou destaque recentemente dentro da filosofia, das ciências humanas e sociais
(Drewery & Winslade, 1997; Cruz, 2008). Gracia (2004) nomeia essa mudança como giro
linguístico e entende esse movimento como sendo um processo em que a linguagem passou a ser
percebida como um recurso a ser estudado, visto que é algo produzido nas interações sociais e
produzimos em relação com o outro. Essa noção questiona verdades estáticas e valoriza a
compreensão de que os saberes são mutáveis (Drewery & Winslade, 1997; Cruz, 2008). Além
transformado a cada experiência vivida em suas relações cotidianas que colaboram na produção
de narrativas que são organizadas para contar as histórias acerca dessas experiências. Deste
modo, o self está sempre em um movimento de contar, recontar e editar as descrições sobre si
David Epston (1993), passaram a compreender a vida das pessoas como sendo multi-historiadas
e que a cada história contada são produzidas narrativas dominantes, as quais, podem estar
saturadas por problemas e ocupar lugar de destaque na forma da pessoa ver a si mesma e sua
vida. Por meio de diferentes recursos conversacionais - que utilizamos em nosso estágio de
Aconselhamento Psicológico e que são descritos neste capítulo - esses teóricos propõem a
terapeuta ocupa um lugar em que atua política e socialmente e, justamente por estarmos
engajados/as nessa atividade política, precisamos desafiar as ideias que perpetuam o poder-saber
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usados de maneira opressiva. Ao enxergar o poder que exercemos como profissionais, podemos
reconstruir nossa relação com o/a cliente, revisitando os pensamentos e modos de agir
dominantes, além de refletir sobre quais narrativas estão sendo empoderadas durante o processo
Objetivo do Estágio
O estágio sobre o qual falamos neste capítulo tem como objetivo proporcionar aos
com destaque para as práticas narrativas e para a modalidade de atendimento de sessão única.
O modelo de atendimento utilizado por Karen Young (2011) - que adapta o uso das
práticas narrativas para atendimento de sessão única - é subsídio teórico e prático para a
realização do nosso estágio. Esse modelo segue alguns passos, aqui descritos de forma bastante
abreviada.
compreender as expectativas das pessoas para a sessão. Estabelecer a agenda é importante para
ter clareza do que as pessoas querem quando chegam e ajustar essas expectativas para o fato de
ser uma conversa única. Segundo Young (2011), é comum as pessoas virem para a sessão sem
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saberem ao certo que resultados terão. Este tópico é importante para ter noções imediatas sobre
problema, que consiste em ouvir do/a cliente sobre o problema buscando reconhecê-lo como
separado de sua identidade. Quando as pessoas passam a ver os problemas como algo externo a
elas, há uma abertura para uma construção menos deficitária sobre si que favorece o
reconhecimento de que ela pode assumir uma posição ativa de agenciamento pessoal frente a
influência que o problema tem sobre sua vida e a influência que ela tem sobre a história do
problema. Essa é uma das ferramentas conversacionais que White (2012) oferece para ser
não ditos de cada história e, com isso, dar voz às narrativas subordinadas que diferentemente das
dominantes, podem estar repletas de histórias de exceção em que a pessoa de alguma forma
reagiu ao problema, bem como histórias que são repletas de habilidades, valores e recursos que
Para facilitar a externalização, pode-se sugerir que a pessoa tente pensar em um nome
para esse problema que faça sentido e/ou também para imaginar que se esse problema fosse um
personagem, um animal, objeto, como seria. Pedir para a pessoa criar uma imagem concreta do
problema ajuda a construí-lo como algo que não faz parte de sua personalidade ou essência. Algo
que pode ser metaforizado como separado da pessoa permite sua exploração de forma distinta
do que explicações dos problemas em termos de culpa, ansiedade, incompetência, frustração, etc.
É uma tentativa de favorecer que diferenças na forma de falar do problema aconteçam. E são
explorados os efeitos do problema na vida da pessoa, entendendo em que momentos ele aparece
e que momentos ele se torna mais forte/fraco; quais são os contextos que ele está presente
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(família, escola, trabalho, vida social...) e como ele age em cada um desses contextos, o que ele
provoca. Para compreender o que o problema está exigindo da pessoa podemos estimulá-la a
pensar as regras que o problema está exigindo dela, o que o problema faz ela fazer ou deixar de
fazer e também de que jeito ele está influenciando às suas ações. Nesse momento, o/a terapeuta
auxilia a pessoa a avaliar as operações e atividades do problema, bem como os principais efeitos
problema está relacionado. É olhar para as histórias e narrativas que ficam à sombra, ofuscadas
pela narrativa dominante, e que carregam grande potencial de recursos possivelmente não
explorados pelo/a cliente. É o que Michael White e David Epston (1993) chamam de conversações
de re-autoria, possibilitando a reescrita dos entendimentos que a pessoa tem sobre si mesma e das
experiências de sua vida. Essa forma de conversa pode contribuir para a construção de noções de
identidade que contradizem às elaboradas pela história do problema. Nesta etapa, o/a terapeuta
incentiva o/a cliente a contar histórias que escapam do problema dominante, e que geralmente
são carregadas de valores, sonhos, habilidades e preferências de vida da pessoa. Assim, essas
histórias são exploradas e engrossadas com elementos trazidos pelo/a cliente que estavam
recontar a própria história por outros ângulos. Ao ouvir a/o cliente é preciso estar atento/a se
em algum momento da narrativa surgem histórias alternativas que trazem aspectos diferentes do
problema em si, em que o/a cliente, por exemplo, tenha agido de modo diferente do problema.
Após identificar esse aspecto de exceção da história ou também de que o/a cliente mostra uma
postura de iniciativa e menos passiva frente ao problema, é importante estimular que a pessoa
descreva mais detalhadamente sobre isso. Para estimular essa descoberta, pode-se investigar por
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meio de vários contextos da vida da pessoa (familiar, escolar, social...), tentando entender qual
foram os efeitos desse acontecimento nesses diferentes contextos e para ela mesmo, além de
compreender o que/quem contribuiu para isso e de que forma. Pode-se explorar como a pessoa
conseguiu colaborar para que esse acontecimento acontecesse, buscar quais valores estão por
detrás dessa história, tentando compreender como esses valores foram aprendidos e ensinados
por quem.
oportunidade de conhecer o self como sendo algo composto pelas diferentes vozes das pessoas
com quem vamos interagindo ao longo da nossa vida e que acabam formando um clube de pessoas
que cotidianamente nos ajuda a construir a ideia de quem somos e podemos ser. Esse clube pode
se transformar constantemente com a entrada e saída de membros, bem como servir como um
antídoto para as descrições de identidade que compactuam com a ideia de um ser isolado e
imutável (White & Epston, 1993; White, 2012). Essa parte da conversa estimula o
para nossas vidas e nossos entendimentos de self. Assim, nesse momento da sessão, é possível
que essas pessoas/figuras ensinaram a/ao cliente; entender como essas figuras descreveriam o/a
que cliente tem de habilidades para lidar com o problema e também se o/a cliente de alguma
busca do/a terapeuta por identificar e avaliar com a/o cliente a utilidade da conversa e o
aprendizado de algo novo, e como esse aprendizado pode repercutir em sua vida daquele
algumas perguntas que podem servir de inspiração a/ao terapeuta são: Se você pudesse dar um
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nome para o que percebeu sobre si mesmo/a com a nossa conversa, qual seria? Como isso que
você percebeu na nossa conversa poderia te ajudar a se aproximar mais do que deseja? Se você
fosse escrever uma carta para si mesmo/a para não esquecer dessa conversa, o que escreveria? Se
você fosse contar para alguém sobre essa conversa, o que diria que foi útil?
O quinto e último momento da sessão é a exploração do/a terapeuta sobre o que pode
garantir que o/a cliente permaneça conectado com o novo conhecimento produzido na conversa
depois da sessão acabar. Algumas perguntas úteis para esse momento são: Quem seria
importante você conversar para contar sobre isso tudo que descobrimos nessa conversa? O que
ela/s/e/s pensariam? Como ela/s/e/s saberem disso te ajudaria nos próximos passos? Quem na
sua vida seria um time de apoio para ajudar a desenvolver o que conversamos hoje?
mais breve possível considerando-se o momento no qual a pessoa se inscreve. Neste telefonema,
constituído de uma sessão única, com duração de até duas horas e um retorno após 15 dias. Na
proposta de Young (2011) o atendimento não tem retorno, todavia, optamos por incluir esse
momento em nossos atendimentos para que os/as clientes pudessem voltar e nos contar como
Também incluímos o uso da equipe reflexiva, estratégia criada por Tom Andersen
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em uma sessão terapêutica. Da forma como a utilizamos, um/a ou dois/duas estagiários/as mais
um/a supervisor/a ocupam o lugar de escuta da conversa sentados/as em cadeiras atrás do/a
cliente, sendo convidados/as a falar pelo/a estagiário/a que conduz a sessão no momento que
entendimentos sobre a conversa, oferecendo novos sentidos a/ao cliente e a/ao terapeuta. A
escuta e fala da equipe são norteadas por quatro focos: 1. Foco no relato: Estimula a equipe a
identificar e falar sobre o que ouviu que mais lhe atraiu, o que lhe chamou mais atenção ou
prendeu sua imaginação. Ficando atentos aos relatos do/da cliente que lhe deram uma sensação
sobre o que ele/ela valoriza na vida. Podendo se perguntar: O que chamou atenção em você em termos
do que você gostou desse/dessa cliente? Quais conhecimentos, habilidades, valores você notou? 2. Foco na imagem:
Incentiva a equipe para perceber e descrever imagens que surgiram na sua mente enquanto
escutava o diálogo entre cliente e terapeuta. Essas imagens podem tomar forma de metáforas
relacionadas à vida da pessoa. Nesse momento, vale pensar o que essas imagens podem dizer
sobre a vida e identidade dessa pessoa. 3. Foco na ressonância pessoal: Instiga a cada um da equipe
para ficar atentos/as ao porque se sentiu atraído por determinadas expressões, momentos da
conversa. É relevante que seja falado quais experiências de sua própria história se avivaram e
vieram a memória em virtude desses relatos. Para tanto pode ajudar se perguntar: Tem algo no que
ouviu que te conecta com algo que é importante para você pessoalmente? 4. Foco no transporte: Impulsiona a
equipe para identificar de que forma aquele determinado momento da conversa tocou na sua
própria história e o que muda na sua história depois dessas percepções. Pensando em que lugares
que essa experiência de escuta te levou, aos quais não teria chegado se não estivesse participado
do atendimento. Podendo em sua fala responder à essas perguntas: O que testemunhar essa conversa
significou para você? Como ela irá te afetar a partir de hoje? O que ela te ensinou? O que você se lembrará
futuramente dessa pessoa? De modo geral, ao oferecer a sua versão da história (fala) enquanto
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forma apreciativa e não impositiva, cuidando para que não sejam falas que remetem a conselhos,
julgamentos, verdades absolutas, teorias, palestrar sobre o que foi falado, dar instruções e/ou
contextos de formação, como a graduação em Psicologia, na qual uma cadeira é colocada ao lado
do/a terapeuta para que o/a supervisor/a possa sair da posição de equipe reflexiva e entrar na
conversa, durante o atendimento, conversando com o/a estagiário/a que está conduzindo a
sessão sobre ideias de questões a serem feitas, possibilidade de rever caminhos que estão sendo
percorridos e outros aspectos sobre a condução da sessão. O/a cliente é convidado/a a observar
transparência sobre seu processo, uma busca por horizontalidade na relação entre profissional e a
pessoa que busca ajuda, e também na relação entre estagiário/a e supervisor/a, e uma ética da
reflexividade, na qual as teorias e técnicas não conduzem a sessão como expressão de verdades
sobre o que o/a cliente vive ou como ajudá-lo/a, mas como possibilidades de sentidos a serem
No telefonema com o/a cliente, o/a estagiário também fala sobre essas características do
setting de atendimento, explicando sobre a equipe reflexiva e sobre a cadeira vazia e sua função.
Também se compartilha com o/a cliente a nossa postura de não especialista sobre ele/a e
ressaltamos que os saberes sobre como lidar com os problemas trazidos na conversa serão
construídos em conjunto, valorizando tudo que ele/a sabe sobre ele/a mesmo/a. Ainda durante
o telefonema inicial, pedimos que caso o/a cliente não possa comparecer no dia agendado, que
envie um e-mail nos avisando, pois assim conseguiríamos agendar outra pessoa da lista de espera
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naquele horário. No dia do atendimento, o/a terapeuta retoma todas essas informações e
Psicológico Narrativo de Sessão Única, escolhemos contar sobre o atendimento de Joana. Joana
é um nome fictício que escolhemos para uma das clientes que compartilhou suas histórias com a
Joana iniciou a sessão afirmando que o que a trouxe para a conversa foram as
dificuldades que vinha enfrentando em seu cotidiano como estudante de pós-graduação: “Estou
tendo problemas na pós-graduação e não estou sabendo lidar direito com isso”. As dificuldades descritas por
Joana tinham relação com quebra de expectativa e falta de identidade com o trabalho que
desejado quando decidiu buscar a pós-graduação. Além disso, dificuldades na relação com seu
orientador e certo nível de privação nas relações sociais e familiares questionavam a validade de
acontecer na sessão que a faria sentir que foi uma conversa útil e de sucesso. Joana respondeu
que sua expectativa era a de encontrar “alguma forma de sair dessa situação”. A terapeuta-estagiária
iniciou suas anotações no documento colaborativo, repetindo alto para Joana o que estava
escrevendo e checando com ela entendimentos: “Joana gostaria de pensar em novas formas de olhar para
coisas que estão acontecendo na pós”; e seguiu no caminho de buscar entender como o problema agia
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Terapeuta-estagiária: Se pudesse imaginar pensar esse problema que está vivendo e dar para ele
a imagem de uma criatura, ou pensar um desenho, ou um personagem, que personagem seria
esse?
Joana: Não sei...
Na segunda tentativa de convite a Joana para concretizar o problema em algo fora dela,
Joana trouxe a imagem de “Uma nuvem escura que não me deixa pensar direito”. Ampliando e
um efeito importante do problema em sua vida: “a nuvem não me deixa pensar direito”. A terapeuta-
estagiária, então, investigou o que o problema exigia dela, como ela avaliava os efeitos do
problema em sua vida e como ela justificava essa avaliação, com perguntas do tipo: “Como é estar
com essa nuvem escura? Como ela atrapalha sua vida? Como isso te atrapalha? E aos amigos, o que faz a
Joana: Me atrapalha, me sinto perdida, perco o controle das emoções, tive uma crise de ansiedade,
comecei a chorar e não consegui chegar no laboratório... Acho que ela suga meu tempo e não
deixa eu me dedicar para coisas que eu acho importante.
A cliente sentiu dificuldade em responder “O que a nuvem quer de você?”. Neste momento, a
supervisora assumiu a função da cadeira vazia e sugeriu para a terapeuta-estagiária checar com a
cliente, uma vez que ela afirmou que a nuvem a estava impedindo Joana de pensar: “O que será
que são essas coisas que ela está sendo impedida de pensar?”.
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Joana: Não sei se a nuvem impede, mas têm características que eu tinha e perdi depois que vim pra
cá. Eu ligava mais pra minha família, minha saúde, meus amigos e minha espiritualidade, minha
ligação com Deus, que é muito importante.
problema aparecer, quem ela “era” e como se sentia, buscando exceções ao problema e a
exploração de momentos onde a nuvem não aparecia ou não gerava efeitos tão negativos,
como: “O que diminui a escuridão da nuvem? Consegue pensar numa maneira de enfrentar a nuvem? Tem
alguma atividade que você faz que a nuvem fica fraca?”. Para esta última pergunta, Joana respondeu que:
Joana: Indo pro laboratório ela tá ali, mas não tão forte quando tenho que escrever o projeto. Eu
não tenho dificuldade de escrever.... Quando eu estou fazendo experimento, a nuvem vai embora,
porque eu gosto e é o que quero pra mim. O esporte também me ajudava muito... Depois dessa crise
de choro, voltei a pensar em Deus e nas coisas que eu acreditava antes e me ligar mais nisso, que é
tudo passageiro.
O resgate desses aspectos foi importante para ajudar Joana a enxergar capacidades,
recursos e valores que já estiveram presentes ao enfrentar outros dilemas em sua vida. Perceber a
utilidade dessas capacidades, que ficavam soterradas pelo problema, abriu caminhos para o
resgate de uma Joana mais combativa e autônoma frente à questão. Após recorrermos
pouco mais a “Joana de antes”, e o que ela diria para a “Joana de agora”, a cliente relatou:
Joana: Costumava ser muito otimista, sempre acreditava que as coisas dependiam de mim, me
esforçar para aprender, mesmo que demorasse mais que outras pessoas, eu conseguiria se focasse
no meu esforço. A Joana de antes diria para a de agora uma mensagem de otimismo, pra pensar
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no futuro. Decidi que não quero fazer o doutorado aqui. Não me senti valorizada pelo meu
orientador, não acho que teria espaço para crescer. Lá [na sua cidade natal] eu tinha uma
zona de conforto, mas não tinha a linha de pesquisa que eu queria e isso era importante para
mim.
resgatar pessoas que foram importantes para ela e que contribuíram na construção de noções de
Terapeuta-estagiária: O que isso diz sobre o que é importante pra você? De buscar sempre o que
você quer, na busca do melhor...?
Joana: Importante que eu não me sinta acomodada...
Terapeuta-estagiária: De onde vieram os valores da ética, da ajuda ao próximo?
Joana: Meus pais foram sempre muito humildes e me ensinaram que era através do estudo que
eu conseguiria ser uma pessoa melhor. Eles não queriam que eu fosse pra faculdade, por questões
financeiras, e queriam que eu fizesse concurso público. Meus professores confiaram em mim, meus
pais não tinham dinheiro pra pagar as inscrições dos vestibulares. Eu fui trabalhar para ganhar
dinheiro e poder pagar essas coisas, eles achavam que eu era louca. Eu passei no concurso e na
faculdade, e pensar em algo que fizesse sentido e acreditar em mim, me fez escolher ir pra
faculdade. O centro espírita também me ajudou muito. Não é recompensa financeira que eu
busco. Minha mãe não queria que eu viesse pra cá...
Joana se teve algo na conversa que ficou mais marcante e como foi:
Joana: O exercício de pensar em quem eu sou, o que eu quero, nos meus valores, vou tentar fazer
esse exercício mais diariamente. Essa nuvem me ajudou a ver que aqui não é o meu lugar.
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Sempre vi o meu caminho com degraus, tudo tinha um prazo, não é pra sempre, se eu pensar em
ir pra outro lugar pode ser melhor, posso me aproximar do meu objetivo, não me perder, não
perder meu sonho, por status ou dinheiro. Isso é coisa que eu não quero.
Terapeuta: O que você não pode esquecer?
Joana: De mim, das coisas que me fazem bem... Notar mais a natureza ao redor. Mesmo que por
telefone, entrar mais em contato com minha família, comer direito, voltar a fazer exercício físico,
estudar mais o que eu gosto fora do meu projeto, que dava prazer... Também queria frequentar o
centro espírita.
Considerações Finais
Em outros países como, por exemplo, o Canadá, a prática de sessão única tem sido
utilizada de modo intenso nos serviços de saúde mental. No entanto, aqui no Brasil, ainda é
pouco praticada, visto que a psicoterapia de médio e longo prazo ainda é a modalidade de oferta
terapêutica mais legitimada em nossa sociedade como sendo a forma que pode conseguir auxiliar
Adentrar neste contexto novo de sessão única que oferece um outro entendimento
acerca da relação terapêutica, é novidade tanto para nós terapeutas como para os/as clientes, e
foi uma experiência desafiadora ao mesmo tempo que possibilitou enriquecer o nosso olhar para
o quanto uma única sessão pode sim ser potente e produzir transformações.
e reconhecendo as potencialidades do seu uso em uma única conversa. Os/as clientes nos
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úteis, pois se ver como separados do problema ampliou suas possibilidades de ação perante o
mesmo. Além disso, perceberam que o formato de sessão única favoreceu um panorama mais
amplo do problema, bem como das formas de reação e exceção à ele. O uso do documento
colaborativo foi apontado como uma ferramenta que possibilitou uma maior compreensão dos
sentidos que aquele problema estava tendo por permitir que o/a cliente ouvisse e tivesse
reflexiva a princípio gerou um certo estranhamento, mas aos poucos, tanto clientes como
terapeutas foram notando o quanto trazer novas vozes ao processo potencializava os diálogos.
Muitos/as clientes valorizaram os apontamentos trazidos pela equipe e perceberam que eles
Nos atendimentos apesar de termos em mãos um roteiro para inspirar nossa facilitação
do diálogo com o/a cliente, o foco principal consistia no encontro com ele/ela e nas histórias
que ele/ela contava acerca de si, de sua vida e do problema. Com isso, ao ouvirmos o/a cliente
um/a. Deste modo, cada sessão literalmente foi única, não só no sentido de ser apenas um
encontro, mas também por ter sido personalizada para as histórias e necessidades de cada
cliente.
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Referências
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