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Marcos Rezende

n Candomblé the AWO is vital. The magician holds the


key, the mystic, the essence, the revelation, what can be
I said and seen, and what should be kept secret. In the Tem-
ples’ sacred spaces, whether it be Ketu, Jeje or Angola, the
expression originated “from the gate within and from the gate
outside,” which makes reference to the world, to the things that
can be revealed within the Temples and that should stay there
or things that may be exposed to the world to help in the un-
derstanding of who we are.
In this book, in a simple manner, in brief text and sincere
images, reports of Candomblé’s religious authorities are availab-
le. They are Axé Women, Mothers and Priestesses of the most wi-
despread nations of Candomblé in Brazil: Ketu, Jeje and Angola. WOMEN
Breaking barriers, distances and untruths built in the mainstay M a rc o s R e z e n d e
of prejudice and ignorance and consolidated as real. They are uni- Coo o r d iinato
C nator
que stories in a history book.
They are syntheses of important lives of women many times
invisibilized, but always victorious. Women who have overcome
adversity and had faith. Women who in Candomblé found the
measuring line, the way, the life, the love. In this book, They are
revealed to us. The gate is open. You can enter.
Marcos Rezende
Women
Marcos Rezended
Coordinator
marcos rezende
Organizador

2
Apoio:

Realização:

Patrocínio:

À Mãe Nicácia,

Mulher de Axé, presa por exercer as suas


funções sacerdotais em 1790 e, mesmo exposta
ao escárnio público, manteve a sua fé e nos
deixou um legado.
Importante neste momento ser chamada
para fazer parte de um livro como este,
um livro que só tem mulheres. Mulheres
lutadoras de respeito e consideração.
Palmas para todas elas!
Mãe Stella de Oxóssi
B a n d e i r a d o Te r r e i r o d e O x u m a r ê
8 9
Copyright © 2013 – Direitos Protegidos

Organizador
marcos fábio rezende correia

Coordenação Editorial
marcos fábio rezende correia

Índice
Conselho Editorial
andré luis nascimento dos santos, jonas de souza santos, luiz paulo bastos da silva

Editora Kawo-Kabiyesile

Editor Responsável
raphael fontes cloux

Capa
composta por jonas santos com foto de jean claude aldonce

Normatização & Revisão


lívia natália de souza

Projeto Gráfico & Diagramação


jonas de souza santos Apresentação 12
Coordenação Executiva  marcos fábio rezende correia

Autores  salete maria da silva, sandra maria bispo, ademar cirne filho
1 Artigos 25
iraildes elisia andrade nascimento, marcos fábio rezende correia
andré luis nascimento dos santos, luiz paulo bastos da silva, fábio batista lima
2 Nossas Ancestrais 71
Coordenação de Pesquisa  ademar cirne filho, andré luis nascimento santos
luiz paulo bastos da silva, marcos fábio rezende correia

Coordenação de Arte  jonas de souza santos


3 Salvador 105
Coordenação Religiosa  ebomi nice de yansã, makota valdina pinto
ekedi noélia pires, iyalorixá jaciara ribeiro, babalorixá pecê de oxumarê 4 Recôncavo 313
Fotografias  fafá m. araújo, jean claude aldonce, sandro bahia, jonas de souza santos

Produção Geral  iraildes andrade, noélia pires, hamilton ribeiro


5 Região Metropolitana 363
Produção  marquinhos marques, john wesley days júnior
gustavo andrade, ricardo andrade Posfácio 425
Maquiagem  elisia santos, amabele costa, ilka cyana campos

Transcrição  amabele costa, ilka cyana campos, gabriela ladeia


Referências bibliográficas 434
Pesquisadores  ricardo andrade, ilka cyana campos, gabriela ladeia
elísia santos, iraildes andrade, alison sodré Glossário 436
Colaboradores  alexandro ferreira, frederico lacerda, leidiane alves
yoná valentim, fábya reis, tatiana lírio Autores 438
FICHA CATALOGRÁFICA Fotógrafos 441
Mulheres de axé / Organizado por Marcos Fábio Rezende Correia;
Salvador: Kawo-Kabiyesile, 2013.
444 p.: il.
Índice de fotos 442
Bibliografia.
isbn 978-85-64841-04-8
1. Gênero 2. Candomblé 3. Religião Afro-brasileira
4. História e Cultura Afro-brasileira 5. Fotografia
I CORREIA, Marcos Fábio Rezende (org.) II Título.
CDD: 338.9

EDITORA KAWO-KABIYESILE

www.editorakawo.blogspot.com
editorakawo@gmail.com

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N as páginas que se seguem, vamos ao encontro de mulheres her-
deiras de um legado de fundação cultural. Mulheres que são um
símbolo de autonomia, resistência e superação. Mas também de
acolhimento e sustentação. Devido ao poder e ao Axé destas Iyalorixás,
Terreiros, comunidades inteiras se alimentaram, resistiram, festejaram e se
tornaram mais fortes para enfrentar todas as adversidades impostas pelo
regime escravocrata e pelo racismo.
Foi sobre elas e os Terreiros que a intolerância religiosa sempre se ex-
pressou na sua face mais cruel e repressora. Também foram confrontadas
pelo machismo e o desafiam através de estratégias singulares em favor da
igualdade. É sobre Elas que se fala aqui, quando queremos defender uma
sociedade mais democrática, fundada no respeito a todas as nossas diferen-
ças e na capacidade de convivência com os conflitos provocados por elas.
Passado. Presente. Futuro. É em torno delas que os movimentos de ne-
gras e negros centralizam e repercutem suas demandas, pois são suas tra-
jetórias individuais que conformam uma história coletiva. São os mitos da
origem, mitos do retorno e da transformação que são almejados.
É ainda em volta delas que comemoramos a alegria deste registro de
vidas que desbravam e lideram caminhos comuns rumo a conquistas po-
líticas, sociais e econômicas. Vidas e caminhos que brilham! Que eles nos
tornem melhores.
Documentar o presente traz em si novas possibilidades de leituras do
passado. Pode também provocar um novo olhar do que queremos para o
futuro. É a partir do ponto em que nos situamos que o nosso olhar pode
ser modificado. Da Bahia, centro da cultura africana no Brasil, a presença
do Candomblé se irradiou para todo o território nacional. Neste nosso ho-
rizonte, o olhar crítico deve conter o reconhecimento de que as injustiças
presentes na formação brasileira precisam ser enfrentadas cotidianamente.
Este livro é apenas uma das formas de demonstrarmos compromisso
com o fazer político de negras e negros baianos. E mais uma contribuição
para a tessitura deste grande mosaico de cores a conceber uma nova histo-
riografia do povo negro. Uma nova História reescrita para todas e todos nós.

Saudações a todas as nações do Candomblé!

Vera Lúcia Barbosa


Secretária de Políticas para as Mulheres Detalhe de mão,
Governo da Bahia M ã e Va d i n h a

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E sta é uma bela obra que vai nos tornar mais próximos/as da história
das Iyalorixás, mulheres símbolos da resistência, da afirmação negra
e do combate à intolerância religiosa.
Mulheres que, no seu cotidiano, confrontam e desafiam as mais diver-
sas formas de opressão à raça, ao gênero e à religião, na continuada cons-
trução de uma sociedade mais igual.
São mulheres que contribuem com seu papel social em função dos
avanços do coletivo.
Por nós e por elas comemoramos este registro.
Sou uma Mulher de Fé, Axé! Acredito em Deus, Jesus, em Mulheres
Encantadas, Nossas Senhoras, Santas... Iyalorixás, Guerreiras Mulheres,
mansas Mulheres, de todas as cores, verdadeiras...
Uma Iyalorixá é, acima de tudo, uma Mãe terrena que, junto com seu
poder de sentir e amar os seus filhos, junto com a natureza, recebe as bên-
çãos dos Orixás.

Nitorê de Oxum
no preparo do
Maria de Fátima Carneiro de Mendonça Barracão para o
Presidente das Voluntárias Sociais da Bahia Olubajé

14 15
Registrar a história de 200 lideranças religiosas do Candomblé é res-
gatar, por meio de uma síntese qualificada, a história de todo um povo
que, apesar de ter sido sequestrado e escravizado a milhares de quilôme-
tros de sua terra de origem, não se permitiu desumanizar e coisificar como
queriam e pretendiam os escravizadores. Para além das lutas pela liberda-
de e revoltas que a história tradicional aponta, o papel das mulheres que
guardaram a tradição e a fé do Axé – a exemplo das Iyás, Gaiakus, Donés,
Mametos, dentre outras denominações femininas nas diversas nações que
simbolizam o Candomblé (Jeje, Nagô, Ketu, Bantus, Angola, etc.) – foi um
verdadeiro divisor de águas e fio condutor de uma história de domínio de
poucos, mas que muitos buscaram esconder, mascarar e invisibilizar.
A história do povo de Axé é o elo mais robusto que liga à verdadei-
ra história das negras e negros que foram trazidos para o Brasil e a tudo o
que foi possível realizar nas nossas lutas pela liberdade desde então, afinal,
livre é o povo que pode exercer sua religiosidade em todas as suas dimen-
sões e profundidades necessárias.
No nosso caso, foi o Povo de Axé e as Mulheres de Axé, em particular,
que primeiramente conseguiram consolidar os mais importantes elemen-
tos de resistência, posto que, além de tradições religiosas, tais manifesta-
ções resguardaram elementos fundamentais para o enfrentamento contra o
opressor, para além da religião em si, nos campos da economia e da políti-
ca. Ainda hoje, em pleno século XXI, muitas das formas de enfrentamento
político e alternativas à sobrevivência econômica de negras e negros têm as
suas origens dentro dos Terreiros de Candomblé.
Os exemplos são os mais vastos possíveis, nem sempre percebidos pela
maioria da sociedade. Portanto, essa iniciativa do Coletivo de Entidades Ne-
gras (CEN) e seus parceiros não é apenas oportuna, mas fundamental para
o atual momento, para as lutas históricas do Povo de Axé. Sem dúvidas, o
processo crescente de intolerância religiosa contra o povo de Candomblé
se caracteriza como tentativas vis de macular uma das mais importantes
Mulheres de Axé, mulheres de luta: suas bênçãos matrizes formadoras da cultura, da sociedade e da religiosidade brasileira.
O enfrentamento dessa questão é algo de extrema complexidade e sua
solução só se dará com o esforço coletivo e qualificado dos diversos atores

N
sociais e do governo em todas as suas dimensões e níveis. Dessa maneira, o
a tradição do Candomblé, se costuma pedir licença à ancestralida- presente trabalho é uma das formas de fazer esse enfrentamento, e nós, do
de, em seguida, pedir a benção aos mais velhos – principalmente Governo do Estado da Bahia, nos sentimos honrados em participar apoiando
às lideranças religiosas presentes em toda e qualquer cerimônia – tal iniciativa, que, junto com outras realizadas e em curso, deve servir como
e trocar a benção com os mais novos, antes de qualquer referência. Signifi- elemento catalisador, não apenas para apontar os problemas relacionados à
ca que, para falar sobre o tema, é preciso, em primeiro lugar, pedir licença questão, mas, principalmente, para apontar possibilidades de sua superação.
aos que têm autoridade religiosa e ancestral e só com essa permissão é que
se devem iniciar quaisquer falas. Aqui não é diferente e é por isso que nes-
se prefácio procuro fazer valer um dos aprendizados mais importantes da Elias de Oliveira Sampaio
religião que veio de África. Secretário de Promoção da Igualdade Racial

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elas o são para um Brasil epidermicamente negro como a noite, forjado com
chicotadas de informações que nos destroem e muitas vezes dilaceram a
nossa alma, mas que se orgulha em saber que, mesmo negados durante sé-
culos, nos mantemos aqui, vivos e fazendo história.
Estas mulheres e suas antecessoras representam a (re)construção fami-
liar, cultural, econômica e social do povo negro, a continuidade das nos-
sas tradições pós-tráfico negreiro, a certeza de que nenhum absurdo, por
maior que seja, será capaz de apagar a dimensão material e imaterial que
garante a nossa existência. São elas que nos trazem a calmaria frente ao
turbulento mar de intolerância. Quando nós, mais jovens, pensamos em ter
uma atitude mais explosiva, elas nos ensinam que não é isto que somos,
que este tipo de atitude não nos pertence e que a nossa religião não prega
ações deste modelo.
Mulheres de Axé! Um documento histórico Convencido de tal verdade, curvo o corpo, estendo a mão e peço a ben-
ção, por mais este ensinamento.
São histórias e mais histórias de tocar a alma e nos fazer questionar
como pode existir este Brasil dentro do Brasil sem que ninguém o dispense

A
a observação e atenção necessárias. Um grande pedaço que a historiografia
ntes de mais nada, gostaria de pedir agô aos ancestrais, a benção não conta, não conhece e, portanto, não revela. Estas micro-histórias que
dos mais velhos e o Axé dos Orixás. Assim aprendemos com as preencheriam vários livros de Ginsburg ou Levi.
nossas Abás (anciãs) e assim continuaremos a manter a tradição e Atos de fé, amor, resignação, sabedoria, companheirismo, respeito, to-
o respeito por todas e todos que estiveram aqui antes de nós, mantiveram a lerância, mas também de contestação, afirmação, dignidade, ousadia,
nossa tradição e fertilizaram a terra para que hoje pudéssemos semear com resignificação e muitos outros. Pílulas cotidianas que, como se diz pelos
Terreiros, nos deram Caminho. Que nos trouxeram até este livro de regis-
fartura estes belos relatos de vida e as lindas imagens captadas pelas lentes
tros destas personalidades negras e nos levarão ainda mais longe, a escolas,
de Fafá M. Araújo, Jean-Claude Aldonce e Sandro Bahia. Cada qual com entidades sem fins lucrativos, residências, e pessoas que, por muitas vezes,
suas peculiaridades, seus olhares e sensibilidade, sempre voltados para ao se debruçarem para observar o registro fotográfico, percorrerão as his-
captar e interpretar as diversas emoções destas mulheres que carregam em tórias, percebendo novas formas de ninar, reconstruindo os seus laços fa-
seus rostos as expressões de vida plena. Seja de amor, de sorriso, de luta, de miliares e remontando as suas lembranças.
sofrimento, de mãe, mas, antes de qualquer coisa e para toda a existência Impossível não ver as imagens e muitas vezes perceber o filme passar
neste plano, expressão de mulher, Mulher de Axé! na cabeça remontando a nossa infância: a vizinha que zelava pela comu-
Este livro não tem pretensão de ser uma obra acadêmica, de conter nidade e cuidava de nós, oriundos de bairros populares, onde as mães, ao
citações dos diversos autores que discorreram sobre o tema, de servir saírem, nos deixavam sob o zelo e olhares atentos de personalidades com
de referência para as universidades, de atingir os centros formais do sa- características similares. Os laços afetivos que a partir daí foram construí-
ber. O objetivo deste livro é servir como referência para os Ilês, Mansus, dos, fizeram com que estas mulheres fossem chamadas carinhosamente de
Kanzuás e Unzós. tia, de vó, de mãe, transformando-as em verdadeiros membros da família e
O meu desejo é que ele possa ser utilizado como ferramenta de referência a quem pedimos a benção até hoje.
pelas jovens meninas pretas que sentirão orgulho das suas raízes e tradi- Mulheres de Axé é este retrato, esta lembrança.
ções, e buscarão se espelhar nestas mulheres que, apesar das adversidades, Com certeza muitas(os) ao se deliciarem pelas imagens e textos do livro
perseguições, intolerância, preconceitos diversos e racismo, aprenderam a irão ver as tradicionais expressões do Candomblé percorrerem o seu ima-
viver e ensinaram a amar. Este livro pretende instrumentalizar antigas e ginário. É o que? Eu sou de Iansã viu! ou, minha filha eu sou de Iemanjá e
novas gerações com informação acerca destas Mulheres de Axé, suas lutas você sabe como é, Iemanjá e mãe!, Quem pode com os encantos de Oxum, com
e vivências cotidianas, mostrando que, apesar de tanto não, tanta dor que seu jeitinho ela conquista todo mundo, sabe como é a água né?, Sou invocada
nos invade, somos nós a alegria da cidade. Mas não a alegria folclórica, que mesmo, sou de Kavungo, hum! e, este povo de Nanã é brincadeira!? São ex-
fica estampada em sorriso fácil e cativante a conquistar fregueses em lojas; pressões recorrentes, mas que já trazem em sua essência a resposta de onde
e sim a verdade revelada, tal qual a fotografia em sua essência mais bruta, estas mulheres conseguiram buscar tanta força para manter a tradição de
que é descortinar estas mulheres e dizer ao Brasil que elas existem. Mais um povo: das suas divindades.
ainda! Dizer que se não são tidas como importantes no cotidiano racista, Enfim, é importante agradecer pela oportunidade, pelo respeito, pelo

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carinho e por todos os momentos que ficaram registrados além deste livro
e que fazem parte da nossa memória coletiva e também individual. Regis-
tros em cliques de cada dificuldade ao ligar pela primeira vez para explicar
o projeto, tentar marcar a foto e ouvir a voz firme do outro lado pedindo
mais explicações, dizendo que está cansada, falando que não tem interesse
e depois dizer que outra Mulher de Axé que já tinha sido fotografada ligou
para ela dizendo que valia a pena e era importante, mas ainda assim ela ti-
nha que confirmar, saber, fazer o charme, afinal de contas né?
Ao chegar em cada um dos Terreiros ou em suas próprias residências se
lembrar dos carinhos familiares. Se chegávamos pela manhã: bolo, mingau,
café, frutas, sucos, cuscuz, aipim e todas as guloseimas tradicionais de um
banquete oferecido pelas deusas, encarnadas em terra na ternura e doçu-
ra destas mulheres. E então atrasos, justificativas, explicações, mas íamos
ficando, ficando e percebíamos que não adiantava marcar com muitas no
mesmo dia, pois não era só uma foto e entrevista, era uma visita a uma rai-
nha. E as rainhas, quando abrem as suas agendas e nos permitem entrar
em seus palácios, fazem banquete, nos contam histórias e nos brindam com
conhecimentos e experiências únicas. A cada visita, o tempo parecia não
passar e assim foi durante todo o projeto. Os encontros marcados para du-
rar uma hora se estendiam por toda manhã. O tempo parecia ser marcado
por ponteiros de uma outra lógica, as angústias sumiam, as obrigações da
sociedade moderna não nos diziam muito. O que valia era estar ali, se sen-
tir acolhido e deixar o tempo passar bem devagar.
O tom de voz, as histórias, os gestos, mimos e gentilezas, tudo isto nos
fez lembrar o quanto ainda precisamos ser crianças e como é lindo saber
que em meio a este turbilhão do mundo moderno elas sabem mandar, mas
sabem ainda mais amar, zelar e rogar por nós.
Mulheres de Axé se propõe a isto, brindar a vida e a tradição, trazer a tona
os nossos sentimentos, servir de reparação histórica e estabelecer um marco de
poder: o nosso livro de memórias, o nosso álbum de família. Família de Axé.
Longa vida às nossas rainhas. Mulheres guerreiras, negras, grandes Iyabás!

Marcos Rezende
Coordenador do Projeto
Oju Obá da Casa de Oxumarê

Casa de Oxumarê

20 21
ra não pode sofrer limitações. Se for do interesse da academia e daqueles
que a integram ou do interesse de outros segmentos da sociedade conhecer
parte da história do Candomblé e de suas representantes, este livro estará
ampliando, ainda mais, as possibilidades da quebra dos paradigmas sociais,
que se relacionam com a vida e ancestralidade das nossas rainhas que aqui
nos brindam.
Para tanto, se fazem necessárias algumas explicações para que a leitura
e o entendimento do livro ocorram de forma fluída. Primeiramente, cum-
pre-nos esclarecer que o livro retratou Mulheres de Axé dos Candomblés
da Bahia, concentradas em Salvador, Região Metropolitana e Recôncavo
Baiano. Ainda que as mesmas estejam no Orum, ou seja, em um outro pla-
no espiritual.
Apresentado por pessoas importantes para os universos feminino e ne-
gro baianos, Mulheres de Axé segue uma divisão bastate lógica. Inicialmen-
te o livro busca contextualizar o universo do Povo de Santo, trazendo no
Capítulo 1 um pouco da história do Candomblé da Bahia e da importância
do matriarcado na resistência do Axé. Estas linhas introdutórias têm a pre-
tensão de situar o leitor em relação a perspectiva e sensibilidade necessárias
para melhor entendimento da obra. Para que não venha a se tornar uma
leitura cansativa, este capítulo encontra-se dividido em pequenos textos in-
Recomendações para uma melhor leitura titulados da seguinte forma: Um contraponto na história; O resultado gran-
dioso de um projeto; Elas por elas; Mulheres de Axé: matrizes de afetividade
e de empoderamento constantes; O Candomblé na representação da Iyalorixá;
A reconstrução das famílias negras no tempo; Os critérios de escolha; Saberes,

M ulheres de Axé carrega consigo algo que não é possível enxergar


por meio da visão, enquanto um dos sentidos, mas que é possí-
vel de se sentir por meio de outros olhares, outras sensibilida-
des, outras linhas que não as escritas nestas páginas. Esta obra conta com
todo conteúdo da imaterialidade que cada Mulher aqui retratada traz em
labutas e títulos; Uma ferramenta de reconhecimento; Mais uma arma contra
a intolerância religiosa; e, por fim, Algumas questões que ficam.
Ultrapassada esta etapa inicial, o livro passa a expor as fotografias e as
respectivas histórias de vidas destas mulheres. Por uma lógica de respeito
à ancestralidade que rege o Candomblé, o Capítulo 2 se refere às Mulheres
si. A essência desta obra não contempla a tentativa de sintetizá-la em suas de Axé que se encontram no Orum, que não estão no plano material.
próprias linhas, ainda que tentemos. A partir do Capítulo 3, passa a expor as fotografias e relatos das Mu-
A escrita de Mulheres de Axé, foi um exercício prazeroso, e o mesmo, lheres que se encontram no Aiyê, neste nosso plano material, neste capítu-
nunca pretendeu ser um livro acadêmico, um livro para Mestres e Douto- lo são retratadas as Mulheres da cidade de Salvador, contemplando o Axé
res. Esta obra foi pensada, retratada e construída com um objetivo único: daquelas pertencentes à primeira capital do Brasil. No Capítulo 4 encon-
reconhecer o valor da Mulher na religião do Candomblé e na sociedade. tram-se as fotografias e textos das Mulheres dos Terreiros do Recôncavo
Mas, para isso, utilizou-se da pesquisa: debruçou-se sobre o objeto de es- Baiano e, finalizando o conjunto de relatos, são trazidas, no Capítulo 5, as
tudo; utilizou-se de aspectos metodológicos (entrevista, história de vida, Mulheres dos Terreiros localizados na Região Metropolitana de Salvador.
etc.); e, no percurso da construção desta obra, concluímos que neste uni- No Capítulo 6, encontramos o posfácio do livro, referente a informações
verso feminino sobre o qual nos atiramos as energias se renovam, e que o técnicas, apresentando as entidades realizadoras do projeto, bem como ofere-
Axé se amplia, e se transmite. cendo uma síntese da história dos fotógrafos, glossário, índice onomástico e
Em que pese Mulheres de Axé ser uma obra para as cabeceiras das lin- referências bibliográficas.
das senhoras aqui retratadas e para aquelas e aqueles que delas descendem Na expectativa de ter contribuído para a facilitação do entendimento
(seja consanguineamente ou pelo vínculo afetivo e religioso), a sua leitu- desta obra, desejamos a todas e todos uma ótima leitura.

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1
Artigos

E ke d i Te r e z i n h a , Te r r e i r o d a C a s a B r a n c a
Um contraponto na​história
andré luis nascimento dos santos¹
luiz paulo bastos da silva²
marcos fábio rezende correia³

O livro que ora se apresenta ao grande público, é mais uma obra que
¹ Ogã de Xangô do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Olopá.
Professor Adjunto do Curso de
Administração Pública da Universidade
tem por intenção ampliar o rol das leituras críticas da história do
Federal de Alagoas (UFAL), Advogado
Especialista em Direito do Estado
povo negro na formação do Estado brasileiro. Utilizando-se da
pela FFD da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), Mestre e Doutor em
linguagem fotográfica, Mulheres de Axé é mais que um álbum de imagens
Administração pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), possui
de mulheres negras ligadas ao Candomblé, este é uma obra política em
Doutorado Sanduiche na Science Po
Toulouse – França, é Pesquisador do
que está retratada numa coleção de históricos de vidas singulares nas suas
Laboratório de Análises de Políticas
Mundiais (Labmundo).
individualidades, mas que tem em comum o compromisso de gerações de
² Advogado militante na área dos
mulheres que construíram e ainda constroem a memória negra brasileira.
Direitos Humanos e especialista em
Direito Público. Pesquisador voluntário
Diante de tal pretensão, essa obra se insere no universo das publica-
do Grupo de Pesquisa Direitos
Humanos, Direito à Saúde e Família
ções que concebem a historicidade negra no Brasil como um grande mo-
(CNPq/UCSal). Professor do Curso de
Direito da Faculdade Dois de Julho.
saico ainda em fase de construção, razão pela qual, dia após dia, pesquisa
Possui alguns artigos em Direitos
Humanos publicados em anais de
após pesquisa, ainda carecemos de pontos e contrapontos para ampliar a
congressos.
compreensão da complexidade nacional que se nos apresenta. Nesse sen-
³ Ogã de Ewá do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Oju Obá.
tido, essa obra, acompanhando a tradição historiográfica do povo negro
Historiador, com Pós Graduação em
História e Cultura Afro-Brasileira, é
no Brasil, é mais uma tentativa de dar visibilidade à importância fun-
Coordenador Estadual do Coletivo de
Entidades Negras (CEN). Ocupou cargo
damental das mulheres ligadas ao Candomblé na construção dessa nossa
na Comissão Estadual de Promoção da
Igualdade da Assembléia Legislativa
identidade nacional brasileira, uma identidade multifacetada em que as
do Estado da Bahia, foi Coordenador
Executivo de Promoção da Cidadania
contribuições negras e indígenas são sistematicamente negligenciadas pela
e Direitos Humanos na Secretaria de
justiça, Cidadania e Direitos Humanos
historiografia dominante. D e t a l h e d e Co n t a s ,
Mãe Labê
do Estado da Bahia.
Assim, diante dessas constatações, nada mais justo que reiterar o ca-
ráter político dessa publicação. Através dessas páginas, a política se perfaz
em diversas facetas: nos históricos de vida dessas mulheres que emprestam siderato, qual seja: a transformação política. Para tal, leitora(or) querida(o),
suas imagens, nas suas posturas de resistência diante de cotidianos habita- em cada página que compõe a obra, alguns convites subliminares lhes são
dos por preconceitos, racismos e machismos e atos de intolerância religiosa, reiteradamente feitos. Desse modo, na medida do possível, tente dialogar
bem como, na arte de superar as adversidades materiais impostas ao povo com as trajetórias dessas mulheres, refletir acerca de suas tantas batalhas,
negro após a abolição. solidarizar-se com os seus sonhos, e, ao final, esteja certo que não lhes res-
Assim, para as leitoras e leitores que se lançam rumo a essa aventura de tará alternativa senão a de aderir ao sonho de um país mais feminino nas
descortinar de soslaio um pouco da vida dessas Mulheres de Axé, alguns suas escolhas públicas, um feminino que acolhe, que cuida e que, sobretu-
reclames se fazem pertinentes para que essa obra atinja seu verdadeiro de- do, protege o que deve ser protegido: a identidade de um Brasil negro.

26 27
perfez a partir da dedicação de gerações de mulheres cuja história oficial
negligencia recorrentemente.
Assim, para além da produção do livro, o Projeto Mulheres de Axé teve,
como finalidade precípua, a necessidade de fortalecimento e disseminação
da importância simbólica da mulher negra de Santo, algo que, certamente,
ajuda a agregar valores aos ideários de políticas reparatórias para o segmen-
to do povo de Santo, bem como para todas as mulheres de um modo geral.
Com isso, buscamos incentivar a quebra da lenda da política da dádiva,
resquício da dicotomia mando/subserviência decorrente da escravidão,
algo que reverbera na construção do conceito social de políticas reparató-
O resultado grandioso de um Projeto rias, fortalecendo a noção do Estado Democrático de Direito e afastando os
luiz paulo bastos da silva¹ resíduos de um Estado opressor.
marcos fábio rezende correia²

C oncebido no âmbito do CEN (Coletivo de Entidades Negras) em par-


¹ Advogado militante na área dos
Direitos Humanos e especialista em
Direito Público. Pesquisador voluntário
do Grupo de Pesquisa Direitos
ceria com a ONG Ação pela Cidadania, o projeto Mulheres de Axé
Humanos, Direito à Saúde e Família
(CNPq/UCSal). Professor do Curso de
se constituiu em uma jornada de entrevistas e ensaios fotográficos
Direito da Faculdade Dois de Julho.
Possui alguns artigos em Direitos
junto a mulheres que, ao longo das suas vidas, dedicaram esforços no sen-
Humanos publicados em anais de
congressos.
tido de restabelecer os vínculos afetivos desfeitos pela diáspora africana
² Ogã de Ewá do Ilê Axé Oxumarê,
através da manutenção dos laços religiosos. Para tal odisseia, contamos com
onde possui cargo de Oju Obá.
Historiador, com Pós Graduação em
o valoroso apoio das Secretarias de Políticas para Mulheres, de Promoção
História e Cultura Afro-Brasileira, é
Coordenador Estadual do Coletivo de
da Igualdade Racial e Casa Civil, todas do Estado da Bahia, que, além de
Entidades Negras (CEN). Ocupou cargo
na Comissão Estadual de Promoção da
financiarem o projeto, auxiliou-nos com a estrutura logística para que esta
Igualdade da Assembléia Legislativa
do Estado da Bahia, foi Coordenador
obra chegasse às vossas mãos.
Executivo de Promoção da Cidadania
e Direitos Humanos na Secretaria de
Essa pesquisa, que mobilizou uma equipe multidisciplinar compos-
justiça, Cidadania e Direitos Humanos
do Estado da Bahia.
ta por historiadoras(es), juristas, especialistas em gênero, bem como pro-
fissionais em design, fotografia e maquiagem, alimentou a pretensão de
apreender, em um livro, todas as informações e emoções possíveis de se-
rem captadas na fala e na expressão corporal dessas senhoras que compõe
parte do séquito das mulheres de Santo da Bahia. Diante de um quadro
baiano tão significativo de mulheres que lideram Terreiros de Candomblés
ou que têm suas vidas vinculadas a defesa ao culto das divindades de ma-
triz africana e afro-brasileira, a coordenação do projeto se viu obrigada a
estabelecer critérios para uma escolha tão difícil, a fim de nela, guardar o
equilíbrio e a justiça.
Nesse sentido, desde já, pedimos que as mulheres que não se en-
contram retratadas nesse livro não se sintam, de modo algum, preteri-
das quanto a sua importância histórica. A obra em questão, além de se
constituir em um primeiro esforço de catalogação de imagens e históri-
cos de vida das Mulheres de Axé, nessa sua primeira edição, serve como
Detalhe de
um panorama ilustrativo desse protagonismo feminino nos processos de contas de Mãe
Lia de Xangô
manutenção das nossas raízes afro-brasileiras, um protagonismo que se

28 29
nhecimento do mais velho como um articulador cultural, como um gran-
Elas por Elas de e comprometido educador que utiliza o aprender fazendo, a vivência
de cada um em preparação para a vida. O passado/futuro/presente é algo
sandra maria bispo¹ uno, ultrapassando assim o modelo escolar de educação formal. Deixa claro
que todo o saber e conhecimento humano são formas de aprender e ensi-
nar, contribuindo para a formação de cidadãos mais lúcidos e humanos.
Assim, não importa qual a nação religiosa Gêge, Ketu, Angola, Umbanda

N este livro, percebe-se claramente que somos provocados a fazer al- ou outra designação. Também não importa a qual Orixá, Vodu ou Inquice
¹ Ebomi Sandra Bispo , filha de Iemanjá
Ogunté com Obaluaiê, Pós graduada
em Psicopedagogia Institucional,
Especializada em Educação Pré-Escolar
gumas reflexões sobre pontos fundamentais ligados à historicida- pertencem; esta democrática obra nos diz que a religião com fé é o grande
e Metodologia do Ensino Superior pela
Universidade Estácio de Sá . Possui
de e consequente identidade de um povo eminentemente feminino. eixo que nos une. Somos todos irmãos, a democracia está aí e este escrito
Graduação em Ciências Sociais pela
Universidade Federal da Bahia, tendo
Nota-se que é uma pesquisa histórica, cuja oralidade é a base subsidiária. é um instrumento de reflexão, de inclusão, de não intolerância e, acima de
Licenciatura Plena em Ciências Sociais;
Atua como Socióloga UFBA / FACED;
E, para complementar, cada um é autor de seu próprio texto, numa pers- tudo, de respeito de uns para com os outros. Está claro na sua essência o
Professora da Rede Estadual de Ensino
de 1982 a 1996; Membro efetiva do
pectiva de um revisitar e discorrer por escrito suas lembranças movidas grito de que é possível a convivência de grupos com suas especificidades,
Museu Afro Brasileiro; Membro efetiva
da Irmandade Nossa Senhora do Rosário
pela emoção. Toda obra é constituída por textos vivos, cujos personagens mas é necessário respeitar essas diferenças, não significando excluir nem
dos Pretos e dentre as suas publicações
destacam-se: “Identidade Negra e
se apresentam uns para os outros como numa grande contação de história, as diferenças ou o outro, pois a ótica excludente é perversa. Mas, com as
Educação–Mestrado em Educação”, Ed.
Ianamá e “Algumas reflexões sobre a
ou um grande Xirê; percebe-se, em cada linha, em cada palavra, todo um experiências do passado, podemos aprender refletindo o presente na busca
Religião Afro-Brasileira”.
conhecimento ancestral numa trama de relações que vão sendo repassadas, de um futuro melhor.
indo além da oralidade. Isto é fundamental, pois, ao registrar a história Reafirmo a contribuição fundamental desta obra que nos traz expe-
dessas mulheres, abre-se a possibilidade para que não somente nossos fi- riências, histórias vividas e relatadas por cada um e por todos; a ilusão,
lhos e netos, mas um maior número de pessoas possível, possa melhor co- sonhos e buscas, medos e coragem diante de tudo que viveu nas caminha-
nhecer, se identificar com os personagens em cada página e compreender, das. Daí é que se pode refletir o presente com vistas ao futuro responsável
através desses escritos, a importância significativa dos símbolos, princípios e comprometido com a vida visando uma sociedade mais justa e melhor
e ensinamentos dos Orixás. A ideia desta obra é profundamente louvável compreendida.
conquanto nos leva a entender que a religião, especialmente o Candomblé, Parafraseando com o historiador Marcos Rezende, filho de Sàngò, Ogã
consegue reunir os valores culturais fundantes da herança africana e da de Ewá do Terreiro Oxumaré, acredito que inspirado pelos Orixás dizia:
própria cultura Nacional Brasileira. Por outro lado, constitui-se num estí- “... acho que poderíamos chamar essa obra de Elas por Elas.” Entendi nessa
mulo à leitura por caminhos muitas vezes esquecidos e essa obra nos convi- sagrada inspiração que o grande recado é que somos capazes de escrever
da a revisita-lo como um traçar de historiografia tradicional descrita com sobre nós mesmos sem medo e sem intermediário. É necessário o registro
imensa emoção e, muita vezes, com lágrimas nos olhos, provocando o tão sim para que tantas bibliotecas vivas deixem sua contribuição, como estí-
necessário, persistente e incansável exercício de memória. É simplesmente mulo ao tão necessário mundo da leitura/escrita. O sonho é o grande trem,
fantástica a ideia de despertar cada escritor para a importância da memó- mas, o combustível é nossa tomada de atitude é o acreditar em nós mesmos.
ria como oportunidade de leitura de si mesmo, estimulando a escrita como É necessária a decisão, o desejo. É um fazer, um produzir, um assumir
forma de dar vez e voz àqueles que, ao longo do tempo, foram oprimidos, de uma nova mentalidade tão necessária nos dias atuais.
esquecidos, menosprezados, mas, com muita dignidade, sobreviveram atra- Finalizo reafirmando que é uma oportunidade de refletir e melhor en-
vés dos tempos e aprenderam a ser um exemplo a ser seguido, apesar da tender como se formam as relações sociais, familiar ancestral no candom-
falta de oportunidades na vida. Falamos da memória individual, constitu- blé e na sociedade como um todo; ao nos conhecermos melhor, mais unidos
tiva e fundante da memória coletiva. É uma obra de relevante importância estaremos e fortalecidos contra todo e qualquer tipo de descriminação a
para a autoestima. Em cada escrito e em cada imagem (foto), vê-se que, partir dos valores e princípios aprendidos em cada caminhada. Recomendo
para aprender a ser, temos que ir além de nós mesmos, temos que trans- que leiam este livro com atenção, que sejam inspirados pelas águas tran-
cender, pois o aprender a ser é determinado pela historicidade da vida, de quilas da minha Mãe Iemanjá, e calmamente, possam ir refletindo sobre o
forma holística, o homem construtor de sua própria história significando e que está dito por cada personagem. Tentem observar, com o olhar justo de
re-significando um processo histórico social, ético, político e econômico; Xangô, através dele, analisem cada situação de vida e percebam que somos
outra grande lição ou mensagem percebida é o cuidado no resgate do co- gente, simplesmente, gente brasileira.

30 31
Além disto, especificamente no campo da religiosidade e das múlti-
plas expressões culturais, a historiografia também tem sido falha, quan-
do não flagrantemente omissa e injusta no tocante à visibilidade feminina,
pois, em que pese o fato de que em muitas religiões as mulheres não so-
Mulheres de Axé: matrizes de afetividade mente são a maioria dos membros, mas o próprio suporte destas, ou seja,
o sujeito fundamental para a sua existência e manutenção, estas não estão,
e de empoderamento constantes todavia, suficientemente retratadas, condecoradas e/ou mesmo citadas nas
obras, textos e/ou documentos oficiais. Assim sendo, é, portanto, louvável
salete maria da silva¹
e merecedora de destaque – em face de sua importância social e política – a
ideia do registro, escrito e imagético, das Mulheres de Axé, que são as Mães
de Santo da Bahia, símbolo maior da paulatina construção e consolidação
introdução da autonomia, resistência e superação de um povo que, nascido no/do Can-
domblé, medita, luta e festeja ao ritmo de sua profissão de fé. É, portanto,

A história da Humanidade que, ao longo de séculos, foi majoritaria- da sua condição/posição de matriz de afetividade e de empoderamento6 que
¹ Cordelista, professora,
pesquisadora e advogada popular.
Mestre em Direito Constitucional
(UFC) e doutora em Estudos
mente redigida por homens², tem sido contada pela metade. Mas 6
A ideia de empoderamento
delas quero falar.
Interdisciplinares sobre Mulheres,
Gênero e Feminismo (NEIM/UFBA)
esta meia-história não se configura como tal apenas porque os trabalhada neste texto corresponde
àquela que, de uma maneira geral,

² Em sua maioria, brancos e


machos da espécie humana foram seus exclusivos redatores, mas, princi- tem sido adotada pelo pensamento
feminista, a qual, resumidamente,
afeto e poder
proprietários, conforme destaca
a pesquisadora espanhola
palmente, porque foi registrada e divulgada como sendo a história de to- se refere ao processo por meio do
qual as mulheres vão tomando
Amparo Moreno em texto
referenciado ao final.
dos os seres; quando, na verdade, foi concebida e narrada segundo uma consciência de sua condição e
posição no mundo, vão fortalecendo
O lugar reservado à mulher, ao longo da caminhada humana, tem sido
³ A palavra androcêntrica vem
ótica muito particular que se convencionou chamar de universal, sendo, suas capacidades, melhorando sua
autoestima, ganhando confiança
historicamente o espaço doméstico, tido como o locus familiar e âmbito da
do termo androcentrismo que,
conforme o pensamento feminista,
entretanto, dentre outros adjetivos, não apenas parcial, mas marcadamen- e afinando sua visão, além de
participarem ativamente das lutas
privacidade e da intimidade dos seres. Este espaço, conforme desejaram os
se refere a crenças e tradições
culturais centradas na figura do
te androcêntrica.³ Trata-se, portanto, de uma história masculina, além de de seu grupo social, promovendo
mudanças em suas vidas e na
iluministas, deveria ser inviolável e protegido contra intromissão externa,
homem, fazendo deste o paradigma
do humano. Sob o androcentrismo
eurocêntrica, branca e potentada, isto é, uma narrativa meia-boca, incom- realidade em que vivem . mormente estatal, consoante declarado nas inúmeras leis justificadoras da
os interesses e as experiências
dos homens são o centro do
pleta, omissa e, no dizer do poeta, até certo ponto mentirosa4, vez que dela 7
Como disse Hannah Arendt em A
Condição Humana (1981)
separação da vida em duas esferas distintas e opostas: a pública e a privada.
universo, fazendo com que o
conhecimento, as organizações
muitos foram excluídos, ocultados e/ou ignorados, dentre tantos, o maior 8
Isto é, da opressão e da exploração
Acontece que este lugar – o privado – segundo o pensamento feminis-
sociais, a análise e investigação dos
fatos, as narrativas históricas, as
agrupamento social, qual seja, as mulheres. decorrente das relações desiguais
estabelecidas socialmente entre
ta, tem sido, na verdade, o âmbito do não-poder das mulheres, a seara do
instituições e propostas políticas,
assim como tudo o mais que
No entanto, no atual estágio dos estudos da história social, onde não homens e mulheres, as quais,
conforme Joan Scott (1997),
abandono e da exclusão, vez que, ao longo de séculos, foi (e ainda tem sido)
interesse à sociedade seja enfocado
unicamente desde a perspectiva
se despreza a dimensão de gênero (e suas intersecções com os marcadores constituem a primeira forma de
relações de poder experimentada
o berço da privação 7 e da necessidade, sobretudo da privação da liberdade,
masculina, a qual não se assume
como parcial, mas como objetiva,
de raça e classe), já não se pode afirmar que todas as mulheres, da mesma pelos seres. do reconhecimento e do acesso a direitos, bens e serviços para muitas mu-
imparcial e universal. Ademais
de androcêntrica, vale frisar que
forma, em todos os lugares, em todos os tempos (e templos!) deixaram de lheres por este mundo afora.
a história também se constituiu
como eurocêntrica, isto é, centrada
ser registradas, reconhecidas e homenageadas; afinal, santas, princesas e Para as Mulheres de Axé (que também não estão livres da camisa de for-
na cultura europeia, mormente de
sua parte ocidental, cujos valores,
rainhas encontram-se, ainda que in passant, nos escritos oficiais. ça de gênero 8 ), o dito espaço privado, tem sido, paradoxalmente, e a um só
impostos pelos colonizadores aos
nativos dos continentes americano,
Porém, embora se constate que mulheres brancas e ricas não foram de tempo, o lugar do exercício do afeto e da cidadania, pois – em face de suas
africano e parte do asiático, foram
transmitidos como sendo superiores
todo relegadas (e/ou renegadas) da memória social, dado os registros de particulares condições de vida, de sua forte relação com a comunidade e
e, muitas vezes, de interesse
universal.
um ou outro ato de bravura pessoal, o fato é que as outras mulheres5, no- da prática da religiosidade que se dá, muitas vezes, em espaços construídos
4
Vide a música de Zé Ramalho,
tadamente as negras e pobres, que jamais deixaram de fazer, individual e dentro de suas próprias casas e/ou em estruturas a estas contíguas – é nes-
inspirada no cancioneiro popular,
denominada Mulher Nova Bonita
coletivamente, a história – criando e movimentando ideias, pessoas e coi- te âmbito que as mesmas tecem singulares estratégias de enfrentamento do
e Carinhosa Faz o Homem Gemer
sem Sentir Dor, disponível em www.
sas, com suas múltiplas caras, falas, cores, dores, amores, odores, andores, machismo, do racismo e da intolerância religiosa, além da troca de energias,
letras.mus.br/ze-ramalho/82373/
sabores e tambores – não estiveram (e ainda não estão) em todos os livros, da celebração da vida e do amor pelas entidades protetoras e pelos irmãos
5
Ver a contribuição da feminista
negra Sueli Carneiro indicado nas
álbuns, catálogos e manuais que compõem a historiografia oficial deste e e irmãs de fé.
referências deste texto.
de outros países. Por isto, toda lembrança, todo registro ainda será pouco, Assim, o tal espaço doméstico, ora visto como esfera de realização dos
diante das centenas de anos em que lhes foi negado o direito de se ver e de interesses privados e individuais, ora visto como ambiente de aprisiona-
se (re)conhecer como tal. mento e reprodução da vida, para a maioria das Mães de Santo, não assu-

32 33
me, necessariamente um feição (ou uma função) unicamente pública ou pri- Deste modo, seja no campo pessoal ou no âmbito coletivo, enquanto
vada, já que, como dito anteriormente, é neste espaço, denominado Casa Mães de Santo, as Mulheres de Axé transmitem aos seus filhos e filhas todo
de Santo ou Terreiro de Candomblé, onde acontece, simultaneamente, sua amor e aconselhamento próprios de sua construção materno-religiosa; bem
relação com o Sagrado, com a família (não apenas biológica, mas, principal- como, ao mesmo tempo, exercem a autoridade de sujeito político detentor
mente espiritual) e com o poder, sobretudo o poder simbólico que as legiti- de um saber/fazer/poder específico em torno do qual articulam e agregam
ma, enquanto autoridade religiosa, para desempenhar uma função que, na uma gama de pessoas que buscam não apenas as bênçãos e proteções do
maioria das religiões, tem sido reservada exclusivamente para os homens. Sagrado, mas a força e o entusiasmo que emanam de uma religião cuja his-
Portanto, a afetividade e o empoderamento do qual desfrutam (e ao tória e tradição emanam da autonomia, resistência e coragem de mulheres
mesmo tempo propiciam) as Mulheres de Axé, no âmbito religioso – que e homens que professam esta fé e lutam no dia a dia pelo reconhecimento
é também familiar e político – geram um certo deslocamento que chega a e respeito necessários.
borrar (quase que completamente) a separação estanque entre as duas esfe- Ambos os aspectos – afeto e empoderamento – constituem, portanto,
ras sociais citadas, bem como insinuam um certo desmantelamento de ou- uma realidade que contribui para a permanente reinvenção destas Mulheres
tras dicotomias geradas pelo pensamento moderno, tais como os polos su- de Axé, as quais se acostumaram, por força de suas histórias, a romper com
postamente antagônicos da razão/emoção, corpo/mente, natureza/cultura, paradigmas e modelos definidos, dentre estes a divisão do mundo público e
dentre tantas outras. privado. E sua cidadania? Se constrói entre um processo formado da simbio-
É assim que as Mães de Santo – por conta das peculiaridades decorren- se entre política e fé, que gera um poder que encanta, visto que é exercido,
tes do processo simbiótico que experimentam ao longo da vida, qual seja, num espaço colorido, entre velas e incensos, rosas, doces e crianças.
sacrifício/ofício/benefício – misturam, sem qualquer constrangimento, afe-
to e autoridade, domicílio e terreiro, comida e força de espírito, dança e
oração, festa e reclusão, tudo numa experiência onde a maternidade (fora
da biologia) e um quê de matriarcado (dentro da sociedade patriarcal), as
Construídas de maneira espiritual,
transforma, a cada dia, em sujeitos míticos e políticos que – com habilida-
9

pessoal e coletiva, num particular e


típico processo de empoderamento,
onde as mesmas tomam consciência des e competências especificas 9 – se articulam com outros seres (espirituais
de suas potencialidades e de seus
limites, passando a produzir, criar e e sociais) com quem compartilham sentimentos de pertença, em termos de
gerir demandas, projetos, sonhos,
desejos e objetivos junto com sua raça e de fé, e professam sua crença, preservando sua cultura, gerenciando
comunidade, sem prescindir da
divindade. conflitos e contribuindo para a transformação da vida de filhos e filhas de
santo que, através de uma relação profundamente afetiva (e igualmente po-
derosa), encontram nestas mulheres uma fonte da qual emanam orientação,
bênção, estímulo e disposição para a luta, inclusive a luta social em defesa
de suas raízes e herança cultural, que constitui o maior patrimônio do qual
emergem os fundamentos e as estratégias de combate à intolerância, ao ra-
cismo e à desigualdade social na qual estão inseridos/as e contra as quais
lutam apaixonada e permanentemente.

reflexões finais

Com efeito, as Mulheres de Axé tem muito a nos ensinar, sob todos os
aspectos, pois seu modo de pensar, de organizar a vida, de mobilizar pes-
soas e de vivenciar a fé, exigem de quem as vê uma revisão das lentes e
fundamentos teóricos, já que elas articulam, de maneira especial, criativa
e contínua, a afetividade e o empoderamento – termos ainda antagônicos
para diversas doutrinas e instituições políticas e religiosas.
Escada do Ilê A xé
Oxumarê

34 35
junto de crenças. Segundo Braga, (1998, p. 37), candomblé é, na essência,
uma comunidade detentora de uma diversificada herança cultural, onde
se mesclam elementos provenientes, sobretudo da África Ocidental, e no
Brasil, por força das relações de contato a que estiveram permanentes sub-
metidos, integram-se outros tantos componentes religiosos de procedência
igualmente variada. Pela sua dinâmica interna e pelo sentido de religiosi-
dade que ali se consta em todos os instantes da vida grupal, é gerador cons-
tante de valores éticos e comportamentais que enriquecem a imprimem a
sua marca no patrimônio cultural do país.
Falar do Candomblé e do que se conhece dele, nos remete a buscar
subsídios para defini-lo e, deste modo, entender tão importante Religião,
portanto se faz necessário centrar esse conhecimento e essa afirmação na
figura daquelas pessoas iniciadas e fundamentadas dentro da própria reli-
gião, neste caso, voltaremos os nossos olhares para as Iyalorixás. Descrever
a linguagem usada nas comunicações sobrenaturais e nas comunicações so-
ciais pertinentes ao grupo de santo, o espaço no qual essa religiosidade é
permitida, sua dinâmica, sua hierarquia, são processos que nos permitem
conhecer melhor o Candomblé. São processos complexos, visto ser o Can-
domblé uma instituição religiosa, cultural e social, que possui um universo
simbólico próprio, em que a liderança e as pessoas envolvidas estão dire-
tamente ligadas aos Orixás, elemento metafísico sagrado, que dá sentido às
suas existências.
A palavra candomblé origina-se de candombe, (negro, em banto) e ilê
O Candomblé na representação da Iyalorixá (casa, mundo, em ioruba) e significa, portanto, é “casa de negro”. O can-
domblé chegou ao Brasil com os negros iorubas e jejes (fon ou mina) escra-
nadja antonia coelho dos santos¹
vizados, que na África habitavam a região onde hoje é a Nigéria e o Benin,
e com os negros bantos, da parte sul do continente.
Joaquim (2001, p. 41) nos diz que:

introdução O Candomblé, como religião afro-brasileira, preserva

O
um rico repertório mágico-ritual aliado ao ideal axial de
¹  Especialista em Biblioteconomia mais notável patrimônio cultural, deixado pelos negros escraviza- que as divindades mantêm como os homens uma relação de
e Documentação pelas Faculdades
Integradas de Jacarepaguá, dos é, sem dúvida, a sua religiosidade, a qual possui diferentes de- troca imediata através de sacrifícios, interferindo no mun-
FIJ, Brasil. Graduada em
Biblioteconomia e Documentação nominações no país, como por exemplo, Xangô no Recife, Macum- do, quer no da natureza, quer no da cultura, e realizando
pela Universidade Federal da Bahia
em 2006. Atualmente é Bibliotecária ba no Rio de Janeiro e Candomblé na Bahia. A religião sempre acompanhou a vontade dos homens como meio de se fortalecerem como
Documentalista da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia e as civilizações durante a história da humanidade, e muitas vezes serviu de divindades, numa espécie de pacto, em que o praticante se
Chefe do Núcleo de Tecnologia
da Informação do Sistema de sustentação ideológica para que, através dela, os povos oprimidos pudes- entende participando da expansão da própria força sagra-
Bibliotecas da UFRB, Administradora
do Sistema Pergamum e sem articular os seus elementos contra dominantes. No caso do Brasil, o da, o Axé.
Coordenadora do Repositório
Institucional da Universidade Federal Candomblé surgiu, historicamente, como a religião ancestral trazida pelos
do Recôncavo da Bahia.
negros na longa jornada da África até o Brasil, e apesar de todas as tenta- Segundo Ramos, Lody, Lopes e outros (1987), diversos grupos étnicos
tivas dos opressores, a Religião destas populações negras escravizadas e são encontrados dentro do candomblé, várias nações ou variantes como:
posteriormente, marginalizadas, conseguiu manter, com muita resistência Angola (Banto), Kêto-Nagô (Ioruba), Jeje (Fon), Jexá ou Ijexá (Ioruba), Ca-
dos seus fiéis, as suas tradições e os elementos fundamentais do seu con- boclo (afro-brasileiro), e Congo (Banto). No candomblé, cultua-se como ser

36 37
superior Olorum (senhor do céu) ou Olodumaré (onipotente e eterno), di-
vindade suprema que não tem representação material. Segundo um dos
mitos da criação, Olorum criou o mundo em quatro dias, e através do arco
-íris, fez uma aliança com os seres humanos, depois se recolheu para des-
cansar, entregando a solução dos problemas do mundo aos Orixás.
Os Orixás, divindades intermediárias, junto com Olorum, proporcio-
nam, apoio espiritual ao fiel, ao povo de santo. Os orixás governam o mun-
do, a humanidade e o ser humano. Mas também são partes deste mundo,
enquanto elementos da natureza; parte da humanidade, enquanto ante-
passados míticos; e parte do ser humano, enquanto componentes de sua
personalidade. Segundo Joaquim (2001, p. 78): “Candomblé é a religião do
Axé. Quando chamamos a vida nos remetemos às origens. O Candomblé é
celebração desta vida, de Olodumaré, que se faz presente em nossa luta e
história; dançando, cantando e comendo com as pessoas. Os orixás cami-
nham com as pessoas.”
No Candomblé, as divindades têm características humanas, dadas por
virtudes e defeitos; e os fiéis possuem, por sua vez, características divinas,
pois são filhos dos Orixás, nesta Religião, não há a ideia de pecado, de in-
ferno ou de purgatório o que, contudo, não implica em um existir permis-
sivo. O referencial de vida é a própria vida, uma vez que a existência trans-
corre em dois planos paralelos: no Aiyê (mundo físico) e no Orum (mundo
espiritual). Segundo Vogel et al (1993), a vida e a morte são variações do ser
humano, que faz a sua vida como também pode fazer a sua morte.
Por ser uma religião iniciática, a liturgia do Candomblé só é conhecida
pelos fieis que se submetem ao processo de iniciação. Os ritos iniciáticos,
cujos conhecimentos são transmitidos de forma oral, acontecem ao longo
de toda a vida religiosa e possuem duração variável e, de forma lenta e gra-
dual, desvelam-se os mistérios e segredos das religiões de Matrizes Africa-
nas. Segundo Braga (1998), o candomblé deve ser entendido como um con-
junto mais amplo que envolve, para além dos compromissos religiosos, uma
filosofia de vida, uma maneira especial de interação do homem consigo
mesmo, com a natureza, com o seu passado, com sua origem e sua especi-
ficidade cultural, sem perder de vista, suas relações profundas com outros
segmentos sociais, igualmente comprometidos com o processo que elabora
e particulariza a formação da sociedade brasileira.
O Candomblé é além de tudo um espaço físico e espiritual que, abaste-
cido do espaço ideológico e das tradições, está mais próximo das camadas
mais resistentes e conscientes, pois está embutida de um saber tradicional,
capaz de levar as pessoas a lutar pelos seus direitos mais elementares, ca-
paz de levar as pessoas a reagir contra os que invadem seu espaço social
e sagrado. Segundo Joaquim (2001 apud Cunha 1984), o Candomblé é um
modo de os negros se manterem iguais num contexto hostil. Em segundo
lugar, pela extrema riqueza do sistema de pensamentos Nagô-Iorubá. É um Mãe Jandira
d e Ya n s ã

38 39
panteão, de modo que se reflete quase que perfeitamente na vida social e tem”, “que possui” Orixá.
na vida do indivíduo. Conforme Mãe Stella², candomblé não significa ape- A Iyalorixá é uma liderança religiosa, cultural e social que possui duas
nas a festa de barracão, envolve aspectos antes do nascimento de uma pes- funções; de um lado é a sacerdotisa que medeia a comunicação entre os
soa até ela dormir, acordar. O Orixá disciplina, dentro e fora dos rituais. membros da comunidade e os Orixás, Mãe pelo Santo que deverá cultuar
Deve ser então, a crença nos Orixás, ou seja, em uma força criadora, que os deuses; por outro lado, precisará reatualizar a cultura afro-brasileira, de
dá às pessoas coragem e confiança e faz com que se concentrem na solução maneira a propiciar que os fiéis da religião, tendo como base a negritude
dos problemas de vida, aqui, e não na paz do outro mundo. originária do continente africano, preservem suas identidades, que se en-
As Religiões de Matrizes Africanas, se organizam em comunidades que contram na síntese entre a África idealizada e o cotidiano vivenciado pelas
propicia ao membro o exercício da cidadania, que consiste no direito das pessoas.
pessoas preservarem as suas identidades étnicas, individuais e coletivas, Segundo Mãe Stella (2001):
conhecerem as normas e regras para agirem no cotidiano, aprofundarem
² Mãe Stella (Maria Stella de Azevedo sua história, cultura, cultuarem os Orixás. De outra forma implica também Mãe de Santo é uma terminologia que virou moda, não
Santos). Odé Kaiode, Orixá Oxossi, Ilê
Axé Afonjá – São Gonçalo do Retiro, submissão à Iyalorixá, que é a autoridade constituída por intermediar a co- seria Mãe de Santo, mas Mãe por causa do Santo, Mãe em
Salvador – Bahia.
municação com os Orixás. Santo, Mãe em Orixá. É a responsável por toda a comuni-
Como este livro é sobre Mulheres de Axé, trataremos exclusivamente dade, pelos rituais, pelos preceitos. Mãe de Santo, traduzi-
das mulheres, das Mães de Santo ou Iyalorixá, que é a designação da au- do do Iorubá, seria Iyalorixá que corresponde a Mãe pelo
toridade máxima no Terreiro, para pessoas do sexo feminino. Pessoa esta, Orixá, ou seja, a pessoa se torna Mãe através dos preceitos
incumbida de gerenciar a Casa e a sua liturgia, de exercer toda autoridade de Santo.
sobre os membros de seu grupo, em qualquer nível da hierarquia. Entre-
tanto, este cargo não é exclusivo de mulheres, sendo então, esta autoridade Portanto, ela ocupa a posição central na ação da comunidade, como um
máxima, do sexo masculino, será denominado de Pai de Santo ou Babalori- regente de orquestra, Joaquim (2001, p. 169) escreveu que Mãe de Santo:
xá, isto, quando tratamos da Nação Iorubá. É uma liderança que exerce o controle da energia humana (comporta-
mentos emocionais, sociais e cognitivos) em prol do Candomblé. Quando
a iyalorixá existem conflitos na Casa, o procedimento da Mãe de santo consiste em ve-
rificar através do jogo de búzios, para saber qual o caminho que o Orixá
Para ser Iyalorixá, é preciso ter o dom e ser eleita pelo Orixá, e nesse está mostrando.
momento algumas coisas se alteram, por exemplo, sua identidade se trans- A Iyalorixá ocupa papel central no Candomblé, tanto na perspectiva
forma, ou seja, terá status e funções diferentes, e sua vida passa a ter nova espiritual como física, mas sabe que o Santo, o Orixá, é que é a principal
direção e novo destino e sua liderança deverá ter um compromisso com os energia detentora de poder, tanto dos Filhos de Santo, como da própria
deuses africanos, ou seja, é a mediadora, é o elemento de ligação entre o Mãe de Santo, isto porque, os Orixás são fragmentos da natureza. Cada
Orixá e a comunidade religiosa. “Para se tornar Mãe de Santo tem que nas- Orixá tem encantado um fator natural: Iansã, no vento; Iemanjá, no mar;
cer é uma escolha do Orixá." Ser mãe-de-santo é dom, porque a pessoa tem Oxóssi, nas matas, caçando; Ogum, desbravando estradas. Portanto, o tí-
que ser dotada para exercer o cargo. Se a pessoa não for dotada ela pode tulo de Mãe de santo, vem do fato desta ser a chefe e iniciar as pessoas nos
saber o máximo, mas nunca será Mãe. (Mãe Stella). ritus do Candomblé, tornando-as Filhas de Santo para serem criadas na
Conforme Lima (2001 apud Carneiro 1948), a palavra Yalorixá conser- devoção aos deuses e estes são considerados filhos espirituais do chefe do
va na forma brasileira o significado do seu étimo iorubá: Iyalorisa (ialori- Candomblé e é neste sentido que se emprega a palavra Mãe, visto também
xá) = Iyaolorisa (iaolorixá), para o que Abraham dá: priestess of an orisa que o seu papel é a intermediação do mundo físico com o mundo espiritual.
(a sacerdotisa de um orixá). A palavra Iya – mãe – em iorubá possui vá- O candomblé é uma religião que tem sua força própria, ele não busca o
rios sentidos, inclusive o classificatório dos sistemas familiares. Iya é a mãe reconhecimento dos seus ritos através da fé cega e sim da afirmação da fé
biológica, mas também qualquer parente feminino da geração dos pais – as nos Orixás como representação da força da natureza em consonância com
irmãs da mãe ou do pai e suas primas, para empregar os termos de paren- o lado físico do homem, ou seja, no momento em que o Filho de Santo in-
tesco de uso no Brasil. Prefixada a uma palavra qualquer, como no caso de corpora o seu Orixá essa força sai da natureza tomando forma na dança,
Iyalorixá, denota uma relação genitiva entre os dois termos – a “Mãe que nos cânticos, nas oferendas, na forma de falar e de agir que, na maioria das

40 41
vezes, diverge totalmente da personalidade do Filho de Santo. técnicas complexas para a execução de suas tarefas, não pode come-
Dentro dos rituais do Candomblé a presença da Iyalorixá, quando mu- ter nenhum erro. Dependendo do prestígio do Axogun, poderá ser
lher ou do Babalorixá, quando do sexo masculino, e muito importante convidado por sacerdotes de outras Casas para exercer suas funções
pois, estes são os administradores maior do Terreiro e abaixo dos Orixás em caso de grandes obrigações. É um cargo tipicamente masculino.
são as pessoas responsáveis pelo conclusão de iniciação de um Orixá , ou • ogã. Filho de Santo do sexo masculino, que não incorpora Orixá e a
seja, estas autoridades religiosas, servem de canal enérgico para que o Ori- partir de sua confirmação já “nasce” com seus 7 anos e seus direitos.
xá se torne parte definitiva da vida de uma pessoa, são pessoas dotadas Suas funções são, de auxiliar a manter o Terreiro em ordem, colabo-
de conhecimento dos fundamentos da Religião, são respeitados por terem rar coma manutenção da infraestrutura da Casa, tocar os instrumen-
a responsabilidade de mudar a vida das pessoas na medida do que lhe for tos consagrados durante as cerimônias religiosas e ter com o Terreiro
permitido, trazer respostas às dúvidas e dirimir as incertezas para aqueles uma grande atenção em dias de festas. Há vários tipos de Ogãs com
que lhes os procuram, porém, a Iyalorixá e o Babalorixá não são deuses en- diferentes funções dentro de cada Terreiro de Candomblé.
carnados, eles tem uma sensibilidade, para através do Ifá, ou não, prever o • ekede. Filha de Santo do sexo feminino, que não incorpora Orixá e
passado, o presente ou futuro pela fé e pela permissão dos Orixás. a partir de sua confirmação “nasce” com seus 7 anos e seus direitos.
São designadas para funções diversas, dentre elas atender as solicita-
A Mãe de Santo, através dos ritos, recria o mundo, e até ções das divindades.
os próprios Orixás, já que faz o santo. Ela participa da dis- • ebomi. Irmãos de Santo mais velho. São pessoas que já cumpriram
tribuição da força sagrada, sabe como fazer para aumentá com a obrigação ritualística após o período de sete anos de iniciação.
-la. Alimenta os deuses. Empresta-lhes seu corpo, sua voz. Ou seja, poderá a pessoa ter 30 anos de iniciada no Candomblé, mas
Assim, a Mãe tem um papel na estrutura do mundo, na ela só será chamada de Ebomi após cumprir a obrigação ritualística
distribuição da energia sagrada, que é sua força vital (JOA- de 7 anos. Se a pessoas tiver o tempo de 7 anos e não tiver a obriga-
QUIM, 2001, p.102). ção feita, não é Ebomi. É a obrigação que designa o título e ela deve
ser realizada a qualquer tempo depois dos 7 anos de iniciada, não
Não é uma tarefa fácil ser uma Mãe de Santo, há sacrifícios, há obriga- tendo prazo definido.
ções, como também existe obrigações para os Filhos de Santo, pois o Ter-
reiro é um espaço social, no qual todos tem as suas atribuições e para que Mas somente a Iyalorixá tem a autoridade suprema total e absoluta,
o espaço exista de forma física e espiritual dentro de uma comunidade re- conforme acentua Joaquim (2001, p 128) somente ela tem capacidade para
ligiosa, o Terreiro de Candomblé é pautado por hierarquia de funções na exercer qualquer função: substituir a Axogun, colher as plantas sagradas,
qual cada pessoa tem a sua responsabilidade definida, como podemos des- consultar o oráculo “seu papel específico, é dirigir a a comunidade, assegu-
tacar algumas: rar a realização do culto, garantir a correção dos ritos, transmitir os conhe-
cimentos aos auxiliares, consagrar sacerdotes e sacerdotisas”. (JOAQUIM,
• mãe pequena / iyakekerê. Segunda Sacerdotisa do Axé ou da Co- 2001, p. 128). Em resumo a Iyalorixá tem o exercício da liderança efetiva,
munidade. Autoridade religiosa que assume a Casa na ausência da firme na qual exista estímulo mútuo entre ela e todos aqueles que fazem
autoridade principal. Seja por motivo de viagem e até em casos de parte da família do Terreiro.
falecimento. A Mãe Pequena está em contato mais direto com as pes-
soas da Casa, do Axé, especialmente nas cerimônias religiosas, é uma considerações finais
pessoa com muito conhecimento dentro do Axé e sempre pronta a
ajudar e ensinar a todos os iniciados. Quando mulher o termo desig- O Candomblé é uma religião secular, e seus fiéis sofreram, e ainda so-
nado é Iyakekerê, se for do sexo masculino é denominado de Baba- frem, perseguições, discriminação, pois muitas vezes, a Religião do Can-
kekerê. domblé foi vista como uma manifestação contrária à religião professada no
• o axogun. Cargo importante e de muita responsabilidade, ele é um país. Entretanto, aos poucos, ela conquistou respeito e vem há muito lutan-
especialista no que faz, é o Ogã encarregado do sacrifício dos animais do para mantê-lo, e firmá-lo como parte integrante da identidade nacional
votivos nas cerimônias do Candomblé Ketu. Deve ser pessoa de ab- afro-brasileira. O Candomblé tem, na figura da Iyalorixá a sua grande re-
soluta confiança do líder religioso, precisa ter boa memória, saber as presentação, e esta tem por obrigação resgatar os valores africanos e con-

42 43
servar a identidade da cultura negra, através do processo de vivência das
tradições professadas dentro da religião com seus ritos, sua representação
espiritual, que são os Orixás e seu espaço social que é o Terreiro.
A Iyalorixá é a força da ligação espiritual do Axé e tem por missão
perpetuar os ensinamentos da Religião de forma disciplinada para seus su-
cessores, é um cargo complexo, visto que a Iyalorixá, muitas vezes, desem-
penha o papel da mãe biológica, da mãe espiritual, da sacerdotisa, da admi-
nistradora, da conciliadora, da mulher que vence pela força, pelo carisma
e pela disciplina os entraves sociais, econômicos, pessoais e culturais, do
cargo que lhe foi designado e que esta, ao ter compromisso e consciência
da sua missão dentro do Axé, sabe que deve desempenhá-lo com discipli-
na e respeito, pois o compromisso com os Orixás é um compromisso que
deve ser honrado, até os últimos dias da sua vida terrena. Ser Iyalorixá é
ser Mulher de Axé.

44
E ke d i Te l m a d o I l ê A x é A r a k á To g u m
soube dialogar e estabelecer limites ao poder dos homens no trato do sagra-
do e do afetivo. Não à toa, compreender esses entrecruzamentos que cons-
tituíram as sociabilidades dos Terreiros de Candomblé, em alguma medida,
nos fornece pistas para a análise do que venha a ser a sociedade baiana e,
² Segundo dados do IBGE, entre o
censo de 2000 e o censo de 2010, mais ainda, a sociedade brasileira e, quiçá, em toda a América Latina.
em uma década, quase dobrou
o número de famílias brasileiras Se pensarmos a atuação histórica destas mulheres, de pronto, podere-
chefiadas por mulheres. De acordo
com tais dados, no ano 2000, 22,2% mos concluir que as mesmas representam um processo de antecipação de
das famílias eram chefiadas por
mulheres, já no ultimo censo, em valores que hoje são comungados pelas mulheres baianas, brasileiras e la-
2010, o índice se chegou a 37,3%.
Ademais, no mesmo estudo de tino-americanas de um modo geral. Desde outrora, as Mulheres de Axé já
2010, o IBGE conclui que em 46%
das famílias brasileiras, mulheres realizavam a jornada tripla, quando desempenhavam o papel de provedora
chefiam lares ainda que estes
também sejam habitados por do sustento econômico familiar, de dona de suas casas, e de mãe das suas
homens.
filhas e filhos de Santo, algo que hoje, se olharmos as estatísticas do IBGE ²
³ Na Conferência Regional sobre
a mulher da América Latina e do e análises econômicas da CEPAL ³ (2010), confirmam o protagonismo femi-
Caribe realizada em julho de 2010,
a CEPAL (Comissão Econômica nino como chefes de lar e provedoras dos seus núcleos familiares no Brasil
para a América Latina e o Caribe)
publicou o documento “Que e na América Latina de maneira mais ampla.
tipo de Estado? Que tipo de
Igualdade?” que dentre outros As Mulheres de Axé portam, nas suas histórias de vida, a memória de
dados, analisa a situação da mulher
na América Latina. lutas cotidianas não só pela auto subsistência, mas, sobretudo, pelo susten-
A reconstrução das famílias to digno de seu povo, em todas as esferas de afeto possível: filhas e filhos,
netas e netos, maridos, companheiras e companheiros, famílias, amigas e
negras no tempo amigos, comunidades, enfim, os tantos coletivos que compõe as suas socia-
bilidades. Diante de tais constatações, pensar o papel destas Sacerdotisas é
iraíldes elisia andrade nascimento¹ um convite para a reflexão da diáspora negra à luz da reconstrução desses
afetos violentados pelo tráfico negreiro e pela escravidão.

A
¹ Ekedi do Terreiro de Oxumarê, onde
possui cargo de Yarobá. Historiadora, história do Povo de Santo no Brasil está intimamente ligada ao
atualmente cursa Gênero e Diversidade
no Núcleo de Estudos Interdisciplinares protagonismo das Mães de Santos ou Sacerdotisas, sobretudo no
sobre a Mulher da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), trabalhou que concerne ao sustentáculo moral e espiritual das famílias de
na Secretaria Municipal de Reparação
(SEMUR) onde foi responsável pelas Terreiro, essa condição ainda é presente na construção social do Candom-
temática relativa às Comunidades
tradicionais de Terreiro. Tem vasta blé no Brasil atual. Outrora, quando da escravidão, negras e negros, que
atuação como Educadora Social,
a exemplo das voluntárias Sociais, ao serem comercializadas(os) e enviadas(os) para os mais diversos destinos
Fundação Pierre Verger, TV Pelourinho
e Instituição Beneficente Conceição vendo, assim, destruídos os seus núcleos familiares consanguíneos, bem
Macedo.
souberam restituir laços afetivos a partir dos Terreiros de Candomblé, so-
bretudo pela força afetiva exercida por mulheres. Nos dias de hoje, em que
pese não mais vivenciarmos a escravidão, mulheres e homens negros, bem
como brancas(os), restituem os seus afetos, as suas dignidades e os senti-
dos de pertencimento no seio dos Terreiros, atualmente, verdadeiros qui-
lombos urbanos contemporâneos. Espaços em que a figura feminina, nas
diversas funções em que atua, ainda quando eventualmente sob a liderança
masculina, ditam os hábitos, os valores e, sobretudo, a identidade.
Nesta perspectiva familiar, as Iyalorixás foram responsáveis pelo sus-
tento das suas filhas e filhos de Santo, criando verdadeiras redes de soli-
Fa m í l i a
dariedade afetiva e econômica, o que nos faz enxergar os pilares de um Ilê A xé de Ogum
matriarcado que, curiosamente, não se contrapôs ao patriarcado, mas bem S ã o F r a n c i s c o d o Co n d e

46 47
na Bahia e no Brasil, diálogos estes que reverberaram em deliberações pau-
tadas em termos de tradição e transmissão do Axé, vulnerabilidade social,
sustentabilidade e ação social.
No tocante a tradição e a transmissão do Axé, vale notar que o Can-
Os critérios de escolha domblé, enquanto religião de matriz africana, chega à nossa terra como um
complexo cultural difuso, sendo sistematizado pelos escravos que cá es-
luiz paulo bastos da silva¹ tavam. Nesse sentido, o Candomblé tal como nos chega aos dias de hoje é
ademar cirne filho ² fruto de uma tradição recriada na Bahia e, a partir dela, difundida e rami-
ficada para os demais estados brasileiros. Nesse sentido, a Bahia é a Meca

N
do Candomblé no Brasil, sendo o principal polo de Casas Matrizes que
¹ Advogado militante na área dos
Direitos Humanos e especialista em
o que concerne aos critérios utilizados para a captação das ima- ³ O mapeamento de Terreiros de
Salvador foi realizado entre 2006 e transmitiram o Axé para parte considerável desse nosso imenso país. Em
Direito Público. Pesquisador voluntário gens e dos históricos de vida, a escolha destas Mulheres de Axé se 2008 pela Universidade Federal da
Bahia em parceria com a Prefeitura virtude da tradição das Casas baianas, em março de 2006, as Secretarias
do Grupo de Pesquisa Direitos
Humanos, Direito à Saúde e Família
deu pela representatividade social das mesmas e pela construção de Salvador, pesquisa cujos resultados
encontram-se na página web da Reparação e da Habitação do Município de Salvador, em parceria com o
(CNPq/UCSal). Professor do Curso de familiar de empoderamento matriarcal dentro dos seus respectivos Terrei- http://www.terreiros.ceao.ufba.br/
apresentação. Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO/UFBA), em Projeto de Regula-
Direito da Faculdade Dois de Julho.
Possui alguns artigos em Direitos
ros de Candomblé e seus reflexos sociais dentro do contexto baiano. Nesse 4
O mapeamento de Terreiros do rização Fundiária dos Terreiros de Candomblé, reconheceu as religiões de
Humanos publicados em anais de sentido, aqui fizemos uma escolha pautada em critérios de tradição e trans- Recôncavo foi publicado em 2012
pela Secretaria de promoção e matrizes africanas como patrimônio cultural-religioso de relevância na ci-
congressos.
missão do Axé ao longo dos anos, no empreendedorismo desempenhado Igualdade Racial do governo do
Estado da Bahia – SEPROMI em dade de Salvador.
² Ogã de Yemanjá do Ilê Axé Oxumarê, por essas mulheres e as suas respectivas comunidades, nas ações sociais parceria com a Secretaria Especial de
Igualdade Racial – SEPIR. Buscamos aqui utilizar-nos dos mapeamentos de Casas de Santo reali-
Graduado em História Pela Universidade
Federal da Bahia, Pós Graduado
desenvolvidas em prol das(os) mais necessitadas(os), na integração social zadas em Salvador 3 e no Recôncavo 4, documentos que auxiliaram a nossa
em História do Brasil pela Pontífice junto às comunidades do seu entorno e, finalmente, no empoderamento coordenação religiosa no que se refere a identificação das Casas e, sobretu-
Universidade Católica de Minas Gerais /
PUC-MG, Educador da Rede Particular feminino esboçado na condução do Axé. do, a sua localização geográfica nas poligonais contempladas pelo projeto.
há 28 anos, Coordenador Estadual de Ainda em relação a escolha dessas guerreiras do Axé, para além dos No tocante a vulnerabilidade das comunidades de Terreiro, a história do
Educação do Coletivo de Entidades
Negras da Bahia (CEN/BA) critérios acima elencados, levou-se em consideração a condição de extre- Candomblé na Bahia guarda em sua narrativa um passado de perseguições
ma vulnerabilidade social de algumas comunidades em que seus Terreiros não só aos templos religiosos, como, também, aos adeptos e adeptas da reli-
estão localizados. É justamente na periferia das poligonais abraçadas pelo gião. Alvos de intolerância religiosa, as/os candomblecistas e suas Casas de
projeto (quais sejam, Salvador, Região Metropolitana e Recôncavo baiano), Axé foram vítimas de preconceito extremado, como no emblemático caso de
nas áreas habitadas pela profunda pobreza que os representantes das reli- Mãe Gilda, do Ilê Axé Abassá de Ogum, falecida um dia após a assinatura de
giões de matriz africana são alvos de atos de intolerância religiosa, comuni- uma procuração que outorgava Profissionais do Direito a acionarem o Judi-
dades que carecem ainda mais de atenção estatal, ações e projetos sociais, ciário em combate às atitudes de intransigências contra o Candomblé.
bem como, engajamento da sociedade civil organizada a fim de minorar as Todavia, não só a intolerância religiosa torna os Candomblés vulne-
injustiças perpetradas nessa arena das liberdades civis e políticas. ráveis. As especulações imobiliárias, a irregularidade fundiária, o desca-
Diante da diversidade e da relevância histórica da trajetória das lide- so dos poderes públicos, a condição de pobreza de algumas comunidades,
ranças religiosas que compõe o séquito das Mulheres de Axé da Bahia, não enfim, uma série de situações tornam o fazer religioso um ato de resistên-
restou alternativa para a equipe executora do projeto, senão a necessidade cia. Nesse sentido, esse foi um critério que também sensibilizou as escolhas
de se estabelecer critérios mínimos de escolha. Em que pese a nossa von- exaradas pela nossa coordenação religiosa quanto as mulheres que estão
tade e tentação de incluir todas as Mulheres de Axé da Bahia, tal não seria retratadas neste livro.
possível, daí, os filtros, os critérios e as seleções. A sustentabilidade dos Terreiros de Candomblé, por sua vez, sempre
Nesse sentido, os critérios de escolha nos serviram como parâmetros esteve atrelada à solidariedade das filhas e filhos de Santo das Casas, bem
capazes de oferecer justeza e imparcialidade no resultado ora apresentado. como ao trabalho e à gestão exercidos por mães e pais de anto na prática
Para tal, uma coordenação religiosa foi consultada no tocante a seleção das dos seus sacerdócios. Para que os Terreiros chegassem até os dias de hoje,
Casas e das figuras femininas contempladas nessa primeira edição do catá- o Povo de Santo teve que inventar uma gestão criativa dos recursos que
logo. O processo não se tratou de um concurso, mas tão somente rodas de estavam disponíveis, sejam recursos de natureza material, sejam os saberes
diálogos havidas entre lideranças religiosas representativas do Candomblé imateriais desenvolvidos por suas/seus adeptas(os), saberes que se expres-

48 49
sam em habilidades manuais, culinárias, artísticas, dentre tantas outras. Santo quando abrem as portas de suas Casas para emancipar os sujeitos por
Nesse sentido, as Mulheres de Axé, ao longo dos tempos, foram verda- via da Ação Social, algo que só recentemente passou a contar com o auxilio
deiras catalisadoras de habilidades e transmissoras de saberes capazes de dos poderes públicos.
sustentar a vida coletiva dos Terreiros. Não teríamos comunidades tradi- Enfim, na tentativa de contemplar esses critérios, a equipe se deparou
cionais de Terreiro, ou até mesmo as aglutinações sociais que delas decor- com um verdadeiro manancial de possibilidades de leituras históricas e so-
reram, se essas mulheres não tivessem gerido tantos indivíduos singulares ciológicas acerca das memórias a nós relatadas, relatos estes que ajudam em
nas suas individualidades e plurais com o trato coletivo. muito a compor o mosaico da história negra no Brasil à qual nos referimos no
Foi justamente a persistência e força destas mulheres que fizeram com início do texto. Não sem razão, a sensação que nos fica ao final dessa obra,
que as adversidades materiais fossem suplantadas de modo a prover o sus- para além da felicidade e do orgulho de apresentar a imagem dessas mulheres
tento e a emancipação intelectual das suas filhas e filhos no mundo. A par- para o grande público, é, também, o de frustração diante do quão pequeno
tir dos seus esforços e, até mesmo, sacrifícios pessoais que essas mulheres ainda é esse livro. Fica-nos a inquietação de que muito ainda teremos que ou-
habilitaram gerações de homens e mulheres para a vida, algo que o fizeram vir, que compreender, que interpretar e tornar audível o eco retumbante de
a partir do uso criativo dos recursos escassos que lhes estavam à mão. Elas, tantas outras Mulheres de Axé que aqui não foram registradas.
essas pioneiras, bem souberam encorajar pessoas para ultrapassar os limi- Reside no universo das Mulheres de Axé um verdadeiro campo simbó-
tes dos Terreiros rumo aos diversos mundos do possível, mundos que fo- lico de estimas e representatividades sociais capazes de forjar a alma negra
ram sendo conquistados por seus filhos e filhas de Santo a partir do traba- brasileira no que tange aos seus afetos, suas melancolias, suas esferas de
lho, da educação, da arte, da cultura e da própria religião. Muito do que nos poder, suas religiosidades, seu ser e estar no mundo e, sobretudo, sua au-
chega hoje se deve à capacidade empreendedora que estas mulheres negras toimagem. Diante de tal, o livro abordará a história sob o ponto de vista da
tiveram e têm para que, muitas vezes, mesmo com pouco grau de instrução autonomia das sacerdotisas e oferecerá a religiosas(os), pesquisadoras(es),
formal, conseguissem prover a sustentação de suas Casas e descendentes, estudantes e cidadãs e cidadãos de um modo geral, informações acerca des-
garantindo aos mesmos a possibilidade de alcançarem os espaços merecidos. sas mulheres e seus Terreiros e a importância das mesmas na construção
Não sem razão, o empreendedorismo e a sustentabilidade foram cri- social para além destes espaços sagrados.
térios avaliados no processo de escolha das Mulheres de Axé que com-
põe essa obra. Não seria possível pensar em Mulheres de Axé sem pensar
na capacidade empreendedora dessas mulheres que, na maioria das vezes,
buscam nos próprios elementos que integram a cultura do Axé, a exemplo
da venda de acarajé, acaçá, fato, lavagem tradicional de roupas, dentre ou-
tros, o sustentáculo econômico das suas comunidades. As gerações passa-
das, presentes e futuras têm uma dívida de afeto e gratidão para com essas
mulheres que, ao sacrificarem suas próprias vidas, lançaram as bases para
que indivíduos tivessem garantidas as condições para alcançar patamares
educacionais formais diferenciados.
Por fim, não podemos nos olvidar que as comunidades de Axé exercem
representação social para além dos espaços físicos dos seus portões. His-
toricamente, o Povo de Santo foi pródigo em dividir o pouco e dele trans-
formá-lo. Não à toa, muitos Terreiros têm envolvimento direto com ações
sociais comunitárias, tendo em vista os princípios de solidariedade social
que sustentam a religião.
Com base nesse argumento, no processo de construção e execução do
projeto, a nossa coordenação religiosa achou por bem incluir esse critério
como relevante no processo de seleção das Mulheres de Axé. Vale lembrar
que ao longo das suas funções, os Orixás, ao reivindicarem festas públicas, Barracão
partilham com o mundo o Axé, algo que também fazem as Mulheres de d o Te r r e i r o
Maraiolaji

50 51
Nos dias atuais, ser uma Mãe de Santo ou Sacerdotisa é portar um
título que confere respeitabilidade às Mulheres de Santo para além dos
limites dos seus Terreiros. A construção desta credibilidade, que logica-
mente necessita de maior transformação social para que atinja bom ter-
mo, custou muito caro; muitas famílias consanguíneas foram desfeitas,
muitos Terreiros foram derrubados, centenas de mulheres e homens fo-
ram mortas(os) e uma infinidade de outras atrocidades foram praticadas
em nome da intolerância religiosa. Mas essas mulheres, com coragem e a
força dos seus Orixás, conseguiram vencer todos os desafios que se inter-
puseram à sua frente.
Nos tempos não tão remotos em que a negação do mínimo existencial
para as adeptas e adeptos do Candomblé se dava de modo institucionaliza-
do, direitos básicos tais como alimentação, emprego e educação eram seleti-
vamente afastados do Povo de Santo. A ignorância humana camuflada por
ideologias racistas vestia a roupa de Estado e massacrava negras e negros
em nome de uma imposição política, religiosa e de matriz liberal burgue-
sa, consequências da continuidade das adversidades pós 13 de maio 1888.
Negras e negros que tiveram suas vidas compulsoriamente vendidas a
Saberes, labutas e títulos uma realidade esvaziada de qualquer valor humano resgataram uma liber-
dade socialmente negligenciada. Era tudo branco, vazio, escasso, ausente
marcos fábio rezende correia¹
de qualquer perspectiva de dignidade. Porém, branco também era o Alá de
Oxalá, que sempre cobriu o povo negro, conferindo-lhe sabedoria e calma
necessárias para a superação de todas as adversidades (im)postas.

A o longo do século XX, as práticas litúrgicas do Candomblé so- Diante de tantas adversidades, a comunidade de Santo teve que se mu-
¹ Ogã de Ewá do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Oju Obá.
Historiador, com Pós Graduação em
História e Cultura Afro-Brasileira, é
freram inúmeras perseguições advindas de distintos atores que niciar de muita sabedoria para alcançar os espaços que lhe foram histori-
Coordenador Estadual do Coletivo de
Entidades Negras (CEN). Ocupou cargo
compunham e ainda compõe a sociedade baiana. O estado, o ca- camente negligenciados. Foram protagonistas de uma revolução silenciosa
na Comissão Estadual de Promoção da
Igualdade da Assembléia Legislativa
tolicismo e, recentemente, os movimentos neopentecostais bem souberam em que negociações e conflitos matizaram momentos sociais distintos para
do Estado da Bahia, foi Coordenador
Executivo de Promoção da Cidadania
utilizar-se de estratagemas legais e figurações simbólicas com o fito de se- o povo de Santo brasileiro. Se até meados da década de 1920 tínhamos uma
e Direitos Humanos na Secretaria de
justiça, Cidadania e Direitos Humanos
gregar, diferenciar, discriminar e punir o povo de Santo no que concerne repressão oficial profundamente violenta, após o II Congresso afro brasi-
do Estado da Bahia.
ao exercício das suas liberdades religiosas. leiro da década de 1930, essa repressão passou a ser pontuada pela necessi-
Todavia, é marca, também, do século XX, a epifania das religiões de dade de registros dos Candomblés nas delegacias de jogos e costumes, algo
matriz africana no tocante à ocupar o patamar de representação simbólica que só findara na década de 1970, época em que a literatura de Jorge Ama-
da cultura de um povo e, sobretudo, da cultura de um país. De prática de do e as vozes de Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Cae-
bruxaria e falsa medicina à arquétipo da mística de um povo, as comuni- tano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil, já haviam internacionalizado o
dades de Terreiros oscilaram entre a intolerância e o reconhecimento, entre mito da Bahia dos Orixás.
a estigmatização e a superação exemplar, marcas de um país ainda não tão Nesse sentido, a marca da singularidade da resistência do Povo de San-
ciente da sua grandeza, qual seja, a grandeza do seu povo. Nesse sentido, to na Bahia e no Brasil passa pela autoridade moral dessas grandes matriar-
Mulheres de Axé narra uma parcela dessa grandeza histórica do seu povo, cas que apresentaram o Candomblé para o mundo. A alma feminina, em
traço presente nas narrativas trazidas por essas mulheres, um memorial da fina sintonia com as energias dos Orixás, Inquisses, Voduns e Encantados,
luta feminina dentro e fora dos Terreiros de Candomblé que reverberou no foi capaz de romper com a barreira do machismo para intitular mulheres
fortalecimento social das religiões de matrizes africanas na Bahia, no Bra- como autoridades máximas em determinadas estruturas sociais, a saber, os
sil e no Mundo. Terreiros de Candomblé.

52 53
Mulheres guerreiras que construíram seus conhecimentos pautados na
vida e na tradição ancestral, até porque os espaços da educação formal,
muitas das vezes, lhes foram negligenciados. Os títulos que conquistaram,
por certo, não foram de natureza acadêmica, mas de peso religioso conferi-
do por quem de fato tem o poder de conferi-los, quem seja, as divindades.
Foi neste contexto que as Mulheres de Axé fizeram brotar ervas e ro-
sas em terreno de solo árido nunca antes semeado. Foi justamente através
delas que suas (seus) descendentes consanguíneas(os) e de Santo puderam
conquistar aqueles mesmos títulos acadêmicos que outrora lhes foram ne-
gados. Desse modo, o Axé, paulatinamente, vai ocupando os espaços da
academia sem bater na porta e sem pedir licença. A capacidade intelectiva
conferida pelos Orixás para o seu povo demonstra cotidianamente que não
há barreiras que não se rompam com a força da fé e da determinação.
Contudo, não haveria Doutora nem Doutor com contas no pescoço se
não fossem o coração e a sapiência das Mulheres de Axé. Como bem asseve-
ra Macota Valdina (2013), foram as diversas funções desempenhadas pelas
mulheres de Santo (funções nem sempre valorizadas, como o lavar, o pas-
sar, o varrer) que terminou por reverberar e dar condições para o surgi-
mento de mulheres negras independentes que, nos dias de hoje, disputam
os espaços de trabalho. Estas, que cuidavam dos Terreiros, de suas casas,
de suas filhas e filhos consanguíneas(os) e de Santo, que ajudavam a comu-
nidade que as cercavam, eram também as responsáveis por colocar a comi-
da no prato de todas(os) as/os suas/seus para que tivessem a perspectiva
de dias melhores. Eram elas a sustentação material e psicológica de todas e
todos que derivaram dos Terreiros de Candomblé.
Nesse sentido, não seria nenhum absurdo dizer que o diploma de cada
Doutora ou Doutor deste país negro é também assinado sempre por alguém
que se encontra acima da figura da Reitora ou do Reitor, alguém que cons-
truiu a história da liberdade negra brasileira, alguém que direta ou indi-
retamente, alimentou a sua família e tantas outras que bateu à sua porta.
Todo diploma brasileiro carrega em si a assinatura de uma Mulher de Axé,
um título diante das tantas possibilidades de títulos!

N e n g w a K a m u ke n g e K i a z a l a d o M a n s u K i l e m b e k w e t a L e m b a F u r a m a n

54 55
tionarem o seu papel dentro da sociedade. Muitas inconsistências ainda
eram mantidas (como, por exemplo, a autorização marital para o trabalho
feminino), mas o reconhecimento do sujeito mulher como ser atuante na
sociedade ganhava novos contornos na configuração do cenário social.
Já nos meados do século XX, a transformação começa a ser operada...
É justamente nesse período que algumas mulheres passaram a assumir pa-
péis relevantes dentro da sociedade industrial, ocupando postos de traba-
lho até então destinados exclusivamente aos homens. Não à toa, data de
1949 a edição do célebre ensaio critico de Simone de Beauvoir intitulado
por Segundo Sexo, uma obra que questiona a dominação masculina e as
possibilidades de protagonismo feminino em um mundo machista.
Esse é o cenário social no qual as mulheres negras eram instadas a
combater o preconceito em sua forma plural. Para elas, tudo era mais di-
fícil. Para além de combater a distorção conceitual do papel da mulher na
sociedade, tinham, também, que lutar contra o racismo impregnado em um
Estado formalmente escravocrata. Um racismo que perpassa a liberdade em
seus diversos âmbitos, dentre os quais, a liberdade religiosa, foi o ponto
alto de todas as agressões.
uma ferramenta de reconhecimento É fala recorrente das militantes negras afirmar que enquanto as mu-
lheres brancas queimavam os sutiãs, as negras queimavam as casas gran-
andré luis nascimento dos santos¹
des e seus instrumentos de dominação. Pois, não se há de esquecer que en-
quanto, as mulheres brancas ganhavam as ruas em busca de trabalhos, as
negras ocupavam o posto de empregadas domésticas, profissão que muito
¹ Ogã de Xangô do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Olopá.
Professor Adjunto da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), Advogado
Especialista em Direito do Estado
pela FFD da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), Mestre e Doutor em
Administração pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), possui
F undamentado em uma estrutura social paternalista, o Brasil, em mui-
tos momentos de sua história, contribuiu de modo institucionalizado
para as mais diversas formas de discriminação feminina. Se as mu-
lheres do tempo do império nem sequer eram tidas como sujeito de direito,
as mulheres do Brasil República foram relegadas à condição de inimputá-
se assemelha ao papel das antigas amas de leite que, ao dar o seu leite, seu
suor e o seu sangue, cuidavam e protegiam as/os filhas(os) da casa gran-
de. Isso sem contar que, ao cumprirem essa função de cuidado das casas e
das crias das/dos patroas e patrões (as casas de família de hoje que outrora
eram as casas grandes), eram obrigadas a negligenciar os cuidados das/dos
Doutorado Sanduiche na Science Po
Toulouse – França, é Pesquisador do
Laboratório de Análises de Políticas
veis, tendo, a todo o tempo, a necessidade da chancela dos seus maridos ou suas/seus próprias(os) filhas(os), delegando sua educação, muitas vezes,
Mundiais (Labmundo). dos seus pais para os atos da vida civil. Todavia, o breve século XX com a aos cuidados de vizinhas(os) e parentes.
sua velocidade e transformações não tardou em modificar essa condição. Não é de se espantar que, dentro dos limites geográficos dos Terreiros
As prisões femininas tiveram que abrir suas celas para a inteligência e ha- de Candomblé, históricos espaços quilombos urbanos, a realidade que se
bilidades dessas mulheres que foram demandadas pelo curso da historia via, e ainda se vê, é distinta do contexto da sociedade contemporânea em
a tomar acento na sociedade industrial. A mulher, por meio de esforços geral. Ali, a figura da mulher negra era, e ainda é, inquestionável; esse é
próprios e contrariando o pensamento machista predominante à época, um dos poucos espaços em que a mulher poderia assumir o status máximo
conquistou seus espaços e assumiu os lugares que sempre lhe pertenceram. de poder dentro da estrutura social organizada. Primeiro porque, no que
No século XIX, o governo imperial reconheceu a necessidade de educa- se refere aos domínios do Axé, as regras são ditadas pelas divindades, di-
ção para a população feminina. Logicamente, esta inserção educacional era vindades que portam a sabedoria, de modo que as injustiças machistas não
direcionada para as classes mais abastadas, muito mais como forma de de- prosperam e, sobretudo, não ditam regras. Segundo, porque desde o seu
monstração das diferenças existentes entre as classes sociais, do que como nascedouro em cidades matrizes tais como Salvador, Cachoeira, São Luiz
um direito social amplo. do Maranhão, Recife, Ouro Preto, Maceió e Rio de Janeiro a forma organi-
Em 1934, no Governo Vargas, o direito ao voto foi reconhecido para as zacional dos Candomblés se caracterizava por um modelo social de matriz
mulheres. As mulheres passavam a se organizar politicamente para ques- comunitária que funcionava na maioria das vezes à margem das estruturas

56 57
formais da sociedade corrente, ocupando inclusive regiões geográficas rela-
tivamente afastadas dos limites territoriais dos centros urbanos.
Desse modo, contrariando os costumes mais correntes da sociedade do
século passado, para o Povo de Santo, a mulher sempre foi dona de espaço
significativo nas suas estruturas sociais. No Candomblé, homens costuma-
vam se curvar em sinal de respeito para pedir a benção para as Iyalorixás,
bem como para as mulheres mais velhas no Santo, hábito que ainda se
mantém até os dias de hoje. Essa organização das estruturas sociais e polí-
ticas fez com que o machismo se inibisse frente às determinações dos Ori-
xás. As Mulheres de Axé, acostumadas a combater as inconsistências sociais
desde o momento do culto as divindades africanas e ligadas à terra, trans-
formavam-se em signos sociais para além do aspecto religioso.
Nesse sentido, não é absurdo se afirmar que no Brasil, o Candomblé,
para além de ser uma religião, é, também, uma das primeiras estruturas
sociais organizada politicamente em torno do protagonismo feminino, algo
que, em muitos aspectos, o torna uma religião feminina na sua essência.
As Mulheres de Axé são necessariamente mulheres brasileiras que, com sua
força, ao longo de várias gerações, foram capazes de erigir uma verdadeira
religião brasileira, uma religião que vem da África, mas é ressignificada à
dinâmica brasileira.
Esse é o motivo pelo qual essa obra é um instrumento de reconheci-
mento. Aqui, ao vermos as fotografias dessas mulheres de luta, temos nossa
autoimagem prestigiada e, sobretudo, reconhecida pelo Estado Brasileiro e
pela opinião pública nacional. Como bem se sabe, políticas de reconheci-
mento passam por ações que nos permita ver-nos reconhecidos, represen-
tados pelo manancial material e imaterial ao qual denominamos por patri-
mônio cultural.
É neste sentido, caro leitor, que se faz necessário mergulharmos na his-
tória do Candomblé, contada por cada uma destas lindas mulheres retrata-
das nesta obra, para que possamos entender o papel da mulher dentro da
sociedade brasileira e o seu reconhecimento. Não há história do Brasil sem
a versão contada pelo povo negro, assim como não há povo negro sem as
Mulheres de Axé.

D e t a l h e d e c o n t a s , D é a Cl a r i s s e

58 59
4
Dentre essas organizações
destacam-se: a criação do Conselho
da Bahia e, consequentemente, o Estado Brasileiro, cessou a obrigatorieda-
Africano da Bahia em 1937, que
logo depois veio a se transformar
de de registro policial e pagamento de taxas para os templos de religiões de
na União das seitas afro-brasileiras,
a Federação Baiana do Culto Afro-
matriz africana 6.
Brasileiro em 1946.
Nas décadas de 80 e 90, por sua vez, a trajetória do Candomblé na Bahia
5
O referido Decreto presidencial da
época da ditadura Getulista liberava
representa no plano nacional um segundo momento na história de lutas e
os Candomblés o uso dos atabaques
até então proibidos pelo Estado
articulações políticas do Povo de Santo no Brasil. Em 1984, por exemplo,
Novo.
o tombamento da Casa Branca foi um verdadeiro divisor de águas, no qual
6
Essa medida de supressão do
registro policial ocorrera em 1976, a
o Estado Brasileiro pela primeira vez reconhece a tradição afro-brasileira
partir da lei 25.095 sancionada pelo
então governador Roberto Santos.
como parte do seu patrimônio histórico, artístico e cultural do país. Como
bem nos alerta Velho (2006), esse processo, longe de ter sido um ato pací-
Mais uma arma contra a fico e de bom grado por parte das(os) conselheiras(os) do IPHAN, foi, sim,
fruto de divergências de opiniões, negociações e pressão política.
intolerância religiosa Nesse episódio, a cidade de Salvador foi o locus do em-
andré luis nascimento dos santos¹ bate cuja repercussão atingia toda a sociedade nacional. De-
iraíldes elísia andrade nascimento² pois, não só outros Terreiros foram tombados, mas diversos
marcos fábio rezende correia³
monumentos e construções ligadas a outras tradições que
não a luso-brasileira também foram reconhecidos, como
uma casa de colono, no Rio Grande do Sul, uma casa de chá

N a Bahia, o histórico das religiões de matriz africana confunde-se japonesa, em São Paulo e, mais recentemente, através da
¹ Ogã de Xangô do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Olopá.
Professor Adjunto da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), Advogado
com o histórico de lutas e articulações políticas do povo negro valorização da cultura imaterial, rituais indígenas como o
Especialista em Direito do Estado
pela FFD da Universidade Federal da
em busca de dignidade, respeito e reconhecimento nacional. Nes- Quarup (Velho, 2006).
Bahia (UFBA), Mestre e Doutor em
Administração pela Universidade
se sentido, podemos identificar, ao longo do século XX e no alvorecer do
Federal da Bahia (UFBA), possui
Doutorado Sanduiche na Science Po
século XXI, distintos momentos e movimentos de reivindicação política e Nessa mesma década, a constituição cidadã de 1988, ao reafirmar a li-
Toulouse – França, é Pesquisador do
Laboratório de Análises de Políticas
conquistas sociais do Povo de Santo, processos estes que acompanham a berdade de credos como direito fundamental, bem como a concessão de
Mundiais (Labmundo).
trajetória brasileira rumo aos valores democráticos e republicanos. imunidade tributária a todos os templos de natureza religiosa, traz, para o
² Ekedi do Terreiro de Oxumarê, onde
possui cargo de Yarobá. Historiadora,
Levando em conta que a primeira metade do século passado fora ca- Povo de Santo, uma conquista, mas, ao mesmo tempo, uma demanda por
atualmente cursa Gênero e Diversidade
no Núcleo de Estudos Interdisciplinares
racterizada pela repressão policial aos Terreiros de Candomblé da Bahia institucionalização e dialogo com os poderes públicos. Não bastava o di-
sobre a Mulher da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), trabalhou
(Braga, 1995), não é de se espantar a importância dos debates e movimen- reito prescrito na carta constitucional, era preciso requerer tais direitos e,
na Secretaria Municipal de Reparação
(SEMUR) onde foi responsável pelas
tos políticos havidos nessa federação para a construção de uma identidade para tal, mister se fazia adentrar no mundo das formalidades burocráticas:
temática relativa às Comunidades
tradicionais de Terreiro. Tem vasta
nacional que, hoje, finalmente, reconhece a relevância das religiões de ma- confecção de estatutos sociais, requisição de cadastro nacional de pessoa
atuação como Educadora Social,
a exemplo das voluntárias Sociais,
triz africana. Foi justamente diante desse contexto sócio-político que, já na jurídica, processos administrativos para requisição das imunidades, etc.
Fundação Pierre Verger, TV Pelourinho
e Instituição Beneficente Conceição
década de 30, o II Congresso Afro-Brasileiro lançou as bases de um amplo Diante desse contexto nacional, as Casas de Candomblé da Bahia iniciaram
Macedo.
processo contestatório do Povo de Santo quanto aos abusos perpetrados um amplo processo de formação de redes de cooperação, a fim de tomar co-
³ Ogã de Ewá do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Oju Obá.
pelo Estado brasileiro na figura da polícia baiana. Daí, surgiram as primei- nhecimento desses novos marcos regulatórios prescritos pela constituição
Historiador, com Pós Graduação em
História e Cultura Afro-Brasileira, é
ras personalidades jurídicas para representação de Terreiros, as primeiras de 88 e, a partir daí, ampliar o rol de conquistas e reivindicações.
Coordenador Estadual do Coletivo de
Entidades Negras (CEN). Ocupou cargo
organizações da sociedade civil em torno da defesa e proteção dos Terrei- Entre as décadas de 90 e os anos 2000, fez-se necessário outro mo-
na Comissão Estadual de Promoção da
Igualdade da Assembléia Legislativa
ros de Candomblé e demais segmentos religiosos de matriz africana4, bem mento de articulação e organização política do Povo de Santo. A partir das
do Estado da Bahia, foi Coordenador
Executivo de Promoção da Cidadania
como as primeiras conquistas legislativas em âmbito nacional, tais como o agressões sofridas por sacerdotisas e sacerdotes de religiões de matriz afri-
e Direitos Humanos na Secretaria de
justiça, Cidadania e Direitos Humanos
Decreto 12025, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas (Braga, 1995). cana por parte de representantes das igrejas neopentecostais, inaugura-se
do Estado da Bahia.
Vale ressaltar, que, a partir desses movimentos de articulação política, a no país um momento muito propício para uma reflexão nacional acerca do
violência policial diminuiu a intensidade. Só na década de 70, a província respeito as nossas ancestralidades afro-brasileiras, bem como o respeito à

60 61
vida e à liberdade religiosa. Nesse sentido, os movimentos contra intolerân-
cia religiosa iniciados na Bahia nos anos 2000, que tiveram como principais
expressões de luta e contestação política a realização de diversas caminha-
das pacíficas em prol da liberdade religiosa e dignidade do Povo de Santo,
são um excelente laboratório para a compreensão das novas bandeiras de
luta, bem como a ilustração de um momento histórico de profunda impor-
tância para as/os seguidoras(es) das religiões de matriz africana. É justa-
mente a partir desse contexto de agressões e intolerâncias sofridas por reli-
giosas(os) baianas(os) que os Candomblés da Bahia, a partir das suas redes
de solidariedade, conseguiram problematizar o debate na esfera nacional.
Nesse sentido, a presente obra é mais um passo de continuidade dessa
bandeira de luta tão antiga para o Povo de Santo. Essa é mais uma chan-
ce de afirmar e reconhecer a importância dessas mulheres baianas para a
construção desse nosso Brasil plural. As Mulheres de Axé são, antes de
tudo, mulheres de luta, que, pela via da religiosidade, contribuíram para a
construção desse país, sendo dignas de todos os respeitos e portadoras de
todos os direitos. Não podem pela ignorância de algumas(uns) serem, de
nenhuma forma, diminuídas na sua representatividade social e na impor-
tância das suas contribuições para a formação da identidade brasileira.

Mão, contas e colares, Mãe Berenice

62
As mães-de-santo são as intérpretes das doenças e do adoecimento, as-
sim como as responsáveis pelos tratamentos, auxiliadas pelos egbomis, ogãs
e ekedis que são mobilizados a interagirem entre si a fim de reconstruir
uma ordem coerente, atribuindo e redefinindo sentidos para restabelecer a
saúde física e mental daqueles que procuram seus serviços religiosos visan-
do obter os diagnósticos e tratamentos das doenças.
A face feminina de Deus no Candomblé As mulheres nos terreiros de candomblé acabam por se tornarem as
fábio batista lima¹
lideranças, existindo, também é claro, grandes lideranças masculinas, no
entanto as mulheres acabam por conduzirem os seus acólitos a um bem es-
tar, do mesmo modo que se submetem a um trânsito entre o mundo dos ho-
mens e o mundo divino dos Orixás e Caboclos. Elas agem como terapeutas,

O s terreiros de candomblé são espaços que permitem aos afro-des- sem nunca tematizarem esse conceito. As suas ações terapêuticas iniciam
¹ Antropólogo, mestre em antropologia
pela Ufba e Doutor em Estudos Étnicos
e Africanos, professor de sociologia da
rede estadual da Bahia, autor de livros
cendentes a reelaborem as suas identidades. Nessas comunidades, com o aconselhamento, o acolhimento até a própria intervenção dos infor-
infantis, conto do dia 4 dezembro,
Iansã, Oxum e Oxóssi. Também autor
há uma permanente ajuda mútua, trocas de favores, mantendo-se, túnios, via ação mágica. Asseguram uma atmosfera afetiva aos sujeitos com
de Os Candomblés da Bahia: tradição e
novas tradições e do livro As quartas-
assim, uma solidariedade via a reciprocidade, teias de prestações e contra- uma interpretação coerente às diversas experiências corporificadas, desde
feiras de Xangô: ritual e cotidiano.
prestações que terminaram por engendrar relações mais próximas, conta- o sonho, a vidência, aos “eventos de possessão”. Lideram os cultos dos Ori-
² Importante salientar que a ecologia
de um Terreiro é constituída de filhos-
tos mais efetivos e afetivos. Os terreiros de candomblé, instalados aqui no xás, os ritos de purificação e preparam as cabeças dos filhos-de-santo.
de-santo iniciados, os não iniciados, os
abiãs, os clientes e os filhos de outros
Brasil como comunidades, passaram a ser liderados por mulheres que orga- Nos seus itinerários de sacerdócio, as mulheres desenvolveram uma
terreiros que passam a fazer parte da
Casa. Geralmente, em tom jocoso,
nizaram e criaram um microcosmo, assegurando o empoderamento das sua sensibilidade na distinção dos aromas que revelam a presença de espíritos
nos momentos de conflitos os filhos-
de-santo oriundos de outros terreiros
ações e representações de mundo. bons ou maléficos, o conhecimento esotérico dos ritos propiciatórios e de
são categorizados como bastardos,
forasteiros, aventureiros ou encostados.
Essas mulheres mantiveram e mantém uma tradição resemantizada e re- purificação – limpezas de corpo –, os encantamentos dos orikis, itãs e ofós,
simbolizada administrando as diferenças e tecendo novas teias de signifi- o conhecimento das folhas, os seus nomes, as suas músicas e suas qualida-
cados e redes de solidariedade nas suas comunidades. Elas se constituíram des benéficas e maléficas, o sacrifício dos animais votivos de cada Orixá.
como grandes lideranças na administração e redistribuição dos bens sagra- A característica dessas sacerdotisas como terapeutas ou curadoras se
dos, que lhes foram passados de geração a geração, como também proporcio- manifestam nas diversas formas de cuidados e investimentos à promoção
nam esquemas interpretativos para a promoção do bem-estar dos adeptos. da saúde e o bem-estar dos que lhes são subordinados e àqueles que pro-
Elas detêm um poder extraordinário no escutar as queixas, no sofrimento, curam os seus serviços religiosos. Os investimentos terapêuticos são as di-
no aconselhamento e no acolhimento em seus terreiros, desde a alimentação, versas experiências corporificadas que elas experimentam nos seus supli-
a preocupação com o sono, para que haja sonhos a serem interpretados e, as- cantes, desde a simples imposição das mãos na cabeça dos seus acólitos,
sim, poderem intervir de modo satisfatório no atendimento. fazendo-os se sentirem aliviados, “mais leves”, até um conjunto de inter-
As mães-de-santo são aquelas que foram convocados pelos Orixás para venções mais elaboradas e sofisticadas, como a produção e controle dos
serem as suas servas aqui na terra, àiyé, e intérpretes de suas vontades, de- “eventos de possessão”, a interpretação da vidência e dos sonhos.
sejos e caprichos para todos que “batem em suas portas” pelas mais varia- As sacerdotisas dos terreiros de candomblé, além de interpretarem os
das finalidades, desde as aflições à mera curiosidade. Elas são reconhecidas sinais / sintomas das aflições, por meios dos “modelos explicativos”, as se-
como detentoras de um domínio prático de um conjunto de esquemas e quências de imagens e as metáforas corporificadas, possuem um domínio
pensamentos, somados à presença de traços africanos, em maior ou menor prático das ações terapêuticas sobre o corpo e a cabeça, a farmacopéia per-
intensidade. Suas autoridades são inquestionáveis no âmbito mítico-ritual, tinente, os encantamentos das ervas e os gestos rituais que devem introdu-
seus perfis de liderança são desenvolvidos na dinâmica dos seus terrei- zir, assim como os itinerários da ação terapêutica. Elas são capacitadas a re-
ros, pela sua capacidade de manter a estabilidade, controlar os conflitos conhecer “as cabeças”, isto é, os Orís - individuais e de que são compostas
no mundo da vida cotidiana, de garantir o recrutamento contínuo, assim mitologicamente cada uma e se nessa formação houve algum componente
como evitar a deserção dos membros² e da clientela, processo esse que con- mítico na confecção delas, no Orum, que promova os transtornos mentais.
solida e aprova sua legitimidade e a competência em administrar os bens As sacerdotisas têm um domínio no controle dos duplos, os Orixás, as-
sagrados. sim como os Odus individuais e sabem quando é necessário “despachar” o

64 65
Odu. Isto é, expiar a parte negativa responsável pela aflição, além de man-
5
A sociedade iorubá tem como
legítima a poligamia masculina –
seu senhor e o seu próprio. Do mesmo modo que no continente africano as
ter uma comunicação permanente com os Orixás, Caboclos, Exus e Eguns. poligênia – , no qual os homens
podem dispor de até quatro
mulheres exerciam e ainda exercem papel expressivo na economia doméstica
Em suma, as sacerdotisas definem o mal e os caminhos para sua superação, esposas, habitando na mesma casa
e se reconhecendo como irmãs, o
como vendedoras ambulantes nas feiras livres. Esses padrões foram adapta-
revelam a sua origem e possibilitam ao indivíduo o sentimento de um ser- marido deve sempre presenteá-las
de forma igual, para que não cause
dos no “Novo Mundo”, com o padrão da matrifocalidade, o que pode ser vis-
no-mundo-com-outros. ciúmes. Essa mulheres passam a ser
empreendedoras de seus negócios
to ainda hoje nos eixo das Casas de Santo tradicionais.
Os Terreiros de Candomblé, assim como as famílias negras e pobres da chegando muitas vezes a serem
mais ricas que seus companheiros.
A independência das mulheres negras advinha do contexto cultural
Bahia, se constituem, ainda hoje, como grupos domésticos materfocais, fa- Elas vivem de trabalhar nos
mercados nas cidades vizinhas, ou
de origem africana, onde as mulheres tinham uma considerável importân-
³ Na Bahia a herança da poligamia
africana do homem negro deixou mílias lideradas por mulheres que detém a autoridade na unidade domésti- relativamente afastada. Segundo
Verger na sociedade iorubá tem
cia nos espaços do parentesco, seja pela poligamia de seus maridos, ou pelo
marcas indeléveis e proporcionou,
também, uma autonomia das ca³. A autoridade dessas mulheres advém do prestígio que elas passam a ter costume que as mulheres “no
período da gravidez e o período
sistema matrilinear, assim como na economia5. Ruth Landes, na década de
mulheres em relação aos cuidados
da casa e dos filhos. “As crianças pelas suas qualidades: força, domínio, eminência, carisma e conhecimento, que precede o desmame da criança
o que representa dezoito meses de
trinta do século passado, afirmou haver um matriarcado na Bahia, tendo,
vivem com a mãe enquanto que
o homem vive com cada mulher assim como o direito que adquirem de administrar os pensamentos e ações abstinência. Uma tal situação acaba
por justificar plenamente admissão
como referência, os terreiros tradicionais, e conclui que, no Brasil, o siste-
alternadamente” (Verger:1992:100).
Essas mulheres se reconhecem como dos que lhes estão próximos, em razão de sua contribuição financeira no na casa familiar de co-esposas.”
(1992:100).
ma dominante do patriarcado definia o espaço da “rua” como um domínio
pertencente ao mesmo conjugue e
os seus filhos muitas vezes visitam orçamento doméstico ser superior aos dos seus cônjuges, que na maioria Ver o artigo de Santos. Jocélio
6 masculino, enquanto as mulheres dominavam tanto na família secular da
os seus irmãos, sem qualquer
constrangimento. Há casos de dos casos vivem do trabalho periódico como: pedreiros, pintores, eletricis- Teles, Menininha do Gantois: a
sacralização do podre. In: Memória
vida cotidiana, quanto à família-de-santo. As mulheres desempenhavam
homens que administram o tempo
para dar atenção a todas as suas tas, encanadores, mecânicos, etc. afro-brasileira: Caminhos da Alma.
(org.) Silva, Vagner Gonçalves,
os papéis femininos internos da Casa, reproduzindo, em última instância, o
companheiras alternando no mês a
semana que passara com cada uma Se homens negros atuam no mercado de trabalho numa situação de cuja abordagem centraliza-se na
glorificação do poder sagrado da
modelo da família ideal, cujo grupo é controlado por mulheres, porém esse
delas. Se por um lado esta prática
poligâmica reforça o estigma do desvantagem aos homens brancos, recebendo proventos de menor mon- mãe-de-santo articulado ao poder
da política na esfera da vida pública.
modelo extrapolava os limites dos terreiros.
machismo, por outro lado demonstra
a independência das mulheres frente ta, são as mulheres negras que acabam por atuar no mercado de trabalho 7
Alguns brancos, pela sua posição
Entendia que as mulheres negras e pobres baianas (tendo em vista que
aos seus homens, pois certamente
são elas as mantenedoras de seus de forma mais efetiva nos setores de serviços no espaço público e privado; de prestígio promovem o terreiro
socialmente. Historicamente, foi
cor e pobreza no Brasil se equiparam) eram culturalmente centrais na uni-
lares e de seus filhos.
como empregadas domésticas e vendedoras de alimentos cozidos nas ruas, através da categoria de ogã que
os brancos chegaram aos terreiros,
dade doméstica, enquanto os homens negros ocupavam posições margi-
4
Sobre as tradicionais formas de
inserção das mulheres negras no ou nos serviços de beleza. Entretanto, a inserção dessas mulheres no mer- muitos deles, autoridades policiais,
políticos, artistas e intelectuais que
nais. O papel feminino nos candomblés baianos não se circunscreve, ape-
espaço publico como vendedoras,
quituteiras e fateiras ver Ferreira cado de trabalho acaba se limitando nos setores de serviços, pelo fato de estrategicamente eram aceitos
para legitimarem os terreiros na
nas, à esfera doméstica dos terreiros. As mães-de-santo usam da esfera
Filho, Alberto Heráclito. Quem pariu
e bateu que balance!: mundos que elas detêm nas suas trajetórias diversos percalços, desde a baixa renda sociedade abrangente, perpassando
pela ideologia da diversidade
doméstica como uma base de poder a partir da qual passam atuar no cená-
femininos, maternidade e pobreza:
Salvador, 1890-1940. Salvador: familiar de seus pais até a baixa escolaridade, como consequência acabam cultural. Logo, o candomblé torna-
se uma das mais importantes
rio econômico e político, pelo seu mecanismo de negociar recursos econô-
EDUFBA. 2003. Nesta obra o autor
nos apresenta o cenário de uma tendo uma renda inferior às mulheres brancas que possuem uma escola- manifestações culturais do Brasil,
no momento mesmo em que
micos e simbólicos advindo de outra classe, recursos estes que ela passa a
cidade em conflito com o seu projeto
de modernização e a presença das ridade maior e trajetórias diferenciadas. Por fim, as mulheres negras na era estigmatizada, hostilizada e
perseguida pela polícia (Amaral &
redistribuir, em maior, ou menor escala, com o seu grupo.
mulheres negras que gritavam,
pelas ruas mercando seus produtos. maioria das vezes recebem, apenas, um salário mínimo. Gonçalves;1993:105-7). Contudo,
não se pode atenuar que a imersão
Desta forma, as mães-de-santo passam a estabelecer dentro dos seus
Elas ocupavam constantemente as
páginas dos periódicos locais. Eram Entretanto, com toda a série de percalços em suas trajetórias, elas pas- dos brancos de classe média no
interior dos terreiros de candomblé,
terreiros, nas suas famílias-de-santo que se constitui enquanto um grupo
conhecidas como “desordeiras”,
“arrelientas”, desbocadas. A sam a ser conhecidas como mulheres de “fibra”, “guerreiras”, pelos seus como iniciados não mas como
clientes, não venha causar alguns
doméstico recursos e conexões maiores em termos de rede de influência,
imprensa que compactuava com o
projeto modernizador do Estado de espíritos altivos e empreendedores, seja no “tanque de roupa”, nos tabulei- constrangimentos nas relações
entre os negros e os brancos. Seria
prestígio e clientelismo, para melhor sobreviver. Essa sobrevivência atra-
higienização pública da cidade via
estas mulheres como um “atentado ros de acarajé, ou as antigas vendedoras de fato, tão temidas pela sua co- ingenuidade acreditar que em
algum local da sociedade brasileira
vés de estratégias racionais, promovida pelos agentes religiosos, é criada
contra moral” com comportamentos
injuriosos. “Uma preta de acarajé ragem, e por serem portadoras de peixeiras (facas grandes), que ninguém reine a democracia racial. Os
prestígios obtidos pelos brancos
através de uma rede de alianças e negociação com indivíduos que tem aces-
foi tipificada como ‘mulherzinha’
após ter revidado a agressão física ousava desafiá-las4. Vale acrescentar que com a crescente modernização do de classe média, em algumas casas
de candomblé, possibilitaram a
so privilegiado na sociedade em volta das Casas de Santo, incluindo políti-
de Arthur Ferreira, arremessando
contra ele ‘acarajés’, o tabuleiro, as país cresceram também as taxas do desemprego, o que, por sua vez, na luta obtenção de poder no interior da
comunidade religiosa, tecendo
cos renomados na esfera da vida pública6. Assim, a estratégia de inclusão
panelas de azeite e tudo enfim que
se pode valer no momento.” Elas pela sobrevivência, vem aumentando com mais intensidade a prestação de antigas formas de dominação
como servilismo e clientelismo,
de indivíduos brancos e de classe média7 faz com que as mães-de-santo
não somente eram caso da imprensa
como também da polícia.( 2003:94). serviço em todas as áreas. A falta de uma vida ocupacional regular dos ho- mediante a concessão de favores,
como empregos, ajuda financeira,
rompam as barreiras da raça e classe, transformando o candomblé como
Nos informa, ainda, Ferreira Filho
“que “as medidas de moralização mens negros dos estratos deprimidos em relação às mulheres negras que etc. Travando uma disputa que
pode ser muitas vezes velada, mas
incide Prandi (1992) em uma religião universal, aberta para todos os seg-
do espaço público, adotadas com
radicalidade por Carneiro da Rocha, passaram a ser inclusas no mercado de trabalho, a faz delas as verdadeiras identificável através das narrativas
nas quais os negros os insultam
mentos étnicos e de camadas sociais diferenciadas. Em suma, o que impor-
também contemplava as mulheres,
proibindo os trajes indecorosos “chefes de família”, do ponto de vista econômico. na sua ausência, a exemplo da
expressão o que é que esse branco
ta para as mulheres de axé: iaôs, egbomis, ekedis, mametos, cotas, dones é a
das vendedoras ambulantes, como
camisus ‘desguedelhados’, que Se procurarmos as razões dessa centralidade feminina é preciso entender quer?. Estes indivíduos acionam a
cor negra como portador de axé,
preservação de suas comunidades religiosas ancestrais e a promoção de um
deixavam, frequentemente, os
seios à mostra, e a indecência das que a escravidão legou as mulheres negras na luta pelo sustento doméstico, via à ancestralidade africana, para
desqualificar a presença dos brancos
bem estar para todos que ingressarem em um terreiro de candomblé, útero
saias das lavadeiras, que nas fontes
públicas, expunham-se seminuas, suas ancestrais escravas da áreas urbanas viviam como escravas de ganho, na no candomblé (ibid;1000). Este
com certeza é um tema empolgante
úmido de Oxum e Iemanjá.
escandalizando as famílias que
passavam pelas ruas”( ibid;96). venda de iguarias pelas ruas da cidade do Salvador, para nutrir o sustento do para futuras pesquisas.

66 67
sobretudo em Salvador e no Recôncavo, onde boa parte das Casas de San-
to ocupam territórios pacificamente (por tempo muito superior aos prazos
legais de usucapião), mas que, infelizmente, não há uma vontade política
de se empreender uma ação pública para a resolução dessa modalidade de
conflito latente. Tomando-se como exemplo a cidade de Salvador, local no
qual as transmissões de terra remontam à época das capitanias hereditá-
rias, não é de se espantar que algumas das Casas de Santo mais antigas da
cidade não portem seus títulos de propriedade, arrastando-se longamente
na justiça baiana os processos de usucapião, sem contar os inúmeros pedi-
dos de tombamento de Terreiros, seja para o Instituto do Patrimônio His-
Algumas questões que ficam tórico Artístico Nacional, IPHAN, seja para o Instituto do Patrimônio Ar-
tístico Cultural, IPAC, tendo como justificativa o medo de mães e pais de
andré luis nascimento dos santos¹ Santo de não terem os limites territoriais de suas Roças respeitados pela
marcos fábio rezende correia²
especulação imobiliária.
A terceira das reflexões fica por conta da grande Mulher de Axé que é
a Bahia... Em que pese o Candomblé ser uma religião difundida no Brasil,

N o curso da leitura das trajetórias de vida dessas Mulheres de Axé, não há como negar, ela nos chega através das(os) nossas(os) ancestrais afri-
¹ Ogã de Xangô do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Olopá.
Professor Adjunto da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), Advogado
as leitoras e leitores, por certo, perceberão que, dentro das sin- canas(os) que aportam na Bahia, no Rio de Janeiro e no Maranhão. Aqui
Especialista em Direito do Estado
pela FFD da Universidade Federal da
gularidades de cada uma dessas guerreiras, alguns pontos pare- nessa nossa Bahia se recria, se sintetiza e se reinventa a religião dos Orixás.
Bahia (UFBA), Mestre e Doutor em
Administração pela Universidade
cem comuns, de modo que, por vezes, parecem se repetir. E, de fato, são Não à toa, a Roma Negra reivindicar para si o status de Meca do Candom-
Federal da Bahia (UFBA), possui
Doutorado Sanduiche na Science Po
circunstâncias que se colocam para o Povo de Santo, algumas de formas blé no Brasil. Regionalismos à parte, não resta dúvidas que é daqui, dessa
Toulouse – França, é Pesquisador do
Laboratório de Análises de Políticas
positivas e outras nem tanto, entrecruzando-se na vida cotidiana dessas cidade feminina, pelas mãos dessas nossas Mulheres de Axé que o Candom-
Mundiais (Labmundo).
mulheres e criando os enredos que reverberam nas suas escolhas. Aqui, blé é difundido para o Brasil e para o mundo. Em que pese, atualmente, a
² Ogã de Ewá do Ilê Axé Oxumarê,
onde possui cargo de Oju Obá.
à título de considerações introdutórias, pontuaremos cinco reflexões que cidade de São Paulo abraçar o Candomblé e, em alguma medida, exportar
Historiador, com Pós Graduação em
História e Cultura Afro-Brasileira, é
parecem pertinentes. para o resto do país novas tendências, mora na Bahia uma estética e uma
Coordenador Estadual do Coletivo de
Entidades Negras (CEN). Ocupou cargo
A primeira dessas reflexões concerne à trajetória de superação dos ética religiosa que muito ainda tem a dizer para o país, sendo as nossas Mu-
na Comissão Estadual de Promoção da
Igualdade da Assembléia Legislativa
preconceitos que essas Mulheres empreenderam e empreendem no curso lheres de Axé as porta-vozes dessa mensagem.
do Estado da Bahia, foi Coordenador
Executivo de Promoção da Cidadania
das suas vidas. Muitas delas, como as leitoras e leitores, verão nos relatos, A quarta das reflexões gira em torno da natureza milagrosa dos re-
e Direitos Humanos na Secretaria de
justiça, Cidadania e Direitos Humanos
aprenderam a vivenciar a diferença, a partir do exercício do ser diferente latos de vida, da mágica que portam essas trajetórias, sobretudo quando
do Estado da Bahia.
a partir de si mesmo, para afinal, quando da afirmação da sua identidade, encontram a força do Orixá. Em que pese muitos dos contextos pessoais
passar a servir de exemplo para as/os outras(os), suas filhas e filhos de serem embebidos em atmosferas de sofrimento, isso não é o fator mais va-
Santo, seus familiares, suas vizinhas e vizinhos, sua comunidade de um lorizado nos testemunhos, ao contrário, o sofrimento é sempre uma condi-
modo geral. Nesse sentido, a fé nos Orixás aparece também como um mode- ção pretérita que se transforma a partir da vivência do Orixá e, sobretudo,
lo de educação que se difunde em uma sociedade ainda extremamente ar- da aceitação da identidade afro brasileira. Nesse sentido, o que temos aqui
raigada às velhas formas de preconceito, aos racismos, às intolerâncias. Isso é um verdadeiro arsenal de milagres, tal como diria o poeta, milagres do
nos abre uma agenda de pesquisa para pensarmos o universo do Candom- povo, caminhando um pouco mais, milagres do Povo de Santo... Milagres
blé e as suas contribuições para os estudos da alteridade e da pedagogia. dos Orixás.
A segunda das reflexões, por sua vez, está intimamente ligada à ques- Por fim, contabilizando a conta de Oxum, a quinta reflexão nada mais
tão fundiária mal resolvida no Estado da Bahia que termina por precarizar é do que senão, uma reafirmação do todo já exposto. Antes de tudo, o que
a condição dos Terreiros e, consequentemente, a própria vida dessas Mu- vocês, leitoras e leitores, verão nas fotografias e lerão nos relatos são ima-
lheres de Axé. Como verão, leitoras e leitores, alguns dos relatos tocam na gens e trajetórias de Mulheres Verdadeiras... Mulheres do Povo... Mulhe-
questão de exercício da posse pelos Terreiros, mas que ainda carecem dos res Baianas... Mulheres Brasileiras... Mulheres que guardam na algibeira de
títulos de propriedade. Essa é uma questão bastante sintomática no Brasil, suas memórias a beleza do relato da vida, das obras, do ser em seu tempo.

68 69
2
Nossas ancestrais
Trecho do Oriki Borogum Elese Kan Gango
Invocações dos Egbés Tradicionais e a todas as Iyás fundadoras.
Homenagem a todas as ancestrais, em especial a Iyá Detá, Iya Kalá, Iyá
Nassô, Obá Tossi, Omonikê, Mãe Sussu, Tia Massi, Mãe Oké, Oxum Niké.

Iyá o bogumde A guerra trouxe a Mãe


Omo Afonja o bogumde. Filha de Xangô que a guerra trouxe
E ma be ru já, Mas não tema a batalha
Iyá asa o. Pois a Mãe perdeu o medo
Eni ma be Orixá Roguemos aos Orixás
Aiyê b´ode Para que a alegria se expanda no mundo

Iyá iyá o! Oh, Mãe, Mãe


Mo ni ebo Afirmo tua existência
Kebo Ketu! Boa saúde e longa vida!
Iyá iyá o! Oh, Mãe, Mãe
Bori ala Cabeça que nos cobre
Keto Babá! Com coisas boas!
Dugbe dugbe alado firo, Assim como Xangô imortaliza o relâmpago no ar,
Iyá ope l´aiye. Mãe estaremos sempre gratos ao mundo por vossa existência.
Iyá ope l´aiye. Mãe estaremos sempre gratos ao mundo por vossa existência.
Ebomi se bo. Minha mais anciã fez o sacrifício por todos nós.
Iyá ope l´aiye Mãe estaremos sempre gratos ao mundo por vossa existência.
tia massi [1860–1962] mãe pulchéria [1840–1918]
Ilê Axé Iyá Nassô Oká · Terreiro da Casa Branca Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê · Terreiro do Gantois
mãe menininha [1894–1986] mãe aninha [1869–1938]
Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê · Terreiro do Gantois Ilê Axé Opô Afonjá
mãe bada [séc. xix–1941] mãe senhora [1900–1967]
Ilê Axé Opô Afonjá Ilê Axé Opô Afonjá
mãe ondina [1916–1975] mãe emiliana [1858–1950]
Ilê Axé Opô Afonjá Zoogodô Bogum Malê Rundó · Terreiro do Bogum
mãe maria valentina · doné runhó [1877–1975] mãe evangelista dos anjos · doné nicinha [1911–1994]
Zoogodô Bogum Malê Rundó · Terreiro do Bogum Zoogodô Bogum Malê Rundó · Terreiro do Bogum
maria silvana muniz · mameto marieta beuí [1887–1951] mãe cotinha de ewá [1883–1948]
Unzó Tumbenci Ilê Axé Oxumarê
mãe simplícia de ogum [1916–1967] mãe nilzete de iemanjá [1937–1990]
Ilê Axé Oxumarê Ilê Axé Oxumarê
mãe caetana américa sowzer · bangbosé [1910–1993]
Ilê Axé Lajuomin e Pilão de Prata
mãe haydée [1942–2011]
Ilê Axé Lajuomin
mãe cleusa [1923–1997]
Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê · Terreiro do Gantois
mãe olga de alaketu [1925–2005]
Terreiro Maroialaji
vovó conceição · iyamorô [1911–1992] mãe té de oxum [1950–2008]
Ilê Axé Iyá Nassô Oká · Terreiro da Casa Branca Filha da Casa Branca · Mãe Pequena do Cobre
edelzuita da silva costa · ebomi filhinha [1928–2009] luiza franquelina da rocha · gaiaku luiza [1909–2005]
Ilê Axé Oxumarê Húnkpámè Ayíonó Huntóloji
juliana da silva baraúna · m ã e t e t é [1916 –20 0 6 ]
Ilê Axé Iyá Nassô Oká · Terreiro da Casa Branca
mãe nitinha [1925–2008]
Ilê Axé Iyá Nassô Oká · Terreiro da Casa Branca
mãe mirinha de portão [1924–1989]
Terreiro São Jorge Filho da Goméia

mãe bebé [1918–2006]


Terreiro Tanuri Junsara
ebomi cidália [1930–2012] mãe hilda jitolu [1923–2009]
Ilê Iyá Omi Axé Iyá Massê / Terreiro do Gantois Ilê Axé Jitolu
iyalorixá ana laura [1948–2009]
Terreiro Ilê Axé Araká Togum
mãe baratinha de oxum [1950–2004]
Ilê Kaiô Alaketu Axé Oxum · Cachoeira / BA
mãe gilda de ogum [1936–2000] mãe américa [1926–2008]
Ilê Axé Abassá de Ogum Ilê Axé Ogunjá Tiluaiê Orumbaia
3
Salvador
Omo Iyá de a ose ni aimo!
Omo Iyá de a ose ni aimo!
Os filhos, os descendentes da Mãe poderosa, estão aqui!
Os filhos, os descendentes da Mãe poderosa, estão aqui!
Mãe Tatá
Monumento vivo da Casa Branca

A ltamira Cecília dos Santos é mais conhecida como Mãe Tatá de


Oxum, filha legítima de Maria Deolinda, é a atual Iyalorixá do
Candomblé da Casa Branca, o famoso Ilê Axé Iyá Nassô Oká, loca-
lizado no Engenho Velho da Federação.
Sempre muito reservada, Mãe Tatá, é uma das mais importantes Mães
de Santo do Brasil. Discreta e inteligente, traz no próprio semblante a
imagem de simplicidade, e a sua tranquilidade, remete, na sua própria
essência, à paz. Mãe Tatá, é um bastião, um verdadeiro monumento vivo da
Casa Branca.

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Mãe Stella de Oxóssi

M aria Stella de Azevedo Santos, conhecida como Mãe Stella, foi


Meu tempo é agora!
É só uma das tantas frases que
remontam à fantástica trajetória
iniciada em 1939 por Mãe Senhora e recebeu o nome de Odé
de Mãe Stella. Kaiodê. Filha de Oxóssi, Mãe Stella é certeira nas ações, pala-
vras, artigos e livros publicados.
A história de iniciação remonta a tradição negra e de herança. Durante
a sua infância, aprendeu muito com a família ouvindo os adultos, e, assim,
foi crescendo, não só em conhecimento, mas em conteúdo e Axé. Sua mãe
biológica faleceu quando ela tinha 7 anos e ela foi morar com a tia de nome
Arcanja, que tinha Santo assentado com Mãe Menininha, além de um car-
go no Terreiro do Gantois.
A mãe, assim como a avó, não tinham muito interesse no Candomblé e
por mais que Orixá desejasse cuidar das mesmas, elas se distanciaram, mas
ela, Stella de Oxóssi, aos 14 anos foi iniciada no Opô Afonjá tornando-se
então filha de Mãe Senhora, com quem aprendeu muito sobre o Axé, sem
sequer imaginar que um dia viria a ocupar tão importante cargo no Ilê.
Hoje com 87 anos de idade e 73 de iniciada, Mãe Stella se alegra com
a família, a dedicação ao Candomblé e fala da importância da educação na
transformação da sociedade. Quando jovem ia ao Candomblé e a missa, mas
indignava-se quando o padre falava mal do Candomblé: vocês que vão para
o Candomblé de noite e igreja de dia estão acendendo uma vela para Deus e
outra para o Diabo. Isto a incomodava muito, então dedicou-se cada vez
mais aos estudos.
Certa feita foi convidada para participar de um encontro de Religiosos
de Matrizes Africanas, e lá resolveu fazer uma ação revolucionária e po-
sitiva que foi dar um basta no sincretismo porque até isto o escravo sofreu,
tinha que ter a religião do branco, pois os padres jesuítas diziam isto: que se
deveria sofrer aqui para ser recompensado no céu. Eu achava isto um absur-
do. Então, resolveu escrever um artigo posicionando-se contra o sincretis-
mo e o mesmo repercutiu no mundo inteiro, causando indignação no então
arcebispo de Salvador, Dom Avelar Brandão Vilela. Segundo Mãe Stella,
aconteceu o seguinte episódio: ele escrevia de um lado e eu de outro e gerou
um fato engraçado:'o Arcebispo entrou no Jornal A tarde pedindo para que eu
não entrasse mais'. Isto foi muito interessante e divertido. Concluindo com
um belo sorriso, antes de finalizar dizendo que a luta contra o sincretismo
foi árdua, mas que valeu a pena.
Mãe Stella é Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado da
Bahia e é membro da Academia de Letras da Bahia, onde ocupa a cadeira
de número 33, lugar ocupado no passado pelo poeta Castro Alves.

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Mãe Irinea Sowzer

A mais velha representante da tradicional família Sowzer, ou


Me sinto bem e orgulhosa por
fazer parte dessa família. Pra
mim, a família Bambogsè
melhor, Bambogsè, Mãe Irinea, filha de Xangô, tem 93 anos
representa respeito e tradição e de idade e 87 de iniciada. Calma, a guardiã de conhecimen-
eu me sinto orgulhosa por que tos e tradições remonta a história familiar desde o tempo da funda-
sou neta de quem fundou grandes
ção das primeiras Casas no Estado da Bahia, e revela a importância de
Casas Tradicionais.
se manter viva a história dos Terreiros e ter responsabilidade com a re-
ligião que tem como prioridade o respeito aos mais velhos e ancestrais.
A fé resolve todos os casos. Me sinto bem e orgulhosa por fazer parte dessa
família. Pra mim, a família Bambogsè representa respeito e tradição e eu me
sinto orgulhosa por que sou neta de quem fundou grandes Casas Tradicionais,
disse Mãe Irinea com tranquilidade, tendo como apoiadora a própria filha.
Conta que começou cedo, aos sete anos já tocava Xére e tomava benção
aos mais velhos. Quando as mulheres me viam, elas usavam saias abaixo do
joelho e me pediam a benção e eu era muito jovem. Depois, tive a compreen-
são de que era o destino. Hoje em dia, percebe a grandiosidade do cargo e
afirma: o Candomblé representa muita coisa, sou filha de Mãe Aninha, fun-
dadora do Ilê Axé Opo Afonjá, ela foi a minha Mãe Pequena.

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Mãe Carmen de Oxaguiã

I yalorixá do Terreiro do Gantois, um dos mais tradicionais do Brasil,


Mãe Carmen acredita no Diálogo
Religioso e, quando perguntada
sobre este tema, recorda frase de
Mãe Carmen é uma legítima filha de Oxaguiã. Calma, tranquila, mei-
mãe Menininha: todo caminho ga e muito inteligente. Utiliza-se sempre de palavras precisas e foge
conduz a Deus não há religião de holofotes pois prefere a tranquilidade e reflete a paz. Mas também se
melhor que a outra, toda religião
impõe, afinal de contas, sabe do peso da responsabilidade de ser Iyalorixá
bem praticada é a melhor.
do Gantois e diz: é muito bom e ao mesmo tempo muito difícil, temos que
atender a todos, cuidar de todos, e ouvir os problemas de todo mundo, isto é
muito difícil, mas é muito mais gratificante.
Quando provocada, mantém o equilíbrio pois conhece a dimensão do
seu poder e sendo filha de uma tradicional linhagem ancestral de religio-
sas do Candomblé lembra de histórias passadas de perseguições fruto do
resquício da escravidão, mais avisa: já acabou, agora estamos fortes e ago-
ra sabemos conduzir. Não aceitaremos mais intolerância religiosa que afete o
Candomblé de jeito nenhum.
Conclui dizendo que ser uma Mulher de Axé é ser mãe, e uma Mãe sabe
conduzir o filho, este poder feminino é inegável.

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Nadojhí Índia

É no fim de linha do Engenho Velho da Federação que está localizado,


No início, foi bem mais difícil.
Herdar uma Casa como o Bogum
é uma responsabilidade muito
há mais de 100 anos, uma das mais tradicionais Casas de Candomblé
grande, só estou aqui porque fui da Bahia. O Zoogodô Bogum Malê Rundó, conhecido como Terreiro
escolhida. do Bogum, tendo Mãe Índia, como é conhecida Zaíldes Iracema de Melo,
como a sacerdotisa responsável.
Filha de Antônia Firmina de Melo e neta de Maria Valentina dos Anjos
Costa, Doné Runhó de Sogbô, Mãe Índia foi iniciada pra Ajunsu em janeiro
de 1983 por Evangelista dos Anjos Costa, Doné Nicinha de Loko.
Mãe Índia conta que, quando mais nova, passava as férias na casa da
sua tia em Brotas e que, naquele tempo, os pais deixavam os filhos fora da
religião. Ela mesma também nunca quis entrar no Candomblé, dizia que
passava muito tempo recolhida cerca de um ano e seis meses.
Durante a aula do curso de patologia que fazia no Colégio Central, Mãe
Índia passou mal, foi ao médico e o diagnostico não apresentou nada de
anormal. Foi então que um vodunce, veio fazer uma oferenda e por acaso ela
estava na Roça. Voltou a passar mal, dormiu e acordou no quarto do Santo.
Assumiu a Casa sete anos após o falecimento da Doné Nicinha. Confes-
sa que nunca tinha passado por sua cabeça a possibilidade de ser a respon-
sável pelo Bogum, mas acabou sendo a escolhida.
Como uma típica Mulher de Axé, herdeira da força ancestral das mu-
lheres que fizeram a história da religião na Bahia e no Brasil, Mãe Índia
lidera a família Bogum.

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Mãe Iraíldes

E m 26 de junho de 1953, nascia em Salvador Iraíldes Maria da Cunha,


Temos que lutar para acabar
com a intolerância, porque
senão eles tomam o poder e
uma menininha com sérios problemas de saúde. Foi em busca da
a força daqueles que não são cura, e já entre a vida e a morte, com o corpo coberto de chagas que
intolerantes e a gente vai ficar a ela foi iniciada aos 6 meses de idade, no Terreiro Intombensara, no bairro
ver navios.
de Cosme de Farias. Contaram os mais velho que após sete dias de recolhi-
mento ela estava curada.
Aos sete anos sua mãe faleceu, ficando ela aos cuidados de sua madri-
nha que lhe ensinou tudo que pôde: ler, escrever, cozinhar comida de san-
to e comida comum. Eu era tão pequena que subia num banco junto ao fogão
para aprender a cozinhar.
Aos 10 anos vai com sua Mãe de Santo, Maria José de Jesus, para a Av.
Vasco da Gama, morar no Terreiro do Sr. Siriáco que acabara de falecer.
Foi um tempo difícil, sem água, luz e até mesmo um fogão, a menina
Iraildes, participava de todos os trabalhos. Aí cresceu, fundindo sua histó-
ria com a história da Casa.
Aos 113 anos e ainda lúcida, morre Mãe Maria José, deixando com
Mãe Iraildes, na época com 35 anos, as responsabilidades do Terreiro.
Assim, já são 49 anos de dedicação daquela que se diz nascida para os
Inquisses, para lutar e viver para Eles.
Querida por toda comunidade, mesmo os que não frequentam a Casa,
recebe com a mesma alegria e atenção todos que ali chegam vindo de todos
os lugares, inclusive outros estados.
Acredita na convivência pacífica e respeitosa entre religiões diferen-
tes: ...Nosso Senhor deu a todos os caminhos, cada um segue o que quer, o que
escolher, mas reconhece... temos que lutar para acabar com a intolerância,
porque senão eles tomam o poder e a força daqueles que não são intolerantes
e a gente vai ficar a ver navios.

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Ebomi Cotinha de Oxalá

U ma vida de dedicação ao Axé, assim pode ser resumida a vida de


Meu filho não faço nada além
da minha obrigação, respeito e
amo os Orixás desta Casa e por
Ebomi Cotinha de Oxalá. Sempre séria e certa do compromisso com
este amor dedico a minha vida a religião, Cotinha de Oxalá, como gosta de ser chamada, é hoje a
a eles. Não tenho história triste mais velha da Casa de Oxumarê em tempo de vida e iniciação. Sempre vesti-
para contar. Vivi o que tinha
da de roupa branca em respeito ao seu Orixá, e com disposição para partici-
que viver e aguento tudo o que
tenho que suportar. par das atividades litúrgicas da Casa, a incansável como é chamada, sempre
chega cedo e através dos seus atos e gestos faz com que os mais jovens pos-
sam tê-la como referência devido ao seu compromisso. Diz, meu filho, não
faço nada além da minha obrigação, respeito e amo os Orixás desta Casa e,
por este amor, dedico a minha vida a eles. Não tenho história triste para con-
tar. Vivi o que tinha que viver e aguento tudo o que tenho que suportar.
Maria Isabel P. Vargas, é o nome de registro desta filha de Santo de
Mãe Simplícia de Ogum, que tem 83 anos de idade e 57 anos de iniciação.
Com característica forte e personalidade marcante, esta grande Mulher de
Axé, do Terreiro de Oxumarê, não reclama da vida e constrói a história do
povo de Santo com respeito, determinação, seriedade e coerência. Como
lema de vida segue o antigo ditado: muito riso, pouco ciso.

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Ebomi Kutu de Ogum

M ãe Kutu é filha do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, mais popularmente


Subi as escadas da
Casa Branca chateada e
desci maravilhada, conhecer
conhecido como Casa Branca. Foi iniciada pra Ogum, em 1957,
o Candomblé e fazer parte pela saudosa Maximiana Maria da Conceição, Mãe Massi, e teve
dessa religião foi a coisa mais como Mãe Pequena, Maria da Natividade.
especial que aconteceu em
Ogum, Orixá de Mãe Kutu, se recusou a ser iniciado no Rio de Janeiro
minha vida. Amo os Orixás,
amo minha religião e a defendo e mesmo havendo, na época, pessoas como Ebomi Dila, Ebomi Sônia, Djal-
com tudo que tenho. ma de Lalu e Agripina do Opô Afonjá, o Orixá quis fazer a obrigação em
Salvador. Minha mãe me trouxe de navio pra Salvador com 27 anos de Ida-
de. Eu não queria fazer Santo, planejava fugir.
Subi as escadas da Casa Branca chateada e desci maravilhada, conhecer
o Candomblé e fazer parte dessa religião foi a coisa mais especial que acon-
teceu em minha vida. Amo os Orixás, amo minha religião e a defendo com
tudo que tenho.

134 135
Ebomi Nice de Yansã

N ice Evangelista Espíndola é Ebomi Nice de Yansã, filha de Santo de


Nice Evangelista Espíndola é
do Ilê Axé Iyá Nassô Oka, mais
conhecido como Terreiro da Casa
Juliana Silva Baraúna, conhecida como Mãe Teté, uma importante
Branca. Ebomi Nice é de Yansã Iyakekerê da Casa Branca. Com atuação nacionalmente reconheci-
e tem cargos importantes nos da, Ebomi Nice, é a única mulher de Salvador a compor a Irmandade Secre-
maiores Candomblés do Brasil.
ta de Mulheres da Boa Morte, de Cachoeira. Ebomi Nice ocupou diversos
cargos religiosos e durante sua trajetória destacam-se os seguintes postos:
Iyá Benin de Xangô, do Ilê Axé Iyá Nassô Oká Oxum, de Mãe Nitinha (Rio
de Janeiro); Iyá Urulu – do Ilê Axé Ogum Alagbedé Orum (Rio de Janei-
ro); Iyá Larê do Alaiandê Xirê – do Ilê Axé Opô Afonjá, de Mãe Stella (São
Gonçalo do Retiro); Iyá Nirerê – do Ilê Axé Oxumarê, do Babalorixá Pecê
(Vasco da Gama).
Casa Branca, Opô Afonjá, Ilê Oxumarê, Pilão de Prata e Opô Aganju
são só alguns exemplos da sua importância e representação para as Reli-
giões de Matrizes Africanas. Ebomi Nice já recebeu vários títulos, sendo
que, dentre os mais importantes, está a outorga da Medalha Zumbi dos Pal-
mares, da Câmara Municipal de Salvador, além de ser certificada pelo Mi-
nistério Público da Bahia com o título A mulher que faz a diferença.
Sempre sorridente e disposta, diz com voz meiga e firme : meu filho, eu
sou de Yansã, viu!, solta um sorriso confortante. Ebomi Nice de Yansã faz
parte de algumas frentes de luta do povo negro e da sua religião.
Respeita a diversidade religiosa e fica incomodada quando as pessoas
são intolerantes : Não mexe comigo, que eu não ando só!, lembra antes de
mais um sorriso acolhedor.
Atualmente é presidente da Confraria de Oyá na cidade de Salvador.

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Makota Zimewanga

C onfirmada pro Inquisse Angorô, em 1975, Makota Valdina é um pa-


Sou mulher de Ngunzo, minha
tradição é Bantu. Nunca
aceitei o título de ekedi, eu
trimônio vivo das tradições e costumes africanos no Brasil. Mulher
sempre revidava, corrigia, eu negra, de palavras firmes e postura inconfundível, é uma defensora
sou makota. Posso afirmar incondicional da tradição Bantu.
sem soberba, que foi graças
Valdina Oliveira Pinto, nome de batismo, fez catequese e primeira co-
a essa postura que o termo
MAKOTA hoje tem o espaço munhão, mas, na década de 70, atendeu ao chamado do Inquisse a passou a
que tem na religião. dedicar sua vida ao Candomblé. Foi iniciada por Elizabete Santos da Hora,
Mãe Bebé, fundadora do Terreiro Tanuri Junsara, no qual Valdina exerce
a função de Makota.
Makota Valdina, que também é militante do movimento negro, sempre
combateu o racismo a partir das referências religiosas que fizeram parte de
sua formação. Lembro que na ascensão do movimento negro, muitos militan-
tes negros marxistas diziam que a religião era o ópio do povo e tratavam nos-
sa crença como folclore, coisa exótica. Hoje, encontro essa mesma gente, eles
vem me tomar a benção. Vou dizer o que? Meu Pai abençoe, né?
Uma das grandes preocupações da Makota Valdina é a manutenção do
Sagrado, ela afirma, com autoridade sobre o assunto, que não podemos nos
enganar, eles querem acabar com o nosso sagrado. Temos que manter nossas
Casas abertas para o povo e fechadas para a exploração midiática.

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Mãe Jaciara de Oxum

J aciara Ribeiro é Mãe Jaciara de Oxum, uma extraordinária Mulher de


Assumiu o Terreiro Abassá de
Ogum desde 2000, ano em que
Mãe Gilda, sua mãe biológica,
Axé. Dona de uma energia imensurável, é um símbolo da luta contra a
faleceu, vítimada por atos intolerância religiosa e pelo empoderamento das mulheres de Candomblé.
racistas praticados por religiosos Mãe Jaciara nos revela que começou a frequentar o Candomblé muito
evangélicos neopentecostais.
nova, quando acompanhava seus pais durante as festas. Foi iniciada para o
Orixá Oxum em 1987 por Martiniano Ramos, Raminho de Oxóssi, em Re-
cife, e desde 2000, ano em que Mãe Gilda, sua mãe biológica, faleceu, viti-
mada por atos racistas praticados por religiosos evangélicos neopentecos-
tais, Mãe Jaciara exerce a função de Iyalorixá no Ilê Axé Abassá de Ogum,
localizado em Itapoan.
A Iyalorixá conta que tinha planos, como toda e qualquer jovem, mas
a morte de sua mãe e a forma covarde como aconteceu, deu um novo sig-
nificado à sua vida.
Hoje, Mãe Jaciara dedica grande parte de sua vida à luta contra a intole-
rância e o ódio religioso e defende uma maior integração do povo de Santo.
Precisamos proteger um ao outro. Ainda estamos sob o efeito psíquico do
racismo, ainda nos vemos como adversários de nós mesmos e esse sentimento
fortalece nossos verdadeiros opositores.

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Ebomis do Pilão de Prata

T rês grandes referências do Terreiro Pilão de Prata, importante Casa


de Axé, que remonta ao que mais há de tradicional no Candomblé
da Bahia, tendo como Babalorixá Air José.
Sentada ao centro, Rita de Cassia C. Silva, que foi iniciada pra Xangô
em 2003, por Pai Air José. É Iyalaxé do Terreiro Làjuomim e afirma, estou
lisonjeada por ter sido escolhida pelo Orixá. Confessa que sente o peso da
responsabilidade, mas acredita que, com humildade e respeito à hierarquia,
somados a orientação do Orixá, conseguirá trilhar o caminho ao qual Olo-
rum a predestinou.
À esquerda, Ebomi Neide, importante referência na Casa que desde a
fundação do Terreiro Pilão de Prata, acompanha Pai Air José. Foi iniciada
na década de 60 do século passado, por Mãe Caetana e Pai Air. Hoje, bas-
tante emocionada, afirma a importância de ter conhecido a religião e diz
que um dos momentos mais importantes de sua vida foi poder participar
da festa de 50 anos do Pilão Prata.
Por fim, a direita, Gilza Silva Santos, conhecida como Mãe Gigi de Oyá,
é Ebomi do Pilão de Prata. Iniciada por Pai Air José, em Janeiro de 1965,
e saiu no terceiro barco da Casa. Hoje assume a função de Iyá Modé, a co-
mandante de casa de Balé. Revela em sua entrevista, que ficou bastante
abalada com a morte de Mãe Caetana e que encontrou em Pai Air José for-
ças pra continuar prosseguindo. As Ebomis do Pilão de Prata, representam
força, axé e amor para vencer as atribulações e seguir em frente em nome
da Religião.

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Ebomis
do Gantois
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Nengwa Guanguanssessi
Com relação aos jovens de Olga Conceição Cruz, tem 88 anos de idade, e 64 de iniciada para o In-
agora diz: Nesta Religião
tem que ter dedicação,
quisse Cuqueto por Antonio Grígorio da Silva, de Dijina Bandamguame, do
compromisso e amor. Sou Terreiro do Bate Folha, ela é mais conhecida como Nengua Guanguanssessi
do tempo da secapona ou Miúda do Bate Folha, onde chegou aos 4 anos de idade levada por sua
(palmatória), hoje o ritmo
avó, Cota Lembê.
é outro, aqui no Bate Folha,
para fazer o Santo, tem Filha da lavadeira Emerentina Maria da Conceição, conta que teve uma
que ter paciência, porque a juventude comum, estudava e costurava e desde pequena ajudava a sua
modernagem está muito difícil. mãe, aos 12 anos já engomava terno para ajudar a família, e apesar do seu
desejo, a sua mãe não a queria no Candomblé.
Aos 8 anos de idade, quando da época da Festa de Tempo, começou a
ter visões. E, quando a levaram para conversar com Seu Bernardino, o fun-
dador do Terreiro do Bate Folha, Tempo pegou ele e explicou o que estava
acontecendo, daí, foi só esperar o seu tempo de iniciação, o que demorou,
pois seu Bernardino não gostava de recolher gente jovem, e ela só tinha 8
anos.
Então, em 1949, aos 24 anos de idade, e 3 anos depois do falecimento de
Seu Bernardino, é que ela entrou para se iniciar, quando a família soube,
já estava acontecendo: fui a Dofona do Primeiro barco de seu Antônio Grigó-
rio da Silva, um barco de 12, e o segundo foi maior ainda, de 14. A primeira
Dofona dele fui eu, e conclui: Meu filho, foi tudo por gosto do Santo, eles con-
duziram a minha vida.
Com relação aos Inquisses diz, Amo meus Inquisses. A minha família
biológica é grande, mas aceita a minha fé. O Candomblé me prendeu e eu ado-
ro, faço tudo para o Santo do coração, e é isto que me traz em pé, a minha fé
e o meu amor. Não casei, a minha mocidade foi aqui, e no final acabei me
casando com os Inquisses, e sou uma esposa muito feliz por isto, e abre um
belo sorriso.
Visitava muito o Candomblé de Seu Procópio do Ogunjá, de Dona Ce-
cília no Bonocô, e o Terreiro do Gantois. Até hoje tenho muitos amigos no
Gantois, Mãe menininha, era querida demais. Pergunte lá sobre Miúda do
Bate Folha, com certeza Mãe Carmen e as filhas dela vão saber quem é. São
pessoas muito queridas, e me querem bem também.

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Iyakekerê Tieta de Iemanjá

A ntonieta da Anunciação Matos, é mais conhecida como Ebomi


Tieta de Iemanjá, tem 80 anos de idade, e mais de 50 anos no Ilê
Axé Iyá Nassô Oká, ou Terreiro da Casa Branca, local onde foi
iniciada para a Orixá Iemanjá por Maximiana Maria da Conceição, uma
antiga e famosa Iyalorixá da Casa, mais conhecida como Tia Massi.
Filha de Iemanjá, a quem devota muito amor e respeito. Ebomi Tieta
é muito conhecida pela sua devoção e amor, em cantar e louvar os Orixás.

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Mãe Jojó de Nanã

S ucessora de Mão Olga do Alaketu, Mãe Jojó de Nanã, assumiu uma


Eu não entrei no Candomblé, eu
nasci no Candomblé. Para mim,
só esta frase já diz tudo.
das maiores e mais tradicionais Casas de Candomblé do Brasil no ano
de 2005 e a reabriu às suas funções religiosas em 2006. O Ilê Axé
Maroialaji, ou Terreiro do Alaketu, mantém a tradição em uma Casa onde
somente mulheres assumem a posição suprema de Iyalorixá.
Com 64 anos de idade e 60 de iniciada, Mãe Jojó assumiu a Casa por
uma decisão de Xangô, como remonta a tradição de escolhas de sucessão
por parte deste Axé.
Sempre aberto para receber pessoas, dar conforto e auxílio espiritual,
o Terreiro tem uma ótima relação com a comunidade e mantém as raízes
ancestrais e a tradição religiosa africana. A Iyalorixá Jojó segue os rumos
da sua Mãe ao dizer: eu não entrei no Candomblé, eu nasci no Candomblé.
Para mim, só esta frase já diz tudo.

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Nengwa Xagui

C armelita Luciana Pinto, conhecida como Nengwa Xagui foi iniciada


Era o tempo do carbureto,
querosene, de carregar água a
uma distância enorme, fazer
aos 7 anos. Hoje, com 83 de idade e 75 anos de feita, é muito feliz na
acarajé na pedra, hoje em dia sua religião. Filha de Ciriáco, seu barco foi de 12, e no seu tempo não
ninguém saber fazer mais isso. era como o de agora, Era o tempo do carbureto, querosene, de carregar água
a uma distância enorme, fazer acarajé na pedra, hoje em dia ninguém saber
fazer mais isso.
Hoje, depois de 75 anos de feita, ela só deseja que Deus e Lemba lhe
deem mais alguns anos de vida e saúde. Não tem muitos filhos de Santo,
pois não deseja quantidade e sim qualidade, o pouco que tem já lhe é favo-
rável e, graças a Deus, se dá bem com seus filhos de Santo.
D. Carmelita relata, que na sua família, quase todos são Testemunhas de
Jeová, incluindo os filhos que sua mãe pegou para criar, como também seu
irmão, que é Batista. Ela convive bem com todos, sem nenhum problema e,
graças a Deus, ninguém a incomoda, ninguém a aborrece, todos a tratam com
muito respeito, pois se ela respeita a religião deles, eles respeitam a dela.
Sou feliz, escorregar não é cair, escorrego, mas não caio, balança aqui e
ali, tenho muita fé.
Nunca sofreu intolerância, não tem inimigos, suas irmãs a conhecem
e o importante pra ela é ser bem recebida aonde quer que vá. Uma de suas
filhas, que era testemunha de Jeová, morreu há 2 anos, e ela nunca teve
vergonha de sua mãe, sempre a apresentava a todos e eles a chamavam para
ver uma reunião.
Não atendo porque minha religião é outra, se me chamar pra deles eu
digo, se você me chama pra sua, eu posso lhe chamar pra minha?

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Kota Kajamungongo

M aria José de Oliveira Passos tem 92 anos e, no Candomblé, é


Se não dá para o negócio, saia
de baixo e se dá para coisa,
continue fazendo tudo aquilo
chamada de Kajamugongo. Ela foi iniciada por Mãe Maçu, no
que já veio determinado para Terreiro Santa Maria Tumbenci Filho, que tinha a sua locali-
você. O mais novo deve fazer zação nos Pernambués, e nos conta, que o mesmo não existe mais, pelo
aquilo que se ensina e nunca se
fato dos herdeiros biológicos serem evangélicos e resolveram fechar a Casa.
guiar pro lado errado. Se gostou
de algo, fique calado e se não Entretanto, antes de morrer, Mãe Maçu, a entregou os seus objetos consa-
gostou, continue calado. grados. Devido à idade, diz já ter esquecido de muita coisa, até do ano em
que fez Santo, mas, lembra bem, que foi recolhida no dia 17 de julho e saiu
no barracão em 30 de setembro, sua caixa contendo os documentos e suas
anotações pegaram fogo, e não consegue lembrar o ano.
Nascida em 1920, chegou ao Candomblé para assistir a uma festa em
um dia em que as pessoas apenas brincavam dizendo que ia fazer um can-
domblezinho rápido de virar, era a Casa de Dona Maçu, nos Pernambués,
bolou e ficou 7 dias recolhida. Em seu barco, estavam sua irmã biológica de
Oxóssi, uma de Angorô e ela, de Xangô.
Nunca pensou em entrar para o Candomblé, embora a tia, irmã do seu
pai, fosse Maria Genoveva, mais conhecida como Mãe Neném. O Terreiro
no qual ela se encontra hoje, está localizado em Tancredo Neves, era de sua
tia, Mãe Neném, e foi reaberto por sua filha, Lembamosi, a atual responsá-
vel pela Casa.
Deixa uma mensagem para os que estão chegando, Se não dá para o
negócio, saia de baixo e se dá para coisa, continue fazendo tudo aquilo que já
veio determinado para você. O mais novo deve fazer aquilo que se ensina e
nunca se guiar pro lado errado. Se gostou de algo, fique calado e se não gos-
tou, continue calado.

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Nengwa Kasuté

H elena Maria da Hora é uma importante Mulher de Ngunzo e atual


Foi muito difícil no início, mas
tive o apoio dos filhos de Santo
e os Inquisses conduziram todo
matriarca de uma das mais tradicionais Casas de Candomblé da
o processo. Bahia. Iniciada para Lemba, em 1966, herdou o legado de sua mãe,
a também Nengwa Elizabete Santos da Hora, Mãe Bebé, que fundou o Ter-
reiro Tanuri Junsara no ano de 1955.
Mãe Helena, lembra ...foi muito difícil no início, mas tive o apoio dos filhos
de Santo e os Inquisses conduziram todo o processo.
O Tanuri Junsara tem um grande envolvimento com a comunidade, pois,
além de cuidar do espírito dos seus filhos, o Terreiro também já serviu de
sede onde aconteciam as reuniões da primeira Associação de Moradores do
Bairro do Engenho Velho da Federação. A água encanada só chegava até o
Terreiro e os moradores da região mais distante do bairro pegavam água aqui
no Tanuri, relata a Nengwa, demonstrando assim a forte interação entre o
Terreiro e o seu entorno.
Atualmente, o Tanuri Junsara mantém suas tradições e é um importante
centro intelectual de resgate, manutenção do segredo e preservação da
cultura Bantu.

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Iyakekerê Edite de Iemanjá

F oi iniciada aos 5 anos de idade, em meados de 1941, acompanhada


Iemanjá é uma santa
maravilhosa. Dona da
minha cabeça!
pela mãe que já pertencia ao Opô Afonjá, desde criança já sabia
que tinha responsabilidade com a sua ancestralidade, mas não com-
preendia a dimensão representativa da sua iniciação. Filha de Iemanjá,
hoje, aos 78 anos de idade, diz Valeu a pena, estou aqui esses anos todos
nesse Terreiro sadio. Viver nesse Terreiro é ser feliz. Todos gostam de mim!
Quando criança, na primeira comunhão, não sabia como lidar com a
intolerância religiosa, Não podia mostrar as contas. Antigamente o povo não
queria nem saber, se fosse do Candomblé não queria nem encostar. Hoje até
Padre é do Candomblé. Tendo hoje uma vida tranquila, conta que, ainda jo-
vem, trabalhou em um supermercado, mas, no geral, dedicou boa parte da
sua vida ao Axé e tem muito orgulho disto.
Feliz e orgulhosa, Mãe Edite conta que a coisa mais importante que
aconteceu recentemente foi tornar-se a Iyakekerê da Casa, fato este, dentre
outras coisas, por ser a segunda mais velha da Roça, tendo sido feita por
Mãe Senhora e ter se tornado a segunda pessoa de Mãe Stella. Xangô me
escolheu para ser a segunda pessoa de Mãe Stella. É uma surpresa! Fiquei
nervosa e ao mesmo tempo feliz, diz emocionada.
Sou alegre e satisfeita por viver aqui, este Terreiro é a minha vida!

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Mãe Flor

D e vendedora de acarajé à filha de Santo. Foi assim a vida de


dona Florianita de Jesus, a Mãe Flor. Ainda jovem, começou a
vender os quitutes andando pelas ruas e calçadas da cidade do
Salvador, na década de 1940.
Sua história começa ainda muito jovem, quando, observando a pro-
dução de acarajés, decidiu pagar a uma senhora para lhe ensinar a arte da
culinária baiana. Seu interesse foi tamanho, que, no terceiro dia, quando
a professora chegou para começar a aula, o abará já estava no fogo. Vendo
o que eu tinha feito, minha mestra disse que eu tinha dado uma aula de como
fazer comida, relembrou a Iyalorixá.
Foi após a morte do seu marido, que Mãe Flor, andando e mercando
com o tabuleiro na cabeça, vendia seu acarajé pelas ruas da cidade. Ela con-
ta que teve que sustentar toda sua família por muitos anos com o dinheiro
das vendas do seu tabuleiro.
Já a minha vida no Axé começou por volta de 1946, quando fui levada
ao Terreiro Jejê Savalu, através da minha Mãe de Santo (Iyalorixá Tansa),
que também era minha sogra. Lá, fui iniciada no mesmo ano que cheguei, há
59 anos, relembra. Mãe Flor afirma: o Axé foi sempre muito importante na
minha vida e de toda a minha família.

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Derevitu Odessi

A história dessa mulher de Axé nos leva ao tempo em que a Ladeira


Nem quis ir mais pra casa,
passei a morar no Terreiro
do Bogum, que liga o fim de linha do Engenho Velho da Federa-
ção à Avenida Vasco da Gama, ainda não era asfaltada. Derevitu
Odessi acompanhou a construção da Capela, se banhou no rio, que era lim-
po, e precisou andar muito, pois na época não havia ônibus no local.
Zildete Oliveira de Souza, a Derevitu Odessi, foi iniciada em 1966 por
Mãe Runhó no Terreiro do Bogum. Teve como Mãe Pequena Pitica do Nor-
deste de Amaralina e Pai Pequeno Vicente do Matatu.
Derevitu Odessi se recorda de quando morava no Engenho Velho de
Brotas e ia apreciar o Candomblé no Bogum. Numa dessas visitas passou
mal e foi para casa. Mãe Runhó mandou buscá-la em casa e, ao chegar no
Terreiro, bolou.
Lembra também dos casos contados por Dona Narcisa dos quais davam
muita risada. Nem quis ir mais pra casa, passei a morar no Terreiro, afirma.
Mãe Zildete cita também a amizade com a Doné Nicinha que, inclusive, ba-
tizou um dos seus filhos. Cita ainda a festa que faziam na ladeira embaixo
do pé de Zoogodô. Se emociona ao lembrar da participação do pai da sau-
dosa Mãe Menininha na festa.
Com a sensação do dever cumprido, Derevitu Odessi segue em sua tra-
jetória de Mulher de Axé, consciente da grande responsabilidade que ain-
da tem na condução, formação e exemplo de vida para os novos adeptos da
nossa religião.

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Ekedi Sínha

J ersonice Azevedo Brandão, é mais conhecida como Ekedi Sínha da


Aprendi muito cedo que
ninguém é diferente pelo cor ou
pela religião. Nunca escondi
Casa Branca, filha de Oxaguian mas com muito enredo com Xangô,
que era do Candomblé e desde foi confirmada no Ilê Axé Iyá Nassô Oká, para ser Ekedi de Oxossí,
criança tinha afirmei isto a em 1970. Por força de expressão e pelo hábito da moradia diz: Nasci aqui
todo momento.
e não me reconheço sem ser filha de Orixá, pois aprendi desde criança que os
Orixás eram meus pais e minhas mães.
Lembra que, na história familiar, a mãe dizia a ela que sempre desejou
ter um filho e que este era o único pedido que fazia aos Orixás e que então
Oxaguian a deu de presente para ela. A mãe falava todo o tempo que a úni-
ca coisa de preciosa que tinha na vida era ela, e que a mesma, foi um pre-
sente de Orixá. Conhecedora do seu poder e responsabilidade afirma com
orgulho que é quase uma princesa e entende que quando qualquer pessoa
do Candomblé sofre Intolerância Religiosa, mexe também com ela: Somos
todos uma família, e se mexe com um, mexeu com todos!
Com uma grande trajetória de militância para preservar os valores da
religião, Ekedi Sínha é coordenadora do INTECAB, faz parte da RENAFRO
e é dirigente do Espaço Cultural Vovô Conceição, onde desenvolve ativida-
des voltadas para a garantia de emprego e renda para pessoas da comuni-
dade e entorno.

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Iyalaxé Neuza Margarida

N euza Margarida, ou simplesmente, Mãe Neuza, como é mais co-


nhecida, responde pelo título de Iyalaxé no Ilê Axé Togum, Ter-
reiro que herdou após falecimento do Babalorixá Nelito Bahia
Correia, em 1996, e tem no Caboclo Jurataí o elo de ligação com sua terra.
Mãe Neuza foi confirmada em 1981 por Pedro de Alcântara do Gêge Savalu
e começou a ser preparada desde então para assumir o posto. Contudo, a
Ekedi Neuza nunca havia levado a sério essa história de substituta, até que
em 1996 logo após o enterro de seu Nelito Bahia, uma juíza, frequentadora
do Terreiro e amiga da família, reuniu a todos e leu o que seria um testa-
mento que afirmava que a partir daquele momento o Terreiro passaria a ser
de responsabilidade da Iyalaxé, Neuza Margarida.
Quando jovem, Neuza Margarida, gostava de búzios e cartas de tarô,
mas sua família, muito Católica, sempre a limitava de uma aproximação
maior com o Candomblé. Em um determinado dia, Neuza recebe um reca-
do do Exu dizendo que era para se confirmar. Ela se recusou, tirou licença
prêmio e foi para o Rio de janeiro.
Algum tempo depois, notou o aparecimento de um grande nódulo em
seu seio e, desesperada, foi ao médico que ao examiná-la determinou cirur-
gia imediata. Neuza entendeu o recado mas antes da cirurgia fez um ebó e
voltou ao Rio de Janeiro para a cirurgia. Quando os médicos em processo
cirúrgico procuram o caroço, detectaram que não havia nada a ser extraído,
Neuza já estava curada. No prontuário estava escrito: Diagnóstico errado.

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Kota Vulasese

K ota Vulasese, esse é o nome religioso de Maria Angélica de Oliveira


O Inquisse sempre deve estar
à frente de tudo em nossas
vidas.
Torres. Mulher de Ngunzo, foi iniciada em novembro de 1983, por
Mãe Bebé, para o Inquisse Angorô.
Em suas lembranças, Maria Angélica carrega as marcas de um grave aci-
dente que sofreu durante uma travessia à ilha de Itaparica. Neste momento,
minha irmã biológica, Makota Valdina Pinto, levou a mensagem para que eu
fosse até a Roça. Foi quando, no jogo de búzios, recebi a orientação para fazer
a feitura, relembra.
Hoje, com 30 anos de iniciada, Kota Vulasese, destaca que o aprendizado
do Candomblé: o amor, a paz e o respeito foi significante para tudo em sua
vida. Kota Vulasese, ressalta ainda, que a presença da família consanguínea
foi importante no processo de inserção na religião.

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Mãe Valnízia de Ayrá

F ilha de Xangô Ayrá, iniciada em outubro de 1976, na Casa Branca,


Eu lembro que os poucos filhos
que restaram, iam me buscar em
casa para dar conta dos afazeres
pela Iyalorixá Marieta de Oxum, Valnízia Pereira Oliveira, é a gran-
do Terreiro. Eu não tinha como de Matriarca do Terreiro do Cobre, importante e tradicional Casa de
ignorar aquele sentimento, eu via Candomblé situada no Engenho Velho da Federação.
que era verdadeiro
Valnízia de Ayrá, como também é conhecida, tem uma profunda raiz
religiosa, é filha biológica de Maura Miranda Pereira e Tataraneta de Mar-
garida de Xangô, africana que fundou o Terreiro do Cobre no bairro da
Barroquinha por volta 1889, época em que toda essa área era um engenho só.
Mãe Valnízia viveu toda sua mocidade de Axé na Casa Branca e não en-
tendia o porquê de algumas mais velhas insistirem em mandá-la arriar Ama-
lá no Cobre, tendo em vista que a Casa estava com as funções suspensas, pois
a antiga Iyalorixá havia falecido. Ela se negava, mas suas Ebomis insistiam.
A iyalorixá lembra do dia em que foi ao Hospital Couto Maia visitar
sua mãe que estava doente. Ela se ajoelhou e disse ao Orixá que se curasse
sua mãe ela tomaria conta da Casa, e assim aconteceu.
Ela lembra ainda que a família Cobre nunca abriu mão da Casa, do
Axé, do culto ao Orixá: Eu lembro que os poucos filhos que restaram, iam
me buscar em casa para dar conta dos afazeres do Terreiro. Eu não tinha
como ignorar aquele sentimento, eu via que era verdadeiro.
Hoje Mãe Valnízia de Ayrá segue sua missão, conduzindo uma Casa
centenária, dando continuidade a um legado erguido em toda sua essência
por Mulheres de Axé.

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Deré Sogbossi

N o alto das dunas do Abaeté, no bairro de Itapoan, está localizado


o Terreiro Guerebetã Gume Sogboadã, da nação Mina Jeje. Casa
de culto ao Vodun, que tem sua história iniciada no bairro de
Itinga, Lauro de Freitas, quando em 1975, a Casa que lá existia fora incen-
diada. Com o incêndio, o Doté Zé de Gbessen segue com sua família de Axé
para o Abaeté, onde inicia a construção da nova Casa. Nesse período, Maria
Clara da Silva, ainda com oito anos de idade, acompanhara todo o processo
de mudança do Terreiro.
Anos depois, no seu processo de iniciação, Maria Clara, a Deré Sogbossi,
reviveu mais uma vez a angústia de ver seu Terreiro ameaçado. Em dezem-
bro de 2000, quando ainda estava no Rundeme, a Prefeitura Municipal de
Salvador, autorizou aterrar a Casa, sob a justificativa que o Terreiro estava
abaixo do nível da rua. Neste momento, diante do desespero de meu Doté,
foi autorizada a minha saída para que eu pudesse intervir.
Ainda de quelê, munida de sua força espiritual e da sua capacidade in-
telectual, Deré Sogbossi interrompe a desapropriação do terreno e, conse-
quentemente, a destruição da Casa.
Hoje, treze anos depois, a Casa continua de pé e Sogbossi tornou-se a
Deré da Casa, além de ser peça fundamental na estrutura social, política e
espiritual da comunidade do Terreiro.

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Ebomi Dó de Ogum

A colhedora, mantenedora dos costumes, defensora da hierarquia,


Ebomi Dó usa sua vivencia
de Axé e experiência de
vida para fortalecer os laços
da tradição e da manutenção do segredo, Ebomi Dó nasceu na ci-
identitários do povo de Axé. dade de Santo Amaro, e, ainda menina, mudou–se para Salvador.
Com suas heranças alicerçadas no Candomblé, ela assume o papel de mãe
conselheira no Terreiro do Cobre.
Sua história com a religião começa ainda no seio familiar, da qual gran-
de parte era do Candomblé. Mas foi na busca da cura de uma filha que Ma-
ria Raimunda Santos encontra suas primeiras obrigações. O tempo passou e
uma de minhas filhas apresentou problemas espirituais: o Orixá manifestava
na rua, por vezes pegava na escola. Foi aí que Mãe Tatá, da Casa Branca,
sugeriu, na época, que antes de fazer algo por minha filha, eu precisaria ser
iniciada, relata.
Sendo assim, Ebomi Dó foi iniciada no primeiro barco após a reabertu-
ra do Terreiro. Tendo a participação de Mãe Nem, da Casa Branca, na con-
dição de Mãe pequena da Yaô.
Hoje, com seis filhos, dos quais quatro estão no axé, Mãe Dó usa sua
vivência de terreiro e experiência de vida para fortalecer os laços identitá-
rios do povo de santo. Uma mulher de Ogum que não se intimida e é uma
grande Mulher de Axé.

182 183
Ebomi Telinha de Iemanjá

A ristolelina Fiuza, mais conhecida como Ebomi Telinha de Iemanjá,


nasceu dentro do Terreiro do Cobre. Sua mãe, Maria da Nativida-
de, morava dentro do terreiro e era filha de Logun Edé, mas não
era iniciada. Quando Ebomi Telinha fez santo, ela já era mocinha, deveria
ter uns 17 anos. Ela é filha de santo de Flaviana de Oxum.
Segundo Ebomi Telinha mesmo conta, a sua avó não gostava que ela
se envolvesse com Candomblé, mas, como a mãe dela morava no Terreiro,
ela sempre estava ali. Quando tinha saída de Yaô ela sempre dançava com
elas, comia quando elas estavam fora e aí, um dia, pronto (risos). Tive que
fazer santo também.
Tia Telinha, como é conhecida, teve uma participação importantíssi-
ma na reabertura do Terreiro do Cobre. Segundo conta Mãe Valnízia, ela
ia busca-la várias vezes para tomar conta do Terreiro. Hoje, com os seus 87
anos de idade, cativa pelas suas várias histórias, lucidez, sabedoria e cari-
nho que dedica a cada filho e filha do Terreiro do Cobre.

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Ebomi Detinha de Xangô

V aldete Ribeiro da Silva, Detinha de Xangô, Obá Gesin, foi iniciada


Xangô mandou lhe entregar
esse dinheiro e essa chave,
pague o carreto e venha morar
no Candomblé por Mãe Ondina em 1972 e hoje exerce importante
aqui no Ilê Axé papel no Ilê Axé Opô Afonjá, ao lado de Mãe Stella. Mãe Detinha
conta que, ainda garota, ia para o Candomblé junto com outras crianças
atraída pelas frutas nos pés das árvores, pelo cheiro da comida, o colorido
das roupas dos Orixás, as danças e as músicas. Entretanto, já adulta, ela não
queria ser do Candomblé e fugia de todas as maneiras possíveis, até que a
casa que conseguiu para morar ficava bem debaixo de uma pedra grande
em um morro e ela ficou com medo que depois de uma chuva a pedra caísse
em sua cabeça. Um dia, passando perto do Opô Afonjá, seu tio a chamou
e pediu para ela ir no Terreiro dar a benção a Mãe Ondina, que era sua tia
biológica e Iyalorixá da Casa. Mãe Ondina então, mandou ela sentar, disse
que estava preocupada com ela e foi para o quarto de Xangô onde ficou
por um tempo até que lhe chamou e disse: Xangô mandou lhe entregar esse
dinheiro e essa chave, pague o carreto e venha morar aqui no Ilê Axé.
No começo ela pensava que seria só um tempo breve, mas ela estava
passando por várias dificuldades junto com a sua família e viu as coisas se
transformarem. Tanto ela como a irmã arranjaram emprego e logo depois a
vida foi melhorando tanto que ela foi ficando e construiu a sua casa dentro
do Terreiro, local onde vive até hoje.
Xangô tinha lhe dado uma grande lição, por mais que ela achasse que
podia, aprendeu que orelha não passa cabeça. Hoje, tem absoluta certeza
que nunca se arrependeu de ter obedecido a vontade do Orixá e se orgulha
de ter sido escolhida.

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Iyalorixá Walquíria de Oxum

L embrar de Walquíria de Oxum é referir-se à relação de amor e fi-


delidade ao Ilê Axé Oxumarê há mais de 50 anos. Fiel guardiã dos
preceitos, da hierarquia e da história, viveu sob a guarda religiosa
da sua Mãe Simplícia de Ogum, da Mãe Nilzete de Iemanjá e, hoje, de Babá
Pecê de Oxumarê.
Motivada pela busca da cura para problemas de saúde, lembra com
carinho e saudade da Mãe Simplícia, que a curou e iniciou, bem como, das
suas irmãs de barco, que também sofriam com problemas de saúde. Foi um
processo iniciático que durou cerca de um ano. Embora não morasse no Ter-
reiro, este espaço tornou-se minha Casa, aqui servi, aprendi e lutei, destaca.
Considerada um dos ícones de resistência e fé, Walquíria de Oxum,
lembra com orgulho dos profundos laços de irmandade com a Casa de
Oxumarê, da sua lealdade com os Orixás e a reverência com o Candomblé.
Foi uma luta árdua de defesa de nossa religião contra as perseguições, intole-
râncias e preconceitos, mas estamos aqui, relembra.

188 189
Mãe Bete de Oxalá

M ãe Bete tem sua origem na Casa de Oxumarê, onde foi iniciada


Sempre que posso, faço
questão de ir aos Candomblés, as
pessoas me convidam... somos
pra Oxalá por Iyá Simplícia Brasiliana Conceição (Mãe Simplícia
uma grande família. de Ogum) na década de 1960. Sete anos depois, se torna a res-
ponsável pelo Ilê Axé Oyó Bomim, situado no fim de linha do Engenho Ve-
lho da Federação. A Casa é de Ogum e tem Xangô como dono da cumeeira.
Mãe Bete é mais uma dessas mulheres que dedicaram sua vida à pre-
servação dos saberes tradicionais africanos. Ao relembrar os tempos difí-
ceis em que sua mãe consanguínea, Margarida Santos de Ogum, enfrentava
as violências contra os Terreiros, Mãe Bete sentencia Naquele tempo, eles
levavam os atabaques no camburão.
Dona de uma voz possante, Mãe Bete é quem puxa os cânticos na Casa
de Oxumarê e na Caminhada Contra a Intolerância Religiosa, realizada to-
dos os anos pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN). É reconhecida tam-
bém porque sempre visita outras Casas de Candomblé. Mãe Bete também
fazia oferendas a um grande pé de Iroko situado na Rua Xisto Bahia, na Fe-
deração e lembra que em um determinado dia, o pé de Iroko caiu durante
a madrugada. Todos no bairro ficaram se perguntando, como que uma árvore
daquele tamanho cai e não gera prejuízo pra ninguém? Parece que escolheu o
dia e hora certa, pra cair e não causar danos.
Mãe Bete e o Ilê Axé Oyó Bomim mantém uma forte relação com a co-
munidade onde o Terreiro está instalado. Além do auxílio espiritual e os
conselhos, a Casa distribui também as cestas básicas fornecidas pelo CEN e
pela Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU).
O Ilê Axé Oyó Bomim tem personalidade jurídica e seus dirigentes têm a
escrituração do terreno.

190
Mãe Vanju

E vangelista Carvalho dos Santos, Mãe Vanju, como é mais conhecida,


Mãe Vanju fundou o Ilê
Axé Omim, o primeiro
Candomblé do bairro de São
é uma Mulher de Axé. Filha de Oxum Apará, reflete perfeitamente
Marcos há cerca 50 anos. a junção desses dois Orixás femininos em seu cotidiano. Filha san-
Mãe Vanju vendia mingau guínea de Maria Mauro Carvalho, de Ogum, e iniciada por Manuel Rufino,
no bairro de Boa Fé, quando
Mãe Vanju fundou o Ilê Axé Omim, o primeiro Candomblé do bairro de
recebeu de Ogum a ordem de
ir para São Marcos, então ela São Marcos há cerca 50 anos. Mãe Vanju vendia mingau no bairro de Boa
alugou uma casa e começou a Fé, quando recebeu de Ogum a ordem de ir para São Marcos, então ela alu-
desenvolver o Ilê. gou uma casa e começou a desenvolver o Ilê.
O delegado Angelino foi até o local pra ver do que se tratava, mas como
é uma legítima filha de Oxum, Mãe Vanju conta sorrindo, já havia prepara-
do umas coisinhas pra receber a autoridade policial e a Casa continuou. Mas
nunca foi fácil, jogavam pedra no telhado. Um vizinho criou muitos proble-
mas, chegou a dizer que aqui deveria ser uma Igreja e não um Terreiro. En-
frentei processos na justiça por conta da rede de esgoto e de água... Foi muito
difícil. Mas estou aqui e a Casa também.
Com filhos e filhas de Santo em vários estados do Brasil, Mãe Vanju se-
gue conduzindo sua família com a força e a sutileza de duas Iyabás e com a
força de Ogum, senhor da cumeeira da Casa.
Mãe Vanju é aposentada e, junto com a contribuição dos filhos e filhas
de Santo, mantém o Terreiro, que tem registro, escritura e IPTU.

192
Mãe Hildelice

C om a responsabilidade de assumir um dos mais emblemáticos Terrei-


É importante educar para
transformar, é necessário ter
fé, amor ao Axé e orgulho de
ros Jejê de Salvador, o Ilê Axé Jitolu, Hildelice Benta dos Santos, Mãe
ser do Candomblé. Hildelice, tem uma grande tarefa pela frente, o de dar continuidade
às ações realizadas por sua antecessora e mãe biológica, Mãe Hilda Jitolu.
Por si só, o fato de ter a tradição ancestral correndo nas veias, faz com
que Mãe Hildelice já tenha o respeito da comunidade do Povo de Santo, e
mesmo com pouco tempo à frente da Casa, ela já vem dando segmento às
ações deste Terreiro, que, fisicamente, está incrustado na Liberdade, mas
que representa o suporte espiritual para além dos seus filhos de Santo,
pelo simples fato de ter sido, a partir de lá, e com o suporte espiritual da
sua antecessora, Mãe Hilda Jitolu, que surgiu o mais belo dos belos, e que
alimentou em cada negra e negro deste país a vontade de ser negro, de ser
rainha ou rei, de ser Ilê Aiyê.
Alegre e disposta, com mais de 30 anos de iniciada, diz, É importante
educar para transformar, é necessário ter fé, amor ao Axé e orgulho de ser do
Candomblé.

194
Mayé Tânia de Oxóssi

T ânia Maria Bispo dos Santos, Mayé Tânia, posto que possui na Casa
O Candomblé precisa ser
respeitado, porque no mais temos
tudo: beleza, amor, fé, caridade,
de Oxumarê, é filha de Simplícia de Ogum e Hilário Bispo dos San-
simplicidade e muito mais. tos, ambos do mesmo Terreiro. Tânia, teve toda a sua vida voltada
para o Terreiro de Oxumarê. Em 1969, aos 14 anos de idade, logo após o
falecimento de Simplícia de Ogum, sua mãe biológica e Iyalorixá da Casa,
foi confirmada Ekedi. Mayé Tânia é uma mulher forte e hoje ajuda como
pode seu sobrinho, Sivanilton de Encarnação, Babá Pecê e atual líder da
Casa de Oxumarê.
O Candomblé é bonito, a nossa religião é muito bonita, as danças, os ri-
tuais, as roupas sagradas, as nossas crenças, tudo é bonito!
Tem formação em contabilidade e magistério, mas o que realmente gos-
ta é de cozinhar, de fazer comida, é ali e no Terreiro que ela coloca todo o
seu amor, quem lhe deu tudo que tem foram os Orixás, pois já passou difi-
culdades e, hoje, se vê uma mulher de sucesso graças aos Orixás.
Pede aos que estão chegando agora respeito, e afirma, internet é muito
bom para nossa comunicação com o mundo, mas Candomblé se aprende no
Terreiro com seu Pai de Santo ou Mãe de Santo e seus mais velhos.

196 197
Iyalorixá Ana de Iemanjá

A na Lúcia Regina, é Mãe lúcia de Iemanjá, do Terreiro Ilê Axé Iyá


Lenin, localizado em Cajazeiras, tem 56 anos de idade e foi inicia-
da há 24 anos, pela saudosa Hilda Jitolu. Conheceu o Axé ainda
muito pequena por causa de doenças, mas, com o passar do tempo, foi se
distanciando da religião. Foi morar no Rio de Janeiro e lá foi ser budista, ao
voltar para Salvador, trabalhando no Hospital Ernesto Simões, por muitas
vezes ficava desorientada e as pessoas não sabiam o que fazer com ela.
Foi então que voltou a procurar o tratamento espiritual e ao chegar ao
Terreiro de Mãe Hilda Jitolu, recebeu a notícia de que precisava cuidar do
Orixá. Atendeu imediatamente ao chamado. Segui todos os ensinamentos
de Jitolu, a disciplina, educação, simplicidade e humildade são as principais
qualidades aprendidas na convivência com a minha Mãe de Santo.
Ana de Iemanjá relembra que dava reuniões com seu Caboclo e Mãe
Hilda alertou que ela precisava de algo maior do que aquele local onde
aconteciam as sessões, pois o local não era o ideal. Não demorou muito, sete
dias depois, uma pessoa fez uma proposta para trocar o meu apartamento
por um terreno em Cajazeiras. Aceitei. Até hoje o meu Terreiro funciona nes-
se mesmo endereço.

198 199
Ekedi Terezinha

T erezinha Crispiniana da Conceição é filha de Oxum, tem 73 anos


Sou apaixonada por Oxum, ela
resolve tudo em minha vida.
de idade, e 33 anos de confirmada para a Oxum de Mãe Nitinha,
sendo filha de Santo de Mãe Teté de Yansã. Chegou no Candomblé
Ilê Axé Iyá Nassô Oká, o Terreiro da Casa Branca, com a madrinha que era
iniciada para Oxóssi e certo dia, na Festa das Iyabás, estava brincando com
as outras meninas e a Oxum de Mãe Nitinha a suspendeu e tempos depois
ela se confirmou Ekede.
Ficou tão apaixonada pelo Candomblé que até quando não a deixavam
ir, ela ia escondida, depois quando chegava em casa tomava até bolo, mas
o amor a trazia de volta. Com o tempo foi cuidar de tantos afazeres que se
distanciou um pouco mas como ela mesma diz: Orixá é vivo meu filho, e
eu acabei encontrando com mãe Nitinha na Baixa dos Sapateiros, e recebi o
convite para ir na Festa das Iyabás. Em casa, disse que iria dar plantão no
trabalho e não esquece que assim que chegou na porta do barracão a Oxum
de Mãe Nitinha estava lá, como a esperar, de braços abertos.
Daí, com o passar do tempo se confirmou e até hoje é muito grata a re-
ligião. Filha de Oxum, sente a falta de Mãe Nitinha e de Vovó Conceição,
pessoas a quem era amiga, de grande afeição e muita devoção. Sinto a falta
delas, mas asseguro a minha fé nos Orixás.

200 201
Mãe Zulmira de Nanã
Desde sempre vivi para o Nkisi,
e fui preparada por minha Mãe
Beuí para cuidar deles.
A trajetória de vida da expoente senhora Zulmira de Santana França,
começou em salvador no dia 09 de maio de 1934. Desde criancinha
sofria alguns males que lhe abalavam a saúde; de família pobre,
sem condições de criá-la e de lhe dar os devidos cuidados, sua mãe bioló-
gica, Ana Cristina de Santana, mãe de outros 11 filhos, a entregou a uma
vizinha de nome Marieta Beuí, Mameto Kwa Nkisi, do Terreiro Tumbenci,
localizado na atual região de Cosme de Farias. Marieta Beuí assumiu a crian-
ça Zulmira como filha, cuidando de sua frágil saúde que não melhorava.
Aos 7 anos de idade, a jovem Zulmira, foi iniciada nos mistérios do
candomblé, foi recolhida por sua mãe adotiva e teve, como Mãe Pequena, a
lendária Gaiaku Luiza. Foi consagrada ao Nkisi Zumbá, senhora da vida e
da morte, e a partir de então, não teve mais problemas de saúde.
Em 1951, ocorreu o precoce falecimento de sua Mameto Marieta Beuí,
e várias transformações aconteceram devido a este evento; as responsabili-
dades sacerdotais cairam sobre os ombros da adolescente Zulmira que, com
apenas 17 anos de idade, fora indicada a continuar as atividades do Terrei-
ro, ocupando o posto de Mameto Kwa Nsiki, do Tumbenci fundado por
Marieta Beuí, no ano de 1936.
Mas, após a morte de D. Marieta Beuí, um de seus filhos biológicos,
invade a Roça, divide-a em lotes, e vende a Casa, acabando com o Terreiro,
expulsando os filhos de santo do mesmo, que ficam com seus assentamen-
tos em mão e desalojados da convivência religiosa.
Mãe Zulmira volta para casa de sua mãe Ana Cristina e de lá, empreen-
de ação para reerguer o Terreiro que herdou de sua mãe espiritual, conse-
guindo o feito, no ano de 1966, na região de Pitangueiras, onde reergueu o
Terreiro Tumbenci, com uma festa para Tempo, e planta em definitivo os
fundamentos que sustentam o Unzó até hoje.
Nesta época, Gaiaku Luiza, lhe confere as obrigações religiosas, e ga-
rante, liturgicamente a Mãe Zulmira, o direito da mesma iniciar e cuidar de
filhos e filhas que pertencessem à nação de ketu.
O exemplo desta mulher, hoje aos 78 anos de idade, 71 anos de inicia-
ção e 61 de sacerdócio, mãe de cinco filhos biológicos, e de centenas e cen-
tenas de espirituais, casada há mais de meio século com seu Djalma França,
traduzem os significados históricos e antropológicos do que entendemos
como ancestralidade. Ela, como tantas outras, é dona de um saber que dá
conforto e norte ao ser humano, que alenta a alma com o movimento da fé.
Por todos os motivos expostos, recebeu da Câmara de Vereadores de Salva-
dor, a outorga da Medalha Zumbi dos Palmares.

202
Ebomi Raimunda

T ataraneta de Africano, teve relação com Lesse Egum e, na sequência,


com o Ilê Axé Opô Afonjá, onde foi iniciada em 1952 por problema de
saúde, ela e a mãe biológica. Eu vim muito doente. Quando fiz Santo,
minha mãe veio comigo. Fiz Santo e ela também, ela já faleceu e eu continuei.
Hoje, aos 68 anos de idade, tem alguns filhos pequenos no Opô Afonjá,
Não me arrependo de nada e repetiria tudo que vivi. Se hoje estou aqui, foi
porque eu tive necessidade de fazer meu Orixá. Eu tenho muita fé! O Orixá
significa muita coisa. É a minha vida! Enquanto estiver viva, não o deixarei
por nada deste mundo.
Para ela, o Terreiro Opô Afonjá é a representação do seu Axé e do seu
Orixá, tendo, em Mãe Stella e nas suas famílias, seja de Santo ou biológica,
referência e motivos de alegria. Por isto pede cotidianamente para Xangô que
dê saúde a toda a família e finaliza dizendo: O Candomblé para mim é tudo!

204 205
Ebomi Tânia de Oyá

T ânia Maria dos Santos tem 40 anos, e foi iniciada por Mãe Marieta
Orixá me deu resposta, tenho uma
vida plena e de realização. Tenho
tudo o que sempre almejei, sou
de Oxum no Terreiro da Casa Branca. O motivo da ida ao candom-
uma mulher de luta e guerreira blé foi para pedir ajuda e proteção devida às dificuldades da vida
como minha Mãe Yansã. e, hoje, diz confiante: Orixá me deu resposta, tenho uma vida plena e de rea-
lização. Tenho tudo o que sempre almejei, sou uma mulher de luta e guerreira
como minha Mãe Yansã.
Praticamente foi criada no candomblé, onde chegou com 14 anos de
idade para fazer companhia a Januária Maria da Conceição, Ekedi Jilu de
Omolu, senhora das mais idosas da Casa e uma das principais responsáveis
pela sua educação de Axé.
Oriunda de uma época em que o sincretismo era o comum relata: Iansã
era uma mulher guerreira, e como a sua representação é Santa Bárbara, en-
tão, naquela época, lutei para valorizar a minha identidade de Axé, através
de tal representação sagrada.
Por conta de Yansã, foi uma das pioneiras da procissão de Santa Bárba-
ra: Eu e minha irmã da Casa Branca, Ebomi Nice, retirávamos a imagem de
Santa Bárbara da capelinha do Mercado de São Miguel e a levávamos para
a procissão no Centro Histórico, depois, retornávamos com ela para o mesmo
local, tudo isto acompanhada pela Ebomi Celina de Oxóssi, finaliza.

206 207
Mãe Dó de Ossain

D ona de uma simpatia inigualável e leveza típica de uma mulher


Tenho a convicção que cumpri
meu papel de mulher, de mãe,
de Iyalorixá. Criei meus filhos e
de Ossain, Cleonice Dias da Paixão, Mãe Dó, é mais uma im-
filhas que estão prontos para o portante Mulher de Axé.
mundo e, sempre que precisarem, Ela conheceu a religião ainda muito nova. Entre os 15 e 16 anos, foi
essa mulher de Ossain estará
apreciar uma festa de Candomblé no Terreiro de Oxumarê, quando bolou
aqui, firme e crente nos Orixás até
quando Olorun permitir. no Santo. Ao acordar, estava com a perna inchada.
A Iyá fez um geberessu e eu fiquei boa. Na semana seguinte eu fui de
novo, e novamente bolei, só que dessa vez, quando acordei já estava feita.
Mãe Dó de Ossain fundou, há 35 anos, o Ilê Axé Ewê, na Vila Améri-
ca, Vasco da Gama. O Axé se desenvolveu e precisou de um espaço maior,
com mais verde ao redor e um novo espaço fora construído em Cajazeiras
XI, onde hoje está situado o Terreiro. Mãe Dó faz questão de citar o Ogã
Gentil e Tereza Cristina de Oyá, que muito contribuíram para o desen-
volvimento do Ilê.
Dedicado ao Orixá Xangô, o Terreiro possui toda a documentação legal
que lhe garante o funcionamento, e, no mesmo, acontece uma série de pro-
jetos sociais: aulas de percussão, de confecção de adereços, de dança e de
capoeira para cerca de 120 adolescentes por ano, são alguns deles. Apesar
de legalizado e com autorização para funcionar, como boa parte dos Terrei-
ros de Candomblé na Bahia, o Ilê Axé Ewê, não possui o título de proprie-
dade do terreno, tão somente desfruta da posse mansa e pacífica, se man-
tendo através da contribuição dos filhos e filhas de Santo, da aposentadoria
da Iyalorixá e das consultas do jogo de búzios.
Tenho a convicção que cumpri meu papel de mulher, de mãe, de Iyalorixá.
Criei meus filhos e filhas que estão prontos para o mundo e, sempre que pre-
cisarem, essa mulher de Ossain estará aqui, firme e crente nos Orixás até
quando Olorun permitir.

208
Ebomi Vanda Machado

A circunstancia que a trouxe para o Opo Afonjá envolvia a vida


Quando conheci o Candomblé
foi o reencontro com a minha
família ancestral espalhada
acadêmica, Fiz os créditos na Ufba e precisava realizar o projeto Irê
pelo mundo, diz a Ebomi Ayô para concluir o meu curso de mestrado, então Ana Célia, colega
Vanda Machado sobre o na época, sugeriu que eu falasse com Mãe Stella para realizar minha pesquisa
seu sentimento acerca do
na escola do Afonjá. A partir da convivência no terreiro se deu inicio a uma
Candomblé.
relação de respeito e encantamento pela comunidade.
Educadora e criadora do projeto Irê Ayô, Vanda Machado já foi católi-
ca militante e, antes de ser iniciada no Candomblé, levou Carlos Petrovich
para ajudar Mãe Stella em um seminário com religiosos de todo Brasil. Com
o tempo ele foi levantado Ogã de Ogum, portanto se tornou filho da Casa:
Trouxe meu companheiro para ajudar a minha mãe e ele se tornou Ogã e foi
iniciado antes de mim....Eu não quis o lugar de mulher do Ogã e ser tratada
com deferências. Eu mesma escolhi ser abian. Então eu fui ficando, gostando,
convivendo e dessa convivência aqui no Afonjá que nasceu minha condição de
filha de santo filha de Mãe Stella. Filha do Opô Afonjá.
Relata, eu estava bem, estava apaixonada, tinha um bom trabalho e es-
tava aprovada no mestrado.
Vanda relata também que muitas vezes é convidada para fazer pales-
tras e percebe o preconceito antes mesmo da sua fala, por ser uma Mulher
do Axé: Em alguns ocasiões, na hora de minha intervenção, percebo pessoas
saindo da sala. Declara que nesse momento se sente incomodada pela au-
sência do diálogo com pessoas educadoras que poderiam, juntas, fazer uma
educação melhor para as crianças sem que elas tivessem que abdicar sua re-
ligião de origem. Afinal, é fato que na escola temos crianças de todas as reli-
giões incluindo as evangélicas. Todas elas têm o direito de praticar suas reli-
giões sem interferências.
Tem para si os seus Orixás Oxum e Ogum como seu prumo. Aos 21
anos de feita, declara que ainda é menina. No candomblé, quem tem 21 anos
ainda é menina de candomblé, embora seja uma ebomi ou seja uma irmã
mais velha de muitas filhas e filhos do terreiro... mas sou aburo ou seja, irmã
mais nova de outras tantas pessoas que cuidaram de mim, desde quando fui
iniciada, até hoje.
No candomblé ressalta, precisamos ser tolerantes, saber conviver com o
diferente e sobretudo saber que herdamos a condição de 'malungos'. Essa con-
dição de gente que biologicamente não tem nada a ver com o outro, mas que a
ancestralidade nos uniu e nos fortalece. No Terreiro, aprendemos sobretudo a
ser atentos e cuidadosos com os outros. Essa é uma lição que não posso esquecer.

210
Mãe Vera

V era Fonseca, professora de formação, foi líder comunitária e edu-


cadora durante a maior parte da sua vida, essa experiência ajudou
muito para sua formação pessoal e política.
Filha de Oyá com Xangô, foi iniciada em 1987, pelo Babalorixá Lazaro
Cardoso dos Santos, filho de Mãe Menininha do Gantois. Dudu do Capi-
vari, como era conhecido, foi o maior responsável pela educação religiosa e
espiritual desta filha de Oyá. Durante esse período, vivenciei experiências e
aprendi a importância do compromisso para com a minha religião, tudo que
sei de Axé, foi meu pai que me deu.
Depois da Obrigação de Ebomi, Vera iniciou suas atividades religiosas,
abrindo o Ilê Axé Alakêtu Oyá Mimi D’Aganju, localizado no bairro de Ca-
nabrava, em Salvador. Após 24 anos de atividade religiosa e comunitária o
Terreiro, foi crescendo em números de filhos de Santo o que trouxe a ne-
cessidade de mudança para um local maior.
Foi quando foi presenteada pelos Orixás com o terreno em Mapele, lo-
calizado em Simões Filho. A Ebomi só agradece o presente que recebeu e
diz: Casa de Candomblé pode até mudar de local, mas não pode perder a es-
sência e nem o compromisso, eu sou uma mulher realizada mais cheia de no-
vos planos para o futuro. Axé!

212
Mãe Regina

R egina Costa dos Santos, é mais conhecida com Mãe Regina de


Nesta Religião, tem que entrar
com a cabeça e o coração. Tem que
ter muito amor a este “vento” que
Nanã, tem 64 anos de idade e conta que, com 7 dias de nascida
chamamos Orixá, depois, à sua Nanã a pegou, então foi feito uma obrigação, para que Nanã só vies-
Iyalorixá, ou ao seu Babalorixá e se em terra aos 7 anos de idade.
aos mais velhos.
Oriunda de uma família que sempre teve ligação com o Candomblé, a
avó chamava-se Terciliana de Logum Edé e era Filha de Santo de Procópio
do Ogunjá. As tias e primos são ligadas ao Axé da Casa Branca e os 5 fi-
lhos biológicos, também são do Axé, sendo que 2 dos seus filhos, Júnior e
Márcia, são da Casa de Mãe Edene de Omolu, filha do Terreiro do Gantois.
No seu próprio Terreiro, tem Macson, que é Ogã, Estelita, filha mais velha,
responsável pela administração e Ebomi Vera de Oxumarê, iniciada a 10
anos e Iyalaxé da Casa.
Lembra que já sofreu muita Intolerância Religiosa, conta, que em Vitó-
ria do Espírito Santo, foi acusada de ser drogadita, por estar com a Pemba
de Exu, que confundiram com maconha e a Pemba de Oxalá, que confun-
diram com cocaína, e diz: Mas sei que não foi nada disto meu filho, no fun-
do, foi preconceito e Intolerância Religiosa, sou uma mulher negra e do Can-
domblé, eu bem sei o que vivi.
A primeira Casa que frequentou foi a de Pai Badu de Oxóssi, depois foi
iniciada por Obaraí e recebeu o Deká das mãos de Mãe Senhora de Ewá,
passando assim, para as Águas do Gantois. No ano de 1982, depois de todas
as obrigações em dia, Mãe Regina abriu a sua Casa, o Ilê Axé Nangy Undê,
localizado em Matatu de Brotas.

214 215
Mãe Zil

F ilha, sua mãe vai embora e você vai ter que fazer tudo o que eu não
Não faço mal a ninguém, quando
alguém me faz mal eu rezo por ele,
porque é pobre de espírito.
fiz, vai ter que ter Roça, cuidar de Santo. Atender a este pedido da
mãe no leito de morte, foi o grande desafio de Nelzi. Filha de mãe
candomblecista que trabalhava com um Caboclo, Nelzi fez Santo aos 9 anos
e convivia bem com o Candomblé, entretanto, não tinha obrigações a serem
assumidas na época.
O pedido da mãe era de muita responsabilidade, exigindo muito traba-
lho e dedicação, coisas que Nelzi não queria. Funcionária pública, comer-
ciante, esposa de um homem da Marinha, preferia tocar sua vida sem estas
obrigações, apesar de Mãe Lourdes, uma amiga de infância, insistir para
ela fazer a obrigação para assumir o cargo.
Pouco tempo após o falecimento da mãe, perdeu, em um único dia, a
loja de que tinha na Avenida Sete, em Salvador, por conta da gerente, que,
aproveitando uma rápida ausência dela, saqueou toda loja e desapareceu.
Outras coisas começaram a dar errado, culminando com possibilidade do
término do casamento, foi então que Mãe Zil aceitou sua missão.
Para construir a Roça de Candomblé, cuidou das refeições dos traba-
lhadores da obra do Polo Petroquímico, com o desafio de servir 400 refei-
ções diariamente, com apenas cinco ajudantes. Logo depois, pega serviço
igual em Porto Seco Pirajá, e lá, um colega de trabalho falou de um terreno
que estava a venda em Cajazeiras. Apesar do acesso difícil, o terreno era
bom, mas como tinha apenas um terço do valor para a compra, conseguiu
mais um terço emprestado no banco e no caminho para casa de um agiota,
encontrou uma senhora a quem já tinha atendido com o seu Caboclo, e a
mesma, lhe repassou o restante do valor que faltava. Depois, vendeu todas
as suas joias e construiu o barracão.
Conhecedora das folhas declara: Sem Ossanha, Candomblé não existe.
Humilde, agradece aos que lhe transmitiram saberes: Mãe Tança ensinou
a conhecer e a cantar folha, Mãe Maria José, filha de Miguel Arcanjo,
Chica de Mineiro, Emetério Esmeraldo de Santana, Diná Ingá Abu, dentre
outros. Mãe Zil é de Obaluaê com Oxum e Tempo. Foi iniciada na nação
Angola, mas fez as obrigações no Ketu, declara-se assim, pertencente as
duas nações.

216 217
Ekedi Iray Galrão

N atural do município de Ubaíra, no Centro-sul baiano, pedagoga


Contar lendas africanas nas
escolas tradicionais desta cidade
é algo que deve ser feito com
e professora da disciplina Estudos Africanos, autora de livros e
muito cuidado, sem conotação ganhadora de vários prêmios, a Ekedi Iray Galrão, é também des-
catequista, pois somos nós que cendente de uma família mestiça, de negros e católicos, com herança alemã.
fazemos as crianças racistas... A
Marcada pela responsabilidade educacional, Iray Galrão leva às escolas
minha preocupação é fortalecer as
crianças para que as raízes não se histórias e lendas africanas, trabalhando na perspectiva do enfrentamen-
percam nem sejam destorcidas ao to ao racismo e à intolerância religiosa. Contar lendas africanas nas escolas
longo do tempo... A intolerância tradicionais desta cidade é algo que deve ser feito com muito cuidado, sem co-
religiosa, com o passar dos
anos, traz uma questão política
notação catequista. Minha preocupação é fortalecer as crianças para que as
implícita, que deve ser observada raízes não se percam nem sejam destorcidas ao longo do tempo, pois a intole-
rância religiosa, com o passar dos anos, traz uma questão política implícita,
que deve ser observada, destaca a Ekedi.
Estudiosa do iorubá, Iray Galrão aprendeu muitas lendas africanas com
um amigo africano que lhe ensinara a língua. Admirada com a riqueza das
histórias, Ekedi Iray não hesitou em levar tamanha preciosidade para seus
livros, de modo a difundir a cultura africana por meio da escrita.
Além das influências literárias, a Ekedi, iniciada há 28 anos, ressalta a
importância do Candomblé em sua vida. A religião de matriz africana e os
Terreiros de Candomblé são os celeiros onde estão guardadas toda nossa cultu-
ra, toda nossa raiz, portanto, dignos de respeito, independente da religiosidade.

218 219
Iyalorixá Alda Fernandes

É no setor 1, em Cajazeira X, que está instalado, desde 2000, o Ilê


Mãe Alda ainda não tem a
escrituração do terreno onde
construiu o seu Terreiro, só o
Axé Agô Ogum, Terreiro de Candomblé da nação Ketu liderado por
contrato de compra e venda. Paga Alda Fernandes, Mãe Alda. Iniciada em julho 1996 pelo Babalorixá
IPTU e conta com a ajuda dos filhos Pai Valdinho, da Fazenda Grande do Retiro, Mãe Alda de Ogum rodava
e filhas de Santo para manter a
com o Santo e, sem o entendimento, passou a tomar remédios fortes, com
Casa em funcionamento com a força
e a crença nos Orixás. dosagens cada vez maiores, porém, o problema só piorava. Sem soluções,
ela procurou ajuda psiquiátrica, e foi aconselhada por uma médica psiquia-
tra, a procurar ajuda em Terreiros de Candomblé.
Nesse cenário, Mãe Alda enfrentou outro problema. Como era Abiku,
encontrou algumas dificuldades para ser tratada, principalmente, na situa-
ção em que se encontrava. Passei por tudo isso, até conhecer Pai Valdinho
que aceitou cuidar de minha vida espiritual, me ajudando a equilibrar minha
vida até o momento da iniciação religiosa, conta.
Depois que realizou sua obrigação de três anos, comprou um terreno
em Cajazeiras X, local no qual colocou seu Orixá, e passou a realizar ses-
sões quinzenais para o Caboclo Boiadeiro. Mas foi após receber o Deká,
na obrigação de sete anos, que passou a desenvolver suas funções de
Iyalorixá. Atualmente, sua Casa possui 26 filhas (os) de Santo iniciadas
(os) e confirmadas (os). Além de prestar assistência espiritual, a Iyá dis-
tribui cestas básicas do programa Fome Zero para as famílias em situação
de vulnerabilidade.

220 221
Iyalorixá Jacira de Yansã

A dministradora, pedagoga e teóloga, Oyá Demi Ketu, mas conhe-


Eu gostaria que minha mãe
estivesse viva para ver tal
evolução na educação. O quanto
cida como Mãe Jacira de Yansã, ficou viúva aos 30 anos e criou
as mulheres conquistaram os sozinha seus 14 filhos (3 biológicos e 11 afetivos). Sua história de
espaços de poder e a importância vida foi escrita no solo firme do Terreiro Oyá Padê da Romeia, onde foi rea-
do conhecimento para vida das
lizada sua feitura, pelas mãos da Mãe de Santo Alice Maria da Cruz, esposa
pessoas. A mulher hoje tem a
necessidade de saber e de resgatar de Mestre Bimba.
aquilo que se perdeu... O Terreiro Oyá Padê da Romeia, localizado no bairro da Santa Cruz
foi também, espaço sagrado da feitura de seu filho, o Babalorixá Jadson de
Oxóssi, No dia da feitura ocorreu um incêndio no Terreiro, que me deixou as
cicatrizes que tenho até hoje, mas isto só reforçou minha fé, conta. Mãe Jacira
ainda tem os outros filhos biológicos iniciados: a Ekedi Amanaiara, e Paulo
Cesar, que é Axogum.
Apesar das críticas e discriminações, por conta de sua dedicação ao
Candomblé, Mãe Jacira, além de seu sacerdócio no Ilê Axé Ibá Lugan, ter-
reiro que ela fundou no ano de 2000, no bairro de Paripe, é uma líder co-
munitária com inserção nas questões políticas, e com especial atenção à
formação da juventude e das mulheres. Precisamos estar na defesa religiosa
e étnica de nosso povo, reconhecendo a importância da legalização dos Terrei-
ros, além de defender a criação de uma faculdade onde se estudem as religiões
de matrizes africanas, completa.

222 223
Iyalorixá Estelita de Oyá

I yalorixá Estelita nasceu no dia 27 maio de 1919, filha da Orixá Oyá,


no ano de 1951, foi iniciada no Candomblé, pelo Babalorixá Severiano
Porto, filho de Logun Edé, no Ilê Axé Kalè Bokun, Terreiro da nação
Ijexá, situado no bairro de Plataforma.
Como muitas outras grandes sacerdotisas, a Iyalorixá Estelita, resistiu
muito para assumir o Terreiro, mas, contou com todo o apoio da Mãe Mari-
cota da Conceição, filha do Orixá Oxalufan, que mesmo com idade bastante
avançada, deu muito apoio a filha carnal, e relembra: Também tive muito
apoio da Ebomi Nila de Osun, do terreiro Casa Branca.
Com tanto suporte espiritual, compreendeu melhor a sua missão, e a
responsabilidade que foi dada por Orixá. Então, no fim dos anos 1960, al-
guns anos após o falecimento do seu Babalorixá, resolveu morar no terreiro
e tomar conta dele.
Hoje, com as graças de Olodumaré e Orixá, ela continua entre nós,
brindando-nos, do alto dos seus 94 anos de vida, dos quais 62, são de de-
dicação ao Candomblé.

224
Iyalaxé Vânia de Oyá

N a vida civil, Vânia Amaral. Na religião, Mãe Vânia de Oyá. Uma


No início, enfrentei o conflito
interior em assumir a identidade
de mulher negra adepta da religião
mulher de 49 anos de idade, dos quais, 29 dedicados ao Orixá.
de matriz africana. Todavia, Filha biológica de Ekedi Anita, Mãe Vânia de Oyá vem de uma
o Orixá mostrou o caminho e família tradicional de Religião de Matriz Africana, e sempre viveu rodeada
confortou minha dedicação.
dos ensinamentos do Candomblé.
Com o cargo de Iyalaxé, insígnia conferida aos que tomam conta do
Axé, Mãe Vânia, conta que no início, enfrentou um conflito interior em as-
sumir a sua identidade de mulher negra adepta da religião de Matriz Afri-
cana. O Orixá mostrou-me o caminho e confortou minha dedicação.
Muito consciente e crítica, a Iyalaxé, na condição de pesquisadora da
religião, destaca a necessidade de evoluir. O preconceito e a intolerância re-
ligiosa são atitudes medíocres e mesquinhas, as quais eu refuto fortemente,
ressalta. Mãe Vânia de Oyá, destaca ainda, a importância e o prestígio das
mulheres no espaço da religião e na sociedade de um modo geral.

226 227
Iyalorixá Helenice de Oxum

A história de força e coragem da enfermeira aposentada Helenice Brito


da Silva remonta a sua adolescência. Com 6 irmãos para criar, após a
morte da mãe, e mais tarde, com o nascimento de 4 filhos, e a sepa-
ração, a Iyalorixá Helenice, assume sozinha os cuidados com a família.
Iniciada aos 34 anos de idade, Mãe Helenice, relembra as mudan-
ças e vitórias concebidas após sua feitura. São muitas as dificuldades
em assumir uma família sozinha, mas afirmo que, depois de ser iniciada,
minha vida foi somente alegria. Fiz a vontade do Orixá e o mesmo cor-
respondeu em tudo, relembra.
Hoje, aos 82 anos, tornou-se matriarca. Matriarca com netos e bisnetos,
Iyá Helenice, ressalta a importância da religião, da família e da educação
como fator fundamental na vida das pessoas. O Candomblé é uma fonte de
vida, tem remédio para tudo. Orixá é vida e amor, conclui.

228 229
Ebomi Márcia de Ayrá

C onta-nos Ebomi Márcia de Ayrá, no auge dos seus 44 anos,


No Candomblé, o que conta é
a sabedoria dos mais velhos e
o respeito para com eles acima
que, destes, 22 anos foram consagrados aos Orixás. Nos pri-
de tudo. meiros tempos, sofria muito com fortes dores de cabeça, passa-
va mal na rua e tinha dificuldades na escola. Somados, foram sete anos
de Abiã na Casa Branca vivenciando o dia a dia da religião e seus en-
sinamentos cotidianos, se preparando para ser iniciada para Xangô.
Aí veio a surpresa. Quem respondeu foi Ayrá, e como este Orixá só veste
branco, Mãe Tatá e Mãe Kutu tiveram que arrumar outro enxoval, pois o
que havia preparado continha os tecidos coloridos do Orixá.
Hoje, a Ebomi Márcia de Ayrá é também membro da Igreja Messiânica
do Brasil. Acredita que é muito importante que as escolas ofereçam o ensi-
no religioso, principalmente de matriz africana e defende também o uso da
internet como meio de apresentar o Candomblé para o mundo.

230 231
Hunsó Rita

R ita Maria Rodrigues é Hunsó do Terreiro Vodun Zô, no Curuzu.


Desde que me entendo por gente
que sou do Candomblé. Toda a
minha família, exceto meu pai,
Roça que tem mais de 100 anos e possui forte relação com toda a co-
foi do Candomblé. Luto todos os munidade do bairro. O Terreiro provê para a comunidade projetos
dias para preservar a minha fé e sociais e, principalmente, apoio espiritual. Rita Maria é uma mulher forte e
chegar cada vez mais longe com
de poucas palavras, de riso fácil e muita sabedoria.
a minha religião
Desde que me entendo por gente que sou do Candomblé. Toda a minha fa-
mília, exceto meu pai, foi do Candomblé. Luto todos os dias para preservar a
minha fé e chegar cada vez mais longe com a minha religião.
Com 34 anos no Terreiro Vodum Zô e 38 anos de iniciada, percebe
que a intolerância religiosa é a falta de interpretação que algumas pes-
soas têm a respeito das religiões no geral. Acredita que com a fé tudo se
consegue e dá exemplos de como a falta de informação dificulta a com-
preensão. Certa vez estava em minha casa e uma criatura quis me questio-
nar e me falar coisas sobre o Candomblé, eu disse que tudo bem; mas antes de
você avaliar a minha religião saiba que podemos discutir sobre a sua também.
Vamos discutir as duas, eu falo da minha e você da sua. Mas ela não aceitou,
foi embora.
Hunsó Rita prega que a educação e o respeito são coisas fundamentais
para a vida e sobretudo para o Candomblé, é feliz com seus filhos de Santo
e que sobretudo os respeita, pois é assim que deve ser, os mais novos respei-
tar os mais velhos e os mais velhos respeitar os mais novos, somos todos seres
humanos e merecemos respeito.

232
Mãe Dete de Ogum

A nisdete de Jesus é Iyalorixá do Ilê Axé Odô Boji, tem 67 anos de


Se fosse necessário eu
faria tudo de novo, porém,
iniciaria no Axé muito
idade, e 42 de iniciada. Fez Santo em 1972 no bairro de Luiz An-
mais cedo. Emocionada, selmo, e, após o falecimento de sua Mãe de Santo, fez a obrigação
ela afirma também que seu de 14 anos com Pai Lídio Mascarenhas, de quem recebeu o Deká. Dete de
progresso está intimamente
Ogum iniciou sua vida religiosa com muita força e resistência. Um história
ligado aos Orixás.
marcada pelas retaliações e preconceito dos familiares diante da decisão de
assumir o Candomblé com fé e amor aos Orixás.
De acordo com Mãe Dete de Ogum, agressões físicas e as roupas de
ração jogadas na rua, motivaram ainda mais sua decisão de deixar a casa
de seus pais. Após ter saído da casa de meu pai, passei algum tempo viven-
do de favor na casa de outros familiares, quando comecei a trabalhar como
empregada doméstica em casas de família, relembra. Aos 27 anos, Mãe Dete
foi iniciada no Candomblé. Se fosse necessário, eu faria tudo de novo, porém,
iniciaria no Axé muito mais cedo. Emocionada, ela afirma também que seu
progresso está intimamente ligado aos Orixás. A única explicação para que
eu, na condição de mulher negra, pobre, e sem apoio da família, conseguisse
chegar aonde cheguei foi a fé e a misericórdia do Orixá.
Atualmente, Mãe Dete desenvolve trabalhos comunitários com jovens
do bairro, acredito que as crianças são o futuro da religião e, sobretudo, do
nosso país.

234 235
Mãe Vadinha de Omolu

E dvaldina Alves de Souza, é Dona Vadinha, oriunda de uma famí-


Tudo isso só reforçou a certeza
de que a única forma de
vencer todos esses preconceitos
lia na qual boa parte é de fiéis do Candomblé, Edivaltina Alves de
viria de minha base, qual Souza, foi uma criança muito doente, que encontrou nos cultos e
seja, a educação. oferendas a cura para suas doenças, e, apesar do preconceito paterno, aos
14 anos, foi iniciada na religião por Tia Bini, assim chamada por ser filha
de santo da sua mãe biológica.
Filha biológica da Doné Sibeboran, de Aziri Tobossi, e neta do famoso
Manoel Falefá, também conhecido como Manoel da Formiga, foi no berço
de uma relação maternal e familiar, que, desde muito cedo, Mãe Vadinha
aprendeu os ensinamentos do Candomblé. Tudo isso só reforçou a certeza
de que a única forma de vencer todos esses preconceitos viria de minha base,
qual seja, a educação, reconhece.
Mãe Vadinha, juntamente com sua mãe biológica e antiga responsável
pela Casa, Doné Sibeboran, falecida em 1992, abriu uma escola comunitá-
ria, que chegou a atender mais de 100 crianças no bairro de São Marcos,
numa proposta que incluía aulas, alimentação e toda infraestrutura neces-
sária para o aprendizado. Hoje, além de cuidar do seu Terreiro, que possui
um histórico ligado a Nação Gêge, o Ilê Omo Ketá Posum Betá (Casa dos
Filhos do Posum Betá), também é a responsável pelo Centro Comunitário
Tia Dalá, uma referência na comunidade, distribuindo cestas básicas, brin-
quedos, além do auxílio educacional.

236 237
Mameto Kamukenge Moagi

Y êda Maria Ferreira dos Santos Meslei, é mais conhecida como Moagi,
A partir desse momento eu não
mais seria cuidada, passaria a
cuidar das pessoas
seu nome de iniciada em uma Casa de tradição Bantu, é mulher de
Ngunzo. Formada em filosofia pela UFBA, funcionária pública, sua
trajetória religiosa começou após o seu nascimento, quando, ainda peque-
nina, rodou no Santo. Como era muito nova, seus mais velhos fizeram um
trabalho para resolver a situação momentaneamente.
Filha biológica de Tata Kiwonda e Alina Conceição viveu uma vida co-
mum até os quatorze anos de idade, quando o Santo voltou a se manifestar.
Entendendo o recado dos Inquisses, seus pais, mais uma vez, pediram
para que o Santo esperasse a garota terminar os estudos e se formar. Então,
foi iniciada por Kwendenbala em Julho de 1975, é neta de Sinamewã e bis-
neta de Deré Lubidi. Atualmente, exerce a função de Mameto Kamukenge
do Terreiro Tumba Ngongo Sara, que tem estreita relação com o Terreiro
Tumba Junsara, terreiro este fundado por Ciriáco, em 1919, na ladeira da
Vila América.
Moagi afirma em sua entrevista que um dos momentos impactantes da
sua vida na religião foi quando foi escolhida para ser Mameto Kamukenge
(Mãe Pequena).A partir desse momento eu não mais seria cuidada, passaria
a cuidar das pessoas.

238 239
Mãe Nelma de Oxum

N elma Neves dos Santos é a Iyalorixá do Ilê Axé Ieu Ieu Jimum. Foi
Nelma se sente uma mulher
feliz e realizada, cumpri o
meu papel, fiz o que havia de
iniciada em outubro de 1979, na Casa da Iyá Caji em Itapoan, por
ser feito, e, enquanto o Orixá Neve Branca. Fez suas obrigações de 07 e 14 anos com Nilberto,
quiser, estarei aqui servindo e filho de Isolina, do Opô Afonjá.
Oxum, minha mãe.
Nelma, antes da iniciação, frequentava, sem compromisso, uma Casa
de culto, na década de 60, adorava o Angorossi. Certa vez, a pessoa que
dava as sessões a convidou a participar de uma obrigação e Nelma a acom-
panhou, foi o início de tudo. Nesse dia Nelma teve seu primeiro contato
mais intenso com os Orixás. Um tempo mais tarde, durante uma missa
na Igreja de São Bento, teve uma crise de choro incontrolável, não sabia
explicar o motivo.
Nelma foi à casa de um pai de Santo no bairro do Uruguai, ele morava
em uma casa em cima das palafitas e ela saiu de lá com uma nota para ebó,
isso em 1974. Fez o que havia sido orientado e foi se relacionando cada vez
mais com pessoas ligadas a religião até ser iniciada. Nelma morava no IAPI,
mas tinha uma casa de praia em Itapoan, para onde levou Oxum, e passou
a realizar pequenas cerimônias religiosas. Oxum botou o pé e queria que ali
fosse construído o Ilê Axé e assim foi feito. O Ilê Axé Ieu Ieu Jimum, Casa
de Oxum com Xangô na cumeeira, pertencente a nação Ketu, conta com
uma boa relação com a vizinhança, pois há também uma compreensão da
Casa para com os horários das atividades religiosas.

240 241
Três gerações de Axé

B acharel em Direito, pós graduada em Direitos Humanos, formada em


Na página ao lado, Mãe Vera
aparece sentada ao lado de sua
filha Deá Clarissa Soares (esq)
Letras com Francês, Iyalorixá e Mulher de Axé. Esses são alguns dos
e sua mãe biológica Everaldina títulos que podem ser atribuídos à Vera Lúcia Soares Moreira, uma
Conceição Soares (dir). mulher de presença forte, personalidade inconfundível e líder do Ilê Axé
Oyá Mynilê, iniciada para Oyá Balé em julho de 1975.
Mãe Vera tem mais de 100 filhos(as) de Santo. A Casa tem mais de trin-
ta anos de fundação e é da nação Nago Vodun. Conhecida pelo alto astral e
alegria, características que lhe são pertinentes. Ajuda muito às pessoas sem
esperar nada em troca.
No Ilê Axé Oyá Mynilê podemos encontrar a força da tradição ances-
tral perpetuada em três gerações que tiveram seu começo através de Eve-
raldina Conceição Soares, de Oxóssi, seguida de sua filha biológica, Vera
Lúcia, de Oyá, e de sua neta, Déa Clarissa, de Ogum. Três mulheres plenas,
que guardam e perpetuam a tradição ancestral.

242 243
Nengwa Mutalewá

N engwa Mutalewá nunca foi à África, mas descreve este continen-


Nivalda de Deus Salles, do
Terreiro Pena Branca, aos 73
anos, conta que é regida pelo
te como ninguém! Para ela o Candomblé é vida, é natureza. Sua
seguintes Orixás: Oxóssi, Oxum e dijina é Nengwa Mutalewá e buscou o Candomblé por problemas
Oxalá e conta que os seus 3 Santos de saúde, antes disso, frequentava o Espiritismo. Depois de um tempo, seu
comem de vez.
guia espiritual lhe falou que sua linha era de azeite, seguiu então para o
Candomblé e o Caboclo passou a guiar seu caminho. Relata que, certa feita,
Oxóssi lhe apanhou e disse tudo que queria que ela fizesse, dali em diante
começou a realizar as vontades do Orixá.
Conta que sua família toda tem vertente no Candomblé, dos seus filhos
aos seus netos, e em sua Casa realiza a festa de Pena Branca todos os anos.
Aos 48 anos de iniciada, relata com entusiasmo sua trajetória no Candom-
blé. Com mais de 30 filhos de Santo, ainda se vê com forças para lutar mais
a cada dia.
Conta que sua irmã foi esposa do poeta Vinicius de Moraes e feita no
Santo por ela com o apoio da vizinha e de seus familiares e que, mesmo
com o assédio dos crentes que a importunavam, manteve a sua força e luta
mostrando a importância de se combater à intolerância religiosa e buscar o
respeito em qualquer que seja a religião.
Versátil, já deu aula de costura, já foi cabeleireira, fez artesanato para
seu sustento e para capacitar as mulheres de sua comunidade, onde tem
uma boa convivência com a população do entorno do Terreiro devido às
ações sociais que realiza. Faz muito tempo que luta contra o preconceito
contra as mulheres, fui jogadora de futebol, sou torcedora do Bahia e joguei
no Ipiranga de ponta esquerda autêntica! Ia para cima dos jogadores, brigava
muito e não tinha medo de dividir a bola, caia pra cima! Também integrei a
primeira polícia feminina do país, mas só fiquei durante 3 meses por causa
de resistência do meu pai biológico.

244 245
Mãe Risalva

F ilha de Oxalá, Mãe Risalva é a sacerdotisa responsável pelo Centro


Tenho verdadeiro amor
pelo meu povo, me sinto amada e
por onde andei tenho certeza que
da Cabocla Jurema, de tradição Angola e localizado em Matatu de
plantei flores. brotas. A sua história na religião mistura ousadia e lições de moral.
Ela acredita que os Inquisses são amor, mas também são da justiça. Aos 64
anos de idade é uma mulher irreverente, alegre e demonstra, através de
palavras, o amor por sua missão, Fui iniciada aos 7 anos e ao completar 11
anos fui exigida pelo meu Santo que iniciasse o meu caminho. Hoje se alegra
ao relembrar a situação e tem uma verdadeira adoração pelo que faz.
Entrei na área de cura e é uma coisa que venero. Diz Mãe Risalva, satis-
feita por fazer da vida um exemplo de vitória.
Agradece aos Orixás por ter chegado tão longe e afirma: Tenho verda-
deiro amor pelo meu povo, me sinto amada e por onde andei tenho certeza que
plantei flores.

246 247
Mãe Ladê de Oxum

N oêmia Pereira Alves da Silva, tem 77 de idade, e foi iniciada há


A religião é tudo o que há de mais
importante em minha vida
38 anos, no Terreiro Estrela do Mar, no Alto da Bananeira, em
Plataforma, por Mãe Maria do Nascimento Costa, conhecida como
Diamaze, filha de Zé do Mocotó.
Com um histórico de saúde frágil, e constantemente doente, Mãe Ladê
tinha dores de cabeça com frequência e mesmo tendo feito muitos exames,
os médicos não acharam a origem. Sua prima, ao ver seu sofrimento, a con-
vidou para ir a uma sessão de Caboclo no bairro da Liberdade e, logo ao
chegar, o Caboclo conversou com ela e informou quanto a necessidade de
se fazer o Santo, de cuidar do seu legado ancestral.
Informa que, a princípio, não aceitou a ideia, mas seu esposo a conven-
ceu e, meses depois, retornando ao Terreiro a uma festa de Nanã, acabou
ficando por lá, fazendo o Santo e saindo depois de três meses. Relata que
sua família toda é da religião. Hoje diz, a religião é tudo o que há de mais
importante em minha vida. Dedicando-se completamente aos Orixás. Na sua
época, a doutrina e o respeito sempre foram a centelha que mantinham a
chama da religião acesa.

248 249
Ebomi Regina de Iemanjá

F ilha de Mãe Menininha e crescida numa Roça de 160 anos, é uma das
A intolerância não
combina com o
Candomblé, o Candomblé
Ebomis da geração que permaneceu na Roça Gantois e tem a preocu-
é uma coisa linda! pação com a preservação da religião, pois acredita que o aprendiza-
do deve ser longo e bonito.
Desde criança vivendo junto a Mãe biológica no Candomblé, cresceu
sem poder admitir na escola a sua religião por questões de intolerância, pas-
sou um tempo tendo que assumir uma religião a que não pertencia. A in-
tolerância não combina com o Candomblé, o Candomblé é uma coisa linda!
Iniciada adulta e, hoje, aos 75 anos de idade, Ebomi Regina é de uma
família biológica que respeita e aceita a religião, e fala com sabedoria sobre
a questão de pertencer ou não ao Candomblé: Nossa cultura tem um hábito
de não catequizar ninguém. Simplesmente as portas estão abertas, criei meus
filhos dentro dessa cultura e eles respeitam e sabem o quanto é lindo e culto.
Mãe Regina tem um importante discurso sobre o valor que é preciso
dar ao Candomblé, ela considera a observação e o respeito para viver den-
tro da religião, comenta: O povo tem que aprender a observar com paciência
o desenrolar de tudo. As músicas, as danças e os ensinamentos. No Candom-
blé quanto mais se sabe, mais se aprende.

250
Iyalorixá Valdete

M ãe Valdete ou Mãe Val, tem mais de 20 anos de iniciada, chegou


no Axé pela dor, e hoje permanece por amor, no Centro Cabo-
clo Eru da Aldeia de Jequiriça. Sua historia na religião começa
aos 7 anos de idade, pois vivia doente. Certa vez ficou em observação, no
hospital, por 3 dias, sem saber qual era a doença que a acometia, foi então
que uma senhora chamada D. Amélia, disse a sua mãe que o problema da
criança era espiritual. Juntas, mãe e amiga chamaram o médico e assumi-
ram a responsabilidade pela retirada de Valdete do hospital.
Ao chegar na Casa de D. Amélia, ela trocou língua com o santo e ele
mandou um recado a sua mãe: Camarão que cochila a maré leva.
A mãe, devido ao preconceito, tinha medo de se envolver com o Can-
domblé, mas como a filha estava sofrendo assumiu a responsabilidade pois
foi convencida de que Olorum, queria fazer da sua criança um instrumento
pra ajudar muita gente e fazer muita caridade.
D. Valdete confessa: gostaria que o candomblé fosse mais respeitado e
valorizado, que, quando as pessoas nos vissem com a roupa do axé e nossas
missangas, tratassem com respeito, pois cada um cumpre a sua missão. Se-
ria bom que pessoas de outras religiões fossem fazer uma visita ao outro pra
verem que o candomblé é uma coisa bonita, de matriz africana e eu exijo res-
peito, gente.
Antes quando eu passava vestida com os trajes da Religião, via pessoas
que se benziam, uma vez parei e disse a eles: Gente, eu não sou igreja não, pra
quando vocês me verem, ficarem se benzendo.
Mãe Val tem três grandes paixões ancestrais: o seu Axé, o seu Caboclo
e o seu Samba Viola de Marujo. Ama muito a família e adora fazer caridade,
por isto, ama a sua religião e pede respeito.

252 253
Iyalorixá Lurdes de Yansã

L urdes Santos Costa, tem 74 anos de idade, e 54 anos de iniciada no


Uma vez minha filha foi
chamada de macumbeira e eu
disse; filha, macumbeira é o
Candomblé. Lurdes de Yansã, como é mais conhecida, é a Iyalorixá
que você é. Macumbeira é gente do Terreiro Auê Tedô, uma Casa de herança africana com fundamen-
de saúde. Os médicos curam e o tos em ketu. Ela não acreditava que as pessoas recebiam Orixá, até bolar
Candomblé também.
pela primeira vez, aos 20 anos de idade, quando foi iniciada por sua madri-
nha, Mãe Joana de Tupi, que se tornou sua mãe de Santo.
A Roça onde é Sacerdotisa, tem 160 anos de existência, e nela Iyá Lur-
des atende as pessoas da comunidade promovendo curas e realizações espi-
rituais. A Iyá fala também da relação com os filhos de Santo para ela quan-
tidade não é qualidade. Nenhuma Mãe de Santo segura uma Roça sozinha e
também ninguém é obrigado a viver 24 horas na Roça, mas quando preciso
estão todos aqui! Isso é qualidade!
O Terreiro que ia até a Bonocô é da época de quando a polícia monta-
da fechava os Candomblés e, segundo ela, tem uma história interessante de
resistência ancestral: Bonocô era o nome de um egum que morava na baixa
que levava o seu nome, em um espaço todo fechado de bambu. Arrancaram
o bambuzal e o pé de Iroko, mas o nome da rua continuou, é Bonocô até hoje.
Sobre a tradição na religião diz: Quando eu faço Candomblé, primeiro
quem come são os Santos dos antepassados, afinal tenho o Axé do povo que
viveu aqui. Não faço desfeita! Mãe Lurdes de Yansã tem o seguinte lema: No
Candomblé tem que se respeitar um ao outro, respeitar Santo feito e Santo de
Abian. O princípio é o respeito.

254 255
Alaíde do Feijão
Eu sempre digo que minha
patroa foi minha mãe, meu
patrão foi minha mãe, minha
escola foi minha mãe, minha
universidade foi minha mãe.
U ma das maiores referências baianas da tradicional atividade de qui-
tuteira, Alaíde da Conceição, mais conhecida como Alaíde do Fei-
jão, filha de Obaluaê e Ogum, iniciou sua trajetória ainda muito
nova, quando ajudava sua mãe na venda do feijão em um tabuleiro na Praça
Cairú (Cidade Baixa), em frente ao Elevador Lacerda.
Com a aposentadoria da sua genitora, há cerca de 20 anos, Alaíde as-
sumiu e transferiu a venda do tradicional e saboroso tempero do feijão
para um restaurante no Centro Histórico de Salvador (Pelourinho), no
qual passou a atender uma clientela cada vez maior de baianos, brasileiros
e estrangeiros que visitam a cidade do Salvador. Me orgulho em dizer que,
durante todo tempo de existência do nosso restaurante, tivemos a participa-
ção de filhos, sobrinhos, netos e bisnetos; e, com essa renda, temos mantido
uma grande família de mais de 20 pessoas, ressalta Alaíde. Experiente, ela
frisa ainda, que trabalhar no restaurante e saber temperar bem a comida
é uma tradição familiar que passa dos mais velhos para os mais novos, da
mesma forma que acontece em nosso Candomblé de Angola (religião de ma-
triz africana).
Na história da Ebomi Alaíde, perpassa ainda, dois grandes orgulhos:
sua Mãe de Santo (Mãe Xagui) e sua mãe consanguínea.

256
Ebomi Ivone de Ayrá

I niciada no Ilê Axé Iyá Nassô Oká, o Terreiro da Casa Branca, por Alta-
mira Cecília dos Santos, Mãe Tatá, Ebomi Ivone de Ayrá, é Adoxo do
terceiro Airá da Casa na atualidade.
Entrou no candomblé por questões de saúde, as quais foram resolvidas,
e depois de um tempo acabou se casando com Arielson Chagas, Elamoxo
da Casa, mais conhecido como Pai Léo, que é confirmado para Oxalá e, é
nora da inesquecível Mãe Nitinha de Oxum.
Tem orgulho de ser do Axé e respeita todas as religiões, para ela, o can-
domblé é tão importante e significativo que a toda a família tem relação di-
reta com a Religião. É mãe biológica de 6 filhos, sendo que as suas 4 filhas
biológicas são do Terreiro da Casa Branca, 2 confirmadas Ekedis e outras 2
iniciadas para Orixá. São elas: Ekedi Leliane, filha pequena de Ebomi Nice
de Yansã e confirmada para a Oxum de Mãe Tatá, Nadja, conhecida como
Ekedi Nai, também confirmada para Oxum, Ebomi Patrícia de Iemanjá e
Rebeca de Oxaguiã que é uma Yaô de respeito.
Com certeza o Axé agradece por uma família tão especial e comprome-
tida com a Religião.

258
Nengwa Aída de Dandalunda

A ída Almeida Costa tem 78 anos de idade, 39 de iniciada, é mais


Sempre fui amada e
tratada muito bem. Amo
a minha religião.
conhecida como Mãe Aída de Dandalunda, tem Casa aberta desde
1978, o Terreiro Abassá de Amaze, localizado na Vila América,
onde iniciou as atividades com Giro de Caboclo.
Após o falecimento da mãe quando tinha 14 anos de idade, foi coloca-
da em um internato, de onde só saiu quando já estava com o casamento ar-
rumado. A entrada no candomblé deu se por motivo de doença, o que lhe
causou transtornos familiares, uma vez que o marido era muito ciumento,
e não a desejava na religião. Lembra que certa feita sentiu dores muito for-
tes na perna, não podendo andar direito. O motorista de taxi que a condu-
zia até o hospital também era do Candomblé e, em determinado momento
ele percebeu que Aída estava incorporada, virada no Santo, e logo depois,
perdeu a direção do veículo que acabou capotando. Como nenhum dos dois
sofreu ferimentos, o motorista entendeu que o melhor a ser feito seria leva-
la até um terreiro, pois o caso era de Santo diz, e ele acabou deixando-a na
Casa do Babalorixá Luiz da Muriçoca.
Entretanto, o processo de iniciação só aconteceu depois que o seu ca-
boclo concedeu uma graça ao Ogã Hilário, do Terreiro de Oxumarê. Satis-
feito, ele a levou para o Terreiro de Jaminajô, filha de Ciriáco, com quem
a mesma acabou se iniciando, e, 7 anos depois, fez as devidas obrigações e
abriu a sua própria Casa. Devotada ao Axé, e sempre a serviço da religião,
Mãe Aída já viajou por alguns países do mundo: Estados Unidos, Argenti-
na, Suiça, Nigéria são alguns deles.
Quando questionada acerca do candomblé diz: O candomblé é uma
religião que tem muita raiz, ancestralidade, é uma religião para quem sabe
amar e tem fé.

260
Iyakekerê Sandra Bispo

N ascida na Avenida Vasco da Gama, Sandra Maria Bispo, aos cinco


Que a mãe da criação,
Iemanjá que é água que não se
prende, Yá Orí, abençoe a todos.
anos de idade foi morar no Garcia, à Rua Prediliano Pita, número
33. Devido ao falecimento do pai, quando tinha 12 anos de idade,
mostrou a sua personalidade forte, determinação, e, teve que ser muita
compreensiva frente aos problemas do dia a dia, e suspira emocionada:
Ah, meu pai! Ele foi batizado com o nome de Roque Manoel Bispo, era ho-
mem de Omolu, apelidado como Roque Bala de Bronze, era um tipo bonito,
alto, negro e de cabelos lisos. Músico e bombeiro hidráulico da UFBA, mas
acima de tudo, era Ogã confirmado no antigo Terreiro do saudoso Babalori-
xá Paulo do Brongo.
A mãe biológica, Helena Evangelista Bispo, advém do Terreiro da Ya-
lorixa Risoleta de Ogum de Ronda, filha de Santo do Babalorixá Procópio
de Ogunjá, da linhagem Gêge. Apelidada de Mocinha, a mãe era uma mu-
lher de Iansã, irmã de Seu Hilário de Xango, marido da saudosa Iyalorixá
Simplicia de Ogum DKisse, e era considerada pela Iyalorixá Simplícia como
confidente e pessoa de confiança. Apesar de seus nove filhos biológicos,
assumiu ajudar a criar a filha de Mãe Simplícia, Mayé Tânia e o Ogã Hi-
larinho, assumindo a responsabilidade, de muitas vezes, guardar a chave
da sala do jogo da então Iyalorixá do famoso Terreiro de Oxumarê. A mãe
biológica inclusive, foi suspensa como Ekede de Ogun Dkisse, chegando a
ser borizada no Terreiro.
Sandra Bispo foi iniciada no Axé, como filha de Iemanjá Ogunté com
Obaluaiê, no Terreiro Ilê Axé Odé Omim, fundamento Oxossi em Simões
Filho,tendo como Yalorixa a saudosa Mãe Hilda Jitolú, de origem Gêge da
Cacunda de Yaiá, e, como Mãe Pequena, a Iyalorixa Pastora de Iemanjá
Ogunté do Ylê Axé Maroketo, filha de santo do Babalorixá Procópio de
Ogunjá.
Batizada como Sandra Maria Bispo, é socióloga de formação acadêmica,
e conclui: Para minha felicidade ser mais completa, fui escolhida pelo destino
a fazer parte do Axé Oxumarê desde 1987. A Iemanjá de Mãe Nilzete através
do jogo, escolheu a minha Orixá, Iemanjá, para assumir o cargo de Iyakekerê
do Terreiro, em março de 1988. Cargo que aceitei com muita honra, afinal nos-
sa alegria é que a nova geração nos desafia a esboçar a nossa própria história,
num exercício da mente, da emoção e orgulho em rever nossos caminhos percor-
ridos com tanta dignidade, coragem e determinação.

262 263
Mãe Obá

T erezinha Souza Barbosa é Mãe Obá, uma importante Mulher


de Axé, filha de Xangô, Iyalorixá do Ilê Axé Obá Inã, locali-
zado no bairro de São Caetano, Salvador. Foi iniciada por Pai
Vardinho em outubro de 1968.
Filha biológica de Dona Almerinda, frequentava desde cedo o Can-
domblé de Vardinho, aos 16 anos passou a ter várias crises, que, segundo
os mais velhos, se tratava de influência dos Orixás. Aos 18 anos de idade,
bolou, mas não aceitava a iniciação.
Passou por grandes dificuldades. Perdeu a casa, foi abandonada pelo
esposo e foi morar de favor na Casa de seu Babalorixá. Até que, após um
recado do Caboclo, sua vida começou a se organizar. Num determinado
dia, o Caboclo veio em terra, juntou a família e os amigos e disse que se eu
aceitasse minha condição, ele resolveria tudo na minha vida. Como assim ele
o fez, relata. Uma semana depois, um caminhão com material de construção
estacionou em frente a um terreno pertencente a Mãe Obá e começou então
a construção do Ilê Axé Obá Inã.
Hoje, em reconhecimento e homenagem a sua atuação no bairro, uma
das praças da comunidade tem seu nome.

264 265
Ekedi Noélia de Nanã

V inda de uma família tradicional de Religião de Matriz Africana,


Ekedi Noélia tem boa parte
da sua vida dedicada ao Axé e
afirma desejar ver o dia em que
Ekedi Noélia inicia sua vida no Axé muito cedo. Logo aos três
os povos se confraternizem. anos de idade foi suspensa. Aos sete, confirmada. Neta biológica
da finada Mãe Tansa e filha de Santo de José Viturino Cerqueira, tem
uma história no Axé de muito respeito, dedicação e reconhecimento.
Essa Mulher de Axé que, desde muito cedo, sempre lutou pela valoriza-
ção da nossa cultura e pelo respeito ao Candomblé, é professora e pedago-
ga. No curso da sua história, sempre buscou o caminho através da educação
para todos aqueles que estavam no seu entorno. Entende que esse é o ca-
minho para a consolidação da nossa religião e para o fim da discriminação.
Mãe biológica de um filho, Ekedi Noélia tem boa parte da sua vida de-
dicada ao Axé e afirma desejar ver o dia em que os povos se confraterni-
zem. Garante que a sua luta é muito mais do que dizer que é de Axé, mas
sim fazer todos entenderem que somos multiplicadores de uma religião que
exige doutrina, dedicação e muito amor.
Atualmente, Ekedi Noélia vem dedicando parte considerável do seu
tempo para cuidar da agenda que ampara os povos tradicionais, a luta
contra a intolerância, contra a descriminação racial e o preconceito con-
tra as mulheres.

266 267
Ebomi Neuza de Xangô

N euza Conceição Cruz é filha de Jonas Benedito Cruz, Ogã do


Gantois. Gostava de apreciar o Candomblé na Casa Branca. Aos 23
anos, apresentou graves problemas de saúde, dos quais os médicos
não descobriam a causa. Uma Ekedi de nome Jilu, disse a ela que seu pro-
blema era espiritual e que ela estava resistindo ao Orixá.
Foi iniciada para Xangô, em Outubro de 1979, pela Iyalorixá Marieta
Cardoso. Teve como Mãe Pequena Erisvalda Nem, da qual faz questão de
afirmar que foi uma das pessoas mais importante em seu processo de ini-
ciação e condução da vida religiosa, assim como as Ebomis que a acolheram
após a morte da sua Iyalorixá. Neuza deu continuidade às suas obrigações
com Mãe Tatá, da Casa Branca.
Ebomi Neuza revela que um dos fatos mais interessantes foi que, no
momento de iniciação, ela trabalhava na Rede Paes Mendonça de Super-
mercados há 5 anos, e receava ter que pedir demissão, mas o Orixá, em
sonho, lhe disse: Pode sair, pois você o terá de volta. E foi realmente o que
aconteceu, 30 dias depois ela foi readmitida.
Hoje, Neuza é costureira, trabalha exclusivamente confeccionando rou-
pas de Axé. Participa ativamente dos ciclos de festas da Casa Branca. Acre-
dita e defende que o respeito aos mais velhos e a preservação do sagrado
são ingredientes que não podem faltar na religião. Ebomi Neuza Conceição
é mais um exemplo de dedicação e fidelidade ao Candomblé.

268 269
Ekedi Glicéria de Iroko

G licéria Vasconcelos de Oxum, filha do Ilê Axé Omim Yamassê (Ter-


reiro do Gantois) foi confirmada Iarobá de Iroko por Maria Esco-
lástica da Conceição Nazaré, saudosa Mãe Menininha do Gantois,
em 24 de outubro de 1982.
Glicéria é natural de Salvador e frequentava o Gantois desde pequena;
ficava muito na Casa de Mãe Generosa de Xangô e se afastou depois do ca-
samento, pois seu marido não gostava de Candomblé.
Após o falecimento do marido, Glicéria volta a frequentar o Gantois e é
suspensa pelo Iroko da imortal Ebomi Cidália, o que, pra ela, foi uma emo-
ção inenarrável. A própria Mãe Menininha dizia que fazia questão de ver
a confirmação de Glicéria, pois Iroko nunca havia escolhido ninguém para
essa função no Gantois. Glicéria responde também pelo título de Iyatinsá,
mãe das folhas, das árvores.
Ekedi Glicéria não se cansa de externar o seu orgulho de fazer parte do
Gantois e faz questão de citar Mãe Menininha, Mãe Cleusa e Mãe Carmen,
que tiveram grande participação em seu processo de iniciação e de apren-
dizado no Axé.
Ex-funcionária da Coelba, hoje Ekedi Glicéria é dirigente das Filhas de
Gandhy e participa ativamente da produção do carnaval, além de partici-
par das ações realizadas pelo Coletivo de Entidades Negras, como a Cami-
nhada contra a Intolerância Religiosa.
Iroko me escolheu durante o Arô e a noite me apresentou no barracão.
Sou uma Mulher de Axé realizada.

270
Mãe Márcia

I niciada em 1968, Inamárcia do Carmo Silva, é mais conhecida como


Orixá é o responsável
por minha vida e por todas as
minhas conquistas.
Mãe Márcia de Exu, Iyalorixá do Terreiro Atin Simbeui de Nzambi,
terreiro da nação Angola localizado no Bairro de Rio Sena. Mãe Már-
cia, como também é conhecida, foi levada ao Candomblé quando ainda
era uma criança de 7 anos e, embora e pai não fosse adepto do Candom-
blé, era sobrinho da finada Mariazinha do Auto do Cabrito, uma afamada
Iyalorixá da cidade.
Mas apesar disto, ele era policial civil e costumava acabar com as festas
em Terreiros e não acreditava que o problema da sua filha fosse de ordem
espiritual, muito menos, relacionado à Religião de Matriz Africana. Con-
ta que seu zelador, Zé do Mocotó, começou a cuidou dela durante 2 anos,
mas seu pai o perseguia muito por não acreditar na religião, devido a isso,
chegou até a mandá-la para o Rio de Janeiro para mudar de ares e esque-
cer essas ideias erradas. Todavia, continuou a trilhar o mesmo caminho...
O caminho do Santo!
Aos 17 anos, resolveu se casar, a fim de criar independência do seu pai.
No começo, seu marido aceitava a convivência com a religião, mas no de-
correr do tempo, passou a se mostrar avesso. Quando seus pais se separa-
ram, passou a ter a incumbência de terminar de criar os irmãos.
O que mais lhe marcou foi um episódio em que seu pai invadiu a Roça
armado para retirá-la. Ao entrar atirando, um dos disparos atingiu sua per-
na. Esse evento a traumatizou profundamente, chegando a pensar em de-
sistir da vida religiosa.
Hoje, no alto dos seus 54 anos de idade e 43 de iniciada, é mãe biológica
de oito filhos e avó de 15 netos, Mãe Inamárcia afirma... Orixá é o respon-
sável por minha vida e por todas as minhas conquistas.

272
Mãe Íris de Oxum

N o bojo dos seus 32 anos, Mãe Lia de Oxum já recebeu o seu Deká,
As pessoas precisam ter
consciência que a nossa religião está
aqui pra ajudar, para evolução do
caminho religioso que vem sendo seguido pelas mulheres de sua
ser humano e da alma. família. Aos cinco anos de idade Oxum bolou e, nessa época, fora
iniciada. Ela conta que, por livre e espontânea vontade, não faria tudo, mas
o Orixá ensina e conforta. Embora durante muito tempo tivesse dúvidas,
ainda mais na sua adolescência, relata que desde muito pequena teve que
aprender a separar sua vida natural e sua vida de Orixá.
Conta com muita sabedoria que enfrentou tudo e todas em prol da sua
religião. Relata que naquela época queria enfrentar as pessoas, não se im-
portando em andar de branco, de contra egum, de contas, de torso, etc.
Tudo isso para enfrentar manter a sua tradição religiosa e combater a into-
lerância, sem ter medo de represálias.
Um fato que marcou sua vida e renovou sua fé se deu quando seu Ca-
boclo lhe disse que iriam derrubar a sua Casa e ela não acreditou...De fato
o ocorrido aconteceu quando a mesma estava viajando. Custou a acreditar
saber que um trator derrubou sua Casa, mas fato, o dito se concretizou.
Acredita que a educação é o único caminho para mudar o quadro das
intolerâncias... As pessoas precisam ter consciência que a nossa religião está
aqui pra ajudar, para evolução do ser humano e da alma.

274 275
Mãe Hilda

H ilda Silva Pereira, é Mãe Hilda de Obaluayê, do Terreiro de Oba-


luayê, de Nação Ketu e localizado no Alto de Coutos. Mãe Hilda tem
71 anos de idade, e foi iniciada no Candomblé aos 3 anos de idade
por Mãe Olga Kaloci, devido a problemas de saúde, depois que um babalo-
rixá foi rezá-la e disse que precisava cuidar do seu enredo com Obaluayê. Já
aos 14 anos, abriu o seu Terreiro onde se encontra até os dias de hoje.
Devido ao machismo, relata que enfrentou e ainda enfrenta dificulda-
des por ser mulher, e que as exigências da religião transformaram a sua
vida. Mãe biológica de três filhos, já tem um bisneto e sempre teve que
conciliar a vida da sua família com o Axé, mas se sente muito feliz e satis-
feita com isso.
É uma pessoa respeitada em sua comunidade e afirma que nunca so-
freu discriminação uma vez que procura também tratar a todos com res-
peito. Acredita que muito se fez pela religião e que a maior dificuldade é
manter as conquistas e buscar novos avanços, respeitando e mantendo as
tradições, e afirma: Não podemos deixar que nossas tradições se percam e
que nossa luta religiosa vire folclore na mão de falsos condutores.

276 277
Mãe Marinalva

M arinalva Bispo nasceu em julho de 1939 na cidade de Salvador,


cresceu com seus irmãos no bairro do Uruguai, local muito po-
puloso e com uma série de problemas sociais. Naquele período,
as crianças não tinham lazer ou locais próprios para diversão. Então um
dos atrativos infantis mais disputados era ver as festas de Candomblés nas
casas dos vizinhos próximos, os chamados tios ou tias, avôs ou avós. Lá,
havia uma concentração muito grande de Casas de Candomblé, digo Casas
porque era exatamente o espaço físico em que acontecia a maioria das cele-
brações aos Caboclos, Inquisses, Orixás, e Voduns. O ritual se dava na sala
de estar ou então no quintal da casa junto ao pé de uma árvore.
Afirma ter sido uma honra participar de uma festa na Casa de Dona
Mariquinha da Nação de Angola para celebrar o Caboclo Eru, da Casa de
Satu, sacerdotisa Gêge, da Casa de D. Domingas na Rua Gerônimo de Albu-
querque, de Mãe Celina na Rua Araújo Bulcão, na Casa de Pai Otacílio da
nação do Ketu, mas conhecido como Xixina, filho de Santo de Mãe Maxi-
miliana sacerdotisa da Casa Branca e que cultuava o Caboclo Sete Flechas.
Mais tarde, foi a vez dela viver suas próprias experiências. Foi inicia-
da na Casa de Candomblé de Angola pela mãos de Mãe Durvalina do Bom
Gosto da Calçada. Filha de Dandalunda. Durvalina cultuava além dos In-
quisses o Caboclo Laje Grande.
Após a morte de Durvalina, foi para o Terreiro do Bate Folha comple-
mentar suas obrigações com Tata Nebanji. Sendo uma Casa angoleira não
poderia fugir a regra de também cultuar os donos da terra. Encontrei o cul-
to ao Caboclo Zé Cai e Seu Laje Grande, entidades que o fundador da Casa
Manoel Bernardino da Paixão zelava.
Atualmente resido em Areias e lá temos a honra de cultuar o dono da
Casa que é Seu Boiadeiro Gentileiro.

278 279
Mãe Bárbara

N ascida no dia de Santa Bárbara, Bárbara Maria Pereira Amorim,


tem 47 anos de idade, 17 de iniciada para a Orixá Iansã Balé e é
mais conhecida como Mãe Bárbara, do Ilê Axé Oju Oyá, da Nação
Ketu/Angola, localizado em Cajazeiras XI.
Aos 3 anos de idade, com sérios problemas de saúde e dificuldade para
andar, seu pai procurou ajuda de centros espíritas da cidade. Foi no Can-
domblé, porém, que Mãe Bárbara conseguiu estabilizar a sua saúde, sob a
promessa de seu genitor que a filha iria continuar na religião.
Com o falecimento do seu pai e pelo fato de que sua mãe não ser adepta
do Candomblé, ficou durante anos sem frequentar o Axé. Os problemas re-
tornaram e precisou ser levada mais uma vez ao Candomblé, agora pela mão
de amigos. Já mais velha, realizou 3 boris na esperança de não precisar ser
feita, mas o seu destino foi determinado pelos Orixás e ela foi iniciada.
Aos 21 anos de idade engravidou e teve sérios problemas com sua pri-
meira filha, fruto de uma gravidez de risco que durou cerca de 10 meses. Mas
eis que ocorre um fato inusitado, sua filha nasceu no mesmo dia 4 de dezem-
bro (dia de Santa Bárbara).
Um dos fatos que mais lhe marcara na sua trajetória, foi um acidente que
seu filho sofrera com ainda quatro meses de vida, uma queda que lhe provo-
cou um traumatismo craniano. Os médicos não lhes deram muitas esperan-
ças quanto a sobrevivência do garoto, todavia, quando estava na UTI, com 7
dias de muitos pedidos aos Orixás, viu Obaluaiê passar em sua frente e daí
por diante teve a convicção de que seu filho iria sair daquele estado. Durante
esse período, foi a única vez que colocou seu Orixá em prova, mas o Axé fez
o milagre. Não sem razão, todas as segundas feiras do mês de Agosto ela faz
uma festa em homenagem a Obaluaiê em seu Terreiro.

280 281
Mãe Angélica de Ogum
in memorian

A predestinada Angélica Correia da Silva veio ao mundo em 18 de


Agosto de 1940, na Maternidade Climério de Oliveira. Nasceu pre-
matura, aos 7 meses, e, do médico, sua mãe, D. Elvira ouviu que
aquela criança deveria se chamar Maria da Vitória. O nome da flor Angé-
lica, porém, foi dado por seu pai, que era filho de Ogum. Foi de sua mãe,
D. Elvira, fiel devota de Santo Antônio, que herdou a missão de rezar a
trezena e festejar o Santo casamenteiro.
As primeiras manifestações dos Orixás aconteceram quando, ainda
menina, com cerca de 12 anos, estudava na antiga Escola Castro Alves, na
Calçada. Seus tios, com quem morava na época, não compreendiam bem o
que acontecia com aquela criança, que chegou a ter diagnóstico de epilep-
sia e a receber tratamento de choque no antigo Juliano Moreira, que fun-
cionava ainda no Engenho Velho de Brotas.
Ainda adolescente, os Orixás já guiavam o seu destino e foi em Cam-
pinas de Brotas, no terreno doado ao Caboclo Mina de Ouro, que seus
Orixás elegeram para serem assentados e dar continuidade a atividades
de fé e da caridade.
Sempre muito sábia e inspirada pelos Orixás, há alguns anos, Mãe An-
gélica preparou um dos seus filhos de criação, desde criança, para assumir
as suas funções no culto aos Orixás. Nos seus últimos anos de vida, pas-
sou a dividir seu tempo, antes integralmente dedicado às suas obrigações
religiosas e a obras de caridade, com uma causa na justiça, que ameaçava
a demolição do seu Terreiro. Ela saiu vitoriosa depois de cerca de 20 anos
de luta, tendo recebido do Governador e de outras autoridades o direito de
continuar exercendo a sua fé no lugar escolhido por seus Orixás.
Mãe Angélica faleceu durante a finalização deste livro e, como home-
nagem, ela permanece aqui pois a memória, os ensinamentos, a garra, a de-
terminação e a fé de Mãe Angélica sempre servirão de exemplo diário para
os filhos e filhas do Ilê Axé Ayrá Izô.

282 283
Mãe Eliza de Oxalá

M ãe Eliza de Oxalá, é Eliza Maria das Dores, tem 46 anos de ini-


ciada para o Orixá Oxalá, é a Iyalorixá do Terreiro Três Unidos
da nação Ketu, fundado em 1970 e com localização em Paripe.
Terreiro este fundado pela falecida Iyalorixá Valdelice Maria de Araújo.
Dela recebeu o cargo de Mãe Pequena da Casa, mas, após o seu falecimento,
ao final do Azerin, o jogo trouxe a informação de que seria ela a responsá-
vel por cuidar da Casa de Axé, que é dedicada ao Orixá Xangô.
Sendo filha pequena de Mãe Hilda Jitolu, resolveu ir visitá-la com a in-
tenção de dar um Bori, lá encontrando Dona Mariazinha de Oxum da Casa
de Mãe Tança. Ela lhe perguntou por que não abria a Casa de Xangô, e Mãe
Eliza respondeu que tinha medo da responsabilidade, então Dona Mariazi-
nha foi taxativa: você vai que ela está esperando... você deve reabrir a Casa.
Sem nenhum dinheiro em mãos até para a compra de alimentos para
seus filhos, voltou pra casa, conversou com sua vizinha Conceição sobre a
necessidade de realizar uma oferenda para Xangô. Conceição a acalmou e
deu-lhe o dinheiro para tal. Acompanhada de uma Ekedi, foi ao Terreiro,
às paredes estavam no chão e as árvores haviam tomado conta de tudo.
A Casa era um matagal só, então, limparam tudo, e colocaram a oferen-
da. No dia seguinte, sua vizinha Conceição lhe informou que havia acha-
do um ponto para a venda de mingau. Mais uma vez lhe socorreu com um
empréstimo de dinheiro para começar o negócio. Era uma terça-feira, na
quinta iniciou as vendas e teve êxito. Fez dinheiro para comprar comida,
pagar a vizinha e comprar mais material para a venda da semana seguinte.
Daquele dia em diante, pediu a Xangô que continuasse ajudando e ela
reabriria a Casa como assim se deu. Recebeu a cuia de sua Mãe Hilda e rea-
briu o Terreiro.

284 285
Ekedi Simone de Oxumarê

S imone Magalhães Santos é Ekedi de Iansã do Ilê Axé Oyá Deji, Ter-
Para ela, há uma polarização da
cultura negra e da educação.
Não devemos absorver toda essa
reiro da nação Ketu, localizado em Nova Canaã, Paripe, tendo como
pressão burguesa e nem midiática. Iyalorixá, Maria José Pereira Ribeiro, Mãe Maria José de Iansã.
Sua iniciação no Candomblé veio de berço, sua mãe biológica era
Iyalorixá e, desde muito cedo, passou os ensinamento da religião. Simone
descreve que passou mas de 40 anos no período de abianato e que só no
ano de 2004 resolveu se confirmar como Ekedi de Iansã. Dai então resolveu
aprimorar seus conhecimentos de forma acadêmica. Segundo ela, foi o fator
fundamental para sua confirmação de Ekedi.
De formação intelectual privilegiada, observa que é necessário tomar
cuidado com as questões da modernidade e o Candomblé, para não se perder
a essência, e conclui, isto está acontecendo nas escolas, no Axé e no cotidiano.
Mestra em educação, tem uma visão revolucionária em relação ao mo-
delo educacional, entende que a educação é um fator modificador do meio,
base para mudar esse cenário atual de preconceito e desvalorização da re-
ligião de matriz africana. Foi coordenadora pedagógica do Olodum, funda-
dora do infocentro digital no subúrbio, e é envolvida em inúmeras ativida-
des culturais de grande impacto social.
Para ela, há uma polarização da cultura negra e da educação. Não de-
vemos absorver toda essa pressão burguesa e nem midiática.

286
Mãe Pequena Mariuche de Nanã

M ariuche de Oliveira Britto tem 76 anos de idade, e está na Um-


banda desde 1977, e foi “deitada” no Centro Umbandista Paz e
Justiça, localizado em Luiz Anselmo, Matatu de Brotas, tendo
como sacerdote Pai Raimundo de Xangô.
Chegou na Umbanda pela dor. Estava na África, mais precisamente em
Angola, onde o marido tinha acabado de comprar uma fazenda e como a
comunicação na época era bastante difícil, Dona Edite, sua mãe biológica,
que era bastante intuitiva, foi no Caboclo Cobra Coral para ter maiores in-
formações sobre a filha. Ele a tranquilizou, disse que estava tudo bem lá na
África, mas que quando a mesma precisaria de apoio espiritual no futuro.
Realmente foi o que aconteceu. Um ano depois de retornar de Angola
a vida de Mãe Mariuche começou a desandar, conflitos familiares, a sepa-
ração, desmaiava com frequência e então resolveu visitar a Casa de Dona
Nilza Menezes, senhora que incorporava o Caboclo Cobra Coral. Ele real-
mente a ajudou muito, e ela, por lá foi ficando e também ajudando a Casa.
Com o passar do tempo, após o falecimento de Dona Nilza Menezes, ela
conheceu Pai Dario Lima também da Umbanda, e com ele foi se cuidando,
mas quando o mesmo deu uma obrigação e entrou para o Candomblé, ela
percebeu que seria melhor tê-lo como amigo, e diz: A Umbanda é o meu
lugar de origem. Até hoje amo Pai Dario Lima e foi ele quem me apresentou
a Pai Raimundo, com quem estou até hoje e sou Mãe Pequena da Casa. Hoje,
no Centro Umbandista Paz e Justiça, com Pai Raimundo e muitos filhos, se
sente feliz, respeitada, amada e reconfortada.

288
Ebomi Alzira de Nãna
Ebomi Mariana de Ayrá

A lzira de Jesus Santos, Ebomi Alzira de Nanã, tem 64 anos de ida-


Minha dedicação,

P
carinho e amor agora é
só dos Orixás.
de, 15 anos de iniciada no Ilê Axé Odô Boji, irmã de sangue de Vou morrer amando o Orixá, az, segurança, amor, harmonia, luta, perseverança; essas são algu-
afirma a Ebomi Mariana de
Dete de Ogum e filha de Santo da mesma, teve a trajetória de vida, Xangô, mostrando a sua paixão e
mas das palavras que Ebomi Mariana usa para se referir à sua Mãe
igual da irmã, muito sofrimento com seus pais, e dificuldade em conseguir encantamento pelo Candomblé. de Santo, e acrescenta: Tudo o que aprendi, tudo que eu sou, tudo o que
êxito na vida. Até o dia que iniciou na religião há 15 anos atrás. Verdade eu sei, agradeço a Ogum e ao meu Ilê Axé Oxumarê. Pra mim, todo mundo
que teve certa resistência no começo, mas quando viu que o caminho era o deveria ser de Candomblé.
Axé se entregou de corpo e alma. Iniciou-se 32 anos atrás, trazida pelo então Ebomi Sivanilton de
Relata que o mais marcou sua vida foi seu casamento, segundo ela Oxumarê e que hoje é o atual Babalorixá da Casa. Na época, tinha proble-
o Caboclo disse que era para ela fazer primeiro a obrigação antes de ca- mas de saúde e atesta que o Candomblé significa tudo para ela. Se hoje em
sar, teimosa conta que não acreditou no Caboclo e casou, 3 meses depois dia eu sou alguém, foi o Candomblé que me fez. Eu não sabia fazer nada e hoje
veio a separação e o pior tudo começou com uma briga por causa de um eu vejo que os novos estão perdendo a fé, que a hierarquia está sendo desres-
dente de alho, conta ela. peitada. É uma pena.
Conta que, depois desse episódio, teve um trauma tão grande que nun- Ainda sem Casa aberta, mas já com o cargo de Iyalorixá, Mariana de
ca mais conseguiu entregar seu coração para mais alguém em uma relação, Xangô declara que a maior alegria que tem na vida é ser uma Yaô, esposa
e diz: Minha dedicação, carinho e amor agora é só dos Orixás. de de Orixá.

290 291
Iyalorixá Rita de Iemanjá

F ilha de família católica, com 15 irmãos, mãe Rita de Iemanjá começa


Nunca pensei em ser mãe de
santo, e muito menos abrir
um terreiro, mas assim as
coisas aconteceram.
sua trajetória de vida com muita luta, determinação e fé. Após o
bori, foi abandonada pelo marido e rejeitada por sua mãe, ficando
Iyakekerê Barajá
solteira com dois filhos, e assumindo os cuidados da família, atrelada a de-
cisão de se iniciar no candomblé.

R osangela das Neves Santos, Barajá, tem 46 anos de idade e de inicia-


Aos 7 anos eu já tinha minha
obrigação de sete anos arreada.
Num cenário de incertezas e depressão, Mãe Rita aos trinta anos foi a ção, com uma bela história de vida é a segunda pessoa do Terreiro
um terreiro onde recebeu a informação de que tinha compromisso com os Três Unidos após a sua mãe.
orixás. Inicialmente rejeitou a ideia, mas só obtinha melhora quando toma- Foi Xangô quem cortou seu umbigo, comeu papa de farinha com ar-
va banhos ou fazia limpezas. ruda, mingau de farinha de acaçá e saiu no barracão com apenas 3 dias de
Apesar da resistência, após sua iniciação, no Ilê Axé Jilobi, pelo Baba- nascida. Aprendeu no Terreiro que tudo que ali visse deveria ficar ali mes-
lorixá Edvaldo Alves dos Santos em 25 de julho de 2002, Mãe Rita decidiu mo, sempre ficar calada, sofreu muito preconceito dos colegas, pois sempre
aceitar as orientações dos Orixás, abrindo seu Terreiro, o Ilê Axé Iyalodê, tinha um resguardo a cumprir durante as obrigações da Casa. Aos 7 anos
localizado na Caixa D’Água, onde ajuda, orienta e atende as pessoas. eu já tinha minha obrigação de sete anos arreada.
A intolerância que atrapalhou os primeiros contatos com a religião, Sempre se vê pensando sobre o fato de antes não gostar do Candom-
até a construção do seu terreiro, não desmotivou a Iyalorixá, que tem, blé e hoje ser tão apaixonada, era apenas uma criança e não entendia tanta
como porto seguro Iemanjá, o Caboclo Sultão das Matas e os seus filhos obrigação, diz que nasceu em berço de ouro, o berço das insabas e tem pai-
Fabio e Mariana. xão pelo Candomblé.

292 293
Ekedi Cleide de Jesus
Mãe Tia Sebastiana
E kedi desde 2007, Cleide de Jesus, foi confirmada pelo Babalorixá
Hoje, Ekedi Cleide é uma
legítima Mulher de Axé.
Jorge, no Ilê Axé Agô Ogum, onde é o braço direito de Mãe Alda de

S
Participa das atividades do
O Candomblé é uma Re- ebastiana Maria Pereira dos Santos, tem 61 anos de idade e deu o seu Terreiro, tem uma verdadeira Ogum. Juntas, elas administram o Terreiro e cuidam das questões
ligião maravilhosa, que é muito primeiro bori aos 7 anos, com o falecido Zelador, Carlinhos de Oxóssi. paixão aos Orixás. Ela diz espirituais e políticas da família do Axé e da comunidade.
bonita, todo o povo deveria dar que a melhor coisa do mundo
muito valor, ter fé e acreditar.
Depois, fez as obrigações com Mãe Dalva de Dias D’Ávila. Única da família que aderiu à religião, Cleide enfrentou diversas di-
foi ter a oportunidade de
A sua história no Candomblé começa quando tem um sonho com o Ca- ser escolhida por Oxum e ficuldades, o que retardou ainda mais sua vida no Axé. No entanto, após
boclo Eru, e depois, soube que era o mesmo Caboclo de quem viria a ser o requerida por Ogum. uma doença, da qual os médicos não descobriam a verdadeira causa; e de-
seu futuro Zelador. De lá para cá, seguiu no Axé, e abriu o Terreiro Estrela pois de esgotados todos os diagnósticos médicos, a mesma resolveu atender
Guia, localizado na bairro da Liberdade, há 20 anos. aos conselhos dos mais velhos e procurou o Axé. Andou em várias Casas
Diz que as pessoas tem muito respeito por ela e que a única intole- e, como que por intuição, chegou ao Ilê Axé Agô Ogum. No início, minha
rância religiosa que lembra ter passado, foi quando levou a sua Filha de ideia era só fazer os ebós e ir embora de vez, mas acabei iniciada pra Oxum
Santo, a Yaô Rita de Oxumarê na Igreja do Bonfim e o padre não deu a e confirmada Ekedi de Ogum.
hóstia a ela, por estar com roupa de Candomblé. Achou um erro e com Hoje, Ekedi Cleide é uma legítima Mulher de Axé, participa das ativida-
relação ao triste episódio, diz: “Quem não gosta de passar vergonha, não des do Terreiro, e tem uma verdadeira paixão aos Orixás. A melhor coisa do
envergonha os outros.” mundo foi ter a oportunidade de ser escolhida por Oxum e requerida por Ogum.

294 295
Carmelita de Omolu
Mãe Nila de Nanã
C armelita Bastos Souza, é Iyalorixá Carmelita de Omolu (Ajunsun
Sapatá), do Ilê Axé Jimewá, de Nação Ketu, localizado em São Mar-
cos. Desde muito cedo sofria com doenças e todos pensavam que
ela iria morrer. Aos seis anos, era uma menina com feridas no corpo, não
comia, não bebia andava se arrastando. Carmelita conta que, durante um
O Candomblé é bom, é uma
festa boa, porque, quando
nada, a gente se distrai, a gente
tá ali, a gente dança, a gente M aria Nila da Silva Paixão, é Mãe Nila de Nanã, do Ilê Axé Nanã
Borokê, localizado em São Marcos, tem 94 anos idade, e nunca
deixou de cuidar e amar os seus Orixás, foi iniciada pra Nanã
tempo, um homem velho ia à casa dela toda segunda-feira e permanecia canta, se sente vivo. Não é? aos 26 anos de idade,e antes disto, nunca havia tido contato com a religião.
por lá até certo horário. Enquanto o velho estava na casa, Carmelita não Foi assistir uma festa no Terreiro, bolou, foi recolhida e iniciada, permane-
sentia nada, comia e bebia sem nenhum problema, mas quando ele saía, co- cendo na Roça por quase um ano.
meçavam todos os sintomas novamente. As pessoas perguntavam ao velho Naquele tempo, lembra D. Nila, não se sabia de nada, não se via ama-
se ele queria alguma coisa, comer ou algo assim e ele nunca queria nada. nhecer, nem anoitecer, não era como hoje que as yaôs sabem de tudo. Não se
Sua mãe perguntava, preocupada, se Carmelita iria morrer, e o velho sabia contar nada nem o que dia ia ser recolhida, ou que dia era a saída. Pra
respondia que não, que a menina ainda seria o braço direito da família, que abrir Casa, só depois de fazer a obrigação sete anos.
ajudaria muita gente e mandou que a levassem a uma sessão. Mulher admirável pela sua força e amor à religião e à vida, porque, pra
O tempo foi passando e, certo dia, a mãe de Carmelita conheceu uma ela, Candomblé é vida. Ela vive e transmite essa alegria de viver a todos
mãe de Santo chamada Maria Bahia, contou-lhe a história da filha e a mes- que ela encontra. Hoje aos 94 anos, já sente algumas dores no corpo, mas,
ma disse que iria visitá-la. não deixa de fazer as coisas que sempre lhe deram prazer e alegria. Dona
Carmelita passou a frequentar o Terreiro e foi iniciada, Lazzo da Mata Nila se alegra em dizer que os 13 dias de Santo Antônio.
Escura foi seu pai pequeno e, hoje, ela conta a sua história com muita ale- O Candomblé é bom, é uma festa boa, porque, quando nada, a gente se
gria, diz que Omolu salvou sua vida. distrai, a gente tá ali, a gente dança, a gente canta, se sente vivo. Não é?

296 297
Mãe Dó de Ogum Iyalorixá Iracy de Oxum

R aimunda Pereira de Souza tem 77 anos, e foi iniciada para Ogum


O que me marca é que não

I
tenho o que dizer da minha
religião, tenho uma boa
aos 25 anos, em um Terreiro de nação Ketu. Nascida em Maragogi- Diz que é muito respeitada e racy da Silva Gomes, é Iyalorixá Iracy de Oxum, do Terreiro Ilê Axé
que ama o Axé e tem sempre
mãe de Santo. pe, atualmente reside em Fazenda Coutos e, é a primeira pessoa em o apoio das suas 4 filhas:
Omin Ôro, Nação Ketu, localizado em Cosme de Farias. Aos 16 anos de
sua família a ser de Axé, entrou devido à doença pois, segundo ela, estava minhas filhas, valem mais que idade, quando assentou o seu Orixá, Iracy da Silva Gomes descobriu
desenganada pelos médicos. um braço. que seu destino era mesmo, o Candomblé. Realizou algumas das suas obri-
Como a medicina tradicional não resolvia os seus problemas de saúde, gações com Neve Branca e, após o seu falecimento, completou as obrigações
ela buscou um Terreiro. Lá, encontrou Rosete de Ogum, hoje, sua Iyalorixá, até receber seu Deka com as irmãs de Santo Maria Gilberta de Iemanjá e
que a aconselhou a fazer uma limpeza. Primeiramente fez um Bori, e, em Maria Bernadete de Oxóssi.
seguida, foi iniciada, tendo o apoio da sua família. O que me marca é que Hoje, aos 78 anos de idade, Mãe Iracy de Oxum, que quando mais nova
não tenho o que dizer da minha religião, tenho uma boa mãe de Santo. não queria tanta responsabilidade, diz que não se arrepende de nada que
Comprometida com a diálogo e respeito inter-religioso, desabafa: o Can- viveu. Com mais de 20 filhos de Santo e pessoas tratadas e curadas no seu
domblé continua o mesmo, sofri muito, até preconceito dos amigos eu senti, Terreiro, diz que é muito respeitada e que ama o Axé e tem sempre o apoio
mas tive maturidade para enfrentar as adversidades. Mãe Raimunda enxer- das suas 4 filhas: minhas filhas, valem mais que um braço.
ga o Candomblé como um local de respeito, e convivência pacífica com os Afirma que todo mundo sente uma pressãozinha na vida, mas que é
irmãos de Santo, tem uma filha que é Iyalorixá, da qual se orgulha muito. preciso ter perseverança para vencer, ela conclui: A fé a gente é quem faz.

298 299
Ebomi Maria de Ogum Iyalorixá Vicélia de Iansã

V icélia de Jesus Freitas, tem 65 anos de idade, e 38 de iniciada para


Afirma que se sente

M
realizada no Candomblé e
Foi o Axé que me aria da Conceição Souza Santos, tem 67 anos de idade e 16 anos relata: tudo que conquistei
Iansã Balé, é a Iyalorixá do Ilê Axé Oyá Kedemi, localizado em Plata-
manteve viva e guiou meus
filhos. Hoje é uma das
de iniciação para os Orixás Ogum e Yansã. Maragojipana e com agradeço aos Orixás. forma, e antes da sua iniciação, não acreditava na Religião, e se man-
sucessoras da Roça do Barro sua família já adepta da religião, foi até um Terreiro onde disse- teve afastada do Candomblé porque não queria se submeter ao preconceito
Vermelho, em Maragojipe. ram que ela tinha que fazer um bori, então ela disse: se eu fizer um bori e das pessoas para com a Religião. Até que um dia, sofrendo com muita dor
não tiver mais crise vou me entregar à religião. E assim aconteceu, após ter de cabeça, foi levada a um Candomblé por sua mãe e depois de cuidada, diz:
dado o bori, ficou durante 3 anos sem ter nada até os dias de hoje. Nunca nunca mais sofri desse mal.
mais tive nenhuma crise de saúde, relata. Mãe Vicélia fala também sobre a importância de seu Caboclo Sultão
Mãe de 32 filhos biológicos, teve bastante dificuldades para conciliar das Matas na sua vida. Diz ainda que as pessoas precisam acreditar cada
religião, família e trabalho. Com uma história de muita luta e resistência, vez mais na religião e cumprir com responsabilidade os atos sagrados que
nunca foi submissa a homens, sempre lutou pelos seus ideais e pela reli- estruturam a base da crença nos Orixás. Afirma que se sente realizada no
gião. Foi o Axé que me manteve viva e guiou meus filhos. Atualmente reside Candomblé e relata: tudo que conquistei agradeço aos Orixás.
em Salvador, no bairro de Fazenda Coutos 3, mas é a sucessora do Terreiro Liderança religiosa em Plataforma, bairro onde mora, luta em sua co-
Gilewá Obaluayê, também conhecido como Roça do Barro Vermelho, em munidade para manter o diálogo e o respeito inter-religioso, e vê um avan-
Maragojipe. ço muito grande entre o período que entrou no Candomblé aos dias atuais.

300 301
Kota Inaiara de Ogum

F ilha de Mãe Inamárcia de Exu, Inaiara Silva Lopes, Inaiara de Ogum,


Só o jovem poderá modificar

Mãe Joselita de Oxum essa estrutura preconceituosa


que se encontra em nosso pais.
Principalmente a Bahia onde mais
tem 27 anos de idade, 9 de iniciada no Terreiro Atim Simbeui de
Nzambi, desde muito cedo sempre gostou e teve curiosidade sobre o
Candomblé. Para ela, com conhecimento e exemplos o caminho fica muito

J
de 80% da população é negra.
Orixá é meu caminho oselita Ventura dos Santos, é Joselita de Oxum Apará, Mameto Kamu- mais fácil para seguir a religião, uma feita que é por conta do desconheci-
e não há nada no mundo que
mude o meu percurso.
kenge do Terreiro Atim Simbeui de Nzambi, da nação Angola, tem mento que as pessoas discriminam o Candomblé.
56 anos de idade e 26 anos de iniciada no Candomblé por problemas Entre as dificuldades que enfrentou durante sua trajetória, aponta a
de saúde. Afirma que, no começo, foi difícil, pois não acreditava que seu escola enquanto espaço que ainda precisa se qualificar no sentido de aco-
problema fosse de Santo. Mas com o passar do tempo, não teve alternativa. lher os diversos que lhes chegam, à exemplo, o povo de Santo. Lembra-se
Com problemas de coração e com filhos pequenos tinha receio daquilo que que algumas de suas professoras não tinham o devido preparo para aceitar
a sociedade poderia pensar. e compreender as vestimentas e os hábitos que são colocados para o povo
Sua fé foi a arma para superar seus medos e apreensões. Hoje revela que segue a religião do Candomblé, muitas vezes discriminando os alunos.
que o seu amor é tão grande que abaixo de Deus somente os Orixás. Nesse sentido, relata que muitas vezes se viu obrigada a discutir e ensinar
Revela-nos que chegou até mesmo a buscar outras religiões, e que sem- os demais a ter respeito por sua religião.
pre pensava consigo mesma que seguiria até o resto de sua vida aquele ca- Acredita que hoje temos grandes avanços e a tendência é que as coisas
minho religioso que a curasse. Só não esperava que o Candomblé fosse seu melhorem... Só o jovem poderá modificar essa estrutura preconceituosa que
caminho. Hoje, altiva, fala com orgulho que Orixá é seu caminho e que não se encontra em nosso pais. Principalmente a Bahia onde mais de 80% da po-
há nada no mundo que mude o seu percurso. pulação é negra.

302 303
Ekedi Valdice de Oxóssi Ekedi Lígia de Iemanjá

V aldice Silveira de Almeida, é Ekedi Valdice de Oxóssi, tem 46 anos


O Candomblé mudou muito

L
durante estes anos, e o avanço
da tecnologia pode ser algo que
de idade, 26 de confirmada e como sua Casa de origem fechou, ela ígia Alves dos Santos de Iemanjá tem 65 anos de idade e foi con-
atrapalhe os limites na religião deu continuidade às suas obrigações religiosas no Ilê Axé Ajunsun firmada há 17 anos, no Ilê Axé Ajunsun Benoy, Terreiro de Lo-
Benoy, Terreiro de Lomanto, localizado em Plataforma. manto, localizado em Plataforma.
Desde muito criança, sempre acompanhou a religião, e, aos 21 anos, Mulher de vida sofrida, enfrentou vários problemas em sua tra-
por livre espontânea vontade, desejou se aprofundar mais no assunto. Nes- jetória, muitas vezes ficando limitada por conta de sua saúde frágil.
te mesmo período foi confirmada Ekedi de Obaluaiê, e descreve sua vida Convidada por uma amiga, foi a uma sessão de Caboclo e, naquele momen-
no Axé como algo de muito respeito. to, sentiu que sua vida iria mudar, então foi iniciada no Candomblé, e pas-
Segundo ela, na sua comunidade, as pessoas que a rodeiam nunca a sou a ter uma relação especial com o Caboclo, que ela mesma faz questão
olharam com ar de discriminação, relata que hoje é muito mais fácil das de dizer que é o amor de sua vida.
pessoas adentrarem na religião do em sua época que era mais fechado. Segundo ela, o Caboclo é seu médico e sempre lhe diz o que é necessá-
Afirma, o Candomblé mudou muito durante estes anos, e o avanço da tecno- rio ser cuidado. Relata que nos dias de hoje é necessário viver a religião em
logia pode ser algo que atrapalhe os limites na religião. nosso cotidiano para não perder a fé e que a força do Axé está na tradição
Conta com orgulho que um dos seus dois filhos biológicos, é rodante que precisa ser preservada. Lígia Alves é uma Mulher de Axé que mostra
de Oxóssi e que isso é continuidade de uma longa luta no Axé. Por ele ser no olhar, a força da mulher negra e não teme dizer que o Orixá é sua ins-
jovem, o campo está muito melhor, mas ainda há muito que lutar. piração, sua fonte de vida.

304 305
Dona Mundinha
Ekedi Luzia Cristina

R
aimunda Alves de Souza é Mulher de Axé desde o primeiro momen-

L
Me dá alegria estar vivendo e
sabendo a força de Deus e dos
uzia Cristina tem 42 anos de idade e 21 anos de confirmada pra Oba- to de vida. Iyalorixá do Terreiro de Oxossi, localizado no bairro de
Orixás para me botar em pé toda
luaiê, é Ekedi dele e Iyakekerê do Ilê Axé Ajunsun Benoy, Terreiro vez que precisar. Pau da Lima, conta-nos que as crianças, ao nascer, tomam banho e
de Pai Lomanto, localizado em Plataforma. Ela entrou no Candom- são secados com toalha, já no caso dela, teve direito a banho de folha, a
blé devido a sua saúde frágil. Aos 12 anos D. Luzia já havia passado por 2 pemba e a toalha de kisanga, pois já nasceu dentro do Axé. Quando ela
operações no cérebro para retirada de tumor e a colocação de uma válvula. completou três anos de idade começou a adoecer e aí teve que dar comida
Conheceu seu pai de Santo aos 21 anos, quando descobriu que sua vál- ao Santo, daí até hoje possui as curas da finada Maria Genoveva, mais
vula entupiu e teria que passar por uma nova cirurgia, a terceira. Então ela conhecida como Maria Neném. Sigo essa sorte desde meu nascimento, sinto
resolveu procurar saber em algum lugar se era mesmo a válvula, a resposta que fui marcada por Deus. Eu não tenho tristeza nisso, ‘tombo’ daqui, caio
que lhe deram foi que não era a válvula, mas, mesmo assim, ela se subme- dali e me levanto.
teu a cirurgia, e logo depois ela tornou a entupir. Mas diante de tanta pro- Orgulhosa dos seus mais de 57 anos de iniciada, D. Mundinha atual-
messa de seu pai e sua mãe, graças a Deus e a Obaluaiê, ela ficou boa. mente se cuida no Terreiro do Babalorixá Lazinho de Oxalá da Mata Escu-
Assim entrou para o Candomblé e, com sua fé em Obaluaiê, está até ra, e tem boas lembranças da sua vida religiosa: o Candomblé é uma religião
hoje, nunca mais teve nada na cabeça, a válvula está no lugar e o tumor muito bonita. Me dá alegria estar vivendo e sabendo a força de Deus e dos
nem aumentou nem diminuiu e ela só diz que ama Obaluaiê. Orixás para me botar em pé toda vez que precisar.

306 307
Ebomi Liu de Oxalá
Ekedi Laís Ao dono do meu ori, toda
reverência e respeito, pelo
cajado que me deu e pelo Alá
E liane Costa Santos trabalhava no Polo Petroquímico quando apre-
sentou um problema grave de saúde. A amiga Ladinha de Oxalá,
levou-a para fazer um jogo na Casa Branca. Jogou mas não fez nada

D
que jogou nos meus caminhos:
ona Laís Neves dos Santos é Ekedi de Oxóssi, sua família frequen- meu Terreiro, minha família além. Nesse dia viu pela primeira vez Valnízia de Ayrá. Nessa mesma
tava o Terreiro do Ventura, em Cachoeira, e ela acompanhava, de ejé e de Axé. fase, Lindi (Oiyasi) que estava começando a frequentar o Terreiro do Co-
desde muito pequena, mas nunca teve intenção de participar. Vi- bre, convidou-a para fazer um jogo com a mãe de Santo dela, sem mesmo
veu boa parte de sua vida como uma simpatizante frequentadora do culto saber qual era o Terreiro, não aceitou. Passado uns tempos, Landê a con-
ancestral. Laís se casou em Cachoeira e, em 1948, foi morar em Salvador, vidou para ir em um Terreiro, não por coincidência, ao chegar lá era o
no bairro do Curuzu e, nessa época, sua filha tinha 02 anos de idade. Terreiro do Cobre em que Valnízia de Ayrá era a líder e Oiyasi uma filha
Em um determinado dia, ao descer de um ônibus, dona Laís simples- da Casa. Um ano após, Liu se iniciou e teve como gibonam mãe Tatá. Ela
mente parou. Não conseguia se mover, nada respondia, até pra falar tinha tem prazer em dizer: Não podemos fugir dos nossos caminhos – meu caminho
grandes dificuldades e daí foram sete anos de sofrimento para toda a fa- era/é o cobre – e depois de iniciada a minha saúde melhorou.
mília. Na busca desesperada para resolver o problema passou a frequentar Mulher de Axé e Fé, Ebomi Liu conta: Os Orixás sempre mostraram que
a Confederação Espírita, localizada na época no Terreiro de Jesus. Passava tem planos maiores para quem tem fé. Há sete anos trás, ficou um semestre
uns tempos melhores que outros, mas não resolvia. em Fortaleza preparando-se para participar de um concurso, na hora da
Relata, fui acompanhar minha filha numa visita a um Babalorixá nas inscrição, por ‘algum motivo’, não a fez e ficou desesperada, mas, o que não
palafitas, no bairro do Uruguai, quando ele me disse que só ficaria boa quan- sabia, é que três meses depois seria contemplada com uma bolsa de estudo
do colocasse pra dentro o que havia colocado pra fora. Na hora eu fiquei mui- internacional da Fundação FORD, que não poderia ser concedida se ela já
to confusa, não tinha idéia do que ele estava falando, mas fiz os ebós que fo- estivesse aprovada no concurso que foi prestar em Fortaleza. A sabedoria
ram passados. da ancestralidade e a tranquilidade de um Ibi são as marcas aquosas deixa-
Semanas depois lembrou que, certa vez, ganhou uma imagem de Oba- das no meu caminho, diz a Ebomi com toda fé.
luaiê em uma das visitas que fez ao marido no hospital. A imagem teria ido Hoje é uma pesquisadora em etnomatemática e cultura africana, está
junto com a mudança para outra casa. Ela prontamente mandou buscar a terminando doutorado na Universidade de São Paulo(USP). É gibonan de
imagem e descobriu a origem do seu problema, Orixá me deu caminho. cinco pessoas no Axé e vem a Salvador quantas vezes for preciso, para
Atualmente é o braço direito de Mãe Nelma do Ilê Axé Ieu Ieu Jimum. cumprir com suas funções religiosas.

308 309
Kota Kaiaremi Makota Gangameiandele

J amile Sodré, uma Mulher de Ngunzo, é Makota Gangameiandele, do


Sagrado é sagrado, tradição

M
é tradição, podemos muito bem
Para a Kota Kaiaremi, a coisa mais aria M. Rodrigues Nascimento, Kota Kaiaremi, foi iniciada para fazer uso das tecnologias sem
Terreiro Tanuri Junsara, foi confirmada em 2002. Jamile pode ser
importante que lhe aconteceu foi
seu processo de iniciação.
Kaiala pela Nengwa Elizabete Santos da Hora, em 1981. Kota interferir na nossa tradição. considerada um símbolo da nova geração da tradição ancestral cul-
Foi tudo muito mágico, tudo era Kaiaremi é natural do estado do Pará e é a única da família que Temos que dar exatamente aquilo tuada nos Candomblés.
que recebemos, esse equilíbrio é
muito lindo! tem relação com o Candomblé. Chegou a ser expulsa da casa dos pais e Bastante atualizada e antenada nas variações tecnológicas, Jamile
bom para a religião
passou a morar no Terreiro, local onde se casou. afirma que o Candomblé é uma religião viva e que, portanto, está aber-
Para a Kota Kaiaremi, a coisa mais importante que lhe aconteceu foi ta a acompanhar o desenvolvimento da humanidade. Entretanto, é radical
seu processo de iniciação. Foi tudo muito mágico, tudo era muito lindo! quando se trata da defesa e conservação dos elementos e ritos sagrados.
Se orgulha muito de ter sido feita e criada por mãe Bebé, que segundo Sagrado é sagrado, tradição é tradição, podemos muito bem fazer uso das
ela, foi muito mais que uma mãe. Emocionada, ela se diz bastante agracia- tecnologias sem interferir na nossa tradição. Temos que dar exatamente aqui-
da pelos Inquisses e pela oportunidade ter conhecido essa maravilhosa sa- lo que recebemos, esse equilíbrio é bom para a religião, afirma Jamile.
cerdotisa, relembra. Makota Gangameiandele nasceu na religião e desde muito nova
Kota Kaiaremi tem uma participação ativa no Terreiro. Ela é atuante acompanhou dentro de casa os exemplos da ética, respeito e valoriza-
em tudo que acontece, está sempre disposta a ajudar quando solicitada ou ção do sagrado, tendo a hierarquia como base estruturante de sua for-
requerida. Vive para a religião e os Inquisses. mação intelectual.

310 311
4
Recôncavo
Idan toba fara a ng a lo lo dan
Kosi mi fara e awa re!

Podem usar o poder que quiserem. Nada há no


mundo que nos atinja. Aqui estamos!
314 315
Mãe Quisassi

M ãe Quisassi tem 82 anos de idade e 52 de assento, seu primei-


Toda hora eu digo: minha gente,
Candomblé não é vestir bonito,
não é dançar bonito não, o
ro contato com o Candomblé foi quando trabalhava nos Barris,
importante é pedir ao Inquisse neste tempo, conta que cozinhava para 14 pessoas, foi convida-
com fé, com amor, com carinho e da para assistir uma festa no Terreiro do Oxumarê.
receber aquela graça, e eu tenho
Dona Simplícia de Ogum ainda era a Mãe de Santo da Casa naquela épo-
recebido várias e digo ao povo, é
um por todos e todos por um. ca. Quisassi, conta que, quando chegou no Oxumarê, viu sair lá de dentro
uma mulher toda pintada de branco, naquele momento ela diz ter sentido
uma agonia, uma vontade de se jogar, de gritar. Explica que, naquela época, o
Terreiro ainda não tinha as escadas, era aquele caminhozinho de barro, en-
tão as meninas que estavam com ela arrastaram-na e a levaram embora.
Depois disso, ela tomou a decisão que não iria ver mais nada, foi quan-
do lhe convidaram para ir à Fazenda Grande, espiar um Candomblé e quem
estava lá era sua Mãe Sampa, que era comadre da sua irmã de sangue. Pas-
sou mal, e acabou sendo do primeiro barco da Roça. O Santo a pegou e a
recolheram, sua mãe não teve direito de vê-la. Quando ela saiu do Santo,
sua mãe já era testemunha de Jeová.
Mãe Quisassi conta que não teve problemas com isto, quando fez um
ano de feita, pagou sua obrigação e, quando terminou seu resguardo, co-
nheceu um filho de Deus que era doqueiro com quem ela viveu 35 anos.
Ele foi um ótimo marido, pai, amigo e pro seu Santo melhor não poderia
existir. Conta que, quando botava um Yaô, ela dormia durante os meses de
Kelê com o filho, e que o marido nunca reclamou por isso, sempre a apoiou.
Lembra que chegou a Salvador no ano de 1947 e vendia milho assado,
batata cozida, tudo para conseguir sua alimentação. Certa vez, nessa mes-
ma época, o dia virou noite. Era umas 10 pra 11h da manhã e ela chorava
achando que ia morrer longe de sua mãe. Mas graças a Deus e aos Orixás,
não sofreu nada, por isso ela sempre diz que o Vodunce e os Inquisses são
tudo na sua vida.
Toda hora eu digo: minha gente, Candomblé não é vestir bonito não, e
dançar bonito não, o importante é pedir ao Inquisse com fé, com amor, com
carinho e receber aquela graça, e eu tenho recebido várias e digo ao povo, é
um por todos e todos por um.
Mãe Quisassi não possui Casa grande, afirma não querer quantidade,
mas sim qualidade, respeita todos seus filhos, e eles a respeitam como Mãe,
nunca deu um bolo ou um palavrão em um filho, sempre mostra que o Can-
domblé é uma religião de respeito e que as pessoas devem ter amor.

316
318 319
Iyalorixá Nilza de Ogum

C om mais de quarenta e cinco anos de Santo, filha de Ogum e Ebomi


Neste momento, tive a prova de
que Orixá é vida e força, pois
pedi a Ogum o que precisava e
da Casa de Oxumarê, Nilza Braga Fernandes, a Mãe Nilza de Ogum,
Ele atendeu. Falei para Ogum tem uma sua história alicerçada no Candomblé e possui a sua pró-
que eu queria tirar o número pria Casa de Axé, o Ilê axé Ibá Ogum, Terreiro localizado em Cruz das Al-
13, que era o ponto que mais
mas. Foi trazida para Casa de Oxumarê pelo Axogum Vavá, e iniciada para
sabia. Quando eu meti a
mão no saco com mais de 50 Ogum pela Mãe de Santo, Iyá Simplícia de Ogum.
perguntas saiu o ponto 13. Fiz Mesmo escondida dos pais, que não aceitavam o Candomblé, e sendo
uma ótima prova e passei. chamada de ovelha negra da família, Mãe Nilza de Ogum seguiu aguerrida-
mente o seu sacerdócio. A partir da feitura do Santo, nunca mais tive pro-
blemas, melhorei minha relação com as pessoas, e iniciei uma vida de plena
felicidade e sucesso, conta.
Logo depois de fazer Santo, a Iyalorixá foi para o Rio de Janeiro, onde
fez curso supletivo, seguido de um concurso para emprego Público Federal
no Ministério da Saúde. Neste momento, tive a prova de que Orixá é vida
e força, pois pedi a Ogum o que precisava e Ele atendeu. Falei para Ogum
que eu queria tirar o número 13, que era o ponto que mais sabia. Quando eu
meti a mão no saco com mais de 50 perguntas saiu o ponto 13. Fiz uma ótima
prova e passei. Hoje, graças a Olorun e a Ogum, sou uma pessoa aposentada
federal e tudo isso agradeço à Casa de Oxumarê, à minha Mãe de Santo e a
Ogum Dekissi, afirma.

320 321
322 323
Mãe Cacho

G enilce Cerqueira Amorim, conhecida como Mãe Cacho, é Iyalorixá


do IBC Alaketu Axé Ogum Migege. Ela foi iniciada entre os 4 e 5
anos de idade, por Maria Escolástica da Conceição, Mãe Menininha
do Gantois, e, aos 27 anos de idade, 6 anos depois do falecimento de seu pai,
assumiu o cargo de Iyalorixá, cargo que ocupa até hoje com muita respon-
sabilidade e dedicação.
No primeiro barco, foram 18 pessoas e um dofono de 1 mês de nascido,
conta Mãe Cacho, que diz só ter boas lembranças da sua religião, pois é muito
feliz. Todos que a conhecem sabe que ela é muito rígida e que gosta de tudo
no seu devido lugar, foi assim que aprendeu, então assim deverá ser.
Estou dentro do Axé porque foi Ogum que me botou e Obaluaiê que quis.
Eu não queria, mas estou muito feliz e satisfeita.
Seu pai deixou muitos filhos de Santo e todos foram ótimos para ela,
sempre a trataram com muito carinho e respeito, por isso sente muitas sau-
dades de todos. Hoje, Mãe Cacho possui mais de 400 filhos de Santo, o Ter-
reiro já existe a mais de 150 anos, ela dedica sua vida a cuidar do Axé e
vive para manter a Casa.
Sempre que convidada, participa de palestras, pois, assim, podemos
aprender e também ensinar. Todos a conhecem, não é uma pessoa soberba e
sim muito popular. Com relação às outras religiões, o que já a deixou tris-
te foi ver alguns dos seus filhos de Santo as buscarem. Isto algumas vezes
acontece, mas percebe, com alegria, que muitos que foram estão voltando
para o Axé. Mãe Cacho se preocupa muito com a geração de hoje, pois per-
cebe, que existem varias crianças na comunidade em que mora e eles a ado-
ram, largam tudo pra ficar perto dela. Ela sempre reza por eles e pede que
os Orixás as protejam do mundo de hoje.

324 325
Mãe Juju

J uvergina Batista Cerqueira de Amorim, mais conhecida como Mãe


Juju, foi iniciada no IBC Alaketu por Mãe Menininha do Gantois.
Como era amiga da família, Mãe Menininha ia à sua Casa para iniciar
todas as filhas de seu pai. No caso de Mãe Juju, a iniciação aconteceu justa-
mente no dia do seu aniversário. Na época, tinha 5 anos de idade, hoje ela
tem 72 anos de Santo.
Mãe Juju foi nascida e criada dentro do Candomblé, mas houve uma
época em que já não aquentava mais colocar saia na goma, segurar bicho,
lavar Santo, cantar, dentre outras coisas. Ela queria mesmo era se distrair,
passear e ser feliz de outras maneiras. Então conheceu um rapaz com quem
acabou se casando, e, logo depois, foi morar em São Paulo, mas, para sua
surpresa, nada daquilo que ele havia lhe contado era verdade. Comi o pão
que o diabo amassou, mas nunca me desesperei.
Então, com orientação de seu pai, ela começou a vender canjica e fei-
jão. Daí por diante passou a ser conhecida como baiana e conseguiu se es-
tabelecer e dar rumo a sua vida. Conquistou varias amigos importantes, as
pessoas passaram a frequentar a sua Casa para que jogasse os búzios, nesta
época, ela estava com 28 pra 30 anos de idade.
Acabou fundando um Terreiro em São Paulo, o Ilê Alaketu Axé
Oxum, mas ela não deixa de ser Juju do IBC Alaketu, de Muritiba, afir-
ma. Hoje, ela possui filhos de Santo espalhados por todo Brasil e em ou-
tros locais do mundo.
Eu sou amorosa, brincalhona, ninguém fecha a porta pra mim, não tem
um Pai de Santo em São Paulo que não seja meu amigo, porque Mãe e Pai de
Santo discute é na cantiga.

326 327
Yalaxé Mariá Kesy de Oxum

M ariá Ferreira, é mais conhecida como Mãe Mariah Kesy, Iyalaxé


Tenho filhos
doutorados em Sorbonne.
Fala com orgulho do marido
do Terreiro Raíz de Ayrá, localizado em São Félix, no recôncavo
e dos seus filhos de Santo, baiano, tem 79 anos de idade, 54 de confirmada, Eu iniciei no
mas evita dizer os nomes, Candomblé por motivo de doença. Por volta de 1954, eu estudava no ICEIA,
para evitar ciúmes.
fazia Magistério, e entrei no Candomblé porque eu ia para todos os médicos
e ninguém achava nada, então, eu fui para Casa do Candomblé onde me
deram um banho de abô e desse banho de abô pra cá nunca mais tive nada,
nenhum problema de saúde. Levei fé, e comecei a frequentar um Terreiro lá
embaixo: Baixa do Tubo, perto do Alaketu. Com estas palavras, Mãe Mariá
Kessi começa a explicar os motivos da sua entrada no Candomblé, onde foi
suspensa Ekedi em 1957 e confirmada em 1959.
Depois de concluir o Magistério, tomou gosto pela religião e antes de
seu Babalorixá falecer e transferir o Terreiro para o seu nome, ela deu a ela
o cargo de Iyalaxé, por acreditar no seu compromisso com a religião, assim
o fiz, e hoje, do alto dos meus 79 anos de idade, estou cansada, mas disposta
e feliz, para levar este Candomblé até o dia que Olorum queira.
Destaca, que, na sua época, o candomblé não tinha tanta evolução e
tecnologia, mas ela se sentia muito à vontade, relembra, então, de quan-
do fazia faculdade de farmácia bioquímica e dava conta do recado: Só não
conclui a faculdade porque tinha que ver catarro, fezes e não tinha estômago
para tal. Preferi o meu candomblé, nunca desisti, não há cansaço, só quando
Olorum disser que chegou a hora, aí, já tenho meu lote no Jardim da Saudade
e um helicóptero para buscar o meu corpo.
Afirma que a sua força, vem dos Orixás. O Terreiro, é grande, mas, to-
dos os dias, levanta às 5 horas da manhã, varre a Casa, molha as plantas,
passa e engoma as roupas. Acredita que a educação é fundamental e tem
muitos universitários no seu Terreiro: Tenho filhos doutorados em Sorbon-
ne. Fala com orgulho do marido e dos seus filhos de santo, mas não diz os
nomes, para evitar ciúmes.

328
Ebomi Toinha

E bomi Toinha é a primeira Ewá de Maragogipe, feita no Ilê Alabaxé,


Eu estou aqui no meu Ilê
Alabaxé e tenho muito
amor pra falar dele, desta
foi iniciada há mais de 30 anos. Seus avós eram de Candomblé e sua
Casa eu nunca sairia. Essa mãe também, entrou na religião devido a problemas de saúde, vivia
terra tem Axé. sempre muito doente.
No primeiro contato que teve com o seu Babalorixá Edinho, ela lhe
contou muitas situações que havia vivido e, já no primeiro banho de fo-
lhas que ela tomou, sentiu logo a diferença e uma melhora significativa,
uma alegria invadiu sua alma, pois, antes, andava sempre triste e toman-
do muitos remédios. Hoje, ela só tem a agradecer ao seu Babalorixá por
ter sua saúde. Relata que todos os dias o Orixá lhe prova a existência
dele: eu sigo seus ensinamentos e sempre aconselho aos jovens a tratarem
aos mais velhos com amor e carinho.
Seu Orixá significa tudo pra ela, nos fala que ele é muito difícil e raro
de se encontrar, ela diz que cuida com muito amor e carinho dele, pois
quando se é único na Casa, tem que dar tudo que ele quer e, no final, ele
sempre a retribui. Depois que fez esse Orixá tudo em sua vida mudou. Eu
estou aqui no meu Ilê Alabaxé e tenho muito amor pra falar dele, desta Casa
eu nunca sairia. Essa terra tem Axé.

330
Mãe Bem de Oxaguiã

J andaíra Cerqueira, mais conhecida como Mãe Bem, foi iniciada aos
Todos ajudam, mas na verdade,
é como se eu e ela fossemos uma
árvore com dois troncos.
4 anos de idade para Oxaguiã. Hoje, com 52 anos de iniciada, toma
conta da Casa que foi de seu pai juntamente com sua irmã Mãe Cacho.
Desde a morte de meu pai ficou eu e ela, ela e eu. Todos ajudam, mas na ver-
dade é como se eu e ela fossemos uma árvore com dois troncos.
Mãe Bem já teve sérios problemas relacionados à sua saúde, mas deixa cla-
ro que sua entrada no Candomblé não teve nada a ver com questão de doença.
Explica que seu pai queria deixar seus filhos (biológicos) todos feitos,
por questão de permanecerem na Casa, a fim de darem continuidade ao seu
trabalho e a sua luta dentro do Candomblé.
Mãe Bem é muito querida na comunidade, pois não desfaz de ninguém,
aprendeu com seu pai que todo e qualquer ser vivo deve ser respeitado, in-
dependentemente do credo ou da cor.
Na sua Casa, todos estão de braços abertos para ajudar e apoiar a quem
precisa, todos que chegam precisando de ajuda são bem recebidos: Se pre-
cisar também de ajuda estamos de braços abertos. Felizmente nunca sofremos
nenhum tipo de intolerância religiosa. Afirma Mãe Bem.

332 333
Iyalorixá Deleci

J
Sou do tempo em que às
orlanda Souza, tem 69 anos de idade, foi iniciada há mais de 50 anos,
18 horas, as crianças estavam
dormindo para poder cuidar das é de uma família onde os pais eram de Candomblé mas nunca tiveram
obrigações no dia seguinte. Casa aberta, entretanto, entretanto, depois do falecimento de sua mãe,
sua madrasta, que era Iyalorixá, a criou dentro do Candomblé. Assim, ela
foi iniciada com 13 anos de idade, e relembra: foi muito difícil, criança é
muito difícil, mas, quando Orixá escolhe, não tem jeito. Lembro que, naquele
tempo, havia muita perseguição policial, os ogãs eram presos, e eu entendia,
que quem fosse do Candomblé, ia pra cadeia.
Mas Dona Jorlanda, ou Iyá Deleci de Ogum, é uma rainha negra, que
com sua simplicidade e autoridade, conduz o Ilê Kodedê, além de ter gran-
de importância na Venerável Irmandade da Boa Morte de Cachoeira, Sou do
tempo em que, às 18 horas, as crianças estavam dormindo para poder cuidar
das obrigações no dia seguinte.
Durante a entrevista, conta que bolou em um riacho e ficou lá até o dia
seguinte, porque na época, as autoridades religiosas, ficavam observando,
para ver se era coisa de criança, invenção da cabeça ou era Orixá mesmo.
Quando fiz 14 anos de santo, aos 36 anos de idade, eu abri minha Casa, foi
Mira do Monte que me deu meu Deká, na época o Candomblé era muito difícil,
só se entrava pela dor. Era o orixá que dizia o que seria de você dali pra frente.
É de um tempo em que Yaô que não queria vir pra Casa de Candomblé
tomava ximba de Orixá, tempo em que as pessoas tinham que ir dormir
no Terreiro, ninguém chegava na hora, e quanto ao respeito a tradição diz:
Sempre chamei meus filhos pra dar conselhos, pois na minha Casa ninguém
responde a Ogã ou a Ekedi, aqui se tem respeito pelas tradições.
Conclui relembrando que é importante e necessário respeitar os mais
velhos, pois Pais e Mães de Santo da antiga, tem na memória muitos ensi-
namentos que só serão passados para pessoas que saibam o que representa
ser do Candomblé e a importância desta tradição religiosa.

334 335
Iyalaxé Preta

N
Geralmente, as pessoas
ascida em Cachoeira, no alto do Rosarinho, n°42, a filha de Dona
que fazem Santo quando
criança são como um jovem Baratinha, Juciara Silva da Paixão é mais conhecida como Iyalaxé
que entra na escola, tudo Preta, do Ilê Kaió Alaketu Axé Oxum, Terreiro da Nação Ketu
que vê é para aprender localizado em Cachoeira, Preta foi iniciada aos 9 anos de idade e tem hoje
e agem como papagaio;
repetem e, nessa repetição,
39 anos de Santo.
terminam aprendendo Após receber uma graça, acabou sendo iniciada, e, em reconhecimento,
tudo e todas as coisas vão aceitou os Orixás em sua vida. Seu padrinho ajudou a sua Mãe a lhe curar
ficando mais fáceis.
das vistas, e, então, foi aos poucos se dedicando aos mistérios do Axé. Ela
explica: geralmente, as pessoas que fazem Santo quando criança são como
um jovem que entra na escola, tudo que vê é para aprender e agem como pa-
pagaio; repetem e, nessa repetição, terminam aprendendo tudo e todas as coi-
sas vão ficando mais fáceis.
Tendo sido criada na Roça do IBC Alaketu, acompanhou também a Roça
Seja Hundê e outros Candomblés importantes de Cachoeira desde criança.
A Ialaxé Preta não queria aceitar o seu cargo no Axé, com medo do
tamanho da responsabilidade, então foi embora para São Paulo, arranjou
um emprego no Hospital Ipiranga, mas não conseguia parar em emprego
nenhum. Um dia bateu na sua porta uma senhora lhe pedindo uma ajuda e
ela fez essa caridade, no outro dia apareceu outra pessoa lhe pedindo outra
ajuda e novamente ajudou, e assim foi ajudando, não negava o socorro às
pessoas que lhe procuravam.
Somente depois de muita insistência de sua irmã e sua mãe é que foi
convencida das suas responsabilidades. Começou seus trabalhos de Iyá em
São Paulo, onde continuou ajudando muita gente e fazendo alguns Filhos
de Santo. Atualmente, ela se encontra como sucessora do Ilê Kaiô Ala Ketu
Axé Oxum, pois os Orixás, quando do falecimento da sua Mãe, resolveram
passar-lhe a Casa, entregando a Mãe Preta os Búzios e a responsabilidade
de conduzir o Axé.
Conclui falando da sua responsabilidade frente a esta importante Roça,
essas mulheres me deram muita força na vida, sem as filhas de minha Mãe
eu não seria nada, tenho certeza disso hoje. Eu tenho os meus filhos, então
junta-se o útil ao agradável, mas sem as mulheres dessa Casa, o Ilê Kaiô Ala
Ketu Axé Oxum, feita por Dona Baratinha, eu não seria nada nem ninguém.

336 337
Iyalorixá Lídia

L ídia Queiroz dos Santos, mas conhecida como Mãe Lídia é a Iyalorixá
Há nove anos recebo
homenagens concedidas na
tradicional festa do Bembé,
do Ilê Axé Iaomam, Terreiro localizado na cidade da Santo Amaro,
pelas ações sociais realizadas no Recôncavo baiano. Iniciada para Oxaguiã, em 1953, herdou a Casa
Terreiro. de Valeriana Lopes Pinto, filha de Emiliana do Bogum.
Mãe Lídia sempre foi uma mulher forte e dedicada a sua vida de Axé,
além de ser uma personalidade importante na cidade de Santo Amaro. Ela
é reconhecida pelos serviços prestados à comunidade e pela sua disposição
pra ajudar ao próximo. Há nove anos recebo homenagens concedidas na tra-
dicional festa do Bembé, pelas ações sociais realizadas no Terreiro, destaca,
dentre os seus filhos notórios, destaca-se Pai Pote, de quem é Mãe Pequena.
O Ilê Axé Iaomam é uma das Casas mais antigas da cidade. Recente-
mente, uma Lei Municipal garantiu a posse de um terreno para que o Ter-
reiro fosse ampliado. Uma vitória para nossa Casa, mas, acima de tudo,
uma vitória para o Povo de Santo, reconhece.

338 339
Mãe Teni

M ãe Taníria do Nascimento, conhecida como Mãe Teni, ocupa o


É mais complicado você
dar continuidade a uma Casa de
Tradição, que já vem de outro
cargo que era de sua Mãe, falecida há sete anos. Por motivos
tempo, do que iniciar a sua religiosos, foi indicada para assumir este importante cargo no
própria história. Terreiro Zazi Mavu Unke de Zambi, da Nação Angola, localizado em São
Francisco do Conde e conta com o apoio da sua família biológica, que tem
relações antigas com as religiões de Matriz Africana.
Sua entrada no Candomblé se deu por motivo de doença, ela conta que
levava meses e mais meses sem dormir, até que o Santo de sua Mãe disse
que ela tinha que se iniciar na religião. Taníria não aceitou, chorou muito e
sempre disse não querer aquela responsabilidade, lutou muito com sua mãe
para não se iniciar, mas hoje é agradecida por tudo.
Um dos seus temores era ver a angústia da mãe ao querer ajudar todas
as pessoas necessitadas, achava que não conseguiria cumprir sua missão
com tal responsabilidade. Mas agora está nesse caminho e tem o compro-
misso de alimentar o Axé que sua Mãe vem construindo há tantos anos,
sabe que é difícil, entretanto, vem conseguindo manter a Casa apesar de
todas as dificuldades.
É mais complicado você dar continuidade a uma Casa de Tradição, que
já vem de outro tempo, do que iniciar a sua própria história.
Dentro da religião uma das coisas que mais a marcou foi poder pre-
senciar à sabedoria de sua mãe, pois mesmo não sabendo ler e assinar seu
próprio nome, era capaz de falar iorubá, banto e outras linguagens. Diante
de tudo isso, Mãe Taníria não cansa de repetir que se ela foi escolhida pra
ficar no lugar de sua mãe, não deixará seu legado morrer.

340 341
Iyalorixá Yara

A relação de Marinalva Machado Timóteo com a religião começou


Mãe Yara do Terreiro de Oyá
em Santo Amaro, nasceu em
Salvador, mas recebeu o título de
muito cedo. Com apenas 7 meses de vida, Mãe Yara, como é conhe-
cidadã Santo-amarense. cida, passou mal e foi levada ao hospital. Lá, não respondia a ne-
nhum estímulo, e passou três dias internada, mas sem apresentar nenhum
diagnóstico, os médicos mandaram os pais levarem a garota pra casa.
Desesperada, a mãe de Marinalva seguiu o conselho de uma senhora
que conhecera na rua, e levou a criança numa Casa de Candomblé. Os mais
velhos contam que me levaram para a Casa de Artur, no Nordeste de Ama-
ralina, durante o jogo de búzios, uma das pessoas que estava na Casa virou
no Santo, e, ao soltar o Ilá, subitamente acordei. Foi entendido, então, que eu
estava manifestada com Oxóssi, relembra Marinalva.
Passado, cinco anos, Marinalva foi para o Abrigo Salvador, onde du-
rante anos, passou a ser criada pelas freiras. Lembro-me que num determi-
nado dia, quando estava na Capela, durante as orações, uma das freiras se
assombrou ao ver dois espíritos ao meu lado, relembra. Após nove anos vi-
vendo no Abrigo, Marinalva deixou o local, pois aos 14 anos alcançara o
limite de idade. Quando saí do abrigo, fiquei bastante abalada, então decidi
ir pra Casa de Sinésia de Ogum, em Cosme de Farias, onde fui iniciada pra
Oyá. Anos depois de iniciada e com as obrigações em dia, Mãe Yara fundou
o Terreiro de Oyá, em Santo Amaro.

342
Mãe Aurinha

M ãe Aurinha, do terreiro Angurucema de Unzambi, Nação de


Angola, em São Francisco do Conde, é mãe de 2 filhas (biológi-
cas) e 1 adotivo, tem uns 50 anos de Ngunzo, possui 51 pessoas
iniciadas na sua Casa e tem uma história de luta, fé e resignação.
Desde muito cedo a família de D. Auristela, hoje conhecida como Mãe
Aurinha, percebia algo de muito estranho com ela, tinha algo que se apo-
derava da menina, e todos sofriam com tal situação, a família não aceitava,
pois eram da igreja e na verdade não sabiam o que acontecia, eu estava aca-
bando com toda minha família.
Auristela, se flagelava, sem saber os reais motivos por que isto aconte-
cia, até o dia que sua madrinha resolveu se responsabilizar pela criação da
afilhada. Então, a levou numa sessão na Fazenda São Roque e lá cuidaram
dela, ele se chamava Fidelis, ela ficou boa e nada mais de estranho aconte-
ceu. Mas antes dela ir embora, Fidelis disse, que, no futuro, ela teria que
abrir uma Casa.
E assim foi feito, hoje ela tem a sua Casa em São Francisco do Conde, e
muito respeito pelo seu Caboclo, que anda sempre com ela e a ajuda mui-
to em tudo, as pessoas tem muita fé, respeito e devoção por ele. Emociona-
da, relembra de tudo que já sofreu durante a sua vida, mas agora, ela vive
para ajudar as pessoas, que batem a sua porta. Foi o caso da sua Irmã Bil,
que chegou à porta dela amarrada em peia, uma corda que é utilizada para
amarrar cavalos e precisava de 10 homens para segurá-la. D. Auristela cui-
dou dela, hoje ela tem o seu próprio terreiro e segue bem de vida.

344 345
Kota Alva Célia

A lva Célia Medeiros, Mãe pequena do Terreiro de Angurucema de


A preocupação dela é
preservar, também, a memória
secular do Lindroamor para
Unzambi, é professora e Mulher de Ngunzo que lutou para revi-
torná-lo conhecido em toda talizar o Lindroamor, importante grupo cultural de São Francisco
parte: esta cultura aqui do do Conde, Região Metropolitana de Salvador. Alva Célia é responsável pela
Terreiro já me levou à França.
parte sócio-cultural da Casa, mais lembra daquelas e daqueles que ajudam-
Foram 30 dias levando essa
cultura que desenvolvemos aqui no na a realizar esse trabalho. Ela possui uma equipe de 12 pessoas formada por
Terreiro de Candomblé. Ekedis e Ogãs da Casa.
A sua fala é carregada de orgulho e alegria pelo trabalho que, junto
com a comunidade, ajudou a realizar, quando, no ano de 1993, revitaliza-
ram o grupo de Samba Lindroamor.
Foi um trabalho minucioso. Tive que procurar, junto à comunidade, in-
formações de quem já havia participado do Lindroamor para, assim, poder
revivê-lo baseado nos tempos antigos.
Atualmente, com o auxílio da equipe que ajudou a formar dentro do
Terreiro, se orgulha em conseguir o envolvimento da comunidade. Foi o
contato com as pessoas certas que ajudou no êxito da revitalização deste im-
portante samba de roda da região do recôncavo.
A preocupação dela é preservar, também, a memória secular do Lin-
droamor para torná-lo conhecido em toda parte: esta cultura aqui do Terreiro
já me levou à França. Foram 30 dias levando essa cultura que desenvolvemos
aqui no Terreiro de Candomblé. Perseverante, a professora, tenta, de todas as
formas, trazer a comunidade para perto e assim poder discutir também sobre
intolerância. Esse tema atinge profundamente todos nós, afirma.
Hoje, com a ajuda de outras pessoas envolvidas nos projetos, desen-
volve ações que ajudam na capacitação de jovens e adultos. No Terreiro
é oferecido curso de panificação e culinária e ainda nas dependências há
uma cozinha industrial para desenvolver os cursos e melhor atender a
toda a comunidade.

346 347
Mãe Jandira de Yansã

J andira Alves das Neves é a Iyalorixá Jandira de Iansã, do Terreiro Ilê


Axé Ibaleci, de Nação Ketu, localizado em São Cristóvão. Com 41 anos
de iniciada, pela tradicional Iyalorixá Margarida de Oliveira e neta do
respeitado Manoel Neve Branca, Mãe Jandira expressa a decepção com a
falta de respeito e exposição do Candomblé na internet. Conta, que aos 22
anos de idade foi iniciada, e, desde então, assumiu com responsabilidade as
obrigações e sua fé nos Orixás.
Com as obrigações completas e tendo consciência que o Axé é força, a
Iyalorixá declara: No meu Candomblé não quero quantidade e sim qualida-
de, porque às vezes o que nos decepciona não é o Candomblé e muito menos
os Orixás, mas a humanidade de cada pessoa. Eu quero qualidade, por que
Candomblé é resignação e grandeza. É uma religião muito forte!

348 349
Mãe Irene de Oxum

N ascida em junho de 1956, Regina Dantas Santos, conhecida como


Mãe Irene de Oxum, é uma Mulher de Axé que desenvolve suas
funções religiosas, políticas e sociais no distrito de Muribeca, ci-
dade de São Francisco do Conde.
Mãe Regina conta que aos 11 anos de idade seu pai de sangue, Domin-
go Dantas, iniciado pra Ogum, levou-a, pela primeira vez, a um Terreiro de
Candomblé pra tratar de problemas de sáude. Dois anos mais tarde, ela bo-
lou no Santo e foi iniciada pra Oxum. Pagou todas as obrigações com João
Capstânio de Jesus, conhecido como Joãozinho.
Após obrigação de sete anos, em 1979, Mãe Regina Dantas, leva consi-
go Xangô Obaladê da Casa de seu Pai de Santo e funda o Ilê Axé de Oxum
Ewi. Na condição de uma das primeiras ocupantes do loteamento, Mãe
Regina afirma que tem o respeito da comunidade. Quando a maioria che-
gou aqui, já encontrou o Terreiro em funcionamento. A comunidade recebe,
através do Terreiro, as cestas básicas do Programa Fome Zero do Governo
Federal.
A Casa tem personalidade jurídica constituída, O Cantinho da Sereia,
que também funciona como estabelecimento comercial e que ajuda na ma-
nutenção do Terreiro, que conta também com a colaboração de alguns fi-
lhos de Santo. Entre iniciados e abians a Casa, que é da Nação Ketu, conta
hoje com aproximadamente 220 Filhos e Filhas de Santo.

350 351
Iyalorixá Rosemeire

U ma mulher poderosa. Essa é a impressão que fica registrada pra


Ainda menina, Rosemeire adorava
tocar Rum e já se familiarizava
com os segredos e fundamentos
quem tem o privilégio de conhecer Rosemeire de Aguiar Santos,
do Axé. Em 1992 foi iniciada pra Iyalorixá do Ilê Axé de Ogum Marinho, situado na cidade de São
Nkosi com Bamburucema por pai Francisco do Conde, Bahia. Mãe Rosemeire herdou a Casa de seu pai san-
Benedito, e aos 23 anos assume a
guíneo, Antônio Dos Santos, Pai Toti, que, ainda em vida, quando Rese-
Casa de ketu fundada por seu pai.
meire tinha apenas 13 anos de idade, reuniu toda a comunidade do Axé e
revelou que era vontade do Orixá que Rosemeire assumisse as funções da
Casa. Naquela época, era o centro do Caboclo Pena Verde.
Os problemas surgiram e foram muitos. Era jovem, iniciada no Angola,
herdara uma Casa de Ketu. Muitos filhos se afastaram. O fato de ser abiku
e não rodar no Santo, só aumentava as dificuldades, mas ela não se abalou.
Passou a desenvolver todas as funções necessárias num Terreiro.
Mãe Rosemeire ampliou o Terreiro e conta com uma média de 36 pes-
soas na Casa por dia, juntamente com os filhos e filhas de Santo. Mantém a
Casa praticamente sozinha. É taxista, além de dirigir para refinaria Produ-
mar. Tem três carros próprios, faz transporte de pessoal e passeios. Dirige
caminhão e ônibus. Gosta de estrada, uma legítima mulher de Ogum. Uma
grande mulher de Axé.

352
Ebomi Valtina de Iansã

R espeitar e cuidar do próximo é uma das lições que Valtina Correia


Eu andava bebendo e muito a
toa, perdia noite e vivia uma
vida miserável, quando aos 35
dos Santos, a Mãe Valtina do Terreiro de Santa Bárbara, localizado
anos de idaade minha Mãe me em Lauro de Freitas, tem para si. Após perder a sua Mãe de Santo
levou a Dominga de Caloyá e fui buscou uma nova Casa e assim encontrou o Babalorixá Valdemir de Iansã,
inciada no Candomblé.
seu atual líder espiritual, que passou a cuidar dela, após essa perda.
Filha de Iansã, é grata ao Axé e a sua Mãe Iansã, a quem tem dedicação
e amor, minha mãe me deu tudo o que tenho e me fez ser quem eu sou. Sou
uma Iyalorixá pelos anos que tenho de feita, pelas obrigações cumpridas e
pelo Deká que meu Pai Valdemir me deu por saber das minha fé inabalável e
responsabilidade com uma religião tão complexa e que sofre tanto preconceito.
Feliz e satisfeita pela condição que o Axé lhe deu, pela vida que leva com
seus filhos e com seu Pai de Santo afirma Faria tudo novamente, tudo por
minha Mãe Yansã. O Candomblé é tudo! Sou muito grata!

354 355
Mãe Berenice
Jelita do Samba
M ãe Berê de Ogum, como é mais conhecida a Mameto Bereni-
O Orixá está em primeiro lugar.
O Orixá faz a gente lutar, faz a
ce Borges, é a responsável pelo Terreiro Unzu Mucumunge-

J
gente remover montanhas sem
sentir. Pense em ter ele ali na re D’ozam, na cidade de São Francisco do Conde. Entrou na O Candomblé é um poço oselita Moreira da Cruz Silva tem 76 anos de idade e 13 de iniciada,
fundo, e não há ninguém
sua frente no sonho, levante e religião a partir de uma visita que fizera a um Terreiro, onde acabou que vá ao fim dele.
mais conhecida como Jelita por causa do samba de roda, nos confessa
vença. Não importa o tamanho
bolando no Santo e foi, consequentemente, iniciada. Mulher devotada que tem muitos apelidos: é Jelita do samba, Jelita da marujada, por-
da Casa que se frequente, o que
importa é a fé que cada um traz e de fé, afirma que, apesar de todas as dificuldades, acredita em Deus que ela é madrinha do conjunto. Além de fazer parte do samba da rapariga,
quando está ali naquele local e na força dos Orixás. samba mirim e do rancho do papagaio, faz parte de quase todos os grupos
seja ele pequeno ou grande. Na época de sua Obrigação de Feitura, Mãe Berê trabalhava com Mãe culturais de Saubara.
Alva Célia do Grupo Cultural Lindroamor e lembra que já havia sentido Sua entrada no Candomblé foi muito sofrida, ela não queria saber des-
aquela força outras vezes, mas nunca com a intensidade que a fez desacordar. ta religião, não aceitava. Dona Jelita foi uma pessoa que vivia muito doen-
Mãe Berê relembra ainda os contos da sua madrinha, que dizia que te, sem estar doente, pois os médicos diziam que ela não tinha nada. Certa
quando ela tinha apenas sete anos, passou debaixo da cachoeira e quando vez, uma médica disse a ela que fosse embora e deixasse o hospital para
foi vê-la, a menina já estava no rio pegando caranguejos. Seu cabelo era quem precisava de verdade.
grande e sua madrinha, no desespero, cortou e colocou em cima de um Após todo tipo de resistência pessoal, Dona Jelita, fez as obrigações
morro, debaixo de uma pedra. religiosas e abriu a Casa, que foi registrada por Mãe Alice como Terrei-
A partir daquele dia, alguma coisa mudou dentro de Berê, ela passou a ro de Boiadeiro. Em meio a tantas dificuldades conclui, o Candomblé é um
ter visões e a aprender a fazer algumas coisas que não sabia. poço fundo, e não há ninguém que vá ao fim dele.

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Iyakekerê Eva de Oxalá
Maria Edelzuita de Nanã

E va Vilma Junqueira Bacelar dos Santos, é a Iyakekerê Eva de Oxa-


O Candomblé é uma doutrina

M
digna de respeito voltada ao
Eu não acreditava em aria Edelzuita Bulcão, conhecida como Iyalorixá Maria Edelzui- crescimento espiritual...
lá, no Terreiro Ouro de Ayrá, e tem uma visão sobre a intolerância
Candomblé, bebia e fumava
muito e até fazia brincadeiras
ta de Nanã, é filha de santo de Mariinha, e foi iniciada em 12 de esclarecedora, ela encara a intolerância como uma cegueira fruto da
sobre o Candomblé, mas minha outubro de 1960, tendo recebido o Deká em 1996 pelo babalori- falta de educação e preconceito. Acredita que, para resolver esta situação,
mãe muito desesperada pela xá Everaldo Cardoso Brito. Como acontecia de maneira recorrente, chegou seria necessário pesquisa e estudo real para romper com as mentes que ainda
minha situação de alcoólatra,
no Candomblé como muitas outras pessoas, através da dor, e diz: Eu não são escravizadas. Para Mãe Eva, enquanto não existir um órgão que possa
solicitou ajuda aos Orixás,
inicialmente, eu resisti, mas acreditava em candomblé, bebia e fumava muito e até fazia brincadeiras so- aprofundar a discussão sobre a realidade da doutrina do Candomblé, have-
estou aqui e agora não tenho bre o candomblé, mas minha mãe muito desesperada pela minha situação de rá intolerância.
nenhum arrependimento, amo a alcoólatra, solicitou ajuda aos Orixás, inicialmente, eu resisti, mas estou aqui Mãe Eva tem 7 anos de iniciada, e valoriza a ancestralidade com a
minha religião.
e agora não tenho nenhum arrependimento, amo a minha religião. maior convicção que possa existir dentro dela.
Tem documentação do terreno onde está localizado o Terreiro Odé Kas- Por motivos fortes e urgentes, foi indicada a ser a Iyakekerê da Casa
simicongo, da Nação Keto, e, diferente do que acontece com muitas Casas após 3 anos de iniciada e acredita que está no caminho certo. Valoriza a
de Axé, ela tem muito orgulho em dizer que o terreno, onde está localizado relação de cuidado com o outro e passa para os seus Filhos de Santo que,
o terreiro em São Francisco do Conde, foi doação própria, para o fortaleci- assim como um crescimento espiritual é importantíssimo o crescimento
mento da Religião que tanto ama: O terreno é nosso, eu mesma fiz a doação profissional, que é preciso estudar para saber discutir e eliminar qualquer
dele para o Terreiro. preconceito que possa vir a atingi-los.

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Ebomi Williana

I niciada para Odé pelo Babalorixá Poti do Ilê Axé Oju Onirê, em fevereiro Iyamorô Manoela de Ogum
Se hoje tenho vida,
agradeço a Oxóssi.
de 2001, Williana da Cruz Araújo é uma Mulher de Axé que afirma que
sua vida é fruto da fé nos Orixás. Se hoje tenho vida, agradeço a Oxóssi,

M
Estou pronta pra luta, pra
afirma Ebomi Williana. Relata-nos que a sua família era ligada à Umbanda, ulher de presença forte e postura firme, dona de um olhar man-
defender minha religião, meu
aos 13 anos de idade, durante uma cerimônia, ela bolou, mas seu pai não per- Orixá, minha crença.
so, mas, ao mesmo tempo, intimidador, Manoela Pereira da Sil-
mitiu a iniciação e, logo a partir daí, surgiram os problemas. Com dores de va, a Iyamorô do Ilê Axé Oju Onirê, é filha do Babalorixá Poti,
cabeça intensas, os estudos ficaram comprometidos. A garota não conseguia e tem sua história de vida marcada pela fé, coragem e dedicação aos Orixás.
se concentrar e os médicos não apresentavam nenhum diagnóstico. Quando criança, Manoela da Silva sofreu um acidente muito grave,
O Caboclo Boiadeiro de Dona Laurência, durante uma visita, confir- mas Ogum a salvou. Já recuperada, Manoela foi a uma cerimônia de Can-
mou a necessidade de iniciação para evitar problemas maiores, mas o pai de domblé, e, no mesmo dia foi recolhida, mesmo contra a vontade da família.
Williana continuava irredutível, não permitia. Aos 15 anos de idade, enfim, Por intolerância, minha mãe biológica levou a polícia até o Terreiro e me ti-
fez um trabalho com mãe Lídia e apresentou uma melhora significativa. rou do roncó. Saí em um dia e retornei no outro para concluir meu processo de
Casou e teve filhos... tempos depois, ao ir em uma festa em Jacuípe na iniciação, ainda recém operada, relata.
Casa de Adauto de Ogum, bolou e foi recolhida. O Caboclo Mata Escura, Atualmente, Manoela exerce a função de Iyamorô no Ilê Axé Oju Onirê,
porém, mandou levantar e retirar Williana do roncó, afirmando que a hora em Santo Amaro, onde realiza uma série de projetos sociais, e é conhecida
certa ainda iria chegar. E chegou, hoje é Ebomi Williana. no meio religioso como uma defensora aguerrida do Candomblé.

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5
Região
Metropolitana
Ara wara kosi mi fara!

Todos unidos no mesmo corpo, nada há


no mundo que possa contra mim!
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Ebomi Cici de Oxalá

E ducadora, escritora, pesquisadora, contadora de histórias, mas, antes


de tudo, uma Mulher de Axé, Nancy de Sousa, é mais conhecida como
Ebomi Cici. Nasceu em 2 de novembro de 1939, no Rio de Janeiro,
mas radicou-se na Bahia. Filha do Ilê Axé Opô Aganju, fez Santo em 18 de
janeiro de 1972, em Lauro de Freitas, no Terreiro de Balbino Daniel de Pau-
la, Pai Obaràyí e ocupa importante função religiosa na sua Casa de Axé.
Com simplicidade, leveza e sabedoria, Ebomy Cici conta que teve o seu
primeiro contato com o Candomblé aos 6 anos de idade, através dos seus
dois tios, um de Oxóssi e outro de Ogum e que, a partir daí, iniciou a sua
jornada por um mundo novo e fantástico pelo qual ela tem amor, carinho,
muita fé e devoção.
Explica que, no passado, as coisas aconteciam de maneira diferente: a
gente chegava e ficava na Roça do Candomblé. Tínhamos que levar a nossa
roupa e não sabíamos nada, quando chegava o momento, a mais velha chega-
va, nos pegava pelo braço e nos levava.
Mulher sábia e generosa, Ebomi Cici, com o seu jeito tranquilo de
uma verdadeira filha de Oxalá, sempre se disponibiliza para ajudar. Se
doa e entrega, e, neste cotidiano, tem feito inúmeras ações positivas para
o Povo de Santo, pois de pesquisa em pesquisa, muitos preconceitos são
desestimulados.

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368 369
Mãe Carmen

C armen Alves da Silva Nascimento nasceu em 5 de setembro de 1924,


Candomblé é a minha vida, foi
onde eu encontrei a cura e até hoje
não tenho decepção nenhuma.
tem 88 anos de idade, e 74 de iniciada, é a Iyalorixá mais antiga de
Camaçari, onde é a Sacerdotisa do Terreiro Tombelazaze, da nação
Angola, a sua Casa de Candomblé que está aberta há 45 anos no município.
Iniciada aos 14 anos de idade para o Inquisse Zaze, por Mãe Nitinha de
Guatinayá, no bairro da liberdade, relembra que a história no Candomblé
remonta a tradição familiar, a saúde não andava boa e a família resolveu
iniciá-la, depois deste momento só tive alegria, diz sorrindo.
Mãe de 12 filhos biológicos, morava na Sussunga de São Caetano e to-
cava o Candomblé no fundo da própria casa e uma amiga a convidou para
conhecer o terreno em Camaçari onde hoje está situado o seu Terreiro de
Candomblé até hoje, o Deká só foi recebido após 34 anos de iniciada.
Com uma expressão séria e entremeada de sorrisos, conclui a conver-
sa arrodeada de filhos de Santo dizendo: A primeira coisa no Candomblé é
o respeito aos Inquisses e aos mais velhos, a segunda é a obediência, pois ela
cabe em todo lugar, e a terceira é amar a si e ao próximo, isto é saber viver.

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Mãe Lúcia

O Terreiro São Jorge Filhos da Goméia é uma das Casas de Candom-


O nascimento de uma nova árvore,
simboliza o nascimento de um
novo momento, uma nova era,
blé mais antigas de Lauro de Freitas e a primeira do Estado a ser
uma nova gestão. tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
(IPAC). Foi fundada pela lendária Mãe Mirinha de Portão, uma matriarca
de poder, sabedoria e descendente direta de Joãozinho da Goméia, intitula-
do Rei do Candomblé, pela rainha da Inglaterra em visita ao Brasil.
O Terreiro da Goméia, em Portão, tem uma vasta relação social com a
comunidade. Desenvolve cursos de dança, percussão, corte e costura e co-
midas típicas. É de lá que sai o bloco afro que mais tem crescido nos últi-
mos tempos, o Bankoma, que mobiliza a cidade durante o carnaval.
Hoje, à frente de todo esse legado herdado de Joãozinho e Mãe Mirinha,
está a Mameto Lúcia Santana Neves, conhecida como Mãe Lúcia, Mulher
de Gunzo, iniciada ainda muito nova e que sentiu na pele o peso de ter que
assumir uma Casa como o São Jorge da Goméia.
Foi muito difícil... estou à frente da Casa há vinte anos e, no início, nin-
guém acreditou que daria certo. As pessoas se afastaram do Terreiro, outras
chegavam, passavam por mim e procuravam a Mãe de Santo. Chegamos a
reduzir para cinco pessoas o número de frequentadores do Terreiro.
Mas, em 2006, a grande árvore de Tempo, que ficava dentro do Terrei-
ro, caiu sem causar nenhum dano. No mesmo local, nasceu outro pé de Ga-
meleira e isso, para a Mameto traduziu o que os Inquisses estavam dizen-
do. O nascimento de uma nova árvore, simboliza o nascimento de um novo
momento, uma nova era, uma nova gestão.
Hoje, o Terreiro São Jorge Filhos da Goméia, regido por Gongobira,
está em pleno funcionamento. A Casa respira alegria, movimento e religio-
sidade e, no centro de tudo isto, está a figura desta grande Mulher e filha
de Bamburucema.

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Mãe Branca

C om 66 anos de idade, e 51 de iniciada para o Orixá Omolu por Mãe


Omolu para mim é tudo, aliás,
os Orixás para mim são tudo.
Tieta de Iemanjá, Iyakekerê da Casa Branca, Mãe Branca, como é
comumente conhecida Maria Célia Reis, chegou no candomblé por
motivo de saúde e é filha biológica de Mãe Mocinha de Oyá de quem her-
dou a responsabilidade espiritual de cuidar do Ilê Axé Taoyá Lonin, um
belo terreiro localizado em Vila de Abrantes, Camaçari.
Extremamente devota e com muita fé, começa a entrevista dizendo: Fé
é fé, amor é amor. O Orixá! O Orixá é amor, carinho e respeito. Os Orixás
têm me dado tudo, eu tenho amor, tenho saúde, e tenho muita paz. O que é
mais importante do que isto?
Nascida e criada na Federação relembra que por lá tem muitas amigas e
amigos do Candomblé, que nem dá para enumerar. É gêmea, e das duas ir-
mãs, ela sempre teve a saúde mais frágil, lembra que entrou na Religião por
este motivo, mas o santo resolveu esta, e todas as outras questões para ela.

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Mãe Antonieta de Ogum

A ntonieta Ribeiro da Silva foi iniciada para Ogum, na Casa Bran-


ca, em Outubro de 1970, por Mãe Caetana Bambogsè. Nascida na
cidade de Jequié, em 1937, logo cedo, manteve contato com a re-
ligião, pois seu pai biológico era Babalorixá, mas, devido ao preconceito,
Antonieta nunca quis fazer parte do Candomblé.
Aos 15 anos, casou-se com um jogador de futebol e aos 21 mudou-se
para Salvador, onde se formou em Técnica de Enfermagem. Trabalhou
no Hospital Couto Maia e, em uma das escalas, dividiu plantão com uma
Ekedi da Casa Branca. Neste dia, ao sair do trabalho, a Ekedi pediu que
Antonieta a ajudasse a levar umas compras até o Terreiro, pois era dia da
Festa de Oxóssi. Foi o suficiente. Ao se aproximar do Axé, o Orixá Ogum
manifestou-se e a levou para dentro do Terreiro.
A partir de então, virou uma Mulher de Axé, e, de maneira responsá-
vel, Mãe Antonieta cumpriu com todas as suas obrigações, recebeu Deká,
comprou um terreno e em 1981 fundou o Ilê Axé Ogum Ladê Iyá Omin,
Casa de Ogum tendo Oxalá como cumeeira, em Itinga, no município de
Lauro de Freitas.
Mãe Antonieta lembra um fato curioso ocorrido durante seu processo
de iniciação. Ela conta que, quando recolhida, tentou fugir da camarinha
pelo barracão da Casa Branca, no entanto, ao chegar no barracão, percebeu
que todas as portas e janelas haviam desaparecido, foi repreendida por sua
mãe criadeira e novamente recolhida à camarinha. No dia seguinte, só por
uma questão de curiosidade, pediu para ser levada ao barracão e lá estavam
as portas e janelas em seus devidos lugares.
Mãe Antonieta é um exemplo vivo de compromisso e seriedade para
com a religião, uma Mulher de Axé de postura incontestável.

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Mãe Dulce

D ulce Silva Lino, é a Iyalorixá Dulce de Oxum, do Ilê Axé Ogum


Não pretendo encher minha
Casa, aqui é uma Casa de
Orixá e os que quiserem
Omim Kayê, da Nação Ketu, localizado em Salvador e tem 37
permanecer com amor, anos de iniciada no Terreiro Olufanjá pela Iyalorixá Elmira Cos-
com respeito e com fé, ta Oliveira, já falecida. Mãe Dulce tem na sua Casa 20 Filhos de Santo
permanecerão.
iniciados e feitos. A sua trajetória no Candomblé começa por questão de
saúde, quando ela deixa a Igreja Assembleia de Deus, e começa a dedicar
sua vida aos Orixás.
Ela conta que muitas pessoas chegam pedindo socorro e suplicando
aos Orixás pela sua saúde e depois, por qualquer motivo, acabam se afas-
tando e buscando às Igrejas Pentecostais. Quando isto acontece, ela se sente
muito triste, mas entende que cada um tem o seu caminho. Não pretendo
encher minha Casa, aqui é uma Casa de Orixá e os que quiserem permanecer
com amor, com respeito e com fé, permanecerão.
Relembrando a sua história, Mãe Dulce relata os momentos difíceis
que enfrentou devido à intolerância religiosa foram tantas divergências com
meus vizinhos pertencentes a uma igreja que abriram na rua em que moro
que fiquei triste, já jogaram punhado de sal na minha mesa, como também
óleo em minhas plantas. Em contrapartida, ela responde pedindo respeito,
assim como ela respeita todo mundo. Já foi evangélica e sabe que existem
muitas pessoas sérias, como também há outras que vivem para macular a
imagem do Candomblé, dos Orixás e de seus adeptos.
Às vezes, nos afastamos dos Orixás, mas não podemos perder a fé, diz
ela emocionada, e afirma, já recebi muitas bençãos e as continuo recebendo
todos os dias!

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Mãe Lia de Xangô

V indo de uma família enraizada no Axé, Mãe Lia de Xangô foi ini-
ciada no Ilê Alabaxé, pelo Babalorixá Edinho de Oxóssi e hoje tem
a sua própria Casa, Ilê Alabaxé Omom, localizado em Lauro de
Freitas. Com 42 anos de iniciada relembra: Relutei muito para entrar na
religião, devido ao sofrimento e toda história de dificuldades da minha famí-
lia. Para ela, o rigor da época a espantou muito e fez com que não quisesse
seguir os preceitos da religião de forma imediata.
Todavia, mesmo relutante, gostava de participar das cerimônias e obri-
gações dos Orixás no Terreiro do seu tio. Esse contato fez com que, aos pou-
cos, meu coração fosse se sensibilizando para o Candomblé, pois o Orixá é
algo imensurável à força humana, destaca. A partir daí, foram feitas as pri-
meiras oferendas que antecederam a sua feitura.
Hoje, após anos iniciada, Mãe Lia, se destaca no cenário das Religiões
de Matrizes Africanas da cidade de Lauro de Freitas e do Estado da Bahia,
bem como, no apoio às manifestações culturais afro-brasileiras desenvolvi-
das na cidade.

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Oyá Tundê

M aria Djalma Brito é a 9ª Filha de Santo de Odé Kaoidê, Mãe Stela


Hoje, o Ilê Axé Oyá Toyá está
pronto, 18 filhos de Santo,
mais simpatizantes e visitantes
de Oxóssi. Oyá Tundê, como é mais conhecida, foi iniciada para
movimentam a Casa que é Iansã no Ilê Axé Opô Afonjá no ano de 1978 e mantém uma re-
regida por Xangô. A Iyalorixá já lação intensa com seu Orixá, algo que lhe proporciona incríveis vivências e
estuda a aplicação de um projeto
experiências que resultam em verdadeiras lições de vida, como a que viveu
social voltado para crianças e
adolescentes da comunidade do quando recebeu de seu tio Obaràyí o cargo no Ilê Axé Opô Aganju, inician-
entorno do Terreiro. do um novo ciclo em sua vida de Axé.
Em 1995, Dona Djalma viajou para Minas Gerais na tentativa de fugir
das suas obrigações. Lá vendeu muito acarajé e chegou a criar o carnaval
fora de época. Mas Iansã tinha outros planos para ela. Então, no ano de
1996, volta à Bahia e compra uma casa no bairro de Areia Branca, onde
passa a desenvolver suas atividades espirituais. Seria um local onde ela
cuidasse apenas de seus pertences espirituais, mas logo Iansã mandou que
procurasse um lugar com água, o que fez com que Oyá Tundê comprasse
um terreno perto da CEASA, um lugar com um bonito lago de águas limpas
onde começou a construir o seu Terreiro. Mas o que deveria ser o começo
de um sonho, logo virou aflição. No terreno adquirido não era possível fa-
zer construções por imposição da CHESF e da EMBASA.
Desesperada e depois de já ter concentrado muito dinheiro na constru-
ção, a Iyalorixá apelou para o sagrado. A resposta veio rápido. O Caboclo
mandou que ela construísse a sua Casa antes de qualquer outra. E ela assim
o faz. Em seguida, o alvará foi liberado e a Casa continua funcionando até
hoje com o nome de Ilê Axé Oyá Toyá.
A Casa é regida por Xangô e a Iyalorixá já estuda a aplicação de um
projeto social voltado para crianças e adolescentes da comunidade do en-
torno do Terreiro. Maria Djalma, Oyá Tundê, afirma que sua trajetória foi
marcada por dificuldades fora e dentro da religião mas, para sua felicidade
e comprovação da sua linhagem ancestral, ela concebeu um dos dois únicos
filhos de Dadá do estado da Bahia.

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Mãe Amélia Santos

N ascida no dia de Santa Amélia, santa que dá origem ao seu nome, a


Nunca devemos perder a fé
em Deus e nos Orixás.
filha de Mãe Hilda Jitolu, e neta de Mãe Tansa da Cacunda da Iaiá,
hoje tem a sua própria Casa de Axé, localizada em Simões Filho.
Conta Mãe Amélia, que vinda de uma família de Axé, até chegou a traba-
lhar como auxiliar de enfermagem, todavia, diante dos tantos sofrimentos
que presenciava na profissão, foi obrigada a abrir mão do emprego, vez que
também ficava doente por conta da intercessão do seu Caboclo nas dores dos
pacientes. Nessa ocasião, o seu Caboclo já era presente na sua vida.
Segundo Mãe Amélia, ainda criança, seu pai a levara ao Candomblé
e, naquela época, já começara a ver as coisas. A Mãe de Santo falou que
quando chegasse a época certa teria que cuidar do Orixá. Aos 15 anos,
quando se casou, o Santo, mais uma vez, requisitou cuidados, era chega-
da a hora. Foi quando seu pai a deixou sob os cuidados de sua madrinha
em uma Casa de Oxalá.
Aos 28 anos, casada com um marido que não aceitava a sua religião, foi
orientada pelo Caboclo Boiadeiro, seu guia espiritual, a vender tudo que
tinha a fim de construir seu Terreiro em um terreno na localidade de Pal-
mares, no município de Simões Filho. Esse terreno fora conseguido atra-
vés de uma amiga, sendo a Casa construída através de doações e trabalhos
voluntários. Quando a Casa ficou pronta e não se tinha dinheiro para co-
locar o telhado, eis que aconteceu um fato curioso: Depois de 12 dias, um
vizinho adoeceu, estava com o corpo todo ferido e pediu auxílio. Foi então
que Boiadeiro iniciou um tratamento. O filho do vizinho, vendo o esforço
feito no sentido de ajudar o pai, prometeu que se o mesmo ficasse bom, ele
iria cobrir o telhado. Então, aos 21 dias, para a surpresa geral, o homem já
estava todo cicatrizado. Mandaram chamar um médico que atestou que o
senhor estava bom. Seu filho então, cumpriu o prometido. Cobriu todo o
telhado em sinal de reconhecimento. Nunca devemos perder a fé em Deus e
nos Orixás, diz emocionada.
Mãe Amélia, assim como todas as Mulheres de Axé, vive para o Can-
domblé e segue à risca a doutrina e os ensinamentos da religião. Hoje, com
mais de 30 anos de iniciada, tem o desejo de construir um abrigo para
crianças ou velhos, mas faltam os incentivos públicos e a ajuda financeira.

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Ekedi Lelé

F ilha do Ilê Axé Obá Olocun, Leonice, mais conhecida como Ekedi
Lelé, foi confirmada por Pai Val de Iemanjá, e conta que seu contato
com o Axé se deve ao fato de ter sido vizinha dele. Certa feita, ele me
pediu que fizesse um bolo para uma festa de Iemanjá, na hora que entreguei o
bolo, Iemanjá me chamou dizendo que precisava assentar o meu Santo. Dian-
te de tal recomendação, Ekedi Lelé seguiu todas as etapas que o Candomblé
lhe colocou.
Conta sorrindo que, quando lhe demandaram a necessidade de se as-
sentar o Ogum de sua mãe, teve uma feliz surpresa, pois não esperava que
seus familiares fossem da religião. Mas, por vezes, fica triste com as pes-
soas vaidosas dentro do Candomblé, pois não gosta da vaidade e nem de
folclore com a sua religião. Acredita que, só através da manutenção dos
fundamentos, do respeito e da união é que o preconceito que existe na so-
ciedade será suplantado.
Das tantas coisas que marcam a sua trajetória de vida, ela dá especial
destaque a boa convivência com seus filhos, que afirma serem todos, graças
a ela concedidas pelos Orixás, mesmo os tendo criado sozinha após o aban-
dono do pai. Atualmente Ekedi Lelé, também ocupa o cargo de Mãe Peque-
na no Ilê Axé Obatalandê, de Pai Anderson de Oxalá, em Lauro de Freitas.

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Mãe Alda de Oyá

M ãe Alda Oyá fez o Santo em 1977. Foi iniciada por Balbino Daniel
Uma senhora de Umbanda foi
taxativa quando disse que eu
precisava iniciar no Candomblé.
de Paula, Obaràyí no Ilê Axé Opô Aganju. Antes do Candomblé,
Mudei para o Bairro de Daniel frequentava o espiritismo e, nas sessões, havia sempre quem
Lisboa e lá conheci Creusa dissesse que ela precisava desenvolver sua mediunidade. A família de Mãe
Conceição Ferreira, Iyamorô do Ilê
Alda era toda Católica.
Axé Opô Aganju, foi ela quem me
apresentou a Obaràyí. Antiga moradora do bairro de Brotas, Mãe Alda enfrentou graves pro-
blemas de saúde. Na infância, teve viroses que não se curavam, muitas ve-
zes, de forma aleatória, o Orixá se manifestava, e as pessoas diziam que o
problema era psicológico.
No Candomblé, Mãe Alda conseguiu solucionar os seus problemas de
saúde. Filha pequena de Odé Faromim, fez todas as obrigações no Axé Agan-
ju, recebendo Deká na obrigação de sete anos, mas não quis abrir a sua pró-
pria Casa de Axé. Contudo, no ano de 2003, Aloísio de Ayrá, Oba Mofê, seu
irmão de Santo, que tinha uma Casa aberta no Parque São Paulo, em Itinga,
pediu a mãe Alda que tomasse conta da Casa durante sua ausência o que ela
fez de bom grado e após, o falecimento de Aloísio, o Caboclo avisou que ela
já estava preparada e teria a sua própria Casa.
Três dias depois, Mãe Alda recebeu uma proposta pra comprar um ter-
reno ali perto. Ela foi ver o terreno e durante, a visita, o Caboclo veio em
terra e ela ficou lá mesmo. Em 2005 fundou então, o Ilê Axé Opô Ajumuda.

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Iyalorixá Maria de Lourdes

É na localidade do Barro Branco, na Ilha de Itaparica, que está situado


o Ilê Axé Omim Togum e o Ilê Axé Oyá Ati Tuntun, Casa de Axé e
Culto Ancestral que abriga uma verdadeira constelação de mulheres
antigas, guardiãs do segredo e da fé nos Orixás e Egunguns. Um terreno
com dois barracões, Lessi Orixá e Lessi Egungum.
É nessa comunidade que encontramos Maria de Lourdes do Sacramen-
to, nascida em janeiro de 1929 e que, desde muito cedo, acompanhava, jun-
to ao seu pai Emílio Manoel do Sacramento, o culto aos Ancestrais.
Maria de Lourdes apresentou, ainda muito jovem, problemas de saúde
que logo foram identificados como uma cobrança espiritual. Em uma festa,
na comunidade do Barro vermelho, Babá Orosoju, mandou que Maria de
Lourdes fosse iniciada. Ela se casou com Tolentino Daniel de Paula, Ojé do
culto Egungum e, em abril de 1984, foi iniciada por Clarisse Daniel de Pau-
la (Mãezinha) e Olegário Daniel de Paula para Iemanjá Ogunté.
As obrigações foram feitas com Lídio Mascarenhas, pai Bui, uma vez
que, o seu antigo Babalorixá faleceu. Hoje, nas novas instalações do Terrei-
ro, que foi transferido do bairro do Bonfim para o Barro Branco, Maria de
Lourdes segue sua trajetória, multiplicando o saber, formando novos adep-
tos da religião e testemunhando em vida o poder do Axé.

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Iyakekerê Marlene de Angorô

E bomi Marlene de Angorô, é Iyakekerê do Ilê Alabaxé Omô, Terrei-


ro conduzido por Mãe Lia de Xangô, com localização no bairro de
Jambeiro, em Lauro de Freitas. Conta-nos que fez Santo muito cedo,
mais precisamente aos 9 anos de idade, sob a influência de sua mãe, que era
Iyalorixá. Foi iniciada por Mãe Samba de Amongo e depois deu obrigação
com o Babalorixá Edinho de Oxóssi, do Terreiro Alabaxé em Maragojipe.
Fala com orgulho da vida no Axé, as comidas, os hábitos, os ensinamen-
tos religiosos que sua mãe lhe deu, e que hoje, se divide entre o Terreiro e a
sua casa. A sua atividade profissional está intimamente ligada aos aprendi-
zados que teve na infância, qual seja, o preparo e a venda de acarajé.
Com muito carisma, nos relata que das tantas coisas que marcaram sua
vida, todas estão associadas a coisas boas vividas no Axé. Mas um fato que
renovou definitivamente a sua fé foi justamente quando teve uma parada
cardíaca e os Orixás tomaram conta dela, não deixando que fosse aquela a
sua hora de ir para o Orun.
Na condição de mulher, fala com brilho nos olhos sobre a sua família
e que tenta passar para seus filhos a força que tem o Axé do mesmo modo
como aprendeu com sua mãe. Nesse sentido, defende a idéia de que quanto
mais cedo uma criança aprende sua raiz, mais fácil de entender, aceitar e
enfrentar qualquer indiferença por parte do mundo.

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Mãe Bernadete de Oxumarê

M aria Bernadete Pacífico Moreira, iniciou sua vida na religião aos


23 anos, viveu, durante muito tempo, com sérios problemas de
saúde e, por várias vezes, chegou a ser internada. Durante toda
sua fase de adolescência, seus pais procuram a cura, chegando a ir a vários
lugares até finalmente conseguir a sua paz espiritual e a cura dos seus pro-
blemas, algo que só aconteceu no Candomblé.
Mãe Bernadete é uma mulher que tem um histórico de luta maravilho-
so na região da comunidade do Quilombo de Pitanga dos Palmares, em Si-
mões filho, mantendo-se resistente a todas atrocidades possíveis e ameaças
de morte. Mas, em momento algum deixou de lutar pelo seu povo. Não tem
careta que me faça parar, diz. É ativista da frente antiracista pela igualdade
racial e contra a intolerância religiosa, ressaltando a importância da mulher
na transformação da sociedade. Para ela, ocupar cargos de poder é de fun-
damental importância, e a educação tem que servir como força motriz de
transformação social e como instrumento de remediar tantas indiferenças
que nos degrada há anos.
Entende que só o povo de Axé no poder vai conseguir reverter esse qua-
dro. Temos que ter posicionamento político.

396 397
Iyalaxé Rosa Moreno

F ilha de Santo de Célia de Oxum, Rosa Maria Moreno da Silva, é Mãe


Rosa Moreno de Xangô, do Terreiro Ilê Obá Koso Loke Omi, de Nação
Nago/Jeje, localizado em Simões Filho. Ela conta que foi preparada
desde muito cedo pela sua Mãe de Santo, uma Iyalorixá que tinha um zelo
incomensurável pelos Orixás e para quem os mais velhos eram sempre a
referência.
Segundo a Iyá, sua família seguiu diferentes vertentes religiosas, algo
que gerou um profundo conflito de ideologias e resistências. Ao dar um
exemplo desses tantos conflitos, Mãe Rosa relata o episódio no qual sua
avó teve que sair às pressas de uma missa porque sentiu um forte dor que
só fora sanada ao fazer o Santo.
A sua iniciação no Candomblé se deveu a dois fatores importantes: o
primeiro estava ligado ao fato de ter familiares no Axé, o segundo, porque
desde muito jovem, sempre ficava doente e os médicos não sabiam diagnos-
ticar o porquê. Hoje tem uma vida normal e as responsabilidades de mãe e
de religiosa não a impedem de ter lazer e divertimento, mas cada coisa no
seu devido lugar.
Bastante engajada politicamente, Mãe Rosa sabe da importância da
contrapartida social, estando envolvida em muitas ações dessa natureza no
seio da sua comunidade. Lá, defende o respeito entre as religiões, e a luta
por uma vida digna para os mais necessitados, entre tantas outras. Para
além do campo religioso, participou de conferências municipais e estaduais
da Mulher, de Promoção da Igualdade Racial, Direitos Humanos e Saúde.
Atualmente, se encontra na condição de Conselheira de Cultura e de
Saúde. Nesse âmbito, luta continuamente pelo empoderamento das pessoas
ligadas ao Axé.

398
Mameto Cacau

I niciada para Iemanjá, em 04 de maio de 1996, Cláudia Pereira dos


O Mansu Dandalunda é um
dos maiores Terreiros de
Lauro de Freitas e, assim
Santos, Mãe Cacau, assume, em 2003, a condução do Terreiro Mansu
como a maioria, ainda não Dandalunda Oyá Kissimbi N’Zambi, após a morte da saudosa Mãe Au-
tem a escrituração do terreno. gusta, fundadora da Casa no ano de 1986, no bairro de Jambeiro, em Lauro
Sua fonte de renda está na
de Freitas. Após 10 anos exercendo o cargo de Mameto, Mãe Cacau, destaca
colaboração dos filhos e filhas
de Santo. a responsabilidade em assumir um Terreiro com tão importante legado, e
diz: Escrever nossa própria história é bem mais fácil do que dar continuidade
a um legado como o deixado por minha Mãe, mas creio no Inquisse, e Ele me
dará forças.
Além do compromisso com o Unzó, Mãe Cacau, vem desenvolvendo
projetos de manutenção e preservação das raízes africanas, além de reativar
a creche Mãe Augusta. Precisamos cuidar e preservar nossa cultura para que
possamos repassar aos nossos filhos a tradição de nossos ancestrais, reafirma
a Mameto.

400
Nengwa Kamukenge Kiazala

C ristiane Santos da Silva tem 37 anos de idade, e aos 25 anos foi ini-
Vim aqui para parar o que sentia,
e hoje, achei o meu verdadeiro
caminho. Aqui neste Terreiro
ciada por Tata Laércio de Lemba no Mansu Kilembekweta Lemba
é onde tenho paz, reencontrei a Furaman, conhecido como Terreiro de Jauá. Filha de Gangazumba e
minha existência e me sinto plena. com cargo de Nengwa Kamukenge, tem como dijina Kiazala, sendo assim
conhecida e chamada por todos. Conta que, certa vez, em um consultório
médico, ficou esperando chamar o nome Kiazala, e observou pessoas che-
garem depois dela, sendo chamadas e atendidas. Então foi questionar o
fato, ao que ouviu a seguinte resposta: mas chamamos a senhora Cristiane
várias vezes, e encerra a história com um belo sorriso.
A ligação de Kiazala ao candomblé é antiga e remonta aos laços familia-
res em Cachoeira, mas a tradição foi rompida quando veio estudar na escola
adventista em salvador.
Com o passar dos anos, quando já era graduanda em história na Uni-
versidade Estadual de Feira de Santana, sentiu a necessidade de cuidar da
sua espiritualidade. O que se concretizou quando foi visitar o Terreiro de
Jauá como diretora da Casa de Angola na Bahia e lá sentiu toda a força e
energia do Inquisse: Depois daquele dia, o Terreiro virou minha casa, onde,
até os dias de hoje, eu passo todos os finais de semana.
Certa feita encontrou a sua tia sanguínea, Mãe Beata de Iemanjá,
Iyalorixá muito famosa nos candomblés do brasil, e a mesma, sem saber
que Kiazala tinha se iniciado, fala que o seu Inquisse era o mesmo da sua
avó. Justamente o mesmo Santo para quem Kiazala tinha se iniciado anos
antes. Daí sentiu a resposta e o retorno da ancestralidade.
Professora concursada do estado da Bahia, Kiazala sofreu Intolerância
Religiosa e Racismo Institucional na escola onde lecionava: foi um momento
muito difícil na minha vida, sofri Síndrome de Pânico, mas hoje isto está su-
perado, os Inquisses me deram caminho.

402
Ekedi Rita de Cássia

A Rua Saketê, em Lauro de Freitas, foi batizada com esse nome por
Quando ouvi a explosão e vi a
casa em chamas, entrei pra tirar
minha filha lá de dentro, eu
Balbino Daniel de Paula, Obaràyí, patriarca do Ilê Axé Opô Agan-
desconheci o fogo, tinha que salvar ju instalado nessa localidade há mais de 50 anos. É no Ilê Aganju
minha filha. que encontramos a Ekedi Rita de Cássia, uma Mulher de Axé, confirmada
pra Iansã em novembro de 2005.
Aos 34 anos foi suspensa, e afirma que entrou no Axé por devoção,
mas teve sua fé testada num dos episódios que mais lhe requereu coragem
e crença nos Orixás. Em 2008, ao fim da festa de Oxum, sua filha biológica
sofreu queimaduras de 1º, 2º e 3º graus, quando o botijão de gás explodiu
no quarto em que moravam dentro do Terreiro.
A garota foi levada ao hospital e o médico informou que seria uma re-
cuperação difícil, tendo em vista a gravidade dos ferimentos. Orientou a
família a procurar um psicólogo pra acompanhar adolescente durante seu
processo de recuperação.
Mãe Rita, apesar de muito abalada, manteve sua fé inatingível e três
dias depois, estava no Terreiro, na Casa de Oyá, preparando tudo pra festa
que aconteceria à noite. Muitos se surpreenderam com a força e coragem
dessa mulher. Durante a festa de Oyá, Mãe Rita procurou Oxum a agrade-
ceu por ter poupado a vida de sua filha e disse que sua devoção aos Orixás
continuaria intocável.
Algumas semanas depois, surpreendentemente, Alana estava comple-
tamente recuperada, nem sequer uma cicatriz ficou para contar a história,
os médicos ficaram atônitos. Alana foi iniciada pra Oxum e hoje, juntamen-
te com mãe, testemunham que a fé nos Orixás é viva e garante o milagre.

404 405
Makota Matambessi

P araibana, de uma família tradicional Católica, veio para o Candomblé


Para ela, o dia mais
importante da sua vida foi
o dia de sua confirmação,
devido a problemas de saúde e espirituais. Foi assim que conheceu
quando Mãe Iansã deu meu Tatá Ricardo do Terreiro de Lemba. Ao fazer uma consulta, gostou,
nome e me reconstruiu como um mas nada com intuito de ficar na religião, pois existia um certo contraste,
novo ser no mundo.
ela estudou em colégio católico durante toda sua vida e não conseguia se
ver naquele local. Entretanto, após participar de uma festa em homenagem
a Iansã, nunca mais deixou de frequentar a Casa e a identificação foi tama-
nha que construiu a sua própria casa dentro do Terreiro.
Mesmo sem apoio da família, conseguiu conquistar o respeito de-
les a ponto deles participarem das festas e todos aprenderam a respeitar.
Matambessi se orgulha da indumentária religiosa do Candomblé e sai com
a roupa da religião para qualquer lugar sem medo, diferente de muitos
adeptos da religião.
Para ela, o dia mais importante da sua vida foi o dia de sua confir-
mação, quando Mãe Iansã deu meu nome e me reconstruiu como um novo
ser no mundo.

406 407
Makota Lembassy

L ucinildes de Morais Cerqueira é Makota do Terreiro de Lemba em


O Candomblé preencheu minha
vida, e eu sempre assumi a minha
religião com muito orgulho.
Camaçari e tem como dijina Lembassy. Por ser filha biológica de
uma sacerdotisa, já tinha relação com a Religião, quando se iniciou
em 2001, com Tata Ricardo de Lemba. Relata que a sua confirmação acon-
teceu por entender que seria com a ajuda do Candomblé que encontraria o
sentido da sua própria existência.
Hoje, com 12 anos de confirmada, define deste modo as suas expecta-
tivas, o Candomblé preencheu minha vida, e eu sempre assumi a minha Reli-
gião com muito orgulho. Atenta, sabe que o preconceito existe, mas sempre
impus muito respeito e acredito que devido a isto, nunca tive sérios problemas
relacionados a minha fé.
Para ela, o Candomblé é uma grande religião, que pode ser muito uti-
lizada no processo educacional com jovens, pelo fato de valorizar a disci-
plina e explicar de maneira consciente, o respeito a diversidade de vidas
existentes no planeta e a importância de cada uma delas.

408 409
Mãe Alda de Oxum

M ãe Alda d´Alcântara Arruda, Iyá Osun Funmilayo, é a Iyalorixá


da Irmandade Ilê Ase Orisanlá J´Omi, Terreiro São Bento, de
nação Nago Vodun, fundada em 1934, situado em Vera Cruz,
Ilha de Itaparica desde 1990.
Mãe Alda, como é mais conhecida, foi iniciada há 42 anos pelos fale-
cidos Guilhermino de Oxalá e D. Teté de Omolu, no Alto da Igrejinha, Su-
búrbio Ferroviário de Salvador, é filha de Oxum e, apesar de sua herança
ancestral, sua vida se confunde com a de tantas outras Mulheres de Axé,
marcadas pela intolerância dos parentes e pelo sofrimento espiritual até
acontecer a descoberta e aceitação dos familiares, e depois a iniciação reli-
giosa. É uma vida inteira de lutas e dissabores, mas de muitas alegrias pro-
porcionadas pelos Orixás.
Sua história de superação se deve ao fato de ter suportado, com a força
da Orixá Oxum, a perda de um rim aos 28 anos de idade e ao diagnóstico
de pouco mais de 8 anos de vida, tornar-se cardíaca e ainda assim, ter for-
ça e vigor para as incontáveis noites de dedicação nas oferendas e louvores
aos Orixás, desde que recebeu cargo de Iyalorixá, aparentando ser mais re-
sistente, que qualquer jovem do Terreiro que tenta acompanhar seu ritmo.
A intolerância religiosa deixou marcas latentes proporcionadas primei-
ramente pelas pessoas mais próximas; amigos, parentes, filhos que sim-
plesmente a abandonaram e a excluíram apenas por ela ser Mãe de Santo.
Pessoas não a cumprimentam na rua porque ela usa a cabeça coberta com
um pano (ojá) todo tempo. Mãe Alda só veste roupa branca, não vai a fes-
tas, não fuma, não bebe e não é bem vinda pra muita gente. Resistência é
o sobrenome dessa Mulher de Axé. É este sobrenome que a irmana à todas.

410
Makota Lulembêfu
Makota Sambukwenda
C riada na igreja Católica e com receio das coisas ruins que ouvia em
Chegou na religião através do
seu filho, que já frequentava a
relação à religião, Marlene Lima da Silva, 58 anos, teve uma traje-

A
Casa de Tata Ricardo de Lemba,
mas relata, que, naquele primeiro tória diferente no Axé. Chegou na religião através do seu filho, que A religião colocou a minha na Alzira Menezes Pereira é natural de Entre Rios e sempre teve
mente, corpo e alma no trilho...
momento, tinha um único já frequentava a Casa de Tata Ricardo de Lemba, mas relata, que, naquele hoje não tenho medo de nada.
curiosidade pela religião, mas, como nasceu no seio de uma famí-
objetivo, fui para o Terreiro mais
primeiro momento, tinha um único objetivo, fui para o Terreiro mais para lia Católica, não tinha opção de escolha. Somente quando comple-
para verificar o que o meu filho
estava fazendo. verificar o que o meu filho estava fazendo. tou a maioridade, começou a frequentar algumas Casas de Candomblé, mas,
Com o passar do tempo, foi se apaixonado pela religião, e, hoje, conta naquele momento da sua vida, o seu psicológico ainda não estava prepara-
que só pensa em tirar os pés do Terreiro quando sua morte chegar. Inicia- do para o novo. Diferente de hoje, pois se sente segura e acolhida na Casa
da em 2002, já tem 11 anos de feita e hoje é mais conhecida como Makota de Tata Ricardo de Lemba, em Camaçari, local este que escolheu para ser
Lulembêfu, tendo optado por morar no Terreiro, porque para ela é uma o seu Unzó.
grande dádiva poder viver para a religião. Hoje, com 11 anos de confirmada, tem a dijina Sambukwenda e relata
Do lado da sua família biológica, sofre muito preconceito da parte de que, na família de sua mãe, várias pessoas já ficaram loucas, e agradece a
uma irmã que é evangélica, mas evita contato com a mesma, justamente, seu pai Obaluaiê por a manter viva e dar a energia necessária para viver.
para não entrar em conflito. Diz que, a religião colocou a minha mente, corpo e alma no trilho... Hoje não
Conta que o aconchego da religião é o que mais acalenta sua alma, e lá, tenho medo de nada, conclui.
no Terreiro de Lemba, se sente protegida de tudo. No aspecto profissional, Fala da disciplina e da dificuldade que as pessoas têm em seguir as
informa que trabalhou durante 30 anos em uma casa como doméstica em orientações e respeitar a hierarquia e que, para ela, isto é fundamental para
condições de quase escrava, para finalizar dizendo, o Inquisse me libertou. o ciclo da vida.

412 413
Nengwa Kialembê
Nengwa Kokoamasy
R ita Menezes relembra o dia em que chegou ao Terreiro com fortes
dores de cabeça e foi atendida por Tata Ricardo, que após consultar
os Búzios, ele disse que seu problema não teria uma solução imedia-

N engwa Kokoamasy, assim é conhecida Elza Maria Lima de Aragão, ta e que Rita deveria ter fé nos Inquisses.
O Candomblé é mágico e de
muita responsabilidade.
nos conta que é paraibana e foi criada em uma família tradicional Ela teve, e depois de algum tempo Rita não sofria mais com as dores de
de ciganos, mas, foi iniciada no Candomblé por Tata Ricardo de cabeça e já mantinha uma relação mais intensa com a religião, mas a sua fa-
Lemba, há 13 anos. Relata que conheceu a Roça em sonho, segundo ela, no mília, de tradição Católica, era radicalmente contra a sua iniciação. Rita fez
sonho, os Inquisses a levaram para a religião, e, quando pisou pela primei- os enfrentamentos e debates necessários convencida da sua fé no Candom-
ra vez no Terreiro de Lemba, em Camaçari, a sua premonição se confirmou. blé, fez a sua obrigação religiosa recebeu a dijina Kialembê e com o tempo
Segundo Tata Ricardo, Bolou assim que chegou, foi raspada e quando e obrigações virou Nengwa do Terreiro de Lemba em Camaçari.
acordou não lembrava de nada e já estava sem cabelo. Para ela Foi um im- Durante uma festa no Terreiro, o Caboclo da Casa falou com Rita que
pacto grande, mas eu superei imediatamente, pois percebi a maravilha que ela deveria procurar um médico. Assim ela o fez, mas por repetidas vezes
estava vivenciando. ouviu que não tinha nada. Entretanto o Caboclo quando em terra, aponta-
Hoje Nengwa Kokoamasy possui um dos cargos mais importantes do va até o local. Ao trocar de médico, Nengwa Kialembê descobriu que tinha
Terreiro, pois é responsável pela alimentação de todas as pessoas da Roça, um câncer raro e o seu médico compreendeu a importância do seu Tata no
e, segundo Tata Ricardo, ela é como uma espécie de mãe biológica de todas procedimento médico diagnosticado. Os dois se uniram e fizeram um trata-
as pessoas da Casa. Sempre bem humorada e querida por todos, ela reflete mento conjunto, com a medicina tradicional e os conhecimentos ancestrais.
a dedicação e o amor pleno ao Ngunzo. Com os cuidados de Tata Ricardo rapidamente se curou. Hoje, ela intensifi-
Pelo fato de ser de Terreiro, já sofreu inúmeros preconceitos, mas cou a sua fé e possui o cargo de Njima da Casa, ou seja, é a responsável por
como nasceu em uma família de ciganos, teve que aprender desde mui- aconselhar os mais jovens e os que estão para se iniciar na religião.
to cedo a superar as adversidades e define O Candomblé é mágico e de Sua mãe biológica ainda mantém a fé Católica, mas participa das festas
muita responsabilidade. no Terreiro como sinal de gratidão.

414 415
Mãe Maria Dalva
Mãe Vilma Prazeres

M aria Dalva Alves dos Santos, é Mãe Maria Dalva de Oxum, do


Eu não vou lá na Igreja

V
deles, mas quando eles chegam
aqui na minha porta eles falam
Terreiro Ilê Axé Iyá Delmin, localizado em Dias D’Ávila. Tem 42 Sou um instrumento do Santo ilma Prazeres de Andrade, é Mãe Vilma de Iansã, Iyalorixá do Ilê
e faria todo o sacrifício novamente.
eu falo mais que eles, boto eles anos de iniciada, possui 67 filhos de Santo e seis biológicos. Sua Meu Ilê, Meus Orixás e meus filhos,
Axé Side Loyá, da Nação Ketu, localizado em Areia Branca, Capia-
aqui dentro pra orar, eles vem história no Candomblé começou em 1971, quando procurou a Religião para tenho todos esses tesouros, sou uma rara, no município de Lauro de Freitas e, recentemente, pagou a
orar, podem orar meus filhos;
resolver os problemas de saúde de seu filho. As idas e vindas no Terreiros vitoriosa! sua obrigação de 21 anos, com muita luta.
quando eles gritam aleluia, glória
a Jesus, eu grito Ogunhê. Desse despertaram sua espiritualidade e ela recomeçou a receber as pessoas em Sua história de Axé é de muita fé e vitória. Para construir esse Terreiro,
jeito e, assim sendo, eles não me sua casa, que precisavam de ajuda. passei por muita coisa. Tenho uma casa na Boca do Rio e na época vim aqui
incomodam. A luta que Maria Dalva travou em favor da vida de seu filho e a expe- em Areia Branca assistir a um Candomblé, foi quando meu Caboclo Sultão
riência acumulada ao longo dessa jornada a sensibilizou a ponto de pensar das Matas me pegou e disse que era aqui que ele queria ficar. Devido a algu-
num projeto que ela intitula de SOS Mãe, cuja a proposta é auxiliar as mães mas dificuldades financeiras, viveu de favor por um determinado período,
no cuidado com os filhos. passei por muita humilhação, mas sempre tive fé, e minha Mãe Iansã me deu
Em relação à questão da intolerância religiosa, ela conta que nunca vitórias grandiosas! Entre muitas alegrias relembra da obrigação de um dos
ninguém a desrespeitou porque ela nunca cruzou as mãos, sempre deu res- seus filhos: Na época aqui não tinha teto, mas foi lindo! Hoje em dia o seu
posta a tudo, nunca demonstrou nenhum ponto fraco e nos traz um relato Terreiro é motivo de orgulho para ela e sua família de Axé: Aqui é o palá-
interessante da sua postura frente aos desafios enfrentados. cio do meu Orixá. Foi muita luta, muita perseguição. Mas sempre soube que
Eu não vou lá na Igreja deles, mas quando eles chegam aqui na minha um dia seria vitoriosa!
porta eles falam e eu falo mais que eles, boto eles aqui dentro pra orar, eles Aos 32 anos de feita, declara: Sou um instrumento do Santo e faria todo
vêm orar, podem orar meus filhos; quando eles gritam aleluia, glória a Jesus, o sacrifício novamente. Meu Ilê, Meus Orixás e meus filhos, tenho todos esses
eu grito Ogunhê. Desse jeito e, assim sendo, eles não me incomodam. tesouros, sou uma vitoriosa!

416 417
Iyakekerê Ângela Ribeiro

 ngela Ribeiro da Silva é filha biológica da Iyalorixá Antonieta Ri- Iyakekerê Ana Maria de Oyá
Mãe Ângela, como também é
conhecida, exerce o cargo de
Iyakekerê no Ilê Axé Ogum
beiro. Foi iniciada em Outubro de 1979, aos 17 anos, na Casa Bran-
ca, por Antonieta Cardoso. Filha de Xangô com Oxum nunca quis

A
Ladê Iyá Omin fundado em
1981. Participa ativamente dos fazer parte da religião, morava em Jequié e era técnica de Nutrição. A Casa que tem Xangô como dono na Maria Paula dos Santos, é filha biológica de Maria de Lourdes
ciclos de festas da Casa Branca. da cumeeira, foi fundada no Largo
Certa vez, Ângela foi levar roupas para sua mãe biológica que era filha do Senhor do Bonfim e agora
do Sacramento e Tolentino Daniel de Paula. Responde pelo títu-
Presenciou a confirmação de seus
dois filhos e afirma que foram de Santo da Casa Branca e estava em obrigação, ao chegar no Terreiro, foi tem suas instalações no Barro lo de Iyakekerê do Ilê Axé Omim Togum, localizado na Ilha de
momentos de grande emoção. informada que não deveria mais sair, fato que contestou veementemente Branco, porque o Terreiro crescia e Itaparica. Foi iniciada pra Oyá Acará em fevereiro de 1987, por Pai Lídio
precisava de uma área maior pra
mas acabou concordando e aceitando de bom coração a Religião que já es- Jorge Mascarenhas, Pai Bui. Começou cedo a frequentar o Candomblé,
fazer as obrigações e cultuar os
tava inserida no seio familiar por ancestralidade. Orixás, relata Ana Maria. acompanhando seu pai nos cultos aos Egunguns e nos revela, em sua
Após iniciada, Ângela viveu um tempo importante na Casa Branca, ela entrevista, que participou ativamente do processo de transferência do
lembra que, antes do tombamento, a Casa apresentava estrutura bastante Ilê Axé Omim Togum para o Barro Branco. Ela nos conta que: a Casa
fragilizada e ela se esforçava muito para manter o ambiente adequado às que tem Xangô como dono da cumeeira, foi fundada no Largo do Senhor do
idosas que ali residiam. Bonfim e agora tem suas instalações no Barro Branco, porque o Terreiro
Mãe Ângela, como também é conhecida, recebeu o importante cargo crescia e precisava de uma área maior pra fazer as obrigações e cultuar os
de Iyakekerê no Ilê Axé Ogum Ladê Iyá Omin fundado em 1981 em Lauro Orixás, relata Ana Maria.
de Freitas e participa ativamente dos ciclos de festas religiosas da sua Casa Em meio às características notáveis de uma mulher guerreira, essa sa-
de origem, o Terreiro da Casa Branca. Teve a oportunidade de ver os seus cerdotisa carrega também, em si, a responsabilidade pelo Sagrado, desta-
dois filhos adentrarem a religião e, antes de ser iniciada, Ângela estudava cando-se nela a força, a garra e a firmeza com que lida com os embates tra-
bastante a Bíblia e estava no 3º semestre de Teologia no ISBA. Hoje, esse vados no dia-a-dia de uma mulher que tem em seu Orí a Orixá dos ventos
acúmulo é utilizado como ferramenta de combate ao ódio religioso. e trovões, e diz, isto só fortalece o meu respeito e amor pelo Axé.

418 419
Ekedi Alcimar de Oxum
Ebomi Reijane

A lcimar Santos de Souza nasceu na Religião, é neta do saudoso Ma-


Acompanhei a realização da

R
festa durante anos e meu pai
eijane Farias de Souza conheceu o Candomblé quando ainda era me pediu que nunca deixasse
noel Rufino do Beiru e de Nair Viridiana de Brito. Alcimar é uma
criança. Visitava com frequência a Casa Branca na Vasco da Gama. essa cerimonia se acabar. mulher de Oxum, confirmada pra Iemanjá e está à frente da Casa
Costumava ir às festas de Oxóssi. Aos 12 anos de idade rodou no de Santa Bárbara na Ilha de Vera Cruz.
Santo, mas a família não aceitava a iniciação. Sua confirmação aconteceu no ano de 2000, no Ilê Axé Togum, situa-
Passou então a apresentar vários problemas de saúde e psicológicos. do no bairro de São Cristóvão, em Salvador, pela Iyalaxé Neuza Margarida,
Ouvia vozes, via espíritos. Sofreu muita discriminação por causa do seu que assumiu a Casa após falecimento de Nelito Bahia de Juratahy.
dom. A família a levou em clínicas médicas, e ela fez diversos exames, mas Alcimar chegou à ilha de Vera Cruz acompanhando seu pai na procis-
o problema era espiritual. são de Santa Bárbara, uma festa tradicional que teve início há mais de 50
No inicio dos anos 90 conheceu um Ogã que a levou na ilha, onde co- anos, quando um grupo de senhoras resolveu homenagear a Santa fazen-
nheceu Pai Bui e logo depois, no ano de 1992 foi iniciada pra Oxum. Hoje, do-lhe oferendas nas águas. Babalorixás eram convidados a participar da
depois das obrigações arriadas e com cargo de Iyalorixá, Reijane é persona- festividade e Manoel Rufino foi um desses.
gem importante no Ilê Axé Baba Omi Guiã, fundado em 1941, um Terreiro Acompanhei a realização da festa durante anos e meu pai me pediu que
de Candomblé, localizado na Ilha de Itaparica e liderado por Lídio Jorge nunca deixasse essa cerimonia se acabar.
Mascarenhas, conhecido como Pai Bui. Junto a seu irmão, Edson de Souza, Dona Santa, Dona Santinha, Regi
Mãe Reijane, como também é conhecida, tem três filhos, todos inicia- da barraca de Oxum e a comunidade, Alcimar manteve a tradição viva e
dos no Candomblé, Andressa, feita pra Oguiã, Dandara Aitalá, de Oxóssi todo ano, no dia 04 de dezembro, todas as atenções são voltadas para Ga-
e Lorrana Siquara, iniciada pra Iemanjá. Reijane reconhece o Candomblé meleira, para a realização de uma festa que tem projeção internacional e
como o responsável por sua estabilidade física e emocional e afirma que faz que tem à frente uma mulher de Oxum, confirmada para Iemanjá e que
do seu dom uma ferramenta pra ajudar as pessoas mais necessitadas. cultua Oyá, enaltecendo o poder e vitalidade das Iyabás.

420 421
Iyalorixá Gicélia de Omolu Ekedi Laís de Iemanjá

G icélia de Castro Santos, é a Iyalorixá Gicélia de Omolu, do Ilê Axé

L aís Pinheiro Gualberto responde por Ekede Laís e desde muito cedo,
Mãe Gicélia é uma pessoa Segundo ela, hoje o caminho
bastante presente no cotidiano é mais fácil, a tecnologia ajuda
político da religião. Participa
Gilemiin, Terreiro da Nação Ketu, localizado em Itinga, no municí- a tirar muitas dúvidas que
acompanha a trajetória de luta do Babalorixá Anderson de Oxalá, do
de seminários, debates e pio de Lauro de Freitas. Mãe Gicélia, entrou no Axé, aos 3 anos de antes não eram possíveis. Terreiro Obatalandê em Lauro de Freitas, algo que a fez mudar a sua
caminhadas sempre defendendo idade, levada por sua mãe biológica, após apresentar sintomas não diagnos- Todavia, pondera que os concepção de vida em relação a religião.Mesmo muito jovem, nos fala com
os intereses do Candomblé. meios de comunicação no
ticados pelos médicos. Sua mãe, inconformada, foi buscar uma solução para firmeza o que os Orixás significam no caminho da sua vida.
geral alienam o povo.
o que acreditou ser um problema espiritual. Foi então que encontrou Dona Afirma com força e determinação que não tem vergonha de vestir-se
Pitanga de Oxóssi, que cuidou dela por sete anos. Precisou se mudar para para o Axé, saindo nas ruas com a mesma roupa que utiliza dentro do Ter-
o bairro de Itinga, onde passou a receber os cuidados espirituais do Baba- reiro, acreditando ser uma forma de mostrar para a sociedade que o jovem
lorixá Augusto Cesar. Depois de fazer todas as suas obrigações, plantou o tem o poder de exercer aquilo do que acredita independente de idade, cor
seu Ilê Axé no bairro de Itinga. ou classe social.
O Candomblé é tudo na minha vida, ele me garante a paz espiritual que Segundo ela, hoje o caminho é mais fácil, a tecnologia ajuda a tirar
necessito, ajuda a criar meus filhos, a construir família. Candomblé é muito muitas dúvidas que antes não eram possíveis. Todavia, pondera que os
mais do que roupa, joias ou poder... a minha religião é vida e força. meios de comunicação no geral alienam o povo. Entre as coisas que sonha,
A Iyalorixá Gicélia é respeitada pelas ações que desenvolve em sua co- ela espera que daqui a dez anos o preconceito e a intolerância sejam apenas
munidade, mas acredita que apesar dos avanços o preconceito ainda existe. lembranças de um passado que não se repetirá.

422 423
Posfácio

Antonieta de Oxum

424
Sobre o Coletivo de Entidades Negras / CEN

O Coletivo de Entidades Negras (CEN) foi fundado em 2005 e foram


estas as palavras do Ex-Secretário de Reparação da Prefeitura Mu-
nicipal de Salvador, Dr. Aílton Ferreira na época: Em agosto de
2005, nasce em Salvador o Coletivo de Entidades Negras da Ba­hia (CEN).
O lugar simbólico foi perfeito: o antigo Belvedere da Sé, a nova Cruz Caída
de Mário Cravo, ao lado do Memorial das Baianas Negras do Acarajé, pa-
tronas dos mercados da cidade da Bahia, pioneiras do empreendedorismo.
(FERREIRA, 2005)
"Esse Coletivo agrega ancestralidade positiva, a experiência da tradição,
conectadas em tempo real com as inquietações da juventude negra e suas
novas perguntas e novos quereres. O CEN quer plugar os Terreiros na to-
mada universal, quer linkar os afoxés aos movimentos urbanos, ao hip-hop.
Nesse sentido, o CEN congloba as agendas acadêmicas ao senso co-
mum. Assim, ele é natureza, é tribo, é mito e imagético. O CEN é beco,
avenida, praça e jardim. O CEN é solidariedade global. O CEN é mais um
esforço do povo negro para que a nossa sociedade melhore, seja mais gene-
rosa, mais mãe e Pátria nossa, capaz de salvar os seus filhos multicoloridos
do abandono e da pobreza, da desesperança e da falta de fé num mundo
mais justo e solidário."
Enfim, conforme visto, o Coletivo de Entidades Negras é uma organi-
zação nacional do Movimento Negro constituído por entidades e indiví-
N e n g w a K a m u ke n g e K i a z a l a d o duos a ele filiado. Desde agosto de 2005 o CEN tem por missão defender
Mansu Kilembek weta Lemba
Furaman os direitos e interesses da população negra, através de ações de sensibili-

426 427
zação, formação e intervenções que fortaleçam indivíduos, grupos e enti-
dades para atuarem na luta de Direitos Humanos em combate ao Racismo,
à Discriminação Racial, Sexismo, Homofobia e formas contemporâneas de
dominação, opressão e violências.
O CEN é uma organização Nacional do Movimento Negro que atua
como agente articulador de ações que corroborem para implementação de
políticas de ações afirmativas e reparação social efetivas para a comunida-
de negra. Para tanto, no desenvolvimento de suas ações, tem priorizado o Sobre a ONG Ação Pela Cidadania
trabalho comunitário junto à população negra, valorizando o trabalho com
as Mulheres, as Juventudes, as LGBT, as comunidades tradicionais de Ma-

A
trizes Africanas e Quilombos.
Organização Não Governamental Ação Pela Cidadania foi fun-
No que concerne ao seu histórico de ações e lutas, podemos enumerar
dada em 2003 com um nobre propósito de promover o desenvol-
brevemente as mais importantes, quais sejam: luta pela garantia de direitos
vimento humano e a inclusão social através de atividades artís-
dos afoxés, blocos afros e de percussão no carnaval da Bahia, auxiliando na
ticas, culturais e ações cidadãs.
construção do Programa Carnaval Ouro Negro através do debate estabele-
Para tanto, fomentar atividades que combatam as desigualdades sociais
cido sobre recursos públicos e critérios no carnaval da Bahia, a construção
faz parte de nossas diretrizes. Neste contexto atuamos para diminuir a de-
anual da Caminhada Pela Vida e Liberdade Religiosa, a defesa dos Templos
sigualdade social em nosso país, que, mesmo com os avanços da primeira
Religiosos de Tradição Afro-brasileira atuando ativamente nos casos dos
década dos anos 2000, ainda é uma das mais altas do mundo.
Terreiros Oyá Onipó Neto (2008) e Ayrá Izô (2012), ampliando o debate
Em 2005, segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o
sobre Intolerância Religiosa e a Questão Fundiária. Também neste campo
Desenvolvimento (PNUD), o Brasil ficou em oitavo lugar na pesquisa sobre
entregou denúncia na Comissão Nacional de Direitos Humanos sobre atos
a desigualdade social, ficando na frente de nações como Guatemala, Suazi-
de intolerância religiosa em todo Brasil e articulou a existência da frente
lândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botswana, Lesoto e Namíbia.
Parlamentar em Defesa das Comunidades Tradicionais de Terreiros em Bra-
Frente a este quadro, a ONG Ação Pela Cidadania criou e realizou
sília fundada em 2010 e presidida pela Deputada Erika kokai (PT/DF), o
projetos de referencia nacional e internacional por acreditar que tais ini-
deputado Valmir Assunção (PT/BA) e o deputado Jean Willys (PSOL/RJ).
ciativas contribuem para a promoção do desenvolvimento social e huma-
No campo das publicações e vídeos, o CEN elaborou a Cartilha pela
no. O Armazém das Artes realizado em Salvador, Itaparica e Simões Filho
Garantia de Liberdade de Culto e Direitos dos Religiosos de Matrizes Afri-
destacou-se por promover a inclusão social através de oficinas da cadeia
canas e o livro sobre o Mapa da Intolerância Religiosa no Brasil. Também
produtiva das artes cênicas, sendo premiado pela UNESCO através do
confeccionou o vídeo "Até Oxalá Vai a Guerra" e de diversas caminhadas
Ministério da Cultura.
contra a Intolerância Religiosa.
Em 2008 a ONG Ação pela Cidadania inicia o trabalho com audiovisual
A entidade faz parte de diversos e importantes fóruns nacionais e in-
através da Rede TV Jovem que abriu núcleos em Salvador, Irecê, Itamaraju
ternacionais, a exemplificar: Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Hu-
e Senhor do Bonfim. Este projeto reconhecido nacionalmente formou quase
manos/FENDH; Rede Latino-americana e caribenha de jovens pelos Di-
2 mil jovens estudantes em estado de risco social.
reitos Sexuais e Reprodutivos; Círculo de Jovens das Américas; Conselho
Com o objetivo de ampliar as ações na área social, a ONG Ação Pela Ci-
estadual e Nacional de Desenvolvimento da Comunidade Negra; Conselho
dadania iniciou em 2012 junto ao Governo Federal ações na área de habi-
Nacional de Segurança pública do Ministério da Justiça; Conselho Nacio-
tação. Atualmente são mais de 1000 famílias atendidas na Bahia. Os bene-
nal de segurança Alimentar do Ministério do Desenvolvimento social; fez
ficiários desta ação terão acesso a moradia digna e de qualidade. Famílias
parte do Comitê Revisor da Conferência de Durban e atualmente faz par-
do semiárido, quilombolas, indígenas, trabalhadores rurais, marisqueiros
te do Grupo de Trabalho do Plano Juventude coordenado pela Secretária
e pescadores, são nosso público alvo.
Geral da Presidência da República por meio da Secretaria Nacional de ju-
Acreditamos que a sociedade organizada através do terceiro setor é um
ventude e participou de diversos eventos e ações nacionais e internacionais
meio de promoção da cidadania fundamental para reparação das desigual-
de Movimento Negro, Direitos Humanos, Juventude, Segurança Pública e
dades em todas as esferas, para tanto continuamos firmes com o propósito
Cultura.
de lutar por um país mais igual e fraterno.

428 429
Sobre a Água de Meninos

C om as bênçãos dos Orixás e das Mulheres de Axé, a produtora Água


de Meninos pede licença... Nascida do desejo de jovens baianos de
se reconhecerem nos produtos culturais produzidos no Brasil, essa
produtora adentra à cena nacional trazendo consigo uma proposta inclusi-
va, multicultural e dialógica com todas as expressões do povo brasileiro... sobre a editora Kawo-Kabiyesile
Ao nos olharmos desse modo, colocamos em diálogo as várias dimensões
de brasis... Que abençoado seja o nosso norte e nordeste de cada dia entre-
cruzado com o sul, com o sudeste e o centro oeste deste nosso varonil...
Para existir, essa ideia produtora reivindicava uma síntese, um local,
um nome que plasmasse todas as nossas linguagens, os nossos mistérios
e Santos milagreiros... Havia na cidade da Bahia, nessa cidade "que todo
mundo é de Oxum", um lugar que tinha uma fonte que brotava água fres-
A Editora Kawo-Kabiyesile foi criada em 2011 como uma editora
independente do grande mercado editorial tendo como objetivo
contribuir para a transformação da sociedade mundial através da
difusão de saberes. A escolha do nome, a saudação ao Orixá Xangô em io-
rubá, reivindica a representatividade do comprometimento combativo com
ca... a água era, assim, redinha, cotinha, mas os meninos e meninas que lá a justiça social e a ancestralidade afro-brasileira.
chegavam, nela se banhavam ... Os projetos autorais aprovados pela editora deverão estar, prioritaria-
Lá na antiga Água de Meninos, os milagres do povo da Bahia fez nas- mente, na área literária, estudos de religiões e debates sobre intolerância e
cer a grande feira, a grande síntese, a antropofagia Oswaldiana que junto respeito ecumênico, história e cultura afro-brasileira, e, na grande área das
com Mario de Andrade, Manoel Bandeira, Solano Trindade e Carolina Ma- ciências humanas. Os autores (professores, pesquisadores, militantes polí-
ria de Jesus refundaram nosso pais... nossos tantos Macunaimas, Jubiabas, ticos e ativistas sociais) deverão ter uma perspectiva crítica da atual socie-
Iracemas e Dois Mundos são os Mundos que conglobam todo mundo e re- dade (não precisando a obra tratar diretamente da temática).
novam o sonho tropical... A editora não atende projetos meramente mercadológicos, nem tão
É necessário entrar, deixem-nos entrar... o Brasil, para ser Brasil preci- pouco é apenas uma impressora de textos. Para viabilizar os projetos auto-
sa se ver aos olhos do Brasil... Precisa se banhar nas águas que são do Bra- rais aprovados serão estabelecidas parcerias com os próprios autores, gru-
sil... são as Águas de Meninos que se banham na graça e nos encantos das pos ou instituições (políticas, sociais e culturais) e editais de financiamento
grandes mães fundadoras dessa nação! de pesquisas e publicações.

430 431
Referências Bibliograficas,
glossário, autores,
fotógrafos & índice de fotos

Detalhe Ebomi Nice de Iansã


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Glossário

O glossário abaixo é para servir à Bolar: Momento em que o Santo ma- solicitações das divindades. Geberessu: Trabalho religioso, oferenda. Mãe do Axé ou Iyalaxé: Título honorí- Oriki: No Candomblé, etimologicamente
leitura do livro, o objetivo dele é nifesta-se em um abiã dando um aviso Algumas vezes utilizado como corruptela fico somente para mulheres, dado a pes- é saudar o Orí, a cabeça, às divindades.
Doné: Título de sacerdotisas do Can-
auxiliar o leitor(a), a entender, um ou a sentença final quanto a necessi- significando confusão. soa, geralmente Ebomi, que cuida da Casa Na essência, são cânticos e rezas utiliza-
domblé de nação Jeje para as pessoas.
pouco mais, sobre importantes dade de iniciação. de Candomblé, da sua limpeza, oferenda, das para saudar, louvar e pedir auxílio aos
Utilizado somente para designar o sexo Gêge ou Jeje: Nação no Candomblé que
termos utilizados no universo das e outros elementos afins. Pessoa que tem Orixás, ao tempo em que é feita a reve-
Caboclo: Entidade típica do Brasil feminino. cultua os Voduns da Mitologia Fon.
Religiões de Matrizes Africanas. o conhecimento e zela pelo Axé da Casa e rência ao mesmo, também evoca força e
com ligações ancestrais, não possui li-
Nele, estão contidas palavras Doté: Título de sacerdotes do Can- Gêge Savalú: Culto aos Voduns provi- também pelo Terreiro. “caminho” a quem o entoa.
gação africana. Na sua maioria são es-
de origem Bantu, Iorubá e Fon, domblé para as pessoas da Nação Jeje, niente da região Savalu. O termo Saluvá
píritos de índios ou fruto da união de Mãe Pequena ou Iyakekerê: Segunda Orun: Céu ou mundo espiritual paralelo
contemplando assim as principais são os vodunsis da família de Sogbô do ou Savalu vem de Savé ou Savi que era o
negros com índios em outros momen- Sacerdotisa do Axé ou da Comunidade. ao Aiyê, o Orun é o mundo espiritual, que
Nações do Candomblé que se sexo masculino. local onde se cultuava Nanã.
tos da história do Brasil. Espíritos avan- Autoridade religiosa que assume a Casa se sobrepõe ao Aiyê. O Orun é a moradia
consolidaram no Brasil, além, Ebomi: Irmãos de Santo mais velho. Hundemy: Quarto onde fica os Voduns.
çados que ocupavam as terras brasilei- na ausência da autoridade principal. Seja de todos os ancestres e seres divinizados.
é lógico, de palavras da língua São pessoas que ja cumpriram com a
ras em dado momento e que podem se Hunsó: No Jeje Mahin significa Mãe pe- por motivo de viagem e até em casos de
portuguesa. Orunkó: Significa Nome. O orunkó é o
manifestar em pessoas que possuem obrigação ritualística após o período falecimento. Pessoa, com muito conhe-
quena da Casa. Título equivalente ao de nome que todos os iniciados recebem de-
Abiã: Toda pessoa que quer se iniciar mediunidade. de sete anos de iniciação. Ou seja, po- cimento dentro do Axé e sempre pron-
Iyakekerê na nação Ketu. pois da sua iniciação. Literalmente signi-
na Religião do Candomblé. Todo novi- derá a pessoa ter 30 anos de iniciada ta a ajudar e ensinar a todos os inicia-
Candomblé: Religião onde se cul- Huntó: Título dado ao Ogã na nação Jeje. fica “eco do céu” é o nome que todos os
ço em processo iniciático. no Candomblé, mas ela só será chama- dos. Quando mulher é termo designado é
tuam os Orixás quando da Nação de Orixás obrigatoriamente tem que ecoar no
da de Ebomi após cumprir a obrigação Ilá: Saudação do Orixá. Som que o inicia- Iyakekerê, se for do sexo masculino e de-
Abiku: Crianças ou adultos que mor- Ketu, Inquisse na Nação Angola e Vo- dia da saída de Santo em público, na pre-
ritualística de 7 anos. Se a pessoas ti- do emite quando irradiado do Orixá para nominado de Babakekerê.
rem via de regra em momentos signi- dum na Nação Jeje. sença de todos os irmãos, filhos e fieis da
ver o tempo de 7 anos e não tiver a que as pessoas saibam que o Iyaô está em
ficativos de suas vidas e sempre antes Makota: Nomes dados de acordo com a Casa. Representa o momento mais espe-
Cota ou Kota: Cargo exclusivamente obrigação feita, não é Ebomi. É a obri- transe, incorporado.
dos pais, apresentando nisto uma alte- nação do Candomblé, neste caso na Na- rado da iniciação na Nação Ketu. Na Na-
feminino utilizado na Nação Angola. É gação que designa o título e ela deve
ração da ordem natural que socialmen- Ilê: Casa, Terreiro ou Roça. ção Angola. Mulheres que não incorporam ção Angola, o termo equivalente é Dijina.
um cargo dentro do Candomblé onde ser realizada a qualquer tempo depois
te é aceita. os Inquisses e são designadas para fun-
a pessoa é designada a cuidar dos In- dos 7 anos de iniciada, não tendo pra- Iyabás: Termo usado para designar os Quelê, Kelê, Kele ou Quelê: Conjunto
ções diversas na Casa, dentre elas, zelar
Adiginha ou dijina: Nome do Inquis- quisses da Casa. zo definido. Orixás femininos, cujo significado é comu- de fios de contas que representa a aliança
e atender as solicitações das divindades.
se, do Santo da pessoa, quando da Na- mente designado como Mãe Rainha. Mui- do Iyaô com o Orixá. Tem a finalidade de
Deká: Autorização que um Ebomi re- Ebós: Em Iorubá ebó significa sacrifí-
ção de Candomblé Angola. tas vezes também, o termo Yabá é dado Mameto: Mameto-de-Inquice é o cargo unir o sagrado com o iniciado.
cebe dos Orixás, para conduzir a sua cio. Logo podemos dizer que ebo é um
a Yemanjá e a Oxum porque ambas estão de Mãe de Santo do Candomblé da Nação
Aiyê: Terra ou mundo físico. própria Casa de Candomblé, a par- sacrifício realizado para atender algu- Roça: Terreiro, Casa.
ligadas a gestação, ao parto e aos cuida- Bantu/Angola. Termo designativo somen-
tir de então pode atender as pessoas, ma finalidade através de oferendas fei-
Axé: Força mágica do Terreiro, repre- dos da mãe com o seu filho. Também pelo te para mulheres, equivalente ao cargo de Sogbô: Em Jeje, é Vodum do Trovão.
jogar búzios, tirar ebós, iniciar as pes- tas para os Orixás, Odú, Eguns e ou-
sentada pelo segredo composto de di- fato das duas terem sido rainhas. Iyalorixá nos Candomblés da Nação Ketu.
soas no Candomblé. Geralmente rece- tras divindades com o intuito de uma Terreiro, Casa, Ilê, Mansu, Roça,
versos objetos que formam o conjunto Os Homens são denominados Tatetu ou
be este nome na Nação de Ketu. limpeza espiritual, apaziguar um pro- Iyalodê: Mulher designada para ser líder. Unzó: Lugar destinado ao culto dos “San-
mítico que recebe esta denominação. Tata-de-Inquice.
blema, alcançar algum objetivo, agra- Autoridade que responde pelo grupo femi- tos”, local onde os fieis do Candomblé
É a força bendita e divina que emana Deré: Cargo de autoridade dado a
dar as divindades sempre buscando o nino perante os homens. Em caráter polí- Mansu: Templo, Casa, espaço espiritual. cultuam as Entidades africanas. Entidades
dos Orixás. pessoa que possui a importante fun-
equilíbrio. São rituais que visam cor- tico, designa a uma senhora da alta socie- Correspondente ao Ilê nos Candomblés da estas que, quando da Nação Ketu, são de-
ção de Mãe Pequena na Roça, utiliza-
Babalorixá: Sacerdote de Candom- rigir várias deficiências na vida de um dade, primeira dama de uma cidade, vila Nação Ketu. nominados Orixás, quando da Nação An-
do nos Terreiros de nação Jeje.
blé. Pai de Santo. Pessoa que dirige ser humano, seja a saúde, o amor, a ou do próprio Terreiro. gola são chamados de Inquisses e quando
Mayé: Mãe.
todos os trabalhos no Terreiro (admi- Derevitú: Mãe criadeira dos bar- prosperidade, o trabalho, o equilíbrio, da Nação Jeje são chamados de Voduns.
nistrativo e sacerdotal). Orienta a vida cos que são recolhidos pela Vodoo- a harmonia familiar, dentre outros. A Iyamorô: Mãe de todos os fundamen- Ngunzo: Força, poder, energia vital que
tos. Sacerdotisa responsável pelo Ipadê Umbanda: Religião genuinamente brasi-
espiritual dos médiuns, filhos de fé e nol. Ela ensina as rezas, as cantigas composição de cada Ebó depende da movimenta o mundo para os fieis do Can-
de Exu. leira com elementos espíritas, católicos e
assistência do Terreiro. e acompanha as vodunssis nas ceri- sua finalidade, e os seus componentes domblé na Nação Angola. No Candomblé
das religiões afro-brasileiras.
mônias iniciáticas. vão desde frutas, folhas, velas, ador- Juntó: Segundo Orixá que comanda a da Nação Ketu é o mesmo que Axé.
Barco: Quando entra um grupo de
nos, alimentos secos, mel, louças até pessoa junto com o seu Orixá de cabeça, Unzó: Termo Bantu que designa Terreiro
pessoas para a feitura do Santo. Ekeji ou Ekedi: Nome dado de acor- Omo: Filho, filha.
bebidas. segundo Orixá protetor, ao qual também na Nação Angola .
do com a Nação do Candomblé. Cargo
Barracão: Espaço onde são realizadas se deve prestar respeito e obediência. Ori: Cabeça em Iorubá. Ori também pode
exclusivo para mulheres que não rece- Egbés: Comunidades religiosas de Virar no Santo: Entrar em transe.
as festas públicas consagradas aos Ori- ser considerado o Orixá pessoal na sua in-
bem Orixás e são designadas para fun- matriz africana. Terminologia que de- Lindroamor: Grupo cultural de samba Incorporar.
xás, Inquisses ou Voduns. tegridade, com toda a sua força e grandeza.
ções diversas, dentre elas atender as signava as comunidades iorubanas. criado em São Francisco do Conde.

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Autores

ANDRÉ FÁBIO IRAÍLDES LUIZ MARCOS NADJA


LUIS NASCIMENTO DOS SANTOS BATISTA LIMA ELISIA ANDRADE NASCIMENTO PAULO BASTOS DA SILVA FÁBIO REZENDE CORREIA ANTONIA COELHO DOS SANTOS

Ogã de Xangô do Ilê Axé Oxumarê, onde Antropólogo, mestre em antropologia Ekedi do Terreiro de Oxumarê, onde Advogado militante na área dos Direitos Ogã de Ewá do Ilê Axé Oxumarê, onde Especialista em Biblioteconomia e
possui cargo de Olopá. pela Ufba e Doutor em Estudos Étnicos e possui cargo de Yarobá. Historiadora, Humanos e especialista em Direito possui cargo de Oju Obá. Historiador, Documentação pelas Faculdades
Professor Adjunto da Universidade Africanos, professor de sociologia da rede atualmente cursa Gênero e Diversidade Público. Pesquisador voluntário do com Pós Graduação em História e Cultura Integradas de Jacarepaguá, FIJ,
Federal de Alagoas (UFAL), Advogado estadual da Bahia, autor de livros infantis, no Núcleo de Estudos Interdisciplinares Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Afro-Brasileira, é Coordenador Estadual Brasil. Graduada em Biblioteconomia
Especialista em Direito do Estado pela FFD conto do dia 4 dezembro, Iansã, Oxum e sobre a Mulher da Universidade Federal Direito à Saúde e Família (CNPq/ do Coletivo de Entidades Negras (CEN). e Documentação pela Universidade
da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Oxóssi. Também autor de Os Candomblés da Bahia (UFBA), trabalhou na Secretaria UCSal). Professor do Curso de Direito da Ocupou cargo na Comissão Estadual de Federal da Bahia em 2006. Atualmente
Mestre e Doutor em Administração pela da Bahia: tradição e novas tradições e do Municipal de Reparação (SEMUR) onde Faculdade Dois de Julho. Possui alguns Promoção da Igualdade da Assembléia é Bibliotecária Documentalista da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), livro As quartas-feiras de Xangô: ritual e foi responsável pelas temática relativa às artigos em Direitos Humanos publicados Legislativa do Estado da Bahia, foi Universidade Federal do Recôncavo da
possui Doutorado Sanduiche na Science cotidiano. Comunidades tradicionais de Terreiro. Tem em anais de congressos. Coordenador Executivo de Promoção Bahia e Chefe do Núcleo de Tecnologia
Po Toulouse – França, é Pesquisador vasta atuação como Educadora Social, a da Cidadania e Direitos Humanos na da Informação do Sistema de Bibliotecas
do Laboratório de Análises de Políticas exemplo das voluntárias Sociais, Fundação Secretaria de justiça, Cidadania e Direitos da UFRB, Administradora do Sistema
Mundiais (Labmundo). Pierre Verger, TV Pelourinho e Instituição Humanos do Estado da Bahia. Pergamum e Coordenadora do
Beneficente Conceição Macedo. Repositório Institucional da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia.

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Fotógrafos

SALETE SANDRA ADEMAR FAFÁ JEAN-CLAUDE SANDRO


MARIA DA SILVA MARIA BISPO CIRNE FILHO M. ARAÚJO ALDONCE BAHIA

Cordelista, professora, pesquisadora e Ebomi Sandra Bispo , filha de Iemanjá Ogã de Yemanjá do Ilê Axé Oxumarê, Fotógrafo desde 2005, e se destaca no Passageiro do mundo, gira o globo desde Representação da cidade, o olhar do
advogada popular. Mestre em Direito Ogunté com Obaluaiê, Pós graduada em Graduado em História Pela Universidade cenário étnico-racial por ter um olhar criança. Nasceu no Chile, viveu na França Pelourinho, desta Bahia de luta, sorriso
Constitucional (UFC) e doutora em Estudos Psicopedagogia Institucional, Especializada Federal da Bahia, Pós Graduado mágico, que consegue captar com estilo a e encontrou a sua própria essência no e ginga.Presenteado com uma máquina
Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero em Educação Pré-Escolar e Metodologia em História do Brasil pela Pontífice essência do povo negro de onde advém. Brasil, país onde decidiu morar e construir fotográfica, um jogo de lentes, e algumas
e Feminismo (NEIM/UFBA) do Ensino Superior pela Universidade Universidade Católica de Minas Gerais / Com singularidade, mantém a sua origem. novas pontes entre os povos. Com uma lições de fotografía, daí em diante, tocou
Estácio de Sá. Possui Graduação em PUC-MG, Educador da Rede Particular Muito requisitado participou da exposição lente técnica e criativa Jean-Claude a vida. Na fotografia, se apaixonava pelas
Ciências Sociais pela Universidade há 28 anos, Coordenador Estadual de "diáspora revelada: retrados sobre a aprende fazendo e se adapta facilmente às pessoas e suas reações e foi se tornando
Federal da Bahia, tendo Licenciatura Educação do Coletivo de Entidades Negras ancestralidade, com e poesia", além de situações, deste modo abre as portas para um grande profissional. De menino que
Plena em Ciências Sociais; Atua como da Bahia (CEN/BA). ensaios de moda, natureza e na cobertura além deste mundo.Com vasta experiência, morava e se criava na rua a fotografo
Socióloga UFBA / FACED; Professora de atividades sócio-políticas e culturais. Aldonce fez ensaios diversos e destaca- profissional, publicado em dois paises.
da Rede Estadual de Ensino de 1982 a Fafá transita com maestria entre os iguais, se em fotos ao ar livre. Liberdade que Serve de bom espelho para uma cidade
1996; Membro efetiva do Museu Afro sabe pisar devagar no massapê e com faz questão de cultivar, e nos brinda, que não gosta do que vê. Um verdadeiro
Brasileiro; Membro efetiva da Irmandade maestria leva a vida do portão pra dentro sorridente, em raros cliques fotográficos. exemplo para tantos outros que ainda se
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e e do portão pra fora. encontram na mesma situação Sua obra?
dentre as suas publicações destacam-se: Retratar suagente para sua própria gente.
“Identidade Negra e Educação–Mestrado
em Educação”, Ed. Ianamá e “Algumas
reflexões sobre a Religião Afro-Brasileira”.

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Índice de fotos
Kokoamasy, Nengwa. Fafá Araújo   414 Oxumarê, Casa de. Jean-Claude Aldonce  21
Kutu de Ogum, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  132, 135 Oxumarê, Terreiro. Jean-Claude Aldonce  35
Ladê de Oxum, Mãe. Fafá Araújo  27, 249 Pilão de Prata, Ebomis do. Fafá Araújo  148, 149, 151
Lais Neves, Ekedi. Fafá Araújo  251 Preta, Iyalaxé. Fafá Araújo   337
Laís Pinheiro de Iemanjá, Ekedi. Fafá Araújo  308 Pulchéria, Mãe. Fafá Araújo  73
Lelé, Ekedi. Fafá Araújo  389 Quisassi, Mãe. Fafá Araújo  314, 315, 317
Lembassy, Makota. Fafá Araújo   409 Raimunda, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  205
Lia de Airá, Mãe. Fafá Araújo  29 Regina de Iemanjá, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  251
Lia de Xangô, Mãe. Fafá Araújo  383 Regina, Mãe. Jean-Claude Aldonce  215
Aída de Dandalunda, Nengwa. Jonas de Souza Santos  261 Dete de Ogum, Mãe. Fafá Araújo  235 Lídia, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  339 Reijane, Ebomi. Sandro Bahia  420
Alaíde do Feijão. Jean-Claude Aldonce  257 Detinha de Xangô, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  187 Ligia Alves de Iemanjá, Ekedi. Fafá Araújo  305 Risalva, Mãe. Jean-Claude Aldonce  247
Alcimar de Oxum, Ekedi. Sandro Bahia  421 Dó de Ogum, Ebomi. Fafá Araújo  183 Liu de Oxalá, Ebomi. Fafá Araújo  309 Rita de Cássia, Ekedi. Sandro Bahia   405
Alda de Oxum, Mãe. Arquivo pessoal  411 Dó de Ogum, Mãe · Raimunda Pereira de Souza. Fafá Araújo  298 Lúcia, Mãe. Fafá Araujo  372, 373, 375 Rita de Iemanjá, Iyalorixá. Fafá Araujo  292
Alda de Oyá, Mãe. Sandro Bahia   391 Dó de Ossain, Mãe. Sandro Bahia  209 Luiza, Gaiaku · Luiza Franquelina da Rocha. Arquivo pessoal  93 Rita, Hunsó. Jean-Claude Aldonce  233
Alda Fernandes, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  221 Dulce, Mãe. Jean-Claude Aldonce  381 Lulembêfú, Makota. Fafá Araújo   412 Rosa Moreno de Oyá, Yalaxé. Fafá Araujo  399
Alva Célia Kota. Jean-Claude Aldonce  347 Edite de Iemanjá, Iyakekerê. Jean-Claude Aldonce  167 Lurdes de Yansã, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  255 Rosemeire, Iyalorixá. Sandro Bahia  47, 353
Alzira de Nãna, Ebomi. Fafá Araújo  290 Eliza de Oxalá, Mãe. Fafá Araújo  285 Luzia Cristina, Ekedi. Fafá Araújo  306 Sambukwenda, Makota. Fafá Araújo   413
Amélia Santos, Mãe. Fafá Araújo  387 Emiliana, Mãe. Jean-Claude Aldonce  79 Manoela de Ogum, Iyamorô. Jean-Claude Aldonce  361 Sandra Bispo, Iyakekerê. Jean-Claude Aldonce  263
América, Mãe. Jean-Claude Aldonce  103 Estelita de Oyá, Iyalorixá. Arquivo pessoal  225 Maraiolaji, Barracão do Terreiro. Jean-Claude Aldonce  51 Senhora, Mãe. Jean-Claude Aldonce  77
Ana Laura, Iyalorixá. Arquivo pessoal  101 Eva de Oxalá, Iyakekerê. Jean-Claude Aldonce  359 Márcia de Ayrá, Ebomi. Fafá Araújo  231 Simone de Oxumarê, Ekedi. Fafá Araújo  287
Ana de Iemanjá, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  199 Evangelista dos Anjos, Mãe. Jean-Claude Aldonce  81 Márcia de Exu, Mãe. Fafá Araújo  273 Simplícia, Ya. Fafá Araújo  84
Ana Maria de Oyá, Iyakekerê. Sandro Bahia  419 Filhinha, Ebomi · Edelzuita da Silva Costa. Arquivo pessoal  92 Maria Dalva, Mãe. Jean-Claude Aldonce   416 Sinha, Ekedi. Jonas de Souza Santos  173
Ângela Ribeiro, Iyakekerê. Sandro Bahia  418 Flor, Mãe. Jean Claude Aldonce  169 Maria de Lourdes, Iyalorixá. Sandro Bahia   393 Sogbossi, Deré. Jean Claude Aldonce  181
Angélica de Ogum, Mãe. Arquivo pessoal  283 Gangameiandele, Kota. Jean-Claude Aldonce  311 Maria de Ogum, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  300 Stella de Oxóssi, Mãe. Jean-Claude Aldonce  108, 109, 111
Aninha, Mãe. Jean-Claude Aldonce  75 Gantois, Ebomis do. Fafá Araújo  152 Maria Djalma Brito, Mãe · Oyá Tundê. Fafá Araujo  385 Tânia de Oxóssi, Mayé. Jean-Claude Aldonce  197
Antonieta de Ogum, Mãe. Sandro Bahia  378 Gicélia de Omolu, Iyalorixá.Jean-Claude Aldonce  422 Maria Edelzuita de Nanã. Jean-Claude Aldonce  358 Tânia de Oyá, Ebomi. Jonas de Souza Santos  207
Antonieta de Oxum, Mãe. Jean-Claude Aldonce  424 Gilda de Ogum, Mãe. Fafá Araújo  102 Mariá Kesy de Oxum, Yalaxé. Fafá Araújo  312, 329 Tatá, Mãe. Jonas de Souza Santos  107
Aurinha, Mãe. Jean-Claude Aldonce  345 Glicéria de Iroko, Ekedi  271 Maria Valentina, Mãe. Jean-Claude Aldonce  80 Té de Oxum, Mãe. Fafá Araújo  91
Bada, Mãe. Jean-Claude Aldonce  76 Guanguanssessi, Nengwa. Arquivo pessoal 155 Mariana de Airá, Ebomi. Fafá Araújo  291 Telinha de Iemanjá, Egbomi. Fafá Araújo  185
Barajá de Oxum, Iyakekerê. Fafá Araújo  293 Haydée, Mãe. Sandro Bahia 87 Marieta Beuí, Mameto. Fafá Araújo  82 Teni, Mãe. Jean-Claude Aldonce  341
Baratinha de Oxum, Mãe. Fafá Araújo  100 Helenice de Oxum, Iyalorixá. Fafá Araújo  229 Marinalva, Mãe. Sandro Bahia  279 Terezinha de Oxum, Ekedi. Jonas de Souza Santos  24, 201
Bárbara, Mãe. Fafá Araújo  281 Hilda Jitolu, Mãe. Arquivo pessoal  99 Mariuche de Nanã, Mãe Pequena. Fafá Araujo  289 Teté, Mãe. Jonas de Souza Santos  94
Bebé, Mãe. Arquivo pessoal  97 Hilda, Mãe. Jean-Claude Aldonce  277 Marlene de Angoro, Iyakekerê. Fafá Araújo  395 Tia Sebastiana, Mãe. Fafá Araújo   294, 362
Bem de Oxaguiã, Mãe. Fafá Araújo  333 Hildelice, Mãe. Sandro Bahia  195 Massi, Tia. Jonas de Souza Santos 72 Tieta de Iemanjá, Iyakekerê. Jonas de Souza Santos  157
Berenice, Mãe · Mão, contas e colares. Fafá Araújo 63 Inaiara de Ogum, Fafá Araújo  303 Matambessi, Makota. Fafá Araújo   407 Toinha de Ewá, Mãe. Fafá Araújo  331
Berenice, Mãe. Jean-Claude Aldonce 356 Índia, Nadojhí. Jean-Claude Aldonce  120, 121, 123 Menininha, Mãe. Fafá Araújo  74 Vadinha de Omolu, Mãe. Fafá Araújo  13, 237
Bernadete de Oxumarê, Mãe. Jean-Claude Aldonce   397 Iracy de Oxum, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  299 Mirinha de Portão, Mãe. Fafá Araújo  96 Valdete, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  253
Bete de Oxalá, Mãe. Sandro Bahia 191 Iraíldes, Mãe. Jean-Claude Aldonce  124, 127 Moagi, Mameto Kamukenge. Sandro Bahia  239 Valdice Silveira de Oxóssi, Ekedi. Fafá Araújo  304
Branca, Mãe. Fafá Araújo  377 Iray Galrão, Ekedi. Fafá Araujo  219 Mundinha, Dona. Jean-Claude Aldonce  307 Valdina Pinto, Makota. Fafá Araújo  140, 141,143
Cacau, Mameto. Fafá Araujo   401 Irene de Oxum, Mãe. Sandro Bahia  351 Mutalewa, Nengwa. Fafá Araújo  245 Valnízia de Ayrá, Mãe. Fafá Araújo  179
Cacho, Mãe. Sandro Bahia  325 Irinea Sowzer, Mãe. Fafá Araújo  112, 115 Nelma de Oxum, Mãe. Fafá Araújo  241 Valtina de Iansã, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  355
Caetana América Sowzer, Mãe. Arquivo pessoal  86 Iris de Oxum, Mãe. Fafá Araújo  275 Neuza de Xangô, Ebomi  269 Vanda Machado, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  211
Carmelita de Omolu. Jean-Claude Aldonce  296 Ivone de Ayrá, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  259 Neuza Margarida, Iyalaxé. Jean Claude Aldonce  175 Vânia de Oyá, Yalaxé. Fafá Araújo  2, 227
Carmem, Mãe. Documentário Mulheres de Axé  116 Jaciara de Oxum, Mãe. Fafá Araújo  144, 145, 147 Nice, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  136, 137, 139 Vanju, Mãe. Sandro Bahia  193
Carmen de Oxaguiã, Mãe. Jean-Claude Aldonce  119 Jacira de Yansã, Iyalorixá. Fafá Araújo  223 Nila de Nanã, Mãe. Jean-Claude Aldonce  297 Vera, Mãe. Arquivo pessoal  213
Carmen, Mãe. Jean-Claude Aldonce  368, 369, 371 Jandira de Yansã, Mãe. Jean-Claude Aldonce  349 Nilza de Ogum, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  318, 319, 321 Vicélia de Iansã, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  301
Cici de Oxalá, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  364, 367 Jelita do Samba. Jean-Claude Aldonce  357 Nilzete, Ya. Fafá Araújo  85 Vilma Prazeres, Mãe. Jean-Claude Aldonce   417
Cidália, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  98 Jojó de Nanã, Mãe. Jean-Claude Aldonce  159 Nitinha, Mãe. Arquivo pessoal  95 Vulasese, Kota. Jean-Claude Aldonce  104, 177
Clarissa, Déa · Detalhe de contas. Fafá Araújo  59 Joselita de Oxum, Mãe. Fafá Araújo  302 Nitorê de Oxum. Sandro Bahia  15 Walquíria de Oxum, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  189
Clarissa, Déa · Mãe Vera · Egbomi Everaldina. Fafá Araújo  243 Juju, Mãe & Mãe Cacho. Sandro Bahia  323 Noélia Pires de Nanã, Ekedi. Fafá Araújo  8, 9, 267 Williana, Ebomi. Jean-Claude Aldonce  360
Cleide de Jesus, Ekedi. Jean-Claude Aldonce  295 Juju, Mãe. Sandro Bahia  327 Obá, Mãe. Jean-Claude Aldonce  265 Xagui, Nengwa. Sandro Bahia  161
Cleusa, Mãe. Arquivo pessoal  88 Kaiaremi, Kota. Jean-Claude Aldonce  310 Odessi, Derevitú. Jean Claude Aldonce  171 Yara, Iyalorixá. Jean-Claude Aldonce  343
Conceição, Vovó. Arquivo pessoal  90 Kajamungongo, Kota. Fafá Araújo  163 Olga de Alaketu, Mãe. Arquivo pessoal  89 Zil, Mãe. Jean-Claude Aldonce  217
Cotinha de Ewa, Ya. Fafá Araújo  83 Kasuté, Nengwa. Jean-Claude Aldonce  165 Ondina, Mãe. Jean-Claude Aldonce  78 Zulmira de Nanã, Mameto. Fafá Araújo  203
Cotinha de Oxalá, Egbomi. Fafá Araújo  128, 131 Kialembê, Nengwa. Fafá Araújo   415 Oxumarê, Atabaques do. Jean-Claude Aldonce  70
Deleci, Iyalorixá. Fafá Araújo  335 Kiazala, Nengwa Kamukenge. Jean-Claude Aldonce   54, 403 Oxumarê, Bandeira do. Jean-Claude Aldonce  6

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Este livro foi organizado por Marcos Rezende.

Capa e projeto gráfico foram feitas na Nêgo Fugido por Jonas Santos para o
Coletivo de Entidades Negras (CEN), em Salvador.

Sua impressão e acabamento foram feitos na Empresa Gráfica da Bahia


(EGBA), em Salvador.

A fonte de texto é a Apollo, projetada por Adrian Frutiger.


As legendas foram compostas em Frutiger, do mesmo autor.

O papel é o Couché Matte, 115 g/m², fabricado pela Suzano papel e celulose.

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