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Monografia - Islã - Finalizado-Enviar
Monografia - Islã - Finalizado-Enviar
RIO DE JANEIRO
2020
Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO
2020
Soares, Wendel dos Reis. “A Mesquita Solitária”: um estudo de caso sobre os muçulmanos
no Rio de Janeiro (1951 - 2019). Rio de Janeiro: FSB/RJ, 2020.
53 páginas numeradas.
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Prof. Doutor em História Social orientador Eduardo Cardoso Daflon
________________________________________________________
Prof. Ms. D. Anselmo Nemoyane Ribeiro
Research on the Mosque of Light, the only temple of the Muslim faith in the state of
Rio de Janeiro, with the celebration of Ramadan as a backdrop, a sacred fast for the
faithful. Brief account of the foundation of the Islamic religion, through the revelation
to its prophet Muhammad. Beginning of the investigation of the history of Islam in the
city of Rio de Janeiro, since its arrival in the country, and paths that brought the first
Muslims as slaves to the city. Description of the arrival of Arab immigrants between
the end of the 19th century and the beginning of the 20th century. Case study carried
out on visits to the mosque, describing the stages of the celebration of a sacred prayer
on Friday, in November 2018, and two visits in 2019: the first on one of the Ramadan
days, witnessing and participating in the “break ”Of the fast, and the last on the closing
day of the annual sacrifice, with the prayer of the end of Ramadan and the feast of Eid
al fitr.
Introdução ................................................................................................................................. 10
2 A SBMRJ .............................................................................................................................. 14
2.1. Masjid An-Nur - A Mesquita da Luz ................................................................................. 29
4 Conclusão .............................................................................................................................. 37
Referências................................................................................................................................50
Introdução
As três maiores religiões monoteístas do mundo, afirmam cultuar o mesmo deus, não é
de se admirar que existam, como sempre existiram, embates e desacordos entre elas. Judeus,
cristãos e muçulmanos, acreditam em acontecimentos idênticos e divergem, ora no nome do
personagem, ora no poder a ele atribuído. As narrativas de cada uma das confissões, tem pontos
em comum e discordantes, um exemplo é Abraão: patriarca para os judeus, pai na fé dos
cristãos, para muçulmanos, no entanto, ele é o primeiro deles, o primeiro submisso. “Abraão
jamais foi judeu nem cristão; foi, outrossim, monoteísta, muçulmano, e nunca se contou entre
os idólatras.” (Alcorão sagrado, surata 3:67).
1
Termo usado noventa vezes no Alcorão, segundo (SONN, 2011). Significa a verdadeira religião, revelada pelo
único deus. Os seguidores do monoteísmo portanto estariam sobre a mesma din.
2
Optou-se nesse trabalho pelo uso do nome de deus em árabe, por ser considerado sagrado pelos muçulmanos.
11
Leonardo Boff, lança a pergunta que inspira parte deste trabalho, que busca a
compreensão da fé do outro: “inauguramos uma guerra de fundamentalismos?” (2016, p.7).
Grupos extremistas de todos os lados, inflamam a discussão, que retroalimenta o terror e recria
inimigos, que já se enfrentaram no passado. Boff afirma que somente com a paz entre as
religiões, será possível caminhar ao encontro da paz mundial. O convívio pacífico, é uma
possibilidade quando os preconceitos são desfeitos através do conhecimento e respeito mútuo.
Nos meados de 2004, Tamara Sonn afirmava que os muçulmanos somavam um quinto
da população mundial, hoje as pesquisas apontam mais de 1,7 bilhão de adeptos, (2004, p.17).
A sequência de profetas, iniciada com Adão, Noé, Abraão, Jesus e outros, termina em Maomé,
forma aportuguesada de Muhammad, ele seria o destinatário da última revelação, o derradeiro
de outros que formaram uma cadeia de profetas antes dele, “uma revelação que completava
aquelas que haviam sido anteriormente feitas a profetas ou mensageiros de deus, e criava uma
nova religião, o islã, distinta do judaísmo e do cristianismo.” (HOURANI, 1994 p.34).
De acordo com (KAMEL, 2007), Maomé, nasceu em Meca por volta do ano 570, e era
descendente direto de Abraão, através de seu filho Ismael, tornou-se órfão muito cedo e foi
criado por seu tio Abu Talib. Casado com Khadija, uma viúva e comerciante de Meca, de quem
foi antes empregado, era pai de seis filhos, porém, os dois herdeiros homens morreram, e
somente suas filhas sobreviveram.
Por volta dos 40 anos, (em 610 dc.), cada vez mais reflexivo e passando por longos
períodos de isolamento e meditação, o profeta, conforme conta Samir El Hayek, na introdução
da interpretação do Alcorão Sagrado em português, recebe a visita do anjo Gabriel, que lhe
entrega pela primeira vez a revelação do que seria a palavra de deus, continuando a dita-la
durante 23 anos, dando forma ao Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos. O profeta, recebe
de forma milagrosa o texto sagrado dos muçulmanos, recebe também a habilidade de ler e
escrever, ele era analfabeto, em uma das suratas assim está registrado: “Lê, em nome do teu
Senhor que o criou; Criou o homem de algo que se agarra (coágulo). Lê, que teu Senhor é o
mais generoso, que ensinou através da pena, ensinou ao homem o que este não sabia.” (Alcorão
Sagrado, Sura 96:1-5).3
Como explica (PALLAZO, 2014), as informações que temos sobre a história de Maomé
são tardias, escritas cerca de dois séculos depois de sua morte. Em suma, temos três principais
fontes de consulta sobre esse período: os escritos do cronista Muhammad bin Jarir al-Tabari,
datada do início do século X, o Alcorão sagrado e os hadith4.
3
Essa foi a primeira Sura revelada ao profeta.
4
Compilado de ensinamentos e frases do profeta Muhammad, coletados por seus companheiros e alunos, que
explicam e interpretam o Alcorão. Significa literalmente ditos do profeta. Site: Centro cultural islâmico da
Bahia. https://www.ccib.org.br/alcoraosagrado.htm, acessado em 01 de outubro 2020.
14
(ARMSTRONG, 1994), em sua obra: “Uma história de Deus”, relata que Maomé
apresentou aos árabes uma nova espiritualidade que de certa forma se adaptou às suas tradições
pré-existentes. Um dos momentos mais marcantes na história do islã, acontece durante o
período de exílio (hégira) em Medina, a ascensão mi´raj, os fiéis islâmicos acreditam que
Maomé foi elevado ao paraíso e lá conheceu, Adão, Jesus, João, Enoque, Arão e Moisés. Essa
milagrosa viagem teria acontecido, segundo os relatos mais aceitos entre a comunidade
muçulmana, quando o profeta teve o peito aberto pelo anjo Gabriel, sendo por ele purificado e
posteriormente transportado em um cavalo alado. O destino da viagem, ou o ponto de partida
para o paraíso, foi a cidade de Jerusalém, exatamente onde hoje está a mesquita do domo da
rocha.
Esse acontecimento, iniciou uma disputa que dura até hoje, com consequências não só
religiosas, mas também políticas, desencadeando conflitos sangrentos, pois, o mesmo local é
considerado sagrado pelas três maiores religiões do mundo. Maomé foi assunto aos céus, no
mesmo terreno onde antes estava o templo de Salomão, local sagrado para judeus e
posteriormente para cristãos.
Alguns exegetas muçulmanos interpretam essa viagem como um sonho sagrado, mas
a maioria acredita que ela teve mesmo uma existência concreta. No Alcorão existem
menções indiretas a essa viagem e pelo menos uma referência direta. (KAMEL. 2007,
p.68).
com os anciãos de Meca, destruindo os ídolos e convertendo a cidade ao islã. O site da SBMRJ5,
ao contar essa história, ressalta que, após a retomada da cidade ele reuniu o povo vencido,
lembrou-lhes os tempos de perseguição religiosa, os bens daqueles que migraram para Medina
que foram confiscados injustamente, as batalhas e hostilidade por vinte anos, não escravizando
ou punindo os derrotados, ganhando assim a admiração de todos.
Maomé faleceu após um breve período doente em 632, deixando o povo órfão de seu
líder, segundo (SOON, 2011), um de seus discípulos mais queridos Abu Bakr, que acabou sendo
o primeiro califa, preocupou-se em reforçar a mensagem na mente dos fiéis, ressaltando que o
profeta podia estar morto, mas deus não. A pregação precisava sobreviver através dos crentes.
Abu Bakr, em um de seus discursos ao povo, relembra uma ayat6 escrita quando se acreditava
que o mensageiro de Allah estava morto, por ter sido ferido em batalha:
A sucessão do profeta é o ponto inicial de uma discórdia, que dura até hoje. Em torno
de Maomé e de seu sobrinho Ali, quase houve uma unanimidade, porém, após sua partida,
decidir quem o substituiria na liderança do islã em poucos anos promoveu um cisma na religião.
“A divisão entre sunismo e xiismo remonta aos primórdios do Islão7 tendo resultado de
divergências quanto à sucessão legítima (califado) do profeta.” (BARATA, 2007).
5
Site SBMRJ: http://sbmrj.org.br/historia/profeta-muhammad/biografia/a-migracao-para-medina-hegira,
acessado em 01 de outubro 2020.
6
Ayat (verso), menor divisão dos textos do Alcorão
7
Grafia de islã no português europeu.
16
sobrinho do profeta seria, portanto, uma unanimidade pensando nos homens dignos da sucessão
do profeta.
Os sunitas acusam xiitas de politeístas, pois, adorariam a figura de Ali, cultuariam santos
e mártires, o que claro, é rechaçado veementemente pelos acusados. Sunitas ultra ortodoxos,
consideram-se impuros precisando lavar novamente as mãos, se antes das orações apertarem a
mão de um xiita. (Idem, 2007, p. 103).
Hoje em dia, os sunitas são quase 90% do total de crentes do islã, a mesquita do Rio de
Janeiro, que estudaremos posteriormente, é um exemplo disso, porém, ainda que sejam 10%
dos muçulmanos no mundo, os xiitas são maioria em países estratégicos para o contexto político
árabe:
Os xiitas são maioritários no Irão (90% do total da população), no Iraque (65%), no
Azerbaijão (75%) e no Bahrein (75%); são a comunidade mais numerosa no Líbano
(45%) onde se prevê que venham a ser a maioria dentro de 20 anos; e são comunidades
importantes e cada vez mais politizadas no Paquistão (20%), no Afeganistão (19%),
no Kuwait (30%), no Qatar (16%), na Arábia Saudita (10%) e nos EAU (6%). Têm
ainda uma presença residual na Índia, no Tajiquistão, na África austral e na Síria.
(BARATA, 2007, p. 2).
A força militar dos exércitos fiéis à mensagem e ambição dos califas, não foi o único
motivo do crescimento da nova religião, estrategicamente as tropas marcharam sobre as
pegadas das incursões persas, os habitantes de várias dessas regiões preferiam os muçulmanos
aos persas, tidos como violentos e opressores, como relata (BLAINEY, 2012). Em apenas três
anos depois da morte do profeta, cidades importantes e icônicas como: Damasco, Jerusalém e
Beirute, já haviam se rendido. Jerusalém, inclusive, permaneceria sob poder muçulmano
durante onze dos treze séculos seguintes, sendo retomada e perdida novamente pelos cristãos
posteriormente.
Entre os anos de 630 até 675, Antioquia, o porto de Basra (Golfo pérsico), quase a
totalidade do território egípcio, e boa parte do extenso litoral do norte da África, já haviam sido
tomados, a perda dessas regiões foi devastadora para o cristianismo, ali florescia muito da
teologia da época, em cidades como Alexandria, Hipona e Cartago. Essa vitorias, abriram a
porta para uma das maiores metas dos exércitos islâmicos, o triunfo sobre Constantinopla.
Gibraltar, a porta de entrada para o continente europeu caiu em 711. Os muçulmanos só seriam
impedidos posteriormente pelos Francos.
Um ponto destacado por autores como: (COSTA OLIVEIRA, 2018) e (SONN, 2011),
é que havia uma mudança de postura após os exércitos dos califas tomarem os territórios
inimigos. Nenhum desses autores nega a violência e trauma desses eventos para os dominados,
porém, uma vez vencidos, os moradores em grande parte cristãos e judeus, recebiam liberdade
de culto, eram tratados como comunidade protegida ou (dhimma). Os cristãos não eram
pressionados a converterem-se ao islã, embora fossem instruídos na nova cultura, eles usavam
roupas diferentes e pagavam o “jyzia”, um tributo exclusivo deles.
A expansão dos domínios islâmicos, passa pelas conquistas nos campos de batalha, e
pela habilidade no trato com os povos conquistados. Os vencidos na sequência eram inseridos
na comunidade muçulmana com status de protegidos. (HOURANI, 1994), conta de líderes
cristãos, que no califado abássida, tinham a permissão de exercer funções públicas, como
supervisão em serviços sociais e tribunais.
e se um deles se convertesse ao islã, nunca poderia voltar a religião antiga, sob risco de morte.
As maiores igrejas da época foram remodeladas em mesquitas, e toda arte sacra destruída, era
permitido, em certos casos, a construção de novas igrejas desde que não ultrapassasse em altura
a mesquita mais próxima. Por volta do ano 800 os muçulmanos já governavam sobre mais da
metade dos cristãos do mundo.
Hoje existem cerca de 100 instituições islâmicas espalhadas pelo Brasil, nelas 35.167
muçulmanos se reúnem, segundo o censo (2010), segundo estimativas feitas pelos muçulmanos
o número de adeptos em terras brasileiras seria bem maior. A maior parte desses fiéis está
concentrada no sul e sudeste, principalmente em São Paulo, que tem treze mesquitas só na
capital, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, também apresentam um bom número de
adeptos, a cidade de Foz do Iguaçu no Paraná, possuí uma mesquita suntuosa que é inclusive
ponto turístico local. (SBMRJ, Islã no Brasil, p.1)
Segundo entrevista com o professor Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto8, publicado no site
da SBMRJ9, a chegada dos muçulmanos ao Brasil pode se dividir em três fases: 1) O relato
histórico, embora, com pouca comprovação, de árabes que acompanhavam os descobridores e
suas caravelas na nova terra. 2) A chegada dos escravos muçulmanos ao Brasil, traficados nos
navios negreiros. 3) A imigração de cidadãos árabes para o país, principalmente durante a
Primeira Guerra Mundial. (idem, p.1)
Omitida em muitos estudos sobre a população que formou nosso país, a presença de
muçulmanos no Brasil, remonta ao período imperial. O Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi,
em palestra para congresso na cidade de Sevilha no ano de 2003 10, afirma que os primeiros
muçulmanos a desembarcarem no Brasil, eram integrantes da comitiva de Pedro Alvares
Cabral, o sheik dá nome a esses pioneiros, eles seriam: Chuhabidin Bin Májid e o navegador
Mussa Bin Sáte, afirma ainda que com o início da colonização outros muçulmanos de origem
europeia chegaram a terras brasileiras. O líder religioso ainda cita um construtor de
fortificações chamado Karim Ibn Ali Saifudin, considerado um dos arquitetos do quilombo dos
palmares.
8
professor do PPGA/UFF e diretor do Núcleo de Estudos do Oriente Médio – UFF
9
Site da SBMRJ: http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil, acessado em 05 de outubro 2020.
10
Palestra do Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi, para o Congresso "El Islam em las dos Orillas" – Sevilha
2003
19
Castro e Vilela, afirmam citando o religioso: “O esforço empreendido pelo Sheikh, revela
uma clara estratégia de criação de um lugar para o islã na história deste país, apresentando-o
como uma religião tão antiga em solo nacional quanto o cristianismo”, (2019, p.2). As autoras,
acrescentam que essa inserção dos muçulmanos não teria sido suficiente para estabelecer a
continuidade de suas práticas, falando sobre o mesmo assunto, o texto do Sheikh Al-Jerrahi,
afirma que, esses primeiros indivíduos acabaram se convertendo ao cristianismo por conta da
perseguição.
A explosão da chegada de escravos africanos ao Brasil a partir do século XVII, essa sim,
teria sido eficaz na introdução da religião islâmica no país, originários da África ocidental,
majoritariamente desembarcaram no estado da Bahia. Esses muçulmanos recém chegados
receberam o apelido de malê, ou mandingos, apontam (REIS, 2003) e (CASTRO E VILELA,
2019). Costa e Silva, descreve outras formas de como eram chamados os escravos muçulmanos,
“muçulmis”, “muxurumins”, dizendo que assim: “eram conhecidos pelo povo dos orixás, pelos
adeptos da umbanda e pelos católicos” (2004, p.208).
Quando os portugueses chegaram em solo brasileiro, nas terras africanas o islã já havia se
expandido há alguns séculos e tomado pelo menos dois terços do continente africano, sua
presença é fato desde o século VII, começando pelo norte do continente e avançando cada vez
mais.
Entre os negros na Bahia do século XIX, os muçulmanos eram minoria, porém. isso não
significava serem eles tão poucos assim, no clássico de João José Reis, Rebelião escrava no
Brasil, ele afirma que os malês se dividiam principalmente entre grupos étnicos como os:
haussás, bornos, tapas e nagôs, esses grupos formariam cerca de 15 a 20% do total de escravos
africanos. (2003, p. 177). Os escravos que desde muito sido haviam sido instruídos sobre as leis
do Alcorão, em alguns casos aprenderam a ler e a escrever, inclusive em árabe.
Os policiais da época, conforme descreve Costa e Silva, faziam juízo dos “malês” como
difíceis e “irritantes de se lidar”, considerados como perigosos e “sempre propensos a
antagonizar as autoridades e a rebelar-se” (2004, p.287).
É de (REIS, 2003), uma das melhores descrições sobre uma das grandes insurreições
protagonizadas pelos escravos convertidos ao islã, a revolta dos malês, ocorrida na Bahia na
20
madrugada do dia 25 de janeiro de 1835. O autor relata de forma detalhada a sociedade da época
e todo o entorno desta insubmissão, “Os que trabalhavam no ganho reuniam-se nas esquinas,
ruas, no cais do porto para oferecer seus serviços e enquanto esperavam fregueses ocupavam-
se de religião e rebelião.” (2003, p. 215)
Um dos principais motivos teria sido a tentativa da compra da liberdade de um líder malê,
que se encontrava preso por conta de uma dívida de seu dono, o mesmo seria leiloado junto
com outros “bens” de seu senhor, os agora revoltosos, antes tentaram compra-lo pelo valor
estabelecido, sendo, contudo impedidos. (RODRIGUES, 2010, p. 69).
Após serem traídos, precisando assim adiantar o início da revolta, que a princípio estava
marcada para as primeiras horas da manhã, os escravos rumaram para a delegacia na tentativa
de libertar o escravo chamado Bilial. Os enfrentamentos se deram em vários locais da cidade,
por algumas horas, o saldo foi de 70 revoltosos e mais de 10 guardas da cidade, mortos naquela
madrugada. Uma das curiosidades sobre o julgamento dos insurgentes, é que os condenados
não puderam ser enforcados, como pena por traição ou insurreição, por falta de carrasco; os
condenados foram fuzilados como soldados ou prisioneiros de guerra o que aumentou sua fama
em todas a circunvizinhança. (ibidem, 2010, P.65)
O islã passou a ser considerada uma religião de selvagens, os escravos eram julgados,
condenados à morte ou a extradição para África. Os que escapavam da pena capital ou da volta
para África, acabavam vivendo na clandestinidade. Voltar para a África, não pode ficar
entendido como castigo para todos os escravos daquele período, muitos quando recebiam a
liberdade buscavam a volta para casa, o problema da extradição, é que essa não respeitava país
de origem, ou levava em consideração questões de disputa tribal existente na pátria mãe dos
condenados.
enterrando seus mortos em rituais católicos.” (O Islã no Brasil, site :SBMRJ11). Ainda segundo
a Sociedade Beneficente, no século dezenove existiam pelo menos três grupos islâmicos
devidamente organizados: Salvador, Recife e Rio de Janeiro, o fim da escravatura é abordado
como um dos motivos de dissolução destes grupos.
Com o fim da escravidão no Brasil, após a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel
em 13 de maio de 1888, o contato com a África é interrompido e o fluxo de
especialistas na religião, pessoas que dominavam o árabe, vinda de textos etc.,
também é cortado. Assim, gradualmente essas comunidades foram se desagregando.
(O Islã no Brasil, site :SBMRJ p.2. http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil.
Acessado em 05 de outubro 2020).
O imam afirmava que só não possuíam uma mesquita própria, pela precariedade
financeira em que viviam, além é claro, da proibição de construções de prédios com aparência
de templo imposta pelo império, a todas as religiões exceto o catolicismo. Porém, ele mesmo
afirma que a religião havia sido “influenciada por outras religiões”, (Castro e Vilella, 2019,
p.172), esse pode ser considerado outro motivo para seu quase desaparecimento por um longo
tempo.
11
http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil, acessado em 05 de outubro 2020.
22
se estabilizam, não sendo tão numerosas quanto a de outros países, mas ainda assim com
presença relevante, como a tabela abaixo demonstra:
Costa e Silva, discorda destes números, quando pesquisa os primeiros anos de imigração
árabe para o Brasil, ele afirma que entre 1846 e1889, apenas 3.023 sírios ou turcos chegaram
ao país fugindo das perseguições Otomanas. (2004, p. 286).
Os territórios hoje conhecidos como Síria e Líbano, como descrevem Castro e Vilela,
eram até então dominados pelos Otomanos, os recém chegados possuíam passaporte do império
dominador, por isso ficaram conhecidos em terras brasileiras e até hoje são chamados de turcos.
(2019, p. 173).
Líbano e Síria, eram opostos no contexto religioso do século XIX, o primeiro de maioria
cristã, enquanto, os sírios muçulmanos prevaleciam em quantidade. As minorias religiosas de
ambos os lados sofriam a perseguição característica dessa época, Truzi, explica que, embora o
fator religioso possa ter influência na saída destes homens e mulheres de sua terra natal, o desejo
de melhorar financeira e socialmente, precisa ser considerado como um dos principais
motivadores da mudança. (1993, p. 8).
Um sistema onde famílias mais importantes exerciam governo sobre as aldeias, forjou
a identidade desses imigrantes, com um sentimento de honra pautado na ascensão financeira e
liberdade, de qualquer tipo de dependência do governo. Eles eram recebidos no núcleo das
famílias como o exemplo do verdadeiro sucesso.
23
Sem ajuda do governo para a empreitada, eles acabavam chegando ao novo país sem
nenhum tipo de garantia de trabalho, sem ofício certo e por consequência sem renda. Muitos
começaram no serviço de mascates, conforme esses primeiros desbravadores galgavam
qualquer melhora, passavam a possuir lojas ou investir na abertura de pequenas indústrias,
parentes e amigos eram empregados, alimentando assim a comunidade de recursos, esse ciclo
se reiniciava a cada novo cidadão árabe que descia nos portos do Brasil. (VILELA, 2002);
(TRUZI, 1993).
A queda do domínio otomano e a tomada do Líbano pelos franceses, foram motivos para
uma nova onda de chegada ao Brasil, os cristãos passaram a ser privilegiados nestes territórios
em detrimento dos muçulmanos. Mesmo com o fim dos conflitos no Líbano, muitos árabes
permaneceram em solo brasileiro, pois, já haviam se estabelecido comercialmente e formado
laços comunitários por aqui. (TRUZI, 1997). A criação do estado de Israel em 1948,
acrescentou palestinos, em fuga, aos povos árabes que passaram a viver por aqui. (AL-
JERRAHI, 1993 p.1).
Os imigrantes árabes, de crença muçulmana, que chegaram ao Brasil, entre os século XIX
e XX, foram por aqui bem recebidos e não tiveram suas crenças e cultos proibidos, isso não
quer dizer que a experiência, em uma nova terra com idioma e costumes tão diferentes foi
facilitada, como cita em seu artigo o sheikh al-Jerrahi. O religioso enumera como principais
dificultadores da vida no novo lar: a diferença de costumes, tanto culturais quanto religiosos; a
falta de centros de educação islâmicas; a disputa por espaço no mercado econômico e a
dispersão por um país de território tão extenso.
Todos estes fatores não só tornaram difícil a prática da religião, como também
impediram que aos seus filhos fosse transmitida uma educação dentro dos ideais
islâmicos. Também devido a estes fatores e à adaptação cada vez maior das novas
gerações ao ambiente brasileiro, o idioma árabe passou a ser cada vez menos utilizado
pelos descendentes, dificultando mais ainda a transmissão e recepção da herança
cultural e religiosa. (Al-Jerrahi, 1993, p.1)
São Paulo, segundo a SBMRJ, recebeu a maioria dos muçulmanos durante a imigração,
formando a primeira associação oficial em 1929, a Sociedade Beneficente Muçulmana. Em
24
1940, esse grupo de muçulmanos sunitas12, começa a construção da primeira mesquita do país,
chamada: Mesquita Brasil, que continuaria sendo única até 1972, quando nasce a mesquita da
cidade de Curitiba no Paraná.
(SILVA, 2004), falando sobre a realidade dos muçulmanos na cidade, conta que em meados
do século XIX, livreiros do Rio de Janeiro costumavam vender cerca de 100 exemplares do
Alcorão por mês, e que mesmo muito caro, eram os escravos que adquiriam a maioria deles.
Mesmo sendo analfabetos, esses compradores desejavam ter o livro sagrado em casa como
apropriação do sagrado, um objeto que revestia de prestígio quem o possuísse, ainda que apenas
para exposição. (2004, p. 285).
João do Rio, aguçado observador e repórter, em sua compilação de matérias escritas para
gazeta de notícias, entre janeiro e março de 1904, reunidas no livro “As religiões no Rio”,
apresenta uma descrição de como viviam os muçulmanos do início do século XX no Rio de
Janeiro, e também de como eles eram vistos.
A primeira coisa que se percebe ao desfolhar os escritos de João do Rio, é que ele estabelece
uma semelhança, através da língua comum, e a origem dos participantes, entre o islã e as
religiões de matriz africana, essas duas, inclusive, estão no mesmo capítulo de seu livro, o
primeiro, denominado: “No mundo dos feitiços”. Todavia, a leitura do texto, descortina a
influência que o islã sofreu na África e no solo carioca.
Os líderes muçulmanos que habitavam a cidade do Rio de Janeiro, são chamados por João
do Rio, 1976, de alufás, feiticeiros que apesar da proibição, “usam dos aligenum, espíritos
diabólicos chamados para o bem e mal” (João do Rio, 1976, p. 4). Pontos familiares ao
tradicional islã como: ablução, preces cinco vezes ao dia, empenho no estudo dos textos
12
“A imigração Árabe-Islâmica”, foi composta de fiéis de todas as correntes ideológicas e doutrinárias do Islã,
entre eles: xiitas, sunitas, sufis, alauítas, e drusos, sendo os sunitas os primeiros a organizaram-se na forma de
associação. http://sbmrj.org.br/historia/islam-no-brasil, acesso em 05 de outubro 2020.
25
No império, a prática do islamismo em templos e casas era proibida e seus adeptos na capital
pretendiam manter o anonimato, por medo da perseguição policial, eles quase sempre se
fingiam católicos, e quando questionados por pessoas que sabiam de sua verdadeira confissão
de fé, sobre o número de fiéis da cidade, respondiam que eram muito poucos, de quantitativo
insignificante. Em pesquisa feita por Silva, 2004, nos arquivos da polícia do Rio de Janeiro, é
possível encontrar, segundo o autor, registros de como o governo reprimia os “suspeitos de
islamismo”, além de relatos do total desconhecimento por parte das autoridades das tradições e
costumes da religião. (Silva, 2004, p. 287).
Ainda que discretamente, os muçulmanos do Rio não abandonaram a tradição de ser uma
religião proselitista, Silva, ao citar Nina Rodrigues, traz um exemplo de conversão em solo
brasileiro:“ a mulher do “iemano” de Salvador nascera no Brasil e convertera-se ao islamismo
no Rio de Janeiro, onde morara durante algum tempo.” (ibidem, 2004. p. 290).
A senhora Carmen Teixeira da Conceição serve de exemplo. Nascida em 1877, ela foi
para o Rio de Janeiro em 1893, onde continuou a praticar a religião muçulmana. Já
adulta, tornou-se cristã. Talvez se tenha sentido sem forças para seguir o islame em
solidão e segredo. Talvez necessitasse de companhia na fé. Monoteísta, juntou-se aos
que eram como ela, ainda que lessem um outro Livro. Morreu como católica devota,
e das mais devotas, pois era membro de cinco confrarias religiosas e, por mais de
cinquenta anos, assistiu, todos os domingos, a duas missas. Apesar disso, numa
conversa de fim de vida, os seus olhos marejaram-se de lágrimas, ao recordar a sua
13
Imam (líder) dos muçulmanos do Rio de Janeiro em 1904, João do Rio o chama de “Iemano”, morador da Rua
Barão de São Félix, “que incutia respeito e terror” a seus seguidores.
14
Fruto muito usado no candomblé, também conhecido como noz de cola, símbolo da oração no céu. Site o
candomblé. https://ocandomble.com/vocabulario-ketu/, acessado em 23 de abril de 2019.
26
Nas cidades onde não haviam mesquitas, grande maioria no Brasil no princípio do
século XX, a comunidade muçulmana se reunia em “mussalas”, cuja tradução é sala de oração,
diferente do século passado, as reuniões não são mais nas casas dos líderes, esses espaços
normalmente eram salas comerciais alugadas ou compradas nos grandes centros urbanos, para
o encontro e experiência da religião em conjunto. (SBMRJ, o islã no Brasil, p.3).
Inicialmente a entidade teve como sede, duas salas comerciais de 40 m2, no centro da
cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente na Rua Carlos Gomes Freire, antes desse
aluguel os imigrantes sunitas, compartilhavam do espaço da sociedade beneficente Alauíta16,
no bairro da Tijuca. Mesmo após o aluguel do espaço comercial da SBMRJ, as celebrações
maiores como: o encerramento do Ramadã (‘Eid Al Fitr), a comemoração do aniversário do
profeta Mohamed (Mawlid Al-Nabawi) e festa do sacrifício (‘Eid Al-Adha), continuavam
sendo feitas em conjunto ou na sede da sociedade Alauitá, ou em algum salão alugado para o
evento. (MAMEDES, 2013, p. 57).
15
Site da SBMRJ: http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/institucional, acesso em 14 de novembro 2020.
16
A seita alauíta é um braço do Islã xiita, precisamente dos ismailitas, mas carrega na sua teologia alguma coisa
do cristianismo primitivo (anterior ao concílio de Nicéia) e do zoroastrismo. Consideram-se os verdadeiros
muçulmanos, oram em mesquitas, mas têm também suas orações secretas, que só os poucos iniciados conhecem,
e que são feitas em suas casas. Como os demais muçulmanos, têm o Alcorão como o livro sagrado, mas dão aos
capítulos e versículos interpretações esotéricas. Acreditam na reencarnação. (oloateiro.wordexpress.com, acessado
em 02 de outubro 2020).
28
O cuidado com educação religiosa dos mais jovens e dos convertidos ocupava lugar
relevante no planejamento da SBMRJ, tanto que no ano de 1977, por iniciativa do presidente
Khalil Ayoub, a organização adquire uma escola com o desejo de além do ensino regular, o
antigo primeiro grau, incluir no currículo, introdução a fé islâmica e ensino da língua árabe. O
colégio comprado chamava-se “Plic-ploc” e funcionava no bairro de Parada de Lucas, Zona
Norte da cidade, oficialmente a instituição passou a chamar-se: Centro Educacional Cultural
Islâmico Brasileiro (CECIB), mantendo o nome fantasia. (MAMEDES, 2013, p. 58).
A sociedade beneficente, voltou a realizar suas reuniões nas salas do centro da cidade,
e a mudança ocorreu quando um grupo de jovens assume a direção da instituição em 1993.
Esses novos líderes, foram responsáveis por uma modernização na forma de transmitir a
mensagem aos brasileiros que não dominam o idioma árabe, democratizando o acesso e
aumentando assim o número de brasileiros convertidos ao islã. (SBMRJ, institucional, p.1).
O Bairro da Tijuca, tinha uma relação histórica com o islamismo carioca, foi residência
de imigrantes por muito tempo, e era sede da sociedade alauíta, onde inicialmente os membros
da SBMRJ se reuniam, portanto, o sentimento dos sunitas na construção do novo templo era de
retorno às origens. (MAMEDES, 2013, p. 64).
De acordo com (CAVALCANTE JR, 2008), a supervisão da obra ficou, por conta de
um engenheiro senegalês e um arquiteto brasileiro convertido, o projeto abarcava, além da sala
principal do templo, os banheiros, salas de aulas, biblioteca, cozinha e uma sala de convivência
que funciona no andar superior. (2008, p.21).
17
World Assembly of Muslim Youth
31
No decorrer da primeira década dos anos 2000 as obras estavam em ritmo acelerado, os
autores divergem por meses de intervalo de quando teria sido o início do uso das instalações,
(MAMEMDES,2013), afirma que em 2007 já se faziam orações e festas no local,
(CAVALCANTE JR, 2008) e ( JUNIOR, 2011), datam em agosto de 2008 o uso das novas
instalações. Fotos dos autores mostram etapas da obra respectivamente em 2009 e 2013, elas
demonstram que desde a compra do terreno em 2005, mais de oito anos se passaram para que
a construção se aproximasse do final.
O exterior da mesquita descrita a seguir, pôde ser vista nas visitas realizadas para
confecção desta pesquisa no ano de 2018 e 2019, a fachada foi revestida de pastilhas brancas,
enquanto as duas torres ou minaretes já concluídas, ficaram com revestimento na cor verde, os
vitrais coloridos das janelas que não apareciam nas fotos anteriores, já estão fixados, e os
banheiros e corredores já se encontravam prontos para o uso dos frequentadores.
A SBMRJ, traz informativos de suas atividades regulares em seu site oficial, destacam-
se os seguintes eventos: a oração de sexta-feira (salat jum´a) que acontece sempre às 12:30hs,
exceto durante o horário de verão onde o início se dá às 13:00hs, que precedem um almoço
comunitário. Celebrações de casamentos, encontros familiares, projeções de filmes e
documentários sobre o islã, passeios em grupo e acampamentos para jovens muçulmanos, são
atividades de lazer e comemoração promovidos pela mesquita.
18
No site oficial da SBMRJ, são oferecidos os cursos gratuitos de: introdução ao islã e a língua árabe;
esclarecimento de dúvidas sobre o islã e prática de oração; religião e árabe para crianças; memorização do Alcorão.
(SBMRJ, http://sbmrj.org.br/a-sbmrj/atividades-regulares, acessado em 05 de outubro 2020).
33
O islã, defende uma unidade pautada nas bases de sua fé, um deus, um livro sagrado
(lido em uma língua sagrada), um profeta e em torno destes elementos gravita a exclusividade
de ser muçulmano, para eles, um povo separado na terra. Existe uma conclamação a união,
ainda que nas reuniões homens e mulheres de tantas origens e costumes se concentrem em um
34
mesmo espaço, o árabe os une no momento do rito, porém, falam línguas diferentes, vivem
tradições e momentos particulares em sua caminhada. (MAMEDES, 2013), relata o que
também pôde ser presenciado nas visitas para confecção desta pesquisa, embora, chamados a
estarem juntos, ao fim das orações eles se dividam em grupos: “os africanos(...)se aglomeram
em um determinado espaço da sala; da mesma forma pude perceber que alguns dos árabes
também se juntam em um determinado espaço local e passam a se comunicar em seu
idioma.”(2013, p. 73).
Por ocasião das visitas à mesquita, nos anos de 2018, 2019 e entrevistas em 2020, fomos
recebidos por um brasileiro integrante da administração, que foi importantíssimo para
realização deste trabalho. Fernando Celino é assessor de comunicação da SBMRJ, revertido ao
islã, ele é citado em diversas pesquisas acadêmicas sobre a religião muçulmana no Rio de
Janeiro, pelo conhecimento e habilidade no trato com quem precisa pesquisar sobre a
instituição.
No Brasil, acredita-se que a maior parte dos muçulmanos ainda seja de árabes e seus
descendentes, mas também existem muitos revertidos. Em alguns estados eles são
inclusive maioria, como no Rio de Janeiro, por exemplo: cerca de 70% dos
muçulmanos são brasileiros que abraçaram o Islam, e apenas 30% são imigrantes e
descendentes. (SBMRJ, islã no Brasil, p.4).
O vislumbre da fachada imponente com seus ladrilhos, vitrais e torres, prepara para uma
realidade diferente dos templos que tradicionalmente se encontra no ocidente, a entrada por um
corredor estreito, logo aponta para uma divisão de acessos laterais, separados para homens e
mulheres. Ainda do lado de fora outras práticas são novidade ao indivíduo que é recém chegado,
o banheiro tem espaço para a ablução19 e os calçados são deixados do lado de fora do salão,
tendo inclusive um escaninho para depósito dos tênis e sapatos, porém muitos ficam mesmo na
soleira da porta principal.
As paredes são todas pintadas de branco, nas laterais quase nada é pendurado, salvo um
relógio, os ventiladores e quadros com inscrição em árabe. Na parede principal, que como
manda a tradição está virada na direção da cidade sagrada de Meca, dois quadros redondos com
inscrições em árabe exaltando o nome de Ála, ladeiam o altar central, uma estrutura de madeira
com formato cilíndrico, com um pequeno tapete decorado na frente, ele parece incrustado na
parede e contém um exemplar do Alcorão aberta em seu interior.
O altar completa-se com uma espécie de púlpito, um pouco acima do chão onde repousa
uma cadeira, deste ponto o imam profere orações e sermões, a imagem deste local lembra uma
sacada de uma varanda colonial com janela.
19
Ritual de lavagem e purificação com água, descrito na surata 5:6 “Ó crentes, sempre que vos dispuserdes a
observar a oração, lavai o rosto, as mãos e os antebraços até os cotovelos; esfregai a cabeça, com as mãos
molhadas e lavai os pés até os tornozelos. E, quando estiverdes polutos, higienizai-vos; porém, se estiverdes
enfermos ou em viagem, ou se vierdes de lugar escuso ou tiverdes tocado as mulheres, sem encontrardes água,
servi-vos do tayamum com terra limpa, e esfregai com ela os vossos rostos e mãos. Deus ne deseja impor-vos
carga alguma; porém, se quer purificar-vos e agraciar-vos, e para que Lhe agradeçais.” (ALCORÃO SAGRADO.
Surata 5:6.)
37
Toda celebração da oração sagrada de sexta feira, remete a unidade e ao valor dos
mandamentos do Alcorão. A tarde começa com a chegada dos membros, eles se saúdam com
abraços, beijos e apertos de mão, os que chegam mais cedo iniciam suas orações silenciosas e
individuais, o número de participantes logo aumenta e com a chegada do imam e tem início a
reunião em si. Um dos integrantes posiciona-se de frente para o altar, entoando cânticos em
árabe e em algumas repetições é acompanhado pelo grupo, esse momento é seguido pelo kuthba
(sermão) de sexta-feira, de sua posição no mimbar (púlpito) o líder religioso traz ensinamentos
sobre a doutrina e a fé islâmica, um ponto importante a se considerar nesse momento, é que
todas as vezes que o texto sagrado é lido , ou citações dele são feitas, isso é realizado no idioma
árabe.
A fé islâmica possui cinco pilares que representam a ação prática de seus ensinamentos,
“o muçulmano deve praticar os cinco pilares básicos, bem como praticar geralmente boas
ações.” (ARFAJ, 2009, p.25). São eles: 1) Chaháda (testemunho), a confissão de fé que declara
39
ser Allah o único senhor e Maomé seu profeta. 2) Salat (oração), compromisso com as cinco
orações diárias. 3) Zakat (oferta), a doação obrigatória aos mais necessitados. 4) Saum (Jejum)
abstenção de alimentos, bebidas e relações sexuais durante um período determinado. 5) Hajj
(peregrinação), todo muçulmano com condições financeiras, físicas e emocionais deve cumprir
ao menos uma vez na vida, a viagem a cidade sagrada de Meca.
Jejuar é uma prática de fé em várias religiões. Porém, o que difere o saum de outros
tipos de sacrifício e o torna pilar da fé islâmica é o fato dele acontecer em um período específico,
o mês lunar do ramadã. Durante todo o nono mês do calendário islâmico, o fiel não pode comer,
beber ou ter relações sexuais da alvorada ao pôr do sol. Intensificar a caridade e afastar-se de
práticas que desviam sua atenção da elevação espiritual.
Como obedece ao calendário lunar, o ramadã pode ter 29 ou 30 dias, é comum que seja
impresso um calendário que é entregue nas mesquitas e fixado nos comércios para orientar os
crentes quanto as datas de início, término e as festas do mês. Como aprendemos no site
Iqaraislã20, o primeiro dia do ramadã é marcado pelo aparecimento da lua nova, que para os
adeptos mais tradicionais deve ser vista no céu para que seja oficial, com as novas tecnologias
muitos seguidores já usam de cálculos e fotos de satélites para decretar o começo do jejum,
ainda que a lua não seja visível.
20
PORTAL IQARAISLAM. < https://iqaraislam.com/ramadan> acesso em 02 de novembro 2020.
40
são convidados e, segundo o site de cultura árabe Arabesq.com, as redes de televisão de países
de cultura predominante muçulmana, separam esses horários para exibirem seus melhores
programas e as telenovelas mais aguardadas, aproveitando toda a família em casa, o que
obviamente gera grande audiência. (ARABESQ, 202021).
No dia em que a lua nova volta a surgir no céu, o ramadã chega a seu fim, e começa o
mês shawwal, o primeiro dia desse novo mês faz parte de um grande feriado que celebra o fim
do ramadã, o eid al fitr, nesse dia é comum que as famílias façam grandes mesas com
alimentação farta, troquem presentes e repartam comidas e lembranças entre amigos e
principalmente para os mais necessitados.
Antes da abertura, um dos homens pediu para que todos os celulares fossem desligados
e que fosse feito silêncio. Um dos membros levantou-se e entoou cânticos no idioma árabe,
21
(ARABESQ).
<http://www.arabesq.com.br/Principal/Islamismo/IslamismoArticle/tabid/175/ArticleID/1392/Default.aspx>
acessado em 01 de novembro 2020).
41
todos estavam voltados para o altar, essa posição indica a direção de Meca, cidade sagrada para
os muçulmanos.
O próximo passo da reunião foi o sermão proferido pelo imam, ao contrário da última
reunião em que o líder esteve falando da posição mais alta do altar, nesta noite ele estava no
mesmo nível que os outros participantes. Sua mensagem convocava os presentes, a não apenas
cumprirem uma tradição quando jejuassem no ramadã, e sim viver o sacrifício de forma plena,
segundo ele, o bom muçulmano é aquele que baseia sua vida nos ensinamentos do Alcorão
revelada ao profeta Maomé, e nas sunas.
Logo na chegada a mesquita homens e mulheres seguem corredores separados, que dão
acesso respectivamente a frente e aos fundos do templo, a linha que divide esses dois espaços
é imaginária, porém, respeitada. As mulheres permanecem durante toda a reunião no fundo da
mesquita, e junto a elas as meninas e visitantes mulheres também ficam separadas. Todas usam
vestido ou saia e blusa e véu, é possível perceber alguma diferença nos estilos das vestimentas
dependendo da origem de cada uma, por exemplo, as muçulmanas que são imigrantes da África
ou descendentes de árabes, usam uma espécie de véu que cobre bem mais o rosto, enquanto as
brasileiras cobrem apenas a cabeça.
Os meninos ficam toda a reunião com os homens e já são instruídos a fazer as orações
como os demais e demonstram total reverência pelo espaço sagrado. Uma curiosidade é que as
42
crianças mais novas de ambos os sexos, aparentando menos de cinco anos de idade, são os
únicos que circulam entre a frente e o fundo da mesquita sem restrições.
No final da reunião uma das mulheres fica responsável por organizar uma espécie de
balcão onde são expostos livros e panfletos sobre o islã, um homem é que assume a função de
dar explicações e indicar o melhor material para os novos revertidos ou visitantes curiosos da
cultura e doutrina.
3.2.3 As refeições
O muçulmano que pratica o jejum diz sentir-se fortalecido, abstendo-se de comer ele
agradece o fato de sempre ter comida, e ainda sente o que muitos desafortunados sentem o ano
inteiro.
De acordo com o site Iqaraislam22, esse momento de quebra imediata do jejum pode ser
com uma ou duas tâmaras ou até mesmo um copo de água. Essa é uma instrução da suna, que
é usada principalmente pelo fato de que muitos estão longe de casa quando sol se põe, em seus
trabalhos ou na mesquita, e não devem esperar até o jantar para poder se alimentar, isso não
seria saudável.
Logo após esse desjejum, fui convidado ao jantar servido em um dos pisos superiores
da mesquita, ao subir as escadas um amplo salão se apresenta, paredes e piso brancos, com
mesas de quatro lugares espalhados por todo espaço, podendo atender um grande número de
22
IQARAISLAM, acessado em 02 de novembro de 2020). https://iqaraislam.com/ramadan
43
convidados. Na lateral do salão há uma cozinha, que funciona de apoio para o serviço das
refeições, logo em frente um balcão no estilo dos restaurantes self-service.
Todo o serviço das refeições é feito pelas mulheres, exceto o de servir os pratos no
balcão self-service, um dos homens do grupo pergunta o que cada pessoa deseja e assim serve
os pratos. O cardápio do jantar foi: arroz, salada de alface e tomate, batata palha, cuscuz
marroquino e frango, havia também a opção por uma sopa de legumes de entrada, como
sobremesa foi servido gelatina e as mulheres entregavam no balcão suco e água.
O calendário do islã não é cheio de grandes datas comemorativas como o cristão, suas
principais comemorações são, o Eid al moulid, que relembra o nascimento do profeta Maomé,
o Eid al kebir, que celebra a disposição de Abraão em entregar seu filho a deus, ela coincide
com o fim da peregrinação a Meca; nesse dia cada família deve sacrificar um carneiro e a carne
44
deve ser comida entre todos os membros e distribuída aos amigos e aos necessitados,
informações obtidas no site Dobrar Fronteiras23.
E por último, e não menos importante, o Eid al fitr festa de encerramento do ramadã, é
comum que nessa data os muçulmanos realizem festas, visitem amigos e troquem presentes, as
crianças recebem roupas novas e brinquedos , as casas e mesquitas são enfeitadas e todos
vestem a melhor roupa que tem.
Enquanto os participantes chegavam, pude perceber que muitos deles traziam alimentos
não perecíveis em sacolas plásticas e iam depositando em uma mesa. Essa é uma condição para
os muçulmanos com condições financeiras participarem da oração de encerramento. Essa
chama-se zakat al-fitr, e consiste de uma oferta especial aos necessitados. Segundo o
mandamento islâmico, essa oferta deve ser calculada multiplicando o número de membros da
família do ofertante multiplicado por 2,3 kg de alimento, o resultado da multiplicação é o peso
que dever ter a doação.
Após uma reunião de oração e de ações de graças a Allah, a qual, apesar das semelhanças
com as outras já apresentadas, diferencia-se principalmente pelas palavras do líder. Palavras
que foram de agradecimento pela tarefa cumprida e incentivo a manter a disciplina e amor ao
próximo que até aqui foram praticados. Na sequência, são incentivados a manter esse
comportamento durante todo o ano seguinte até o próximo ramadã. Fomos todos juntos ao andar
superior para a festa preparada pela equipe da mesquita.
23
SITE DOBRAR FRONTEIRAS. https://dobrarfronteiras.com/calendario-festas-islamiceid-al-moulidas-
tabaski-ramadao-eid-al-moulid-eid-al-fitr/ , acessado em 31 de outubro de 2020.
45
24
Segundo o site do Instituto da cultura Árabe, para ser considerado alimento halal, o frango e gado devem ser
abatidos com faca extremamente afiada para uma morte indolor, o animal deve estar virado para Meca, abatido
por muçulmano, que antes pede autorização a Allah e agradece a carne do animal. Peixes são considerados
sempre halal, pois, saem vivos do mar ou rio. (Site Icarabe.org. < https://icarabe.org/geral/voce-sabe-o-que-e-
alimento-halal> acesso em 05 de novembro 2020.
4 Conclusão
Em toda a elaboração deste trabalho as leituras revelaram um islã que desde a sua
fundação superou obstáculos para estabelecer-se no mundo. Não foi diferente no Estado do Rio
de Janeiro, que recebeu os primeiros seguidores da religião revelada a Maomé. Oriundos da
África, foram recebidos com desconfiança, preconceito e curiosidade.
Em muitos casos é difícil encontrar registros do islã antes do século XX, sem que ele
esteja comparado ou associado ao culto das religiões de matriz africana, desvendando a
necessidade da pesquisa de quem é esse muçulmano do Rio de Janeiro. É possível encontrar
como vimos durante a leitura, relatos de líderes na tentativa da inclusão de personagens
muçulmanos em momentos marcantes da história do Brasil, como nas caravelas de Pedro
Alvares Cabral ou na construção do Quilombo dos Palmares.
O Brasil foi destino de muitos imigrantes árabes, que ajudaram a formar nossa cultura,
no entanto, quando o assunto era proselitismo de sua fé, esses homens e mulheres trabalhadores
e empreendedores agiram de forma mais tímida. “Esse islã de terra natal, não teve a pretensão
de conquistar novos adeptos: inicialmente, os imigrantes buscaram uma interação com outros
imigrantes e começaram a praticar a fé para recordarem sua terra.” (MAMEDES, 2003, p.111).
Não pregar sua crença como forma de angariar crentes, pode ser um dos motivos do
número pequeno de indivíduos declaradamente muçulmanos no país. Essa realidade tem se
alterado nos últimos anos com a conversão de brasileiros e o número grande de imigrantes de
diversas regiões do mundo que chegam ao Brasil. Um dos pontos de entrada desses imigrantes
é o Rio de Janeiro, em sua capital está a única mesquita de todo o estado, a Mesquita da Luz.
falando sobre fundamentalismos religiosos: “Se não houver uma reconstrução das relações para
que sejam mais justas, igualitária e includentes, seremos condenados a conviver com conflitos
e guerras.” (BOFF, 2009, p.82).
A heterogenia do grupo presente nas celebrações durante as visitas, começa pela gama
de nacionalidades representadas no salão. Árabes que não estão restritos a Sírios e Libaneses,
terras que mais enviaram imigrantes ao Brasil, ali congregam juntos homens e mulheres
nascidos ou descendentes de países como: Iraque, Palestina, Emirados Árabes Unidos e
Turquia. O continente Africano soma outras pátrias a essa efervescência cultural: Nigéria,
Congo, Uganda, Marrocos, Egito, Líbia, Senegal e Etiópia. Brasileiros, imigrantes da Ásia e da
própria América do Sul, como um argentino revertido ao islã que estava presente na celebração
de encerramento do ramadã, completam a pluralidade de línguas e costumes da Mesquita.
A diversidade do grupo não pode ser medida apenas indicando que são de países
diferentes. As roupas demonstram como cada grupo preserva sua identidade, os árabes como
os brasileiros usam roupas casuais, acrescentando no máximo uma cobertura como um gorro.
Os africanos usam vestes mais tradicionais como a túnica enfeitada com adornos dourados. Os
muçulmanos da África normalmente têm o rosto barbeado, enquanto a maioria dos imigrantes
do oriente médio ou seus descendentes usam barba, a não ser, que por problemas na pele isso
seja desaconselhável.
orações onde todos formam um único bloco de braços dados. Estudando a Mesquita da Luz,
esse trabalho pretendeu encontrar similitudes e conhecer melhor as diferenças entre a cultura
muçulmana e a ocidental. Estudando a primeira dentro de uma capital como o Rio de Janeiro,
é notório o quanto o diálogo inter-religioso é vital para nossa convivência pacífica e
harmoniosa, respeitando as diferenças e exaltando o que há de comum entre essas realidades.
50
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