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13.

Como viver o celibato


Neste episódio exclusivo do programa "Direção Espiritual", Padre Paulo
Ricardo aborda os meios práticos para se viver a talvez mais singela e
delicada das virtudes que ornam a alma sacerdotal: a castidade.

Texto do episódio

I. Introdução

Todos os homens, segundo a vontade de Deus, são chamados à santidade e à plenitude do


amor (cf. 1Ts 4, 3) [1]. Nem todos, porém, são obrigados a possuir atualmente um grau incomum
de caridade, a dos perfeitos, pois embora devamos, cada um segundo suas possibilidades e
preparação de espírito, afastar-nos de tudo quanto ofenda a Deus e viver habitualmente em
estado de graça, a apenas alguns é dado alcançar, pela observância efetiva dos três conselhos
evangélicos, uma perfeição de super-rogação, "que se dá quando nos unimos a Deus excedendo
o nosso estado e apartando o coração de todos os bens temporais" [2]. Tendo, pois, em vista que
o sacerdote secular, por força de sua ordenação e ministério, deve tender a tal grau de perfeição
e configuração a Nosso Senhor Jesus Cristo [3], queremos abordar na Direção Espiritual de hoje
os meios práticos para se viver a talvez mais singela e delicada das virtudes [4] que ornam a
alma sacerdotal: a castidade, pela qual nos associamos à pureza dos anjos e à plena entrega de
Cristo à Igreja.

Malgrado se dirijam sobretudo aos que vêm se preparando para as sagradas ordens, as
orientações e diretivas aqui apresentadas podem aplicar-se também às noviças e a todos os
católicos—solteiros ou casados—, que, como no-lo exige a moral cristã, têm de viver a sua
sexualidade de forma madura e integrada, guardando-se a si próprios como templos do Espírito
Santo (cf. 1Co 6, 19) e dons preciosos para um futuro casamento. Esperamos assim que estes
pequenos conselhos, livres de especulações demasiado teológicas, sirvam tanto a seminaristas
e jovens sacerdotes empenhados em viver generosamente sua vocação quanto aos casais
católicos, cuja vida matrimonial às vezes lhes exige períodos mais ou menos longos de
abstinência sexual [5].

II. Algumas orientações práticas

A manualística tradicional costuma enumerar uma série de meios ou, para usar uma expressão
corrente, remédios contra a concupiscência, isto é, o apetite desordenado por prazeres, quer
digam respeito à alimentação (gula), quer às propriedades genésicas do corpo (luxúria).
Mortificação ativa, combate à ociosidade, fuga das ocasiões de pecado, meditação dos castigos
eternos, devoção à Santíssima Virgem são, dentre outras tantas, as armas que os autores mais
comprovados e fiéis à espiritualidade católica nos indicam e sugerem [6]. Queremos, contudo,
apresentar dois recursos fundamentais que, embora nem sempre mencionados pelos tratados
de ascética, demonstram como o caminho para se conservar e fortalecer a castidade é, na
verdade, bastante simples e eficaz, se tivermos aquela "decidida determinação" dos que desejam
pertencer total e indivisamente a Deus [7].

1. Mudar nossa visão de homem. — A primeira grande dificuldade com que deparamos ao
longo desse percurso deriva, em parte, da mentalidade que os media, o cinema e os programas
televisivos têm ajudado a construir; trata-se, com efeito, de uma concepção incompleta e
unilateral de "homem", reduzido à esfera da animalidade e restrito às urgências mesquinhas e
egoístas de um suposto "instinto sexual" a que se deve dar vazão a todo e qualquer custo.
Acostumamo-nos, pois, a ver no homem casto um tipo de "doente", um apático assexual ou
alguém efeminado, "mal resolvido". Até mesmo entre os jovens, cuja insegurança e falta de
bons modelos paternos talvez expliquem o fenômeno, vive-se um certo preconceito em relação
à figura do "virgem": aquele rapaz que não teve ainda sua primeira "experiência sexual" seja por
timidez, seja por valores morais os quais receia sejam conhecidos dos colegas. Antes sinal de
inocência e pureza espiritual, nestes nossos dias a virgindade tornou-se para muitos jovens,
meninos e meninas, motivo de vergonha e de chacota.

Daí a necessidade de retificarmos nossa visão de homem. De fato, todos os cristãos, revestidos
de Cristo pelo Batismo (cf. Gl 3, 27), são chamados a "orientar a sua afetividade na castidade" [8]
segundo as circunstâncias particulares em que o Senhor os colocou. Por isso, o primeiro e
principal modelo de vida para todos os fiéis deve ser o próprio Jesus Cristo, de cuja fidelidade e
entrega total ao Pai temos de participar e nos tornar sinais vivos e visíveis. Também os grandes
santos celibatários não só podem como devem ser para nós exemplo e inspiração de pureza:
São José, esposo castíssimo de Nossa Senhora e pai nutrício de Jesus; São João Maria Vianney, o
cura d'Ars e padroeiro dos sacerdotes; São Felipe Néri, o santo da alegria; São Pio de Pietrelcina,
presbítero e confessor—eis aí varões que deixaram gravados na história exemplos de
verdadeira hombridade e de uma profunda e bem vivida castidade por amor ao Reino dos Céus
e às almas. São lírios cuja alvura, "que até os mais pequenino inseto mancha e desfeia" [9],
folgaríamos de poder imitar.

A sexualidade destes homens fora a tal ponto ordenada a Deus, que é de todo impossível
imaginá-los sexualmente excitados. Não porque fossem, como hoje se diz, "impotentes" ou
"reprimidos", mas porque os seus corações abrasavam-se por um amor maior: um amor tão
ardente a Deus e à Igreja, que em seus peitos não havia lugar para nenhuma solicitação da
carne, para nenhuma armadilha da sensualidade. A imagem destes santos, que na mais
absoluta continência e renúncia aos gozos do mundo foram afetivamente maduros e
perfeitamente livres, contrasta de modo flagrante com a triste figura do astro pornô, do
"predador de mulheres", de um homem, enfim, cuja alma, de tão saturada que está de sexo e
prazer, vai-se incapacitando dia a dia para atos genuínos de amor autêntico, sincero, generoso.

Esse, portanto, é o primeiro passo a dar: formar uma visão correta e sóbria de homem e
masculinidade. Feito isto, poderemos com constância e paciência evangelizar o nosso
"inconsciente" rebelde que, devido à herança do pecado, quer a toda hora nos convencer de que
não fazer sexo é sinônimo de fracasso. Leiamos e meditemos a vida dos santos, que
resplandecem no céu da Igreja e nos ensinam como o homem deve portar-se diante do Pai.
2. Combater os maus pensamentos. — Quando houvermos definido que tipo de homem
queremos ser, teremos, é óbvio, de recorrer aos meios conducentes à realização deste ideal. A
segunda precaução que devemos tomar nesta luta, portanto, consiste em evitarmos toda e
qualquer forma de pecado sexual, quer o ato nos pareça ou não grave. Como nos lembra o
ensinamento tradicional dos teólogos a este respeito, deve-se ter sempre presente que no
campo da sexualidade não existe parvidade de matéria [10]: um olhar, uma palavra, um toque, o
consentimento o mais breve possível a um pensamento impudico por si só já constitui um
pecado tão grave e desordenado quanto o próprio ato sexual pecaminoso. "Todo aquele que
olha para uma mulher com desejo libidinoso", diz Nosso Senhor, "já cometeu adultério com ela
em seu coração" (Mt 5, 27-28). Ao comprar a simples cobiça carnal (um pecado à primeira vista
sem tanta importância) ao adultério (talvez o pecado de que mais sofram as famílias e a
sociedade de hoje), foi Deus mesmo quem nos revelou o grande cuidado que devemos ter nesta
área.

Sem nos impor nenhum fardo, com este ensinamento Jesus traz ao homem uma grande
liberdade e segurança, porque sinaliza que o caminho para a verdadeira pureza exige um
esforço, por assim dizer, pequenino: combater os maus pensamentos no momento mesmo em
que despontam na imaginação. Temos, pois, de os cortar pela raiz, impedindo-os de crescer e
se agigantar. Daí se percebe que, além de evitar as ocasiões, um dos melhores remédios contra
a luxúria é reagir pronta e imediatamente às sugestões da carne. Peçamos a Deus um espírito
resoluto e determinado a evitar que o mais singelo, ligeiro e "inocente" pensamento se
desenrole e desencadeie um processo fisiológico de excitação que, então sim, demandará de
nós forças muito maiores, uma luta decerto mais intensa e ferina (algo de todo evitável se nos
houvéssemos precavido desde o começo). Donde também se depreende a urgência com que se
deve procurar um confessor caso se tenha consentido e regozijado já nestes primeiros assaltos.
Feliz aquele que os esmagar contra a rocha ainda nenéns (cf. Sl 137 [136], 9), incapazes de
produzir maiores males!

Há no entanto algumas pessoas cujo pecado não é gerado aos poucos, de tentação em tentação,
de imagem em imagem; mas que, ao contrário, partem diretamente para consumar o ato. São
como que impelidas a pecar num movimento irresistível, impetuoso. Nestes casos, o problema
concentra-se não tanto na parte concupiscível da alma quanto na irascível; tais pessoas não
padecem, a rigor, de um problema de luxúria em sentido estrito. Para elas, o gozo sexual serve
antes de pretexto ou válvula de escape, uma forma de sublimar venereamente todo um feixe
denso de frustrações, de tristezas ou desânimos. Quase sempre incapazes de suportar com
alegria as cruzes cotidianas, as almas com este perfil expressam por meio de uma sexualidade
desgovernada e não raro violenta toda a sua amargura e o seu desgosto. Por isso, deve-se-lhes
ensinar o sentido e o valor do sofrimento cristão. Lembremo-nos de que todo ato sexual
desregrado supõe, no fundo, uma certa disposição ao egoísmo e uma indisposição a amar
verdadeiramente. Ora, sabemos que é pelo sofrimento que Deus prova e faz crescer o nosso
amor por Ele e pelos demais. Se o celibato, com efeito, é um caminho de amor e de renúncia (cf.
Lc 9, 23), as dores e os sofrimentos que o acompanham devem também ser acolhidos e aceitos
com amor e generosidade.
A terapia espiritual mais eficaz para quem sofre deste problema será o exercício da paciência.
Além de considerar os excelentes efeitos do sofrimento (reparação dos pecados e santificação
da alma), pode-se crescer na vivência alegre e cristã das agruras diárias (a) pelo cumprimento
fiel e pontual de todos os nossos deveres, apesar dos inconvenientes ou chateações que eles
porventura nos causem; (b) pela aceitação resignada das cruzes que o Senhor nos envia; (c) pela
prática sóbria e sensata de algumas mortificações voluntárias, que um diretor espiritual saberá
recomendar e orientar; (d) pela preferência esforçada e habitual da dor ao prazer nas várias
situações do dia [11].

III. Por que o celibato, a nal?

Antes de encerrarmos esta Direção Espiritual, gostaríamos de acenar à razão fundamental que
dá sentido e peso a tudo quanto dissemos aqui. Aos olhos do mundo, o celibato é um
contrassenso; renunciar ao mais natural e irresistível dos prazeres, uma loucura. Deus porém
"ama a magnanimidade dos que, de uma só vez, dão tudo." [12] Ele nos chama, pois, a seguir o
Seu santo e imaculado Cordeiro aonde quer que vá (cf. Ap 14, 4), não só na integridade do
espírito como também na da carne [13]. A radicalidade do entregar tudo por amor a Cristo, do
fazer de si uma oblação agradável a Deus, deve ser vivida não como imposição de uma
instituição "castradora", como um fardo disciplinar que muito a contragosto nos vemos
obrigados a arrastar pela vida. Trata-se, ao contrário, de uma escolha fundamental pelo amor, e
por um amor que se abraça livremente, porque se deseja corresponder ao Amor de Quem nos
amou primeiro. O ideal que nos deve inspirar neste caminho de entrega e renúncia não deve
ser outro senão aquela altíssima dignidade a que Deus nos quer elevar: ser santo! fazer da
própria vida e do próprio corpo uma "homenagem voluntária da criatura ao seu Deus"! [14]
Escolher a castidade é, pois, um ato de sincero amor, "não na sua expressão sentimental e
afetiva, mas no que nele há de mais verdadeiro, de mais profundo, de mais operoso, na doação
completa e absoluta de si mesmo" [15].

Referências

1. Cf. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, de 21 nov. 1964, n.
39 (AAS 57 [1965] 44; DS 4165).

2. Santo Tomás de Aquino, Super Philipenses, c. 3, l. 2; Sum. Th. II-II, q. 184, a. 2, ad 3. V.


também R. Garrigou-Lagrange, La Santi cación del Sacerdote. Trad. esp. de Generoso
Gutiérrez. 2.ª ed., Madrid: Patmos, 1956, p. 59.

3. Id., pp. 89-100.

4. Cf. Santo Tomás de Aquino, Sum. Th. II-II, q. 151, a. 1, resp.

5. Cf. Paulo VI, Carta Encíclica “Humanæ Vitæ”, de 25 jul. 1968, n. 21 (AAS 60 [1968] 496);
São João Paulo II, Teologia do Corpo: O Amor Humano no Plano Divino. Trad. port. de
José E. C. de Barros Carneiro. São Pulo: Ecclesiæ, 2014, p. 581, n. 1; Conselho
Pontifício para a Família, Sexualidade Humana: Verdade e Signi cado. 7.ª ed., São
Paulo: Paulinas (col. “A Voz do Papa”, vol. 148), 2009, pp. 24-26, nn. 20-21.

6. V., e. g., Antonio R. Marin, Teologia de la Perfeccion Cristiana. 4.ª ed., Madrid: BAC, 1962,
pp. 333-337, n. 180; J. Ribet, L’Ascétique Chrétienne. 6.ª ed., Paris: Ancienne Librarie
Poussielgue, J. de Girdod (ed.), 1913, pp. 126-132. Cf. Catecismo da Igreja Católica
(CIC), 2340.

7. Cf. Santa Teresa d’Ávila, Caminho de Perfeição, c. XXI, n. 2. In: Escritos de Teresa de
Ávila. Trad. port. de Adail U. Sobral et al. São Paulo: Loyola, 2001, p. 363.

8. CIC, 2348.

9. Francisco Spirago, Catecismo Católico Popular. Trad. port. de Artur Bivar. 3.ª ed.,
Lisboa: União Grá ca, 1938, vol. 2, p 453.

10. Cf. Resposta do S. Ofício, de 11. fev. 1661 (DS 2013): “Dado que nas coisas que se
referem ao sexo nunca há levidade da matéria (parvitas materiæ) [...]”; Petrus Dens,
Theologia ad Usum Seminariorum. Mechliniæ, typis P.-J. Hanicq, 1828, vol. 1, p. 406.

11. Cf. Antonio R. Marin, op. cit., pp. 342-346, n. 183.

12. Pe. Leonel Franca, “O Primeiro Passo no Caminho da Santidade”, in: Alocuções e
Artigos (Obras Completas, vol. 5, t. 2). Rio de Janeiro: Agir, 1954, p. 423 (grifo nosso).

13. Cf. Santo Tomás de Aquino, Sum. Th. II-II, q. 152, a. 5, ad 3.

14. Pe. Leonel Franca, op. cit., p. 420.

15. Id., ibid.

Recomendações

A.V. 48: «Virgindade e Espiritualidade», de 9 mai. 2013.

R. C. 145: «Qual é a origem do celibato sacerdotal?», de 7 dez. 2012.

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