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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL.

A ESCREVIVÊNCIA
E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR
PARA POVOS TRADICIONAIS
Uma ferramenta de pesquisa em Psicologia

EVERSON JAQUES VARGAS

Casa Leiria
Everson Jaques Vargas, nascido
em Esteio/RS, em 09/02/1991, é
psicólogo clínico e social, pesqui-
sador associado ao Observatório
Nacional de Justiça Socioambiental
Luciano Mendes de Almeida, poeta
e escritor. Atualmente é Conselheiro
Gestor do Programa Municipal de
Pacificação Restaurativa de Novo
Hamburgo. Afirma-se como ho-
mem preto, cisgênero e amante da
escrita de Carolina Maria de Jesus,
Conceição Evaristo, Carla Akotire-
ne, Elisa Lucinda, bell hooks, Au-
dre Lorde, Castro Alves, Francisco
Solano Trindade, Renato Nogueira,
Manoel de Barros, Sérgio Vaz, Mia
Couto e Ana Suy Sesarino Kuss.
A ESCREVIVÊNCIA
E OS INDICADORES
DE BEM-ESTAR PARA
POVOS TRADICIONAIS
UMA FERRAMENTA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6
OBSERVATÓRIO NACIONAL DE JUSTIÇA
SOCIOAMBIENTAL LUCIANO MENDES DE ALMEIDA – OLMA

Provincial da Província dos Jesuitas do Brasil


Pe. Mieczyslaw Smyda, S. J.
Secretário para Promoção da Justiça Socioambiental
da Província dos Jesuitas do Brasil e
Diretor do OLMA
Pe. José Ivo Follmann, S. J.
Secretário Executivo
Dr. Luiz Felipe B. Lacerda
Everson Jaques Vargas

A ESCREVIVÊNCIA
E OS INDICADORES
DE BEM-ESTAR PARA
POVOS TRADICIONAIS
UMA FERRAMENTA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Casa Leiria
São Leopoldo/RS
2022
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL.6
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR
PARA POVOS TRADICIONAIS: UMA FERRAMENTA DE
PESQUISA EM PSICOLOGIA
Everson Jaques Vargas
Edição: Casa Leiria.
Fotos: Membros do Centro de Umbanda.
Foto da capa: Everson Jaques Vargas.
Para citar esta obra. VARGAS, E. J. A escrevivência e os indicadores de
bem-estar para povos tradicionais: uma ferramenta de pesquisa em Psico-
logia. São Leopoldo, RS: Casa Leiria, 2022. (Saberes Tradicionais, 6).
Os textos e imagens são de responsabilidade do autor.
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida,
desde que citada a fonte.

Vargas, Everson Jaques


V297e A escrevivência e os indicadores de bem-estar para
povos tradicionais: uma ferramenta de pesquisa em
psicologia [recurso eletrônico] / por Everson Jaques Vargas.-
São Leopoldo: Casa Leiria, 2022.
(Série Saberes Tradicionais, v.6).

Disponível em: <http://www.guaritadigital.com.br/casaleiria/


olma/escrevivencia/index.html>

ISBN 978-65-89503-87-3

1. Ciências sociais – Povos tradicionais. 2. Povos


tradicionais – Formação sociocultural e religiosa. 3. Povos
tradicionais – Memória e oralidade. 4. Povos tradicionais
brasileiros – Saúde e bem-estar. I. Título. II. Série.
CDU 308(81)

Catalogação na publicação
Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973
“Eles combinaram de nos matar.
A gente combinamos de não morrer.”
(Conceição Evaristo)
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

AGRADECIMENTOS

Faço destas poucas palavras um pequeno movimento de re-


verência aos ancestrais e meus familiares, Anália, Adair (meus geni-
tores e meu Sul), Filipe, Letícia, Fernando e Leonardo (meus irmãos
e minha corrente). Todos(as) estiveram, incessantemente, em meus
pensamentos nos momentos mais difíceis e extasiantes da minha
vida e desta escrita.
À minha inteligente e instigante parceira de vida Tanise Re-
gina Corrêa Ev, por ter caminhado por muitas estradas comigo.
Ao meu amigo e raro ser humano Antônio José Fontoura,
pelos momentos de aprendizagens compartilhadas sobre a vida.
Aos docentes – em especial a Fernanda Hampe Picon – que
confluíram e ainda confluem comigo nos encontros que fazemos, se-
jam nas aulas, corredores ou salas virtuais, agora nas caminhadas das
Psicologias.
Aos irmãos e irmãs, pelos aquilombamentos constituídos
para pensarmos as nossas “caminhadas pretas, não acadêmicas e
vivenciais”.
À Mãe Jovelina, Mãe Elisabete de Iemanjá, ao Pai Beto de
Ogum Iara, ao Pai João de Oxóssi, à Mãe Adriangela de Oxalá, por
me acolherem e me ensinarem o valor do pertencimento ancestral.
Ao Pai Alexandre, sacerdote e líder religioso do povo de Ter-
reiro do Centro de Umbanda que abriu as portas da sua Casa para o
trabalho desse livro.
Ao Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Lu-
ciano Mendes de Almeida (OLMA) e ao Núcleo de Estudos Afro-
-brasileiros e Indígenas (NEABI/Unisinos), por apostarem em mim,
como pesquisador, ainda no período de estudante universitário de
Psicologia.
Aos cães – Paloma, Cacau e Nick – por colorirem os meus
dias. Ao Nego, cachorrinho que nos deixou em um acidente na casa
da minha família, às flores, às rochas, à lua, ao sol, aos ventos, ao
fogo, ao ar, aos trovões, à água, ao cosmos e todas as confluências
com os elementos da natureza que compõe o meu corpo e me fazem
afirmar a vida e o bem viver.

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A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

SUMÁRIO

12 PREFÁCIO
Luiz Felipe Lacerda
15 INTRODUÇÃO
18 1. Tema
18 2. Problema
18 3. Objetivos
19 4. Justificativa
21 O SURGIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA
UMBANDA NO BRASIL
24 PSICOLOGIA E OS POVOS TRADICIONAIS DE
TERREIRO – DO INDIVÍDUO/SUJEITO À PESSOA
31 INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS
TRADICIONAIS
34 APOSTA METODOLÓGICA
34 Delineamento-Amostra/Participantes
35 Procedimentos de coleta e análise de dados
36 Instrumentos/ferramentas, tecnologias e cosmopercepções
39 EXPERIÊNCIAS DE AXÉ E AGÔ E A ESCREVIVÊNCIA
DOS NÓS
53 O ENCONTRO COM O POVO DO CENTRO DE
UMBANDA CACIQUE DA LUA E OXUM DAS
CACHOEIRAS: A ORDEM DOS GUARDIÕES DA LUZ
74 CONSIDERAÇÕES FINAIS
76 REFERÊNCIAS

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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

PREFÁCIO
Luiz Felipe Lacerda1

A Escrevivência e os Indicadores de Bem-Estar Para Povos


Tradicionais apresenta-se como um escrito de resistência que busca
fortalecer o processo de identidade ancestral de povos de religiões de
matrizes africanas, frente a um histórico repertório de violências que
gerou e ainda gera invisibilidade, silenciamentos e branqueamentos
da população negra no Brasil.
Com uma escrita interseccional, Everson Jaques Vargas, ao
dialogar com lideranças destes coletivos, revive, resiste e ressigni-
fica o seu próprio caminhar enquanto jovem, negro e psicólogo no
mundo. Portanto, uma escrevivência que, por sentir e compreender
estes repertórios, transborda do eu-singular ao compromisso evoca-
do pelo Ubuntu em direção a uma coletividade que anuncia “Eu-sou,
porque NÓS-somos.”
Neste caminho surge a escrita como processo de escrevivên-
cia, singular e coletivo, que apoia o reposicionamento destas comu-
nidades tradicionais no jogo de forças constitutivos da resistência
sociopolítica em busca de maior emancipação e garantia dos direitos
de Ser e existir.
É importante que se diga explicitamente: a sociedade brasi-
leira de modo geral (seus aparatos estatais, suas escolas, suas igre-
jas, seus mercados, seus hospitais, suas universidades, suas mídias,
suas famílias brancas...), historicamente construída pelo racismo e
pelo patriarcado, segue oprimindo e violentando o direito de Ser e de
existir das populações negras em geral e, particularmente, daquelas
ligadas às religiões de matriz africana.
1 Secretário Executivo – OLMA, Coordenador Cátedra Laudato Si’ – UNICAP, Psicólo-
go, Doutor em Ciências Sociais, Membro Especialista da Plataforma Harmonia com a
Natureza – ONU.

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A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Essa escrevivência (re)vive este passado que nunca passou


reunindo no mesmo terreiro de chão batido o autor, as lideranças
visíveis e invisíveis que o acompanham neste percurso vivência/
escrita, junto com personalidades como Jorge Aragão, Conceição
Evaristo, Silvio Luiz de Almeida, Roger Bastide, Aparecida Sueli
Carneiro, Frantz Fanon, Carolina Maria de Jesus, Achille Mbembe,
Abdias Nascimento, Jarbas Siqueira Ramos, Neusa Santos Sousa,
entre tantas outras potentes pessoas, para dialogar sobre autonomia,
bem-viver e emancipação das populações negras no Brasil.
Neste caminho a escrevivência advoga pelo urgente exercí-
cio de enegrecer a Psicologia, torná-la uma verdadeira psicologia
das encruzilhadas, que alarga sua compreensão de ser humano a
uma dimensão bio-psico-social-cultural e espiritual. Portanto, uma
Psicologia que não subjuga ou omite os preconceitos estruturais, ori-
ginários do sociocultural, que pairam sobre o corpo negro em nossa
sociedade, assim como não se fecha para a importância da transcen-
dência e da imanência ancestral enquanto vetor de resistência.
Pensando a relação destes corpos negros ligados às religiões
de matriz africana com o Estado e suas políticas públicas, a vivên-
cia aqui escrita denuncia a capacidade do aparato público-social em
apreender efetivamente os modos de Ser e de viver desses povos,
hierarquizando sobre eles, uma vez mais de forma violenta e arbi-
trária, indicadores sociais e humanos que ignoram e desrespeitam
suas particularidades. A equação é simples: indicadores equivocados
geram políticas públicas ineficazes e retroalimentam o sistema de
racismo, exclusão e criminalização do povo negro.
É aqui que o percurso se inova metodologicamente oferecen-
do ao leitor ou à leitora uma nova perspectiva para pensar o Bem-Es-
tar dos povos originários. Perspectiva essa que garante a autonomia
e a especificidade de cada povo amparada na percepção coletiva de
cinco grandes capacidades: Capacidade de Controle Coletivo sobre
o Território; Capacidade de Agenciamento Cultural Autônomo; Ca-
pacidade de Garantir Segurança Alimentar e Saúde; Capacidade de
construir um ambiente tranquilo para se viver e Capacidade de auto-
cuidado e reprodução.
Tais capacidades, compostas por cerca de vinte indicado-
res, quando reunidas em uma análise complementar e culturalmente

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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

comprometida, constituem o que se denominou de Indicadores de


Bem-Estar para Povos Tradicionais e assim ofertam para cada co-
munidade/território/coletivo, naquele determinado momento históri-
co, a possibilidade de apreciação de suas fortalezas e de suas fragi-
lidades. Aqui, portanto, a escrevivência toma corpo de engrenagem
para ser útil às lutas de resistência e emancipação destes povos.
Ao entrar nestas páginas, abra seu Ori e seu Okàn, deixe com
os Ogãns-sentinelas seus pré-conceitos, permita-se permear pelos
mais diferentes sentimentos que transbordam da escrita (ni imolara)
e assim, sinta você também todos seus ensinamentos.
Àgò!
Boa leitura.

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A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

INTRODUÇÃO
Por muitos anos a ciência psicológica – Psicologia2 – afas-
tou-se das pesquisas com os Povos Tradicionais,3 suas espirituali-
dades, suas ancestralidades,4 suas produções de conhecimentos
e suas subjetividades, sejam elas em nível de Brasil ou de mundo
(BAIRRÃO, 2017, p. 4). Deste modo, contribui-se com os proces-
sos de invisibilizações, epistemicídios,5 cosmofobias,6 apagamentos

2 Neste trabalho apresentaremos uma intensa problematização às vertentes de pesquisa


em Psicologia como ciência e profissão, suas orientações de trabalho e sua história
como campo científico ocidental, positivista e com aspectos coloniais. Essa abordagem
científica desenvolveu significativas contribuições, entretanto, buscaremos contrapor
as suas produções de conhecimentos alicerçadas no modelo ocidental de ciência e civi-
lização. Para mais informações, vide: MASSIMI, Marina. Considerações gerais sobre
psicologia e história. Temas em Psicologia, v. 2, n. 3, p. 19-26, dez. 1994. Disponível
em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v2n3/v2n3a03.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021.
3 Povos com diversidades geográficas, linguísticas, econômicas, culturais e religiosas
no Brasil e no mundo que possuem diferenças substanciais do seu modo de vida em re-
lação à sociedade dominante. Exemplo de populações tradicionais brasileiras: povo de
Terreiro, Quilombolas, Jangadeiros, Caboclos/Ribeirinhos amazônicos, Caipiras, entre
outros. Mais informações, vide: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP);
CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA; CENTRO DE REFERÊNCIA
TÉCNICA EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS (CREPOP). Referên-
cias técnicas para atuação de psicólogas(os) com povos tradicionais. Brasília: CFP,
2019. 128 p.
4 Usaremos a matriz estética do negrito para demarcar os lugares de fala que passam
por nós diante da escrita. Com essa posição temos a incumbência de marcar o lugar do
pesquisador no texto. Assim como expressamos em itálico alguns termos com natu-
ralizações coloniais que se apresentam na escrita. Essa política de marcar o texto com
negrito e itálico só será seguida na primeira apresentação da palavra na página. No que
versa à citação direta com menos de três linhas, será usado o itálico comumente, pois
essa regra segue aos padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
5 Mais informações em: CARNEIRO, Aparecida Sueli. A Construção do Outro como
Não-ser como fundamento do Ser. São Paulo: Feusp, 2005.
6 Modo de discriminar, animalizar e mistificar cosmovisões que se diferenciam da ma-
triz colonial euromonoteísta.

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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

ontológicos e homogeneização subjetiva das produções singulares


destes povos (NOGUEIRA; GUZZO, 2016).
O livro será narrado no coletivo – nós –, transversalizando a
cosmovisão Ubuntu com a luta das Pessoas com Deficiência (PCD).
Assim, afirmamos: NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS.7 Dessa forma,
usaremos como campo de tensionamento e ampliação científico-po-
lítico uma escrita inspirada nos conhecimentos contra coloniais8 e
nas epistemologias do Sul global.9
Em busca de tensionar a Psicologia com as produções de co-
nhecimentos tradicionais em meio à pandemia do novo coronavírus
– que nos provoca a pensar em como fazer pesquisa de maneira que
a vida, a proteção da saúde e sanitária venham antes de qualquer in-
teresse científico-acadêmico –, dessa maneira, escolhe-se uma apos-
ta metodológica singular, composta pela escrevivência10 de Evaristo
(2018), que consolida um modo de transfluir os acontecimentos a
partir das experimentações do pesquisador, gerando condições às
narrativas coletivas das múltiplas experiências com a vida e consi-
go mesmo, em confluência com os Indicadores de Bem-estar para
Povos Tradicionais – IBPT.11 Ao se aglutinar essas duas vertentes
metodológicas, ressalta-se que a caminhada deste estudo é gestada
para ser escrevivida de forma virtual, ética, política e estética com o
povo de Terreiro.

7 Para mais informações, vide: SASSAKI, Romeu Kazumi. Nada sobre nós, sem nós:
Da integração à inclusão – Parte 1. Revista Nacional de Reabilitação, ano X, n. 57,
p. 8-16, jul./ago. 2007.
8 Conhecimentos oriundos de povos que enfrentaram e enfrentam as investidas mor-
tificantes dos processos de subjetivação dos povos nórticos. Mais informações em:
SANTOS, Antônio Bispo. Colonização, Quilombos, modos e significações. Brasília:
INCTI, 2015.
9 Epistemologias que fazem confluências com a proposta de pesquisa. Para um apro-
fundamento sobre a questão, vide: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria
Paula (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
10 Recursos metodológico e escrevivencial determinantemente marcados pela condição
das mulheres negras no Brasil. Esse método de análise da vida subalternizada é inven-
tado coletivamente pela escritora, autora e Doutora Conceição Evaristo, na sua obra
Becos da Memória. Para mais informações, vide: EVARISTO, Conceição. Becos da
memória. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2018. E-book.
11 Recurso metodológico construído em parceria com os povos tradicionais da América
Latina, utilizado pelo Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Men-
des de Almeida – OLMA.

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A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

A partir dessa composição metodológica, objetiva-se experi-


mentar como os sentidos de bem-estar e bem viver são criados pelo
povo tradicional brasileiro – povo de Terreiro do Centro de Umban-
da Cacique da Lua e Oxum das Cachoeiras: A Ordem dos Guardiões
da Luz –, em contato com a minha posicionalidade de pesquisador/
negro.12 Ao experienciar esse processo, escreviver narrativas que, ao
se confluírem, produzem nós, aquilombamentos, tendas e aldeias;
múltiplos que nos habitam em um país pluriétnico.
Buscam-se fundamentos na transdisciplinaridade para afirmar
esse modo de fazer pesquisa, como a Antropologia, as Filosofias, a
Literatura, a Psicologia, a História, a Sociologia e os Saberes Tradicio-
nais trazidos pelos povos e, assim, construir uma importante confluên-
cia de conhecimentos para pontuar as encruzilhadas e ampliar os
campos de produções da Psicologia no Ocidente, de matriz eurocên-
trica e norteadora (KAWAHALA; GOÉS, 2017), a qual é entendida
como dominante nesses acoplamentos geopolíticos. Destarte, percor-
re-se pela história da Umbanda para balizar as epistemologias múlti-
plas que se consolidam na constituição do Centro religioso estudado.
A perspectiva metodológica dos Indicadores de Bem-es-
tar para Povos Tradicionais auxilia-nos no processo de escuta com
os povos e, através disso, permite-nos organizar conjuntamente as
demandas, visando construir um eixo de resistência sociopolítica,
empoderamento, autoconhecimento e emancipação. Dessa for-
ma, potencializa-se o desenvolvimento de políticas públicas que não
tenham o caráter homogêneo e a condição de saúde centrada em uma
lógica branqueada e metropolitana.
Os IBPTs possuem o foco em mapear as demandas e neces-
sidades das comunidades tradicionais, visando à construção dos
sentidos de bem-estar e bem viver de acordo com os seus modos
de vida. Além disso, acessam-se os povos em suas produções sin-
gulares, sem cercear suas liberdades religiosas e suas cosmovisões,
fortalecendo a narração das suas histórias e expectativas como co-
munidades tradicionais.

12 A posicionalidade inscrita no texto refere-se ao campo ético-experiencial do autor


como pessoa preta. Ativista social, pesquisador e poeta que faz enfrentamento a todas
as formas de opressão, e descendente de povos que constituíram essa matriz religiosa
através de lutas e resistências nos processos afrodiaspóricos e originários.

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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Ao contatar-se com o povo de Terreiro, a escrevivência des-


ses nós torna-se elemento fundamental para a conciliação dos encon-
tros, dos corpos, da escuta, da escrita, da condição, da experiência e da
pesquisa com e não sobre pessoas (MELO; GODOY, 2017). Assim,
através das suas oralidades, produções de memórias e resistências,
buscam-se as invenções de novos sopros na Psicologia, que se reno-
vem no encontro com as pessoas, nas encruzilhadas, nos espantos e
encantos; Psicologia que faz pontos e não coordenadas (SOARES;
MACHADO, 2017), portanto, neste trabalho com o ritmo dos ataba-
ques, dos tambores, da corrente, do rito e do batuque.

1. Tema

As construções dos sentidos de bem-estar para os Povos Tradi-


cionais de Terreiro no Brasil.
1.1 Delimitação do tema
O processo de produção dos sentidos de bem-estar para o
povo de Terreiro do Centro de Umbanda Cacique da Lua e
Oxum das Cachoeiras: a Ordem dos Guardiões da Luz no
encontro com um pesquisador preto.

2. Problema

Como se produz bem-estar nos territórios do povo de Terreiro


do Centro de Umbanda Cacique da Lua e Oxum das Cachoei-
ras: a Ordem dos Guardiões da Luz.

3. Objetivos
3.1 Objetivo Geral

Escreviver as produções socioculturais, territoriais, po-


líticas, históricas e religiosas de bem-estar que habitam o
modo de vida do povo de Terreiro do Centro de Umban-

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A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

da Cacique da Lua e Oxum das Cachoeiras: A Ordem dos


Guardiões da Luz.

3.2 Objetivos Específicos

a) experimentar o que se considera basilar para a formação so-


ciocultural e religiosa do Centro de Umbanda;
b) escutar as narrativas sobre as produções subjetivas e sociais
em que a cosmovisão e o modo de vida da comunidade de
Terreiro estejam implícitos e explícitos;
c) confluir as produções de memórias através das oralidades e
transmissão de conhecimento ancestral que não foram do-
cumentados pelo povo tradicional;
d) aprender as diferentes concepções de sagrado que o povo de
Terreiro faz uso;
e) expandir as epistemes da formação em Psicologia.

4. Justificativa

A Psicologia como ciência e profissão se tornou importante e


fundamental para o desenvolvimento social, de ensino e pes-
quisa no Brasil desde o início da década de 1960. Com isso,
promoveu e promove importantes construções com a população
brasileira, visando o planejamento, a instituição e a expansão
de uma rede de cuidado implicada com a produção de saúde e
bem-estar de todes(a/o), cidadãs brasileiras.13
Apesar dos diversos impactos territoriais e das recentes des-
centralizações de atuação, ensino, pesquisa, orientações e fis-
calizações das diversas redes de produção de conhecimento em
Psicologia no Brasil, principalmente após a criação dos Conse-
lhos Regionais e do Conselho Federal de Psicologia14, o campo
científico produzido por esse núcleo de conhecimento é retar-
datário! Desde o aprofundamento até a proposição de ações e
pesquisas voltadas aos povos tradicionais brasileiros.

13 Mais informações em: VILELA, Ana Maria Jacó. História da Psicologia no Brasil: uma
narrativa por meio de seu ensino. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 32, p. 28-43, 2012.
14 SOARES, Antônio Rodrigues. A Psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão,
v. 30, p. 8-41, 2010.

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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

A lembrar que muitos desses povos têm as suas próprias comu-


nidades ou vivem longe das metrópoles urbanas, ou até vivendo
dentro das mesmas, afirmam um modo de vida producente de
diferença em relação ao reproduzido dominantemente.
Nesse sentido, apoiado por um repertório amplo de produções
científicas balizadas por variados núcleos de conhecimentos –
confluentes –, como a Antropologia, a Sociologia, as Filosofias
da Libertação, da Diferença e Africanas, a Psicologia Crítica,
da Libertação e Psicologia Africana, a História, a Literatura
Afroindígena, a Etnopsicologia e os Conhecimentos Tradicio-
nais e ancestrais, busca-se conjunturar essas forças para cons-
truir uma pesquisa vivencial e experiencial – escrevivente –,
com o povo tradicional de Terreiro do Centro de Umbanda
Cacique da Lua e Oxum das Cachoeiras: a Ordem dos Guar-
diões da Luz. Essa conjunção de aparatos teóricos-metodoló-
gicos-experienciais junto com a posicionalidade do pesquisa-
dor – preto – possibilita a aproximação com o modo de vida
do povo de Terreiro, visando trazer a Psicologia ocidental e a
academia para repensarem as suas produções de pesquisa, de
sujeito/indivíduo e objeto. Com isso, ampliar as construções de
conhecimentos, sentidos e bem-estar para a ciência psicológica
através dos saberes ancestrais, espirituais e culturais desse
povo tradicional brasileiro na relação com o pesquisador.

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A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

O SURGIMENTO E O DESENVOLVIMENTO
DA UMBANDA NO BRASIL
Para que tenhamos uma dimensão espiritual, histórica, políti-
ca e social do desenvolvimento da vertente religiosa que iremos co-
nhecer através da abordagem de pesquisa, buscamos resgatar alguns
acontecimentos que constituíram e constituem a formação cultural
do povo de Terreiro por nós experimentado. Desta forma, pontuare-
mos os elementos que para o nosso entendimento são cristalizações
importantes na configuração dessa matriz religiosa brasileira.
A Umbanda como expressão de fé e conjunto de saberes espi-
rituais possui uma história anterior ao seu datamento historiográfico,
oriunda de muitas experiências antepassadas. No entanto, o que te-
mos registrado em dados e documentos históricos é a sua compleição
enquanto matriz religiosa a partir do ano de 1908 no Rio de Janeiro,
expressando-se em uma Casa espírita do município de São Gonçalo.
De acordo com Haag (2011) e Vargas et al. (2018; 2019):
[...] o Caboclo das Sete Encruzilhadas veio ao mundo pelo
médium Zélio Fernandino de Moraes, na época com 17
anos. A partir de então, a Umbanda se consolidou como
religião em muitas Casas do estado do Rio de Janeiro.

Ao estender-mo-nos para o ano de 1930, com o apoio de parte


da classe média intelectual, a Umbanda se cristalizou no discurso e no
imaginário social daquela sociedade, mantendo aspirações de ser uma
representação legítima da mestiçagem brasileira, fator que se agluti-
nou com a proposta de país trazida pelo expoente intelectual Gilberto
Freyre15 e a consolidação do Estado Novo.16 A nova doutrina religiosa
15 Professor, sociólogo e antropólogo nascido em 1900 e falecido em 1987. Responsável
pela propagação política, literária e social do conceito de democracia racial estabeleci-
do dentro do berço subjetivo da sociedade brasileira metropolitana na década de 1930.
16 Período político em que o Brasil foi governado pelo presidente Getúlio Vargas, que
se afirmou em um golpe de Estado com a participação de parcela da população con-
servadora e os militares. Mais informações em: CODATO, Adriano. Estado Novo no

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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

coagulada com as políticas de Estado que sonhavam com o Brasil de-


mocrático e inclusivo racialmente, ao menos aos olhos das políticas
eugenistas do Estado Novo, afastaria o estigma e o problema afroindí-
gena na sociedade urbana (FREYRE, 2003; BIRMAN, 1983).
Desta forma, a Umbanda se expressa como religião que de-
monstra o equilíbrio identitário nacional, alinhada com o pensamento
propagado por intelectuais da época. Para essa máquina discursiva pro-
duzir coesão, foi necessário o processo de análise da conjuntura social
brasileira que estava sendo remodelado diante do processo de desen-
volvimento industrial e a ascensão das metrópoles em resposta à ordem
econômica mundial (OLIVEIRA, 2007, p. 92; VARGAS et al., 2019).
Em 1941, é organizado o Congresso do Espiritismo de Um-
banda com a composição de muitos religiosos advindos de São Paulo
e do Rio Grande do Sul. O encontro teve como pauta a socialização
das crenças umbandistas, aliando-se ao projeto de branqueamento
social da sociedade brasileira e o afastamento dos estigmas que toma-
vam força na sociedade brasileira, vinculando a Umbanda à Macum-
ba carioca e ao Candomblé baiano (ANON, 1942 apud BROWN,
1985; VARGAS et al., 2019).
Tendo em vista que as religiões de matrizes afroindígenas
eram frequentemente relacionadas socialmente a práticas demonía-
cas, ensejava-se o apagamento de rituais que constrangiam as con-
cepções religiosas de parte da população brasileira, principalmente
a católica e protestante conservadora (RODRIGUES, 1935; BAS-
TIDE, 1971, p. 371; NEGRÃO, 1993). Contudo, embalada por sua
raiz originária da cultura brasileira miscigenada, a Umbanda ganhava
cada vez mais adeptos, principalmente nas periferias das metrópoles,
onde muitas vezes os sermões confessionais eram ausentes de senti-
dos cotidianos do público local.
Entre 1960 e 1980 já era perceptível o crescimento da religião
dentro do tecido social brasileiro. O Censo Demográfico de 1980 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstrava
um total de 20 milhões de umbandistas, proporção que surpreendia
seus interlocutores a cada dia (VARGAS et al., 2019).
Como contracorrente dessa popularidade umbandista, acen-
tuavam-se dentro das igrejas católicas os movimentos carismáticos e,

Brasil: Um Estudo da Dinâmica das Elites Políticas Regionais em Contexto Autoritá-


rio. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 2, 2015.

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A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

em conjunto com essa ascensão, surgiam como destaques no cená-


rio nacional as religiões neopentecostais conservadoras,17 desdobra-
da do segmento protestante pentecostal progressista (ALENCAR,
2019). Com a progressão desses segmentos de fé o campo religioso
brasileiro se fragmentou, pois, as concepções religiosas associadas
à salvação e devoção a um Deus cristão eram incompatíveis com as
crenças em reencarnação, possessões e os transes explicitados pelos
médiuns e as entidades espirituais da Umbanda (SANTOS, 2012;
VARGAS et al., 2019).
Ao derivarmos esse cenário, encontramos as gêneses do ra-
cismo religioso, fruto do racismo estruturante das relações sociais
produzidas desde a invasão dos territórios indígenas no século
XV até o Brasil atual alicerçado na biopolítica de branqueamento
(MAIA; ZAMORA, 2018). Desse modo, foram criminalizados os
adeptos da Umbanda e suas práticas foram direcionadas a segmentos
sociais excluídos da ortodoxia religiosa, como negros, mestiços e
brancos empobrecidos.
A construção religiosa da Umbanda em solo brasileiro de-
senvolve-se como variante sincrética das composições religiosas
influentes no Brasil do início do século XX. Além disso, a doutrina
ganhou destaque entre as populações excluídas ou incompreendi-
das pela racionalização eclesial dominante, tornando-se uma dou-
trina religiosa criminalizada e estigmatizada, sendo entendida como
manifestações espirituais específicas de determinadas raças, classes
sociais e territórios (BROWN, 1985; VARGAS et al., 2019).
A seguir, finalizamos essa breve análise com o pensamento
de Vargas et al. (2019, p. 5):
Apesar disso, no Brasil segue crescendo o número de pessoas
que se autodeclaram umbandistas. De acordo com o IBGE,
estima-se que a população brasileira em 2017 ultrapassou os
207,7 milhões de habitantes e que 588, 797 mil pessoas são
adeptas das religiões de matrizes africanas e Umbanda, dado
que resulta em 0,37 % da população brasileira (0,05 % acima
do censo anterior), sendo a sétima religião mais citada entre
as pesquisas.

17 SANTOS, Milena Cristina. O Proselitismo religioso entre a Liberdade de expres-


são e o Discurso de ódio: a “Guerra Santa” do Neopentecostalismo contra as Religiões
afro-brasileiras. 2012. 245 f. Dissertação (Mestrado em Direito)—Faculdade de Direi-
to, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

23
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

PSICOLOGIA E OS POVOS
TRADICIONAIS DE TERREIRO – DO
INDIVÍDUO/SUJEITO À PESSOA
Ao iniciarmos essa ideia na obra, aproximamo-nos da per-
gunta realizada na síntese do pensamento de Henriques Bairrão
(2017, p. 4), até aonde a Psicologia ocidental e suas vertentes estão
implicadas em estabelecer a espiritualidade e as expressões religio-
sas como campos férteis para as produções de conhecimento e subje-
tividade? Sendo mais objetivo, estará a Psicologia implicada com as
produções de vida que habitam as religiosidades e espiritualidades?
A resposta à questão trazida inicialmente, leva-nos a com-
preensão sobre o reconhecimento do Conselho Federal de Psicolo-
gia (CFP), em relação ao atraso histórico desse ramo da ciência no
que tange ao trabalho das (os) profissionais de Psicologia com os
povos tradicionais brasileiros. Somente no ano de 2019 o CFP pos-
sibilitou a elaboração do documento regulamentador de referências
técnicas para atuação de psicólogas (os) com os povos tradicionais
brasileiros.
Ao nos ocuparmos em problematizar18 essa questão, encon-
tramos ainda no século XXI, nas sociedades “pós-coloniais”, pro-
fissionais que fazem uso do saber que a Psicologia produz e repro-
duz para regimentar e afirmar um campo de neutralidade em suas
pesquisas científicas, práticas sociais, institucionais e clínicas; de-
terminada produção de sujeito/indivíduo e objeto descolados da sua
formação sócio-histórica (MUNANGA, 2014, p. 4). Caberia diante
desse pensamento outro questionamento: não seriam essas socieda-
des neocoloniais?

18 Para mais informações, vide: FOUCAULT, Michel. Problematização do sujeito: Psi-


cologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro: Florense, 2000.

24
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Ao seguirmos o pensamento de Santos (2019, p. 2), afirma-


mos que é necessário enegrecer a Psicologia, jogá-la para lugares em
que ela pouco foi tensionada, territórios onde o pensamento se contra
colonize dos aspectos que formam a civilização ocidental (SANTOS,
2015, p. 34). Esses campos onde os velhos e velhas autoras (es) re-
quisitadas para nos auxiliarem a pensar, não sirvam mais como bús-
sola e lupa das investidas científicas (FANON, 1968, p. 5). Torna-se
necessário provocar a ciência psicológica a pensar em outras éticas e
estéticas da existência, onde os saberes pós e pré-coloniais destituam
o edifício do colonialismo19 (KAWAHALA; GOÉS, 2017).
Os processos coloniais, a política de branqueamento e o pac-
to da branquitude no Brasil, seguindo a esteira do pensamento de
Bento (2002), subjetivam e estruturam as instituições de maneira
profunda e regimentar. Esses vetores estruturantes da colonialidade
também alicerçam a Psicologia ocidental, sendo essas as reproduto-
ras até os dias de hoje da ideologia da branquitude-patriarcal-euro-
peia-universalista (VEIGA, 2019).
Dessa maneira, evidencia-se a necessidade de sulear20 as pro-
duções de conhecimentos! Quebrar a bússola orientada para o norte
e balizarmo-nos por raízes, rizomas e fronteiras não-ocidentais e
não-brancas, uma psicologia das encruzilhadas.
Será que estamos preparados para aprender outras concepções
de indivíduo/sujeito que não o branco-androcêntrico-monogâmico-
-cis-hétero-euromonoteísta-ocidental? (SODRÉ, 1988). Enegrecer a
Psicologia é transversalizar uma ecologia de saberes: torná-la negra,
indígena, quilombola, cigana, ribeirinha, dentre outras. Com isso,
contra colonizar este mundo nórtico e trazer os mundos violentados
pelo ideal de vida ocidental, excludente e parcial para o enfrentamen-
to epistêmico e orgânico (SANTOS, 2007b).

19 Mais informações em: ASSIS, Wendell Ficher Teixeira. Do colonialismo à coloniali-


dade: expropriação territorial na periferia do capitalismo. Caderno CRH, v. 27, n. 72,
2014. DOI: 10.1590/S0103-49792014000300011. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/ccrh/a/mT3sC6wQ46rf4M9W7dYcwSj/abstract/?lang=pt. Acesso em: 10 abr. 2021.
20 Essa modalidade de pensamento é sistematizada por Paulo Freire e traz uma importan-
te contribuição para o modo de olhar e agir sobre a nossa realidade a partir das nossas
vivências e experiências – endógenas –, em busca da emancipação do olhar eurocen-
trado do mundo ocidental. Para um maior aprofundamento, vide: FREITAS, Ana Lúcia
Souza. Dicionário de Paulo Freire. Revista Lusófona de Educação, n. 24, 2013.

25
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Após as provocações iniciais, traremos ao diálogo o pensa-


mento da etnopsicologia, vertente teórico-prática da ciência psicoló-
gica que, de acordo com Henriques Bairrão (2017, p. 3-4), auxilia-nos
a trabalhar com campos imbricados da Psicologia e Antropologia;
essas confluências nos permitem inquirir outros núcleos de experi-
mentações de subjetividade, como a espiritualidade, as experiências
religiosas, os saberes tradicionais e as culturas ancestrais. Ao rea-
lizarmos este aceno para a etnopsicologia, provocamos a Psicologia
eurodescendente a se (re) pensar como campo que ainda segrega e
constitui a norma, pois acredita na individualidade humana em con-
traponto às diversas ontologias e produções de conhecimentos expe-
rimentados pela humanidade ao longo de milhares de anos. Confor-
me Pagliuso e Bairrão (2011 apud BAIRRÃO, 2017, p. 5):

No caso da Psicologia, deve-se considerar que o desven-


damento empírico dos saberes etnopsicológicos, na me-
dida em que se encarnam em comportamentos sociais e
autocompreensões pessoais, é uma condição preliminar e
imprescindível a qualquer projeto de construção de uma
Psicologia democrática e em diálogo com os seus utentes.

Com o auxílio do pensamento dessa vertente teórico-meto-


dológica, propomos experimentar os elementos constitutivos de ou-
tra noção ontológica, a pessoa, distinguindo-se expressamente da di-
mensão de pessoa trazida pela Psicologia humanista,21 que apesar de
ser mais integral ainda é focada no modelo ocidental de ser humano.
O que buscamos com a apresentação desta ontologia é traçar pon-
tos que consolidem as subjetividades em sua multiplicidade, com
as suas divindades e seus elementos da natureza... O ser integrado
à perspectiva afrodiaspórica e indígena (NASCIMENTO, 1980;
OLIVEIRA, 2019, p. 2).
Deve ser incômodo para os reprodutores do pensamento co-
lonial imaginar um ser fora da perspectiva platônica/aristotélica/
cartesiana, pois faz fugir para uma dimensão de pessoa com suas

21 Para o aprofundamento dessa questão, vide: MESSIAS, João Carlos Caselli; CURY,
Vera Engler. Psicoterapia centrada na pessoa e o impacto do conceito de experiência.
Psicologia: Reflexo e Crítica, v. 19, n. 3, p. 355-361, 2006.

26
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

multidimensionalidades e polifonias – ubuntu.22 Nesse sentido, essa


outra ontologia se encontra com as racionalidades, o sagrado, as
divindades, os ancestrais, os rituais, os afetos, as sexualidades, os
cantos, os sons, os saberes, os cheiros, as práticas de cuidado,23 os
gostos, os ritmos, as gingas, as danças e os corpos em confluência
com os animais, com as plantas e com os elementos, como o fogo, a
água, o trovão, o ar e a terra.
As racionalidades não são atributos pertencentes ao Ociden-
te, como quiseram afirmar durante os períodos da modernidade, do
renascimento, da revolução científica, do iluminismo e do colonia-
lismo; todo ser humano, independentemente da sua territorialidade e
geografia, possui a capacidade e o direito de refletir sobre si e sobre
a própria natureza (SARAIVA, 2019, p. 4). Parece uma afronta ou
uma virada no antropoceno ocidental ser convocado a se pensar in-
tegrado ao todo – natureza –, e com a experimentação da vida na sua
expressividade pluriversa e multifacetada. Dessa forma, fazemos
fluir a noção de sujeito/indivíduo para chegarmos à pessoa. Ainda de
acordo com Saraiva (2019, p. 6):
Cada pessoa é a representatividade de uma parte da hu-
manidade, que, em sua totalidade, habita nela. Além disso,
Ubuntu remete ao movimento que precede a existência,
novamente uma existência anterior ao eu, é uma dinâmica
de interfaces da própria existência. Logo, tudo que é existe
faz parte da humanidade.

Após escurecermos as lentes ocidentais nos encontramos


com o pensamento de Vargas (2019, p. 7) em consonância com os
povos de Terreiro, que são reconhecidos como Povos Indígenas e
Tribais no texto da convenção n.° 169 de 1989 da Organização In-
ternacional do Trabalho, assim como Povos e Comunidades Tradi-

22 Perspectiva ético-política trazida por uma das linhas filosóficas africanas – Bantu –,
que desloca a centralidade do indivíduo/sujeito para composições pluriversais. Para
maiores aprofundamentos, vide: VANSCONCELOS, Francisco Antônio de. Filosofia
Ubuntu. LOGEION: Filosofia da Informação, v. 3, n. 2, p. 100-112, mar./ago. 2017.
23 Mais informações em: NUNES, João Arriscado e LOUVISON, Marília. Epistemolo-
gias do Sul e descolonização da saúde: por uma ecologia de cuidados na saúde coletiva.
Saúde e Sociedade, v. 29, n. 3, 2020. DOI: 10.1590/S0104-12902020200563. Dispo-
nível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/8XdsBw8dwhVQfr7B4ccBvVH/?lang=pt.
Acesso em: 15 maio 2021.

27
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

cionais de Matriz Africana no I Plano Nacional de Desenvolvimento


Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Afri-
cana, junto com o Decreto Dederal n° 6.040, de 2007.24 Os povos de
Terreiro são reconhecidos como tradicionais por disporem de uma
organização societária que se faz existir com fins de compartilha-
mento comunitário, espiritual, ancestral, oral e fraternal, para con-
servação da sua cultura, que Prandi (2000 apud VEIGA, 2016, p.
57-58) descreve assim:

Os terreiros não reconstituíram apenas a religião, mas,


sendo ela associada à própria forma da sociedade africa-
na importada, também muitos aspectos dessas sociedades
acabaram sendo reproduzidos nos seios dessas instituições
culturais, mesmo que de forma simbólica.

Ao adentrarmos as realidades desses importantes povos tra-


dicionais, encontramos as profundas lutas pela sua sobrevivência em
solo brasileiro devido às diversas formas de violências sistêmicas
instauradas na sociedade ocidental, que se organiza reproduzindo a
intolerância e o racismo religioso,25 fato que o CFP vem trabalhando
para enfrentar ao afirmar o Código de Ética Profissional do Psicólo-
go,26 a atribuição da Resolução N° 018/200227 e as Referências Téc-
nicas para Atuação de Psicólogas (os) nas Relações Raciais de 2017.
Apesar dessa importante posição do Conselho Federal, o racismo

24 BRASIL. Decreto n.º 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional


de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília,
DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci
vil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6040.htm. Acesso em: 11 abr. 2021.
25 Para maior aprofundamento, vide: HOSHINO, Thiago de Azevedo Pinheiro;
CHUEIRI, Vera Karam de. As cores das(os) cortes: uma leitura do RE 494601 a par-
tir do racismo religioso. Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 3, jul./set. 2019. DOI:
10.1590/2179-8966/2019/43887. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/kMKy
pHpQQZCF3gg63HyyThd/abstract/?lang=pt. Acesso em: 15 abr. 2021.
26 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP n.° 010/2005. Códi-
go de Ética Profissional do Psicólogo, XIII Plenário. Brasília, DF: CFP, 2005.
27 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP n.º 018/2002, de 19
de dezembro de 2002. Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação
ao preconceito e à discriminação racial. Brasília, 2002. Disponível em: https://site.cfp.
org.br/wp-content/uploads/2002/12/resolucao2002_18.PDF. Acesso em: 11 abr. 2021.

28
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

estrutural28 é um fator estruturante das relações sociais, e o racismo


religioso se situa como expressão desse funcionamento, interferindo
diretamente na promoção e na consolidação de políticas públicas,
institucionais e sociais de proteção desses povos tradicionais.
Experienciar as construções espirituais dos múltiplos po-
vos tradicionais, auxilia-nos na confluência com a nossa formação
socio-histórica e, permite-nos reforçar que a Psicologia precisa se
destituir e tornar-se outras, conforme Sousa (1983) e a partir des-
sas transversalidades de saberes, pluralizar-se para tornar-se indíge-
nas,29 mulheres, trans, ciganas, ribeirinhas, quilombolas, perifé-
ricas e estrangeiras em si. Assim sendo, seguindo as indagações de
Kilomba (2019, p. 27):
[...] como conceito de conhecimento, erudição e ciência
estão intrinsecamente ligados ao poder e à autoridade ra-
cial. Qual conhecimento está sendo reconhecido como tal?
E qual conhecimento não o é? Qual conhecimento tem
feito parte das agendas acadêmicas? E qual conhecimen-
to não? De quem é esse conhecimento? Quem é reconhe-
cida/o como alguém que possui conhecimento? E quem
não é? Quem pode ensinar conhecimento? E quem não
pode? Quem está no centro? E quem permanece fora, nas
margens?

Para se tornar democrática e dialógica a Psicologia necessita


da responsabilização pelos seus processos eurocentrados e, a partir
disso, destruir a casa que ganhou de herança da sua família colonial,
aportada com tecnologias importadas e modelares, para criar outros
habitats, com outras(e/o) arquitetas(e/o), inventoras(e) e construto-
ras(e) –, ocupando-se com os múltiplos modos de experimentar a
vida. Ao viver o múltiplo, torna-se uma prática reducionista, frag-
mentada e limitada, digna da reprodução da ciência ocidental, tra-
balhar com o indivíduo, o sujeito e o objeto, em busca da repetida
neutralidade na produção de conhecimento.

28 Para maior compreensão sobre a estruturação do racismo nas sociedades mundiais e


mais profundamente na brasileira, vide: ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo
estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
29 Nessa afirmação elencamos as palavras no plural e no múltiplo, em contraponto à
identidade estática.

29
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Desse modo, finalizamos com outras questões: nas acade-


mias, quem são aqueles(as) que estão ocupando as posições de saber/
poder? Qual a sua autodeclaração racial? De que posição subjetiva
eles(as) falam? Quais ciências produzem? Quais povos/populações
estudam? Quais produções de conhecimento privilegiam? Como
exercitam a sua sexualidade? Onde residem? Quais espiritualidades
habitam? Será que acreditam na neutralidade do saber? (SPIVAK,
2010). Pois bem, são essas desconstruções que visamos instigar com
esse livro que envolve a ciência psicológica, os seus agentes e os
seus nós.

30
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

INDICADORES DE BEM-ESTAR
PARA POVOS TRADICIONAIS
Os encontros dos povos tradicionais com a cultura ocidental
no mundo, América Latina e Brasil registram diversas formas de vio-
lências, dominações, explorações, mistificações culturais, étnicas e
espirituais aos povos já citados, no passado e atualmente. Nesse sen-
tido, arranjaram-se formas de combater às sobreposições de poder
e o padrão de desenvolvimento humano imposto pelos marcadores
internacionais através de construções coletivas com os povos tradi-
cionais. Cria-se, então, um dispositivo que se apoia no subsídio de
marcadores e indicadores de qualidade de vida – focada na singula-
ridade de cada povo tradicional –, tendo como objetivo a criação de
estratégias internas e no levantamento de demandas para a produção
de políticas públicas, sociais e institucionais que auxiliem na pre-
servação dos seus modos de vida e da sua soberania em contraponto
aos marcadores socioeconômicos dominantes (ACOSTA, 2013; LA-
CERDA, 2016 apud VARGAS, 2019).
Ao seguir esta perspectiva de luta por soberania e autopreser-
vação dos povos tradicionais na América Latina, foram realizadas di-
versas pressões por parte das organizações representativas dos povos
tradicionais, e esses tensionamentos alcançaram conquistas signifi-
cativas, como “[...] a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas
(ONU, 2009),30 o Pacto de Pedregal31 e o Decreto 4887/0332 sobre
30 Mais informações em: Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas:
perguntas e respostas. 2. ed. Rio de Janeiro: UNIC; Brasília: UNESCO, 2009. 80 p.
31 O Pacto de Pedregal foi firmado após a reunião de consolidação de algumas providên-
cias sobre os direitos dos povos indígenas. Em 1993 foi consolidado o ano Internacio-
nal dos Povos Indígenas. Mais informações em: Pacto del Pedregal. Universidad Na-
cional Autónoma de México, 2016. Disponível em: http://www.nacionmulticultural.
unam.mx/pactopedregal/. Acesso em: 1 out. 2020.
32 Para o aprofundamento sobre a questão, vide: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/2003/d4887.htm. Acesso em: 1 out. 2020.

31
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

a demarcação destes territórios, etnoeducação, entre outros” (VAR-


GAS et al., 2018; 2019). De acordo com Vargas et al. (2018, p. 4):

Para os povos tradicionais estudados, bem-estar se encon-


tra sob o equilíbrio entre a intervenção do povo e o meio
onde intervém, portanto, um conceito de condições espiri-
tuais e materiais de harmonia com a natureza que acaba por
gerar uma série de acordos comunitários, comportamentos
e percepções voltadas para certo estilo de vida.

Esse conjunto metodológico está ancorado em cinco capa-


cidades, que se afirmam na dimensão de bem-estar, condensadas
no conceito de abundância33 e construção coletiva com os povos
tradicionais. Essas cinco capacidades se subdividem em dezenove
indicadores sociais, econômicos, culturais, ambientais e espirituais
(VARGAS et al., 2019).
Os indicadores são distribuídos em perguntas metodológicas
que nos auxiliam na construção conceitual dos sentidos de bem-estar
para aquela comunidade, naquele dado momento. A seguir, no Qua-
dro 1, estão as capacidades com as suas conceitualizações:
Quadro 1 – Síntese e explicação das capacidades dos IBPTs
Se expressa como indicador o potencial de governabilida-
Capacidade de Controle
de sobre o território; avalia existência de assembleias, lide-
Coletivo do Território
ranças, associações, reuniões e processos decisórios.
Possui como indicadores o potencial de áreas com recur-
sos naturais, os processos de conflitos e sobreposições de
terras, potencial de áreas cultiváveis, densidade e fluxo po-
Capacidade de Agencia- pulacional, processos de autorreconhecimento étnico, rea-
mento Cultural Autônomo lização e participação em atividades culturais como: festas
e rituais; manifestações concretas e explícitas de línguas
maternas e o envolvimento com o grau de escolaridade
vinculada ao ensino formal.
Avalia-se o grau de diversidade dos alimentos produzidos
e consumidos, a existência e incidência de tabus culturais
Capacidade de Garantir Se- frente à diversidade alimentar existente, meios de aquisi-
gurança Alimentar e Saúde ção dos alimentos, grãos e sementes; transformação e ar-
mazenamento de alimentos, além de indicadores referentes
à desnutrição.

33 Mais informações em: VARGAS, Everson Jaques. Indicadores de Bem-Estar para


Povos Tradicionais (IBPT). São Leopoldo: Casa Leiria, 2019.

32
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Mensura-se sobre o exercício da territorialidade através


de normas e regras comuns, o detalhamento dos processos
Capacidade de Construir decisórios e as estratégias de enfrentamentos de possíveis
um Ambiente Tranquilo conflitos internos e externos, assim como os desdobramen-
tos referentes aos contratempos ocasionados pelas diferen-
ças culturais.
Indicadores referentes ao acesso à água potável, ao sanea-
mento básico, ao destino adequado de resíduos, a cobertura
Capacidade de Autocuida- de saúde ofertada pela medicina formal e a medicina tra-
do e Reprodução dicionais, número de pessoas nestas duas perceptivas me-
dicinais que podem auxiliar no combate a doenças, assim
como a amplitude do apoio e assistência a gestão ao parto.
Fonte: Acosta e Lacerda (2017).

A ferramenta metodológica em questão vem sendo experi-


mentada e aperfeiçoada no Brasil, em conjunto com diversos povos
tradicionais, através do Observatório Nacional de Justiça Socioam-
biental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) e seus múltiplos par-
ceiros que compõem a rede de Promoção da Justiça Socioambiental.
Na Colômbia, país que abriga pesquisadores(as) instrumentaliza-
dos(as) com a metodologia, que se têm destinado à experimentação
dos IBPTs é o SINCHI – Instituto de Investigações Amazônicas – e,
no Peru, as ações estão sob responsabilidade do IIAP – Instituto de
Investigação da Amazônia Peruana (VARGAS et al., 2018; 2019).
O caso da vivência do pesquisador e da experimentação dos
IBPTs que trazemos neste trabalho refere-se justamente a uma des-
sas experiências de pesquisa em território brasileiro em conjunto
com a liderança religiosa do Centro de Umbanda Cacique da Lua e
Oxum das Cachoeiras: A Ordem dos Guardiões da Luz. Neste estudo
seguiu-se a adaptação do recurso metodológico utilizado por Vargas
et al. (2018; 2019) com os povos tradicionais – povos de Terreiro.

33
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

APOSTA METODOLÓGICA
O contato com o templo religioso foi realizado no ano de
2019, tendo em vista que o seu sacerdote pertence à comunidade
onde situam-se dois Terreiros que construíram pesquisas pelo pes-
quisador/graduando em questão. Assim, a liderança faz parte da
formação territorial/cultural/religiosa dos Terreiros pesquisados
anteriormente por Vargas et al. (2018; 2019). A aproximação com a
comunidade de Terreiro do Centro de Umbanda Cacique da Lua e
Oxum das Cachoeiras: A Ordem dos Guardiões da Luz se formali-
zou a partir da apresentação da proposta para a liderança religiosa – a
autoridade da Casa de religião –, que realizou o experimento dessa
metodologia vivencial e socioambiental adaptada à realidade pandê-
mica e aos povos tradicionais brasileiros.
A liderança religiosa assinou o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) que visa a autorização do processo de pesquisa
depois que o projeto foi contemplado pelo Comitê de Ética da Univer-
sidade da Vale do Rio dos Sinos via Plataforma Brasil, aprovado con-
forme o CAAE 40296020.5.0000.5344, que autoriza a divulgação de
imagens e a gravação dos diálogos da entrevista individual/coletiva34
situada nas plataformas digitais. Como modo de registrar os encontros
foi utilizado o WhatsApp e um gravador de celular, com autorização
prévia do entrevistado para o processo de escrevivência da pesquisa.

Delineamento-Amostra/Participantes

A pesquisa foi realizada através de uma análise por conve-


niência entre pesquisador e a liderança tradicional, formulando um

34 Para a liderança do povo de Terreiro estudado, não há separação entre indivíduo e co-
letivo, há sempre mais de uma força – entidades –, falando com ele e o resguardando.

34
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

estudo qualitativo, com recurso metodológico da escrevivência e de


parte dos IBPTs de modo virtual, realizando-se, assim, um estudo
exploratório-descritivo com uma amostragem não-probabilística
(VARGAS et al., 2019, p. 7-10). Nessa modalidade permite-se es-
creviver os processos de produção de bem-estar com o povo de Ter-
reiro nas relações que se produzem com o pesquisador, as lideranças
religiosas e seu sagrado. O participante da pesquisa é a liderança
religiosa do povo de Terreiro do Centro de Umbanda Cacique da
Lua e Oxum das Cachoeiras: A Ordem dos Guardiões da Luz, que
participou do processo de pesquisa e da escrevivência junto com o
pesquisador.

Procedimentos de coleta e análise de dados

Para a obtenção de informações e coleta de dados, traba-


lhou-se de maneira virtual através de dez encontros sistemáticos
com a duração de uma hora realizados pelo Google Meet ou cha-
mada de vídeo do WhatsApp com a liderança religiosa do Ter-
reiro por quatro meses. Além disso, foram realizadas entrevistas
individuais/coletivas, leitura de relatórios dos templos religiosos,
verificação de documentos e fotos, interlocuções com as lideran-
ças religiosas e sua comunidade, construção dos acordos de pes-
quisa, participação virtual nas assembleias de divulgação do tra-
balho com seus integrantes, participação de cerimônias religiosas
virtuais, acompanhamento de lives, festas do Terreiro, eventos de
reivindicações sociais virtuais – fóruns –, reunião com a lideran-
ça para explanação do recurso metodológico, e experimentação do
questionário semiestruturado dos IBPT com o sacerdote – com a
duração de dois meses dentro do prazo total estipulado. A escrevi-
vência dos modos de vida com as pessoas que frequentam o Terrei-
ro é obtida através da experiência da entrevista individual/coletiva,
balizada pelo questionário utilizado como ferramenta e instrumen-
to de produção de saberes organizados por Acosta e Lacerda (2017)
e atualizado por Vargas et al. (2018; 2019).

35
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Instrumentos/ferramentas,
tecnologias e cosmopercepções

As ferramentas que trazemos como base do estudo são cons-


tituídas por um conjunto metodológico utilizado em três países da
América Latina – os IBPTs –, essa ferramenta cosmoperceptiva35 e
socioambiental foi atualizada para ser experienciada com os povos
tradicionais de Terreiro por Vargas (2019), entretanto, foi a pri-
meira vez que se realizou a experimentação de maneira virtual. Se-
guimos a sua composição passando pelas capacidades avaliadas, os
seus indicadores de base e as perguntas metodológicas que alicerçam
o questionário estruturante da entrevista com a liderança. Contudo,
nessa modalidade de pesquisa desenvolvida como aposta metodo-
lógica deste trabalho, utiliza-se como campo tático somente as per-
guntas metodológicas aliadas com as capacidades, sem a intenção de
invalidar o instrumento por completo, mas fazendo uso do seu frag-
mento como composição recursal para o acesso aos conhecimentos
produzidos com o povo de Terreiro entrevistado.
A seguir, no Quadro 2, trazemos parte da proposta dos in-
dicadores dentro desta tríade analítica: capacidades, indicadores e
perguntas metodológicas:
Quadro 2 – Exemplo de parte do questionário utilizado
na experimentação do recurso metodológico, contendo
capacidades, indicadores e perguntas metodológicas.
Capacidades Indicadores Perguntas Metodológicas
Você reconhece quem e quantas são as autoridades
em seu Terreiro?
1. Em ordem de importância, poderia descrevê-las?
Capacidade Potencial de
Que relação existe entre cada uma delas?
de Controle Governabilidade
Coletivo do no Terreiro Como são elegidas essas autoridades e por quanto
Território tempo?
Quais são os principais desafios para um bom contro-
le do Terreiro?
Fonte: Vargas, 2019, p. 12.

35 Fluência de atuação das cosmovisões dos povos africanos para experimentação dos
múltiplos sentidos que passam e formam o corpo-encruzilhada. Mais informações
em: SILVA, José Artur do Nascimento; MENDES, Tarcísio Moreira; OLIVEIRA, Jul-
van Moreira; DE ÁFRICA, Nzinga; DIÁSPORA, Dandara. Cosmopercepção descolo-
nizando o corpo negro. Revista da ABPN, v. 12, n. 33, p. 402-430, jun./ago. 2020.

36
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Após demonstrarmos o formato da perspectiva metodológica


dos IBPTs, nos ateremos a explicitar a intenção em combinar as suas
capacidades com cada pergunta metodológica e o modo de experi-
mentar a pesquisa com o corpo, a condição e a experiência. Linha
sensível nomeada de escrevivência (OLIVEIRA, 2009, p. 622).
De acordo com Evaristo (2007, p. 21) um escrito não pode
ser construído para que a casa grande aplauda e vá dormir! A posi-
cionalidade do pesquisador em formação em mim não permite que
as estruturas de injustiças se mantenham de pé sem que sejam es-
tremecidas, no mínimo, sangradas com a nossa presencialidade e
encar-nações.36
Nesse sentido, a perspectiva ética e metodológica da escre-
vivência permite-nos trazer para o corpo – primeiro campo de enun-
ciação cosmoperceptivo – a composição de vários corpos; forma de
existir negro(a/e), através da pele, do rompimento de estereótipos e
da afirmação das memórias que são evocadas através do encontro
com o outro. Ramos (2017) circunscreve esse território sensível aos
afetos como corpo-encruzilhada, campo habitado por frequências,
elementos, produções de temporalidades, polifonias e vibrações, que
se performam nas multiplicidades dos encontros e caminhos com os
outros corpos-natureza; eventualidades que conduzem esse modo de
fazer pesquisa. De acordo com Ramos (2017, p. 7):
Conceitualmente, o corpo-encruzilhada é um corpo-espaço
atravessado, entrecruzado pelos elementos e saberes-fazeres
que compõem o universo em que ele se encontra. Carrega uma
noção de tempo-espaço espiralado, curvilíneo, que aponta uma
gnosis em um movimento de eterno retorno, não ao ponto ini-
cial, mas às reminiscências de um passado sagrado, para o for-
talecimento do presente e o deslumbramento do futuro.

Ademais, lembra-se que o corpo do (a) pesquisador (a) é a


primeira tecnologia manejada para construir uma pesquisa escrevi-
vencial. Ao seguirmos para a segunda tecnologia utilizada, temos
a condição – processo enunciativo fraterno e compreensivo (OLI-
VEIRA, 2009) –, que se utiliza do corpo para construir vozes com o
povo nesta pesquisa.
36 Utiliza-se encar-nações no sentido de trazer a Psicologia para ocupar um corpo africa-
no que representa muitas nações e muitos povos.

37
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Desse modo, é através da condição que as narrativas viven-


ciais são escutadas, conectando-se com a história daquele agente
inscrito no corpo em constituição do (a) pesquisador (a) e, assim,
engendrando-se na afirmação de memória. “Ouvir é, nesse sentido,
o ato de autorização em direção à/ao falante. Alguém pode falar (so-
mente) quando sua voz é ouvida” (KILOMBA, 2019, p. 42).
Ao serem ouvidos por uma condição empática e compreen-
siva, formam-se as letras, palavras e frases da escrevivência docu-
mentada. A condição é uma ponte que leva os elementos de fronteira
– agentes do meio – às narrativas inscritas no corpo do (a) pesquisa-
dor (a) em formação.
A terceira e última tecnologia constituinte da escrevivência
é a dimensão da experiência. “A experiência, por sua vez, funciona
tanto como recurso estético quanto de construção retórica, a fim de
atribuir credibilidade e poder de persuasão à narrativa” (OLIVEIRA,
2009, p. 2). Essa terceira tecnologia regimenta a presencialidade
do (a) pesquisador (a), pois necessita da produção de um campo que
se estetiza com as narrativas subalternas,37 as racionalidades, os
sons, os gestos, os ritos, a musicalidade, o toque, as cores, as in-
tensidades e as expressões, construindo um jogo de linguagem que
fomenta a produção de conhecimento nas relações de pesquisa.
Destarte, vislumbra-se ao demonstrar a composição deste re-
curso metodológico pavimentar o campo de estudo da Psicologia e
fortalecer o entendimento de que o ato de pesquisar se consolida em
um movimento ético-estético-político, no qual o (a) pesquisador (a)
em devir se coloca confluindo com os agentes, e é precisamente nes-
se encontro que a própria pesquisa acontece. Os conjuntos tecnoló-
gicos dos IBPTs e da Escrevivência proporcionam aos atuantes uma
construção ética, compartilhada, democrática, relacional e coletiva,
rompendo com a dicotomia entre pesquisador-pesquisado, sujeito-
-objeto, neutralidade-parcialidade.

37 Utilizamos aqui a problematização trazida por Spivak sobre a fala subalterna. Mais in-
formações, vide: SPIVAK, Gayatri Chakravony. Pode o subalterno falar? Tradução:
Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Belo
Horizonte: UFMG, 2010. Título original: Can the Subaltern Speak?

38
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

EXPERIÊNCIAS DE AXÉ E AGÔ E


A ESCREVIVÊNCIA DOS NÓS

As histórias são inventadas, mesmo as reais, quando são


contadas. Entre o acontecimento e a narração do fato, há
um espaço em profundidade, é ali que explode a invenção
(EVARISTO, 2018, p. 14).

Conceição Evaristo, essa autora orgânica que se encontra


permeando esse estudo, és uma Agba – a mais antiga e detentora
do saber ancestral –, e estará enveredando a pesquisa dos nós do
pesquisador, confluindo com Carolina Maria de Jesus, uma guia
escritual! Agô rainhas, pedimos licença para utilizar os saberes
brotados por mulheres negras e afirmamos que vocês seguirão nos
posicionando nessa escrevivência.
Essas mulheres mais antigas e afrodiaspóricas escurecem
as nossas estradas junto com Exu, ser que protege os caminhos e ensi-
na a pedir licença – agô –, às mais antigas e antigos, proferindo axé –
cumprimento que sinaliza o desejo de força e vitalidade –, aos encar-
nados que se fazem presente em nossa ancestralidade, na forma de
corpo, espírito,38 pensamento, letra, palavra e verso. Dessa manei-
ra, escreviver a história de formação de um psicólogo/pesquisador
preto é en-carnar39 a vida para além do Ocidente des-espiritualizado.
38 Condição vital trazida pelo desenvolvimento histórico-cultural-ancestral dos povos
africanos. O espírito para os saberes tradicionais dos povos de Terreiro está vinculado
à natureza e aos orixás sagrados, levando em conta os campos vibratórios de vida que
confluem com o cosmos e o todo integrado. Para mais informações: MACHADO,
Elaine Roberta Silvestre. No caminho de Tikorê, um lagarto: cartografias do percur-
so do cuidado na educação: aprendendo com o povo Dagara e a filosofia ubuntu. 2016.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2016.
39 Flexão da palavra “encarnar” que visa fazer caber o entendimento de que um corpo
não é constituído, somente, por carne, nervos e órgãos, e sim por um conjunto de ele-
mentos vitais que confluem com a espiritualidade.

39
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Em um dia de verão na cidade de Esteio/RS,40 um daqueles


dias quentes e úmidos da estação, situava-me contando o tempo com
o cantarolar de um pássaro, era um tic-tac que anunciava o meu atra-
so para aula na universidade, e esse vinha junto com a lembrança e
o apontar de minha mãe:
- Vai atrasar para a escola, acorda, arruma essa cama,
ajeita a mesa para o café dos seus irmãos e depois organi-
za o teu material.
Vestígios de memórias que apareciam na parada de ôni-
bus... Lembranças que apareciam em todo lugar! Recordações que
Conceição Evaristo cita em sua obra intitulada Becos da Memória
como lembranças transfiguradas de múltiplos que fazem nós. Toda
memória é coletiva.
Toda vez que esperava aquele ônibus – em Esteio/RS, cha-
mado de lotação – com destino à universidade, lembrava das histó-
rias dos meus ancestrais; era uma arte de produzir re(e)xistência
nos dias em que a graduação não fazia sentido, ou melhor, distorcia
os meus sentidos com a sua brancura. Na janela daquela lotação, na
ida e na volta das aulas do curso de Psicologia, saltavam as lembran-
ças dos meus mais velhos.
Ao olhar pela janela o que refletia no vidro não era a minha
imagem e sim o reflexo-vida dos (as) mais antigos(as) que chega-
vam por mim. São eles (as) que estavam e estão ocupando a univer-
sidade, dia após dia. Essa é a condição que eles tinham e que hoje eu
tenho por direito, conquistá-la por eles(as) e por nós.
Minha mãe é uma mulher negra, intelectual e simples do
interior de Alegrete/RS.41 Brinca com as palavras assim como faz in-
vencionices para ofertar educação e cuidados aos seus filhos. Certa
vez, deitada em sua cama até tarde da manhã, minha mãe falou-me
mansamente:
- Filho, tu vai no mercado, compra comida e cozinha para
nós? Logo tu vai crescer e vai ser como é importante cui-
dar de uma casa. Isso não é coisa de mulher. Eu sou a
Anália e aprendi isso desde cedo.

40 Cidade que se situa no Leste do estado do Rio Grande do Sul – Brasil


41 Cidade situada no Oeste do estado do Rio Grande do Sul – Brasil.

40
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Mamãe sempre reproduziu o aprendizado que se perpetuava


na sua infância.
Quando criança era uma menina moça, canelas finas e bem
magrinha. Brincava com altivez como um dos seus animais preferi-
dos do campo, “o graxaim”, sabia explorar os cantos e os encantos
do vento no descampado. O descampado assobiava como minha mãe
ao chamar a sua égua de criação com o nome Tranca.
O graxaim e a Tranca não saiam da boca de mamãe. Os becos
de sua memória brilhavam como o entardecer no campo da cidade,
raios de sol penetrando as nuvens, assim como as suas lágrimas tam-
bém adentravam os dias tristes das suas pequenas tristezas da vida
adulta, a poesia musical de Emicida ao contrário.42 Esse tempero
emocional de minha mãe me ensinou a escrever: mamãe é o adubo
da minha imaginação.
Não raros foram os dias que via minha mãe em prantos, so-
frendo calada pelas séries de privações de uma vida simples, no en-
tanto, levantava da cama e seguia em frente. A desistência não estava
no vocabulário de mamãe. Minha mãe é como Nanã, orixá que par-
ticipou da criação do mundo e feliz contemplou a beleza da invenção
de Oxalá, no entanto, atualmente e preocupa com a vida dos seus
filhos e filhas. Mulher preta, inteligente e persistente, demonstra
força para criar cinco filhos e trabalhar largos anos como diarista, e
fraqueza para contar a morte do seu querido pai.
Vovô Ambrósio tinha enviado a sua massa vital para Aruan-
da muito cedo, homem amante da educação pública e defensor da
busca por dignidade das pessoas negras, não suportou as fragilida-
des de uma existência atormentada por transtornos mentais e fez fu-
gir a vida com um veneno que se materializou no seu ato. Padeceu
com banzo,43 intoxicou-se de desgosto e deixou sua centelha de vida
pormenorizada nas memórias póstumas de minha mãe, minha avó,
minhas tias e tios e seus irmãos. Agora, também nos Becos da me-

42 O avesso da música “Pequenas Alegrias da Vida Adulta” do álbum AmarElo


do rapper Emicida.
43 Expressão de sofrimento e tristeza representadas pelas pessoas negras durante a diás-
pora africana colonial. Para um estudo mais aprofundado, vide: CARNEIRO, Cris-
tiano de Andrade et al. Efeitos psicossociais do racismo: o sofrimento psíquico em
discussão. In: Congresso de Psicologia da Região Centro Sul do Paraná, 7, 2016, Irati,
PR. Anais [...]. Irati: Unicentro, 2016.

41
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

mória dos seus netos, seus bisnetos e nos nossos Olhos d’água!
Com você meu querido avô que aprendi a lutar por uma Psicologia
equânime, universal e gratuita. Por essas lutas, você nunca será es-
quecido, sua lembrança habita em cada uma delas.
Vovó Feliciana – mãe de minha mãe – é uma mulher preta,
intelectual, solidária e pobre de Alegrete/RS, que cedo se tornou
mãe de nove filhos(as); em sua casa simples, com rebocos a fazer
e, principalmente, com muitas cicatrizes em seu alicerce, sobraram
violências e faltou um companheiro, como em muitos lares do nosso
Brasil afrodiaspórico.
Engajada no cuidado de uma família preta, como mãe solo
no Rio Grande do Sul, vovó viu suas filhas e filhos trabalharem no
campo e casarem cedo. Todos (as) elas (es) não tiveram acesso à
educação pública de qualidade, não somente pela negação de di-
reitos educacionais, mas quando juntamos todas as intersecções de
raça, gênero, classe, território e trabalho, entendemos que essas va-
riantes não permitiriam a nenhum(a) deles(a) estudar e se guiar por
caminhos não visitados anteriormente por sua hereditariedade.
A casa da minha avó foi deixada para trás por minha mãe,
meus tios e tias e, com ela, muitos afetos e carinhos. Vovó ama seus/
suas filhos (as), netos (as) e bisnetos (as) através de poucas palavras
e uma arte milenar dos povos africanos – a arte de cozinhar.
Até os dias atuais a mais antiga en-carnada da nossa ascen-
dência prepara a comida como um ritual para os seus ibejis – todos
os filhos, netos e bisnetos –, esses para ela nunca deixaram de ser
crianças. Minha avó ensina o que é amar com as suas mãos, assim
aprendeu a expressar o amor e a soletrar a nossa importância para
ela. A inspiração que percorre os meus dedos vem de minha avó.
Vovó continua amando através de mim.
Entre essas idas e vindas da universidade, em uma noite chu-
vosa de verão, lá estava eu, dentro da lotação, olhei para a janela
embaçada e me espantei com um vulto à minha direita. Havia sentado
uma pessoa no banco e não percebi. Ligeiramente, despertou a lem-
brança das histórias de assombrações que papai descrevia.
Meu pai, um homem negro, criativo e pobre, sempre teve
medo de encar-nações, contava-nos histórias de assombrações em
suas idas para o trabalho na roça – forma de nomear a cidade em que

42
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

nasceu –, usava delas para justificar as suas orações noturnas. Todas


as noites rezava e suplicava ao céu pela proteção da sua família. Sua
vida tão sofrida no campo, na roça e nas empresas da cidade grande,
é traduzida em seus pensamentos por meio da oração.
Desde pequeno buscou proteção materna, ausente em sua
vida, no cristianismo. Papai perdeu a sua mãe, Ibrantina, ainda
jovem no parto do seu irmão mais novo,44 uma perda que nunca ouvi
meu pai mencionar, nem mesmo o meu querido avô relatava esse
acontecimento trágico.
Minha avó deixou saudade e não pudemos transcrevê-la em
palavras. As expressões e as imagens da minha querida “vó”, hoje
estão no corpo do meu pai e suas irmãs e irmãos, são as escrevivên-
cias das nossas memórias.
Nossos antepassados iorubanos justificavam a partida de
um ente querido, ainda jovem, como uma tragédia. Eles faziam as
suas despedidas fúnebres e preparavam o corpo para a despedida,
visando uma possível volta da pessoa amada, renascida e com a sua
energia vital restabelecida.
Nesse sentido, meu velho pai não teve acesso e nem mesmo
conhece parte da cultura de um dos nossos povos ancestrais, mas
pode se reencontrar com os seus fantasmas, cultuados por uma in-
fância sem acesso à literatura, à cultura, à educação, à saúde, dentre
tantas outras privações.... Sem acesso aos afetos primordiais que o
desenvolvimento socioemocional equilibrado proporciona.
As lutas por dignidade do meu pai agora habitam em mim e
nos meus irmãos. Sou fruto dessas conquistas dos homens e mulhe-
res pretas do campo aos quilombos, descendentes de seres huma-
nos que eram reis e rainhas, mas foram escravizados no período de
invasão colonial em África. Dessa maneira, vieram forçados para o
Brasil e aqui forjaram esse país já composto pelos povos indígenas
também perseguidos e escravizados em sua terra.
Após a saída do campo à metrópole para trabalhar nas conhe-
cidas firmas, meu pai pôde experimentar as suas relações socioafeti-
vas, ainda imaturas, quando conheceu minha mãe na cidade de Porto
Alegre/RS. Papai deixou o domicílio do meu avô no campo, casa
pequena que mal cabia seus irmãos e irmãs em sua infância.
44 A família do meu pai é constituída por oito irmãos, um já falecido, e o restante resi-
dente na região metropolitana de Porto Alegre/RS.

43
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Cada vez que meu pai voltava naquele local para visitar o
meu avô, comigo ainda pequeno, acionava em mim memórias que
transitavam entre imagens do que não vivi e suas fabulações, nar-
rando sua trajetória de trabalho entre a mata. Esses contos tinham
cobras chamadas de “cruzeiras”, lagartos, bugios e aranhas.
Eram histórias de dificuldades, que traziam relações com as
adversidades que papai expressava também na cidade, muitas vezes
me contava que o seu maior medo era não ter comida no prato para
nos oferecer. Meu pai, como homem negro, nunca deixou de nos
mostrar, mesmo em forma de silêncio, que ser preto na sociedade
brasileira era uma tarefa a ser superada com muito estudo. Papai
acredita muito na educação, talvez, por ter sofrido tantas violências
no chão de fábrica.
Meu avô, de fisionomia cansada, calvo, curvado, quieto, com
dificuldades de caminhar, devido a um problema de coluna, e preciso
nas palavras, ensinou para o meu pai a compreensão da educação
pública como uma das formas de libertação e construção de dignida-
de social; vovô chamava os médicos com quem consultava – na sua
velhice residente da cidade grande, com o advento do Sistema Único
de Saúde –, de “entendidos”, pessoas que, segundo ele, sabiam sobre
o nosso futuro e deviam ser respeitadas. O acesso à cultura afro-
-brasileira e à educação superior para aquele velho homem preto
campesino não era uma possibilidade.
Meu avô era aquela pessoa que não imaginava um futuro
para si e para seus filhos que não passasse pelo trabalho no campo,
chão de fábrica, casamento, filhos(as) e aposentadoria. Atualmente,
tem netos(as) e bisnetos(as) com horizontes que superam as subje-
tivações que transcorriam na sua época e seus desafios de pai preto,
campesino e viúvo. Urge a batalha dos movimentos negros, qui-
lombolas e todos os segmentos de luta que pavimentaram esse solo.
Agô meu velho, pude conhecer mais profundamente a sua
história no povoado do qual você é natural no dia do seu funeral,
entretanto, não poderei presenciar você a escutando, mas ficará re-
gistrada em nossa escrevivência! Esse escrito é para você meu avô
querido.
Ao acompanhar o cortejo do carro fúnebre que levava o cor-
po do meu avô para ser enterrado no cemitério municipal de Vale
Verde/RS – sua cidade natal –, pedimos para o motorista do ônibus,

44
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

que conduzia grande parte da nossa família ao interior do estado,


parar em uma padaria que se situava na entrada do destino. Não ima-
ginava o que aquela parada significaria nesse dia tão triste.
Com os olhos marejados, camiseta amassada e com a barriga
vazia de fome e de perda, direciono-me para escolher um pastel e
retornar para o transporte que não demoraria muito tempo naque-
le ponto. No entanto, ao chegar no caixa do estabelecimento, fui
atendido por um homem, branco, idoso, de cabelo grisalho, com a
fisionomia ansiosa e angustiada, talvez quisesse me perguntar algo.
Abri minha carteira, tirei o valor do pastel e lhe alcancei.
Logo o homem apanhou o dinheiro, colocou na caixa registradora e
me entregou a sobra do recurso que havia pagado, contudo, não era
somente o troco que o velho homem queria entregar.
Com o rosto enrugado demais da conta, ele realiza a seguinte
pergunta:
- Por acaso vocês são parentes do Osvaldo?
- Eu: Sim, sou neto do ‘seu’ Osvaldo.
- Fiquei sabendo pelos vizinhos aqui de fora que ele faleceu.
Meus pêsames, guri.
- Eu: Obrigado pelos seus sentimentos. Aqui está a família
dele.
- Sim, imaginei, seu Osvaldo trabalhou na casa do meu pai.
Eu era amigo dele, brincávamos juntos.
- Teu avô foi um homem justo e honesto, mesmo viúvo – per-
deu sua companheira no parto do seu último filho –, criou
os seus filhos e nunca deixou faltar nada para eles. Seu avô
é um exemplo! Hoje vocês estão aqui para se despedir e se
orgulhar dele.
- Eu: Obrigado pelas palavras.
Após aquele encontro as lembranças daquele velho, preto e
curvado ganharam outros contornos, suas palavras ganharam outros
tons e os seus silêncios, ah, os seus silêncios... não serão mais os
mesmos. Ele estava me ensinando em vida e após a sua morte a arte
de fazer clínica em Psicologia.
Meu ‘vô’ foi um preto-velho en-carnado, veio ao mundo
para nos ensinar o valor da esperança. Vovô sabia que mais cedo ou
mais tarde seus/suas ‘fios’(as), netos(as) e bisnetos(as) alcançariam

45
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

o lugar de entendidos – das empresas, rodas de samba, movimen-


tos sociais e salas de aula –, ele sabia que a sua linha de cura sararia
as mazelas da desigualdade racial, econômica e política forjada pela
branquitude colonial no Brasil.
Com a sua morte, meu vô encontrou a minha vó na sua mas-
sa de origem, assim como se encontraram em suas lapides aqui no
Ayê, deram um longo abraço como se fosse o primeiro e o último.
Dessa forma, seguiram abraçados fora de uma dimensão temporal
cronos-lógica. Houve, então, a beleza do reencontro do preto e da
preta-velha em Orum, ambos satisfeitos com as suas vivências,
descansaram em paz para uma próxima revivência. Saravá meus
pretinhos!
Apresenta-se outro dia, não me faço tão presente em Esteio
como antes, iniciava outro trabalho em uma cidade próxima – Novo
Hamburgo45 – e agora as janelas que serviam como um espelho das
minhas memórias coletivas são os vagões do trem metropolitano –
TRENSURB. A transição das histórias pulsou das janelas da lotação
aos trilhos do trem.
Em um dia em que a chuva se fazia presente no meu coti-
diano, entro na estação para aguardar o trem no final da tarde, com
os pés molhados e os olhos cansados, passo a roleta e subo pausa-
damente a escada rolante. Quando já sumia a multidão dentro dos
vagões lotados do trem, percebi a entrada de um menino, e eu, ainda
de pé, apoiado nas paredes, impacto-me com a sua idade e a sua
eloquência.
O menino aparentava ter uns onze anos de idade, era negro,
com a estrutura física mais encorpada, carregava uma mochila nas
costas e um pacote de balas de gomas nas mãos. Oferecia as balas de
cidadão a cidadã, agradecendo pontualmente o não e o sim. Era fatídi-
ca a atenção de algumas pessoas e o desprezo de outras. Entre o des-
prezo e a aprovação, aquele menino continuava a avançar pelo vagão.
Ao chegar a minha vez de ser indagado sobre o interesse em
comprar os docinhos, o garoto ficou aguardando um sim ou um não,
então, fiz o seguinte questionamento:
- Eu:46 Qual é o seu nome?

45 Cidade situada no Leste do estado do Rio Grande do Sul.


46 Situaremos aqui o negrito de forma repetida para demarcar a raça do autor.

46
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

- Menino: João Pedro47.


- Eu: Onde você mora, João Pedro?
- João Pedro: Agora eu moro em São Leopoldo, mas vim do
Rio de Janeiro.
- Eu: Há quanto tempo você vende balas de goma no trem?
- João Pedro: Já fazem dois anos. Ajudo a minha mãe a com-
prar comida e pagar as contas.
Percebi que ele estava ficando aflito com o tempo “perdi-
do comigo”, apesar de se sentir importante com as perguntas, João
Pedro me olhava de cima a baixo, como quem respondia em ato às
questões levantadas e ainda perguntava “quem é você? De onde você
vem? Estou vendo que você também é negro”.
Então, peço para ele se encostar nas paredes do trem ao meu
lado e digo que não comprarei nenhuma bala, mas pagaria aquele
“tempo” que ele estava conversando comigo. Nada mais justo diante
de uma sociedade capitalista e de um Estado que desalenta, marca e
mata crianças pobres, pretas e indígenas entre outras pela indife-
rença e pela violência sistêmica.
João Pedro se surpreende e só fez um sim com a cabeça.
Passada a primeira parada do trem, ainda faltavam cinco para che-
garmos na estação Unisinos, local em que eu desceria, e então me
proponho a me apresentar para ele e continuar conversando:
- Eu: Meu nome é Everson. Trabalho em uma escola aqui em
Novo Hamburgo e pego o trem todos os dias.
- Estou feliz em conversar com você. Sabia?
- Você estuda, João Pedro?
- João Pedro: Sim, estou no 5° ano do Ensino Fundamental e
estudo de manhã.
- João Pedro: Tio, você é entrevistador?
- Eu: Por que, João?
- João Pedro: Por causa que minha mãe me falou que se al-
guém puxar conversa comigo e querer saber muitas coisas da
minha vida, não era para “mim” falar, principalmente, se fosse
homem. Ela me falou que homem é perigoso, eles podem ma-
chucar a gente. Mas não acho que você faria mal para mim.

47 A raça do menino João Pedro também será apontada, repetidamente, assim como
todos integrantes da escrevivência.

47
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Fiquei pensativo e olhei pelas janelas do trem por alguns se-


gundos. Surgiram em meus pensamentos várias questões: primeiro,
aparece aqui uma intersecção48 de gênero; o que reproduz a violên-
cia direcionada pelos homens em uma sociedade cis-hétero-euromo-
noteísta-patriarcal? Está posto na aprendizagem psicossocial dessa
criança a demonstração de insegurança e medo, independentemente
de qual “homem” estamos falando.
A questão que se apresenta nas primeiras palavras com João
é a raça e depois o gênero, fatores que fizeram com que João Pedro
confiasse em mim, mesmo estando inseguro, sem ao menos saber o
meu nome. Notei que uma relação de vínculo passava por nós e os
motivos desse circuito afetivo ainda não estavam estabelecidos em
mim.
Talvez porque João Pedro poderia ser meu irmão, meu primo
ou até meu filho. Algumas questões de classe também incidiam entre
nós, sem se fixar em nenhum lugar. Não sabia onde ele morava, se
estava alimentado, qual era o nome da sua mãe, nem se conhecia o seu
pai, mas aquele menino estava em mim até os fios dos meus cabelos.
Continuamos a conversar:
- João Pedro: Tio, onde você vai descer?
- Eu: Vou descer na próxima estação, na Unisinos, e você?
- João Pedro: Vou descer nessa estação também, minha mãe
“tá” me esperando.
- Eu: Que bom, João. Posso te dar o dinheiro quando descermos?
- João Pedro: Pode ser, tio. Tu “quer” conhecer minha mãe?
- João Pedro: Ela é bem inteligente e trabalhadora, disse para
“mim” estudar porque quer que eu seja empresário.
- João Pedro: Disse pra mim que depois que eu tiver uma em-
presa, por ela pode ser um mercado, tenho que distribuir uma
parte do meu lucro, pode ser alguns alimentos, para as pessoas
que precisam.
- João Pedro: Minha mãe disse que aprendeu a importância da
solidariedade com a fome.
- Eu: Nossa João, parece que tu “tem” mais de onze anos. A
vida te ensinou cedo o que é solidariedade.
48 Para mais informações, vide: AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo:
Jandaíra, 2020.

48
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Estávamos chegando na estação Unisinos, o maquinista já


havia anunciado no microfone e a mensagem estava distribuída pe-
los alto-falantes, o trem freava pouco a pouco, após a abertura das
portas. João Pedro e eu saímos juntos. O menino se situava ao meu
lado e dizia:
- João Pedro: Tio, minha mãe estará me esperando lá onde pe-
gamos o ônibus para casa, você quer dar o dinheiro para ela?
- Eu: Sim João, será um prazer conhecer sua mãe. Quero co-
nhecer essa mulher tão humana e inteligente.
Avisto aquela mulher, com a idade aproximada de quarenta
anos, ao descer a escada do metrô; negra, magra e com um lenço
branco na cabeça. Quando ela me enxerga, abre um formoso sorriso.
Aquele sorriso iluminou um final de tarde escuro e chuvoso.
Aproximei-me daquela mulher e ofereci a mão para cumpri-
mentá-la. Quando ensaiei esse ato João Pedro já estava grudado em
sua cintura, com um abraço longo e cativante. Após abraçá-lo, ela
aperta a minha mão e se apresenta como Carolina Maria de Jesus.49
Apresento-me à dona Carolina como Everson e conto sobre minha
profunda admiração por ela e pelo seu filho, mesmo sabendo da sua
condição de criança e pelo desamparo legal de estar trabalhando para
auxiliar no sustento da sua família.
Carolina me conta que João é o caçula de três filhos e que ela
é natural de Minas Gerais, mas na adolescência se mudou para o Rio
de Janeiro. Disse-me que seus outros dois filhos – um menino e outra
menina –, já estão formados no Ensino Médio e estão trabalhando de
carteira assinada. Nenhum deles mora mais com ela, pois já possuem
as suas respectivas famílias.
A partir dessa conversa inicial, retirei alguns reais que guar-
dava na carteira e entreguei a ela. Relatei que havia prometido para
João Pedro que destinaria um recurso para ele se conversássemos
um pouquinho. O menino toma a conversa e diz:
- João Pedro: Mãe, sabia que esse tio conversou “muito” co-
migo hoje?
- Carolina Maria de Jesus: Que bom, meu filho. Já agradeço
a você, Everson, por cuidar do João nesse caminho. Toda

49 A raça e territorialidade de Carolina Maria de Jesus e também serão demarcadas ao


longo da escrevivência.

49
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

vez que entramos no trem me preocupo em andar com ele,


mas hoje tive que deixá-lo em Novo Hamburgo. Escolhi en-
tre não pagar o aluguel e dividir os vagões com ele, ou cada
um “se virar” e conseguir mais dinheiro para esse compro-
misso inadiável.
- Eu: Sei que é sempre uma decisão difícil, não tenho como
julgar uma escolha dessas, Carolina e João.
- Carolina Maria de Jesus: Sim, tu “tem” idade para ser meu
filho, sabia? Quero agradecer de duas maneiras. Posso?
- Eu: Sim, dona Carolina.
- Carolina Maria de Jesus: Desejo muito que meu filho seja
um empresário, para distribuir a riqueza que produz, “cê”
sabe, “né”, ser empresário para acumular poder e dinheiro é
o câncer desse sistema cruel e faminto que é o capitalismo.
- Carolina Maria de Jesus: Quero compartilhar as minhas
riquezas contigo. Sou escritora e mãe solo, sabe, gosto de
escrever sobre a nossa rotina. Tenho uma coisinha aqui no
meu diário. Quer ler? É algo que me diferencia de outras
mães da comunidade.
- Eu: Com certeza, dona Carolina.
[sic] Os meus filhos não são sustentados com pão de igreja.
Eu enfrento qualquer especie de trabalho para mantê-los.
E elas, tem que mendigar e ainda apanhar. Parece tambor.
A noite enquanto elas pede socorro eu tranquilamente no
meu barracão ouço valsas vienenses. Enquanto os esposos
quebra as tabuas do barracão eu e meus filhos dormimos
socegados. Não invejo as mulheres casadas da favela que
levam vida de escravas indianas (JESUS, 2014, p. 16-17).

- Carolina Maria de Jesus: Eu sou o que sou, escrevo para


a minha liberdade, não dependo de esmola da igreja e nem
desses “homens” para me sustentar. Espero que elas um dia
não dependam também. Com essa liberdade, trabalho e pago
o aluguel do meu barraco e ainda posso pedir proteção aos
meus orixás.50

50 Para mais informações, segue o estudo de BERGO, Renata Silva. Quando o san-
to chama: o terreiro de umbanda como contexto de aprendizagem na prática. 2011.
249 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,

50
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

- Eu: Me senti profundamente tocado com sua escrita! Você


pretende compartilhar com mais gente?
- Carolina Maria de Jesus: Como te disse, sou escritora, es-
crevo sobre tudo.... Fome, dor, algumas felicidades e muitas
lutas. Tu “acha” que a maioria dessa gente sabe o que uma
mulher preta de periferia passa? Você sabe?
- Eu: Dona Carolina, sou fruto do ventre da dona Anália,
cresci vendo minha mãe chorando por não ter muito mais
que um pão amanhecido para nos ofertar e, um gole de café
para irmos à escola. No entanto, não sei o que a minha mãe
sentia, ela chorava sozinha no quarto e eu não entendia, por
isso te digo. Não sei o que uma mulher preta de periferia
passa.
- Carolina Maria de Jesus: Posso te chamar de meu filho?
- Eu: Pode, dona Carolina.
- Carolina Maria de Jesus: Vou te fazer um convite meu fi-
lho. Eu e João vamos sair daqui e ir para o que nomeei de
“Escola da Vida”, um Terreiro que tem no outro lado dos
trilhos do trem. Você gostaria de ir com a gente?
- Eu: Tenho aula em seguida, mas hoje está sendo um dia es-
pecial, gostaria de conhecer a “Escola da Vida” com vocês.
- Antes de ir, por que chama esse Terreiro assim?
- Carolina Maria de Jesus: Meu filho. Sabe onde aprendi que
o Brasil é um país hipócrita? Na Escola da Vida. Sabe onde
percebi que temos seres sagrados da minha cor? Na Escola
da Vida. Sabe onde pude aprender o conhecimento trazido
pelo meu povo? Na Escola da Vida! É na Escola da Vida
que eu me torno um ser humano por vir. E é lá que eu e João
Pedro aprendemos o valor do que eles chamam de caridade.
Aqui fora eu chamo de solidariedade.
Após a finalização das últimas palavras de dona Carolina, eu
e João Pedro demos as mãos a ela e seguimos em direção à escadaria
da estação Unisinos, em busca do Terreiro requisitado. Naquele dia,
pude perceber que as nossas vidas estavam interconectadas! Caro-

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. Disponível em: https://
repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/FAEC-8M6HZ5/1/tese_renata_silva_bergo.pdf.
Acesso em: 15 mar. 2021.

51
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

lina e João Pedro são en-carnações dos nossos antepassados e


estão interseccionalizados com a minha condição, experiência e o
meu corpo.
Invoquei Carolina Maria de Jesus e João Pedro – duas
pessoas que existiram entre nós –, para fazer a passagem dessa eta-
pa. Pedir agô para Carolina e João será a minha última ação antes
de concluir a escrevivência inicial. Para aquelas(es) que vieram
antes de mim, o meu agradecimento por construírem esse solo em
que pisamos. Para as(os) que estão comigo neste momento, axé mi-
nhas irmãs(ãos) e irmãos, e aquelas(es) que virão e aqui estarão,
temos a certeza que a luta por um mundo mais justo e uma ciência
contra-colonial não será em vão!

52
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

O ENCONTRO COM O POVO DO


CENTRO DE UMBANDA CACIQUE DA
LUA E OXUM DAS CACHOEIRAS: A
ORDEM DOS GUARDIÕES DA LUZ
Em um anoitecer pálido de agosto, me reúno com a profes-
sora Fernanda Hampe do curso de Psicologia – Unisinos –, com a
proposta de dialogarmos sobre a atuação de pesquisa que seria o
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC –, que resultou nesta obra.
Estava dentro do carro, aguardando, também, a minha companheira
– Tanise – terminar seu compromisso na cidade de Novo Hamburgo,
e nessa brecha falaria com Fernanda. Então, preparo para me conec-
tar com a professora com muitas expectativas.
No início, conversamos sobre a impossibilidade de realizar-
mos uma pesquisa com visita de campo, pois a pandemia causada
pelo novo coronavírus estava circulando em nossas vidas, propor-
cionando milhares de mortes e desfazendo todas as perspectivas de
curto, médio e longo prazo. Dessa forma, Fernanda e eu combina-
mos alguns pontos desta composição e marcamos algumas traves-
sias. Percebemos que teríamos que inventar outros modos de fazer
pesquisa sem decompor o desejo de construir territórios e escuta
com os povos de terreiro.
Fernanda, sendo uma mulher branca, professora universitária
e com apostas anticoloniais, se mostrou como uma enorme composi-
ção nesta caminhada, e assim se faz até os dias atuais. Assim sendo,
sinalizo a menção desse encontro de pesquisa que vai além dos mu-
ros da academia!
Nessa mesma noite, ao conversar com Fernanda dentro do
carro, percebo uma viatura da Brigada Militar passando ao meu lado.
Na primeira vez, notei pelo giro flex que ditava um ritmo e uma

53
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

luminosidade na janela do carro. Na segunda vez, confundi o auto-


móvel da Brigada Militar com um carro suspeito... Nesse jogo de
suspeitas, havia um veículo que detinha os homens da lei e o outro
que estava o cidadão preto alvo, imerso em um território que cria
seus inimigos e exerce sua violência, sem vergonha de tirar as más-
caras e mostrarem-se nus.
O jogo da vida já estava instituindo uma cena, como Ponciá
Vicêncio, personagem de Conceição Evaristo em seu livro que con-
tém esse mesmo nome, vivia como uma aprendizagem circular...
As memórias da escravidão se atualizam nas subjetivações munda-
nas e organizam as estruturas de poder. Nesse ato, percebi que a mi-
nha conexão com Fernanda no celular não me ausentaria de um olhar
racializado e violento da branquitude vestida com farda. Havia aqui
um limite que demarcava um lugar de fronteira entre nós, e Fernanda
possuía esse entendimento.
Os policiais foram embora sem me abordar. Nesse meio tem-
po continuamos a conversar sobre a pesquisa com o povo de Ter-
reiro do Centro de Umbanda Cacique da Lua e Oxum das Cachoei-
ras: A Ordem dos Guardiões da Luz, e encontramos entradas para
experimentar uma pesquisa nesse contexto pandêmico: apostamos
no conhecimento da liderança religiosa pela trajetória que eu já
possuía como pesquisador, e no desejo do sacerdote, que também é
graduando em Psicologia na Unisinos, em fazer essa caminhada co-
nosco. Dessa maneira, construímos as possibilidades de realização
das entrevistas individuais/coletivas com a liderança tradicional e
começamos a ritualizar o processo de pesquisa com a escrita e as
afecções geradas pelos nossos encontros.
A cerimônia inicial foi realizada e queremos, com isso, afir-
mar que estes(as) pesquisadores(as) que habitam em mim têm me-
mórias! E essas gritam e pululam afirmando que não há neutrali-
dade em produção de conhecimento científico, o corpo, a condição
e a experiência estão imbricados com a intenção de como, o quê e
quem pesquisar... Esta caminhada de pesquisa circular não tardará
em voltar para esse ponto!
Precisamos sangrar a casa grande e, com o escorrer desse
elemento vivo –sangue –, mostrar para eles(as) que seus ídolos não

54
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

são imortais, muito menos universais. Que aumentem os ataba-


ques… não podemos parar de cantar e dançar!!!
Era dia de verão.
Agendamos a primeira entrevista.
Dia quente e escaldante.
O suor que percorria o meu corpo afetava minha alma!
Sabe...
Era um dia de verão (VERÃO – entende?)
E ecoa aquela música de Jorge Aragão:

“Se o preto de alma branca pra você


É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade

Elevador é quase um templo


Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai

Quem cede a vez não quer vitória


Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história”51
É o peso da responsabilidade!
Escutar pessoas pretas é assim.
Ou você compõe vozes.
Ou fecha a boca e abra os ouvidos!

Essa é a tragédia da branquitude.


Permite-se não escutar, falar e violentar!

51 ARAGÃO, Jorge. Identidade. [S. I.: s. n.], 2008. 1 vídeo (3 min 53 s). Publicado
pelo canal Yman El Baba. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rm-Eex
th0Pw. Acesso em: 6 jun. 2021.

55
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

E continua se enunciando como cidadão de bem ou


desconstruídes.

A arte e a poesia servem para isso!


Criar outras estéticas [...]
Onde a neutralidade seja rasgada no próprio ato de existir
Escreviver e anunciar
Que outras vidas estão por vir.

Havia nuvens cinzas no céu, era um sábado extremamente


quente de verão, estava situado na poltrona do quarto da casa dos
meus sogros, ajustando os aparelhos para conectar-me ao compu-
tador. Entendi que era por aí que também conseguiria construir a
composição da entrevista com o sacerdote Alexandre.
Marquei a nossa entrevista no horário do meio-dia no meio
da semana de trabalho com a liderança espiritual via WhatsApp, as-
sim agendamos o horário do encontro para as 14 h. O sol batia forte
no celular espelhando o meu rosto, a ansiedade e a expectativa se
misturavam para o trabalho de pesquisa com uma liderança tra-
dicional. Sabia que não seria mais um, seria um encontro singular
que transformaria nossas vidas, lembrei do conceito de intuição na
Psicologia africana.
Retiro os fones de ouvido da gaveta, abro o computador, li-
go-o e efetuo a ação de criar uma sala no Google Meet, transfiro o
link para o sacerdote no WhatsApp e aguardo sua entrada. Esses são
aqueles momentos em que o corpo vai se expressando por um con-
junto de reações e simbolizações... Memórias de um pesquisador...
Só de levezas não se faz verão!
Verão é suor e calor...
Verão é dor e amor.
De um encontro de humanidades tudo podemos esperar.
Permito-me apenas sentir [...]
Sabores daquilo que está por vir.
Apresenta-se aqui uma condição.
Não se faz pesquisa com pessoas em vão!

56
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Aguardo alguns minutos e Alexandre surge na tela, apresen-


ta-se como um homem negro de pele menos retinta, com pouco
cabelo e semblante alegre, e mostra-se ter por volta de cinquenta
anos. Na parte de traz da sua imagem está o seu Terreiro, vejo de
maneira distante o congá – local onde são assentadas as imagens e
entidades sagradas para os religiosos –, a liderança espiritual me
agracia com um cumprimento de “boa tarde, ‘meu irmão’”. Respon-
do-lhe da mesma maneira e começamos a desenvolver a conversa
pré-entrevista.
Sinto-me convocado a perguntar como Alexandre estava
chegando para esse momento, depois apresento a proposta de pes-
quisa para o sacerdote, que após a apresentação, autoriza-se a dizer
que, como graduando em Psicologia, se sente muito feliz em compor
essa pesquisa que tratará do seu sagrado, do seu povo e da sua espi-
ritualidade. Percebo que Alexandre está bastante sensibilizado pela
aposta que construímos juntos e não deixo de me afetar por essas
vibrações na pesquisa.
Após o primeiro encontro envio por e-mail para a liderança
espiritual a apresentação da pesquisa e também o Termo de Consenti-
mento Livre e Esclarecido (TCLE), com os procedimentos éticos de
pesquisa para sua assinatura. Esses encontros se sistematizaram por
oito vezes, através de plataformas virtuais – Google Meet e What-
sApp –, e foram todos envoltos por muita curiosidade, construção
de sentidos coletivos e sede em aprender o que se constituía como
povo de Terreiro e processos de bem-estar e bem viver para aquela
liderança na relação de pesquisa.
Iniciamos a entrevista com as perguntas referentes aos Indi-
cadores de Bem-estar para Povos Tradicionais (IBPT), na catego-
ria definida como Capacidade de Controle Coletivo do Território. O
Centro de Umbanda Cacique da Lua e Oxum das Cachoeiras: A Or-
dem dos Guardiões da Luz é um Terreiro de Umbanda situado em
São Leopoldo, no bairro Feitoria. A Inauguração da Casa de religião
ocorreu em 11 de julho de 2003, sendo conduzida pelo sacerdote
do Terreiro Alexandre e sua esposa e sacerdotisa Gilvane, que pos-
suem, segundo a liderança tradicional entrevistada, uma ligação
ancestral de outras vidas. Ambas são as autoridades espirituais do
Centro religioso e não se sobrepõem hierarquicamente.

57
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

Então, percebemos que esse Terreiro se organiza com uma


díade de lideranças espirituais, que são auxiliadas pelas entidades
espirituais em toda e qualquer tomada de decisão, reiterando o pró-
prio discurso do líder espiritual que reforça a constituição de um
senso de pessoa pluriverso. A escolha da ascensão dos médiuns a
trabalhos religiosos entendidos como superiores é realizada pelo sa-
cerdote Alexandre, que adota critérios de maturação espiritual para
tomar decisões. Em resposta a essa questão, a liderança pontua que
o tempo de Casa do médium não é o único item levado em conside-
ração na hora das escolhas nos trabalhos dos médiuns, pelo motivo
de possuir um entendimento do tempo que se situa fora do relógio
– atemporalidade –, então, o médium pode assumir mais responsa-
bilidades espirituais em um curto espaço de tempo ou ao contrário.
Ao adentrarmos os desafios que o povo de Terreiro possui
para manter um bom controle das suas demandas, o sacerdote res-
ponde de maneira introspectiva que as pessoas buscam o espaço de
Templo religioso para se desenvolverem na Umbanda e espiritual-
mente devem ter a compreensão da doutrina e dos princípios de ca-
ridade e de amor ao próximo, caso essa premissa não seja cumprida
a doutrina pode ser usada para o crescimento individual das pessoas.
Ao relacionarmos com outros estudos realizados por Vargas et al.
(2018; 2019), esse alicerce doutrinário se repete entre os Terreiros
dessa comunidade.
Ao superarmos a primeira capacidade avaliada, migramos
para a próxima que traz perguntas referentes à Capacidade de Agen-
ciamento Cultural Autônomo. Com essas perguntas ficamos bastante
tempo, pois as mesmas penetram as condições históricas de confli-
tos, espaços de produção de saúde, festas e estrutura do Terreiro
tradicional, fazendo com que a liderança recorra a documentos e
registros aprofundados sobre a formação do Templo.
O Terreiro situa-se em um espaço urbano de 300 m² ou 10 m
x 30 m, dividido entre a casa da família do sacerdote e sacerdotisa,
o Terreiro que fica dentro da casa da família, o ervário52 e a árvore
sagrada. A Casa de religião faz parte do Conselho Estadual de Um-
banda e dos Cultos Afro-brasileiros, organização que foi responsável
pela emissão do CNPJ do Templo religioso. Dessa forma, o Terrei-

52 Local onde se cultiva ervas e plantas.

58
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

ro é federado e possui um estatuto interno que o sacerdote nomeia


como o orixá Ogum. Nas palavras de Alexandre: “o Pai Ogum che-
gou uma vez para nós e falou que ele dá o regimento interno”, então,
os médiuns seguem o que o chefe do Terreiro verbaliza.
Ao entrarmos nas perguntas referentes aos recursos naturais,
moradias, áreas de promoção/prevenção de saúde e cultura alimen-
tar, entendemos que somente no bairro Feitoria no ano de 2006 havia
386 Terreiros, nos dias atuais esse número pode ter alterado para
mais, além disso, o bairro é equipado com mais dois equipamentos
de Saúde. Em relação aos recursos naturais, o Centro está localizado
próximo do Rio dos Sinos e existem alguns córregos e nascentes,
assim como banhados em propriedade mais afastadas das casas –
fazendas e sítios. Sobre as áreas ocupadas por moradias, a grande
parte do bairro já está ocupada por moradia, restando poucas áreas
verdes preservadas.
Desse modo, quando efetuamos a pergunta sobre os desafios
na preservação e sustentabilidade dos recursos naturais de um modo
geral, é respondido que precisamos entender que o cuidado com a
natureza é o nosso futuro, pois se não tivermos natureza, que Ale-
xandre nomeia também como Sagrado, não teremos a continuidade
da humanidade. Essa passagem da entrevista continua ecoando em
mim a todo momento! Como o Sagrado para o povo de Terreiro
poderia ser entendido assim por outras culturas e povos, talvez se as-
sim fosse, não estaríamos enfrentando as injustiças socioambientais
(LACERDA, 2016).
Passa-se a analisar as perguntas relacionadas aos conflitos,
discursivos e territoriais do povo de Terreiro, sua constituição popu-
lacional, sua história e quem faz a gestão dos mesmos. Atualmente
mantém uma relação respeitosa e harmoniosa com os moradores da
comunidade ao redor, no entanto, nem sempre foi assim, mas se uti-
liza de estratégias que envolvam a comunidade local e os membros
do Terreiro, por exemplo, o projeto chamado “Faça uma Criança
Feliz”, que é fixado na festa de São Cosme e Damião – Ibejis. Nes-
ses eventos o povo de Terreiro recebe em torno de 300 pessoas no
entorno ao Templo para confraternizar com brincadeiras, músicas,
comidas e cuidados.

59
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

No entanto, o Centro já passou por alguns conflitos com vi-


zinhos evangélicos desde a sua abertura. No início, apareciam mui-
tos despachos na porta da Casa de religião com o objetivo de inti-
midar a comunidade e constranger os religiosos, seja pela crueldade
das ações ou pelo próprio racismo religioso (NOGUEIRA, 2020).
Surge nesses meandros de perguntas e respostas a história de
um “Exu” que apareceu no portão da Casa para pedir que o sacerdo-
te fechasse o Terreiro, e a liderança resolveu a situação mostrando
que tinha uma arma de fogo em casa, pois além de sacerdote, o líder
religioso é militar das Forças Armadas e alterna cotidianamente en-
tre essas duas forças. Após o incidente o “Exu” não retornou mais
e até hoje se ambos se encontram nos arredores do bairro a pessoa
demonstra arrependimento.
Dessa maneira, o Terreiro se organiza a partir da centralidade
espiritual da sua liderança, e torna-se perceptível que os conflitos
são geridos pelo sacerdote e as entidades espirituais. Por algumas
vezes, percebemos que a liderança se utiliza de saberes de outras
religiões, como a bíblia, para lidar com os conflitos religiosos, não
sendo o bastante, se faz uso de instrumentos judiciais para resolu-
ções que exijam responsabilizações civis.
Adentra-se à cultura alimentar do povo de Terreiro e essa é
consolidada sem nenhuma restrição ou impedimento alimentar, no
entanto, os religiosos controlam a sua alimentação para manter a
saúde em dia e em equilíbrio com a dimensão espiritual. O que apa-
rece nos desafios para manter a autossuficiência alimentar é a depen-
dência do comércio local e a saúde financeira dos membros, Prandi
(2004) e Vargas et al. (2018; 2019) já identificaram como um entrave
ao modo de vida tradicional, o fluxo do sistema econômico capita-
lista vigente, pois segundo os autores essas relações fragilizam a
autonomia da comunidade frente às instabilidades socioeconômicas.
Contudo, o Terreiro tradicional planta pequenas ervas e
plantas para o uso em alguns rituais, reduzindo brandamente algu-
mas compras no comércio local. Outra estratégia é a formação de
grupos de membros que ficam responsáveis por alguns rituais, as-
sim, acaba-se distribuindo os custos e a percepção de investimento
financeiro dos membros.

60
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Ao disponibilizarmos outra pergunta importante que versa


sobre a constituição da população do Terreiro nos últimos três anos,
acompanhamos o crescimento dos religiosos de 2019 – 30 membros,
2020 – 40 membros, e 2021 – 33 membros, e esses religiosos se
mantêm estáveis apesar da pandemia. A situação atual aproximou
bastante o povo, fazendo um enorme contraste ao distanciamento
social proporcionado pela pandemia. No entanto, neste ano não foi
realizada nenhuma cerimônia de cacicamento53 ou feitura de Exu e
Pomba-gira, por motivos óbvios. Ao mencionarmos os anos ante-
riores, em 2020 situaram-se dois cacicamentos e dez feituras de Exu
e Pomba-gira, e em 2019 houve três cacicamentos e quatro feituras
de Exu e Pomba-gira, fator que mobiliza os cerimoniais religiosos e
a capacidade espiritual dos seus médiuns.
Percebe-se, através desses dados e pelo acompanhamento das
lives do Terreiro pelo Facebook, onde o sacerdote fala sobre temas
pertinente à Umbanda, que o povo de Terreiro dispõe de vínculos
saudáveis entre seus integrantes, mantendo uma identidade cultural
que é centenária e singular. Lembro de uma das lives de “pontos can-
tados” no qual acompanhei e me senti mergulhado em uma sessão de
Umbanda, pois eram afetos que passavam pelo toque do tambor. A
firmeza do coral da Casa trazia a presença da ritualística e da energia
do Terreiro.
O líder religioso define a identidade umbandista como uma
ocupação de saberes que valoriza a diferença, inclusive de outras
denominações religiosas e isso faz a diferença. Menciona que a Um-
banda é como o ventre de uma mãe, onde o processo de tornar-se
pessoa é acolhido em sua totalidade, sem julgar quem busca apoio
espiritual. No entanto, o que faz a passagem da pessoa na Umbanda
é o respeito à ancestralidade; entender que o Sagrado é a natureza
e que os orixás do panteão54 são as forças naturais que fazem com
que a vida continue fluindo.
A liderança afirma, com isso, um lugar de respeito e cons-
ciência sobre a existência de forças e caminhos de desenvolvimen-

53 Ritos que os caboclos realizam para se tornarem caciques. O processo evolutivo da


Umbanda é assim: caboclo para cacique e de cacique a pajé.
54 Conjunto de entidades e espíritos sagrados que se colocam nos templos religiosos
politeístas.

61
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

to espiritual concretizadas pelos acordos simbólicos e discursivos.


Nesse sentido, é perceptível que o entendimento do ser umbandista
começa a ser construído nas pequenas contratualizações criadas pe-
los religiosos e conduzidas pelos próprios entes, afirmando um terri-
tório de prática de uma religiosidade coletiva.
Essa singularidade do Terreiro em questão é regimentada
pelo firmamento do caboclo Cacique da Lua (Fotografia 1) – per-
tencente a vibração de Ogum –, e Oxum. As vibrações dessas enti-
dades em confluência constroem um território próspero na condição
de vencer demandas e resolver conflitos – singularidade de Ogum –,
e acolhedor, tranquilo e equilibrado – irradiações de Oxum. Desse
modo, essas duas forças reunidas geram homeostase do corpo, men-
te e alma das pessoas.
Fotografia 1 – Caboclo Cacique da Lua

Fonte: Membro de Centro religioso.

62
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

Fotografia 2 – Mãe Oxum das Cachoeiras

Fonte: Membro de Centro religioso.

Chega-se ao contexto relacionado ao reconhecimento do Es-


tado à cultura do povo tradicional. Nesse quesito, evidencia-se o
uso dos equipamentos estatais para a difusão do racismo religioso,
pois é usada a potencialidade dos Terreiros para alcançar alguma
vantagem política, mas negado a eles a divulgação da sua cultura e
saberes. Podemos pensar o Centro tradicional como o espaço de
construção de uma Psicologia popular (SODRÉ, 2002).
Dessa forma, percebemos uma ação do Estado que Mbembe
(2018) definiu como Necropolítica, estratégias e táticas do poder es-
tatal e institucional que visam delinear e apontar as pessoas, culturas,
povos e etnias que devem morrer, em detrimento dos que precisam
continuar vivendo para manter o status quo. Nesse sentido, encontra-

63
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

mos Carneiro (2005) e Santos (2015) reiterando a reprodução do Es-


tado euromonoteísta-cristão que por via da branquitude, do epistemí-
cidio e da cosmofobia, executa uma mortificação assistida. Inscreve-se
com esses analisadores o desafio do povo de Terreiro em se afirmar
em público como umbandista, pois a resistência dessas pessoas está no
cerne da luta contra colonial e orgânica das culturas afrodiaspóri-
cas, indígenas e tradicionais no Brasil (SANTOS, 2015).
Como contraponto a essas estratégias de reprodução da mor-
te instaladas pelo Estado brasileiro, as festas aparecem como recur-
so de afirmação da cultura ancestral. O Centro religioso possui um
calendário de festividades que se institui da seguinte forma: dia 2 de
fevereiro é concretizada a homenagem a mãe Iemanjá – festa mais
prestigiada do Terreiro. Em média, mil pessoas se fazem presente
na beira da praia de Capão da Canoa; dia 22 de março é homenagea-
do o caboclo Pena Branca – pertencente a linha vibratória de Oxa-
lá, linha de cura –, e essa festa recebe em média cem pessoas; dia
13 de maio é configurada a homenagem aos pretos-velhos – seres
de luz, força, sabedoria e bondade –. Em média, cem pessoas par-
ticipam dessa festa; dia 11 de julho é comemorado o aniversário da
Casa, data que se recebe em média duzentas pessoas; dia 27 de se-
tembro é constituída a festividade de São Cosme e Damião – Ibejis
–. Nesse dia é realizado o projeto “Faça uma Criança Feliz”, onde a
comunidade e seus representantes auxiliam no cuidado e na diversão
das crianças. Nesse dia, em média, frequentam o Terreiro quinhentas
pessoas; no dia 8 de dezembro é realizada a homenagem aos cabo-
clos da mata em frente a alguma cachoeira da região metropolitana.
Salienta-se que há práticas espirituais e culturais que não
são festas e, sim, cerimônias, essas são as feituras de Exu e Pomba
Gira – dia 13 de outubro –, e os cacicamentos que as lideranças es-
pirituais conduzem, junto com os membros do Terreiro tradicional.
Essas realizações performam uma função estratégica da Casa de re-
ligião: manter viva a formação religiosa da Umbanda no território
em que o Terreiro está inserido.
Para manter esse rito de resistência por via institucional os
religiosos apontam a existência do COMPOTMA – Conselho dos
Povos Tradicionais de Matriz Africana de São Leopoldo – espaço de
diálogo comunitário e tensionamento do poder público local, objeti-

64
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

vando a formulação de políticas públicas que protejam e regimentem


as demandas coletivas e singulares dos povos tradicionais de Ter-
reiro da cidade. A liderança possui uma interlocução ativa com o
Conselho e pontua com precisão o excelente trabalho desempenhado
pelos representantes.
Ao avançarmos a entrevista submergimos as perguntas re-
ferentes à utilização das oralidades e movimentos ancestrais nas
práticas espirituais da Casa de religião. Não se pode afirmar que
a fluidez linguística utilizada pelas entidades na corrente ceri-
monial, através dos corpos dos médiuns em transe, são dialetos
ancestrais. Entretanto, a liderança confirma que as diferentes con-
cepções linguísticas existem e vem ao mundo para afirmar a exis-
tência dessas forças, assim como a dança, o giro, o brado dos cabo-
clos, o curvamento do preto-velho e o atirar de flecha do caboclo55
(CHAGAS, 2017). Se não podemos garantir a integridade dessas
expressões simbólicas, devemos compreendê-las como ferramenta
de perpetuação da cultura tradicional no tecido social nacional
(VARGAS et al., 2019).
A cultura religiosa dominante em São Leopoldo se configu-
ra como católica e evangélica (IBGE, 2010), matriz que constituiu
o arcabouço colonial do município. Com isso, além da história da
Umbanda demonstrar a volatilidade da religião para se inserir na
sociedade como explicam Carvalho e Bairrão (2019), evidenciamos
a relação sincrética com o catolicismo que é um dos alicerces espiri-
tuais condicionantes do surgimento da Umbanda em solo brasileiro.
A liderança tradicional pontua que possuem a relação harmônica
com o catolicismo na região, nutrindo um sentimento de respeito às
religiosidades diversas que convivem nessa territorialidade.
Alcançamos, então, as perguntas que atingem a relação da
educação formal com a educação tradicional, esses elementos en-
raízam a produção subjetiva da Umbanda em composição ou contra-
posição com o que está sendo reproduzido pela educação no Brasil
(PONTES, 2017). A educação tradicional está inerte em cada um
dos seres humanos e condensada em certos aspectos com a educação

55 Para mais informações, vide: BARBOSA, Marielle Kellermann; BAIRRÃO, José


Francisco Miguel Henriques. Análise do movimento em rituais umbandistas. Psicolo-
gia: Teoria e Pesquisa, v. 24, n. 2, 2008.

65
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

formal, no entanto, o tensionamento pela inserção aprofundada do


conhecimento tradicional deve ser constante e ampliado por outros
setores, movimentos sociais, coletivos, conselhos e sociedade civil
organizada, visando o trabalho sistemático e o cumprimento das Leis
n.° 10.639/03 e 11.645/08. Ao pensarmos além disso, devemos lutar
com todas as forças para a efetivação das ações afirmativas em todos
os setores do Estado e com foco na Educação, podemos priorizar a
Educação Básica e o Ensino Superior, tanto no quesito da formação,
do currículo e da prática dos alunos(as/es) e professores(as) de gra-
duação e pós-graduação.
As duas leis regulamentam e se complementam com a obri-
gatoriedade da inserção nos currículos escolares do Ensino da Cul-
tura Afro-brasileira e Indígena na escola pública e outras institui-
ções educacionais. Contudo, há um limite institucional da parte do
Estado em exercer o controle e a fiscalização da aplicação dessas leis
nas instituições, e falta de interesse político-social para que venha à
tona os séculos de injustiças e apagamentos históricos reproduzidos
pelo sistema educacional brasileiro (ALMEIDA, 2018). Sendo as-
sim, o Terreiro tradicional se orienta através da realização de lives
e palestras abertas à população em geral pelo Facebook e Instagram,
neste momento de pandemia, para enfrentar a intolerância religiosa
que reside no âmago da subjetividade das pessoas no país.
Ao aprofundarmos sobre a formação educacional formal
dos membros do povo de Terreiro, a liderança nos sinaliza que 31
membros possuem o Ensino Fundamental concluído, 29 finalizaram
o Ensino Médio, dez possuem o Ensino Profissionalizante concluso
e duas pessoas finalizaram o Ensino Superior. Nesse sentido, a ge-
rência do Terreiro enxerga na educação pluriversal uma ponte para
a libertação da pessoa, pois dá evidência ao corpo que é invisibiliza-
do socialmente através da linguagem dominante que se perpetua nos
aparelhos privados e estatais.
Dessa forma, chegamos ao fim das perguntas assentadas na
Capacidade de Agenciamento Cultural Autônomo e introduzimos as
questões que permeiam a Capacidade de Garantir a Segurança Ali-
mentar e Saúde. Ao iniciar esse encontro, sentia que as entrevistas
estavam acontecendo com ritmo e confluência que uniam mundos,

66
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

buscando a construção de pontes para um futuro que se materializa-


va no presente.
Introduzimos a primeira questão que versa sobre os impe-
dimentos para a promoção à saúde integral do povo de Terreiro.
Nesse quesito, o sacerdote argumenta que se houvessem espaços
onde tivessem oportunidade de plantio e cultivo das ervas e grãos
utilizados para os trabalhos de saúde e culinária e a construção de
uma escola própria com uma linha educativa voltada à cultura an-
cestral, possibilitaria a continuidade do trabalho em todas as etapas
do desenvolvimento da pessoa. Nesse sentido, existe o projeto da
“Casa de Cultura Aruanda”, no qual o Terreiro ainda não foi contem-
plado e que visa desenvolver os saberes tradicionais em um local
reconhecido institucionalmente pelo Estado.
No que se refere às pessoas que fazem uso de cigarro, temos
somente 1 membro, e em relação ao uso de álcool, assim como doen-
ças como a hipertensão e anemia falciforme, não temos nenhum re-
gistro. Com isso, avaliamos com os religiosos como é a realização da
alimentação das entidades e os cuidados com a saúde do médium.
As lideranças espirituais são ensinadas a doutrinar as entidades, a
se alimentar e beber produtos menos prejudiciais – guaraná em pe-
quena quantidade –, e água, pois “não se alimenta daquilo que é do
sagrado e sim do sagrado”, da sua potência e energia vital. Dessa
forma, cuida-se do corpo do médium e das entidades que vêm ao
mundo.
Nesse sentido, adentramos as restrições e a importância cul-
tural e social do uso dos alimentos pelo povo de Terreiro, e este
evidencia que não existem restrições alimentares para os membros
da Casa no dia a dia e reforça sobre o cuidado que os religiosos
possuem para não estagnarem no tempo na prática de alguns rituais
alimentares e feitura de certos alimentos. Assim, a única comida que
não pode faltar nas práticas do Terreiro e de certo modo se cristaliza
no tempo é a comida dos orixás.
As transformações dos alimentos, conservação e aquisição
são realizadas no comércio local. Lembramos que o Terreiro tradi-
cional está situado em zona urbana e possui relação mercantil com
o comércio local, fator que Prandi (2004) entende como arriscado,
pela alta dependência produtiva com essa rede, porém, essencial nas

67
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

condições das metrópoles. Para a conservação dos alimentos são uti-


lizados a geladeira e o freezer da casa do sacerdote.
Ao questionarmos sobre qual é a semente mais utilizada pelo
povo de Terreiro, Alexandre responde que é o milho, pois é um ali-
mento tradicionalíssimo dentro das culturas afroumbandistas e é
comprado com os cuidados na sua condição de uso, com facilidade
nas agropecuárias e mercados da região. A liderança afirma que re-
conhece a dependência do mercado formal e vê como desafio do
seu povo a conquista de territórios para plantio e cultivo e constru-
ção de equipamentos socioeducacionais para reprodução da cultura
ancestral.
A quarta capacidade observada pelas perguntas é a de Cons-
truir um Ambiente Tranquilo para se viver, e iniciamos entendendo
como são construídos os acordos de convivência no Templo religio-
so, quais liberdades são ofertadas e se existem proibições. Mencio-
na-se que a liberdade é uma das linhas que as lideranças espirituais
trabalham e essa é focada na consciência de cada médium, no entan-
to, quando aparece alguma motivação que visa ferir a harmonização
da comunidade, é usado como estratégia a proibição, tendo como
objetivo a transformação de consciência da pessoa.
Em um dado momento da história do Terreiro, enfrentou-se
um conflito que testou a harmonia do povo tradicional. Havia sido
conversado em diversas assembleias e reuniões sistemáticas sobre
a possibilidade da construção de uma nova sede para o Centro re-
ligioso. No momento das reuniões e assembleias todas as pessoas
concordaram com a proposta e se colocaram à disposição para pagar
o custo da obra.
Desta forma, após a realização do empréstimo bancário fei-
to pela liderança tradicional, e a contratualização da obra, metade
dos membros deixaram de participar do Terreiro, deixando para os
demais participantes pagar o dobro do valor combinado. Esse foi
o maior conflito que os religiosos gerenciaram durante toda a his-
tória do Centro, pois mexia na organização financeira de todas as
famílias.
Por isso, a liderança afirma que o principal desafio é enten-
der as motivações e o funcionamento de cada gerador de conflito e,
se aquele sintoma expõe alguma fragilidade que deve ser trabalha-

68
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

da pela comunidade. Muitas vezes, a pessoa causadora do mal-estar


está buscando uma vantagem para si dentro do coletivo.
O Terreiro tradicional possui acordos com instituições ex-
ternas que são oriundos da difusão da cultura ancestral e do caci-
camento do líder religioso, por exemplo, os combinados verbais
com o Terreiro da sua Mãe de religião – Centro de Umbanda Pajé
Pery/São Leopoldo (RS) –, Terreiro mais antigo da cidade. Essa li-
derança tradicional é responsável pelo aprontamento e cacicamento
de grande parte dos sacerdotes e sacerdotisas da região. Vargas et
al. (2018; 2019) relatam sobre a importância de Mãe Jovelina (Fo-
tografia 3) para a Umbanda no território do Vale do Rio dos Sinos.
Há, também, acordos firmados com outras Casas de religião para
participações de festividades e cerimoniais religiosos conjuntas.
Fotografia 3 – Mãe Jovelina

Fonte: Membro de Centro religioso.

Por fim, alcançamos as últimas perguntas relacionadas à Ca-


pacidade de Autocuidado e Reprodução que analisa o acesso aos
equipamentos de água e energia, coleta de resíduos e esgoto, os cui-
dados do povo de Terreiro frente à medicina tradicional e a medi-

69
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

cina formal. O Centro religioso situa-se em contexto urbano, então,


mantém acesso à água potável e coleta de esgoto fornecido pelo SE-
MAE – Serviço Municipal de Águas e Esgotos/São Leopoldo – por
isso, não se utiliza técnicas de armazenamento de água e tratamento.
O maior desafio para o povo de Terreiro se localiza na efetuação do
pagamento mensal pelo serviço disponibilizado pelo Estado.
A coleta de resíduos é realizada pela SEMURB (Secretaria
Municipal de Mobilidade e Serviços Urbanos de São Leopoldo) e a
distribuição de energia elétrica do Terreiro é realizada pela RGE –
Rio Grande Energia. A dificuldade de gerir a relação com os serviços
públicos essenciais, estabelece-se na compreensão dos membros do
Centro religioso sobre o custo da manutenção do Templo, o paga-
mento desses gastos é de responsabilidade coletiva dos religiosos.
Como métodos preventivos a enfermidades os membros uti-
lizam a organização social através de assembleias, capacitações e
palestras para informar a corrente (Fotografia 4) e a população em
geral sobre como tratar algumas doenças e manter a saúde mental,
geralmente é utilizado como práticas de cuidado, as rezas, as er-
vas e as limpezas. Práticas que Mello e Oliveira (2013) reconhecem
como basilar dos Terreiros tradicionais no Brasil.
Fotografia 4 – Corrente mediúnica trabalhando

Fonte: Membro do Centro religioso.

70
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

As entidades espirituais que habitam o Terreiro tradicional


trabalham na linha de cura, dessa forma, realizam passes espirituais
ou rituais mais complexos. Dessa forma, o que se sinaliza como de-
safio é a programação dessas atividades na aceleração do dia a dia.
O arranjo de enfermidades que afeta a população que busca
a caridade no Centro religioso é diverso, mas nos últimos tempos a
enfermidade que se fez mais presente com as pessoas foi o câncer.
Nesse caso, é ofertado um serviço de acolhimento, de promoção da
autoestima e bem-estar para a pessoa, tendo como foco principal
também o tratamento da medicina formal, algo que é evidenciado
em outras casas de religião (GARCIA, 2016).
No bairro onde o Templo está localizado existem equipa-
mentos da medicina formal, o Sistema Único de Saúde, que seriam
a UBS (Unidade Básica de Saúde) e o Centro de Saúde, que pres-
tam a atenção básica para a população. Nós, do Terreiro, oferece-
mos uma escuta para as pessoas a partir do conhecimento ances-
tral e essa composição é fundamental para as pessoas atendidas.
Forma-se uma rede de apoio potente que se põe a dialogar com os
serviços formais e tradicionais na promoção do desenvolvimento
comunitário.
A liderança religiosa menciona que os desafios em acessar
as redes de cuidados tradicionais estão mais nas pessoas do que
nos Terreiros, pois as Casas estão sempre abertas à caridade. No que
se refere aos equipamentos formais, existe a dificuldade de esperar
para ser atendido na UBS e no Centro de Saúde, forçando, muitas
vezes, os moradores a buscarem a UPA (Unidade de Pronto Atendi-
mento) da cidade.
A constituição do Terreiro tradicional em uma zona urbana
reconfigura algumas práticas que eram tradicionais, como o aten-
dimento na hora do parto, ou o parto realizado dentro do Templo
religioso. Atualmente, ninguém gerou filhos dentro do Terreiro, mas
caso seja necessário, se tem duas Yabás – as mais velhas –, que au-
xiliam as mulheres no trabalho de parto.
No caso do atendimento às mulheres grávidas, este é reali-
zado pelo SUS, seja o acompanhamento do pré-natal, as visitas do-
miciliares das Equipes da Saúde da Família e Agentes de Saúde, e o

71
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

parto assistido pelos Hospitais da região do SUS. No caso, se a fa-


mília tiver plano de saúde esse plano de cuidado pode ser diferente.
O Terreiro tradicional acompanha a gravidez a partir de um
trabalho realizado com fita mimosa verde – referente ao orixá Os-
saim, responsável pela saúde –, que é posta na barriga da gestan-
te em uma cerimônia especial. Alguns dias antes do nascimento do
bebê é retirada a fita e dada à mãe e família para que eles possam
levar e serem protegidos por Ossaim, o médico dos médicos.
Após o nascimento do bebê a família pode trazer a criança
para fazer a apresentação ao congá (Fotografia 5), o batismo e a
segurança – ritual de proteção – para manter sua saúde nos seus
anos de vida. Esse processo de cuidado é passado de geração em ge-
ração e sela a abertura de caminhos da vida que está se constituindo
espiritualmente.
Os desafios provenientes da gravidez, do parto e após o nas-
cimento são caracterizados pela manutenção de uma boa gestação,
do cuidado de si, do equilíbrio sistêmico e com o bebê, valorizando
esse momento cheio de expectativas e ansiedade que envolvem o
sistema familiar, prevenindo e identificando possíveis sofrimentos.
Dessa forma, muitas famílias buscam o Centro religioso para sua
proteção e alento.
Fotografia 5 – Congá do Terreiro tradicional

Fonte: Membro de Centro religioso.

72
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

a Psicologia não é mais uma intenção.


Se tornou uma ação...
De espiritualidades esquecidas.
Há culturas suprimidas. Estávamos cantando e dançando
na beira do rio.
Éramos dois, três, quatro, cinco!
Éramos muitos na encruzilhada...

De múltiplas mãos e caminhos escrevivemos esta experiência.


Com a condição que nos tornou possível.
E o corpo que temos a honra de habitar.
En-carnar

Neste trabalho, afirma-se com a proteção dos orixás, dos ca-


boclos e pretos-velhos.
Que a invenção afeta a vida em nossos corações.
Renova a chama dos nossos irmãos e irmãs.
E deleita-se com o contar de uma história.
Que não pode mais ser apagada...

A Psicologia pluriversada é o passado, o presente e o futuro!

Da beira do rio, com as muitas vidas ao meu lado, avistamos


Sankofa em meio à mata com os caboclos...
Em uma ação de graça, ele nos olha e cuidadosamente segue
em frente.
E no seu movimento se anuncia que a nossa caminhada não
para por aqui!

73
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho construído a partir da escrevivência do pesqui-
sador e da experimentação dos Indicadores de Bem-estar para Po-
vos Tradicionais (IBPT) junto com o povo de Terreiro do Centro de
Umbanda Cacique da Lua e Oxum das Cachoeiras: A Ordem dos
Guardiões da Luz, autoriza-nos a encruzilhar a Psicologia através
dos saberes contra-coloniais trazido por Santos (2015), evidencian-
do novos modos de produzir bem-estar, bem viver e pesquisa com
a singularidade dos povos de Terreiro de todo Brasil. A cosmovi-
são ancestral escrevivenciada pelo povo de Terreiro em confluência
com o pesquisador é fortemente combatida dentro e fora das insti-
tuições, sendo os Terreiros tradicionais alvos do racismo estrutural,
institucional, religioso, epistemicídios e mortificações ontológicas,
fazendo com que suas lutas e resistências se voltem para a conser-
vação das culturas ancestrais na sociedade brasileira.
Ao experimentarmos o processo de pesquisa com o povo de
Terreiro do Centro de Umbanda Cacique da Lua e Oxum das Ca-
choeiras: A Ordem dos Guardiões da Luz, coagulamos as capaci-
dades formuladas através das perguntas metodológicas dos IBPTs,
que, em conjunto com as narrativas da liderança religiosa, demons-
traram potencialidades evidentes no Controle Coletivo do Território,
ratificando um amplo processo decisório, com definições delineadas
e responsabilidades distribuídas pela autoridade espiritual. Apresen-
ta-se como vulnerabilidade a capacidade de soberania alimentar com
a dependência da economia dos produtos e ornamentos do mercado
formal, por situar-se em uma zona urbana.
A análise conjunta da capacidade de Construir um Ambien-
te Tranquilo no Terreiro tradicional aponta potencialidades que se
sobrepõe aos desafios gerados pela pandemia e demais fatores exter-
nos, consolidando uma ligação comunitária orientada às divindades

74
A ESCREVIVÊNCIA E OS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA POVOS TRADICIONAIS

e liderança espiritual. Dessa forma, afirma-se um território capaz de


enfrentar as adversidades, até mesmo aquelas que se constroem na
estrutura social e influenciam a vida pessoal de cada membro, des-
pontando dessa capacidade um dos seus alicerces instituídos.
A Capacidade de Agenciamento Cultural Autônomo revela-
-se como base deste povo de Terreiro, tendo em vista a mobiliza-
ção e fortalecimento cultural organizados através das festividades e
cerimônias religiosas em diversos lugares do estado, concretizando
ações que promovam o acolhimento das diferenças e envolvam a
comunidade local. Como última capacidade escrevivenciada, ava-
liamos a Capacidade de Autocuidado e Reprodução, onde o Terreiro
tradicional possui potencialidades em aglutinar as forças dos sabe-
res ancestrais com os saberes formais e o conhecimento científi-
co. Mostra-se como componente relevante essa união de saberes em
busca da sustentação do coletivo.
Ao usarmos o corpo, a condição e a experiência do pesqui-
sador como elemento atuante na relação com os povos tradicionais,
somos posicionados a perceber que bem-estar para o povo de Terrei-
ro do Centro de Umbanda Cacique da Lua e Oxum das Cachoeiras:
A Ordem dos Guardiões da Luz está marcado pelo atributo da pessoa
em compreender e zelar pelos princípios da Umbanda e o seu sagra-
do, e esta assimilação está vinculada à comunicação das lideranças
espirituais e as suas posturas enquanto seres humanos na governan-
ça do Terreiro.
Através desse processo de pesquisa, demonstra-se que as
cosmovisões ancestrais e a escrevivência são tecnologias episte-
mológicas que deslocam o lugar ocupado pela Psicologia ocidental,
jogando-a para um não-lugar diante de um não-saber. E é a partir
desse vazio que se demonstra outros modos de produzir conheci-
mento e vida com as ecologias de saberes plurais e multifacetados.

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SÉRIE SABERES TRADICIONAIS – VOL. 6

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85
CASA LEIRIA
Rua do Parque, 470
São Leopoldo-RS Brasil
casaleiria@casaleiria.com.br
Por muitos anos, a Psicologia bus-
cou evidências para se consolidar
como um campo frutífero do conhe-
cimento ocidental e atuação profis-
sional em escala mundial. Diante
dos avanços e comprovações da sua
importância para as sociedades, a
ciência psicológica passou a se fixar
como esfera discursiva com inúme-
ras publicações de pesquisas cien-
tíficas na contemporaneidade.No
entanto, questiona-se de maneira
contundente quem foram as pessoas
que produziram conhecimento com
a Psicologia e quem são as pessoas
pesquisadas? Dada a pergunta ante-
rior, indaga-se sobre o nascimento
da ciência psicológica e como fo-
ram cristalizadas as suas matrizes
epistêmicas ocidentais? Ao respon-
der tais perguntas, esta obra nasce
com o compromisso de questionar
as ferramentas de pesquisa da Psi-
cologia ocidental e demonstrar ou-
tros modos de se relacionar com a
produção de conhecimento. Ao co-
locar a ciência psicológica para se
repensar, emerge a importância do
conhecimento contra-colonial dos
povos tradicionais brasileiros e das
pessoas que se situam fora da nor-
ma homogenista ocidental, assim,
afirma-se uma premissa ética pela
luta por uma ciência não-neutra e
pluriversa.
SÉRIE SABERES TRADICIONAIS
A Série Saberes Tradicionais é uma iniciativa literária
organizada pelo Observatório Nacional de Justiça Socioambiental
Luciano Mendes de Almeida (OLMA), pertencente a Província
dos Jesuitas do Brasil.
O OLMA inaugurou seus trabalhos em agosto de 2016 com
objetivos de auxiliar na articulação da Rede de Promoção de Justiça
Socioambiental da Província dos Jesuitas do Brasil, composta
por dezenas de instituições; traçar estratégias de incidência em
prol de tal Justiça, na agenda das políticas públicas nacionais; e
promover, produzir e sistematizar conhecimentos e informações
reflexivas a respeito da realidade brasileira contemporânea.
Entre suas principais áreas de atuação encontra-se o eixo
Amazônia e Povos Tradicionais, com um conjunto de ações e
projetos, entre eles a Semana de Estudos Amazônicos (SEMEA),
que busca promover uma semana de estudos e debates sobre
a Amazônia em universidades localizadas fora do território
amazônico.
Justamente ao longo das edições da SEMEA, observando
e acolhendo demandas de lideranças indígenas e ribeirinhas
da Amazônia, que lutam por registrar suas histórias, divulgar
suas culturas, visibilizar seus conhecimentos, que nasce a Série
SABERES TRADICIONAIS.
A série, não seguindo obrigatoriamente um gênero
especifico, busca dar voz e visibilidade as histórias contadas
e escritas exclusivamente por pessoas pertencentes aos povos
originários e tradicionais do Brasil, como indígenas, ribeirinhos,
quilombolas, pescadores, agricultores familiares, entre outros.

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