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Módulo de Fluência – Lição __ Data:_________

A Cobra e o Gaturamo
Coelho Neto
O tempo era de grande esterilidade e os animais
andavam esfomeados.
Uma cobra, que se arrastara, todo o dia, ao sol, pelo
areal abrasado, à procura de alguma coisa com que
atendesse a fome que lhe roía as entranhas, perdida toda a
esperança, enroscou-se em uma pedra e ali se deixou ficar à
espera da morte.
Iam-se-lhe fechando os olhos de fraqueza quando um
passarinho pôs-se a cantar num ramo seco, lançando tão
alegres vozes, que a cobra, que era matreira, logo percebeu
que tinha de avir-se com um novato, porque o passarinho
velho não seria tão indiferente aos males que, em vez de
procurar migalhas, andasse a rolar gorjeios em tempo tão
infeliz.
Assim, instruída pela experiência, imaginou uma traça
astuta e, espichando o pescoço, pôs-se a gemer com altos
guaiados :
— Ai! de mim, que vou morrer sem alguém que me
valha. Ai! de mim.
Ouviu-a o gaturamo e, porque era curioso, voou do
galho ao chão.
Pondo-se diante da cobra, interrogou-a :
— Que tendes, senhora cobra? Por que assim gemeis
tão aflita?
— Ai! de mim. Fui ali acima à fonte, achei água tão
fresca e pus-me a beber tão sôfrega, que engoli um diamante
do tamanho de uma noz. Tenho-o atravessado na garganta e
morrerei se não encontrar pessoa de caridade que mo queira
tirar.
Vale um reino a pedra, e eu a darei por prêmio a quem
me fizer o benefício de arrancar-ma, da goela, onde se
encravou.
Tufou-se em arrufo pretensioso o enfatuado gaturamo
e, pensando no tesouro que ali tinha ao alcance do bico,
redarguiu à cobra :
— Não é pelo que vale o diamante, mas pelo alto apreço
em que vos tenho que me ofereço para aliviar-vos. Abri a
boca.
Não se fez a cobra rogar e, tanto que sentiu entrar o
passarinho, foi um trago.
Então, saciada e rindo — como riem as cobras —
enrodilhou-se de novo e adormeceu contente.

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