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DIRETORIA DA FEBRASGO

2016 / 2019

César Eduardo Fernandes Alex Bortotto Garcia


Presidente Vice-Presidente
Região Centro-Oeste
Corintio Mariani Neto
Diretor Administrativo/Financeiro Flavio Lucio Pontes Ibiapina
Vice-Presidente
Marcos Felipe Silva de Sá Região Nordeste
Diretor Científico
Hilka Flávia Barra do E. Santo
Juvenal Barreto B. de Andrade Vice-Presidente
Diretor de Defesa e Valorização Região Norte
Profissional
Agnaldo Lopes da Silva Filho
Vice-Presidente
Região Sudeste

Maria Celeste Osório Wender


Vice-Presidente
Região Sul

Imagem de capa e miolo: foxie/Shutterstock.com


COMISSÃO NACIONAL ESPECIALIZADA
EM GESTAÇÃO DE ALTO RISCO - 2016 / 2019
Presidente
Rosiane Mattar

Secretário
Dênis José Nascimento

Membros
Alberto Carlos Moreno Zaconeta
Alessandra Lourenço Caputo Magalhães
Ana Cristina Pinheiro Araújo
Belmiro Gonçalves Pereira
Helaine Maria Besteti Pires Mayer Milanez
Henrique Zacharias Borges Filho
José Meirelles Filho
Marcelo Luis Nomura
Mario Julio Franco
Mylene Martins Lavado
Octávio de Oliveira Santos Filho
Simone Angélica Leite de Carvalho Silva
Asma e gravidez

Gilmar de Souza Osmundo Júnior1

Descritores
Asma; Gravidez; Gravidez de alto risco; Cuidado pré-natal, Doenças respiratórias

Como citar?
Osmundo Júnior GS. Asma e gravidez. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia
e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018. (Protocolo FEBRASGO - Obstetrícia, no. 86/ Comissão Nacional
Especializada em Gestação de Alto Risco).

Introdução
A asma é doença respiratória crônica das vias aéreas associada à
inflamação, hiper-responsividade das vias aéreas e obstrução re-
versível ao fluxo aéreo, caracterizando-se por episódios de cons-
trição das vias aéreas.(1) A asma é uma das doenças respiratórias
crônicas mais frequentes, acometendo aproximadamente de 4%
a 8% das gestantes, sendo que 20% a 36% dessas pacientes apre-
sentarão algum episódio de exacerbação da asma.(2,3) A queixa de
dispneia é bastante comum na gestação, contudo estima-se que
25% das gestantes com queixa respiratória apresentem quadro
de asma subdiagnosticada.(4) Atualmente, sabe-se que o principal
fator prognóstico para o quadro clínico materno é o controle da
asma pré-gravídico, sendo que pacientes com asma malcontrola-
da tendem a apresentar maiores intercorrências na gravidez.(5)

Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
1

*Este protocolo foi validado pelos membros da Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco
e referendado pela Diretoria Executiva como Documento Oficial da FEBRASGO. Protocolo FEBRASGO de
Obstetrícia nº 43, acesse: https://www.febrasgo.org.br/protocolos

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Um fator comum de piora clínica materna é o abandono do trata-
mento, pela gestante, por temor quanto à segurança das medica-
ções. A asma, principalmente quando não controlada, associa-se
à possibilidade de desfechos desfavoráveis à gravidez. Estudos
demonstram aumento do risco de abortamento, hemorragia pós
-parto, depressão, restrição de crescimento fetal, pré-eclâmpsia e
de prematuridade em gestantes asmáticas.(3,5,6) Observa-se, ain-
da, maior incidência de parto cesariana em gestantes asmáticas.
Exacerbações de asma no primeiro trimestre da gestação têm sido
relacionadas a risco de más-formações fetais, principalmente car-
díacas, musculoesqueléticas e de trato digestório.(6-8) A asma é
classificada pelo Capítulo J – “Patologia do Sistema Respiratório”
da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), mais especi-
ficamente, J45.(9)

Etiologia
A atopia caracteriza-se por predisposição genética a desenvolver
anticorpos IgE contra alérgenos ambientais e está intimamente
relacionada ao desenvolvimento de asma. Contudo a etiologia da
asma e os mecanismos imunológicos que levariam ao seu desenvol-
vimento e atopia, ainda, não são conhecidos.(10) Os desencadeantes
incluem alérgenos, infecções do sistema respiratório superior, me-
dicações (como ácido acetilsalicílico e betabloqueadores), poluição,
exercício físico, frio e estresse emocional.(1)

Fisiopatologia
A progesterona atua diretamente no centro respiratório, levando a
prolongamento da expiração, com aumento do esforço expiratório
– o que pode ser percebido pela paciente como dispneia.

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As mudanças anatômicas do trato respiratório caracteri-
zam-se por aumento da circunferência cervical e progressão do
Índice de Mallampati, de modo que gestantes apresentam vias
aéreas com maior dificuldade técnica para intubação orotraque-
al e maior propensão a roncos.(11) Além disso, observa-se eleva-
ção do diafragma, aumento do ângulo subcostal e aumento de 5
a 7cm da circunferência torácica, resultado em aspecto de “tórax
em barril”.(11)
Modificações dos sistemas respiratório, circulatório e renal
levam à alteração do equilíbrio ácido-base, de modo que a gestan-
te apresenta tendência à hiperventilação e à alcalose respiratória
(redução dos níveis de PaCO2). O aumento da ventilação-minuto
leva a discreto aumento dos níveis de oxigênio (PaO2 entre 100 a
110mmHg).(12) Observa-se ainda aumento do consumo de oxi-
gênio em 15% a 20%, além de redução do volume de reserva pul-
monar e da capacidade de reserva funcional, resultando em perda
da capacidade adaptativa do trato respiratório da gestante. Desse
modo, insultos agudos como infecções e broncoespasmo apresen-
tam maior potencial de evolução para insuficiência respiratória du-
rante a gestação.(13,14)

Diagnóstico
O diagnóstico da asma é eminentemente clínico, caracteriza-
do por quadro respiratório típico e recorrente desde a infância.
Casos atípicos com dúvida diagnóstica ou falha da terapia inicial
devem ser submetidos a teste confirmatório. As opções diagnós-
ticas incluem:
• Espirometria: teste padrão-ouro para avaliação da função
pulmonar, permitindo a avaliação de volumes que não se al-

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teram na gestação: VEF1 (volume expiratório forçado no pri-
meiro segundo), CVF (capacidade vital forçada) e da relação
VEF1/CVF. Considera-se sugestiva de distúrbio obstrutivo à
relação VEF1/CVF < 0,8, e a gravidade dessa obstrução re-
flete-se no valor do VEF1 (normal > 80% do previsto). A va-
riação do VEF1 maior que 200ml ou 12% após inalação de
broncodilatador comprova a reversibilidade da obstrução do
fluxo aéreo (diagnóstico diferencial de doença pulmonar obs-
trutiva crônica).
• PEF (peak of expiratory flow): medidas diárias do melhor valor
de volume expiratório da paciente. Variações diurnas maiores
de 20% sugerem diagnóstico de asma.
Os principais diagnósticos diferenciais incluem Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica, doenças pulmonares restritivas,
cardiopatias, vasculites e verminoses.
A gravidade da asma é classificada de maneira dinâmica,
ou seja, a paciente deverá ser reclassificada de acordo com
seu quadro clínico a cada consulta. Não se categoriza mais a
asma em leve, moderada ou grave, optando-se por classificá-la
de acordo com o grau de controle.(1) Os critérios de controle
incluem:
• Ausência de despertares noturnos.
• Ausência de limitação das atividades físicas.
• Sintomas respiratórios menos que duas vezes por semana.
• Necessidade de uso de medicação de resgate menos que duas
vezes por semana.
• VEF1 normal.
Considera-se asma controlada aquela que preenche todos os
critérios de controle. Asma parcialmente controlada é aquela com

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um ou dois critérios alterados. Quando houver três ou mais crité-
rios alterados, considera-se asma não controlada.(1)

Tratamento
A paciente deve ser orientada que não existe evidência de teratogenici-
dade associada às drogas utilizadas no tratamento da asma e, por sua
vez, asmáticas mal controladas têm maior chance de complicações na
gestação e má-formação fetal.(1,7) As vantagens do controle da asma na
gestação claramente sobrepujam eventuais riscos associados a uso de
medicação (Nível de Evidência A).(1) Não se justifica reduzir ou suspen-
der drogas de controle da asma em gestantes sintomáticas.(1)
O tratamento da asma envolve controle de sintomas respirató-
rios agudos (terapia de resgate) e prevenção de sintomas (terapia
de manutenção). A terapia de manutenção tem como objetivo re-
dução de sintomas, prevenção de exacerbações e de remodelamen-
to brônquico, melhora da qualidade de vida e da função pulmonar.
O tratamento de manutenção da asma é baseado no princípio
de step up/step down, ou seja, as medicações devem ser associadas
ou descalonadas progressivamente de acordo com resposta da pa-
ciente.(1) As opções terapêuticas incluem (Quadro 1):

Quadro 1. Terapia de manutenção da asma


Corticoesteroides inalatórios
Droga Dose diária Observação
Budesonida 200 – 1600mcg Dose inicial 200mcg 12/12h
Beclometasona 250 – 1000mcg Dose inicial 250 mcg 12/12h
Associações beta2-agonista longa duração + corticosteroide inalatório
Droga Dose Diária
Formoterol + Budesonida 1-2 inalações/dia
12/400 mcg
Salmeterol + Fluticasona 25/125, 1 inalação 2x/d
25/250 ou 50/250mcg

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• Corticosteroide inalatório: ação anti-inflamatória mais efe-
tiva no tratamento da asma, sendo a primeira opção de medi-
cação. Efeitos colaterais incluem rouquidão e candidíase oral
(evitada com lavagem bucal após uso da medicação).
• Beta2-agonista de longa duração inalatório: segunda li-
nha no tratamento da asma, deve sempre ser associado a cor-
ticosteroide inalatório.
• Modificador de leucotrieno (montelucaste): antagonista
do receptor de leucotrieno reduz inflamação de vias aére-
as e sintomas. Apesar de classificado em categoria B pela
FDA, existem poucos estudos na gestação e, portanto, deve
ser a terceira linha terapêutica (indicado quando não hou-
ver controle da asma mesmo após uso de beta2-agonista
de longa duração associado a corticosteroide inalatório) A
posologia do montelucaste é um comprimido de 10mg uma
vez por dia.
• Corticosteroide sistêmico: uso de ciclos curtos de
Prednisona (40-60mg/d por 5-7 dias) pode ser necessário para
controle dos sintomas. Em pacientes refratárias às demais me-
didas, existe opção de ciclo longo de corticosteroide sistêmico
em baixas, porém com risco de efeitos colaterais sistêmicos.
Uso de corticosteroide sistêmico no primeiro trimestre corre-
laciona-se a risco aumentado de fenda palatina.
Pacientes com asma bem-controlada podem apresentar sin-
tomas eventuais e, para tais situações, é sempre necessária a
prescrição e orientação quanto ao uso correto de medicações de
resgate:
• Salbutamol spray 100mcg – inalação de dois jatos até de 6/6h.
O tratamento da exacerbação da asma inclui (Quadro 2):

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Quadro 2. Tratamento das exacerbações asmáticas
Broncodilatadores inalatórios
Droga Posologia
Salbutamol 2-4 jatos até de 20 em 20 minutos na primeira hora
Inalação: Uma inalação até de 20 em 20 minutos na primeira
Soro Fisiológico 10 ml; hora
Fenoterol 6-10 gotas;
Ipratrópio 30-40 gotas;
Corticosteroides Sistêmicos
Hidrocortisona Ataque de 200-300mg IV
Metilprednisolona Ataque de 40mg IV
Prednisona 40-60mg via oral
Magnésio
Sulfato de magnésio 1-2g de Magnésio IV (diluído em 100ml de SF,
correr em 20 minutos)

• Suporte de oxigênio: A SatO2 deve ser mantida > 92%.


• Beta2-agonista de rápida ação: medida mais importante
para alívio dos sintomas, sendo que a via inalatória apresenta
melhor eficácia e menos efeitos adversos.
• Corticosteroides Sistêmicos: resolução mais rápida da exa-
cerbação e prevenção de recorrência, está indicado em crises
graves, ausência de melhora dos sintomas após inalação, pa-
cientes que já estavam utilizando corticosteroide ou que utili-
zaram recentemente. Deve ser mantido por 5 a 7 dias.
• Sulfato de Magnésio: apresenta ação broncodilatadora, sen-
do indicado quando não houver resposta ao tratamento inicial.
• Metilxantinas (aminofilina): não devem ser utilizadas ro-
tineiramente, pois apresentam efeitos colaterais (arritmias,
convulsões) e risco aumentado de intoxicação em gestantes.
Além disso, seu efeito benéfico não é bem demonstrado na
literatura.
Em gestantes asmáticas, preconiza-se via de parto obstétrica,
não havendo contraindicação para parto vaginal. Naquelas pacien-
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tes com bom controle clínico, a gravidez pode ser seguida até 40
semanas. Casos mais graves, com controle clínico inadequado, po-
dem ser interrompidos com 37 semanas.

Recomendações finais
1. Dispneia é uma queixa comum em gestantes, porém deve ser
cuidadosamente avaliada, pois 25% dos casos podem corres-
ponder à asma subdiagnosticada.
2. Gestantes apresentam maior risco de evolução para insufici-
ência respiratória frente a eventos agudos, como exacerbações
de asma.
3. Não se justifica a suspensão do tratamento de manutenção da
asma na gravidez.
4. O tratamento de manutenção da asma envolve o uso crônico
de corticosteroides inalatórios.
5. Asma bem controlada não impede parto vaginal.

Referências
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