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Hablar con Dios

Francisco Fernández-Carvajal 

TEMPO COMUM. QUARTA SEMANA. SEXTA-FEIRA

32. FORTALEZA NA VIDA DIÁRIA


– O exemplo dos mártires. O nosso testemunho de cristãos correntes. A
virtude da fortaleza.

– Fortaleza para seguirmos o Senhor, para sermos Réis nos pormenores,


para vivermos o desprendimento efetivo dos bens, para sermos pacientes.

– Heroísmo na vida simples e normal do cristão. Exemplaridade.

I. O EVANGELHO DA MISSA de hoje relata-nos o martírio de João


Batista1, que foi Rel à missão recebida de Deus, ao ponto de dar a vida por
ela. Se tivesse permanecido calado ou à margem dos acontecimentos nos
momentos difíceis, não teria morrido degolado no calabouço de Herodes.
Mas João não era como uma cana agitada por qualquer vento. Foi coerente
até o Rm com a sua vocação e com os princípios que davam sentido à sua
existência. O sangue que derramou – e depois dele os mártires de todos os
tempos – unir-se-ia ao Sangue redentor de Cristo para nos dar um exemplo
de amor e de Rrmeza na fé, de valentia e de fecundidade.

O martírio é a maior expressão da virtude da fortaleza e o testemunho


supremo de uma verdade que se confessa até dar a vida por ela. O
exemplo do mártir “traz-nos à memória que se deve à fé um testemunho [...]
pessoal, preciso e – se chegar o caso – custoso, intrépido; recorda-nos,
enRm, que o mártir de Cristo não é um herói estranho, mas é para nós, é
nosso”2; ensina-nos que todo o cristão deve estar disposto a renunciar à
sua própria vida, se for necessário, em testemunho da sua fé.

Os mártires não são apenas um exemplo incomparável que nos vem do


passado; a nossa época atual também é tempo de mártires, de
perseguição, mesmo sangrenta. “As perseguições pela fé são hoje muitas
vezes semelhantes às que o martirológio da Igreja registrou durante os
séculos pretéritos. Elas assumem diversas formas de discriminação dos
Réis e de toda a comunidade da Igreja [...].

“Há hoje centenas e centenas de milhares de testemunhas da fé, muito


freqüentemente desconhecidas ou esquecidas pela opinião pública, cuja
atenção está absorvida por outros fatos; com freqüência só Deus as
conhece. Elas suportam privações diárias nas mais diversas regiões de
cada um dos continentes.
“Trata-se de Réis obrigados a reunir-se clandestinamente porque a sua
comunidade religiosa é considerada ilegal. Trata-se de bispos, de
sacerdotes, de religiosos a quem se proíbe o exercício do santo ministério
nas suas igrejas ou em reuniões públicas [...].

“Trata-se de jovens generosos, a quem se impede de entrar num


seminário ou num local de formação religiosa para realizarem aí a sua
própria vocação [...]. Trata-se de pais a quem se nega a possibilidade de
assegurarem aos seus Rlhos uma educação inspirada na sua fé.

“Trata-se de homens e mulheres, trabalhadores manuais, intelectuais e


de todas as proRssões que, pelo simples fato de professarem a sua fé,
enfrentam o risco de se verem privados de um futuro brilhante para as suas
carreiras ou estudos”3.

Quanto à maioria dos cristãos, o Senhor não lhes pede que derramem o
seu sangue em testemunho da fé que professam. Mas exige de todos uma
Rrmeza análoga que os leve a proclamar a verdade com a vida e com a
palavra em ambientes que podem ser difíceis e hostis aos ensinamentos de
Cristo, e a viver plenamente as virtudes cristãs no meio do mundo, nas
circunstâncias em que a vida os colocou. Este é o caminho que deverão
percorrer e em que deverão ser igualmente heróicos.

O cristão de hoje necessita particularmente da virtude da fortaleza, que,


além de ser humanamente atraente, é imprescindível em face da
mentalidade materialista de muitos, do comodismo e do horror por tudo o
que supõe mortiRcação, renúncia ou sacrifício... Qualquer ato de virtude
inclui um ato de coragem, de fortaleza; sem ela, não se pode ser Rel a Deus.

São Tomás ensina4 que esta virtude tem duas vertentes; por um lado,
leva-nos a acometer o bem sem nos determos perante as diRculdades e
perigos que possa ocasionar; por outro, a resistir aos males e diRculdades
de modo a não cairmos na tristeza. No primeiro caso, encontram o seu
campo próprio de atuação as virtudes da coragem e da audácia; no
segundo, a paciência e a perseverança. São virtudes que temos ocasião de
praticar todos os dias, em ponto pequeno talvez, mas constantemente.
Somos heróicos em aproveitar essas oportunidades?

II. PÔR A META da nossa vida em seguir o Senhor de perto e progredir


sempre nesse seguimento já requer fortaleza, porque a imitação de Jesus
Cristo nunca foi uma tarefa cômoda; é um ideal alegre, extremamente
alegre, mas sacriRcado. E depois da primeira decisão, vem a de cada
momento, a de cada dia. O cristão deve ser forte para empreender o
caminho da santidade e para reempreendê-lo a cada uma das suas etapas,
para perseverar sem amolecer, apesar de todos os obstáculos externos e
internos que possam apresentar-se.
Necessitamos de fortaleza para ser Réis nas pequenas coisas de cada
dia, que são, em última análise, as que nos aproximam ou nos afastam de
Deus. Essa atitude de Rrmeza manifesta-se no trabalho, na vida familiar,
perante a dor e a doença, diante dos possíveis desânimos que tirariam a
paz se não houvesse um esforço decidido por superá-los, apoiados sempre
na consideração de que Deus é nosso Pai e permanece junto de cada um
dos seus Rlhos.

Precisamos da virtude da fortaleza para evitar que nos extraviemos,


para deixar de lado as bugigangas da terra, não permitindo que o coração
se apegue a elas. Muitos cristãos parecem ter esquecido que Cristo é
verdadeiramente o tesouro escondido, a pérola preciosa5, por cuja posse
vale a pena não encher o coração de bens minúsculos e relativos, pois
“quem conhece as riquezas de Cristo Nosso Senhor, despreza por elas
todas as coisas; para esse homem, as posses, as riquezas e as honras são
como lixo. Porque não há nada que se possa comparar àquele supremo
tesouro, nem que se possa trazer à sua presença”6. Para estarmos
realmente desprendidos dos bens que devemos utilizar e não os
convertermos em Rns, devemos ser fortes.

A virtude da fortaleza leva-nos também a ser pacientes perante os


acontecimentos e notícias desagradáveis e perante os obstáculos que se
apresentam todos os dias. Não é próprio de um cristão que vive na
presença de seu Pai-Deus, andar com um aspecto azedo, mal-humorado
ou triste por causa de uma espera que se prolonga, de uns planos que tem
de mudar à última hora, ou de um pequeno (ou grande) fracasso.

A paciência leva-nos a ser compreensivos com os outros, quando


parece que não melhoram ou não põem todo o interesse em corrigir-se, e a
tratá-los sempre com caridade, com apreço humano e sentido
sobrenatural. Quem tem ao seu cuidado a formação de outras pessoas
(pais, mestres, superiores...) necessita particularmente desta virtude, porque
“governar, muitas vezes, consiste em saber «ir puxando» pelas pessoas,
com paciência e carinho”7.

Para fazermos o nosso exame nesta matéria, há de servir-nos de muito


este conselho: “Nas relações com os que te cercam, tens de conduzir-te
cada dia com muita compreensão, com muito carinho, juntamente – é claro
– com toda a energia necessária: de outro modo, a compreensão e o
carinho se convertem em cumplicidade e egoísmo”8. A caridade nunca é
fraqueza, e a fortaleza, por sua vez, não deve supor uma atitude irritada,
áspera e mal-humorada.

III. EM COMPARAÇÃO COM TODOS os Réis que compõem a Igreja, são


poucos aqueles a quem o Senhor pede um testemunho de fé mediante o
derramamento de sangue, mas a ninguém deixa Ele de pedir a entrega da
:
vida, pouco a pouco, com um heroísmo escondido, no cumprimento do
dever, na luta por uma maior coerência com a fé cristã, exteriorizada
mediante um exemplo que arraste e estimule.

Não basta viver interiormente a doutrina de Cristo: seria falsa uma fé


que não tivesse manifestações externas. Os cristãos não podem dar a
impressão – pela sua passividade ou por não quererem comprometer-se –
de que não encaram a sua fé como o valor mais importante da sua vida ou
de que não consideram os ensinamentos da Igreja como um elemento vital
da sua conduta. “O Senhor necessita de almas fortes e audazes, que não
pactuem com a mediocridade e penetrem com passo Rrme em todos os
ambientes”9.

E existem épocas em que pode haver graves razões de caridade para


confortarmos com o testemunho da nossa fé os que andam vacilantes:
mediante uma conRssão decidida e sem complexos como a de João
Batista, que arraste e mova.

A honra de Deus está acima das conveniências pessoais. Não podemos


permanecer passivos quando se quer colocar Deus entre parêntesis na vida
pública, ou quando homens sectários pretendem conRná-lo no fundo das
consciências. Não podemos estar calados quando há tantas pessoas ao
nosso lado que nos olham à espera de um testemunho coerente com a fé
que professamos.

Este testemunho consistirá umas vezes na exemplaridade ao longo das


muitas horas de trabalho proRssional, na caridade e na compreensão com
todos, na alegria que revela aos demais homens uma paz nascida do
relacionamento com Deus... Outras, estará na defesa serena e Rrme do
Sumo PontíRce ou da hierarquia da Igreja, na refutação de uma doutrina
errônea ou confusa... Sempre com serenidade e sem destemperos – que
não fazem bem e não são próprios de um cristão –, mas com Rrmeza.

A fortaleza de João e a sua vida coerente são para nós um exemplo a


ser imitado. Se o seguirmos nos acontecimentos diários, correntes e
simples, muitos dos nossos amigos perceberão a têmpera da nossa vida e
se deixarão arrastar pelo nosso testemunho sereno, assim como outrora
muitos se convertiam ao contemplarem o martírio – o testemunho de fé –
dos primeiros cristãos.

(1) Mc 6, 14-29; (2) Paulo VI, Alocução, 3-XI-1965; (3) João Paulo II,
Meditação-oração, Lourdes, 14-VIII-1983; (4) São Tomás, Suma Teológica, 2-
2, q. 123, a. 6; (5) cfr. Mt 13, 44-46; (6) Catecismo Romano, IV, 11, 15; (7)
Josemaría Escrivá,Sulco, n. 405; (8) ib., n. 803; (9) ib., n. 416.
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