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QUINTO DIA

PERMANECEMOS FRACOS E FRÁGEIS

Não chegamos ainda ao termo do conhecimento de nossas misé-


rias. São Luís Maria de Montfort (V. D., n. 87) pede-nos ainda que
consideremos o quanto “é difícil, dada nossa fraqueza e fragilidade, con-
servar em nós as graças e os tesouros que recebemos de Deus”, se
não os confiamos à Santíssima Virgem. É preciso lutar constante-
mente, com efeito, contra nós mesmos, contra a malícia e a astúcia
dos demônios, contra a corrupção do mundo.
Importa, pois: 1º RECONHECER nossa fraqueza e fragilidade,
face a inimigos que nunca se desarmam; 2º RENUNCIAR a nos
pensar capazes de conservar, por nossos próprios meios, os tesouros
recebidos de Deus. Confiando-os a Maria, essa boa Mãe nos ajudará
poderosamente a triunfar sobre nossos inimigos, e assegurará nossa
perseverança. Essa é a imensa vantagem que nos oferece nossa doa-
ção total entre suas mãos.
Oremos a ela com um novo ímpeto de fervor: Ave, Maria!

Reconheçamos primeiro a grande dificuldade de conservar em nós os tesouros


que recebemos de Deus. Esses tesouros são a graça santificante, nos-
sas virtudes, os méritos de nossas boas obras. “Eles valem mais, diz
Montfort, do que o Céu e a terra”, isto é, toda a criação material,
visto que nos asseguram a eterna beatitude.
É certo que teremos sempre de lutar contra nós mesmos. Nossas
meditações precedentes provaram-no de forma abundante. Nosso
corpo corruptível, se não é duramente tratado, busca seu bem-estar fora
de todo espírito de mortificação. Nossa alma, abandonada a si mesma,
é fraca e inconstante: qualquer insignificância a perturba e abate. Se não
ficamos atentos, nossas melhores resoluções se dissipam, e vemo-nos
novamente a vegetar em vez de progredir. Como não temer, então,
perder o que trabalhosamente adquirimos? Na primeira ocasião que se

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apresentar, nossa pobre natureza humana saberá resistir? Lembremo-
nos do exemplo do apóstolo Simão Pedro: ele prometera tudo, e com
que fervor; e, diante das interrogações de uma serva, soçobra mise-
ravelmente.
O espírito está pronto para prometer, isto é, a alma, a vontade,
com seus entusiasmos fáceis; mas a carne, isto é, a natureza humana,
permanece tristemente frágil na presença de uma ocasião que a tenta.
Não pensamos que isso poderá nos arrastar para longe. Detemo-nos,
argumentamos; expomo-nos, assim, ao perigo, cultivamo-lo, brinca-
mos com ele, presumimos de modo imprudente sobre nossa força,
até que chega um momento em que a fraqueza da carne prevalece
contra essa força do espírito, e caímos gravemente.
Teria sido melhor, seguindo a recomendação de Nosso Senhor
(Mt 26, 41), cercar-se de vigilância, não cair na armadilha, e recorrer
à oração para ter a graça de resistir. Quantas vezes, talvez, apesar das
experiências do passado, ignoramos essa advertência do divino Mes-
tre, que nos alertava contra nossa fraqueza!
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Devemos considerar também os demônios, “que são sutis ladrões,


diz-nos Montfort: eles podem nos surpreender inesperadamente
para nos roubar e saquear; espreitam noite e dia o momento favorá-
vel para isso; rodeiam incessantemente para nos devorar (1Pdr 5, 8),
e tirar de nós em um instante, por um pecado, tudo o que pudemos
ganhar de graças, de méritos em vários anos.
“Sua malícia, sua experiência, suas astúcias e seu número devem
nos fazer temer infinitamente essa desgraça, visto que pessoas mais
cheias de graças, mais ricas em virtudes, mais fundadas em experi-
ência e mais elevadas em santidade foram surpreendidas, roubadas e
pilhadas deploravelmente.
“Ah!, prossegue ele, quantos cedros do Líbano e estrelas do firma-
mento vimos cair miseravelmente, e perder toda sua altura e claridade
em pouco tempo!”. Alusão à palavra de Santo Agostinho, que dizia:
“Vi caírem cedros do Líbano, isto é, homens de uma virtude consu-
mada, cuja queda pensava ser tão possível quanto a de um Jerônimo

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e de um João Crisóstomo.” A história da Igreja, com efeito, poderia
nos lembrar de certas quedas retumbantes, que rasgaram sua túnica
sem costura. Nós mesmos, em nosso meio mais ou menos próximo,
não ficamos, às vezes, surpresos ao saber, de repente, do escândalo
ocasionado por este ou aquele tão destacado, que pensávamos ao
abrigo de semelhante desastre?
“De onde vem essa mudança?” – interroga nosso santo missioná-
rio, que tinha uma longa experiência com as almas. E responde: “Não
foi falta de graça, que não falta a ninguém, mas falta de humildade. Eles
pensaram ser mais fortes e autossuficientes do que eram, acreditaram
ser capazes de conservar seus tesouros; se fiaram e se apoiaram sobre
si mesmos; pensaram que sua casa estava segura o bastante, e que
seus cofres eram fortes o bastante para guardar o precioso tesouro
da graça, e foi por causa desse apoio, mesmo imperceptível, que eles
tinham em si mesmos (embora lhes parecesse que se apoiavam unica-
mente sobre a graça de Deus), que o Senhor justíssimo permitiu que
fossem roubados, abandonando-os a si mesmos.” (V. D., n. 88.)
Isso não lhes teria sucedido, se tivessem confiado seu tesouro
à Santíssima Virgem, consagrando-se inteiramente a ela, como em
breve diremos.
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Por fim, mesmo depois de ter renunciado terminantemente a


seguir o espírito do mundo, como fizemos, devemos nos proteger
contra sua corrupção. Ela está mais contagiosa do que nunca.
Em todo tempo, o mundo foi corrompido e corruptor; mais hoje
ele expõe claramente sua corrupção, sem sombra de pudor, atacando,
assim, a infância, a juventude, as almas cristãs que não tencionam de
modo algum querer pertencer-lhe.
Como fez dizer o Papa Pio XII por meio de uma Carta do Cardeal
Prefeito da Sagrada Congregação do Concílio aos bispos do mundo
inteiro, “ninguém ignora que, durante a estação estival, sobretudo,
vemos, aqui e ali, coisas que não podem deixar de ofender os olhos e
as almas daqueles que não põem em segundo plano ou não despre-
zam completamente a virtude cristã e o pudor humano.

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“Não somente nas praias, ou nos locais de veraneio, mas por toda
parte, mesmo nas ruas das cidades e dos vilarejos, nos lugares priva-
dos e públicos, e amiúde quase nos templos consagrados a Deus, se
exibe uma indigna e inconveniente moda do vestuário... Em particu-
lar, as vestimentas femininas são às vezes tais que parecem favorecer
mais a impudicícia do que o pudor.
“Chegamos ao ponto em que tudo o que se passa ou se exibe na
vida privada ou em público, como depravação ou desonestidade, é
relatado impudentemente nos jornais, nas publicações e revistas de
todos os gêneros; enquanto nas incontáveis salas de cinema isso é
exposto aos olhos de todos sobre a tela; de modo que não somente a
fraca e displicente juventude, mas também a idade madura é profunda-
mente impressionada por esses espetáculos imorais, tão perniciosos para
os espíritos sãos. Que males decorrem deles, a que perigos expõem,
e ninguém se dá conta disso.”46
No século V, o papa São Leão Magno denunciava a corrupção
do mundo, num ponto em que se tornava como que necessário, dizia
ele, que mesmo os corações religiosos fossem manchados, senão por
sua lama, ao menos por sua poeira.47 Em nossos tempos, é sua lama
que se propaga sobre a sociedade cristã inteira; “de modo que, acres-
centava Montfort depois de ter citado esse texto, é uma espécie de
milagre quando uma pessoa permanece firme no meio dessa torrente
impetuosa sem ser arrastada, no meio desse mar revolto sem ser sub-
merso, no meio desse ar empestado sem sofrer dano” (n. 89). Ai de
mim! Que diria ele hoje, na presença dessa exposição de corrupção
que a voz de Roma estigmatizava acima? Entretanto, acrescenta ele
ainda, se for preciso um milagre, “é a Virgem unicamente fiel... que
o fará em favor daqueles e daquelas que a servem da maneira correta”
(n. 81), isto é, pela Consagração vivida para a qual nos preparamos.

46 Carta sobre a imodéstia da moda, dirigida em 15 de agosto de 1954, por


S. Em. o Cardeal Ciriaci, Prefeito da S. C. do Concílio, aos bispos do
mundo inteiro, segundo mandato recebido de S. S. Pio XII.
47 Necesse est de mundano pulvere etiam religiosa corda sordescere. (Serm. 4 de
Quadrag.)

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II

Renunciando, pois, a nos acreditar capazes de conservar, por nós


mesmos, nossos tesouros de graça, confiá-los-emos a Maria. Essa boa
Mãe nos ajudará poderosamente na luta contra nossos inimigos, e assegurará
assim nossa perseverança.
Por meio da Consagração que Montfort nos propõe, “confiamos à
Santa Virgem, que é fiel, diz ele, tudo o que possuímos; constituímo-la
depositária universal de todos os nossos bens de natureza e de graça. É
na sua fidelidade que nos fiamos, é sobre seu poder que nos apoiamos,
é sobre sua misericórdia e sua caridade que nos fundamos, a fim de que
ela conserve e aumente nossas virtudes e méritos, apesar do diabo, do
mundo e da carne, que se esforçam para roubá-los de nós.
“Dizemos-lhe, como um bom filho à sua mãe, e um fiel servo
à sua senhora: minha boa Mãe e Senhora, reconheço que até aqui
recebi mais graças de Deus, por vossa intercessão, do que mereço;
e minha funesta experiência me ensina que carrego esse tesouro em
um vaso muito frágil e que sou fraco demais e miserável demais para
conservá-las em mim mesmo; por vossa graça, recebei como depó-
sito tudo o que possuo, e conservai-mo por vossa fidelidade e vosso
poder. Se me guardardes, nada perderei; se me sustentardes, não cai-
rei; se me protegerdes, estarei a salvo dos meus inimigos.
“Isto é, acrescenta ele, o que diz São Bernardo em termos for-
mais, para nos inspirar essa prática: Quando Maria vos sustenta, vós não
caís; quando ela vos protege, não temeis; quando ela vos conduz, não vos cansais;
quando ela vos é favorável, chegais até o porto de salvação.48
“São Boaventura parece dizer também a mesma coisa em termos
mais formais: A Santa Virgem não é somente conservada na plenitude dos
santos; mas ela conserva também e guarda os santos em sua plenitude, a fim de
que esta não diminua; ela impede que seus méritos pereçam, que suas graças se
percam, que os demônios os prejudiquem; enfim, ela impede que Nosso Senhor os
castigue quando pecam.”49 (V. D., n. 174.)
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48 Homilia II super Missus est, n. 17.


49 S. Bonav. in speculo B. Virginis.

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Ouçamos agora Montfort exaltar a fidelidade da Santíssima Virgem.
“Ela é a Virgem fiel que, por sua fidelidade a Deus, repara as perdas
que produziu Eva, a infiel, por sua infidelidade, e que obtém a fideli-
dade a Deus e a perseverança àqueles e àquelas que se apegam a ela. É
por isso que São João Damasceno a compara a uma âncora firme, que
os segura e os impede de naufragar no mar agitado deste mundo, onde
tantas pessoas perecem por não se prenderem a essa âncora firme.
Prendemos, diz ele, as almas à vossa esperança, como a uma âncora firme.50
“Foi a Maria que os santos que se salvaram mais se apegaram, e
apegaram os outros, a fim de perseverar na virtude. Felizes, pois, e
mil vezes felizes os cristãos que agora se apegam fielmente e intei-
ramente a ela como a uma âncora firme. Os esforços da tempes-
tade deste mundo não os farão submergir, nem perder seus tesouros
celestiais. Felizes aqueles e aquelas que entram nela como na arca de
Noé! As águas do dilúvio de pecados, que afogam tantas pessoas,
não os prejudicarão, pois aqueles que estão em mim para trabalhar em sua
salvação não pecarão, diz ela com a Sabedoria.51 Felizes os filhos infiéis
da desventurada Eva que se apegam à Mãe e Virgem fiel, que permanece
sempre fiel e jamais nega a si mesma,52 e que ama sempre os que a amam,53 não
somente com um amor afetivo, mas com um amor efetivo e eficaz,
impedindo-os, por uma grande abundância de graças, de recuar na
virtude ou de cair no caminho, perdendo a graça de seu Filho.
“Essa boa Mãe recebe sempre, por pura caridade, tudo o que lhe
é confiado em depósito; e, depois de o ter recebido uma vez na qua-
lidade de depositária, é obrigada por justiça, em virtude do contrato
de depósito, a guardá-lo para nós; assim como uma pessoa a quem eu
tivesse confiado mil escudos em depósito seria obrigada a guardá-los
para mim, de modo que se, por sua negligência, meus mil escudos
viessem a ser perdidos, ela seria justamente responsável por isso. Mas
não, jamais a fiel Maria deixará se perder, por sua negligência, o que

50 Serm. in Dormitione B. M. V.
51 Qui operantur in me non peccabunt. (Eclo 24, 30.)
52 Fidelis permanet, se ipsam negare non potest. Aplicação à Santa Virgem do
texto de São Paulo: 2Tim 2, 13.
53 Ego diligentes me diligo. (Prov 8, 17.)

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lhe tivermos confiado: o Céu e a terra passariam antes que ela fosse
negligente e infiel para com os que se fiam nela...
“Que os fiéis servos da Santa Virgem digam, pois, ousadamente,
com São João Damasceno: Tendo confiança em vós, ó Mãe de Deus, serei
salvo; tendo vossa proteção, não temerei nada; com vosso auxílio eu combaterei e
porei em retirada meus inimigos, pois vossa devoção é uma arma de salvação que
Deus dá àqueles que ele deseja salvar.” (V. D., n. 175, 176, 182.)
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Como vemos, nossa inteira confiança em Maria não nos dispensa,


de modo algum, de prosseguir na luta contra nós mesmos e contra os
inimigos de nossa alma; mas que segurança ela nos assegura, e quanto
facilita nossas renúncias, sempre penosas em si mesmas! Jamais nos
desencorajemos. Nossa inconstância pode ser muito grande, e nossa
fraqueza, extrema; razão a mais para entregar tudo às mãos de Maria
e para continuar a trabalhar com sua ajuda para aumentar a cada dia
nosso tesouro de méritos e de virtudes.
Reconheçamo-lo; esta primeira Semana de nossos Exercícios
não apresenta mais, doravante, sua austeridade do princípio: Maria
Mediadora se encontra cada vez mais em nosso caminho, fiel e vigi-
lante Guardiã.

LEITURAS

EVANGELHO segundo São Lucas, cap. 14, 37-54: Censuras de Jesus


aos fariseus.
IMITAÇÃO de Jesus Cristo, livro III, cap. XX: Da confissão de sua
fragilidade e das misérias desta vida.

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