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ALHEAMENTO

Portas e janelas fechadas,


Não tem ônibus abarrotados,
Relógios correm sem atrasos,
Fantasmas em salas sem aulas,
Folhas caindo de árvores
Que não se veem...
O tempo desgastando cartazes,
Luzes chorando a cidade,
Horas e horas chovendo saudade
Você não vem.
Livros usados que não se leem,
A cama à postos arrumada:
O corpo deita acabado
Pronto pra se esquecer,
Gira engrenagem gira nada
Cada peça retirada, cadê você?
Não estás materializado,
As impressões apagadas,
Só a carcaça trancada
Borrando versos sem porquê.
Não estás, por acaso, sentado?
O que foi até agora tua vida?
Admita: não é culpa da pandemia,
Da transmutada rotina, nem da TV.
O isolamento é tua casa,
O mundo não te tem espaço!
Não te espera uma namorada,
A garota amada não te quer,
Nenhuma mulher há de querer.
O senso de rejeição inflamado
Não tem sido tua constante?
Por anos não tens tentado
Que diferença isso já fez?
Foco: teus amigos seguem a vida
Compram carros, se endividam,
Geram filhos, casam, divorciam.
A mesa do bar só esvazia,
Poucos te são fiel e ainda assim
Sabes que um dia eles se vão
E depois? Que diferença isso fez?
Pensa: estás retirado,
O mundo transmutado
E tudo na mesma decadência.
As aulas continuarão ministradas,
Questões ainda terão debate,
Tu ainda serás tu,
Não há calamidade
Que mude este fato!
Não durma, não me venha
De espírito do natal passado,
Tua ausência, quiçá na arte
E olhe lá. Mal necessário?
Nem pra isso serves!
Abre essa cabeça e mete:
O mundo já está lotado,
Não há, nunca houve
E nem vai haver
Nada que te caiba,
Sou eu quem vos fala
E eu sou você!
PÉTALAS NOSSAS

não te faço promessas desenfreadas


de maravilhas fantasiadas
com cores plásticas: girassóis
em copos de água,
flor de não se cumprir!
Nem te posso garantir
felicidade eterna,
mitos não cabem a nós,
sabemos a pétala aberta:
bem me quer mal, mas me quer...
O que digo, por esta chance, se me der
é cuidarmos juntos de florescer
nosso jardim sem promessa:
um dia após o outro crescer,
se minguar ou virar floresta,
cuidarmos de nossas pétalas
deixando a natureza,
acontecer, sem pressa.

(T.)
COMPANHEIRA

Mirava-nos os olhos
com ares de momento
e todo instante era nosso!
A gente se comunicava
dessa forma, calada,
entre chopes e risadas
e tudo era tão simples,
em meio as músicas e brindes
que fico perplexo da falta,
não dos bares, dos teus olhares
e da tênue impressão dos teus lábios
na borda da cerveja
que ainda pouco jurei ver!
RESTA ESTAR

Quantas situações já atravessei


No que me resta dessa vida?
Momentos difíceis que pensei
Não haver outra saída,
Erros que cometi na tentativa
Funesta de reparar a dor,
As negativas para o amor,
Brigas com quem não merecia,
Boas pessoas que estão longe
E não sabem quanto penso nelas
Aqui do meu horizonte
De portas e janelas.
E o que me resta?
Respirar fundo e esperar passar
Que vida não é o que a gente espera,
É indispensavelmente caminhar,
Pedir perdão a quem machucou
E dar o melhor de si mesmo
Porque tudo apenas começou.
É o meu defeito:
Acreditar que posso ser refeito.
A TRANSIÇÃO

Ficou apolínea
a cabeleira!
Como adejar,
no céu, estrelas,
o germinar
das flores
no jambeiro
e as festas
de junho:
o terreiro
e a fogueira!

(C.)

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