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Hablar con Dios

Francisco Fernández-Carvajal 

TEMPO COMUM. QUARTA SEMANA. SEGUNDA-FEIRA

28. DESPRENDIMENTO E VIDA CRISTÃ


– A presença de Jesus na nossa vida pode por vezes signiHcar a perda de
bens materiais. Jesus vale mais.

– Todas as coisas devem ser meios que nos aproximem de Cristo.

– Desprendimento. Alguns detalhes.

I. DIZ-NOS SÃO MARCOS no Evangelho da Missa1 que Jesus chegou à


região dos gerasenos, uma terra de não-judeus, do outro lado do lago de
Genesaré. Logo depois de deixar a barca, saiu-lhe ao encontro um
endemoninhado que, prostrando-se diante dEle, gritava: Que há entre ti e
mim, Jesus, Filho de Deus Altíssimo? Por Deus te conjuro que não me
atormentes. Porque Jesus dizia-lhe: Sai desse homem, espírito impuro.
Jesus perguntou-lhe pelo nome e ele respondeu: Legião é o meu nome,
porque somos muitos. E suplicava-lhe insistentemente que não os lançasse
fora daquela região. Perto do lugar, havia uma grande vara de porcos.

A chegada do Messias traz consigo a derrota do reino de Satanás, e é


por isso que o vemos resistir e esbravejar em diversas passagens do
Evangelho. Como nos demais milagres, quando Jesus expulsa o demônio,
põe em relevo o seu poder redentor. O Senhor sempre se apresenta na vida
dos homens livrando-os dos males que os oprimem: Passou fazendo o
bem e curando todos os oprimidos pelo diabo2, dirá São Pedro, resumindo
esta e outras expulsões de demônios operadas pelo Senhor.

Os demônios falam pela boca daquele homem e queixam-se de que


Jesus tenha vindo destruir-lhes o seu reinado na terra. E pedem-lhe para
Hcar naquele lugar. Por isso querem entrar nos porcos. Talvez fosse também
uma maneira de prejudicarem e de se vingarem das pessoas da região, e
de as predisporem contra Jesus. O Senhor, contudo, cede ao pedido dos
demônios. A vara correu então com ímpeto pelo despenhadeiro até ao mar
e pereceu na água. Os que cuidavam dos porcos fugiram e espalharam a
notícia pela cidade e pelo campo. E a gente do povoado foi ver o que tinha
acontecido.

São Marcos indica-nos expressamente que os porcos que se afogaram


eram ao redor de dois mil. Deve ter signiHcado uma grande perda para
aqueles gentios. Talvez fosse o resgate que se pedia a esse povo para livrar
um deles do poder do demônio: perderam uns porcos, mas recuperaram
um homem. E este endemoninhado, este homem “rebelde e dividido,
miseravelmente dominado por uma multidão de espíritos imundos, não
tem porventura uma certa semelhança com um tipo humano que não é
alheio ao nosso tempo? Em qualquer caso, o alto custo pago pela sua
libertação, a hecatombe da vara de dois mil porcos afogados nas águas do
mar da Galiléia, talvez seja um índice do elevado preço que se deve pagar
pelo resgate do homem pagão contemporâneo. Um custo que se pode
avaliar também em riquezas que se perdem; um resgate cujo custo é a
pobreza daquele que generosamente tenta redimi-lo. A pobreza real dos
cristãos talvez seja o valor que Deus tenha Hxado pelo resgate do homem
de hoje. E vale a pena pagá-lo [...]; um só homem vale muito mais do que
dois mil porcos”3.

II. PARA OS HOMENS daquele povoado, no entanto, pesou mais o dano


material que a libertação do endemoninhado. Na troca de um homem por
uns porcos, inclinaram-se pelos porcos. Ao verem o que havia acontecido,
pediram a Jesus que se retirasse da sua região. Coisa que Jesus fez
imediatamente.

A presença de Jesus nas nossas vidas pode signiHcar por vezes


perdermos uma ocasião única de fecharmos um bom negócio, porque não
era inteiramente honesto, ou porque não podíamos concorrer em igualdade
de condições com alguns colegas inescrupulosos..., ou, simplesmente,
porque o Senhor queria que lhe ganhássemos o coração com a nossa
pobreza. Pode signiHcar termos de renunciar a um cargo público ou de
mudar de emprego....

Nunca caiamos na aberração de dizer a Jesus que se retire da nossa


vida pelo risco de sofrermos um prejuízo material de qualquer tipo. Antes
pelo contrário, devemos dizer-lhe muitas vezes, com as palavras que o
sacerdote pronuncia em voz baixa antes da Comunhão na Santa Missa: Fac
me tuis semper inhaerere mandatis, et a te numquam separari permittas –
fazei-me cumprir sempre a vossa vontade e jamais separar-me de Vós. É
mil vezes preferível estar com Cristo sem nada, a ter todos os tesouros do
mundo sem Ele. “A Igreja sabe bem que só Deus, a quem ela serve, satisfaz
as aspirações mais profundas do coração do homem”4.

Todas as coisas da terra são meios para nos aproximarmos de Deus. Se


não servem para isso, já não servem para nada. Jesus vale mais que
qualquer negócio, mais que a própria vida. “Se o afastas de ti e o perdes,
aonde irás, a quem buscarás por amigo? Não podes viver sem um amigo; e
se Jesus não for o teu grande amigo, estarás muito triste e desconsolado”5.
Perderás muito nesta vida e tudo na outra.

Os primeiros cristãos e, com eles, muitos homens e mulheres ao longo


dos séculos, preferiram o martírio a perder Cristo. “Durante as perseguições
dos primeiros séculos, as penas habituais eram a morte, a deportação e o
exílio. Hoje, uniram-se à prisão, aos campos de concentração ou de
trabalhos forçados e à expulsão da própria pátria, outras penas menos
chamativas mas mais sutis: já não se trata de uma morte sangrenta, mas de
uma espécie de morte civil; não apenas de segregação numa prisão ou
num campo, mas de uma restrição permanente à liberdade pessoal ou de
uma discriminação social [...]”6. Seríamos nós capazes de perder, se fosse
necessário, a honra ou a fortuna, para podermos permanecer com Deus?

Seguir Jesus não é compatível com qualquer coisa. É preciso escolher,


é preciso renunciar a tudo o que seja um impedimento para estar com Ele.
Para tanto, devemos pedir ao Senhor e à sua Mãe que afastem de nós a
menor coisa que nos separe dEle: “Mãe, livrai os vossos Hlhos de toda a
mancha, de tudo o que nos afaste de Deus, ainda que tenhamos que sofrer,
ainda que nos custe a vida”7. Para que quereríamos o mundo inteiro se
perdêssemos Jesus?

III. “PELO DESENLACE de todo este episódio – diz São João Crisóstomo
–, vê-se claramente que entre os moradores daquela região havia gente
tola. Porque, quando deveriam ter-se prostrado em adoração, admirando o
poder do Senhor, mandaram-lhe um recado pedindo-lhe que se fosse
embora da sua região”8. Jesus fora visitá-los e eles não souberam
compreender quem estava ali, apesar dos prodígios que fez. Esta foi a
maior tolice daquelas pessoas: não reconhecerem Jesus.

O Senhor passa ao lado da nossa vida todos os dias. Se tivermos o


coração apegado às coisas materiais, não o reconheceremos; e há muitas
formas, algumas delas extremamente sutis, de dizer-lhe que se retire dos
nossos domínios, da nossa vida, já que ninguém pode servir a dois
senhores; pois, ou odiando um, amará o outro, ou aderindo a um,
menosprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas9.

Conhecemos por experiência própria o perigo que corremos de nos


escravizarmos aos bens terrenos, nas suas múltiplas manifestações: pela
avidez sempre crescente de mais bens, pelo aburguesamento, pelo apego
às comodidades, ao luxo, aos caprichos, aos gastos desnecessários, etc. E
vemos também o que acontece à nossa volta: “Não poucos homens
parecem como que dominados pela realidade econômica, de tal modo que
toda a sua vida pessoal e social se acha impregnada de um certo espírito
materialista”10.

Nós devemos estar desprendidos de tudo o que temos. Assim


saberemos utilizar os bens da terra tal como Deus o dispôs, e teremos o
coração nEle e nos bens que nunca se esgotam. O desprendimento faz da
vida um caminho saboroso de austeridade e eHcácia. O cristão deve
examinar-se com freqüência e averiguar se se mantém vigilante para não
cair no comodismo ou num aburguesamento absolutamente incompatível
com o seguimento de Cristo; se procura não criar necessidades falsas; se as
coisas da terra o aproximam ou o afastam de Deus. Podemos e devemos
:
sempre ser parcos nas necessidades pessoais – tem sempre mais aquele
que precisa de menos11 –, reduzindo os gastos supérsuos, não cedendo
aos caprichos, vencendo a propensão para comparar o que possuímos com
o que os outros possuem, sendo generosos na esmola.

O Senhor vale inHnitamente mais do que todos os bens criados. Não há


de suceder na nossa vida o que sucedeu àqueles gerasenos: Toda a cidade
saiu ao encontro de Jesus e, ao vê-lo, pediram-lhe que se retirasse da sua
região12. Digamos-lhe, pelo contrário, com as palavras de São Boaventura
na oração para depois da Comunhão: Que só Vós sejais sempre [...] a minha
herança, a minha posse, o meu tesouro, no qual estejam sempre Hxa e Hrme
e inabalavelmente arraigadas a minha alma e o meu coração13.

Senhor, para onde iria eu sem Vós?

(1) Mc 5, 1-20; (2) At 10, 38; (3) J. Orlandis, La vocación cristiana del hombre
de hoy, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1964, pág. 186; (4) Conc. Vat. II, Const. Gaudium
et spes, 41; (5) T. Kempis, Imitação de Cristo, II, 8, 3; (6) João Paulo II,
Meditação-oração, Lourdes, 14-VIII-1983; (7) A. del Portillo, Carta, 31-V-1987,
n. 5; (8) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 28, 3; (9) Mt 6, 24;
(10) Conc. Vat. II, op. cit., 63; (11) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 630; (12)
Mt 8, 34; (13) Missal Romano, Oração para a ação de graças da Comunhão.

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