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2020 / 2023
Vice-Presidente
Alberto Carlos Moreno Zaconeta
Secretária
Mylene Martins Lavado
Membros
Arlley Cleverson Belo da Silva
Carlos Alberto Maganha
Carlos Augusto Santos de Menezes
Emilcy Rebouças Gonçalves
Felipe Favorette Campanharo
Inessa Beraldo de Andrade Bonomi
Janete Vettorazzi
Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto
Patrícia Costa Fonsêca Meireles Bezerra
Renato Teixeira Souza
Sara Toassa Gomes Solha
Vera Therezinha Medeiros Borges
Descritores
Bacteriúria assintomática; Cistite; Pielonefrite; Infecção urinária; Complicações infecciosas na
gravidez
Como citar?
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Infecções
do trato urinário durante a gravidez. São Paulo: FEBRASGO; 2021. (Protocolo FEBRASGO-
Obstetrícia, n. 43/ Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco).
Introdução
As infecções do trato urinário (ITUs) são definidas por colonização,
invasão e proliferação de agentes infecciosos em qualquer parte do
sistema urinário. Ocorrem em até 15% das gestações, constituindo o
tipo mais frequente de infecção no ciclo gravídico-puerperal.(1)
As ITUs podem ser classificadas como do trato urinário inferior
(baixa) ou superior (alta), sendo baixa quando localizada na bexiga
e uretra, podendo apresentar-se como bacteriúria assintomática
(BA), diagnosticada por urocultura de rastreamento no pré-natal, ou
como cistite, quando há sintomas clínicos associados à positividade
na cultura. Uma vez que acometa algum dos rins, apresenta sinto-
matologia importante e passa a ser considerada uma infecção alta
denominada pielonefrite.(2)
* Este protocolo foi elaborado pela Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco e
validado pela Diretoria Científica como Documento Oficial da FEBRASGO. Protocolo FEBRASGO de
Obstetrícia, n. 43. Acesse: https://www.febrasgo.org.br/
Todos os direitos reservados. Publicação da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia (FEBRASGO).
Etiologia e microbiologia
Os organismos que causam ITU em grávidas advêm principalmen-
te do trato genital inferior, com virulência semelhante aos das não
grávidas.(5)
Existem, além da própria gestação, fatores de risco que elevam a
chance de ocorrer ITU e sua recorrência, como história prévia e/ou
recente de ITU, práticas sexuais específicas, alterações anatômicas
e malformações do trato urinário, bexiga neurogênica, refluxo ve-
Protocolos Febrasgo | Nº43 | 2021
5
Infecções do trato urinário durante a gravidez
Diagnóstico
Bacteriúria assintomática
Um recente consenso reunindo a Sociedade Brasileira de
Infectologia, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia
(Febrasgo), a Sociedade Brasileira de Urologia e a Sociedade
Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial trouxe
uma compilação das evidências e recomendações sobre infecção
urinária em mulheres. O consenso recomenda o rastreamento de
BA com exame de urocultura no início do pré-natal e também no
terceiro trimestre da gestação.(17) (B) O rastreio universal parece
ter benefícios por estar associado à redução das taxas de pielone-
frite e a baixo peso ao nascer.(16-18) (B) Recomenda-se, então, iniciar
o rastreio de bacteriúria assintomática entre 12 e 16 semanas ou
na primeira visita pré-natal para todas as gestantes.
O diagnóstico é realizado com a cultura de urina, preferencial-
mente jato médio da primeira amostra da manhã. Caso não seja
possível, a urina deve ser retida na bexiga por, no mínimo, duas
horas antes da coleta. A ingesta hídrica aumentada não é recomen-
dada, uma vez que o excesso de fluido pode causar diluição da uri-
na, predispondo a resultados falso-negativos.(17) (B) A identificação
de uma ou mais bactérias em quantidade igual ou superior a 10⁵
(100.000) UFC/ml estabelece o diagnóstico de BA na ausência de
sintomas clínicos.(16-18) (A) Alternativamente, o diagnóstico pode
ser realizado por meio da cultura de urina coletada com cateteris-
mo vesical, quando essa identificar mais de 10.000 UFC/ml. Um só
exame positivo na gestação é suficiente para instituir antibiotico-
terapia imediata, objetivando, dessa forma, a redução das compli-
cações materno-fetais.(16)
Cistite
O diagnóstico de cistite em gestantes é baseado na apresentação clí-
nica, sem necessidade de exame complementar. Em mulheres não
grávidas com apresentação típica e não complicada de ITU, não há
recomendação de realização de urocultura nem de qualquer outro
exame complementar para confirmação diagnóstica. Contudo, em
gestantes, mulheres com suspeita de pielonefrite e em casos de in-
fecção recorrente, a coleta de cultura de urina com antibiograma é
recomendada.(17) (B) Exames complementares como uranálise, teste
do nitrito e leucócito-esterase até podem auxiliar no diagnóstico
das ITUs baixas, contudo é importante salientar que possuem bai-
xas sensibilidade e especificidade (77% e 70%, respectivamente).
Assim, esses exames não devem embasar a conduta em gestantes
pela possibilidade de estarem normais na presença de infecção.
Prioritariamente, o diagnóstico é clínico e a urocultura servirá para
confirmação e seguimento dos casos tratados empiricamente.(17,18)
A aparência da urina não deve ser utilizada como critério isola-
do para diagnóstico ou instituição de tratamento. Da mesma forma,
a presença de piúria também não é uma característica específica de
ITU nem é suficiente para confirmar o diagnóstico na ausência de
outros sinais e sintomas. No sedimento urinário, as alterações mais
frequentemente encontradas são hematúria, leucocitúria e aumento
de bactérias.(17)
O diagnóstico diferencial é fundamental e deve incluir quadros
iniciais de pielonefrite, principalmente quando associado a febre ou
dorsalgia, vulvovaginites (como candidíase, tricomoníase e herpes
genital) e uretrites (por Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis
ou Ureaplasma spp.).(16) Uma detalhada anamnese e cuidadoso exame
clínico são normalmente suficientes para dirimir o diagnóstico.
Pielonefrite aguda
O diagnóstico é feito por meio de história clínica e exame físico,
sendo febre e dor lombar os sintomas mais comuns. Ainda, ges-
tantes podem apresentar náuseas, vômitos, cefaleia e prostração.
Durante a avaliação das pacientes, é mandatória a coleta de amos-
tra urinária para urinálise. Neste exame, o achado mais comum é
a piúria, mas também é frequente encontrar bacteriúria e leucoci-
túria. Proteinúria e hematúria também podem estar presentes. Ao
exame clínico, a punhopercussão dolorosa da loja renal é um sinal
bastante sensível no diagnóstico e acompanhamento evolutivo,
sendo denominado “sinal de Giordano”. Nos casos em que a pie-
lonefrite é concomitante com obstrução de via urinária ou, mais
raramente, em que a infecção não se estende ao sistema coletor, a
urina coletada pode estar estéril, não apresentando leucocitúria
nem outras alterações na uranálise. Além disso, urocultura poderá
ser negativa em até 10% dos casos.(19-23)
Todas as gestantes também devem ser submetidas à urocul-
tura com antibiograma antes do início do tratamento, a fim de
orientar, se necessário, a otimização e o descalonamento do es-
quema antibiótico. Ainda na admissão da paciente, propedêuti-
ca complementar deve incluir hemograma, eletrólitos e função
renal. Gasometria, lactato, função hepática e hemoculturas po-
dem ser associados, sobretudo quando se suspeita de sepse de
foco urinário.
Exames de imagem não fazem parte da rotina diagnóstica,
mas podem ser empregados nos casos mais graves, para des-
cartar complicações locais, como abscessos ou cálculos, por
exemplo.
Tratamento
Assim que o diagnóstico é realizado, deve-se orientar início ime-
diato de tratamento antibiótico da ITU na gestação. A prescrição de
antibiótico é o cerne do tratamento das ITUs e sua escolha deve ser
baseada na efetividade da medicação, na toxicidade, na segurança,
no custo, na disponibilidade do medicamento e no teste de sensi-
bilidade das bactérias (antibiograma) e, se disponível, na concen-
tração mínima inibitória do crescimento bacteriano (minimum inhi-
bitory concentration [MIC]).(24) Quanto à teratogenicidade, a escolha
do medicamento é fundamentalmente norteada pela classificação
de risco do uso de fármacos durante a gestação da Food and Drug
Administration (FDA).
Existem vários antibióticos elencados nos antibiogramas que
podem ser utilizados na terapêutica por via oral, que é a via de
escolha no tratamento da ITU baixa (bacteriúria assintomática e
cistite). As medicações mais seguras e que preenchem os antigos
critérios da FDA (categorias A e B) a serem utilizadas por gestantes
com ITU são penicilinas, cefalosporinas, nitrofurantoína, fosfomi-
cina trometamol e monobactâmicos.(25,26) Apresenta-se disponível
no Brasil como opção posológica em dose única, exclusivamente,
fosfomicina trometamol 3 g (Monuril®), que conta com alta sen-
sibilidade bacteriana nos antibiogramas, boa adesão e segurança
(categoria B da FDA).(27)
Para ITU baixa, podem ser usados também antibióticos orais se-
guros durante cinco a sete dias (categoria B da FDA), presentes na
maioria dos testes de sensibilidade e com menor custo e possível dis-
ponibilidade no sistema público de atenção básica à saúde. As poso-
logias estão descritas conforme a tabela 1.
bacteriúria assintomática[17]
TRATAMENTO IMEDIATO
PROFILAXIA – ANTIBIÓTICOS
CISTITE CISTITE RECORRENTE PROFILAXIA – ADJUVANTES
E CUIDADOS GERAIS
Suspeita de urolitíase
ou abscesso renal
Terapia: “Positivo”
USG de Rins e Tratamento
- Tratamento conservador Vias Urinárias “Negativo”
conservador
(hidratação, antibiótico,
antieméticos, repouso,
micção programada)
“Positivo”
- Cateter Duplo-J
- Nefrostomia percutânea - Uroressonância
- Ureteroscopia Persistência dos
- Urotomografia
sintomas/quadro
(protocolo de baixa dose)
- Ureteroscopia
(Se persistência com
UroRNM ou UroTC normais)
Recomendações finais
Dadas as complicações graves discutidas, não se pode negligenciar
o diagnóstico nem o tratamento das infecções urinárias na gravidez.
Destacam-se os seguintes pontos fundamentais:
1. Rastreamento pré-natal adequado a diagnóstico da bacteriúria
assintomática a fim de evitar formas mais complicadas de ITU.
Deve ser coletada urocultura na primeira consulta pré-natal e
outra no início do terceiro trimestre. Para pacientes com fatores
de risco e/ou recorrência, a vigilância com cultura mensal pode
ser uma estratégia cuidadosa mais adequada.
2. Adequação dos antibiogramas específicos para gestantes, para
melhor opção de escolha dos antibióticos, procurando prescre-
ver aqueles com menos concentração inibitória bacteriana e res-
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