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Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro

Wendel dos Reis Soares

“A Mesquita Solitária”: um estudo de caso sobre os muçulmanos no Rio de Janeiro


(1951 - 2019).

RIO DE JANEIRO
2020
Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro

“A Mesquita Solitária”: um estudo de caso sobre os muçulmanos no Rio de Janeiro


(1951 - 2019).

Wendel dos Reis Soares

Monografia apresenta ao Programa de Pós-


graduação Lato Sensu da Faculdade de São
Bento do Rio de Janeiro (FSB/RJ) como
um dos requisitos para obtenção do
Certificado de Especialização em Ciência
das Religiões.

Orientador: Prof. Doutor em História Social Eduardo Cardoso Daflon.

RIO DE JANEIRO
2020
Soares, Wendel dos Reis. “A Mesquita Solitária”: um estudo de caso sobre os muçulmanos
no Rio de Janeiro (1951 - 2019). Rio de Janeiro: FSB/RJ, 2020.

53 páginas numeradas.

Monografia do Curso de Especialização em Ciência das Religiões, apresentada ao Programa de


Pós-graduação Lato Sensu da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Dr. em História Social Eduardo Cardoso Daflon.

Palavra-chave: Islã. Muçulmanos. Mesquita da Luz. Religião. Experiência. Ramadã. Sacrifício.


Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro

A Monografia “A Mesquita Solitária”: um estudo de caso sobre os muçulmanos no Rio


de Janeiro (1951 - 2019), apresentada pelo aluno Wendel dos Reis Soares, ao Programa de Pós-
Graduação Lato Sensu da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro (FSB/RJ), como um dos
requisitos para obtenção do Certificado de Especialização em Ciências da Religião foi
aprovada, obtendo o grau ____________ ( ).

_______________________________________________________
Prof. Doutor em História Social orientador Eduardo Cardoso Daflon

________________________________________________________
Prof. Ms. D. Anselmo Nemoyane Ribeiro

Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 14 de novembro de 2020.


Agradeço à Deus. À minha esposa Sandra
Mara Soares e toda família, pela
compreensão e incentivo durante toda essa
jornada.
Agradecimentos

Ao orientador e amigo, Prof. Doutor em História Social Eduardo Cardoso


Daflon, pelo cuidado e diligência na busca pelo melhor resultado. A todos os
alunos, equipe e direção da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro.
RESUMO

Pesquisa sobre a Mesquita da Luz, único templo da fé muçulmana no estado do Rio de


Janeiro, tendo como pano de fundo a celebração do ramadã, jejum sagrado para os
fiéis. Breve relato da fundação da religião islâmica, através da revelação a seu profeta
Maomé. Início da investigação da história do islã na cidade do Rio de Janeiro, desde
sua chegada ao país, e caminhos que trouxeram os primeiros muçulmanos como
escravizados para a cidade. Descrição da chegada dos imigrantes árabes entre o final
do século XIX e início do século XX. Estudo de caso realizado em visitas a mesquita,
descrevendo as etapas da celebração de uma oração sagrada de sexta-feira, em
novembro de 2018, e duas visitas no ano de 2019: a primeira em um dos dias ramadã,
presenciando e participando da “quebra” do jejum, e a última no dia do encerramento
do sacrifício anual, com a oração do fim do ramadã e a festa de Eid al fitr.

Palavra-chave: Islã. Muçulmanos. Mesquita da Luz. Religião. Experiência. Ramadã.


Sacrifício.
ABSTRACT

Research on the Mosque of Light, the only temple of the Muslim faith in the state of
Rio de Janeiro, with the celebration of Ramadan as a backdrop, a sacred fast for the
faithful. Brief account of the foundation of the Islamic religion, through the revelation
to its prophet Muhammad. Beginning of the investigation of the history of Islam in the
city of Rio de Janeiro, since its arrival in the country, and paths that brought the first
Muslims as slaves to the city. Description of the arrival of Arab immigrants between
the end of the 19th century and the beginning of the 20th century. Case study carried
out on visits to the mosque, describing the stages of the celebration of a sacred prayer
on Friday, in November 2018, and two visits in 2019: the first on one of the Ramadan
days, witnessing and participating in the “break ”Of the fast, and the last on the closing
day of the annual sacrifice, with the prayer of the end of Ramadan and the feast of Eid
al fitr.

Keywords: Islam. Muslims. Mosque of Light. Religion. Experience. Ramadan.


Sacrifice.
SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................. 10

1 O NASCIMENTO DO ISLÃ .............................................................................................. 11


1.1 Sunitas e Xiitas ................................................................................................................... 15
1.2 A expansão islâmica ........................................................................................................... 16
1.3 O islã no Brasil ................................................................................................................... 18
1.4 A imigração Árabe.............................................................................................................. 21

2 A SBMRJ .............................................................................................................................. 14
2.1. Masjid An-Nur - A Mesquita da Luz ................................................................................. 29

3 AS VISITAS A MESQUITA DA LUZ .............................................................................. 28


3.1 Entendendo o Ramadã ........................................................................................................ 38
3.2 A segunda visita ................................................................................................................. 40
3.2.2 As mulheres e crianças .................................................................................................... 41
3.2.3 As refeições ..................................................................................................................... 42
3.3 Eid al Fitr ............................................................................................................................ 43

4 Conclusão .............................................................................................................................. 37
Referências................................................................................................................................50
Introdução

Muito se escreveu e discutiu sobre a religião muçulmana nas últimas décadas, os


diversos autores que se debruçaram sobre o tema, escreveram sobre sua história, alicerces da
fé, contexto político passado e atual. Exibiram-se exaustivamente opiniões sobre assuntos
controversos como: fundamentalismo, liberdade feminina, terrorismo e expansão no ocidente
da fé árabe. Em parte, acontecimentos como o 11 de setembro de 2001 em Nova York, a
opressão sofrida em países africanos por grupos como o Bokoharam na Nigéria, e o
recrutamento de jovens e crianças de várias partes do mundo pelo Estado Islâmico, contribuíram
para uma imagem distorcida da mensagem pregada pelo livro sagrado dos muçulmanos.

Pouco se entende, principalmente no ocidente, como creem e vivem os fiéis do islã,


muitas são as dúvidas e incorreções, quando a crença é interpretada por uma ótica ocidental. A
realidade é que a violência, é prática de uma minoria entre os muçulmanos, o islã considera
judeus e cristãos como irmãos da ahl al-kitab (povos do livro), “essa é a família dos monoteístas
daqueles que acreditam em um Deus supremo” (SONN, 2011, p. 23). Textos do Alcorão, livro
sagrado para a religião islâmica, conclamam os monoteístas a uma dedicação a religião
verdadeira que eles chamam de “Din”1, o modo de vida submisso a Allah2, a fé de verdade.

As três maiores religiões monoteístas do mundo, afirmam cultuar o mesmo deus, não é
de se admirar que existam, como sempre existiram, embates e desacordos entre elas. Judeus,
cristãos e muçulmanos, acreditam em acontecimentos idênticos e divergem, ora no nome do
personagem, ora no poder a ele atribuído. As narrativas de cada uma das confissões, tem pontos
em comum e discordantes, um exemplo é Abraão: patriarca para os judeus, pai na fé dos
cristãos, para muçulmanos, no entanto, ele é o primeiro deles, o primeiro submisso. “Abraão
jamais foi judeu nem cristão; foi, outrossim, monoteísta, muçulmano, e nunca se contou entre
os idólatras.” (Alcorão sagrado, surata 3:67).

Abraão, é só um exemplo das inúmeras divergências entre as religiões monoteístas que


cultuam ao mesmo deus. Por séculos e séculos conflitos se formaram em torno de tais
diferenças, nosso tempo não ficou imune ao ódio e a intolerância. Como um mal herdado, os
fies de hoje ainda lutam para provar qual é a versão correta desta história contada por três
religiões diferentes.

1
Termo usado noventa vezes no Alcorão, segundo (SONN, 2011). Significa a verdadeira religião, revelada pelo
único deus. Os seguidores do monoteísmo portanto estariam sobre a mesma din.
2
Optou-se nesse trabalho pelo uso do nome de deus em árabe, por ser considerado sagrado pelos muçulmanos.
11

Leonardo Boff, lança a pergunta que inspira parte deste trabalho, que busca a
compreensão da fé do outro: “inauguramos uma guerra de fundamentalismos?” (2016, p.7).
Grupos extremistas de todos os lados, inflamam a discussão, que retroalimenta o terror e recria
inimigos, que já se enfrentaram no passado. Boff afirma que somente com a paz entre as
religiões, será possível caminhar ao encontro da paz mundial. O convívio pacífico, é uma
possibilidade quando os preconceitos são desfeitos através do conhecimento e respeito mútuo.

Uma religião puramente étnica, de imigrantes e seus descendentes, com pouca


atividade proselitista, seriam esses segundo, (CASTRO, 2014), os motivos de poucos trabalhos
acadêmicos sobre o islamismo terem sido publicados no Brasil. De esmagadora maioria em
alguns países e continentes como parte da Ásia, África e Oriente médio, no Brasil os números
ainda são modestos, sem que isso queira dizer que os crentes no islã tenham chegado aqui há
pouco tempo.

Pretendeu-se neste trabalho, aprofundar a pesquisa sobre o islã, provavelmente, a


menos estudada em nosso país, das três grandes religiões monoteístas antes citadas. O objeto
que delimita esta investigação é, a única mesquita do estado do Rio de Janeiro, a chamada
mesquita da Luz, no ápice da experiência religiosa para seus adeptos o mês sagrado do ramadã.

Empreendeu-se uma intensa pesquisa bibliográfica, percorrendo a história do islã, sua


chegada ao Brasil e a cidade do Rio de Janeiro. Os caminhos percorridos pelos primeiros
muçulmanos, os lugares de culto até a constituição da Mesquita da Luz, foram os eixos centrais
da pesquisa. Visitas foram realizadas à mesquita, que está situada no bairro da Tijuca na cidade
do Rio de Janeiro, priorizando-se o período do jejum sagrado dos muçulmanos. Buscando-se
assim registrar a experiência da devoção, do apego a tradição, e da relação com o sagrado
daqueles crentes.

A problematização desta pesquisa passa por três pontos principais, um olhar


antropológico a partir da “solidão” dos adeptos desta mesquita no Rio de Janeiro, visto que, a
mesquita mais próxima está no estado de São Paulo; um viés sociológico que tenta compreender
as dificuldades de se experienciar o ramadã em uma cidade cosmopolita e dinâmica como o Rio
de Janeiro. Por fim, a preocupação em entender melhor as crenças e costumes da religião
muçulmana na busca de uma convivência pacífica e harmoniosa no encontro inter-religioso.

Considerada uma religião onde os adeptos agem e reagem uniformemente em todas as


situações, durante essa pesquisa buscou-se o entendimento das individualidades ou das
expressões dos pequenos grupos existentes dentro do todo.
12

Organizou-se este trabalho em três capítulos, além de sua introdução e conclusão, no


capítulo um: uma breve história do islã desde sua fundação na revelação recebida pelo profeta,
“suas chegadas” ao Brasil e posteriormente ao Rio de Janeiro; capítulo dois: descreveu-se a
mesquita da Luz e a Sociedade Beneficente Muçulmana no Rio de Janeiro (que chamaremos a
partir deste ponto de SBMRJ), suas histórias e relevância para a comunidade islâmica
fluminense e brasileira; no terceiro e último capítulo: tratou-se do estudo de caso, com base em
visitas realizadas a SBMRJ, em ocasião da celebração do ramadã 2019.
1 O Nascimento do Islã

Nos meados de 2004, Tamara Sonn afirmava que os muçulmanos somavam um quinto
da população mundial, hoje as pesquisas apontam mais de 1,7 bilhão de adeptos, (2004, p.17).
A sequência de profetas, iniciada com Adão, Noé, Abraão, Jesus e outros, termina em Maomé,
forma aportuguesada de Muhammad, ele seria o destinatário da última revelação, o derradeiro
de outros que formaram uma cadeia de profetas antes dele, “uma revelação que completava
aquelas que haviam sido anteriormente feitas a profetas ou mensageiros de deus, e criava uma
nova religião, o islã, distinta do judaísmo e do cristianismo.” (HOURANI, 1994 p.34).

De acordo com (KAMEL, 2007), Maomé, nasceu em Meca por volta do ano 570, e era
descendente direto de Abraão, através de seu filho Ismael, tornou-se órfão muito cedo e foi
criado por seu tio Abu Talib. Casado com Khadija, uma viúva e comerciante de Meca, de quem
foi antes empregado, era pai de seis filhos, porém, os dois herdeiros homens morreram, e
somente suas filhas sobreviveram.

Por volta dos 40 anos, (em 610 dc.), cada vez mais reflexivo e passando por longos
períodos de isolamento e meditação, o profeta, conforme conta Samir El Hayek, na introdução
da interpretação do Alcorão Sagrado em português, recebe a visita do anjo Gabriel, que lhe
entrega pela primeira vez a revelação do que seria a palavra de deus, continuando a dita-la
durante 23 anos, dando forma ao Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos. O profeta, recebe
de forma milagrosa o texto sagrado dos muçulmanos, recebe também a habilidade de ler e
escrever, ele era analfabeto, em uma das suratas assim está registrado: “Lê, em nome do teu
Senhor que o criou; Criou o homem de algo que se agarra (coágulo). Lê, que teu Senhor é o
mais generoso, que ensinou através da pena, ensinou ao homem o que este não sabia.” (Alcorão
Sagrado, Sura 96:1-5).3

Como explica (PALLAZO, 2014), as informações que temos sobre a história de Maomé
são tardias, escritas cerca de dois séculos depois de sua morte. Em suma, temos três principais
fontes de consulta sobre esse período: os escritos do cronista Muhammad bin Jarir al-Tabari,
datada do início do século X, o Alcorão sagrado e os hadith4.

3
Essa foi a primeira Sura revelada ao profeta.
4
Compilado de ensinamentos e frases do profeta Muhammad, coletados por seus companheiros e alunos, que
explicam e interpretam o Alcorão. Significa literalmente ditos do profeta. Site: Centro cultural islâmico da
Bahia. https://www.ccib.org.br/alcoraosagrado.htm, acessado em 01 de outubro 2020.
14

O que importa, porém, para a pesquisa histórica, é entender tal conjunto de


documentos como fundadores de uma nova religiosidade sem tecer considerações
sobre a veracidade das revelações a Maomé ou sobre a efetiva autoria dos Hadith.
(PALAZZO, 2014, p.161).

A pregação de um deus único, o monoteísmo, como conta (KAMEL, 2007), rendeu a


Maomé desafetos entre os líderes políticos e comerciantes que lucravam com a venda de artigos
religiosos das diversas divindades adoradas na cidade de Meca. Por conta da perseguição, as
fugas e exílios se sucederam, primeiro para Abissínia (atual Etiópia), e posteriormente para
Atrib (hoje Medina), onde o sucesso da mensagem foi grande e a adesão a nova religião
aumentou significativamente.

(ARMSTRONG, 1994), em sua obra: “Uma história de Deus”, relata que Maomé
apresentou aos árabes uma nova espiritualidade que de certa forma se adaptou às suas tradições
pré-existentes. Um dos momentos mais marcantes na história do islã, acontece durante o
período de exílio (hégira) em Medina, a ascensão mi´raj, os fiéis islâmicos acreditam que
Maomé foi elevado ao paraíso e lá conheceu, Adão, Jesus, João, Enoque, Arão e Moisés. Essa
milagrosa viagem teria acontecido, segundo os relatos mais aceitos entre a comunidade
muçulmana, quando o profeta teve o peito aberto pelo anjo Gabriel, sendo por ele purificado e
posteriormente transportado em um cavalo alado. O destino da viagem, ou o ponto de partida
para o paraíso, foi a cidade de Jerusalém, exatamente onde hoje está a mesquita do domo da
rocha.

Esse acontecimento, iniciou uma disputa que dura até hoje, com consequências não só
religiosas, mas também políticas, desencadeando conflitos sangrentos, pois, o mesmo local é
considerado sagrado pelas três maiores religiões do mundo. Maomé foi assunto aos céus, no
mesmo terreno onde antes estava o templo de Salomão, local sagrado para judeus e
posteriormente para cristãos.

Alguns exegetas muçulmanos interpretam essa viagem como um sonho sagrado, mas
a maioria acredita que ela teve mesmo uma existência concreta. No Alcorão existem
menções indiretas a essa viagem e pelo menos uma referência direta. (KAMEL. 2007,
p.68).

Crescendo em número, mesmo exilados em Medina, os muçulmanos foram atacados


mais de uma vez por inimigos que iam desde tribos de judeus, até os habitantes de Meca, que
chegaram a sitiar a cidade durante um mês tentando obrigar sua rendição. A nova religião, no
entanto, se fortalecia, e no décimo ano da hégira, o profeta marchou triunfante após um acordo
15

com os anciãos de Meca, destruindo os ídolos e convertendo a cidade ao islã. O site da SBMRJ5,
ao contar essa história, ressalta que, após a retomada da cidade ele reuniu o povo vencido,
lembrou-lhes os tempos de perseguição religiosa, os bens daqueles que migraram para Medina
que foram confiscados injustamente, as batalhas e hostilidade por vinte anos, não escravizando
ou punindo os derrotados, ganhando assim a admiração de todos.

1.1 Sunitas e Xiitas

Maomé faleceu após um breve período doente em 632, deixando o povo órfão de seu
líder, segundo (SOON, 2011), um de seus discípulos mais queridos Abu Bakr, que acabou sendo
o primeiro califa, preocupou-se em reforçar a mensagem na mente dos fiéis, ressaltando que o
profeta podia estar morto, mas deus não. A pregação precisava sobreviver através dos crentes.
Abu Bakr, em um de seus discursos ao povo, relembra uma ayat6 escrita quando se acreditava
que o mensageiro de Allah estava morto, por ter sido ferido em batalha:

Mohammad não é senão um mensageiro, a quem outros mensageiros precederam.


Porventura, se morresse ou fosse morto, voltaríeis à incredulidade? Mas quem voltar
a ela em nada prejudicará Deus; e Deus recompensará os agradecidos. (ALCORÃO
SAGRADO. Surata 3:144).

A sucessão do profeta é o ponto inicial de uma discórdia, que dura até hoje. Em torno
de Maomé e de seu sobrinho Ali, quase houve uma unanimidade, porém, após sua partida,
decidir quem o substituiria na liderança do islã em poucos anos promoveu um cisma na religião.
“A divisão entre sunismo e xiismo remonta aos primórdios do Islão7 tendo resultado de
divergências quanto à sucessão legítima (califado) do profeta.” (BARATA, 2007).

A relação de proximidade ou parentesco com Maomé, seria o balizador do direito à


chefia do povo muçulmano, cada grupo entendia a questão de sua visão própria; ainda segundo
Maria João Barata, os sunitas (seguidores da tradição do profeta), em resumo, acreditavam que
os califas (sucessores do profeta), deveriam vir de homens veneráveis da tribo de Maomé, sem
a necessidade específica de laço familiar com o falecido líder. Para xiitas (partidários de Ali),
considerados heterodoxos pelos sunitas, o lugar do profeta deveria ser ocupado por Ali,
sobrinho e primo irmão de Maomé, e seus descendentes. Os sunitas chamam os quatro primeiros
califas de “corretamente orientados por Deus”, os xiitas, por sua vez, entendem que os três
primeiros eram usurpadores e somente Ali recebera do profeta o direito de sucedê-lo. O

5
Site SBMRJ: http://sbmrj.org.br/historia/profeta-muhammad/biografia/a-migracao-para-medina-hegira,
acessado em 01 de outubro 2020.
6
Ayat (verso), menor divisão dos textos do Alcorão
7
Grafia de islã no português europeu.
16

sobrinho do profeta seria, portanto, uma unanimidade pensando nos homens dignos da sucessão
do profeta.

Quando o assunto são os escritos sagrados, o Alcorão é consenso como a palavra de


Allah, os dois ramos do islã também acreditam que a revelação se encerrou com Maomé,
divergindo segundo (SONN, 2011) e (KAMEL, 2007), no uso de livros complementares. Os
sunitas usam as sunas, seis livros que compilam os grandes feitos e exemplos do profeta
Maomé, os xiitas têm seus próprios escritos de auxílio a interpretação do texto sagrado, ainda
assim, não rejeitam totalmente as sunas. “Não é correto dizer que os xiitas não acreditam na
Suna do profeta. Embora seja verdade que eles não aceitam integralmente os seis livros de
tradição dos sunitas, eles mesmos têm cinco livros de sua própria lavra.” (KAMEL, 2007, p.
102).

Os sunitas acusam xiitas de politeístas, pois, adorariam a figura de Ali, cultuariam santos
e mártires, o que claro, é rechaçado veementemente pelos acusados. Sunitas ultra ortodoxos,
consideram-se impuros precisando lavar novamente as mãos, se antes das orações apertarem a
mão de um xiita. (Idem, 2007, p. 103).

Hoje em dia, os sunitas são quase 90% do total de crentes do islã, a mesquita do Rio de
Janeiro, que estudaremos posteriormente, é um exemplo disso, porém, ainda que sejam 10%
dos muçulmanos no mundo, os xiitas são maioria em países estratégicos para o contexto político
árabe:
Os xiitas são maioritários no Irão (90% do total da população), no Iraque (65%), no
Azerbaijão (75%) e no Bahrein (75%); são a comunidade mais numerosa no Líbano
(45%) onde se prevê que venham a ser a maioria dentro de 20 anos; e são comunidades
importantes e cada vez mais politizadas no Paquistão (20%), no Afeganistão (19%),
no Kuwait (30%), no Qatar (16%), na Arábia Saudita (10%) e nos EAU (6%). Têm
ainda uma presença residual na Índia, no Tajiquistão, na África austral e na Síria.
(BARATA, 2007, p. 2).

1.2 A expansão islâmica

Os califados se sucederam, sobre o governo de homens como Umar ibn al-Khattab,


companheiro antigo do profeta, é nesse momento que o conceito de um estado muçulmano
começava a surgir, muitas foram as batalhas e os avanços sobre territórios “infiéis”. As
conquistas levaram a constituição de impérios muçulmanos, o primeiro deles foi o Omíada,
(COSTA OLIVEIRA, 2018), esclarece que esse império tem seu início cerca de 30 anos após
a morte de Maomé, com abrangência geográfica gigantesca, tomando desde a Península Ibérica
até a Índia.
17

A força militar dos exércitos fiéis à mensagem e ambição dos califas, não foi o único
motivo do crescimento da nova religião, estrategicamente as tropas marcharam sobre as
pegadas das incursões persas, os habitantes de várias dessas regiões preferiam os muçulmanos
aos persas, tidos como violentos e opressores, como relata (BLAINEY, 2012). Em apenas três
anos depois da morte do profeta, cidades importantes e icônicas como: Damasco, Jerusalém e
Beirute, já haviam se rendido. Jerusalém, inclusive, permaneceria sob poder muçulmano
durante onze dos treze séculos seguintes, sendo retomada e perdida novamente pelos cristãos
posteriormente.

Entre os anos de 630 até 675, Antioquia, o porto de Basra (Golfo pérsico), quase a
totalidade do território egípcio, e boa parte do extenso litoral do norte da África, já haviam sido
tomados, a perda dessas regiões foi devastadora para o cristianismo, ali florescia muito da
teologia da época, em cidades como Alexandria, Hipona e Cartago. Essa vitorias, abriram a
porta para uma das maiores metas dos exércitos islâmicos, o triunfo sobre Constantinopla.
Gibraltar, a porta de entrada para o continente europeu caiu em 711. Os muçulmanos só seriam
impedidos posteriormente pelos Francos.

Um ponto destacado por autores como: (COSTA OLIVEIRA, 2018) e (SONN, 2011),
é que havia uma mudança de postura após os exércitos dos califas tomarem os territórios
inimigos. Nenhum desses autores nega a violência e trauma desses eventos para os dominados,
porém, uma vez vencidos, os moradores em grande parte cristãos e judeus, recebiam liberdade
de culto, eram tratados como comunidade protegida ou (dhimma). Os cristãos não eram
pressionados a converterem-se ao islã, embora fossem instruídos na nova cultura, eles usavam
roupas diferentes e pagavam o “jyzia”, um tributo exclusivo deles.

A expansão dos domínios islâmicos, passa pelas conquistas nos campos de batalha, e
pela habilidade no trato com os povos conquistados. Os vencidos na sequência eram inseridos
na comunidade muçulmana com status de protegidos. (HOURANI, 1994), conta de líderes
cristãos, que no califado abássida, tinham a permissão de exercer funções públicas, como
supervisão em serviços sociais e tribunais.

Os cristãos dominados encontravam similaridades com a nova religião, a crença em um


deus único, o dia do juízo final e a eternidade no paraíso ou no inferno. Jesus também era um
nome comum às duas religiões, embora, como ressalta (BLAINEY, 2012), os muçulmanos
deixassem claro que para eles o nazareno fosse apenas um profeta. Isso não quer dizer que não
houvesse sofrimento, os cristãos pagavam impostos, jamais podiam pregar sua fé aos invasores
18

e se um deles se convertesse ao islã, nunca poderia voltar a religião antiga, sob risco de morte.
As maiores igrejas da época foram remodeladas em mesquitas, e toda arte sacra destruída, era
permitido, em certos casos, a construção de novas igrejas desde que não ultrapassasse em altura
a mesquita mais próxima. Por volta do ano 800 os muçulmanos já governavam sobre mais da
metade dos cristãos do mundo.

1.3 O islã no Brasil

Hoje existem cerca de 100 instituições islâmicas espalhadas pelo Brasil, nelas 35.167
muçulmanos se reúnem, segundo o censo (2010), segundo estimativas feitas pelos muçulmanos
o número de adeptos em terras brasileiras seria bem maior. A maior parte desses fiéis está
concentrada no sul e sudeste, principalmente em São Paulo, que tem treze mesquitas só na
capital, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, também apresentam um bom número de
adeptos, a cidade de Foz do Iguaçu no Paraná, possuí uma mesquita suntuosa que é inclusive
ponto turístico local. (SBMRJ, Islã no Brasil, p.1)

Segundo entrevista com o professor Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto8, publicado no site
da SBMRJ9, a chegada dos muçulmanos ao Brasil pode se dividir em três fases: 1) O relato
histórico, embora, com pouca comprovação, de árabes que acompanhavam os descobridores e
suas caravelas na nova terra. 2) A chegada dos escravos muçulmanos ao Brasil, traficados nos
navios negreiros. 3) A imigração de cidadãos árabes para o país, principalmente durante a
Primeira Guerra Mundial. (idem, p.1)

Omitida em muitos estudos sobre a população que formou nosso país, a presença de
muçulmanos no Brasil, remonta ao período imperial. O Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi,
em palestra para congresso na cidade de Sevilha no ano de 2003 10, afirma que os primeiros
muçulmanos a desembarcarem no Brasil, eram integrantes da comitiva de Pedro Alvares
Cabral, o sheik dá nome a esses pioneiros, eles seriam: Chuhabidin Bin Májid e o navegador
Mussa Bin Sáte, afirma ainda que com o início da colonização outros muçulmanos de origem
europeia chegaram a terras brasileiras. O líder religioso ainda cita um construtor de
fortificações chamado Karim Ibn Ali Saifudin, considerado um dos arquitetos do quilombo dos
palmares.

8
professor do PPGA/UFF e diretor do Núcleo de Estudos do Oriente Médio – UFF
9
Site da SBMRJ: http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil, acessado em 05 de outubro 2020.
10
Palestra do Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi, para o Congresso "El Islam em las dos Orillas" – Sevilha
2003
19

Castro e Vilela, afirmam citando o religioso: “O esforço empreendido pelo Sheikh, revela
uma clara estratégia de criação de um lugar para o islã na história deste país, apresentando-o
como uma religião tão antiga em solo nacional quanto o cristianismo”, (2019, p.2). As autoras,
acrescentam que essa inserção dos muçulmanos não teria sido suficiente para estabelecer a
continuidade de suas práticas, falando sobre o mesmo assunto, o texto do Sheikh Al-Jerrahi,
afirma que, esses primeiros indivíduos acabaram se convertendo ao cristianismo por conta da
perseguição.

A explosão da chegada de escravos africanos ao Brasil a partir do século XVII, essa sim,
teria sido eficaz na introdução da religião islâmica no país, originários da África ocidental,
majoritariamente desembarcaram no estado da Bahia. Esses muçulmanos recém chegados
receberam o apelido de malê, ou mandingos, apontam (REIS, 2003) e (CASTRO E VILELA,
2019). Costa e Silva, descreve outras formas de como eram chamados os escravos muçulmanos,
“muçulmis”, “muxurumins”, dizendo que assim: “eram conhecidos pelo povo dos orixás, pelos
adeptos da umbanda e pelos católicos” (2004, p.208).

Quando os portugueses chegaram em solo brasileiro, nas terras africanas o islã já havia se
expandido há alguns séculos e tomado pelo menos dois terços do continente africano, sua
presença é fato desde o século VII, começando pelo norte do continente e avançando cada vez
mais.

Entre os negros na Bahia do século XIX, os muçulmanos eram minoria, porém. isso não
significava serem eles tão poucos assim, no clássico de João José Reis, Rebelião escrava no
Brasil, ele afirma que os malês se dividiam principalmente entre grupos étnicos como os:
haussás, bornos, tapas e nagôs, esses grupos formariam cerca de 15 a 20% do total de escravos
africanos. (2003, p. 177). Os escravos que desde muito sido haviam sido instruídos sobre as leis
do Alcorão, em alguns casos aprenderam a ler e a escrever, inclusive em árabe.

Os policiais da época, conforme descreve Costa e Silva, faziam juízo dos “malês” como
difíceis e “irritantes de se lidar”, considerados como perigosos e “sempre propensos a
antagonizar as autoridades e a rebelar-se” (2004, p.287).

O ambiente urbano facilitou de muitas maneiras o crescimento do islamismo na Bahia.


... A essa rede rebelde os documentos da devassa se referiram como ‘sociedade de
malê’. Os malês que sabiam ler e escrever o árabe, fossem escravos ou libertos,
passavam seu conhecimento para os iniciantes. (REIS, 2003, p. 215).

É de (REIS, 2003), uma das melhores descrições sobre uma das grandes insurreições
protagonizadas pelos escravos convertidos ao islã, a revolta dos malês, ocorrida na Bahia na
20

madrugada do dia 25 de janeiro de 1835. O autor relata de forma detalhada a sociedade da época
e todo o entorno desta insubmissão, “Os que trabalhavam no ganho reuniam-se nas esquinas,
ruas, no cais do porto para oferecer seus serviços e enquanto esperavam fregueses ocupavam-
se de religião e rebelião.” (2003, p. 215)

Um dos principais motivos teria sido a tentativa da compra da liberdade de um líder malê,
que se encontrava preso por conta de uma dívida de seu dono, o mesmo seria leiloado junto
com outros “bens” de seu senhor, os agora revoltosos, antes tentaram compra-lo pelo valor
estabelecido, sendo, contudo impedidos. (RODRIGUES, 2010, p. 69).

Após serem traídos, precisando assim adiantar o início da revolta, que a princípio estava
marcada para as primeiras horas da manhã, os escravos rumaram para a delegacia na tentativa
de libertar o escravo chamado Bilial. Os enfrentamentos se deram em vários locais da cidade,
por algumas horas, o saldo foi de 70 revoltosos e mais de 10 guardas da cidade, mortos naquela
madrugada. Uma das curiosidades sobre o julgamento dos insurgentes, é que os condenados
não puderam ser enforcados, como pena por traição ou insurreição, por falta de carrasco; os
condenados foram fuzilados como soldados ou prisioneiros de guerra o que aumentou sua fama
em todas a circunvizinhança. (ibidem, 2010, P.65)

O islã passou a ser considerada uma religião de selvagens, os escravos eram julgados,
condenados à morte ou a extradição para África. Os que escapavam da pena capital ou da volta
para África, acabavam vivendo na clandestinidade. Voltar para a África, não pode ficar
entendido como castigo para todos os escravos daquele período, muitos quando recebiam a
liberdade buscavam a volta para casa, o problema da extradição, é que essa não respeitava país
de origem, ou levava em consideração questões de disputa tribal existente na pátria mãe dos
condenados.

Um dos resultados da revolta dos malês, foi a dispersão desses muçulmanos de


Salvador, para outras regiões do país como o interior de Alagoas, Recife e Rio de Janeiro.
Alguns fugindo outros decidindo pela mudança de cidade, depois de conseguirem a liberdade.
O relato é de Castro e Vilela, elas acrescentam o fato, de que mesmo com a perseguição do
estado o islã continuou a compor o universo religioso brasileiro. (2019, p. 172).

Ao contar a história da chegada dos escravos muçulmanos, a SBMRJ, descreve que a


perseguição formou um subterrâneo religioso, os muçulmanos se reuniam escondidos nas casas
dos imans, vivendo aparente vida de convertidos ao catolicismo, “batizando seus filhos e
21

enterrando seus mortos em rituais católicos.” (O Islã no Brasil, site :SBMRJ11). Ainda segundo
a Sociedade Beneficente, no século dezenove existiam pelo menos três grupos islâmicos
devidamente organizados: Salvador, Recife e Rio de Janeiro, o fim da escravatura é abordado
como um dos motivos de dissolução destes grupos.
Com o fim da escravidão no Brasil, após a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel
em 13 de maio de 1888, o contato com a África é interrompido e o fluxo de
especialistas na religião, pessoas que dominavam o árabe, vinda de textos etc.,
também é cortado. Assim, gradualmente essas comunidades foram se desagregando.
(O Islã no Brasil, site :SBMRJ p.2. http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil.
Acessado em 05 de outubro 2020).

Um dos personagens importantes desse momento, poderia apresentar uma outra


perspectiva, o imam Al-Baghdadi al-Dimachqi, que chegou ao Brasil em 1866, foi líder das
comunidades que existiam em Recife, Salvador e no Rio de Janeiro, em seu relato chegou a
declarar que mesmo vivendo na clandestinidade, o islã somava mais de 20.000 fieis somente
em salvador, seguido pelo Rio de Janeiro.

O imam afirmava que só não possuíam uma mesquita própria, pela precariedade
financeira em que viviam, além é claro, da proibição de construções de prédios com aparência
de templo imposta pelo império, a todas as religiões exceto o catolicismo. Porém, ele mesmo
afirma que a religião havia sido “influenciada por outras religiões”, (Castro e Vilella, 2019,
p.172), esse pode ser considerado outro motivo para seu quase desaparecimento por um longo
tempo.

(Pinto, 2010), escreve sobre a chegada do imam:

Em 1866, um navio da marinha otomana aportou no Rio de Janeiro trazendo, além


dos marinheiros, um religioso muçulmano, (‘alim, pl. ‘ulama) chamado ‘Abd –
Rahman al-Baghdadi al Dimachqi, que sabemos ter nascido em Damasco de uma
família originaria de Bagdá. Após desembarcar para conhecer a cidade, ‘Abd al
Rahman foi saudado por negros muçulmanos, provavelmente ex-escravos ou seus
descendentes, que depois foram ao seu navio para fazerem as orações com os demais
membros da tripulação. Ao saberem que era uma autoridade religiosa os muçulmanos
o convidaram para ficar no Rio de Janeiro e liderar sua comunidade.” (2010, p.46).

1.4 A imigração Árabe

No fim do século XIX e princípio do XX, imigrantes árabes muçulmanos,


principalmente sírios e libanês desembarcam nos portos do Brasil, conterrâneos seus já haviam
chegado décadas antes, no entanto, esses eram cristãos maronitas e ortodoxos, fugindo da
perseguição. A chegada destes imigrantes ao país cresce nos primeiros anos do século e depois

11
http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil, acessado em 05 de outubro 2020.
22

se estabilizam, não sendo tão numerosas quanto a de outros países, mas ainda assim com
presença relevante, como a tabela abaixo demonstra:

TABELA 1 – Imigração por nacionalidade, Brasil, 1884-1933


Nacionalidade Períodos decenais de 1884-1893 a 1924-1933
1884-1993 1894-1903 1904-1913 1914-1923 1924-1933 Total por nacionalidade
Italianos 510.533 537.784 196.521 86.320 70.177 1.401.335
Portugueses 170.621 155.542 384.672 201.252 233.650 1.145.737
Espanhóis 113.116 102.142 224.672 94.779 52.405 587.114
Alemães 22.778 6.698 33.859 29.339 61.723 154.397
Japoneses 0 0 11.868 20.398 110.191 142.457
Sírios e turcos 96 7.124 45.803 20.400 20.400 93.823
Outros 66.524 42.820 109.222 51.493 164.586 434.645
Fonte: Brasil 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. Apêndice Estatísticas de
500 anos de povoamento.

Costa e Silva, discorda destes números, quando pesquisa os primeiros anos de imigração
árabe para o Brasil, ele afirma que entre 1846 e1889, apenas 3.023 sírios ou turcos chegaram
ao país fugindo das perseguições Otomanas. (2004, p. 286).

Os territórios hoje conhecidos como Síria e Líbano, como descrevem Castro e Vilela,
eram até então dominados pelos Otomanos, os recém chegados possuíam passaporte do império
dominador, por isso ficaram conhecidos em terras brasileiras e até hoje são chamados de turcos.
(2019, p. 173).

Líbano e Síria, eram opostos no contexto religioso do século XIX, o primeiro de maioria
cristã, enquanto, os sírios muçulmanos prevaleciam em quantidade. As minorias religiosas de
ambos os lados sofriam a perseguição característica dessa época, Truzi, explica que, embora o
fator religioso possa ter influência na saída destes homens e mulheres de sua terra natal, o desejo
de melhorar financeira e socialmente, precisa ser considerado como um dos principais
motivadores da mudança. (1993, p. 8).

Um sistema onde famílias mais importantes exerciam governo sobre as aldeias, forjou
a identidade desses imigrantes, com um sentimento de honra pautado na ascensão financeira e
liberdade, de qualquer tipo de dependência do governo. Eles eram recebidos no núcleo das
famílias como o exemplo do verdadeiro sucesso.
23

Tais elementos, expostos brevemente, são necessários à construção da identidade mais


comum entre os imigrantes aqui chegados: existe pouco reconhecimento de uma
identidade nacional, compensada, porém por uma forte identificação religiosa e da
cidade de onde se origina a família. A religião e a aldeia (ou cidade) definiram os
laços básicos de lealdade entre os aqui chegados. A unidade sustentadora de tais laços
foi e é a família ampliada. (Truzi, 1993, p. 10).

Sem ajuda do governo para a empreitada, eles acabavam chegando ao novo país sem
nenhum tipo de garantia de trabalho, sem ofício certo e por consequência sem renda. Muitos
começaram no serviço de mascates, conforme esses primeiros desbravadores galgavam
qualquer melhora, passavam a possuir lojas ou investir na abertura de pequenas indústrias,
parentes e amigos eram empregados, alimentando assim a comunidade de recursos, esse ciclo
se reiniciava a cada novo cidadão árabe que descia nos portos do Brasil. (VILELA, 2002);
(TRUZI, 1993).

A queda do domínio otomano e a tomada do Líbano pelos franceses, foram motivos para
uma nova onda de chegada ao Brasil, os cristãos passaram a ser privilegiados nestes territórios
em detrimento dos muçulmanos. Mesmo com o fim dos conflitos no Líbano, muitos árabes
permaneceram em solo brasileiro, pois, já haviam se estabelecido comercialmente e formado
laços comunitários por aqui. (TRUZI, 1997). A criação do estado de Israel em 1948,
acrescentou palestinos, em fuga, aos povos árabes que passaram a viver por aqui. (AL-
JERRAHI, 1993 p.1).

Os imigrantes árabes, de crença muçulmana, que chegaram ao Brasil, entre os século XIX
e XX, foram por aqui bem recebidos e não tiveram suas crenças e cultos proibidos, isso não
quer dizer que a experiência, em uma nova terra com idioma e costumes tão diferentes foi
facilitada, como cita em seu artigo o sheikh al-Jerrahi. O religioso enumera como principais
dificultadores da vida no novo lar: a diferença de costumes, tanto culturais quanto religiosos; a
falta de centros de educação islâmicas; a disputa por espaço no mercado econômico e a
dispersão por um país de território tão extenso.
Todos estes fatores não só tornaram difícil a prática da religião, como também
impediram que aos seus filhos fosse transmitida uma educação dentro dos ideais
islâmicos. Também devido a estes fatores e à adaptação cada vez maior das novas
gerações ao ambiente brasileiro, o idioma árabe passou a ser cada vez menos utilizado
pelos descendentes, dificultando mais ainda a transmissão e recepção da herança
cultural e religiosa. (Al-Jerrahi, 1993, p.1)

São Paulo, segundo a SBMRJ, recebeu a maioria dos muçulmanos durante a imigração,
formando a primeira associação oficial em 1929, a Sociedade Beneficente Muçulmana. Em
24

1940, esse grupo de muçulmanos sunitas12, começa a construção da primeira mesquita do país,
chamada: Mesquita Brasil, que continuaria sendo única até 1972, quando nasce a mesquita da
cidade de Curitiba no Paraná.

1.5 Os muçulmanos no Rio de Janeiro

A chegada de muçulmanos na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, carece de registros


históricos, e poucos são os autores que escreveram sobre o tema, ela começa ainda no
desembarque dos escravos islamizados oriundos da África, assim como aconteceu na Bahia e
em outras partes do nordeste. Como já se citou neste mesmo trabalho, outra leva importante de
escravos islâmicos fugiu para o Rio de Janeiro depois da revolta dos malês.

(SILVA, 2004), falando sobre a realidade dos muçulmanos na cidade, conta que em meados
do século XIX, livreiros do Rio de Janeiro costumavam vender cerca de 100 exemplares do
Alcorão por mês, e que mesmo muito caro, eram os escravos que adquiriam a maioria deles.
Mesmo sendo analfabetos, esses compradores desejavam ter o livro sagrado em casa como
apropriação do sagrado, um objeto que revestia de prestígio quem o possuísse, ainda que apenas
para exposição. (2004, p. 285).

João do Rio, aguçado observador e repórter, em sua compilação de matérias escritas para
gazeta de notícias, entre janeiro e março de 1904, reunidas no livro “As religiões no Rio”,
apresenta uma descrição de como viviam os muçulmanos do início do século XX no Rio de
Janeiro, e também de como eles eram vistos.

A primeira coisa que se percebe ao desfolhar os escritos de João do Rio, é que ele estabelece
uma semelhança, através da língua comum, e a origem dos participantes, entre o islã e as
religiões de matriz africana, essas duas, inclusive, estão no mesmo capítulo de seu livro, o
primeiro, denominado: “No mundo dos feitiços”. Todavia, a leitura do texto, descortina a
influência que o islã sofreu na África e no solo carioca.

Os líderes muçulmanos que habitavam a cidade do Rio de Janeiro, são chamados por João
do Rio, 1976, de alufás, feiticeiros que apesar da proibição, “usam dos aligenum, espíritos
diabólicos chamados para o bem e mal” (João do Rio, 1976, p. 4). Pontos familiares ao
tradicional islã como: ablução, preces cinco vezes ao dia, empenho no estudo dos textos

12
“A imigração Árabe-Islâmica”, foi composta de fiéis de todas as correntes ideológicas e doutrinárias do Islã,
entre eles: xiitas, sunitas, sufis, alauítas, e drusos, sendo os sunitas os primeiros a organizaram-se na forma de
associação. http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil, acesso em 05 de outubro 2020.
25

sagrados, restrições alimentares e celebração do ramadã, aparecem nos escritos do autor, a


novidade que ele apresenta, está no acréscimo de comportamento místico e mágico por parte
dos sacerdotes islâmicos, são encontradas descrições como essa feita quando visitou a casa de
um alufá: “num livro de sortes marcado com tinta vermelha e alguns, os maiores, como
Alikali13, fazem até idams ou as grandes mágicas, em que a uma palavra cabalística a chuva
deixa de cair e obis14 aparecem em pratos vazios” (1976, p. 4).

No império, a prática do islamismo em templos e casas era proibida e seus adeptos na capital
pretendiam manter o anonimato, por medo da perseguição policial, eles quase sempre se
fingiam católicos, e quando questionados por pessoas que sabiam de sua verdadeira confissão
de fé, sobre o número de fiéis da cidade, respondiam que eram muito poucos, de quantitativo
insignificante. Em pesquisa feita por Silva, 2004, nos arquivos da polícia do Rio de Janeiro, é
possível encontrar, segundo o autor, registros de como o governo reprimia os “suspeitos de
islamismo”, além de relatos do total desconhecimento por parte das autoridades das tradições e
costumes da religião. (Silva, 2004, p. 287).

João do Rio e Nina Rodrigues, reconhecidos investigadores da vida do negro no Brasil


imperial, duvidavam da organização dos moslins no Rio de Janeiro, não achavam possível que
eles pudessem formar uma comunidade socialmente estruturada, com uma mesquita
estabelecida e mantida pela comunidade árabe, suas desconfianças se confirmaram, ao saber
que, na verdade, não existia uma mesquita, e os crentes se reuniam na casa do imans ou alufás.
(ibidem, 2004, p. 286).

Ainda que discretamente, os muçulmanos do Rio não abandonaram a tradição de ser uma
religião proselitista, Silva, ao citar Nina Rodrigues, traz um exemplo de conversão em solo
brasileiro:“ a mulher do “iemano” de Salvador nascera no Brasil e convertera-se ao islamismo
no Rio de Janeiro, onde morara durante algum tempo.” (ibidem, 2004. p. 290).

A senhora Carmen Teixeira da Conceição serve de exemplo. Nascida em 1877, ela foi
para o Rio de Janeiro em 1893, onde continuou a praticar a religião muçulmana. Já
adulta, tornou-se cristã. Talvez se tenha sentido sem forças para seguir o islame em
solidão e segredo. Talvez necessitasse de companhia na fé. Monoteísta, juntou-se aos
que eram como ela, ainda que lessem um outro Livro. Morreu como católica devota,
e das mais devotas, pois era membro de cinco confrarias religiosas e, por mais de
cinquenta anos, assistiu, todos os domingos, a duas missas. Apesar disso, numa
conversa de fim de vida, os seus olhos marejaram-se de lágrimas, ao recordar a sua

13
Imam (líder) dos muçulmanos do Rio de Janeiro em 1904, João do Rio o chama de “Iemano”, morador da Rua
Barão de São Félix, “que incutia respeito e terror” a seus seguidores.
14
Fruto muito usado no candomblé, também conhecido como noz de cola, símbolo da oração no céu. Site o
candomblé. https://ocandomble.com/vocabulario-ketu/, acessado em 23 de abril de 2019.
26

crença de menina e moça e os velhos muçulmanos do Rio de Janeiro . (SILVA, 2004,


apud João Baptista M. Vargens e Nei Lopes, p. 293).

O término da escravidão foi um baque significativo na perpetuação da crença dos devotos


islâmicos, embora houvesse uma maior liberdade de culto depois da abolição e proclamação da
república, a comunidade não era renovada pela chegada de novos membros, já convertidos em
solo africano. Os que aqui viviam sentiam o peso de uma fé cada vez mais solitária. O
monoteísmo e todo o ambiente em volta os aproximavam, cada vez mais do catolicismo, esse
talvez tenha sido, o fim da primeira onda de muçulmanos cariocas, que se reorganizariam a
partir da migração dos árabes na transição entre os séculos XIX e XX.
2 A SBMRJ

Nas cidades onde não haviam mesquitas, grande maioria no Brasil no princípio do
século XX, a comunidade muçulmana se reunia em “mussalas”, cuja tradução é sala de oração,
diferente do século passado, as reuniões não são mais nas casas dos líderes, esses espaços
normalmente eram salas comerciais alugadas ou compradas nos grandes centros urbanos, para
o encontro e experiência da religião em conjunto. (SBMRJ, o islã no Brasil, p.3).

Neste momento de transformação, em 1951, nasce a Sociedade Beneficente Muçulmana


do Rio de Janeiro, entidade já citada antes neste trabalho com a sigla SBMRJ, fundada por um
grupo de homens que se reuniam às sextas-feiras para a oração conjunta. Não havia
preocupação com pregação e divulgação da mensagem, o intuito era suprir a necessidade
religiosa da comunidade árabe longe de casa, realizando as orações, casamentos e funerais,
“cujos princípios eram a observância e coerência com o Alcorão.” (SBMRJ15, institucional,
p.1).

Inicialmente a entidade teve como sede, duas salas comerciais de 40 m2, no centro da
cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente na Rua Carlos Gomes Freire, antes desse
aluguel os imigrantes sunitas, compartilhavam do espaço da sociedade beneficente Alauíta16,
no bairro da Tijuca. Mesmo após o aluguel do espaço comercial da SBMRJ, as celebrações
maiores como: o encerramento do Ramadã (‘Eid Al Fitr), a comemoração do aniversário do
profeta Mohamed (Mawlid Al-Nabawi) e festa do sacrifício (‘Eid Al-Adha), continuavam
sendo feitas em conjunto ou na sede da sociedade Alauitá, ou em algum salão alugado para o
evento. (MAMEDES, 2013, p. 57).

Pinto, 2010, escreve sobre a importância das sociedades beneficentes, no contexto


sociológico da população de imigrantes muçulmanos no país, eram espaços de socialização e
integração das famílias, de educação e doutrinação das novas gerações. Servia ainda de local
de encontro de futuros cônjuges, tornando a busca por um parceiro da mesma fé e origem, bem
mais fácil. (PINTO, 2010, p. 206).

15
Site da SBMRJ: http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/institucional, acesso em 14 de novembro 2020.
16
A seita alauíta é um braço do Islã xiita, precisamente dos ismailitas, mas carrega na sua teologia alguma coisa
do cristianismo primitivo (anterior ao concílio de Nicéia) e do zoroastrismo. Consideram-se os verdadeiros
muçulmanos, oram em mesquitas, mas têm também suas orações secretas, que só os poucos iniciados conhecem,
e que são feitas em suas casas. Como os demais muçulmanos, têm o Alcorão como o livro sagrado, mas dão aos
capítulos e versículos interpretações esotéricas. Acreditam na reencarnação. (oloateiro.wordexpress.com, acessado
em 02 de outubro 2020).
28

O cuidado com educação religiosa dos mais jovens e dos convertidos ocupava lugar
relevante no planejamento da SBMRJ, tanto que no ano de 1977, por iniciativa do presidente
Khalil Ayoub, a organização adquire uma escola com o desejo de além do ensino regular, o
antigo primeiro grau, incluir no currículo, introdução a fé islâmica e ensino da língua árabe. O
colégio comprado chamava-se “Plic-ploc” e funcionava no bairro de Parada de Lucas, Zona
Norte da cidade, oficialmente a instituição passou a chamar-se: Centro Educacional Cultural
Islâmico Brasileiro (CECIB), mantendo o nome fantasia. (MAMEDES, 2013, p. 58).

Mesmo com a institucionalização a comunidade muçulmana no Rio de Janeiro não


possuía uma mesquita, isso começa a mudar quando em 1980, um fundo da Arábia Saudita e
Jordânia, envia recursos para a construção do templo. O terreno escolhido ficava no bairro de
Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, na época, Jacarepaguá ficava longe das principais
regiões de trabalho e moradia dos fiéis da cidade, por exemplo, Centro, Copacabana e Tijuca,
isso dificultou a assiduidade dos membros, resultando no fechamento da mesquita em meados
dos anos 1990. (JUNIOR, 2009, p. 90).

Figura 1: Imagem da Mesquita de Jacarepaguá em 1983.


Fonte: Blog FilhadaAlvorada.blogspot. Visitado em 24 de maio de 2020.

A mesquita de Jacarepaguá foi desativada na década de 1990, retornando as atividades


na mussala. Ao conversar com um dos líderes sobre o assunto da mesquita
abandonada, obtive a seguinte resposta: “foi construída por uma pessoa, não foi uma
decisão de toda a comunidade”. (MAMEDES, 2013, p. 56).

O assunto da mesquita abandonada em Jacarepaguá é algo superado internamente,


ficando marcado como um ponto negativo de administrações anteriores, sobre o assunto
(MAMEDES, 2013), conclui: “é a prova de uma gafe, de um dinheiro mal administrado, uma
obra de cunho pessoal e não coletivo.” (idem, 2013, p. 60).
29

A sociedade beneficente, voltou a realizar suas reuniões nas salas do centro da cidade,
e a mudança ocorreu quando um grupo de jovens assume a direção da instituição em 1993.
Esses novos líderes, foram responsáveis por uma modernização na forma de transmitir a
mensagem aos brasileiros que não dominam o idioma árabe, democratizando o acesso e
aumentando assim o número de brasileiros convertidos ao islã. (SBMRJ, institucional, p.1).

Com o crescimento dos convertidos e imigrantes recém chegados, além de aspectos de


insegurança no centro da cidade a noite, a liderança em reunião, decidiu pela busca de um novo
espaço para os encontros, bem como para a sede da SBMRJ. A mudança seria uma revolução
em vários sentidos para os muçulmanos sunitas do Rio de Janeiro, enquanto nas salas
comerciais do bairro da Lapa, a ênfase era na parte social ou “burocrática” e o espaço para culto
era reduzido, na nova mesquita esses dois elementos teriam estruturas definidas e
independentes, embora não isolados. (JUNIOR, 2011, p.74).

Muitas são as entidades que reconhecem a relevância da SBMRJ, na valorização, ajuda


e acolhimento aos imigrantes muçulmanos e brasileiros islamizados. Em uma das visitas
realizadas a sede para confecção deste trabalho, pode-se presenciar in loco o trabalho social
feito pelos membros, com a distribuição de cestas básicas aos participantes mais necessitados.

A SBMRJ é reconhecida pela Liga Islâmica Mundial, pelo Ministério de Awqaf e


Assuntos Religiosos do Kuwait e pelo Ministério de Awqaf e Assuntos Religiosos do
Qatar, sendo referenciada pelas embaixadas da Arábia Saudita, do Kuwait e
dos Emirados Árabes Unidos, e também referenciada pelo Consulado Geral da
República Árabe do Egito no Rio de Janeiro.
A SBMRJ é a única entidade reconhecida pela União Nacional das Entidades
Islâmicas (UNI) e pelo Conselho Superior dos Teólogos e Assuntos Islâmicos do
Brasil como representante da comunidade islâmica no Estado do Rio de Janeiro.
A SBMRJ foi declarada de Utilidade Pública pela Lei 3765 de 3 de junho de 2004,
sendo composta pelos seguintes departamentos: Departamento Educacional,
Departamento Assistencial e Social, Departamento Financeiro e Departamento
Feminino. (SITE DA SBMRJ. http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/institucional, acessado em
05 de outubro 2020).

2.1. Masjid An-Nur - A Mesquita da Luz

A iniciativa de melhorar compreensão da língua árabe e consequentemente a doutrina


islâmica aos novos convertidos, principalmente os brasileiros, como já dito antes, atraiu fiéis e
melhorou a divulgação e visibilidade da SBMRJ. O crescimento advindo das mudanças,
fomentou a ideia da construção de uma nova mesquita na cidade do Rio de Janeiro.

O endereço escolhido e comprado em dezembro de 2005, foi o da Rua Gonzaga Bastos,


n: 77 – no bairro da Tijuca, região já conhecida por ser morada de lideranças muçulmanas.
(CAVALCANTI JR, 2008, p.21). O terreno adquirido tem a metragem de 525 m2, demarcando
30

definitivamente a presença da religião do profeta Maomé na cidade do Rio de Janeiro. Sobre a


expectativa com a construção da mesquita, o texto institucional da SBMRJ diz: “para que ali
fosse construído o novo centro islâmico, a Mesquita da Luz (Masjid An-Nur), a fim de atender
os novos anseios da comunidade muçulmana.” (SBMRJ, institucional, p.1).

O Bairro da Tijuca, tinha uma relação histórica com o islamismo carioca, foi residência
de imigrantes por muito tempo, e era sede da sociedade alauíta, onde inicialmente os membros
da SBMRJ se reuniam, portanto, o sentimento dos sunitas na construção do novo templo era de
retorno às origens. (MAMEDES, 2013, p. 64).

(MAMEDES, 2013), conta em seu trabalho que a escolha do terreno e nome da


mesquita, foram decididos em votação, algo diferente do ocorrido no projeto da primeira
mesquita. Importantíssimo também para demonstrar a vanguarda da SBMRJ, é o fato de que as
mulheres, membros da sociedade, puderam exercer sua vontade através do voto, em igualdade
de condições com os homens. (2013, p. 63).

O recurso para financiamento da obra veio da própria sociedade beneficente, porém,


entidades islâmicas internacionais com sede em outros estados brasileiros também ajudaram,
entre elas destacam-se: o Centro de Divulgação do Islam para a América Latina (CDIAL) e a
Assembleia Mundial da Juventude Islâmica, cuja sigla em inglês é: (WAMY17), as duas com
sede no estado de São Paulo.

De acordo com (CAVALCANTE JR, 2008), a supervisão da obra ficou, por conta de
um engenheiro senegalês e um arquiteto brasileiro convertido, o projeto abarcava, além da sala
principal do templo, os banheiros, salas de aulas, biblioteca, cozinha e uma sala de convivência
que funciona no andar superior. (2008, p.21).

No projeto arquitetônico da nova mesquita, destaca-se a instalação de alto-falantes, nos


minaretes, para o “adhan”, chamado a oração dos muçulmanos. Cavalcante Jr, faz notar uma
curiosidade sobre esse momento, contando que na mesquita da Luz, o chamamento é feito
quatro vezes ao dia e não cinco como na tradição da religião, embora, as cinco preces sejam
mantidas, o motivo é que esse último aviso precederia a oração da madrugada o que obviamente
incomodaria a vizinhança. (IDEM, 2008, p.21).

17
World Assembly of Muslim Youth
31

No decorrer da primeira década dos anos 2000 as obras estavam em ritmo acelerado, os
autores divergem por meses de intervalo de quando teria sido o início do uso das instalações,
(MAMEMDES,2013), afirma que em 2007 já se faziam orações e festas no local,
(CAVALCANTE JR, 2008) e ( JUNIOR, 2011), datam em agosto de 2008 o uso das novas
instalações. Fotos dos autores mostram etapas da obra respectivamente em 2009 e 2013, elas
demonstram que desde a compra do terreno em 2005, mais de oito anos se passaram para que
a construção se aproximasse do final.

Figura 2: Frente da mesquita em Construção ano 2009


Fonte : MAURO JR., 2011, p.77

Figura 3: Frente da mesquita em construção ano 2013.


Fonte: MAMEDES, 2008, p. 65.
32

O exterior da mesquita descrita a seguir, pôde ser vista nas visitas realizadas para
confecção desta pesquisa no ano de 2018 e 2019, a fachada foi revestida de pastilhas brancas,
enquanto as duas torres ou minaretes já concluídas, ficaram com revestimento na cor verde, os
vitrais coloridos das janelas que não apareciam nas fotos anteriores, já estão fixados, e os
banheiros e corredores já se encontravam prontos para o uso dos frequentadores.

Internamente os espaços estavam assim distribuídos, primeiro pavimento: o salão de


orações e os banheiros; segundo pavimento: administração, biblioteca, salas de aula para os
cursos ministrados18 e banheiros; no terceiro pavimento: funciona um salão de confraternização
com sua própria cozinha e salão de audiovisual reversível que pode ser convertido em auditório
e no quarto e último pavimento: a residência do imam.

Figura 4: Frente da Mesquita 2018 - Obras concluídas.


Fonte: Site Tripadvisor

A SBMRJ, traz informativos de suas atividades regulares em seu site oficial, destacam-
se os seguintes eventos: a oração de sexta-feira (salat jum´a) que acontece sempre às 12:30hs,
exceto durante o horário de verão onde o início se dá às 13:00hs, que precedem um almoço
comunitário. Celebrações de casamentos, encontros familiares, projeções de filmes e
documentários sobre o islã, passeios em grupo e acampamentos para jovens muçulmanos, são
atividades de lazer e comemoração promovidos pela mesquita.

18
No site oficial da SBMRJ, são oferecidos os cursos gratuitos de: introdução ao islã e a língua árabe;
esclarecimento de dúvidas sobre o islã e prática de oração; religião e árabe para crianças; memorização do Alcorão.
(SBMRJ, http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/atividades-regulares, acessado em 05 de outubro 2020).
33

Outras atividades de suma importância para a identidade cultural da comunidade


islâmica, são os ritos funerários, compreendendo a lavagem e preparação do corpo, orações
fúnebres e o sepultamento dentro das tradições muçulmanas. A direção da sociedade
beneficente, recebe também interessados em aprender mais sobre o islã, mesmo que não
compartilhem da mesma fé, abre suas portas para visitas escolares, além de apoiar
pesquisadores durante a realização de trabalhos acadêmicos, com material impresso e atenção
total durante as visitas, como foi o caso durante essa pesquisa. (SBMRJ, atividades regulares,
p.1).

Os membros da Mesquita da Luz, tem nacionalidades e culturas muito distintas, alguns


são muçulmanos “desde o nascimento” e outros convertidos depois de outras experiências
religiosas. São imigrantes africanos, vindos de países como: Senegal (um dos maiores grupos e
mais organizados internamente), Guiné, Guiné-Bissau, Angola, Congo e outros. Árabes,
oriundos de: Síria, Líbano e Palestina, sem falar no grande número de brasileiros recém
conversos, o desafio é formar um grupo que mesmo tão diverso, consiga partilhar uma unidade
muçulmana.

(MIRANDA, 2000), esclarece que a identidade cultural, se forma tanto individualmente,


quanto no coletivo, o sujeito se apropria e incorpora elementos do comportamento grupal,
formando uma identidade que não é hereditária, mas formada no “interior de uma
representação” (2000, p. 5). Quem também trata desta formação de uma consciência grupal que
cria laços e fortalece o coletivo, sendo vital principalmente para os imigrantes e suas famílias,
é Cavalcanti Jr:
Assim diferenças étnicas ou nacionais baseadas em diacríticos culturais poderiam ser
“apagadas” construindo um novo pertencimento e realizando práticas supralocais.
Essa construção do Islã fortalece a identidade comum entre os membros da
comunidade religiosa muçulmana da SBMRJ, independente de suas identidades e
tradições culturais, assim como supõe uma identificação universalista com as demais
comunidades muçulmanas que compõem a Ummah (comunidade global do Islã).
(CAVALCANTI JR, 2008, p.18).

O islã, defende uma unidade pautada nas bases de sua fé, um deus, um livro sagrado
(lido em uma língua sagrada), um profeta e em torno destes elementos gravita a exclusividade
de ser muçulmano, para eles, um povo separado na terra. Existe uma conclamação a união,
ainda que nas reuniões homens e mulheres de tantas origens e costumes se concentrem em um
34

mesmo espaço, o árabe os une no momento do rito, porém, falam línguas diferentes, vivem
tradições e momentos particulares em sua caminhada. (MAMEDES, 2013), relata o que
também pôde ser presenciado nas visitas para confecção desta pesquisa, embora, chamados a
estarem juntos, ao fim das orações eles se dividam em grupos: “os africanos(...)se aglomeram
em um determinado espaço da sala; da mesma forma pude perceber que alguns dos árabes
também se juntam em um determinado espaço local e passam a se comunicar em seu
idioma.”(2013, p. 73).

Os Brasileiros convertidos, formam a maioria na mesquita da Luz, porém, são os árabes,


africanos e seus descendentes que normalmente alcançam, as posições de maior prestígio dentro
do grupo, isso não é necessariamente uma regra, no ano de 2007 o corpo administrativo da
SBMRJ contava com árabes, um brasileiro, dois indianos, um cingalês e um senegalês,
demonstrando a visão democrática da administração. (CAVALCANTE JR. 2008, p. 39).

Por ocasião das visitas à mesquita, nos anos de 2018, 2019 e entrevistas em 2020, fomos
recebidos por um brasileiro integrante da administração, que foi importantíssimo para
realização deste trabalho. Fernando Celino é assessor de comunicação da SBMRJ, revertido ao
islã, ele é citado em diversas pesquisas acadêmicas sobre a religião muçulmana no Rio de
Janeiro, pelo conhecimento e habilidade no trato com quem precisa pesquisar sobre a
instituição.

É importante explicar o conceito de “revertido” para os muçulmanos, eles acreditam que


todos nascem submissos a Allah e com o tempo se afastam dele, quando finalmente o
encontram, o que acontece é um “retorno a Deus”, isso se chama reversão. Barbosa Ferreira,
considera um erro chamar de convertidos os que passam a professar a fé islâmica, deixando de
considerar o termo retorno, definindo o fenômeno pela ótica ocidental, para o autor, conversão
é uma expressão mais comum na sociologia da religião ou na antropologia, e quer dizer passar
de uma religião para outra, quem se reverte volta para algo, nesse caso, deus. (BARBOSA
FERREIRA, 2009, p. 2).

A liderança da sociedade está a cargo do presidente Mohamed Zeinhom, egípcio


naturalizado brasileiro e do imam Sheikh Adam Muhammad, de origem moçambicana. Além
destas funções principais, a administração conta com outros importantes setores: secretariado,
departamento financeiro, departamento educacional, departamento feminino, departamento
social e conselho.
35

Falando de brasileiros revertidos, esse processo, obviamente não é uma exclusividade


da mesquita do Rio de Janeiro, no entanto, pode ser observado no decorrer da coleta de dados.
Cavalvante Jr, descreve o ato, como uma mudança de status social, um renascimento, um “rito
individualizado”, ele acrescenta um dado estatístico sobre, as mulheres serem maior parte nas
reversões. (idem, 2008, p. 43).

Segundo um dos frequentadores, é comum que as reversões, aconteçam nas orações de


sexta-feira, pois, existe um fluxo maior de visitantes. Para se converter ao islã o processo é
muito simples, o neófito deve recitar a shahada (testemunho) no árabe: Ashhadu ‘an la ilaha
ila Allah wa ashhadu ‘an Muhammadan rasul Allah (testemunho que não há Deus se não Allah
que Muhammad é seu mensageiro). Após esse momento, um membro da comunidade diz três
vezes: takbir (elevação) e o restante dos presentes respondem Allahu akbar (Deus é maior),
cada vez que a primeira sentença é repetida, ao fim destas etapas, ele(a) é considerado um
muçulmano.

No Brasil, acredita-se que a maior parte dos muçulmanos ainda seja de árabes e seus
descendentes, mas também existem muitos revertidos. Em alguns estados eles são
inclusive maioria, como no Rio de Janeiro, por exemplo: cerca de 70% dos
muçulmanos são brasileiros que abraçaram o Islam, e apenas 30% são imigrantes e
descendentes. (SBMRJ, islã no Brasil, p.4).

A diversidade étnica e cultural fica clara no pós-reunião, os crentes conversam em suas


línguas de origem ou em inglês, além é claro do português que acaba sendo a língua majoritária.
A pluralidade pode ser percebida no modo de cada grupo se vestir, enquanto árabes e brasileiros
vestem roupa casual como jeans e camisetas, os africanos normalmente vestem roupa
tradicional como a Gahfiya ou Gafirah, (pequena touca feita de crochê), e a Kandoora ou
Kandura, Thobe ou Dishdasha, (túnica de manga longa com comprimento até os pés,
tradicionalmente em cores claras).
3 As visitas a Mesquita da Luz

As visitas para confecção desta pesquisa a Masjid An-Nur - A Mesquita da Luz,


ocorreram durante o ano de 2018 e 2019, a primeira dessas deu-se no dia 02 de novembro de
2018, data em que no Brasil se comemora o dia de finados, que coincidentemente, neste ano,
foi em uma sexta-feira, dia das orações sagradas para os frequentadores.

O vislumbre da fachada imponente com seus ladrilhos, vitrais e torres, prepara para uma
realidade diferente dos templos que tradicionalmente se encontra no ocidente, a entrada por um
corredor estreito, logo aponta para uma divisão de acessos laterais, separados para homens e
mulheres. Ainda do lado de fora outras práticas são novidade ao indivíduo que é recém chegado,
o banheiro tem espaço para a ablução19 e os calçados são deixados do lado de fora do salão,
tendo inclusive um escaninho para depósito dos tênis e sapatos, porém muitos ficam mesmo na
soleira da porta principal.

No interior do templo os detalhes são ricos em beleza e cuidado; no chão um novo,


brilhante e impecavelmente limpo carpete de cor azul cobre todo salão, nele linhas horizontais
brancas demarcam o espaço, facilitando a orientação dos participantes no momento das orações
coletivas, que são feitas com todos lado a lado, simbolizando sua unidade e determinação.

As paredes são todas pintadas de branco, nas laterais quase nada é pendurado, salvo um
relógio, os ventiladores e quadros com inscrição em árabe. Na parede principal, que como
manda a tradição está virada na direção da cidade sagrada de Meca, dois quadros redondos com
inscrições em árabe exaltando o nome de Ála, ladeiam o altar central, uma estrutura de madeira
com formato cilíndrico, com um pequeno tapete decorado na frente, ele parece incrustado na
parede e contém um exemplar do Alcorão aberta em seu interior.

O altar completa-se com uma espécie de púlpito, um pouco acima do chão onde repousa
uma cadeira, deste ponto o imam profere orações e sermões, a imagem deste local lembra uma
sacada de uma varanda colonial com janela.

19
Ritual de lavagem e purificação com água, descrito na surata 5:6 “Ó crentes, sempre que vos dispuserdes a
observar a oração, lavai o rosto, as mãos e os antebraços até os cotovelos; esfregai a cabeça, com as mãos
molhadas e lavai os pés até os tornozelos. E, quando estiverdes polutos, higienizai-vos; porém, se estiverdes
enfermos ou em viagem, ou se vierdes de lugar escuso ou tiverdes tocado as mulheres, sem encontrardes água,
servi-vos do tayamum com terra limpa, e esfregai com ela os vossos rostos e mãos. Deus ne deseja impor-vos
carga alguma; porém, se quer purificar-vos e agraciar-vos, e para que Lhe agradeçais.” (ALCORÃO SAGRADO.
Surata 5:6.)
37

Terminam de compor o ambiente interno da mesquita duas pequenas estantes com


livros da doutrina islâmica, banners com orações em árabe, uma mesa com panfletos de
divulgação da religião, o escaninho para calçados e uma mesa no fundo com roupas adequadas
à tradição islâmica para empréstimo as visitantes do sexo feminino, terminam de compor o
ambiente interno da mesquita. Mesmo com essa descrição de tantos itens, o salão é amplo,
arejado e o fato de não ter cadeiras ou bancos o torna bem maior por dentro do que se imagina
por fora.

A primeira das visitas a mesquita aconteceu em um feriado do dia de finados, o imam


aproveitou essa data e contextualizou sua mensagem com data ocidental, falou de morte, vida
eterna, juízo final e morada com deus, todas pautas muito familiares para alguém que reside no
Brasil e que nunca havia entrado em uma mesquita, talvez como uma estratégia de realmente
tornar o ambiente, o mais acessível possível para os não revertidos.

Figura 5: Visão do Templo


Fonte: foto de minha Autoria
38

Figura 6: VISÃO DO ALTAR


Fonte: Foto de minha autoria

Toda celebração da oração sagrada de sexta feira, remete a unidade e ao valor dos
mandamentos do Alcorão. A tarde começa com a chegada dos membros, eles se saúdam com
abraços, beijos e apertos de mão, os que chegam mais cedo iniciam suas orações silenciosas e
individuais, o número de participantes logo aumenta e com a chegada do imam e tem início a
reunião em si. Um dos integrantes posiciona-se de frente para o altar, entoando cânticos em
árabe e em algumas repetições é acompanhado pelo grupo, esse momento é seguido pelo kuthba
(sermão) de sexta-feira, de sua posição no mimbar (púlpito) o líder religioso traz ensinamentos
sobre a doutrina e a fé islâmica, um ponto importante a se considerar nesse momento, é que
todas as vezes que o texto sagrado é lido , ou citações dele são feitas, isso é realizado no idioma
árabe.

O último momento da celebração, é a oração comunitária, realizada com os homens e


as mulheres, que ficam separadas no fundo da mesquita, lado-a-lado, eles realizam suas preces
abaixando e levantando em um ritmo como que ensaiado, perfeitamente coordenado, ora
levando as mão ao rosto, ora erguendo aos céus. A frase mais repetida por eles é Allahu Akbar.

3.1 Entendendo o Ramadã

A fé islâmica possui cinco pilares que representam a ação prática de seus ensinamentos,
“o muçulmano deve praticar os cinco pilares básicos, bem como praticar geralmente boas
ações.” (ARFAJ, 2009, p.25). São eles: 1) Chaháda (testemunho), a confissão de fé que declara
39

ser Allah o único senhor e Maomé seu profeta. 2) Salat (oração), compromisso com as cinco
orações diárias. 3) Zakat (oferta), a doação obrigatória aos mais necessitados. 4) Saum (Jejum)
abstenção de alimentos, bebidas e relações sexuais durante um período determinado. 5) Hajj
(peregrinação), todo muçulmano com condições financeiras, físicas e emocionais deve cumprir
ao menos uma vez na vida, a viagem a cidade sagrada de Meca.

Jejuar é uma prática de fé em várias religiões. Porém, o que difere o saum de outros
tipos de sacrifício e o torna pilar da fé islâmica é o fato dele acontecer em um período específico,
o mês lunar do ramadã. Durante todo o nono mês do calendário islâmico, o fiel não pode comer,
beber ou ter relações sexuais da alvorada ao pôr do sol. Intensificar a caridade e afastar-se de
práticas que desviam sua atenção da elevação espiritual.

Todo muçulmano que já compreende a importância desse sacrifício deve realizá-lo.


(FERREIRA, 2008), explica que, as crianças desde muito cedo já aprendem sobre o jejum,
deixando de fazer uma das refeições diárias ou ficando sem se alimentar até a hora do almoço,
dessa forma já podem ir se acostumando e aprendendo o significado do saum. Existem exceções
quanto a obrigatoriedade do jejum do ramadã, mulheres gravidas ou amamentando, pessoas
doentes, viajantes, ou trabalhadores em funções excessivamente pesadas, podem adiar o ritual
ou realizá-lo de forma adaptada, retirando uma das refeições ou adequando horários as suas
necessidades.

Como obedece ao calendário lunar, o ramadã pode ter 29 ou 30 dias, é comum que seja
impresso um calendário que é entregue nas mesquitas e fixado nos comércios para orientar os
crentes quanto as datas de início, término e as festas do mês. Como aprendemos no site
Iqaraislã20, o primeiro dia do ramadã é marcado pelo aparecimento da lua nova, que para os
adeptos mais tradicionais deve ser vista no céu para que seja oficial, com as novas tecnologias
muitos seguidores já usam de cálculos e fotos de satélites para decretar o começo do jejum,
ainda que a lua não seja visível.

As refeições diárias acontecem em duas ocasiões, o su-hoor, refeição que seria o


equivalente ao café da manhã, servida antes do alvorecer, deve ser bem reforçada para alimentar
o praticante durante todo o dia, em países de maioria islâmica é comum que homens (messaher)
passem nas portas anunciando o momento do su-hoor. No fim do dia acontece o iftar
(desjejum), momento de reunir a família em celebração, amigos mesmo que de outra religião

20
PORTAL IQARAISLAM. < https://iqaraislam.com/ramadan> acesso em 02 de novembro 2020.
40

são convidados e, segundo o site de cultura árabe Arabesq.com, as redes de televisão de países
de cultura predominante muçulmana, separam esses horários para exibirem seus melhores
programas e as telenovelas mais aguardadas, aproveitando toda a família em casa, o que
obviamente gera grande audiência. (ARABESQ, 202021).

No dia em que a lua nova volta a surgir no céu, o ramadã chega a seu fim, e começa o
mês shawwal, o primeiro dia desse novo mês faz parte de um grande feriado que celebra o fim
do ramadã, o eid al fitr, nesse dia é comum que as famílias façam grandes mesas com
alimentação farta, troquem presentes e repartam comidas e lembranças entre amigos e
principalmente para os mais necessitados.

3.2 A segunda visita

O ramadã no ano de 2019 teve seu início em 06 de maio e se encerrou no dia 04 de


junho. A segunda visita a Mesquita da Luz, aconteceu no dia 14 de maio 2019, o horário de
chegada foi por volta das quinze horas, um pouco antes da quarta oração, que precede a quebra
diária do jejum.

Alguns membros já se encontravam no local e conversavam no espaço, outros foram


chegando e realizando o ritual de ablução e de retirada dos sapatos. Em pouco tempo a mesquita
estava praticamente lotada, com um público bem maior que o presenciado na última visita,
embora, essa tenha ocorrido em uma sexta feira de orações, demonstrando a importância dos
dias do jejum sagrado. Cada um dos que iam chegando cumprimentava os presentes, inclusive
eu, em árabe dizendo, Assalamu Alaikum (paz esteja convosco), e como resposta ouviam
Alaikum Assalam (e sobre vós a paz).

Fui recebido pelo assessor de comunicação e membro da comunidade Fernando Celino.


Posicionei-me em uma cadeira bem no meio do salão, onde podia ver toda a área comum. Bem
em frente a porta, pude presenciar a chegada de alguns membros apressados minutos antes do
início da oração, em um espaço muito cheio, quase não havia mais lugar para os que chegavam
atrasados.

Antes da abertura, um dos homens pediu para que todos os celulares fossem desligados
e que fosse feito silêncio. Um dos membros levantou-se e entoou cânticos no idioma árabe,

21
(ARABESQ).
<http://www.arabesq.com.br/Principal/Islamismo/IslamismoArticle/tabid/175/ArticleID/1392/Default.aspx>
acessado em 01 de novembro 2020).
41

todos estavam voltados para o altar, essa posição indica a direção de Meca, cidade sagrada para
os muçulmanos.

O próximo passo da reunião foi o sermão proferido pelo imam, ao contrário da última
reunião em que o líder esteve falando da posição mais alta do altar, nesta noite ele estava no
mesmo nível que os outros participantes. Sua mensagem convocava os presentes, a não apenas
cumprirem uma tradição quando jejuassem no ramadã, e sim viver o sacrifício de forma plena,
segundo ele, o bom muçulmano é aquele que baseia sua vida nos ensinamentos do Alcorão
revelada ao profeta Maomé, e nas sunas.

As orações coletivas ocorrem logo após o término do sermão, o imam e todos os


participantes ficam lado a lado, as linhas brancas no tapete servem de guia para um perfeito
alinhamento de todos. Eles realizam uma sequência de movimentos onde se agacham, se
curvam totalmente ao chão e se levantam simultaneamente algumas vezes, enquanto recitam
palavras de adoração a deus. Esse modelo de oração é igual em qualquer mesquita do mundo,
é o que me relatou Fernando Celino.

3.2.2 As mulheres e crianças

Logo na chegada a mesquita homens e mulheres seguem corredores separados, que dão
acesso respectivamente a frente e aos fundos do templo, a linha que divide esses dois espaços
é imaginária, porém, respeitada. As mulheres permanecem durante toda a reunião no fundo da
mesquita, e junto a elas as meninas e visitantes mulheres também ficam separadas. Todas usam
vestido ou saia e blusa e véu, é possível perceber alguma diferença nos estilos das vestimentas
dependendo da origem de cada uma, por exemplo, as muçulmanas que são imigrantes da África
ou descendentes de árabes, usam uma espécie de véu que cobre bem mais o rosto, enquanto as
brasileiras cobrem apenas a cabeça.

As mulheres participam de todas as etapas da celebração da mesma forma que os


homens, ouvem os cânticos e o sermão sentadas no chão e fazem todos os movimentos da
oração comunitária. A comunicação entre homens e mulheres, que não são casados, é muito
restrita, eles devem falar absolutamente o necessário, fui orientado que inclusive olhar na
direção das mulheres no fundo do salão, não é algo correto a se fazer, é sinal de desrespeito
com o marido ou o pai.

Os meninos ficam toda a reunião com os homens e já são instruídos a fazer as orações
como os demais e demonstram total reverência pelo espaço sagrado. Uma curiosidade é que as
42

crianças mais novas de ambos os sexos, aparentando menos de cinco anos de idade, são os
únicos que circulam entre a frente e o fundo da mesquita sem restrições.

No final da reunião uma das mulheres fica responsável por organizar uma espécie de
balcão onde são expostos livros e panfletos sobre o islã, um homem é que assume a função de
dar explicações e indicar o melhor material para os novos revertidos ou visitantes curiosos da
cultura e doutrina.

3.2.3 As refeições

O muçulmano que pratica o jejum diz sentir-se fortalecido, abstendo-se de comer ele
agradece o fato de sempre ter comida, e ainda sente o que muitos desafortunados sentem o ano
inteiro.

Um dos momentos mais forte do cotidiano de um jejuante é à noite durante a oração


que antecede e sucede a quebra de jejum. Durante a performance da oração na
mesquita os fiéis se sentem ainda mais fortalecidos por terem cumprido mais um dia
de jejum. (FERREIRA, 2008, p.5)

Ao final de um dia de jejum, o praticante deve logo alimentar-se e na Mesquita da Luz


potes de tâmaras, frutas secas e creme de leite, além de bandejas com copos de água e leite, são
compartilhados por todos os presentes enquanto ainda trocam abraços pelo fim da oração. Aos
poucos cada um se servia de uma porção desses petiscos, que também são oferecidos aos
visitantes. Um dos membros fica encarregado de repor os itens sempre que eles estão acabando,
até que todos tenham se alimentado. As mulheres têm seu mix de alimentos separados no
mesmo local onde estavam durante a oração.

De acordo com o site Iqaraislam22, esse momento de quebra imediata do jejum pode ser
com uma ou duas tâmaras ou até mesmo um copo de água. Essa é uma instrução da suna, que
é usada principalmente pelo fato de que muitos estão longe de casa quando sol se põe, em seus
trabalhos ou na mesquita, e não devem esperar até o jantar para poder se alimentar, isso não
seria saudável.

Logo após esse desjejum, fui convidado ao jantar servido em um dos pisos superiores
da mesquita, ao subir as escadas um amplo salão se apresenta, paredes e piso brancos, com
mesas de quatro lugares espalhados por todo espaço, podendo atender um grande número de

22
IQARAISLAM, acessado em 02 de novembro de 2020). https://iqaraislam.com/ramadan
43

convidados. Na lateral do salão há uma cozinha, que funciona de apoio para o serviço das
refeições, logo em frente um balcão no estilo dos restaurantes self-service.

Todo o serviço das refeições é feito pelas mulheres, exceto o de servir os pratos no
balcão self-service, um dos homens do grupo pergunta o que cada pessoa deseja e assim serve
os pratos. O cardápio do jantar foi: arroz, salada de alface e tomate, batata palha, cuscuz
marroquino e frango, havia também a opção por uma sopa de legumes de entrada, como
sobremesa foi servido gelatina e as mulheres entregavam no balcão suco e água.

Durante o jantar, os casais se sentam juntos, os participantes circulam entre as mesas e


se confraternizam. Alguns ficam sentados em um tablado montado no salão que aparenta ser
usado em palestras e apresentações, eles seguram seus pratos na mão, parece ser uma opção
para permanecerem todos de um mesmo grupo juntos, o que não seria possível em mesa de
quatro lugares. Todas as crianças ficam livres pelo ambiente em uma demonstração de que o
grupo celebra mais um dia vencido em união e harmonia.

Figura 7 Mesa da quebra imediata do jejum


Fonte: Foto de minha autoria

3.3 Eid al Fitr

O calendário do islã não é cheio de grandes datas comemorativas como o cristão, suas
principais comemorações são, o Eid al moulid, que relembra o nascimento do profeta Maomé,
o Eid al kebir, que celebra a disposição de Abraão em entregar seu filho a deus, ela coincide
com o fim da peregrinação a Meca; nesse dia cada família deve sacrificar um carneiro e a carne
44

deve ser comida entre todos os membros e distribuída aos amigos e aos necessitados,
informações obtidas no site Dobrar Fronteiras23.

E por último, e não menos importante, o Eid al fitr festa de encerramento do ramadã, é
comum que nessa data os muçulmanos realizem festas, visitem amigos e troquem presentes, as
crianças recebem roupas novas e brinquedos , as casas e mesquitas são enfeitadas e todos
vestem a melhor roupa que tem.

Na Mesquita da Luz, a confraternização de encerramento do mês sagrado do jejum no


ano de 2019, aconteceu no dia 04 de junho, atingindo quase sua lotação máxima, muçulmanos
da cidade do Rio de Janeiro e de várias partes do estado estavam reunidos, para celebração do
fim do mês das privações, que na sua crença os aproxima intimamente de deus.

Membros de outras religiões são convidados para as festividades, buscando uma


interação e melhor relacionamento, segundo Fernando Celino. É importante explicar que
diferente de outras comemorações realizadas a noite, o Eid al fitr é celebrado pela manhã e a
primeira refeição é partilhada pelos fiéis.

Enquanto os participantes chegavam, pude perceber que muitos deles traziam alimentos
não perecíveis em sacolas plásticas e iam depositando em uma mesa. Essa é uma condição para
os muçulmanos com condições financeiras participarem da oração de encerramento. Essa
chama-se zakat al-fitr, e consiste de uma oferta especial aos necessitados. Segundo o
mandamento islâmico, essa oferta deve ser calculada multiplicando o número de membros da
família do ofertante multiplicado por 2,3 kg de alimento, o resultado da multiplicação é o peso
que dever ter a doação.

Após uma reunião de oração e de ações de graças a Allah, a qual, apesar das semelhanças
com as outras já apresentadas, diferencia-se principalmente pelas palavras do líder. Palavras
que foram de agradecimento pela tarefa cumprida e incentivo a manter a disciplina e amor ao
próximo que até aqui foram praticados. Na sequência, são incentivados a manter esse
comportamento durante todo o ano seguinte até o próximo ramadã. Fomos todos juntos ao andar
superior para a festa preparada pela equipe da mesquita.

23
SITE DOBRAR FRONTEIRAS. https://dobrarfronteiras.com/calendario-festas-islamiceid-al-moulidas-
tabaski-ramadao-eid-al-moulid-eid-al-fitr/ , acessado em 31 de outubro de 2020.
45

No salão de festas e palestras da mesquita, o ambiente estava decorado com fitas


coloridas, enfeites pendurados com desenhos de luas e estrelas, na ponta de cada uma dessas
fitas lanternas de papel, simbolizando as tradicionais lanternas islâmicas. Vasos de kalonchoê,
também conhecida como flor da fortuna, e fitas coloridas estavam espalhados por todo o espaço,
enfeitando mesas e balcões.

Na porta de entrada do salão de eventos cortado em letras de material emborrachado


colorido, e no teto da cozinha em bandeirolas pretas com letras douradas, estava escrita a frase
Eid Mubarak (festa ou festival abençoado), esse termo segundo os adeptos é usado como
saudação no dia de Eid al fitr.

Os alimentos da festa de encerramento do ramadã, merecem uma descrição detalhada,


são quatro mesas quadradas abastecidas com frutas: melancias, abacaxis, maçãs, morangos,
goiabas, bananas, figos e ameixas, todos cortados ou descascados, compondo belas decorações
nas bandejas.

Em uma mesa de vidro no centro do salão, havia um bolo confeitado, como os de


aniversário, com pêssegos e kiwi em cima do glacê, ele seria repartido entre os presentes depois
da refeição. Em duas grandes mesas de cerca de cinco metros cada, com toalhas de t.n.t. na cor
vermelha, estão dispostos os itens do grande café da manhã: bolos de vários sabores,
sanduiches, pães árabes, canapés de queijo com tomate, tortas salgadas.

Figura 8: Visão do salão no Eid al fitr


Fonte: Facebook,: página da SBMRJ.
46

Uma das características da qual orgulham-se os membros da mesquita, é que todos os


alimentos servidos seguem as regras de produção Halal24, que são práticas obrigatórias a
comida muçulmana, principalmente, no que diz respeito ao abate dos animais, lembrando que
carne suína e bebidas alcoólicas são totalmente proibidas.

Totalmente integrandos e vivendo uma festividade que valoriza suas tradições,


satisfeitos por terem cumprido, outra vez, as ordenanças do profeta. Os participantes encerram
a comemoração, desejando estarem juntos novamente do ramadã 2020, repetindo uma das
frases que mais dizem, que remete a sua total submissão a deus: até o próximo Eid al fitr, se
Allah assim permitir.

24
Segundo o site do Instituto da cultura Árabe, para ser considerado alimento halal, o frango e gado devem ser
abatidos com faca extremamente afiada para uma morte indolor, o animal deve estar virado para Meca, abatido
por muçulmano, que antes pede autorização a Allah e agradece a carne do animal. Peixes são considerados
sempre halal, pois, saem vivos do mar ou rio. (Site Icarabe.org. < https://icarabe.org/geral/voce-sabe-o-que-e-
alimento-halal> acesso em 05 de novembro 2020.
4 Conclusão

Em toda a elaboração deste trabalho as leituras revelaram um islã que desde a sua
fundação superou obstáculos para estabelecer-se no mundo. Não foi diferente no Estado do Rio
de Janeiro, que recebeu os primeiros seguidores da religião revelada a Maomé. Oriundos da
África, foram recebidos com desconfiança, preconceito e curiosidade.

Em muitos casos é difícil encontrar registros do islã antes do século XX, sem que ele
esteja comparado ou associado ao culto das religiões de matriz africana, desvendando a
necessidade da pesquisa de quem é esse muçulmano do Rio de Janeiro. É possível encontrar
como vimos durante a leitura, relatos de líderes na tentativa da inclusão de personagens
muçulmanos em momentos marcantes da história do Brasil, como nas caravelas de Pedro
Alvares Cabral ou na construção do Quilombo dos Palmares.

O Brasil foi destino de muitos imigrantes árabes, que ajudaram a formar nossa cultura,
no entanto, quando o assunto era proselitismo de sua fé, esses homens e mulheres trabalhadores
e empreendedores agiram de forma mais tímida. “Esse islã de terra natal, não teve a pretensão
de conquistar novos adeptos: inicialmente, os imigrantes buscaram uma interação com outros
imigrantes e começaram a praticar a fé para recordarem sua terra.” (MAMEDES, 2003, p.111).

Não pregar sua crença como forma de angariar crentes, pode ser um dos motivos do
número pequeno de indivíduos declaradamente muçulmanos no país. Essa realidade tem se
alterado nos últimos anos com a conversão de brasileiros e o número grande de imigrantes de
diversas regiões do mundo que chegam ao Brasil. Um dos pontos de entrada desses imigrantes
é o Rio de Janeiro, em sua capital está a única mesquita de todo o estado, a Mesquita da Luz.

No decorrer da confecção deste trabalho, investigou-se a história da fundação da


SBMRJ e posterior construção da mesquita. Além disso, através de visitas realizadas ao templo
em dias festivos para a religião, foi possível apreender alguns detalhes sobre o ethos da
comunidade islâmica fluminense, bem como suas experiências e tradições puderam ser
analisadas de perto. Aspectos que não podem ser identificados sem o convívio puderam ser
estudados e resumidos neste texto.

Um dos objetivos desta pesquisa foi perceber as diferenças e similitudes, os equívocos


e acertos, que permeiam nosso contato com a religião muçulmana. Como diz Leonardo Boff,
48

falando sobre fundamentalismos religiosos: “Se não houver uma reconstrução das relações para
que sejam mais justas, igualitária e includentes, seremos condenados a conviver com conflitos
e guerras.” (BOFF, 2009, p.82).

Os muçulmanos são encarados no senso comum, como um grupo totalmente


homogêneo, que reage e interage da mesma forma em qualquer lugar. Estando todos sobre a
mesma regra de conduta, os ensinamentos deixados pelo profeta, seriam então não só submissos
ao islã, mas, desprovidos da individualidade que é característica de sua cultura natal, ou de suas
heranças familiares e tribais.

No breve convívio com os frequentadores da Mesquita da Luz, o que é facilmente


percebido é, que essa ideia está longe de ser fato. Os muçulmanos reunidos no templo da zona
norte do Rio de Janeiro, cultuam de forma coesa seu deus, porém, demonstram suas
particularidades de maneira clara e espontânea.

A heterogenia do grupo presente nas celebrações durante as visitas, começa pela gama
de nacionalidades representadas no salão. Árabes que não estão restritos a Sírios e Libaneses,
terras que mais enviaram imigrantes ao Brasil, ali congregam juntos homens e mulheres
nascidos ou descendentes de países como: Iraque, Palestina, Emirados Árabes Unidos e
Turquia. O continente Africano soma outras pátrias a essa efervescência cultural: Nigéria,
Congo, Uganda, Marrocos, Egito, Líbia, Senegal e Etiópia. Brasileiros, imigrantes da Ásia e da
própria América do Sul, como um argentino revertido ao islã que estava presente na celebração
de encerramento do ramadã, completam a pluralidade de línguas e costumes da Mesquita.

A diversidade do grupo não pode ser medida apenas indicando que são de países
diferentes. As roupas demonstram como cada grupo preserva sua identidade, os árabes como
os brasileiros usam roupas casuais, acrescentando no máximo uma cobertura como um gorro.
Os africanos usam vestes mais tradicionais como a túnica enfeitada com adornos dourados. Os
muçulmanos da África normalmente têm o rosto barbeado, enquanto a maioria dos imigrantes
do oriente médio ou seus descendentes usam barba, a não ser, que por problemas na pele isso
seja desaconselhável.

A diversidade compõe uma comunidade saudável e vibrante, grupos conversam,


alimentam-se, e festejam separados, no entanto, sua unidade é percebida no momento das
49

orações onde todos formam um único bloco de braços dados. Estudando a Mesquita da Luz,
esse trabalho pretendeu encontrar similitudes e conhecer melhor as diferenças entre a cultura
muçulmana e a ocidental. Estudando a primeira dentro de uma capital como o Rio de Janeiro,
é notório o quanto o diálogo inter-religioso é vital para nossa convivência pacífica e
harmoniosa, respeitando as diferenças e exaltando o que há de comum entre essas realidades.
50

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