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MARGINALIA+LAB
laboratório colaborativo de arte e tecnologia
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
2009
AGRADECIMENTOS
3
No contexto particular do Marginalia+Lab, gostaria de agradecer às várias
pessoas que o tornaram possível: Gabriela Drumond; equipe do Labmídia;
departamento de Comunicação Social e seus técnicos, em especial Regina
Oliveira; equipe da Vivo e do Vivo Lab, que patrocinou e acreditou neste projeto;
Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, pelo incentivo; demais projetos
do Vivo Lab e suas equipes; equipe do Arte.Mov; Cabral e equipe do Lagear, da
Escola de Arquitetura da UFMG; Fernanda Goulart e equipe do Grafo, da Escola de
Belas Artes da UFMG; Chico Marinho e demais integrantes do 1maginári0, da
Escola de Belas Artes da UFMG; Aline Minheiro, Giselle Beiguelman e equipe do
Instituto Sérgio Motta; eocopo, Roberto Andrés, Fernando Rabelo e Paula Kimo,
das parcerias já feitas e por vir.
Entre as diversas pessoas que passaram pelo projeto gostaria de agradecer
aos oficineiros: Cícero Silva, Brett Stalbaum, Fred Paulino, Lucas Mafra, Ganso,
Fernando Rabelo e Bruno Vianna; aos artistas, pesquisadores e críticos que
participaram dos encontros: Rodrigo Minelli, José Cabral, Cláudio Santos, Marcus
Bastos e Eduardo de Jesus; e a todos os proponentes de projetos, num
agradecimento estendido a suas equipes e colaboradores: Cínthia Mendonça,
Vicente Pessôa, Felipe Turchetti, Antônio Valladares, Marina Noronha, Luis
Castilho, Júlia Valle, Sérgio Mendes, Hugo Corgosinho, Vanessa Michelis, Fabiano
Fonseca, Angélica Beatriz e Koji Pereira.
Por fim, agradeço à minha família, que sempre ofereceu apoio e incentivo
nos meus projetos e compreendeu minhas ausências e noites sem sono.
Agradeço, assim, à minha mãe, Beatriz, e ao meu pai, Renato – informatas, que
seguramente são os principais responsáveis por minha incursão neste terreno; a
minhas irmãs queridas, Denise, Marina e Sofia; e à Tau – que, em virtude da
maledicência dos contos de fadas, sempre recusou, com razão, o titulo de
madrasta.
Ao restante da família, dos amigos e colegas, fica o agradecimento geral,
numerosos que são para serem mencionados um a um. Obrigado.
4
“Inteiro é o que tem começo, meio e fim.
Começo é aquilo que, em si, não se
segue necessariamente a outra coisa,
mas depois do quê existe outra coisa, à
qual, necessariamente, ele estará unido.
Fim, ao contrário, é o que, por natureza,
acontece depois de alguma coisa, quer
de modo necessário, quer porque assim
é na maior parte das vezes, mas, depois
dele, não há mais nada. Meio é aquilo
que se segue a outra coisa e após o
quê outra coisa vem”.
Aristóteles, Poética
“Tenho certeza absoluta que não
chegarei ao absoluto, tenho a
duvidosa impressão que eterno é isso
e acho-lhe uma graça infinda”.
ABSTRACT
7
SUMÁRIO
1. Introdução 9
2. Arte e tecnologia: interseções e reconfigurações 14
3. Ateliê-laboratórios: espaços de confluência 33
4. Free, open, commons e outras perspectivas de participação 44
5. Marginalia+Lab: relato e relatório 55
6. Considerações finais 78
Referências bibliográficas 82
Anexo: detalhes e créditos 86
8
1. INTRODUÇÃO
Marginalia é o nome que se dá às anotações feitas nas margens dos livros1. Foi
com este sentido que escolhemos este nome para um projeto de arte e tecnologia
interessado na apropriação dos recursos tecnológicos disponíveis em usos e
aplicações particulares, que não apenas ultrapassam a funcionalidade
programada destes dispositivos como, potencialmente, a subvertem. As inscrições
feitas às margens dos livros se valem, afinal, justamente do espaço que resta ao
leitor, neste meio em particular, para registrar suas idéias e impressões de leitura.
Em certa medida, o que pretendíamos, desde o início, era tanto jogar
propositalmente com este espaço em nossos trabalhos – explorando distintos
níveis da relação dos sujeitos com a obra – quanto, em nosso próprio contato com
tecnologias diversas, encontrar tais vazios e deles nos apropriar.
Em um nível mais pessoal, este interesse se consolidou a partir do momento
em que, aprendendo linguagens simples de programação aplicadas à geração e
manipulação de imagens, no ambiente Processing2, se nos ofereceu a
possibilidade de, com poucas linhas de código, ter acesso a todo o conjunto de
dados que formavam uma imagem de vídeo em tempo real. Em uma situação muito
distinta daquela dos softwares geralmente utilizados para a edição e pós-
produção de imagens, cada frame do vídeo, ao vivo, era representado como um
conjunto de valores numéricos, que correspondiam às cores de cada um de seus
pixels, permitindo, assim, infinitas manipulações matemáticas e lógicas, bem como
a tradução dos dados obtidos a diversas outras formas de visualização. A imagem,
assim, era transformada em uma interface múltipla capaz de se conectar a
diversos outros dispositivos – deixando de ser, em certa medida, uma imagem
como a compreendíamos.
Foi somente a partir deste momento que pudemos compreender a
discussão, até então aparentemente de cunho puramente abstrato e teórico, sobre
as potencialidades do digital enquanto meio de natureza simbólica (no sentido
peirceano do termo): matemático, modular, automatizável, variável,
1
Cf. CHARTIER, 2002, p. 94.
2
Cf. <http://www.processing.org>.
9
transcodificável 3. Apenas liberto das interfaces gráficas limitadoras dos softwares
que geralmente mediam nossa relação com a imagem digital que – mesmo em
uma linguagem high level4, ainda bastante mediada por camadas de código
precedentes – o potencial desta nova conformação técnica da imagem se mostrou
presente.
Este projeto parte, assim, de um desdobramento natural e quase direto deste
primeiro momento de descoberta: uma vontade de tomar contato cada vez mais
íntimo com o interior das mídias e tecnologias que utilizamos, buscando explorar
alguns dos potenciais escondidos em sua materialidade técnica e procedimental.
Trata-se, portanto, da vontade de intervir em seu funcionamento como forma de
descobrir possibilidades de criação de novas linguagens e experiências, ou
mesmo de contribuir e expandir as já existentes.
Neste esforço, ultrapassamos muitos dos temas geralmente trabalhados no
campo de estudos da comunicação, lidando também, de forma integrada, com
problemáticas da arte, da ciência e do desenvolvimento tecnológico. Entretanto, a
problemática da comunicação permanece como eixo desta abordagem, nela
incutindo uma perspectiva particular a partir da qual observamos e enfrentamos os
obstáculos de nossa proposta. Pois, efetivamente, é justamente o panorama atual
de transformação das mídias e dos processos de comunicação que nos lançou no
caminho consolidado por este projeto – em um cenário que nos obrigou a buscar
subsídios em outras áreas e experiências para nossa tentativa de compreendê-lo.
A respeito de tais transformações, já há algumas décadas tem se falado da
noção de convergência mídiatica, problemática que, segundo Henry Jenkins, teria
sido introduzida inicialmente por Ithiel de Sola Pool, em 19835. Passando por
diversas metamorfoses, esta noção, muitas vezes relacionada à idéia de
convergência tecnológica dos meios e de concentração de funcionalidades de
diversas mídias em um único aparelho, foi há alguns anos retrabalhada por
3
Segundo a definição que faz Manovich das “novas mídias”. MANOVICH, 2001.
4
Refere-se à classificação de linguagens de programação entre um maior nível de abstração,
distantes das operações físicas realizadas no processador e na memória física pela mediação de
uma camada de códigos, bibliotecas e compiladores, chamado de high level; e um nível mais
próximo da linguagem da máquina, que lida diretamente com a alocação de memória e as
demandas de processamento, com menor mediação de camadas de código, bibliotecas e
compiladores, chamado de low level.
5
O autor faz referência ao livro Technologies of freedom, de Pool, como a primeira descrição do
conceito de convergência como força de mudança da indústria mídiatica. JENKINS, 2006, p.10.
10
Jenkins de uma perspectiva sócio-cultural, que não professa a desaparição de
mídias ditas antigas ou obsoletas, mas busca entender a forma como se dá a
convivência destas com novas tecnologias e processos da comunicação. Na
perspectiva deste autor, tal fenômeno poderia ser compreendido,
contemporaneamente, por uma convergência de conteúdos, que faz com que o
engajamento de anônimos em processos segmentados de comunicação online
repercuta fortemente mesmo nas “antigas” mídias de broadcasting, como a
televisão. Neste sentido, a emergência de uma cultura participativa não se
resumiria à internet ou, como poderíamos destacar nos últimos anos, ao que se
convencionou denominar web 2.0. Pelo contrário, ela desencadeia uma
reconfiguração em toda a comunicação e na relação entre as grandes
corporações – não apenas da mídia – e seus consumidores.
Neste contexto de forte transformação, tanto tecnológica quanto sócio-
cultural, semiótica e estética, o desafio proposto, a todo momento, é o de como
reinventar os meios tradicionais e, simultaneamente, como inventar os novos
meios. Trata-se de um processo que, em ambos os casos, implica muito mais que
a produção de conteúdo, e torna necessário um contato íntimo com estes meios
emergentes – inclusive em sua materialidade tecnológica – como forma de propor
modalidades de interação e significação que não se limitem aos formatos
previamente existentes, nem aos pré-fabricados pelas indústrias da comunicação
e da informação.
No enfrentamento deste desafio, as experimentações situadas a meio
caminho entre a arte e a tecnologia se ofereceram como um caminho possível a
nossa investigação. Com apropriações criticas e lúdicas das ferramentas e meios
tecnológicos disponíveis, elas configuram um campo privilegiado de invenção e
experimentação, capaz de interferir de forma efetiva na ecologia midiática e
tecnológica contemporânea. Não obstante, na medida em que tal experimentação
se desdobrou em práticas colaborativas de desenvolvimento – em direção às
quais se lança este projeto –, tornou-se ainda mais evidente sua pertinência à
problemática da comunicação. Como apresentaremos nos capítulos que se
seguem, em tais incursões independentes e autônomas no desenvolvimento
tecnológico – terreno geralmente associado ao controle corporativo e a
investimentos milionários – as práticas atualmente empreendidas por estas
11
comunidades de artistas, hobistas e hackers representam mais uma modalidade
da cultura participativa, em que diversos sujeitos, com experimentos estéticos, ou
mesmo puramente utilitários, procuram se inserir no curso do desenvolvimento
tecnológico contemporâneo. E o fazem, efetivamente, com práticas de
colaboração e compartilhamento que configuram alguns modelos de
sociabilidade emergentes. É, enfim, neste cenário complexo situado no
cruzamento de diversas disciplinas e reflexões que se insere a realização do
Marginalia+Lab.
Inicialmente, nossos experimentos neste terreno foram realizados em dupla,
com a formação do Marginalia Project6 e a criação de alguns projetos de software
e instalações, interessados justamente na manipulação de imagens pixel a pixel e
na utilização do vídeo como interface, através de recursos de visão computacional
e outros mais simples. Contudo, logo surgiu a vontade de ampliar o grupo de
trabalho e de se constituir in loco o ambiente de colaboração encontrado online, a
partir do qual havíamos construído nossos experimentos, utilizando as ferramentas
e os conhecimentos disponibilizados livremente na rede.
Em pouco tempo, elaboramos um projeto para a criação deste espaço a
partir do convite de outros artistas, o qual denominamos, por extensão,
Marginalia+Lab. Progressivamente, contudo, a partir do diálogo com
colaboradores e da observação de alguns modelos aplicados em outras partes do
mundo, tal proposta amadureceu e ampliou sua abrangência, rumo a processos
colaborativos ainda mais abertos e integrados. Ao final, o desenho a que
chegamos consistia, em resumo, na constituição de um laboratório físico, porém
temporário, de criação e experimentação em arte e tecnologia, voltado para o
fomento e o estímulo da produção neste terreno – particularmente na cidade de
Belo Horizonte. Buscando atingir as distintas nuances do público interessado, o
Marginalia+Lab foi composto, assim, por um conjunto de ações em torno deste
laboratório físico, que inclui: workshops com artistas e desenvolvedores de
diversas áreas da arte e tecnologia; laboratório colaborativo de desenvolvimento,
com um programa de apoio à produção e à pesquisa para participação de dez
projetos selecionados; encontros com artistas, críticos e pesquisadores voltados
6
Grupo de experimentação em arte e tecnologia criada em 2008 e composto, inicialmente, por
este autor e Pedro Veneroso. Cf. <http://www.marginaliaproject.com>.
12
para a discussão dos dez projetos participantes e temas relacionados; site para a
documentação online de todas as atividades desenvolvidas; revista eletrônica
com publicação de textos escritos por convidados.
Com alguns tropeços, é verdade, nosso projeto foi construído de forma
bastante pragmática e intuitiva, visando diretamente à ação. Abrigou, ainda assim,
ao longo do processo, entre seus gestores e participantes, diversas discussões
(muitas vezes acaloradas) que, ao aprofundar e problematizar muitos de nossos
desejos e motivações iniciais, encontram-se refletidas, invariavelmente, na
redação deste texto. Com ele pretendemos, portanto, sistematizar e aprofundar
algumas destas questões como forma de melhor compreender o projeto realizado
e, também, de encontrar subsídios para seu aprimoramento e continuidade.
São efetuados, portanto, dois registros. O primeiro, de fundamentação
teórica do projeto, apresenta e discute temas centrais do campo abordado, a fim
de contextualizar e problematizar nossa atuação. Estabelecemos, assim, três eixos
de discussão: a constituição do campo da arte e tecnologia, problematizando sua
denominação e construção histórica; o modelo dos ateliê-laboratórios, ou Media
Labs, como espaços transdisciplinares de pesquisa e desenvolvimento em arte e
tecnologia; e as iniciativas free, open e commons como propostas de
sistematização de processos participativos e colaborativos da cultura, e seus
paralelos fundamentais com a problemática contemporânea da relação entre arte
e tecnologia. No segundo registro deste trabalho apresentamos um híbrido de
relatório e relato da experiência do Marginalia+Lab nesta sua primeira edição,
com suas realizações e sucessos, falhas e fracassos, de forma critica e reflexiva,
retomando e aplicando algumas das discussões apresentadas na fundamentação
teórica.
Por fim, temos o objetivo de, conjugando a fundamentação teórica com a
experiência prática de realização deste primeiro laboratório, revisar alguns
aspectos do modelo aplicado neste primeiro ano, indicando acertos e erros,
possíveis caminhos a se seguir e buscando formular algumas das questões que
permanecem em aberto.
13
2. ARTE E TECNOLOGIA: INTERSEÇÕES E RECONFIGURAÇÕES
7
Para citar alguns exemplos de criadores destas traquitanas: Fernando Rabelo, Guto Lacaz,
Milton Marques, Mariana Manhães, Yuri Suzuki, Chelpa Ferro e o projeto Gambiologia. Artistas
que constroem sua estética em alternativas low tech ou analógicas.
14
científico em um domínio prático – envolvendo a criação de processos e
ferramentas para a ação –, o campo da arte e tecnologia abarcaria, assim, todo o
universo da criação artística que se vale destes processos e ferramentas. Esta
definição, no entanto, carece de um recorte.
Afinal, a abrangência irrestrita do termo acaba por abarcar também usos já
convencionais da tecnologia nas artes, como o são o vídeo monocanal, o cinema,
a fotografia, a gravura e mesmo a perspectiva linear do desenho e da pintura. Pois,
historicamente, veríamos que pelo menos desde o início da modernidade8, com a
Renascença e os primeiros esboços da ciência moderna (com Descartes, Galileu
e Bacon), a arte se fez tecnológica, lançando mão de alguns dos conhecimentos
emergentes naquele período – em especial da ótica – em suas criações.
Atualmente, de forma ainda mais radical, é praticamente impossível se pensar em
uma manifestação artística que não aplique, em nenhum grau, algum
conhecimento científico – tornando o esforço hipotético de inventariá-las digno de
um conto borgeano.
A compreensão deste universo da arte e tecnologia, portanto, deve tomá-lo
menos como uma modalidade artística específica ou uma manifestação localizada
em um eixo cronológico e mais como uma abordagem presente de forma difusa,
muito provavelmente, em diversos pontos da história da arte. Trata-se de uma
produção limítrofe, que, mais do que utilizar processos, suportes e ferramentas já
bem consolidados, arrisca-se no desenvolvimento de formas alternativas para a
criação artística – por vezes através da intervenção inovadora e crítica sobre a
camada tecnológica já sedimentada.
Por tal definição particular, são diferenciados pelo menos dois extremos
desta interseção entre arte e tecnologia: de um lado, práticas inovadoras que
criam suas próprias aplicações da tecnologia ou, usando os termos de Flusser9,
intervêm sobre a caixa preta das aplicações existentes de modo a reprogramá-la
ou desprogramá-la, fazendo um uso crítico das ferramentas e recursos
tecnológicos disponíveis; e, do outro, práticas que apenas se valem destas
tecnologias já sedimentadas, sem concentrar seu esforço em alterar ou
8
Fase correspondente à entrada na Idade Moderna segundo as fases descritas por Gumbrecht
(1998a).
9
Cf. FLUSSER, 2002. Idem, 2007.
15
transformar seu funcionamento10 . Dentre eles, o interesse deste trabalho recai
sobre o primeiro, que alia a experimentação estética a práticas inventivas e
interventivas em nível tecnológico. São reunidos, portanto, trabalhos que vão
desde a geometrização da perspectiva linear por Brunelleschi 11 até os poemas de
biossíntese de Eduardo Kac12, por exemplo, passando por incursões diversas, tais
como as trucagens cinematográficas de Méliès13 e as videográficas de
Rybczynski14 .
Portanto, o uso do termo arte e tecnologia, neste trabalho, não é feito sem
ressalvas e não se resume a obras interativas, computacionais ou mesmo digitais.
O campo aqui pretendido se define mais pela forma como se utiliza os recursos
tecnológicos do que por quais recursos se utiliza ou pela natureza do produto
final. Ele compreende, assim, contemporaneamente, o conjunto de propostas
estéticas que se valem dos recursos tecnológicos em sua prática criativa, atuando
de forma experimental, inventiva e interventiva sobre substratos industriais e
técnicas e processos já consolidados. Neste sentido, engloba os trabalhos que
buscam subverter ou deslocar os usos comuns e pré-programados das
tecnologias disponíveis, redesenhando-as, reinventando e ressignificando seus
usos, ou mesmo que criam seus próprios artefatos e ferramentas tecnológicas.
Não são apenas trabalhos que se utilizam de tecnologias disponíveis – algo que,
como supramencionado, poderia se estender a toda e qualquer prática artística
recente – mas que intervêm sobre eles ou que propõem suas próprias abordagens
e ferramentas.
Trata-se de uma definição particular, que certamente encontraria opiniões
contrárias e divergentes. Entretanto, trata-se, antes de tudo, de uma opção de
abordagem e de recorte que se justifica principalmente pelo conjunto de
10
Para evitar equívocos: não há, nesta separação e descrição a intenção de fazer qualquer
julgamento de valor, priorizando esta ou aquela abordagem como a mais criativa ou relevante,
mas apenas traçar uma delimitação do campo de interesse deste trabalho.
11
Filippo Brunelleschi, arquiteto renascentista que, entre outras realizações, reconstituiu os
princípios clássicos da perpespectiva linear a partir de fundamentos matemáticos.
12
Artista brasileiro contemporâneo, radicado nos Estados Unidos, que é atualmente um dos
principais artistas no mundo no campo da bioarte, com experimentos de síntese e modificação
genérica, implantes corporais, entre outros. Cf. <http://www.ekac.org>.
13
Cineasta e mágico francês dos primeiros anos do cinema que inventou inúmeras trucagens
para a criação de imagens em movimento de aspecto fantástico.
14
Zbigniew Rybczynski, cineasta e videasta polonês contemporâneo, diretor de diversos filmes e
videoclipes musicais, criador de trucagens minuciosas e efeitos especiais. Cf.
<http://www.zbigvision.com/>.
16
manifestações empíricas que se busca agregar em torno de um mesmo universo.
Ao unir, neste sentido, Kac e Brunelleschi há, em certa medida, uma ênfase na
perspectiva do artista transfigurado em hacker, gambiólogo15 ou tecnófago16, em
seu próprio tempo, que ultrapassa a dimensão puramente funcional ou industrial
da investigação tecnológica em uma criação que se dá, efetivamente, no plano da
linguagem, da estética e da invenção. Michael Rush, abordando a figura destes
artistas, numa tentativa de traçar historicamente suas práticas, destaca o seu
sentimento de pertencimento à mudança tecnológica e seu desejo de
participação:
Artistas que empregam estes novos meios de expressão, não se
intimidando com a mudança tecnológica, vêem-se como parte dessa
mudança e querem participar dela. Entusiasmam-se com as
possibilidades da tecnologia, sem deixar que ela os aliene. [...]
Como outros artistas que trabalham com tinta, madeira ou aço, estes
exploram, e quase sempre subvertem, tanto o potencial critico
quanto o tecnológico dos novos meios de expressão.17
Uma vez que este projeto destina-se, em última medida, aos artistas – ou seja lá
como cada um deles se defina –, buscando criar espaços de confluência e de
colaboração, a compreensão de seu papel e forma de atuação assume uma
relevância central em seu planejamento e realização.
15
Cf. <http://www.gambiologia.net>.
16
Cf. BEIGUELMAN, 2009.
17
RUSH, 2006, p. 2-3.
17
Tal situação é ainda mais complexa – e não, por isto, menos instigante – se
levarmos em conta que, como aponta Arlindo Machado, a arte e a técnica foram,
durante séculos, compreendidas como uma mesma atividade intelectual,
reunidas, inclusive, pelos gregos, sob uma mesma palavra: téchne 18. Teria sido
apenas no século XVIII com o projeto de cisão das especialidades promovido pelo
Iluminismo, e com a valorização do espírito e da subjetividade pelo romantismo,
que a separação entre arte e técnica – então já sistematizada como ciência – teria
se marcado criando campos intelectuais autônomos e, em alguns casos, inclusive
opostos.
De um ponto de vista conceitual e filosófico, estas relações estéticas e
epistemológicas entre arte, ciência e tecnologia oferecem um amplo terreno de
reflexão, com suas oposições e confluências ao longo da história. No entanto, nos
permitimos aqui, pelos limites e pelo enfoque deste trabalho, apenas apontar este
caminho. Pois, se, como sugerimos, uma compreensão mais abrangente do
domínio da arte e tecnologia nos permite reunir artistas e propostas de épocas
completamente distintas mas que, cada qual em seu tempo, representavam
iniciativas similares em suas práticas de intervenção ou mesmo transgressão da
tecnologia, cabe também compreender como em meados do século XX esta
produção pontual, irregular e difusa assume características particulares,
articulando-se como um terreno com questões e problemáticas específicas.
Foi, afinal, na primeira metade do século XX, com a radicalidade da
experiência modernista, vinculada à tomada de consciência dos suportes e
linguagens em seus aspectos materiais e formais – chegando ao extremo do
geométrico e do matemático puros – que se abriu caminho não só para a
aproximação entre arte e tecnologia – levando à institucionalização das artes
industriais, em especial em sua vertente racionalista – como para a proposição, na
segunda metade do século, de experimentos centrados especificamente nesta
relação. Efetivamente, da pintura cubista ao cinema soviético, se observa neste
período um interesse por parte dos artistas em explorar os limites expressivos de
seu meio, colocando-o no centro de seu questionamento estético. Tal exercício
criativo é tão crucial para o que na segunda metade do século veio a se realizar
com as mídias eletrônicas e, mais recentemente, com as tecnologias digitais, que
18
MACHADO, 2009, p.182.
18
Dieter Daniels, interessado nos precursores da artemídia na primeira metade do
século XX, chega a afirmar radicalmente: “toda arte moderna é artemídia” 19.
De fato, como aponta Daniels, houve no modernismo diversos artistas que
se inseriram de forma incisiva não apenas na experimentação com a
materialidade dos suportes, mas, também, na utilização dos meios de
comunicação na arte, como o telégrafo, o telefone e o rádio. Eduardo Kac20
sugere, inclusive, um experimento de László Moholy-Nagy, de 1922, como uma
das primeiras obras de arte por telepresença, quando o artista encomendou uma
pintura por telefone fornecendo descrições a uma fábrica de placas de
sinalização (FIG. 1). Malgrado as dúvidas que tenham surgido, posteriormente,
sobre a veracidade do depoimento do próprio pintor21, este caso se insere em um
conjunto de diversos outros experimentos que ainda se manifestavam de forma
incipiente, mas que já engendravam um campo que viria a se consolidar, de forma
efetiva, nas décadas de 1950 e 1960.
19
DANIELS, 2004.
20
KAC, 1992.
21
Kac aponta algumas controvérsias iniciadas pela própria esposa de Moholy-Nagy, que teria
dito à época que o pintor realizou as encomendas presencialmente e não por telefone. Ibidem.
22
Disponível online: <http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=78747>.
19
neste contexto. Dando continuidade a alguns aspectos das vanguardas
modernistas, os artistas deste período, muitas vezes associados a movimentos de
neovanguardas, aprofundaram ainda mais a quebra com a noção iluminista da
arte. Efetivamente, suas práticas em nada remetiam ao artista como sujeito à
margem da sociedade, em seu ofício de “jogo com os sentidos”; elas se voltavam,
pelo contrário, para a efetiva interpenetração entre arte e vida.
Manifestação exemplar desta primeira geração, tomada, em muitos casos,
como pioneira no campo da artemídia, a videoarte emerge justamente na
incorporação da televisão – meio de comunicação massiva em ascensão naquele
período – à prática artística. Marcadamente na década de 1960, artistas como
Nam June Paik e Wolf Vostell, do Fluxus, emergem com alguns dos primeiros
trabalhos neste terreno, com instalações, esculturas, performances, happenings e
vídeos monocanal explorando aspectos plásticos e técnicos das recentes
tecnologias eletrônicas da imagem.
Com destaque para estas iniciativas, entre muitas outras, tratou-se de um
período que assistiu ao surgimento de experiências pioneiras na integração entre
arte e tecnologia, em especial nos Estados Unidos. Nasciam novas práticas,
estéticas e linguagens que, em grande medida, refletiam a realidade que lhes era
contemporânea, na qual tecnologias de expansão recente, em especial a
televisão e o vídeo, se inseriam de forma determinante na sociedade.
Paik, um dos artistas de maior destaque nestes primeiros anos, apresenta, então,
um interessante trabalho de intervenção sobre o aparelho televisivo, numa
continuidade dos “pianos preparados” desenvolvidos por ele e, mais
notadamente, por John Cage em anos anteriores. Em uma de suas obras mais
conhecidas, “Magnet TV” (FIG. 2), ele distorce a imagem de uma televisão com o
uso de um grande imã, colocado no topo do aparelho, alterando o fluxo de raios
catódicos no interior do tubo23 . Atuando diretamente sobre a materialidade física
da imagem eletrônica, Paik esgarça as suas características técnicas alterando,
23
Cf. <http://mediaartnet.org>.
20
por completo, o funcionamento convencional do aparelho televisivo, revelando
alguns de seus potenciais ocultos.
24
Disponível online: <http://mediaartnet.org/works/magnet-tv/>.
25
Cf. <http://mediaartnet.org>.
21
No futuro distante, um sintetizador a cores versátil como este vai se
tornar um equipamento padrão, como, atualmente, o Hammond
organ ou o Moog synthesizer no campo musical, mas, mesmo no
futuro imediato, ele encontrará ampla aplicação.26
Com tais trabalhos, Nam June Paik serve claramente como exemplo da atuação
do artista tanto como interventor sobre os artefatos tecnológicos existentes, quanto
como inventor de novos processos e ferramentas de criação. O espírito
neodadaísta de suas propostas, compartilhado com os demais integrantes do
Fluxus, de extrema irreverência e inconformidade com valores e protocolos da arte
ou da sociedade daquele momento, desvela ainda grande parte da contradição e
ambigüidade na qual se inseriram muitas das incursões da arte na tecnologia
daqueles anos aos atuais.
26
“This will enable us to shape the TV screen canvas | as precisely as Leonardo | as freely as
Picasso | as colorfully as Renoire [sic] | as profoundly as Mondrian | as violently as Pollock and |
as lyrically as Jasper Johns. | In the long-ranged future, such a versatile color synthesizer will
become a standard equipment like today’s Hammond organ, or Moog synthesizer in the musical
Field, but even in the immediate future it will find wide applification [sic]”. PAIK, 2004. Tradução
nossa.
27
Disponível online: <http://mediaartnet.org/works/paik-abe-synthesizer/>.
22
no SoHo, em Nova York, lutando para fazer com que ele se submeta aos
procedimentos de uma entrevista, lhe diz ser importante levar a televisão a sério,
ao que Paik responde que “Sim, eu a levo a sério, veja quantos aparelhos de
televisão eu tenho agora”, indicando os diversos aparelhos de televisão
dependurados no teto, acima de suas cabeças. “Qual o sentido de se dependurar
estes aparelhos no teto?”, o repórter pergunta, “isto faz parte do projeto de
humanizar a tecnologia?”. “Eu faço a tecnologia parecer ridícula”, ele afirma. “Mas
como você está humanizando a tecnologia com essas coisas aqui em cima? Nós
seremos transformados em máquinas?”28.
Neste exemplo máximo da insubordinação de Nam June Paik, algo que
chama a atenção não é somente a ironia do artista, se esquivando das perguntas
e do repórter, mas também a dificuldade do entrevistador em compreender seu
trabalho. Ao que parece, nada lhe parecia mais contraditório do que, embora com
um discurso de humanização das tecnologias, Paik parecesse fazer, em algumas
obras, uma apologia acrítica do aparelho de televisão. Efetivamente, se
observarmos o conjunto de seus trabalhos e performances, há um misto de
entusiasmo com estes aparelhos e abordagens mais criticas, sem, contudo, em
nenhum momento, assumir uma postura pessimista.
Pelo contrário, seu propósito manifesto – inclusive na entrevista – de
humanizar a tecnologia vem acompanhado de um projeto de hiperconectividade
global em prol de uma transformação cultural profunda, através do que ele
denomina a “super auto-estrada eletrônica” 29. Mas, se sua visão antecipava, em
certa medida, a inserção da tecnologia na realidade contemporânea, seu
otimismo se mostra incompatível com os problemas suscitados por esta
hiperconectividade e ubiqüidade nos dias de hoje – ainda que seu trabalho e sua
geração permaneçam, claramente, como uma forte referência.
28
PAIK, [1975].
29
“electronic superhighway”. Cf. CENTURY, 1999.
23
total incorporação destas mídias a uma lógica de mercado, como também a
própria televisão perdeu seu espaço como a nova grande tendência de evolução
tecnológica em favor dos computadores, da internet, da inteligência artificial, da
biotecnologia, entre outros. Assim, os atritos já existentes naquele momento com
as tecnologias da comunicação, vinculados principalmente a seu uso político nos
contextos do fascismo alemão e italiano, tornam-se, neste novo cenário, ainda
mais complexos com a entrada de novas variáveis que vão desde aplicações
escusas da engenharia genética até as ameaças da ubiqüidade das tecnologias,
com suas funções de vigilância, à autonomia dos sujeitos diante do Estado e das
corporações.
Neste contexto, um dos principais desafios encontrados é o de garantir
margens de autonomia da arte e dos sujeitos em um terreno em grande parte
dominado pelos interesses de grandes corporações tecnológicas multinacionais.
Diante de diversos casos de apropriação de experimentos artísticos pela indústria
e pela publicidade, tornou-se preocupação corrente da arte e tecnologia evitar
sua configuração como simples campo de testes e de experimentação para
futuros produtos industriais. Tal situação cria uma forte tensão na prática artística
que, dependente dos produtos destas grandes corporações, corre o risco de
tornar-se refém delas na medida em que, ao explorar os potenciais de seus
produtos, arrisca-se fazer, também, uma publicidade de seus recursos e
possibilidades.
Talvez justamente em resposta a este cenário de aparente reforço do
caráter heterônomo do desenvolvimento tecnológico, observa-se atualmente a
realização de um processo inverso, exemplificado, entre outros, no fortalecimento
da cultura DIY (“do it yourself”, ou “faça você mesmo”); da cultura do software livre
e suas derivações, como o Creative Commons; e de iniciativas hacker, cyberpunk
e, bem recentemente, pirata 30.
Tal panorama cria, obviamente, um contexto inteiramente novo para a
prática artística e, naturalmente, para o desenvolvimento tecnológico. Observa-se,
portanto, uma reconfiguração de ambos os terrenos, em uma mescla heterogênea
30
Nos referimos, aqui, ao controverso movimento, em grande parte ligado à plataforma P2P The
Pirate Bay, de origem sueca, que tem protestado globalmente contra a atual regulamentação da
propriedade intelectual.
24
de propostas e formas de atuação, o que, no caso da arte, chega a ultrapassar, em
larga medida, o campo da arte propriamente dita, com a criação de espaços e
projetos profundamente híbridos e de difícil categorização.
31
Disponível online: <http://www.lozano-hemmer.com/images/pulse_room/puebla_2006/pulseroom
_puebla_10.tif>.
32
Cf. <http://www.lozano-hemmer.com/>, <http://www.ekac.org/>,
<http://graffitiresearchlab.com/>, <http://www.theartvertiser.com/>, <http://www.loca-lab.org/>.
25
criativa, instâncias diversas e mesmo díspares da relação entre arte e tecnologia,
que vão de uma linhagem mais claramente herdeira de alguns experimentos do
campo da arte até práticas de cunho quase estritamente ativista, em performances
e intervenções urbanas. Paralelamente, em diversas ocasiões, propostas
artísticas, ativistas e puramente técnicas (de hobistas33 e entusiastas da cultura
DIY) dividem espaços e mesmo ferramentas de produção numa perspectiva de
compartilhamento de conhecimentos e colaboração, com soluções caseiras e
baratas. Em grande parte inserida na corrente das práticas de compartilhamento e
colaboração catalisadas pela internet nos mais diversos campos – do
desenvolvimento de software à filatelia – a produção contemporânea em arte e
tecnologia ultrapassa sobremaneira o isolamento e a produção a portas fechadas
em práticas relacionais e colaborativas, especialmente a partir da introdução de
ferramentas livres de criação e experimentação voltadas justamente para a arte, a
música e o design.
Iniciativas em software e hardware voltadas diretamente para a produção
em arte e design, como Max/MSP/Jitter, Isadora, Processing, openFrameworks,
Arduino, PureData 34, entre outras, vem a estimular e sustentar práticas de
programação e eletrônica neste meio. Paralelamente, muito em função destas
iniciativas, surge e se fortalece cada vez mais uma geração de artistas de
formação híbrida, entre as artes e o design e as engenharias e as ciências
naturais, que não só têm maior autonomia para desenvolver seus trabalhos como
possuem uma compreensão mais ampla de seu campo de atuação e das
limitações de seu meio e suas ferramentas.
Não raramente, portanto, os expoentes deste campo da arte e tecnologia se
situam no entremeio de áreas bastante distintas, realizando atividades de criação
artística, design, desenvolvimento de software e hardware e mesmo experimentos
de química e biologia como uma mesma prática – o que lembra, inevitavelmente,
a conjunção os campos da arte e da ciência na história que antecede a Idade
Moderna. Muito em função do barateamento dos equipamentos eletrônicos e
33
Trata-se de neologismo que busca traduzir o termo inglês hobbyist, relacionado àquele que se
dedica a alguma atividade paralela a sua ocupação, e que é geralmente associado aos que se
dedicam à cultura DIY (“do it yourself”).
34
Cf. <http://cycling74.com/products/maxmspjitter/>, <http://www.troikatronix.com/isadora.html>,
<http://processing.org>, <http://openframeworks.cc>, <http://arduino.cc>,
<http://puredata.org>.
26
digitais e da livre difusão do conhecimento em sites e plataformas colaborativas
online, cria-se uma facilidade para o surgimento de práticas amadoras ou semi-
profissionais marcadas, em última medida, pela transdisciplinaridade. Em
processo semelhante ao descrito por Patrícia Moran a respeito do audiovisual com
tecnologias digitais de produção e pósprodução da imagem, também no campo
da arte e tecnologia observa-se a emergência destas práticas quase artesanais35 –
o “artesanato digital” a que se refere a autora – como característica da produção
contemporânea neste terreno.
Evidencia-se, assim, uma produção não tão futurista ou deslumbrada com o
digital ou o virtual – como a de décadas anteriores – e mais interessada na
inserção da tecnologia em domínios estéticos e mesmo funcionais do cotidiano. A
proximidade e acessibilidade dos recursos tecnológicos e a formação híbrida e
abrangente dos artistas e desenvolvedores propiciam, também, uma exploração
mais consistente e com mais propriedade de cada meio ou tecnologia ao mesmo
tempo em que estabelece vínculos mais claros com outros domínios do
conhecimento e da criação artística.
35
Patrícia sugere o termo “artesanato digital” para se referir à produção autônoma e
independente que emerge no campo audiovisual com o uso de tecnologias acessíveis e
caseiras na produção de vídeos e filmes. MORAN, 2002.
36
MACHADO, 2007b, p. 16-17.
27
apropriação da tecnologia pelas artes. Bem antes dos primeiros experimentos com
vídeo – na década de 1950, especificamente – os poetas do grupo brasileiro
Noigandres, especialmente na figura dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e
de Décio Pignatari, lançaram algumas questões e provocações que já sugeriam a
utilização – como vieram a fazer posteriormente – de holografia e computação
gráfica na proposição novos percursos de leitura, através da experimentação
formal e visual de seus poemas. Influenciados, como os videoartistas norte-
americanos, pelas teorias de Marshall McLuhan, eles vislumbravam nestas
tecnologias, então ainda incipientes, grande potencial para sua criação poética,
de comunicação eficiente e utilitária, intimamente conectada com a modernização
e urbanização que começa a ocorrer no sul e sudeste do pais neste período.
Foi sob forte influência deste contexto das década de 1950 e 1960,
momento em que atuaram as neovanguardas brasileiras, que surgem, no começo
dos anos 1970, as primeiras manifestações da arte e tecnologia no Brasil. Como
indica Priscila Arantes, foi no ano de 1971 que Walter Zanini organiza a primeira
exposição de videoarte no Brasil e Waldemar Cordeiro organiza a exposição
internacional Arteônica37 . No catálogo desta exposição, Cordeiro sinaliza uma
visão otimista, porém critica, das tecnologias, movida pelo interesse de sua
humanização. Interessante notar como sua perspectiva encontra-se em aparente
sintonia com as discussões manifestas no contexto internacional, porém com
certa adaptação desta problemática às especificidades brasileiras:
Na visão prospectiva da importância dos meios eletrônicos para a
cultura nacional, deve ser salientada a variável da extensão
territorial. Para os demais campos da atividade social, o sistema de
telecomunicação, atualmente em processo de expansão, constitui
um fator de relacionamento, aproximação e integração. Essa mesma
macro-infraestrutura da comunicação poderia oferecer os meios
para o desenvolvimento de uma cultura artística de âmbitos nacional
e internacional. [...] O processo cultural pelas telecomunicações está
ocorrendo – e é irreversível – sob a orientação de técnicos, que nem
sempre possuem uma visão profunda, global e humanística dos
problemas.38
Outro aspecto relevante a se destacar em seu texto é a compreensão do artista
como um participante fundamental no processo de desenvolvimento tecnológico,
CORDEIRO, Waldermar. Catálogo da exposição Arteônica. São Paulo: FAAP, 1971. Disponível
38
39
ZANINI, 1997.
40
Tecnologia que traduz o sinal eletrônico da imagem de vídeo tornando-o transmissível via
telefone, o que permite a comunicação por imagem em tempo real.
41
ARANTES, 2005.
29
como Eduardo Kac, Gilbertto Prado, Carlos Fadon Vicente, Giselle Beiguelman,
Kiko Goifman e Jurandir Müller, Rejane Cantoni, Raquel Kogan, Chelpa Ferro,
Lucas Bambozzi, entre outros.
42
Disponível em: <http://www.chelpaferro.com.br/chelpaferro/works/view/12>.
43
Cf. BEIGUELMAN, 2009.
30
termo entendido no sentido de antropofagia tecnológica. A seu respeito, Giselle
escreve:
Essa tendência pode ser o primeiro esboço de uma nova prática
estética, que opera pela combinação de dispositivos hi e low tech,
práticas de circuit bending, remodelagem de equipamentos e
integração de mídias de idades e graus de obsolescência
diferentes.
Não se trata de mais um escorregão retrô, expressando noções
meramente cosméticas de reciclagem de antigos equipamentos,
que dá a tônica da indústria de vários bens de consumo, de
geladeiras a carros […].
A produção que os artistas em início de carreira arriscam –
premiados e selecionados – não dialoga com esse “revival”
pasteurizado. Mais promissora, parece incorporar algumas
tradições antropofágicas da arte brasileira e também procedimentos
de desafio das convenções tecnológicas comuns aos artistas
artemidiáticos mais antigos. Tudo isso remixado para questionar os
limites da interface, as estratégias táticas, as práticas de
compartilhamento e os desafios das relações entre arte e ciência.44
Interessante notar como esta prática de tecnofagia, a qual também poderíamos
denominar bricolagem ou gambiologia 45, embora não seja exclusividade da
produção brasileira, parece, aqui, se manifestar com mais intensidade. Não
obstante, sua inserção na cultura brasileira ganha ainda contornos particulares,
seja na remissão à antropofagia oswaldiana, seja na clara adequação à prática
brasileira da gambiarra – subterfúgio pragmático artesanal à carência de recursos
apropriados para a solução de problemas. Tal estética é, de fato, característica do
trabalho de diversos artistas do país, como Fernando Rabelo (FIG. 6), Jarbas
Jácome, Projeto Gambiologia, Mariana Manhães, Cristiano Rosa, entre outros.
44
BEIGUELMAN, 2009, p. 13.
45
Cf. <http://www.gambiologia.net>.
31
FIGURA 6 – “Contato QWERTY 2.0” de Fernando Rabelo 2009.
Fonte: Exposição online 8º Prêmio Sérgio Motta de Arte e Tecnologia46.
46
Disponível em: <http://farm3.static.flickr.com/2441/3928142265_d27084641e_b_d.jpg>.
32
3. ATELIÊ-LABORATÓRIOS: ESPAÇOS DE CONFLUÊNCIA
47
Studio-laboratory, denominação empregada por Michael Century. CENTURY, 1999.
48
Cf. CENTURY, 1999.
49
“pahways to innovation with the greatest potential benefit to the widest number of actors”.
Ibidem. Tradução nossa.
33
o trauma do projeto Manhattan nos EUA50 teriam direcionado o surgimento desta
nova abordagem na lógica de pesquisa e desenvolvimento.
Quanto a este “segundo modo”, conforme sugere o autor, o conhecimento
por ele gerado poderia ser caracterizado em pelo menos quatro aspectos centrais:
transdisciplinar, compreendido como profunda interpenetração epistemológica de
disciplinas; multi-site, ou uma maior distribuição das atividades entre parceiros,
colaboradores e instituições; aplicado, com um direcionamento das pesquisas e
desenvolvimento à solução de problemas de contextos locais e específicos;
reflexivo, remetendo a uma accountability social e a uma preocupação de auto-
definição e de estruturação disciplinar51. Tal abordagem, somada a
reconfigurações também da arte, em particular após sua aproximação da indústria
em experiências como a da Bauhaus, já na década de 1920, teriam favorecido a
aproximação institucional da arte e da tecnologia. Trata-se de algo que extrapola
experimentos artísticos particulares, como trabalhamos no capítulo anterior, pois
se consolida também, e principalmente, na aproximação institucional entre estes
dois campos.
50
Codinome do projeto que levou ao desenvolvimento pulverizado da bomba atômica de
Hiroshima e Nagasaki.
51
Ibidem.
34
cooperação entre artistas, engenheiros e cientistas” 52. Em seus primeiros anos,
para além da realização de exposições internacionais e projetos coletivos (FIG. 7),
o grupo se destacou também na busca por engenheiros dispostos a trabalhar com
artistas, o que se fez através de visitas às instalações do Bell Labs e da IBM e
também através de open houses semanais no loft dos EAT em Nova York. No início
da década de 1970, o Technical Services Program do grupo já contava com cerca
de 6 mil membros e fazia o pareamento de artistas e engenheiros na realização de
projetos específicos, totalizando mais de quinhentos trabalhos, em sua maioria na
área de escultura e performance. Paralelamente, o grupo ainda oferecia locação
de equipamentos a artistas, consultoria de segurança dos trabalhos,
intermediação de apoios da indústria e mesmo auxílio na obtenção de licença do
departamento de saúde de Nova York em trabalhos que utilizavam lasers ou outras
tecnologias perigosas53. Este modelo que, como veremos, parece antecipar muitas
das questões trabalhadas contemporaneamente em centros similares, levanta, já
naquele momento, problemáticas atuais tanto conceituais quanto operacionais
desta colaboração entre artistas e engenheiros. Pioneiros, os EAT foram ainda
acompanhados por diversas outras iniciativas com objetivos similares.
FIGURA 7 – “Pepsi pavillion for the Expo ‘70” dos EAT, 1970
Fonte: We-make-money-not-art 54
52
“an international network of experimental services and activities designed to catalyze the
physical, economic and social conditions necessary for cooperation between artists, engineers
and scientists”. EAT. Experiments in Art and Technology proceedings. Nº 9. New York: EAT,
1969. apud CENTURY, 1999. Tradução nossa.
53
EAT (org.), [1966-1993].
54
Disponível em: <http://www.we-make-money-not-art.com/archives/2008/01/>
35
No final da mesma década, o artista Gyorgy Kepes, filiado à Bauhaus,
fundou no Massachusetts Institute of Technology (MIT) o Centre for Advanced
Visual Studies (CAVS), voltado para a colaboração entre os engenheiros e
cientistas daquela universidade e artistas, que participavam através de um
programa de residências. Ainda em atividade na instituição, o CAVS se consolidou
como um dos mais importantes centros nesta área, criando alguns modelos de
ação para centros fundados posteriormente. Poucos anos depois, seria fundado
também o Institut de Recherche et Coordination en Acoustique et Musique
(IRCAM), em Paris, pelo compositor Pierre Boulez que, em caráter mais
independente que o CAVS, se interessava principalmente pelo campo da música,
através da colaboração de musicistas e cientistas.
Como indica Century, com o fortalecimento do campo e o nascimento, na
Áustria, do festival Ars Electronica, entre outras iniciativas que ganharam
visibilidade e alcance global na década de 1980, o modelo ateliê-laboratório
tornou-se item programático de governos de diversos países industrializados,
ocasionando o estabelecimento de centros de pesquisa e desenvolvimento em
outras localidades, como o alemão Zentrum für Kunst und Medien (ZKM), fundado
em 1991. Com perfis de atuação diversos, centros similares emergiram neste
período tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos e no Japão, interessados nos
potenciais da colaboração entre artistas, engenheiros e cientistas. Os novos
centros deste período incluem desde um segundo centro do MIT, seu Media
Laboratory, até algumas iniciativas corporativas, como o Xerox PARC, nos Estados
Unidos, e o Canon ArtLab, no Japão. Não mencionados no texto de Century, mas
que surgiram no mesmo período, poderíamos destacar ainda o Centro Multimedia,
no México, numa iniciativa estatal; e o Centre for Advanced Inquiry in Interactive
Arts – Science and Technology and Arts Resarch (CAiiA – STAR), no Reino Unido,
situado no ambiente universitário.
Trata-se, portanto, de um panorama nada homogêneo, cujas fontes de
financiamento e manutenção incluem a iniciativa de universidades, programas de
educação pública voltadas para museus, programas regionais de
desenvolvimento industrial e mesmo a iniciativa corporativa, de empresas
interessadas nos potenciais estéticos das tecnologias de ponta que elas mesmas
desenvolvem. A respeito deste modelo, Century o descreve como “um espaço
36
para uma série de negociações em curso entre artistas-usuários e
desenvolvedores de tecnologias, as quais, simultaneamente, modelam a
tecnologia, seu uso e seus usuários” 55. Tal configuração destes centros
ultrapassa, claramente, a de centros de arte convencionais ou de centros de
pesquisa tecnológica, refletindo, em larga medida, características do terreno da
arte e da tecnologia simultaneamente. Sem serem inteiramente dedicados à arte,
nem ao desenvolvimento tecnológico, situam-se no entremeio destes dois
campos, trabalhando em ambos, mas, principalmente, operando em um terreno de
transformação cultural, de absorção e de reconfiguração – da arte e da tecnologia
– diante do impacto da inovação tecnológica.
Pamela Jennings, em seu levantamento de modelos de financiamento para
a arte com novas mídias56, situa algumas destas iniciativas no contexto dos
centros de pesquisa e think tanks57. No paralelo entre estes espaços de trabalho e
outros modelos de incentivo às artes – tais como bolsas, incubadoras, prêmios e
mesmo comercialização das obras e subprodutos – a autora destaca o potencial
de troca, de interação com outros artistas e com consultores técnicos como
vantagem determinante deste modelo em relação aos demais58. Curiosamente,
tanto Jennings quanto Century apontam em seus trabalhos a necessidade de criar
redes de colaboração e compartilhamento entre artistas e gestores para se
enfrentar os desafios deste terreno instável da arte e tecnologia, e o fazem, cada
um, a partir de perspectivas e metodologias de análise bastante distintas.
Enquanto Jennings chega a tal proposição a partir de um grande numero de
entrevistas com artistas e gestores atuantes no campo das novas mídias, Century o
faz a partir de análises dos modelos de diversos centros e do aprofundamento de
algumas discussões levantadas por suas atividades.
Efetivamente, Century vai mais longe e aponta a criação de relações
dinâmicas entre artistas e desenvolvedores em ambientes abertos de colaboração
como um dos principais caminhos a se seguir na reconfiguração do modelo ateliê-
55
“a site for an ongoing and progressive series of negotiations between artist-users and
technology designers, which simultaneously shaped the technology, its use, and users”.
CENTURY, 1999. Tradução nossa.
56
JENNINGS, 2000.
57
Termo utilizado para se referir a centros engajados em pesquisas e elaboração de políticas
para setores diversos.
58
Ibidem, p. 14.
37
laboratório na contemporaneidade. Pois, se em décadas passadas estes centros
operavam em um contexto de baixa penetração social da computação e de outras
tecnologias, a situação contemporânea é radicalmente distinta: já houve não
somente um barateamento, como uma grande apropriação destes artefatos pela
sociedade, reduzindo boa parte do problema da acessibilidade. Como resultado,
um dos papéis realizados por estes centros, que era o de oferecer a artistas o
acesso a laboratórios equipados com tecnologia de ponta, perde um pouco de
sua relevância. A prática mencionada anteriormente do artesanato digital torna
muito mais independente a atividade de artistas e demais interessados, que
raramente encontrarão atrativo neste acesso para desenvolver seus trabalhos.
Como afirma Michael Century em suas conclusões:
Com a razão preço/performance do hardware de consumo
continuando a cair, o equipamento especializado está se tornando
menos relevante para os ateliê-laboratórios do que o espectro de
dinâmicas colaborativas que eles conseguem abrigar. Artistas
individuais estão, cada vez mais, adquirindo ateliês domésticos
efetivos, que, mesmo cinco anos atrás, eram raros fora de
laboratórios de ponta ou instalações comerciais. O que nós
aprendemos com nossa pesquisa, no entanto, é que muito da
inovação que emerge de ambas estruturas – as antigas e as
fundadas recentemente - acontece no contato físico, em contextos
particulares, sejam estes eventos especiais temporários,
laboratórios industriais, centros culturais ou universidades 59.
Ou seja, no contexto contemporâneo, ganham relevância iniciativas, muitas vezes
independentes ou de escala menor que a dos grandes media labs como os do MIT
ou o ZKM. Desvinculando-se de uma perspectiva do desenvolvimento tecnológico
de ponta, espaço quase inteiramente tomado pelo investimento industrial, tais
centros constroem seu papel na criação de alternativas menos dispendiosas e
mais centradas em usos comunitários da tecnologia – aliados ao trabalho de
artistas e desenvolvedores também interessados nos potenciais estéticos da
tecnologia nesta sua abordagem particular. Neste esforço, não apenas se abre o
processo do desenvolvimento tecnológico a realidades e necessidades locais
59
“With the price to performance ration of commodity hardware continuing to decline, specialized
equipment is becoming less critical to the studio-lab than the range of collaborative dynamics
they can accommodate. Individual artists are, more and more, acquiring effective home-based
studios which even five years ago were rare outside high end labs or commercial facilities. What
we have learned through our survey, however, is that much of the innovation emerging from both
the older and more recently founded structures takes place in the flesh, within particular settings,
whether these be temporary special events, industrial labs, cultural centres or universities”.
CENTURY, 1999. Tradução nossa.
38
como também se cria e se fortalece uma comunidade local de realizadores neste
campo, atuando de forma complementar à criação de redes de colaboração
online em nível global.
Numa perspectiva similar àquela defendida por Century, segundo o qual “o
lugar ainda importa, talvez ainda mais agora que a comunicação é tão
ilusoriamente ubíqua”60, crescem, em todo o mundo, ateliê-laboratórios criados
com o objetivo principal de reunir pessoas em um mesmo espaço físico em
processos colaborativos de criação e produção. Exemplo de grande
reconhecimento atualmente é o espanhol Medialab-Prado, de Madri, que tem
estimulado grande parte da discussão contemporânea em torno destas questões e
que criou diversos modelos de atuação para os ateliê-laboratórios
contemporâneos, entre programas de residência e laboratórios temporários
itinerantes – a principal fonte de seu reconhecimento atual.
60
“place still matters, perhaps even more now that communication is so deceptively ubiquitous”.
Ibidem. Tradução nossa.
61
Disponível em: < http://medialab-prado.es/mmedia/1/1916/550_0.jpg>.
39
países. Atualmente, sua atuação se difunde também através da cessão de alguns
de seus modelos de atuação a outros centros e iniciativas isoladas, sempre
fomentando perspectivas de trabalho colaborativo e de compartilhamento, as
quais, em muitos casos, ultrapassam os questionamentos da arte e da tecnologia,
alcançando problemáticas da cultura tecnológica e da economia da cultura como
um todo. Neste sentido, o centro se descreve como “orientado à produção,
investigação e difusão da cultura digital no âmbito da confluência entre arte,
ciência, tecnologia e sociedade”62. Destacando o caráter transdisciplinar da
atuação do centro, Karin Ohlenschläger, membro do Medialab em seus primeiros
anos, defende as particularidades de tal prática:
Não é apenas uma questão de traçar, extrapolar ou incorporar
elementos e conceitos de outros campos. O objetivo é gerar
interferências produtivas entre criadores e pesquisadores em
campos diferentes, ou seja, entre pessoas. Isso tudo exige espaços
para meditação cultural, para circulação de experiências e
conhecimento. É necessário transformar, conectar ou deslocar o
espaço criativo – seja o laboratório, ateliê ou estúdio – para o
espaço social de comunicação, o museu, a mídia, a rua e a vida.63
Nesta perspectiva, a abertura e transdisciplinaridade dos processos de criação,
produção e pesquisa devem se repercutir também nos espaços reservados a
estas atividades, ultrapassando noções gerais e estanques do desenvolvimento
tecnológico justamente pela incorporação da sociedade e da rua, como coloca
Karin, como denominadores da interseção entre arte e tecnologia.
Com propostas similares, nem sempre com atuação voltada para a
tecnologia, poderíamos enumerar ainda diversas outras instituições, tais como:
Eyebeam, de Nova York; Laboral, da região espanhola das Astúrias; Hangar, de
Barcelona; Baltan Laboratories, da cidade de Eindhoven, Holanda; e o recém-
inaugurado Escuelab64, da capital peruana Lima. Tão heterogêneos atualmente
quanto em sua história, os ateliê-laboratórios aportam, na contemporaneidade,
contribuições as mais diversas para o campo da arte e tecnologia e seus
desdobramentos. Convivem, pois, atualmente, moldes antigos de atuação e
também propostas recentes, de maior integração com realidades e demandas
locais e particulares. Neste contexto de grande heterogeneidade de abordagens,
62
<http://medialab-prado.es/article/informacion>. Tradução nossa.
63
OHLENSCHLÄGER, 2007, p. 79.
64
Cf. <http://eyebeam.org/>, <http://www.laboralcentrodearte.org/>, <http://www.hangar.org/>,
<http://www.baltanlaboratories.org/>, <http://www.escuelab.org/>.
40
mas também de grandes transformações – inclusive com o eventual fechamento
de alguns centros – analistas como Geert Lovink65 indicam uma crise do campo da
arte e tecnologia, mas defendem, ainda assim, sua pertinência e a necessidade de
buscar caminhos mais adequados de atuação.
Não por acaso, no momento de redação deste texto, os Baltan Laboratories,
na Holanda, inauguram um seminário voltado justamente para estas questões,
denominado “The Future of the Lab”66 . Em um contexto de grandes transformações
tanto na cultura quanto na indústria de base tecnológica, o espaço ocupado por
estes centros, com já cinqüenta anos de história, permanece uma questão em
aberto e um campo de testes e experiências.
65
LOVINK, 2009.
66
Cf. <http://www.baltanlaboratories.org/?p=1291>.
67
Cf. <http://www.eavparquelage.org.br/nat/index.htm>.
41
em paralelo, e promove ainda um programa de artistas em residência no projeto
NAT_EAV_LAB.
Com algumas outras iniciativas menores no país, as ações de maior
destaque têm sido aquelas realizadas em São Paulo. Já em seu segundo ano, o
programa de residências do LabMis68, do Museu da Imagem e do Som da capital
paulista, vem se destacando como espaço de produção e investigação em arte e
tecnologia, fornecendo apoio financeiro ao desenvolvimento de projetos e
colocando o artista em contato com orientadores conceituais e técnicos que o
auxiliam no desenvolvimento das propostas. Outra importante iniciativa em São
Paulo é o FILE Labo 69, vinculado ao Festival Internacional de Linguagem
Eletrônica (FILE), que se propõe receber projetos de pesquisa e produção em arte
e tecnologia e promover workshops voltados para o campo, com ênfase nas
perspectivas de Open Source e Creative Commons.
Naturalmente que poderiam ser apontados ainda outros espaços e projetos
realizados no país, em especial aqueles vinculados às universidades, onde
grupos de pesquisa e laboratórios possuem atividades reconhecidas neste
terreno. Nos limitamos, contudo, às iniciativas de maior evidência, que se
aproximam mais do modelo de ateliê-laboratório e que, a exemplo de iniciativas
similares em outros países, possuem maior abertura para a participação de artistas
sem vinculo institucional estabelecido, via programas de residência ou outras
formas de participação.
Em particular no ano de 2009, parece despontar ainda algum interesse
público na criação destes espaços transdisciplinares. Não sem polêmicas, o
Ministério da Cultura lançou este ano um edital inédito do Programa Laboratórios
de Experimentação e Pesquisa em Tecnologias Audiovisuais – XPTA.LAB70 , para
apoiar pesquisas de excelência na produção em plataformas digitais. Contudo,
todos os projetos selecionados encontram-se vinculados a universidades e há
pouca abertura, em sua estruturação, para o estabelecimento de ações contínuas
pela instituição contemplada. Em parte em resposta ao edital lançado, as
discussões promovidas no Fórum da Cultura Digital Brasileira – realizado em São
68
Cf. <http://www.mis-sp.org.br/labmis>.
69
Cf. <http://www.file.org.br/>.
70
Cf. <http://www.cultura.gov.br/site/2009/08/13/xptalab-4/>.
42
Paulo no mês de novembro de 2009 – apontaram caminhos distintos para o
campo. Centrado, ainda assim, no modelo dos ateliê-laboratórios – denominando-
os “Mídia Labs” – o documento produzido com a participação dos artistas,
curadores e gestores presentes defendeu a criação de mecanismos de apoio a
este tipo de iniciativa com possibilidade de sua ação contínua e difundida pelo
país, voltados para o fomento da produção e experimentação em arte digital71. Tais
demandas simbolizam – ainda que não venham a se concretizar – as primeiras
sistematizações de um programa para o campo no Brasil.
São propostas ainda em processo, sem resultados programáticos evidentes,
mas que já apontam uma possível configuração da arte e tecnologia no Brasil e
uma preocupação em se criar espaços para o desenvolvimento de projetos. Em
uma realidade na qual a ação governamental se resume, em muitos casos, a
programas de inclusão digital, tal perspectiva de uso e criação críticos neste
terreno apontam para o seu provável crescimento em um futuro próximo. Este
cenário torna ainda mais relevante e necessária a realização de experiências de
distintos modelos de atuação, buscando alcançar os mais adequados à realidade
na qual nos inserimos: sem buscar apenas importar modelos fechados, torna-se
fundamental compreender em que medida eles se aplicam ao contexto brasileiro.
71
Cf. <http://www.culturadigital.br/artetecnologia/>.
43
4. FREE, OPEN, COMMONS E OUTRAS PERSPECTIVAS DE PARTICIPAÇÃO
“Free as in free speech, not as in free beer”72 . Esta máxima da Free Software
Foundation é utilizada de forma recorrente por seus representantes como forma de
evitar o comum mal entendido que toma as suas reivindicações como se fossem,
simplesmente, de gratuidade dos softwares. Efetivamente, o software livre não se
resume à reivindicação de gratuidade – e nem a defende de forma irrestrita; sua
principal bandeira diz respeito às liberdades do usuário diante da ferramenta.
Segundo a definição de versão 1.80, publicada pela Free Software
Foundation, para ser livre a licença de um software deve prever quatro liberdades
essenciais: a de execução do programa, com qualquer fim; a de estudar seu
funcionamento e adequá-lo a suas necessidades (acesso ao código-fonte); a de
redistribuir cópias; e a de distribuir suas versões modificadas73. Tais definições
demonstram, como, para além de aspectos técnicos dos programas, a defesa
atual do software livre implica uma forte perspectiva ideológica centrada na
garantia de liberdades fundamentais do usuário dos programas e nas práticas de
compartilhamento do conhecimento.
Na compreensão de Christopher M. Kelty, no entanto, o componente
ideológico do software livre, ainda que seja uma de suas marcas mais fortes na
atualidade, não é suficiente para circunscrever todas as suas implicações.
Efetivamente, o discurso idealista que envolve sua defesa tem sido não apenas
contestado por outros engajados neste modelo de desenvolvimento
computacional, como também culminou em perspectivas divergentes, como a
defendida pela Open Source Initiative74. Além disto, como propõe Kelty, por mais
que o software livre tenha implicações políticas marcantes, em especial na
atualidade, seu nascimento não é tão vinculado a uma preocupação ética, mas,
pelo contrário, surge como práticas inicialmente difusas que refletiam uma
reorientação do poder e do conhecimento que já se encontrava em curso. Neste
72
Intraduzível para o português, especifica o significado pretendido da palavra free no campo
semântico da liberdade e não da gratuidade. GNU PROJECT; FREE SOFTWARE FOUNDATION.
The free software definition. [n.d.].
73
Ibidem.
74
KELTY, 2008, p. 99. Richard Stallman, fundador da Free Software Foundation publicou uma
defesa de sua perspectiva: STALLMAN, 2009.
44
sentido, a abordagem pretendida pelo autor ultrapassa o discurso ideológico e os
aspectos técnicos do software livre – sem os ignorar – e volta-se mais diretamente
à sua relevância cultural em um contexto mais amplo. É justamente neste sentido
que gostaríamos de abordar o tema: a partir do conjunto de práticas de
compartilhamento e abertura que ele ajudou a difundir e consolidar em campos
distintos.
Neste sentido, Kelty se recusa a oferecer uma definição estanque do que
seria o software livre, já que tal esforço acabaria por privá-lo de seu caráter
público – um dos mais determinantes de sua constituição –, favorecendo uma ou
outra perspectiva sobre o tema. O autor defende que, enquanto manifestação
cultural, o software livre deve ser compreendido em sua possibilidade de
transformação e constante modificação:
O Software Livre é [...] público; é sobre tornar as coisas públicas.
Este fato é crucial para a compreensão de sua relevância cultural,
seu apelo, sua proliferação. O Software Livre é público de uma
forma particular: é um modo auto-determinante, coletivo,
politicamente independente de criar objetos técnicos muito
complexos que são disponibilizados livremente e publicamente a
todos – um “comum” na linguagem comum. [...] O fato de que algo
público neste sentido amplo emerge de práticas aparentemente tão
arcanas é o porquê do primeiro impulso de muitos convertidos ser
perguntar: como o Software Livre pode ser “traduzido” a outros
aspectos da vida, como filme, música, ciência ou medicina,
sociedade civil e educação? É esta ânsia de proselitismo e a
facilidade com a qual as práticas são difundidas que fazem a
relevância cultural do Software Livre.75
Ultrapassa-se, portanto, em larga medida, o caráter estritamente técnico das
proposições do software livre para se indagar sobre as transformações implicadas
por suas práticas no contexto das relações humanas e, num amplo espectro, da
organização do conhecimento e do poder na sociedade. Pois o significado
cultural da abertura de códigos, da permissão de alteração e redistribuição de
programas e da colaboração em rede na criação de soluções comuns não pode
75
“Free Software is […] public; it is about making things public. This fact is key to comprehending
its cultural significance, its appeal, and its proliferation. Free Software is public in a particular way:
it is a self-determining, collective, politically independent mode of creating very complex technical
objects that are made publicly and freely available to everyone—a “commons,” in common
parlance. […] The fact that something public in this grand sense emerges out of practices so
seemingly arcane is why the first urge of many converts is to ask: how can Free Software be
“ported” to other aspects of life, such as movies, music, science or medicine, civil society, and
education? It is this proselytizing urge and the ease with which the practices are spread that
make up the cultural significance of Free Software”. KELTY, 2008, p. x-xi. Tradução nossa.
45
ser circunscrito a práticas da programação ou mesmo ao universo da
computação, da tecnologia ou das ciências. Com efeito, ele tem implicado
transformações abrangentes, com o desdobramento de algumas das idéias
centrais do software livre a campos diversos que vão da educação à produção
cinematográfica atravessando, de maneira transversal e pervasiva, toda forma de
criação e produção de conhecimento e cultura da contemporaneidade.
A tese central defendida por Kelty em sua leitura do fenômeno do software livre
seria a de que mais do que o estabelecimento de um paradigma de
desenvolvimento de software ou a atualização da legislação de propriedade
intelectual rumo a um ideal de maiores liberdades para os usuários, o que o
software livre engendra como sua contribuição mais substancial é a formação de
uma modalidade específica de público, a que ele denomina recursive public. Este
seria, segundo sua definição, um público que se constitui justamente pela
preocupação em manter as condições através das quais ele próprio se associa
como um público 76. Ou seja, ele se caracteriza pelo engajamento real na
construção dos meios técnicos, legais, conceituais, materiais, entre outros, que
lhe permitem interagir e colaborar:
Um recursive public é um público essencialmente preocupado com
a manutenção e a modificação material e prática dos meios técnicos,
legais, práticos e conceituais de sua própria existência enquanto
público; é um coletivo independente de outras formas de poder
constituído e é capaz de se dirigir a formas existentes de poder
através da produção de alternativas reais 77.
Conceito pensado especificamente na compreensão da internet e do grupo de
sujeitos mais ativamente engajados em sua criação e elaboração – a quem o autor
se refere por geeks – o recursive public apresenta especial pertinência neste
contexto. Afinal, a intrincada relação entre entusiastas da tecnologia e a internet
repercute justamente na formação deste público: com a criação de uma
76
Ibidem, p. 28.
77
“A recursive public is a public that is vitally concerned with the material and practical
maintenance and modification of the technical, legal, practical, and conceptual means of its own
existence as a public; it is a collective independent of other forms of constituted power and is
capable of speaking to existing forms of power through the production of actually existing
alternatives”. Ibidem, p. 3. Tradução nossa.
46
comunidade (os geeks, reunidos em fóruns, listas de email, blogs, entre outros)
interessada, principalmente – mas não exclusivamente –, na manutenção dos
meios que lhe permitem constituir-se enquanto tal (na manutenção da internet e de
seus protocolos abertos de comunicação e desenvolvimento).
Contudo, para além do contexto específico do software livre e da internet o
que a formação de tal modalidade de público ilustra, na perspectiva defendida por
Kelty, é uma reorientação do poder e do conhecimento que teria sido – se não
provocada ou catalisada – explicitada pela internet e pela computação. A
constituição do recursive public em torno da iniciativa software livre seria, assim,
um sintoma desta reorientação – talvez um dos mais evidentes – na qual tornou-se
mais fácil produzir, colaborar, circular, compartilhar, mash-up, remixar e reutilizar
todo tipo de conteúdo. Como era de se esperar, esta reorientação se repercutiu
em diversos outros campos, muito além do técnico e tecnológico, tais como a
ciência, a música, o audiovisual e a literatura, inclusive através de projetos
herdeiros do software livre, como o Creative Commons, Access to Knowledge78, e
open movies79.
Em meio ao grande burburinho gerado pelo advento da internet nos mais
diversos campos – em particular nos estudos da comunicação – parece ser neste
ponto que reside seu aspecto mais transformador. Para além da simples
segmentação da comunicação, emergem, efetivamente, novas modalidades de
sociabilidade e de comportamento dos públicos. Se as produções dos receptores
não são exatamente novas, nem específicas deste contexto, como nos lembra
Certeau80 , é apenas agora que elas encontram meios apropriados para circularem
e serem compartilhadas entre outros receptores. Se as práticas anteriormente
eram silenciosas, ruminantes ou mesmo marginais (marginalia), neste novo
contexto elas encontram um amplo espaço de ação – por vezes alcançando
inclusive os meios tradicionais, como propõe Jenkins81.
78
Cf. <http://creativecommons.org>, <http://a2kbrasil.org.br/-WeBlog->.
79
Ainda menos consolidado que outras iniciativas, tem se difundido recentemente através de
alguns curtas de animação realizados com o software de animação 3D Blender. O Project
Orange, que deu origem ao curta Elephants dream, reivindica o título de primeiro open movie já
feito. Mais informações podem ser encontradas no site do projeto: <http://orange.blender.org/>.
80
CERTEAU, 1994. Especialmente “III: Fazer com: usos e táticas”.
81
Cf. JENKINS, 2006. Em especial a narrativa que abre a introdução deste livro.
47
Em certa medida, o que Kelty propõe como “reorientação do poder e do
conhecimento” encontra-se bastante relacionado a esta efetiva entrada em jogo
dos receptores, usuários, consumidores. No caso específico de seu campo do
software livre, esta entrada se dá com grande força: na criação de alternativas
reais ao já existente, buscando ambientes capazes de garantir e manter as
liberdades conquistadas pelos usuários. Trata-se, pois, de sua definição de
recursive public. Porém, para além deste exemplo, talvez o mais sintomático deles,
deve-se apontar como mesmo usuários mais comuns da internet também
encontram-se em um contexto similar.
No contexto contemporâneo da web 2.0 e dos prosumers82, a produção dos
usuários deixa de ser uma atividade marginal para se tornar a regra. Em redes
sociais as mais diversas (Facebook, Orkut) e em plataformas de compartilhamento
de vídeos, textos, músicas e imagens (YouTube, Blogspot, Twitter, MySpace,
Flickr), esta produção difusa passa a ser requisitada pelas empresas proprietárias
dos meios e, inclusive, a principal fonte de lucro destas corporações83. Muito
poderia se questionar quanto à natureza e a liberdade da participação dos
usuários nestes contextos – torna-se certamente menos provável a constituição de
um recursive public no contexo de plataformas proprietárias. Deve-se reconhecer,
ainda assim, a relevância das produções emersas neste contexto e, mais do que
isto, a seriedade com que elas passaram a ser observadas pela grande mídia.
Henry Jenkins, em sua análise do que propõe como cultura da
convergência, debruça-se justamente sobre as produções frívolas e superficiais
de comunidades de fãs de programas de TV, filmes, livros best sellers e games
para iniciar um caminho de compreensão de suas modalidades de participação.
Pois, em sua compreensão da noção de convergência, trata-se de processo
simultaneamente “de cima para baixo, guiado por corporações e de baixo para
cima, guiado por consumidores” 84
. Neste sentido, equivale dizer que tanto as
corporações quanto as comunidades de “consumidores” têm interesse nestas
82
Neologismo da língua inglesa que propõe a hibridez das palavras producer (produtor) e
consumer (consumidor).
83
Trebor Scholz, pesquisador e ativista, chega a sugerir um novo regime de exploração do
trabalho na relação destas redes com seus usuários. Cf. Revista Arte.Mov nº 18, disponível
apenas em formato eletrônico no endereço <http://www.artemov.net>.
84
“a top-down corporate-driven process and a bottom-up consumer-driven process”. JENKINS,
2006, p. 18. Tradução nossa.
48
transformações e buscam criar seus próprios caminhos neste contexto. Do ponto
de vista dos “consumidores”, isto significa a sua integração social mais efetiva,
quase sempre mediada pela internet, tornando o consumo uma atividade
realmente coletiva. Do ponto de vista dos “produtores”, isto significa a
possibilidade de ter acesso aos produtos deste consumo coletivo de forma melhor
se adequar às vontades e expectativas de seus consumidores.
A indústria de tecnologia também já percebeu a produção de seus
consumidores que emerge na rede. Não é nenhum segredo que empresas como a
Nokia sondam os usos e hacks feito por seus consumidores como forma de
identificar possíveis tendências de desenvolvimento de aparelhos futuros. Em
certa medida, a bricolagem operada neste terreno também parece ter encontrado
sua “voz” na cultura da participação.
Contudo, situar os experimentos em arte e tecnologia neste contexto é uma
tarefa um pouco mais complexa. Inevitavelmente inseridas em uma perspectiva de
participação – e mesmo de observação de tendências pelas corporações de
tecnologia – tais manifestações possuem contornos particulares que deslocam o
eixo de atenção para além das práticas de colaboração que ocorrem
paralelamente a seu desenvolvimento, voltando-se a algumas identificações de
princípio com abordagens do software livre.
<http://puredata.org>.
49
softwares. Contudo, há que se apontar que, em um nível mais profundo, há, entre o
software livre e a arte e tecnologia, uma relação de identidade. Afinal, em ambos
os casos uma das motivações centrais destas atividades é a de intervir
internamente no funcionamento de programas e ferramentas tecnológicas,
gerando variantes e mesmo artefatos inteiramente novos.
Efetivamente, é quase impossível traçar um panorama abrangente da
produção contemporânea em arte e tecnologia sem mencionar suas relações com
o software livre e seus derivados. Porém, é também quase impossível abordar tais
relações por inteiro: à medida que se aprofunda em seus distintos aspectos, elas
se mostram mais confusas e difundidas no contínuo de suas mútuas implicações.
Gostaríamos de nos concentrar, portanto, no plano da coincidência de propostas
que envolve ambos os terrenos, de modo a demonstrar a relevância e a
naturalidade desta aproximação.
Inicialmente, gostaríamos de nos remeter às considerações de Lev
Manovich sobre a relevância cultural dos menus, filtros e plug-ins, de softwares de
criação gráfica e audiovisual na construção estética dos novos meios. A seu
respeito, o autor propõe uma compreensão análoga aos “filtros” de códigos
culturais preexistentes, que se interpõem à nossa visão do mundo86. No contexto
contemporâneo das mídias digitais, estes recursos pré-fabricados, embutidos em
softwares como o Adobe Photoshop, representam, efetivamente, convenções de
linguagem destes novos meios, as quais, se por um lado oferecem alternativas
fáceis, acessíveis e automatizadas aos complexos processamentos matemáticos
operados internamente à máquina, têm, por outro lado, restringido
progressivamente as possibilidades criativas:
Softwares permitem designers das novas mídias e artistas criarem
produtos nas novas mídias – e, ao mesmo tempo, atuam como mais
um filtro que moldam sua imaginação do que é possível se fazer
com um computador. De maneira similar, o software utilizado por
usuários finais para acessar estes produtos, como os navegadores
de internet, visualizadores de imagem ou media players, moldam
seu entendimento do que são as novas mídias.87
86
MANOVICH, 2001, p. 117.
87
“Software programs enable new media designers and artists to create new media objects – and
at the same time, they act as yet another filter which shapes their imagination of what is possible
to do with a computer. Similarly, software employed by end users to access these objects, such
as Web browsers, image viewers, or media players, shape their understanding of what new media
are”. Ibidem, p. 117-118. Tradução nossa.
50
Neste sentido, ultrapassar estes programas ou estas pretensas finalidades de seus
recursos pré-fabricados constitui uma das condições de atuação no campo da
arte e tecnologia, buscando não se submeter inteiramente a convenções
embutidas nas ferramentas de criação disponíveis.
Vilém Flusser, bem antes de Manovich, levanta questões bastante similares
a partir de algumas reflexões sobre a fotografia. Neste contexto, Flusser88 descreve
a câmera fotográfica enquanto uma caixa preta, a qual comportaria, em seu
interior, uma série de operações padronizadas e automatizadas que levariam, ao
clique de um botão, à produção de uma imagem fotográfica. Depreende-se,
portanto, que se trata de um aparelho dotado de um programa, diante do qual a
atividade de seu funcionário seria apenas a de permutar símbolos programados e
gerar instâncias deste mesmo programa:
Se considerarmos o aparelho fotográfico sob tal prisma,
constataremos que o estar programado é o que o caracteriza. As
superfícies simbólicas que produz estão, de alguma forma, inscritas
previamente (“programadas”, “pré-escritas”) por aqueles que o
produziram. As fotografias são realizações de algumas das
potencialidades inscritas no aparelho. [...] Sua atividade evoca a do
enxadrista: este também procura lance “novo”, a fim de realizar uma
das virtualidades ocultas no programa do jogo.89
Ou seja, é como se na materialidade do aparelho fotográfico estivesse já
constituído um universo de possibilidades, de imagens fotográficas possíveis,
delimitadas apenas pelo programa deste aparelho. Sem alterar este programa, o
fotógrafo poderia apenas atualizá-lo e realizar algumas destas potencialidades,
sem nunca fugir ao universo delimitado previamente. Ainda que concebido para o
caso específico da fotografia, tais proposições, como indicado pelo próprio
Flusser, permitem também a compreensão mais ampla para todos os aparelhos
que conhecemos90 – do que depreendemos: para todas as tecnologias, para todos
os artefatos tecnológicos.
As noções propostas por Flusser norteiam, em grande parte, o nosso
desenho do campo da arte e tecnologia91. Afinal, em última medida, é com e
contra este programa dos artefatos tecnológicos que jogam os artistas. Se há, em
88
FLUSSER, 2002. Em especial no capítulo “O aparelho”. Mas, também FLUSSER, 2007. Texto
“A não coisa [2]”.
89
FLUSSER, 2002. p. 22-23.
90
Ibidem, p. 19. Especificamente, o autor diz de todos os aparelhos característicos da atualidade
e do futuro imediato.
91
Cf. 2. Arte e tecnologia: interseções e reconfigurações
51
certa medida, a tentativa de realizar potencialidades dos mais distintos meios, ela
se faz justamente pela subversão ou pela utilização não convencional dos
programas disponíveis. E, na criação de novos artefatos – novos programas –
busca-se estabelecer um novo terreno de potencialidades por se explorar. Tal
perspectiva também encontra eco na compreensão de Arlindo Machado da
atividade artística neste contexto:
Talvez até se possa dizer que um dos papéis mais importantes da
arte numa sociedade tecnocrática seja justamente a recusa
sistemática de submeter-se à lógica dos instrumentos de trabalho,
ou de cumprir o projeto industrial das máquinas semióticas,
reinventando, em contrapartida, as suas funções e finalidades.92
Caracteriza-se o artista, assim, como um programador – na perspectiva de Flusser
– que se recusa a atuar como mero funcionário dos programas previstos pelos
distintos aparelhos. Caberia à atividade criativa atuar de forma autônoma em
relação ao programa dos aparelhos, dando-lhe novas utilizações e
funcionalidades.
Se, a princípio, tais conceitos fornecem uma sistematização fácil dos
problemas abordados, faz-se necessário apontar algumas ressalvas à
generalização destes argumentos, sob o risco de cairmos em uma análise
reducionista. Primeiramente, há que se considerar, como já previu Flusser, que
nenhum programa pode prescindir de um metaprograma sobre o qual ele se
constrói – algo que é válido tanto nos campos da computação e da programação
propriamente ditos quanto, metaforicamente, no plano da cultura como um todo.
Isto significa que, por mais radical que seja a atuação do artista, ela sempre estará
inserida em um contexto mais amplo e, de certa forma, se adequará a determinado
programa (cultural, por exemplo) – o que se resume na afirmação de que “a
hierarquia dos programas está aberta para cima”93. Deve-se apontar, também, que
os limites entre uma atualização do programa e sua subversão são apenas
conceituais, já que, na realidade, um aparelho – e talvez poderíamos dizer de um
dispositivo – pressupõe um complexo de programas das mais diversas ordens
(técnicos, semióticos, culturais), e não apenas um. De modo complementar,
poderíamos até arriscar que, ainda que dotado de uma mesma constituição
técnica, o programa do aparelho fotográfico hoje já não é o mesmo de quando ele
92
MACHADO, 2007, p. 14.
93
FLUSSER, 2002, p. 26.
52
foi inventado. Assim, por mais que se diga que uma imagem fotográfica
convencional apenas atualiza o programa do aparelho fotográfico, há que se
considerar que, no complexo de programas que envolvem esta imagem, vários
outros programas (além do programa técnico da máquina) podem ter sido
subvertidos – e não apenas atualizados.
O que deve-se destacar, contudo, do conjunto das abordagens de
Manovich, Flusser e Machado é a compreensão de que os aparelhos técnicos e
seus softwares, ou programas, constituem – especialmente nos dias de hoje –
importantes elementos de mediação cultural, intervindo diretamente na forma
como vemos e compreendemos o mundo. A isto se segue que o desenvolvimento
tecnológico possui um componente cultural extremamente relevante e que a
atividade artística sobre estes substratos não se resume a uma experimentação
técnica, mas, ao alterar, criar e subverter programas, interfere diretamente no
contexto da mediação simbólica e cultural da contemporaneidade.
Em grande medida, no contato com tecnologias previamente constituídas, o
desafio proposto ao campo da arte e tecnologia tende a ser justamente o de
observá-las para além dos enquadramentos e direcionamentos colocados por
seus elementos circundantes – as mediações de seu entorno, seus filtros, plug-ins
e GUIs94 . Desde Paik até hoje, não raramente os artistas se engajaram neste
tensionamento dos protocolos culturais do entorno da tecnologia, esgarçando as
concepções tradicionais ou pré-moldadas das tecnologias e seus usos. Num
plano ainda mais abrangente, se consideramos que tais tecnologias e mídias
também tomam parte como mediadores culturais de nossa percepção do mundo,
as intervenções artísticas neste terreno assumem ainda outra figura.
Entre estes campos, há que se notar como partem de premissas bastante
similares e são desejos igualmente similares que os movem. Há uma vontade de
estudar e compreender o funcionamento das tecnologias; uma busca por inserir-
se de forma ativa no curso do desenvolvimento tecnológico; uma experimentação
de novas formas de trabalho e novos usos para as ferramentas disponíveis; a
criação de redes de colaboração e compartilhamento na busca por soluções
técnicas e conceituais para os problemas que se propõem; e, inclusive, a
94
Graphical User Interface, ou Interface Gráfica de Usuário.
53
reivindicação de abertura e flexibilidade dos códigos, redes e regulamentos que
compõem seu campo de atuação.
Com influência ou não das já mencionadas plataformas livres específicas
deste campo (Processing, openFrameworks, etc.), há o efetivo fortalecimento na
arte e tecnologia de algumas questões oriundas da problemática do software livre.
Elemento fundamental da realidade tecnológica contemporânea, tais questões
teriam, certamente, que se manifestar em propostas artísticas neste terreno.
Contudo deve-se apontar como elas também constituem uma problemática central
da arte e tecnologia, pois sinalizam a possibilidade de real participação e
envolvimento do desenvolvimento tecnológico em processos em grande parte
desvinculados da lógica da indústria e do mercado.
Trata-se de um aspecto participativo inerente à interseção entre arte e
tecnologia, misturando-se às demais formas de participação e colaboração que
também a atravessam. Em última medida, uma leitura contemporânea das práticas
neste terreno poderiam apontar a configuração da comunidade destes artistas e
desenvolvedores como um recursive public. Hipótese arriscada a partir das
abordagens propostas, ela busca apenas ressaltar como a arte e tecnologia, no
trato dos substratos tecnológicos que lhe sustentam, busca, atualmente, garantir
sua margem de autonomia diante do processo de acelerado desenvolvimento
tecnológico.
Neste sentido, é como dizer que a arte e tecnologia busca garantir as
condições de sua existência como tal – esforço para o qual a associação com
iniciativas free, open e commons mostra-se tão natural quanto necessário.
54
5. MARGINALIA+LAB: RELATO E RELATÓRIO
5.2 Viabilização
56
elaboramos como uma tentativa sem grandes pretensões. Caso aprovados, nos
propúnhamos fazer a rota da captação, buscando o patrocínio de empresas para o
nosso projeto. Tratava-se, portanto, de um projeto ainda disforme, sobre o qual
tínhamos uma idéia apenas vaga de como realizar, mas que, de alguma forma,
acreditávamos ser viável e que proporcionaria um excelente contexto para a
experimentação e produção do grupo.
Com a aprovação do projeto, em meados de dezembro de 2008, iniciou-se
um longo processo de revisão do projeto e de busca de sua viabilização junto a
possíveis patrocinadores. Sem perspectivas muito nítidas de patrocínio, com uma
ou outra possibilidade distante, foi no início de 2009 que recebemos o convite,
através da coordenação do festival arte.mov, de integrar o conjunto de projetos
patrocinados pela Vivo no ano de 2009. O Marginalia+Lab integraria, assim, um
conjunto de outros projetos voltados para o audiovisual e as novas mídias que
seriam patrocinados pela empresa, a qual, no nosso caso, se propunha oferecer o
patrocínio integral de nosso projeto.
Em um contexto já de revisões internas do projeto, o contato com os demais
projetos envolvidos gerou objetivos e motivações mais amplas que as que
constituíam o projeto inicialmente. Mais do que isto, a possibilidade iminente de
realização obrigou-nos a sistematizar o projeto, que há meses havíamos
concebido de forma ainda pouco precisa, de modo a torná-lo algo concreto.
Lidávamos, então, com demandas e condições reais de realização, às quais
deveríamos adequar nossas motivações, interesses e metodologia. Neste
momento, portanto, nos empenhamos no desenho minucioso do Marginalia+Lab e
de seu conjunto de ações, de modo a planejarmos sua execução.
57
Assim, não buscávamos mais apenas promover a produção experimental
em arte e tecnologia, mas pretendíamos estimular o crescimento e a consolidação
deste campo em Belo Horizonte, através de ações mais abrangentes que
pudessem atingir um público mais amplo e menos previsível. Havia um interesse
emergente de conhecer as outras pessoas que trabalhavam no campo da arte e
tecnologia, de agregar uma comunidade de interessados pelo tema em Belo
Horizonte.
Com base nestas novas inquietações, reelaboramos, assim, nossos
objetivos:
95
Cf. <http://medialab-prado.es/>.
58
Tive, em abril de 2009, a oportunidade de participar de um workshop deste
centro na cidade de Lima, Peru, no qual pude experimentar um contato mais direto
não apenas com as discussões e a produção em nível internacional como,
também, com as questões envolvidas na elaboração e realização de projetos
colaborativos de arte e tecnologia. Este evento, o Interactivos?96, constitui uma das
principais frentes de trabalho do Medialab, de caráter itinerante, combinando
seminário, workshop e exposição de resultados. O contato direto com este modelo
– uma das principais referências mundiais de nosso campo de interesse –
influenciou, marcadamente, a formulação de nossas ações e metodologia de
trabalho. Foi a partir desta referência fundamental que estruturamos, portanto, o
esqueleto de funcionamento do Marginalia+Lab.
Com duração prevista de seis meses, entre julho e dezembro de 2009, o
projeto se estruturaria a partir de um conjunto de ações locais, realizadas
buscando uma mescla de integração da comunidade local de interessados no
campo da arte e tecnologia e de intercâmbio com interessados de outras
localidades, através de ações pontuais.
Estruturalmente, o conjunto de ações teria como eixo central um espaço
laboratorial físico, que reuniria, na medida do possível, o conjunto de atividades do
Marginalia+Lab. Buscávamos, assim, construir o laboratório como um espaço de
confluências e encontros; um núcleo agregador de interessados no campo da arte
e tecnologia capaz de estabelecer vínculos entre estes interessados – dentro e
fora das atividades do projeto.
Uma vez que o caráter temporário e independente do projeto, bem como
seu orçamento reduzido, impediam a constituição de uma estrutura tecnológica de
ponta, o interesse primordial era o de construir vínculos entre os participantes e
promover o compartilhamento de conhecimentos e experiências. Tratava-se, antes
de tudo, de criar no espaço físico as condições de colaboração e troca
encontradas online, buscando conectar a comunidade local de interessados no
campo da arte e tecnologia.
Estruturado em torno deste espaço e tendo como eixo central o
desenvolvimento colaborativo de projetos de arte e tecnologia, o conjunto de
ações do projeto se desdobrou nas seguintes atividades:
96
Cf. <http://medialab-prado.es/interactivos>.
59
5.4.1 Workshops
60
A seleção seria realizada, a princípio, através de um processo auto-gestor,
com encontros abertos a todos os proponentes e formação de equipes em
torno de projetos de maior interesse. O apoio, por sua vez, viria através do
acesso à estrutura física do laboratório e das oportunidades geradas pela
atividade. Principais pontos críticos da metodologia do laboratório, contudo,
a seleção e o modo de apoio foram os que mais sofreram alterações no
decorrer da realização, como trataremos adiante.
5.4.3 Encontros
61
Ele seria composto, portanto, por uma página principal do projeto, com
notícias, contato, informações das atividades realizadas e por realizar,
contemplando o Marginalia+Lab como um todo; e também por uma
plataforma wiki, na qual as equipes dos projetos registrariam o
desenvolvimento de seus trabalhos de forma processual e colaborativa.
62
5.5 Construção de parcerias
63
Numa extensão das parcerias, entramos em contato também com o
1maginári0, grupo de pesquisa da Escola de Belas Artes da UFMG, através de
contato com o professor Francisco Marinho, que também possuía produção
reconhecida no campo da arte e tecnologia; e com o projeto Repia, realizado no
mesmo contexto de patrocínio do Marginalia+Lab e que possuía interesses e
metodologias bastante similares de trabalho. Buscamos, com eles, criar canais de
comunicação abertos, com o intuito de criar oportunidades de trabalhos conjuntos
e outras formas de parceria.
Buscando ampliar o alcance e a visibilidade de nossas ações, entramos em
contato também com o Instituto Sérgio Motta, de São Paulo, para que nos
auxiliasse na divulgação de nossas atividades, e buscamos apoio deste instituto e
do Itaú Cultural no fornecimento de publicações especializadas no campo da arte
e tecnologia para disponibilizar à consulta dos participantes do laboratório.
5.6 Realização
Houve um enorme esforço para que o projeto pudesse ter início dentro do prazo
esperado. Assim, lançamos mão de parcerias e de felizes coincidências para dar
início ao projeto com um workshop, já no mês de julho. Houve, porém, alguns
descompassos que fizeram com que a execução do projeto não ocorresse
exatamente como previsto, com algumas atividades em atraso e algumas não
realizadas plenamente como planejado. Pesou fortemente, principalmente no
começo, alguns imprevistos, bem como a penosa burocracia que envolve a
relação do projeto com o governo e com o patrocinador – para a qual poderíamos
realmente ter nos preparado melhor.
Mantendo a estrutura da subseção 5.4, faremos breve menção a cada
atividade realizada, buscando manter o enfoque nas implicações de cada
momento à metodologia prevista e em informações fundamentais à avaliação do
projeto. Informações mais detalhadas de cada ação encontram-se no anexo deste
relatório.
64
5.6.1 Workshops
65
Prevalecendo abordagens introdutórias, os workshops contaram, cada um,
com uma média de vinte alunos e uma duração média de quinze horas. Foi
possível contemplar áreas diversas da arte e tecnologia, com prioridade
àquelas de caráter mais abrangente, com possibilidade de aplicação em
práticas distintas – como a eletrônica e a programação. Como observado,
foi também possível fazer uma mescla entre professores locais e de outras
cidades e estados, favorecendo tanto a formação da comunidade local
pretendida quanto a promoção de um intercâmbio de conhecimentos entre
localidades.
66
Afinal, entendíamos que este fator era crucial para a atratividade do
laboratório à participação dos interessados. Se, de um lado, a abertura
pública de inscrições era fundamental para garantir a participação de um
público que não poderíamos prever, ela também criava uma grande
incerteza sobre que tipo de projetos e quantos projetos seriam atraídos.
Lidávamos, assim, com um dilema que era o de como aplicar a parcela do
orçamento que tínhamos disponível para a realização do laboratório: se na
criação de uma estrutura comum no laboratório para utilização dos artistas,
ou no oferecimento de um pro-labore para a realização dos projetos.
Decidimos, enfim, fazer ambos. Usar parte dos recursos financeiros para
garantir uma estrutura comum e outra parte para oferecer uma ajuda de
custos para que os projetos pudessem tanto investir em algumas de suas
necessidades específicas quanto compensar custos de deslocamento ao
espaço do laboratório, entre outros desta natureza.
Ficamos, então, com outra questão que era a de como fazer a seleção dos
projetos participantes. Acreditando no potencial da prática colaborativa,
optamos por fazê-lo em uma seqüência de atividades: envio de materiais
explicativos pelos proponentes; discussão aberta de todos os projetos
inscritos em um encontro de incubadora de projetos; análise dos custos
específicos de cada projeto e de sua adequação ao perfil do laboratório, de
forma a dividir os recursos para melhor servir ao conjunto de interessados.
68
Projeto de instalação interativa com interfaces físicas que através do
deslocamento de uma tela, permite ao observador desvendar outras
partes de uma mesma imagem.
69
Projeto de instalação interativa na qual o sujeito interfere no
comportamento de um sistema automatizado de criação poética
através do uso de pedaços de gelo para esfriar uma superfície.
70
FIGURA 11 - “Generator” de Júlia Valle e Luís Castilho exposto no festival arte.mov
5.6.3 Encontros
71
redação deste texto, haviam sido realizados três encontros, nos meses de
setembro, outubro e novembro, com um encontro ainda por ocorrer, mas já
agendado para o mês de dezembro.
• Encontro de outubro:
Convidados: Cláudio Santos e José Cabral Filho.
• Encontro de novembro:
Convidado: Marcus Bastos.
72
problematizações levantadas pelos convidados forneceram um importante
estímulo ao aprofundamento conceitual.
73
5.6.5 Revista eletrônica
75
Com respeito à aplicação dos recursos do laboratório, divididos entre a
ajuda de custos e a estruturação do espaço de trabalho comum, deve-se admitir
que talvez não tenha sido a melhor, pois não apenas se constituiu uma estrutura
de trabalho pouco relevante como, também a ajuda de custos, em muitos casos,
foi meramente simbólica. Assim, faltaram atrativos para que os participantes –
muitas vezes envolvidos em rotinas de estudos e trabalho – dedicassem mais
tempo ao desenvolvimento de seus projetos. Acreditamos que, em situações
ideais, seria sim interessante investir tanto na estrutura do laboratório quanto em
uma bolsa aos participantes, mas apenas quando os recursos sejam suficientes
para que ambos investimentos sejam significativos. Caso contrário – como na
situação enfrentada este ano – deveria see priorizada uma ou outra alternativa.
Finalmente, faltaram mais momentos de trabalho conjunto no laboratório,
em que pudessem se estabelecer vínculos mais diretos de colaboração tanto
entre os proponentes quanto com colaboradores externos. Em tempo, buscamos,
com a prorrogação das atividades até março de 2010, corrigir esta falha.
76
California, San Diego, nos Estados Unidos, o Medialab-Prado, em Madri, Espanha,
e o Escuelab, em Lima, Peru.
Neste sentido, a lógica de atuação que buscamos consolidar é a de
fortalecer a integração local ao mesmo tempo em que lançamos vetores para fora,
em parcerias e intercâmbios que nos proporcionem um processo constante de
renovação.
77
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
79
encavernados em suas garagens e fundos de quintal. A prática do artesanato
digital cria, assim, uma proliferação de práticas difusas que, ainda que se
interconectem online, nos fóruns, blogs e outras plataformas, encontram-se
geograficamente isoladas e desconectadas de seu entorno imediato. É, pois, neste
sentido que defendemos, como faz Michael Century97, a relevância do lugar, do
espaço físico, em um contexto de crescente desterritorialização. A colaboração
entre vizinhos é, afinal, o caminho mais natural para a construção de um campo
consolidado em meio a sua já referida instabilidade. É também assim que pode-se
direcionar tais práticas rumo a usos comunitários e localizados das tecnologias e
dos recursos disponíveis em nosso entorno.
Não se trata, logicamente, de uma total recusa do virtual, mas apenas de
sua compreensão como um espaço complementar, que se soma à colaboração
física na interseção entre as distintas comunidades e sujeitos. É, pois, o encontro
físico que nos leva a sair de nossas casas e criar agendas coletivas em nosso
entorno imediato – por isto sua importância. Fazemos, assim, o esforço previsto por
Kelty98 de buscar traduzir as modalidades de colaboração e as conformações dos
recursive publics em espaços online para outros campos e realidades. Buscamos
compreender como estas novas práticas de experimentação e investigação
coletivas podem se repercutir para além da web, em contextos offline localizados.
Foi principalmente a partir de inquietações como estas que nos propusemos
estabelecer em um espaço físico e comunitário nosso ponto de encontro e de
experimentações. O modelo dos ateliê-laboratórios cumpriu, então, papel
fundamental na orientação de nossas ações, embora apenas intuitivamente
tenhamos direcionado sua aplicação no sentido das relações dinâmicas a que se
refere Century99. Acreditamos, no fim, residir justamente nestas relações
dinâmicas o principal êxito deste nosso primeiro experimento.
Neste momento, após uma reflexão mais aprofundada sobre as implicações
deste projeto e após observar o desenvolvimento e amadurecimento do
Marginalia+Lab (e do Marginalia Project) ao longo de um semestre, cremos que,
apesar das eventuais falhas operacionais, logísticas e metodológicas, em uma
97
CENTURY, 1999.
98
KELTY, 2008, p. x-xi.
99
CENTURY, 1999.
80
análise geral do que constituiu esta experiência, ela se demonstrou extremamente
produtiva. Nos arriscamos, realmente, em um projeto ambicioso no qual, em
momentos, duvidávamos de nossas escolhas e dos resultados que alcançaríamos.
Entretanto, o público mobilizado e a comunidade que efetivamente se formou a
partir dos workshops e do laboratório colaborativo são já um resultado a se
apresentar desta realização.
Porém, trata-se de um exercício de constante reinvenção. Para além das
correções e aprimoramentos que se mostraram cruciais após esta primeira
experiência, permanece em aberto a questão de como projetar esta estrutura
aberta e flexível, capaz de sediar a experimentação neste campo. Não nos parece
se tratar de um problema teórico, por isto nos arriscamos na realização deste
projeto. Certamente não chegamos a uma solução, mas, com uma primeira
tentativa, o Marginalia+Lab se lançou nesta experimentação.
Não acreditamos, porém, como não acreditávamos, que exista uma forma
única e perfeita de abordar este problema.
81
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83
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Disponível em: <http://www.gnu.org/philosophy/open-source-misses-thepoint
.html>. Acesso em: 20 nov. 2009.
85
ANEXO: DETALHES E CRÉDITOS
1. Workshops
Inscrições efetuadas: 31
Participantes selecionados: 20
86
1.2 Introdução à programação com Processing
Inscrições efetuadas: 34
Participantes selecionados: 25
87
Inscrições efetuadas: 19.
88
1.4 Arduino: interfaces de interação com imagens e sons
Inscrições efetuadas: 34
Participantes selecionados: 20
Inscrições efetuadas: 16
Participantes selecionados: 16
89
Ementa: O workshop foi composto por três módulos divididos da seguinte
forma: o primeiro abordou o histórico de tecnologias e aplicativos atuais em
realidade aumentada; o segundo iniciou os alunos no desenvolvimento de
aplicativos para celulares, em especial na linguagem Mobile Python, com a
qual é possível escrever programas de manipulação de vídeo em tempo
real para celulares S60 (como o Nokia N95 e outros); finalmente, foi
conceituado e desenvolvido um ambiente em realidade aumentada exposto
no final do workshop no festival arte.mov.
2. Laboratório colaborativo
Projetos selecionados: 10
90
Sinopse: Partindo da idéia moderna de corpo como obra de arte e de
corpo como potência criativa, a proposta do projeto Corpo ZONA de
Intervenção (CZI) é promover o diálogo entre tecnologias: o corpo e o
vídeo e sua manipulação digital. Propomos experiências com corpo,
performance, manipulação de vídeo e projeções no espaço público
em tempo real. Dois experimentos serão desenvolvidos: Parangolé
Olho, onde dispositivos de captação e transmissão ao vivo de
imagem e sons adicionados aos Parangolés, funcionarão como vírus
que se apropriam de um suporte para exercer uma função de
subversão - no sentido de uma apropriação pirata que constrói um
novo sentido. Uma espécie de intersubjetividade da experiência
estética. Escala-da, onde projeções de corpos em grande escala no
espaço público dialogam com a presença do corpo que executa a
ação projetada. Quedas. Escaladas. Subidas. Descidas. Giros. Pele
(texturas). Os edifícios e monumentos públicos poderão ser vestidos
ou re-vestidos de texturas e ações corporais.
• Generator
Proponente: Luís Castilho
Equipe fixa: Luís Castilho e Júlia Valle
Áreas: design de moda, inteligência artificial, software.
Sinopse: Generator é um software de modelagem de indumentária,
onde máquina e criador invertem papéis e criam uma relação de
dependência mútua, na qual as funções desempenhadas por cada
um perdem sentido quando isoladas. Partindo de uma modelagem
inicial básica produzida digitalmente pelo criador (seja ela uma parte
de cima, um vestido ou uma calça), a máquina gera deformações
infinitas que resultarão em novas formas. Essas formas serão por fim
trabalhadas novamente pelo criador, responsável pela união das
partes recortadas em tecido e por transformar a modelagem plana em
um objeto tridimensional único.
• Furniture Processing
91
Proponente: Antônio Valladares
Equipe fixa: Antônio Valladares, Marina Noronha e Luís Castilho.
Áreas: design de mobiliário, 3D, software.
O Projeto experimental Furniture Processing consiste em desenvolver
uma interface com auxílio das ferramentas open source Grasshopper
e Processing peças de mobiliário que respondam as demandas
individuais dos usuários. Aliada à parâmetros que serão preenchidos
pelo usuário, tais como relações ergonométricas, estruturais e de
acabamento, a idéia é gerar uma peça única para cada um. A
visualização será tridimensional na tela do computador e passível de
ser construída através de técnicas de fabricação digital tais como
corte CNC (computer numeric controlled) e prototipagem rápida.
• Espaço Processo
Proponente: Vicente Pessôa
Equipe fixa: Vicente Pessôa e Felipe Turchetti
Áreas: tipografia, 3D, software
Sinopse: Partindo da modulação do espaço e da intersecção de
formas planares, Espaço Processo é um sintetizador de formas
tridimensionais, acessadas pelo observador por meio de interfaces
digitais planas, como a tela de um celular ou computador. O
resultado desta intersecção de planos são formas escultóricas puras,
materializáveis ou não, que, devido à sua natureza ambígüa,
comportam diversos significados.
• Deslocamentos
Proponente: Fernando Rabelo
Equipe fixa: Fernando Rabelo e Sérgio Mendes
Áreas: instalação, interfaces físicas, vídeo
Sinopse: O conteúdo do objeto só é revelado quando o visitante tocar
(deslocar) a tela da sua posição inicial. As imagens e ou gráficos que
fazem parte desse conteúdo serão submetidas ao princípio cinético
92
da interface que revela e esconde o que não está enquadrado no
espaço da tela.
• Telas livres
Proponente: Hugo Corgosinho
Áreas: comunicação sem fio, eletrônica, design de produto.
Sinopse: Pesquisar protocolos de comunicação sem fio entre telas de
computadores e dispositivos moveis para gerar conteúdo e interação
entre plataformas, computadores e criar dispositivos próprios para
estudo. Esses dispositivos serão compostos de matriz de leds
multicoloridos, circuitos de processamento, posicionamento e
comunicação de forma a apresentar imagem que mostre a sua
localização em um espaço e em um grupo de telas.
93
• Poesia congelada
Proponente: Koji Pereira
Áreas: instalação, poesia, interfaces físicas.
Sinopse: Poesia congelada é um trabalho de arte e tecnologia que
permite ao público interagir com a obra. A obra dessa forma deixa de
ser definida por um autor central e se torna apenas uma ferramenta
para criação de inúmeros significados pelo público. O acaso, parte
central da poesia congelada, é tema de pesquisa em arte desde o
início do século XX. Neste experimento o acaso é parte essencial do
processo de construção do significado da obra, através da interação.
Neste processo o observador deixa de ser passivo, e se torna
também autor ativo da obra, podendo participar na formação da
poesia.
• Desenhos, derivas
Proponente: Angélica Beatriz
Áreas: desenho gerativo, webarte
Sinopse: Proposta em desenho que utiliza linguagem de
programação e hipermídia para construir uma narrativa combinatória
e não linear na web. O tema dos desenhos é uma deriva pela cidade.
O exercício em desenho visa inventariar elementos da experiência
cotidiana no contexto urbano. A programação entra com a intenção
de enriquecer essa expressão através das características de
desdobramentos mediante interações. Serão fornecidos como input
desenhos de formas, padrões e módulos que podem, através da
programação, ser combinados de maneiras diversas e buscar nas
respostas do usuário a construção do trabalho artístico.
• MartialEX Project
Proponente: Fabiano Fonseca
Áreas: artes marciais, interfaces físicas, game
Sinopse: Desenvolver uma interface de treinamento físico e
performance musical ao vivo. A interface de bateria eletrônica será
94
criada a partir de aparatos tipicamente usados para treinos de boxe e
artes marciais. Serão instalados triggers (sensores de toque) em
aparadores, luvas, sacos de pancada, pushing balls, etc.
3. Encontros
5. Créditos
Patrocínio: Vivo
96