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Karla Marques SOUZA 1,; Carlos Alberto ARFELLI 2; Roberto da GRAÇA LOPES 2
RESUMO
No litoral Sudeste e parte do litoral Sul do Brasil a captura do camarão-sete-barbas (Xiphopenaeus
kroyeri) apresenta grande relevância social e econômica. Neste artigo caracterizou-se o perfil
socioeconômico de integrantes da comunidade pesqueira da Praia do Perequê, Guarujá (SP),
realizando 35 entrevistas com pescadores de camarão-sete-barbas entre outubro de 2006 e
dezembro de 2007. Os resultados revelaram que os pescadores entrevistados tinham, em média, 42
anos e eram naturais de pelo menos cinco estados (principalmente Santa Catarina - 45% e São
Paulo - 37%), 50% deles possuíam mais de 25 anos de experiência na pesca e 76% tinham o Ensino
Fundamental incompleto. Constatou-se que 88% possuíam casa própria, 15% dispunham de
veículo motorizado, 59% tinham a atividade pesqueira como única fonte de renda, 94%
aproveitavam a fauna acompanhante e 23% possuíam filhos também atuando na captura do
camarão-sete-barbas. Os principais problemas observados foram a precária infraestrutura de
moradia e pesca, a baixa escolaridade e a baixa rentabilidade das pescarias, fato este que realimenta
e perpetua os demais problemas. É necessário que existam profissionais da área de extensão
atuando no suporte à sustentabilidade da pesca dirigida ao camarão-sete-barbas na região Perequê
e promovendo a valorização do pescador tradicional por meio de ações participativas, com
envolvimento de toda a cadeia produtiva.
Palavras-chave: Xiphopenaeus kroyeri; camarão-sete-barbas; pesca de pequeno porte; pesca
camaroeira; pescadores; Perequê
ABSTRACT
In the Southeastern and part of Southern Brazil, the catch of sea-bob shrimp (Xiphopenaeus kroyeri)
presents high social and economic relevance. This work described the socioeconomic profile of the
fishing community of Perequê, Guarujá (SP). Interviews were applied to 35 sea-bob shrimp
fishermen from October 2006 to December 2007. The results indicated that the fishermen
interviewed had an average of 42 years old, were born, at least, in five states (mainly Santa
Catarina - 45% and São Paulo - 37%), 50% had more than 25 years of fishery experience and 76%
had uncompleted elementary school. It was observed that 88% were homeowners, 15% had vehicle,
59% had the fishery as the only profit, 94% used the bycacth and 23% interviewed had sons in this
fishing activity. The main problems are the low standard of living and low levels of fishery
structure, fishery profit and school degree. These facts contributed to keep the other problems
unsolved. A fishery extension professional is necessary to work in the sustainable sea-bob shrimp
fishery in Perequê, valuing fishermen by integrated actions involving the entire productive
chamber.
Key words: Xiphopenaeus kroyeri; sea-bob-shrimp; small scale fishery; shrimp fishery; fishermen;
Perequê
das causas para construírem as casas em madeira Constatou-se que 23% dos pescadores tinham
pode ser o baixo retorno financeiro obtido com a filhos engajados na atividade pesqueira, sendo
pesca, porém, a causa mais comum é não que 87% deles contavam com apenas um filho
disporem de escritura dos imóveis, evitando envolvido na atividade. O número reduzido de
assim investir na construção em alvenaria. filhos envolvidos pode resultar do melhor nível
de escolaridade dos jovens e da proximidade
Apesar da aparente precariedade das
entre o Perequê e grandes centros urbanos, o que
habitações, na maior parte delas, ou mesmo na
viabiliza a busca por empregos fora da
totalidade, havia os bens materiais tradicionais,
comunidade, onde há possibilidade de renda fixa
como televisão (100%) e rádio (96%), por serem as
e benefícios como registro em carteira, plano de
principais formas de entretenimento e de acesso a
saúde e condições menos árduas de trabalho. O
informações para os pescadores, que, na sua
baixo rendimento da pesca camaroeira no litoral
maioria, não costumam sair do bairro. O item
brasileiro nos últimos anos (IBAMA, 1997;
geladeira não foi questionado, contudo, 33% dos
D’INCAO et al., 2002; DIAS-NETO e MARRUL-
pescadores disseram possuir esse eletrodoméstico
FILHO, 2003) tem contribuído para a busca por
e 70% deles, máquina de lavar (Figura 1).
novos mercados de trabalho. Além disso,
WALTER (2000), em trabalho sobre pesca MEDEIROS et al. (1997) citam que a maioria dos
artesanal no Lago Paranoá, Brasília (DF), também filhos de pescadores não segue a profissão dos
encontrou alta incidência de pescadores com pais, principalmente porque a maioria dos
televisão (91,6%) e aparelho de som (84,4%) e pescadores não os querem seguindo esta
comenta: “embora a posse de bens domésticos profissão, alegando que a pesca é uma atividade
esteja associada à renda, a aquisição de alguns muito sofrida e perigosa. Já os que resolvem
deles tornou-se necessária devido ao seu grau de seguir a atividade, o fazem porque desejam
essencialidade, independentemente da posição manter a tradição da família. FELIX (2003)
social do pescador”. registra que, diante das condições de vida e de
trabalho dos pais pescadores, os filhos, ao se
Entre os entrevistados, 15% dispunham de
depararem com o modo de vida do turista,
veículo motorizado próprio para transporte,
aparentemente mais atraente e promissor,
situação não muito relevante para muitos
acentuam o seu desinteresse em permanecer na
pescadores, pois não se afastam muito do bairro.
atividade pesqueira, sinônimo de vida difícil, e
Entre os que possuíam veículo motorizado havia
se interessam cada vez mais por opções de
donos de salga e de embarcação, sendo o veículo,
trabalho que viabilizem mobilidade social
em alguns casos, para uso comercial. Todos os
ascendente.
pescadores proprietários de veículo motorizado
possuíam casa própria e embarcação, o que indica Local de origem
uma melhor condição financeira em relação aos
Não se localizaram registros sobre a formação
demais entrevistados.
da comunidade do Perequê. No entanto, segundo
Idade e envolvimento familiar na pesca ESTRELLA (2004), até o início do século XIX, a
colonização de Guarujá se deu lentamente, devido
A moda de idade foi 46 anos e a média, 42
à geografia da ilha, que dificultava a comunicação
anos (desvio padrão de ± 10,2), próxima à citada
dentro da própria ilha. Os pequenos “vilarejos”
por MEDEIROS (2002), que encontrou idade
espalhados pela ilha eram constituídos por
média de 40 anos para pescadores do Pântano do
famílias descendentes de índios e portugueses e
Sul (SC). As informações de idade, agrupadas em
por famílias originárias da miscigenação dessas
classes de 10 anos, mostraram a maioria dos
raças, que resultou nos chamados caiçaras. Viviam
pescadores nas faixas etárias 36 - 45 e 46 - 55 anos
basicamente da agricultura de subsistência, da
(34% em cada uma delas). SANTOS et al. (1995)
caça, da pesca e da extração de mariscos e ostras.
citam que dos pescadores que atuavam na pesca
continental do Estado de São Paulo, 29% Entre os entrevistados, 40% são naturais de
encontravam-se na faixa etária 36 - 45 anos, valor Santa Catarina (Figura 1), onde já pescavam, e
próximo ao observado no Perequê (Figura 1). que vieram para São Paulo em busca de
melhores pescarias, pois a queda de produção do tentarem a sorte na pesca do sete-barbas. Essa
camarão-rosa nos litorais Sudeste e Sul migração ocorreu nos anos 1960 (GONNOT et al.,
(D’INCAO et al., 2002) levou alguns pescadores a 2006).
30 100 14 40
N N
12 35
25 80
% % 30
10
20 25
60 8
N 15 % N 20 %
40 6
15
10 4 10
5 20 2 5
0 0 0 0
tv rádio m. lavar gel. comp. mic. 15-25 26-35 36-45 46-55 > 55
Eletrodomésticos Faixa etária (anos)
15 45 25 80
N N
40 70
12 % 35 20 %
60
30
9 15 50
25
N % N 40 %
20
6 10 30
15
10 20
3 5
5 10
0 0 0 0
AL CE MG SP SC A EFI EFC EMI EMC
Local de nascimento Nível de escolaridade
18 50 18 60
N N
15 15 50
% 40 %
12 12 40
30
N 9 % N 9 30 %
20
6 6 20
3 10
3 10
0 0 0 0
0-5 6-10 11-15 16-20 21-25 > 25 SP AP ST CC
Experiência de pesca (anos) Profissão paralela
pesqueiro Santos/Guarujá (com entrepostos de pescadores com Ensino Médio completo foi 38
pesca, cooperativas, empresas de comercialização anos (desvio padrão de ± 8,2) e para pescadores
e industrialização de pescado, produção e reparo com Ensino Fundamental incompleto foi 43,4 anos
de petrechos de pesca, estaleiros etc.) abre uma (± 7,4), conjunto este que abrangeu 75% dos
via de comércio para o mercado interno e para pescadores (Figura 1). O percentual foi próximo
outras cidades, além de criar facilidades para a ao apurado para os pescadores dedicados à pesca
manutenção de equipamentos e embarcações, e de pequeno porte no Brasil: 74,5%, de acordo com
para acesso a fontes de trabalho eventual em relatório da SEAP (2006). Este mesmo relatório
profissões afins com a pesca. revelou para o Estado de São Paulo o seguinte:
3,2% de pescadores analfabetos (A); 67,1% com
Em outras regiões do País, não se observam
Ensino Fundamental incompleto (EFI); 11,4% com
concentrações tão massivas de pescadores de
Ensino Fundamental completo (EFC); 5,9% com
camarão-sete-barbas como no Sudeste e Sul do
Ensino Médio incompleto (EMI) e 10,6% com
Brasil, à exceção de alguns locais no Nordeste, onde
Ensino Médio completo (EMC). Os percentuais
o preço de venda desse camarão, porém, é muito
para A, EMI e EMC foram próximos aos obtidos
baixo (CARVALHO et al., 2000), sendo este um fator
para o Perequê (4%, 7% e 10%, respectivamente),
que poderia responder pela migração de pescadores
enquanto os percentuais para EFI e EFC (76% e 4%
da região Nordeste para locais como Perequê.
para o Perequê) foram diferentes. Nos dois casos,
Segundo ROMANI (2006), na segunda o número de pescadores com Ensino Médio
metade do século XX, houve uma mudança na completo foi maior que o dos que não concluíram
procedência dos migrantes que passaram a vir do esse ciclo escolar, embora o percentual dos que
Nordeste e de Minas Gerais, atraídos pelo “boom” atingiram esse nível de escolaridade tenha sido
da construção civil e pela indústria do turismo apenas 10%.
doméstico, instalando-se na periferia do Guarujá,
em áreas de mangue, de mata atlântica, em Tais resultados corroboraram a observação de
morros e leito de rios (palafitas), proliferando DIAS-NETO e MARRUL-FILHO (2003) de a pesca
assim grandes conglomerados de favelas. Dos ser uma atividade capaz de absorver mais a mão-
anos 1980 em diante, a ocupação foi feita por de-obra de baixa ou nenhuma escolaridade, seja
pessoas desempregadas da região, que se de origem urbana ou rural. Em alguns casos, é a
instalaram no Perequê para fugir do aluguel, única oportunidade de trabalho para indivíduos
contribuindo para a descaracterização da nessa condição. DIEGUES (1983), porém, comenta
comunidade pesqueira tradicional. que o domínio da arte exige qualidades físicas e
intelectuais dos pescadores, aprimoradas no
A história de ocupação do Perequê, a falta de
exercício da atividade.
identidade cultural dos migrantes com o
espaço/comunidade, a interação com os pescadores Para BAIL e BRANCO (2007), há consenso entre
tradicionais nascidos na região e a acentuada os pescadores de camarão-sete-barbas da Penha (SC)
competição pelo mesmo recurso contribuíram para que níveis de instrução mais elevados são
aumentar os conflitos sociais, mormente entre os necessários para a obtenção de trabalho mais
pescadores. Além disso, como afirmado por rentável, ainda que 76,4% dos entrevistados naquele
ESTRELLA (2004), o aprofundamento da miséria e estudo pretendessem continuar na profissão.
da pobreza, a violência, a desigualdade social, a
crescente degradação ambiental, o desemprego A escolaridade dos pescadores é um fator a se
agravado pela baixa frequência de turistas fora do considerar quando da elaboração de políticas
período de férias, o grande número de postos de públicas e, principalmente, quando se buscam
trabalho informal e a baixa escolaridade da alternativas de mercado de trabalho para esses
população, também são problemas que afetam a profissionais. A baixa escolaridade pode dificultar
comunidade de pescadores do Perequê. a realização de cursos de capacitação técnica e o
apoio à pesquisa científica, e também compromete
Escolaridade
a organização dos pescadores dificultando a
O nível de escolaridade foi maior entre os criação de associações para reivindicação de
mais jovens. A idade média observada para direitos, acesso ao crédito etc.
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