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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE


FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CLAUDINEI CHELLES

PSICANÁLISE E FUTEBOL: O JOGO COMO SITUAÇÃO SUBLIMATÓRIA


E (CONTRA) TRANSFERENCIAL NO PROCESSO FORMATIVO

Presidente Prudente
2016
1

CLAUDINEI CHELLES

PSICANÁLISE E FUTEBOL: O JOGO COMO SITUAÇÃO


SUBLIMATÓRIA E (CONTRA) TRANSFERENCIAL NO
PROCESSO FORMATIVO

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Educação da Faculdade de
Ciências e Tecnologia de Presidente
Prudente, UNESP – Universidade Estadual
Paulista, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Mauro Betti

Presidente Prudente
2016
2

FICHA CATALOGRÁFICA

Chelles, Claudinei.
C445p Psicanálise e futebol: o jogo como situação sublimatória e (contra)
transferencial no processo formativo / Claudinei Chelles. - Presidente
Prudente : [s.n.], 2016
142 f.

Orientador: Mauro Betti


Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Tecnologia
Inclui bibliografia

1. Futebol. 2. Jogo. 3. Psicanálise. 4. Processo formativo. I. Betti, Mauro.


II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III.
Título.
3
4

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho

à minha mãe Adelina,


ao meu pai Clode;
tiveram que partir, mas deixaram lições que continuo aprendendo!

à minha mulher Rita;


amor e companheira da vida!

à minha filha Gabrielle;


luz da minha vida!
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AGRADECIMENTOS

ao meu orientador e amigo Professor Doutor Mauro Betti: que exercendo sua função,
me permitiu transitar na exploração de um caminho que escolhi. Nos deslizes me
mostrou os equívocos, os atalhos e me acolheu com sua sempre competência de
mestre e de um ser humano iluminado. Isso tudo, com sua categoria, digna de
Zidane! Um craque acadêmico!;

à Professora Doutora Eliane Gomes da Silva: que além de ser minha madrinha
acadêmica, pela motivação sobre essa tese, juntamente com a pequena Sofia (que
me emprestou seu colchão algumas vezes), me acolheram em sua casa em
momentos importantes, dentre outros, para desenvolver essa tese;

à Professora Doutora Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro: minha co-orientadora,


de fato, e de direito também, me deu a chance de crescer na elaboração desse
estudo. Em todos os momentos necessários, me auxiliou com saber, atenção e
cuidado. Assim, em nossas conversas, me mostrou que conhece de psicanálise e
futebol e que é gente preocupada com a causa humana;

ao Professor Doutor Pierre Normando Gomes da Silva: por sua grande contribuição
dada, tanto em sua vinda para Presidente Prudente, quanto na qualificação, dando
dicas e sugestões pontuais que deram um rumo ao trabalho no momento crítico da
tese;

ao Professor Doutor José Milton de Lima: pelo carinho e competência;

ao Professor Doutor Walter Roberto Correia: por aceitar o convite e colaborar com
essa tese, além de sua mobilização, que sabemos exigir empenho;

aos Professores Doutores Fernando Donizete Alves, Jocimar Daólio, Ari Fernando
Maia e Manoel Osmar Seabra Junior: que aceitaram estar de prontidão. Os
guardiões;

ao Bibliotecário Renan Carvalho Ramos: contribuindo e dando dicas fundamentais


para colocar essa tese nos eixos bibiográficos;

aos meus padrinhos Acácio Cardoso Filho e José Chelles: por me levar aos 8 anos
ao primeiro jogo de futebol num estádio e por me dar aos 10 anos o primeiro radinho
de pilha para jogar com os ouvidos, respectivamente;

ao narrador Osmar Santos: com quem joguei muitas vezes pelo radinho de pilha;

aos amigos de infância de rua com quem joguei grandes clássicos: “rua de cima”
versus “rua de baixo”, em outras ocasiões nos campinhos dos terrenos baldios pelo
bairro;

às escolas estaduais que estudei: onde joguei numa quadra de esportes pela
primeira vez aos 7 anos, onde tive um ótimo professor de educação física, Prof. José
Natalino Ribeiro; bem como aquelas que dei aulas;
6

à Universidade Estadual Paulista:


Rio Claro, pela introdução ao conhecimento formalizado sobre o futebol;
Presidente Prudente, por abrir as portas para esse estudo;
Assis, pelo saber teórico e companheirismo dos amigos, especialmente Maico
Fernando Costa, Pedro Henrique Marangoni, Lourenço da Silva Queiroz, Roberto
Nascimento;
Bauru, pela oportunidade em atuar ministrando aulas na disciplina de Futebol, no
curso de Educação Física;

à Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo:


meu ganha pão;

aos clubes de futebol:


S.E. Palmeiras, São Paulo F.C., A.D. São Caetano, S.C. Internacional de Porto
Alegre, E.C. Juventude de Caxias do Sul e Cruzeiro E.C. de Belo Horizonte: por
abrirem suas portas para o contínuo aprendizado;
A.D.Guarulhos, A.E.Velo Clube Rioclarense, Independente F.C. de Limeira, São
Carlos F.C., Paulista F.C. de Jundiaí, A.A. Flamengo de Guarulhos: nas categorias
de formação e profissional – na condição de “professortreinador”;
aos árabes: que me deram a oportunidade para trabalhar na Copa do Mundo de
Futebol – FIFA, na Categoria Sub-17, pela Seleção Nacional dos Emirados Árabes
Unidos, “Salaam Aleikum” e “Shukran”!

ao treinador Caio Zanardi, pela oportunidade e confiança;

aos professores, treinadores, alunos e atletas que encontramos pelo caminho;

à vida!

Muito Grato!
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“A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e


até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a
perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de
agressão e autodestruição. Talvez, precisamente com relação a isso,
a época atual mereça um interesse especial. Os homens adquiriram
sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda,
não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o
último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de
sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade. Agora
só nos resta esperar que o outro dos dois ‘Poderes Celestes’, o
eterno Eros, desdobre suas forças para se afirmar na luta com seu
não menos imortal adversário. Mas quem pode prever com que
sucesso e com que resultado?”

Sigmund Freud,
“O Mal-estar da civilização”
(1930, p.147)
8

CHELLES, C. Psicanálise e Futebol: o jogo como situação sublimatória e (contra)


transferencial no processo formativo. 2016. 142f. Tese (Doutorado em Educação).
Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente
Prudente - SP, 2016.

RESUMO

Esta tese está vinculada à linha de pesquisa “Práticas e Processos Formativos em


Educação” no Programa de Pós-graduação em Educação na Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. A
importância sociocultural do futebol, nossa própria experiência profissional nesta
modalidade e a escassez de estudos com uma abordagem psicanalítica do futebol
que contemplasse o “processo formativo do/no futebol” de crianças, adolescentes e
jovens, constituíram o cenário em que se deu o ponto de partida deste estudo.
Nosso objetivo geral foi verificar as possibilidades de contribuição da psicanálise no
“processo formativo do/no futebol”. A incursão inicial nos domínios da psicanálise
proposta por Sigmund Freud levou a identificar, de um lado, o tema do “desejo de
jogar”, e de outro, a relação entre o aluno-atleta e o professor-treinador, o que nos
levou a destacar os conceitos de sublimação e (contra) transferência. Buscamos
então responder aos seguintes questionamentos específicos: como e por que o jogo
de futebol poderia contemplar (propiciar) a sublimação? Qual a contribuição do
saber (contra) transferencial na atuação do professor-treinador na condição de
educador? Verificamos que a prática do jogo de futebol pode ser agente relevante
para ocorrência da sublimação das forças pulsionais, possibilitando sua ocorrência
de modo socialmente aceitável, o que torna compreensivo o "desejo de jogar". Em
relação ao aspecto sublimatório, o alento pulsional está intimamente relacionado à
“pulsão de morte”, caracterizada como uma energia que se direciona à realização do
ato de jogar futebol. Detectamos que, ao menos parcialmente, o prazer em jogar fica
limitado quando o futebol submete-se à formatação do que se denomina "esporte",
caracterizando o recalque no ato de jogar, devido o rigor e enquadramento às
regras. Outro aspecto relevante nesta investigação acena ao saber (contra)
transferencial que se instala na atuação do professor-treinador em sua relação com
o aluno-atleta, pautada pela mediação entre o permitido e o proibido a este último.
Ou seja, o professor-treinador atua no fortalecimento do superego, para que
condutas para além da prática do futebol sejam também acolhidas. Por fim,
sugerimos as grafias "professortreinador" e "alunoatleta" para indicar nosso
entendimento de por que e como o profissional do esporte deve operar na
compreensão psicanalítica do “ato pedagógico”, o que exige ir além dos aspectos
biomecânicos, fisiológicos e pedagógicos da modalidade, em direção a uma
compreensão da existência do inconsciente.

Palavras-chave: Futebol; Jogo; Psicanálise; Processo Formativo.


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CHELLES, C. Psychoanalysis and Football: the game as a sublimatory and


(counter) transferential situation in the educative process. 2016. 142f. Thesis
(Doctor’s Degree In Education). Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade
Estadual Paulista [State University of São Paulo], Presidente Prudente-SP, Brazil.

ABSTRACT

This doctoral thesis has been developed at the research line “Practices and
Formative Processes in Education”, Postgraduate Program of Education, in the
Faculty of Sciences and Technology at the State University of São Paulo (UNESP),
Presidente Prudente campus. The sociocultural importance of football, our own
professional experience in this sport modality and the lack of psychoanalytic
approach studies on football that have contemplated children’s, adolescents’ and
youngsters’ “educative process of/in football” constituted this study starting point
scenario. Our general objective was to verify the possibilities of contribution from
psychoanalysis to the “educative process of/in football”. The initial incursion into
psychoanalysis, as proposed by Sigmund Freud, led us to identify, on the one hand,
the theme of the “desire to play”, and on the other, the relationship between the
student-athlete and the teacher-coach, which led us to highlight the concepts of
sublimation and (counter) transference. Then, we try to answer the following specific
questions: how and why could the football game contemplate (propitiate)
sublimation? What is the contribution of (counter) transferential knowledge in the
teacher-coach performance as educator? We verified that football game practice can
be a relevant agent for the occurrence of drive forces sublimation, allowing its
occurrence in a socially acceptable way, which makes the “desire to play”
comprehensive. In relation to the sublimatory aspect, the drive is closely related to
the “death drive”, characterized as an energy that is directed to the accomplishment
of the act of playing football. We have found that, at least partially, the pleasure of
playing is limited when football undergoes the formatting of what is called “sport”,
characterizing constraint in the act of playing, given the rigor and compliance with the
rules. Another relevant aspect in this investigation is the (counter) transference
knowledge that is installed in the teacher-coach performance in relation to the
student-athlete, guided by the mediation between the allowed and the prohibited to
the latter. That is, the teacher-coach acts in strengthening the superego, so that
beyond the football practice conducts are also welcomed. Finally, we suggest the
words “teachercoach” and “studentathlete” to indicate our understanding that the
sports professional must operate in the psychoanalytic understanding of the
“pedagogical act”, which requires going beyond the biomechanical, physiological and
pedagogical aspects of sport, towards an understanding of the unconscious
existence.

Keywords: Football; Play/Game; Psychoanalysis; Educative Process.


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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................11
1.1 Do “jogo de futebol” à psicanálise ................................................................................16

2 A SUBLIMAÇÃO: DA LIBIDO À REALIZAÇÃO SIMBÓLICA ..............................................28


2.1 O desejo e o ato criativo pela via da sublimação .......................................................31
2.2 “Além do princípio do prazer” e repetição ..................................................................33
2.3 Eros e Tanatos: as pulsões de vida e de morte ..........................................................37
2.4 Epistemofilia: a pulsão e a relação com o saber ........................................................45
2.5 O jogar e a psicanálise ....................................................................................................49
2.5.1 O pensamento winnicottiano sobre o brincar.....................................................57
2.5.2 Objetos e fenômenos transicionais ......................................................................63
2.5.3 Contradições sobre o brincar na psicanálise de crianças ...............................66
2.6 O Fort-Da: o brincar de Freud ........................................................................................70
2.7 A educação e a criança em sua maior especialidade ................................................72
2.8 O enfoque sociológico.....................................................................................................77

3 A TRANSFERÊNCIA: A ATUALIZAÇÃO DE UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO ..........82


3.1 A psicanálise e a educação ............................................................................................86
3.2 A transferência e o educador .........................................................................................92
3.3 Tendências da pedagogia do esporte e o jogo .........................................................101
3.4 O “processo formativo do/no futebol”: (contra) transferência e sublimação pelo
jogo ..........................................................................................................................................104
3.5 O professor-treinador e a agressividade ...................................................................117

4 CONCLUSÃO ...........................................................................................................................123

REFERÊNCIAS............................................................................................................................127
11

1 INTRODUÇÃO

Frequentemente ouvimos sobre os atletas de futebol, principalmente


profissionais, como aqueles que jogam graças aos altos valores em dinheiro que
ganham ou poderiam ganhar. Porém, durante minha própria experiência trabalhando
na modalidade, levantei suspeitas que não era exatamente por isso que eles
jogavam; intuía haver algo além da questão financeira que predominaria no desejo
de jogar, apesar das intenções declaradas pelos próprios atletas, de jogarem num
grande clube ou mesmo fora do país, para firmarem contratos profissionais
vantajosos.
Quando esses atletas tinham a possibilidade de realizar qualquer outra
atividade ao final dos treinamentos previstos, fossem eles físicos, técnicos e/ou
táticos, eles queriam e pediam para “jogar”. E esse “jogar” se dava de diferentes
formas, seja nas condições de pequenos, médios ou grandes jogos, com qualquer
número de participantes, às vezes com a participação de membros da comissão
técnica ou outros funcionários do clube. Tais jogos são denominados “rachão”,
caracterizados pelo descompromisso, o que os leva a uma aproximação com o
brincar; enfim, em qualquer condição que a bola estivesse presente. Ou seja, jogar
sem a obrigatoriedade de manter funções, posições, esquemas, estratégias,
situações frequentes durante os treinamentos programados e sistematizados.
Para nos auxiliar na interpretação destes fatos nos é útil, a princípio,
apresentar os valores dos ganhos dos atletas profissionais registrados na CBF
(Confederação Brasileira de Futebol, 2016), nas diversas divisões dos campeonatos
em nível nacional: 82,5% deles recebem, conforme seus contratos, até R$
1.000,00/mês, com valor em dólar1 (convertido pela cotação da moeda) de US$
252,52/mês, observando-se também, que atrasos salariais são frequentes nos
clubes de futebol, tanto nos pequenos como nos grandes. Os clubes que pagam os
salários em dia são tidos como exceções.
No entanto, com essas informações não estamos nos debruçando apenas
sobre dados quantitativos, mas buscando uma visão mais ampla sobre o assunto em
questão. Pois, mais importante que ponderarmos sobre números, é atentarmos para

1
http://www.dolarhoje.net.br/dolar-comercial.php. Acesso em: 23 de fevereiro de 2016.
12

o fato de que, nessas situações, não vemos possibilidade do desejo de jogar aflorar
exclusivamente pelas recompensas financeiras.
Os atletas que recebem valores financeiros elevados são minoria, mas que
repercutem fortemente devido à espetacularização dos eventos esportivos
promovido pela mídia, forjando a representação de que todos que estão nessa
atividade têm contratos equivalentes aos raros atletas com ganhos muito acima da
média.
Após essa percepção inicial, que não era devido a isso que os atletas
jogavam, surgiu a indagação sobre qual seria a razão principal, pois na maioria das
vezes as condições de treinamento, em muitos dos clubes, não são favoráveis em
decorrência de baixos salários (frequentemente atrasados), além da falta de
visibilidade para a grande mídia. Nas categorias de formação de atletas, nas
chamadas “categorias de base”, os adolescentes e jovens permanecem longe das
suas respectivas famílias ou dos amigos por longos períodos, muitas vezes ficam
vários meses (e, em alguns casos, anos), sem vê-los, assim como há,
concomitantemente, o comprometimento da vida escolar. Ademais, em muitos casos
os atletas deparam-se com a frustração de não jogar e permanecer no banco de
suplentes.
Então, isso nos levou a perguntar: o que o move o atleta a praticar futebol?
De onde vem esse desejo? O questionamento que mencionamos foi corroborado
quando tivemos outras experiências na prescrição e treinamento de atletas de elite,
que ganhavam muito bem, mas para os quais o “querer jogar” predominava.
A preferência dos atletas de futebol pelas atividades em que predomina o
“jogo”, em detrimento das situações do treinamento mais planejadas, ficou
evidenciada nas investigações de Chelles (2002, 2003). A partir de então, buscamos
conhecimentos que pudessem nos dar subsídios para explicar essa motivação
intrínseca e/ou extrínseca do simples ato de “jogar”.
Portanto, partindo dessas percepções e intuições oriundas da nossa
experiência profissional, buscamos referenciais teóricos na psicanálise. E logo de
início verificamos que esse desejo em jogar não é necessariamente a tradução do
prazer. É neste ponto que observamos que o jogar, nos moldes do esporte coletivo,
refere-se a uma instância que transita além do princípio do prazer. Pois o argumento
que o jogar proporciona prazer é apenas superficial, e não se dirige ao âmago da
questão.
13

Nossa suspeita inicial foi também reforçada por algumas situações


específicas, tais como o do atleta que de folga e, ao chegar à sua cidade natal, vai
jogar futebol com os amigos, no campinho de terra do seu bairro. Caso bastante
conhecido e divulgado é o de Garrincha, ídolo do futebol nas décadas de 1950 e
1960, que jogava por seu clube, o “Botafogo Futebol e Regatas” do Rio de Janeiro,
aos domingos, e nas segundas-feiras, em sua terra natal, e nas suas folgas, jogava
com os amigos no “campinho” situado em terreno baldio (CASTRO, 1995). Ou ainda
quando vemos jogadores de futebol profissionais nos momentos de descanso em
seus quartos de hotéis, ou mesmo na sede dos seus clubes, jogando futebol em
videogame, ou mesmo pebolim.
Mas o fenômeno em pauta não vale apenas para os atletas profissionais,
conforme atesta Martins (2010, p.43):

Se para o amador, o futebol é visto como um lazer que lhe dá prazer,


como um diletantismo, o profissional é diferente. Mas, existe um tipo
de amador que ama mesmo a prática do esporte com ou sem
recebimento de remuneração. Este logo que tenha qualidade, vira
profissional. [...] Entendemos que existe uma vasta atividade
prazerosa no futebol amador, pois nele o praticante exerce o futebol
para si, ainda que tenha alguma pressão externa. É essencial o
prazer que ele retira e o envolvimento simbólico do futebol na sua
vida pessoal. No futebol profissional, ‘os outros’ estão presentes com
cobrança de resultado permanente.

Também percebemos, em nossa vivência como treinador e preparador


físico nas “categorias de base”, como é importante a presença e o papel do
professor-treinador para os jovens alunos-atletas, já que neste tempo e espaço
caracteriza-se um verdadeiro “processo formativo do/no futebol”, similar ao processo
de ensino e aprendizagem que ocorre em âmbitos educativos, sejam eles escolares
ou não. Por isso faremos referência a uma pedagogia do esporte em geral e do
futebol em particular
Ora, será então, de um lado, o tema do “desejo de jogar”, e de outro, a
relação entre o aluno-atleta e o professor-treinador que nos levará a destacar nos
domínios da psicanálise o processo sublimatório e o (contra) transferencial.
Ao ponderarmos sobre o processo formativo do/no futebol, temos que
considerar uma relação com as circunstâncias do meio social e darmos atenção ao
aspecto cultural. O professor-treinador é aquele que atua na constituição do aluno-
atleta sob uma abordagem ampliada, que não se limita aos gestos biomecânicos, às
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cargas e intensidade da atividade física, aos fundamentos técnicos, etc., mas que
estimula a discussão e compreensão do significado e valor cultural desses gestos.
Quando, na condição de educadores, ao elaboramos uma proposta
pedagógica, Frost (1974) nos sugere que devemos considerar as características,
necessidades e cuidados em relação aos aprendizes. Partimos do pressuposto de
que o conhecimento oriundo da abordagem psicanalítica pode ser muito importante
para tal. Portanto, nesta investigação buscamos apresentar referenciais que possam
contribuir para a formação e atuação do professor-treinador, pautado na
compreensão do aluno-atleta na situação do jogo de futebol.
Ao longo do estudo, contudo, fomos tomando ciência de que, apesar de
focar no futebol, poderíamos estar aventando qualquer outro esporte. A princípio há
linhas de interface, sobretudo com os esportes coletivos com bola. Porém,
consideramos que o futebol, além de ser um esporte de grande repercussão social
em nosso país (e em muitos outros) tem suas particularidades, evidentemente. Além
do mais, essa investigação assenta-se numa base de vivência própria na
modalidade.
Iniciamos com uma busca no site da CAPES (Comissão de Aperfeiçoamento
de Pessoal no Nível Superior – Ministério da Educação) em seu “Banco de Teses &
Dissertações”, a partir das seguintes temáticas: Futebol, Esporte, Pedagogia do
Esporte, Psicanálise, Transferência, Sublimação, Jogar, Brincar.
Encontramos as teses e dissertações de Bandeira (2012), que investigou a
angústia e o desejo do atleta no processo competitivo; de, Dias (2009) que
investigou as práticas esportivas e sua relação com o contexto histórico e social; e
de Moreno (2005) e Ramirez (2003), que investigaram aspectos transferenciais na
relação treinador-atleta nas modalidades handebol e basquetebol, respectivamente.
Em formato de livros encontramos outros autores, tais como Azoubel Neto (2010),
Martins (2010), Motta (2005), e Bastidas (2002), que estudaram o futebol e
psicanálise, em suas relações com a mitologia, ciências humanas, torcida e
subjetividade, respectivamente.
Porém, apesar da grande contribuição que cada um desses autores
prestou à temática, não apresentaram relações com o processo formativo do/no
futebol, fator imprescindível na ótica educacional que preside nosso interesse em
contribuir com a área de Educação Física, responsável, a princípio, pela formação
do professor-treinador a que nos referimos.
15

Ademais, constatamos a baixa produção de estudos que relacionam o


esporte com a psicanálise, diagnóstico corroborado por Bastidas (2002, p. 16),
apesar da distância de aproximadamente 15 anos entre este estudo e a presente
tese:

O esporte foi muito pouco abordado pela psicanálise. Por outro lado,
vem ocupando espaços cada vez maiores na sociedade. [...]
Diferentemente do pequeno espaço dedicado ao tema pela
psicanálise, podemos observar que pensadores relevantes das
ciências humanas dedicaram um papel importante aos assuntos
relacionados com o esporte. Podemos citar Huizinga (1994), que
entende o jogo como uma das principais bases da civilização. Assim,
a escassa produção psicanalítica sobre o esporte não faz justiça à
importância que o tema possui, sobretudo se levarmos em conta,
para o caso brasileiro, o universo do futebol.

O material que encontramos foi analisado, conforme sugerido por Forghieri


(2001), na intenção de capturar o sentido ou significado da vivência para o aluno-
atleta e professor-treinador em determinadas situações. A autora também sugere
que, na condição de pesquisadores, nos voltemos para nossa própria vivência
pertinente ao tema analisado, a fim de potencializarmos o referencial teórico,
refletirmos com mais enriquecimento sobre a situação investigada com o propósito
de melhor elucidar nossos questionamentos.
Em “Análise terminável e interminável” encontramos uma citação que nos
ajuda a explicar nosso interesse pela psicanálise e sua relação com o jogo de
futebol; ou seja, demonstrar que a investigação sobre os processos psicanalíticos na
relação com o professor-treinador e aluno-atleta deve se ater somente às questões e
temáticas específicas da obra pertinentes com os nossos propósitos. Trata-se da
seguinte citação de Freud [1937] (1996, p.250):

[...] a situação é muito semelhante ao que acontece quando as


pessoas leem trabalhos psicanalíticos. O leitor é ‘estimulado’ apenas
por aquelas passagens que sente se aplicarem a si próprio - isto é,
que interessam a conflitos que estão ativos nele na ocasião.

Podemos então dizer que o objetivo geral desta tese foi verificar as
possibilidades de contribuição da psicanálise para o processo formativo do/no
futebol que envolve crianças, adolescentes e jovens.
16

1.1 Do “jogo de futebol” à psicanálise

O futebol é uma modalidade esportiva que apresenta grande relevância


social em quase todo o mundo, e particularmente em nosso país. As pesquisas
científicas sobre esta modalidade esportiva têm aumentado no meio acadêmico
brasileiro nos últimos anos, apesar da escassa produção na relação com a
psicanálise, especificamente. São cada vez mais frequentes os estudiosos que se
dedicam a investigar as dimensões cultural, econômica e psicológica do futebol, e as
diversas possibilidades de articulação teórica com outros temas, dentre eles: classe,
lazer, religião, etnia, saúde, educação, trabalho e gênero.
Elias e Dunning (1992) citam que os esportes contemporâneos - entre eles
encontramos o futebol - surgem como parte de um “processo civilizatório”, e que o
aspecto fundamental do esporte é o cultivo de excitação prazerosa e socialmente
fecunda, e que se presta também para a criação de possibilidades de sociabilidade
numa diversidade de situações complexas e controladas, inclusive permitindo
formações de identidades, para evitar a angústia.
Garganta (2002) afirma que o futebol, como fenômeno sociocultural, toma
um espaço efetivamente respeitável no amplo e disseminado contexto esportivo
contemporâneo, e não é apenas um evento esportivo potencializado pela influência
da mídia, em consequência do envolvimento nas dimensões econômicas, políticas,
educacionais, mas também um elemento da educação física, que envolve relações
de poder, gênero, classes sociais. Este esporte tem sido ensinado, ao longo do
tempo, em variadas perspectivas, que envolvem concepções diferentes a propósito
do conteúdo do jogo e suas particularidades.
É impossível não levar em consideração o imenso fenômeno chamado
futebol, pois envolve multidões e mobiliza um universo de significações simbólicas,
psíquicas, sociais, culturais, histórias, políticas e econômicas abundantes. Trata-se
de uma atividade que abarca e empolga sociedades e nações, conquistando a
adesão de pessoas das diversas camadas sociais. E considerar o futebol como um
jogo mobiliza-nos a reflexões estimulantes, tais como sobre o lúdico, que aproveita
os lances do acaso, do imprevisto, que nos levam à vitória e à derrota. Dito de outra
maneira, trata-se do que move o mundo: as impulsões que visam saciar a fome e o
17

amor. Ou ainda na visão psicanalítica: pulsão de autoconservação e pulsão sexual


(MARTINO, 1997; MARTINS, 2010).

Mesmo que a racionalização crescente do futebol como um todo seja


um processo evidente (na organização empresarial dos times, na
regulamentação profissional, no aprimoramento técnico, nos novos
esquemas táticos), o que diminui a margem do imprevisto, o jogo
enquanto tal jamais perderá a dimensão do acaso, garantia de
desconhecimento prévio do resultado da partida. Enquanto misto de
alegria e tristeza, apreensão e relaxamento, sofrimento e prazer, o
futebol proporciona a vivência de um suspense contínuo (MARTINO,
1997, p.27).

O jogo de futebol apresenta movimento e emoção que estão intimamente


ligados. É um esporte que possui um caráter de combate, porém controlado e não
violento. Há um conflito e uma tensão deteminada pela excitação, produto da
demanda física e técnica. É uma libertação dessas tensões seguida de um alívio
desses conflitos. Pode assumir diversas formas de confronto entre os seres
humanos, mas não só entre humanos, pois o adversário, no esporte, pode ser o mar,
uma montanha, um animal ou outro obstáculo qualquer (ELIAS, DUNNING, 1992).
A vivência da prática do futebol ocorre em vários ambientes, escolares e
não escolares, clubísticos e não clubísticos, com intenções das mais variadas, tais
como: relacionados ao bem-estar, recreação e no âmbito escolar relacionada à
educação. De tal modo, a investigação sobre a modalidade futebol sugere vinculá-lo
à gênese da cultura que estão envolvidos de seus participantes.
Há, no senso comum, uma vinculação da Educação Física com a cultura
particular do esporte, fixada no sobrepujar, na concorrência, quantificação e
normatização, o que é aceito sem reflexão crítica do ponto de vista pedagógico. A
pedagogia do esporte propõe-se a realizar tal reflexão com bases científicas e
filosóficas, levando em consideração quem são os sujeitos da prática esportiva. A
“pedagogia do esporte”, investigada por alguns autores (BAYER, 1994; BENTO,
1999; DAOLIO, 2002; FREIRE, 1998b; GARGANTA, 1998; PAES, 2002;
REVERDITO et al., 2009; SCAGLIA, 2003; TEODURESCU, 1984), é um campo de
estudo específico na área de Educação Física que considera a prática esportiva do
ponto de vista da educação e do desenvolvimento humano. Seu interesse é o de
colaborar, por meio do esporte, para a educação dos indivíduos, em especial das
crianças e jovens (HILDEBRANDT-STRAMANN, 2001).
18

Todavia, não há apenas “um” esporte, porém uma variedade de


modalidades esportivas que nasceram de distintas formas e que são
desempenhadas com diferentes finalidades, fato que também precisa ser
considerado pela pedagogia do esporte. Lembramos ainda que a educação não é
um fenômeno apenas escolar, e os clubes e outras instituições onde ocorrem
processos formativos de crianças e jovens também podem ser referidos como
âmbitos educacionais, nos quais a Educação Física e seus profissionais atuam ou
poderiam atuar.
Embora Nelson Rodrigues (1992, p.28) tenha afirmado em seu livro “À
Sombra das Chuteiras Imortais” [1956], que “o futebol brasileiro tem de tudo, menos
o seu psicanalista”, algumas produções brasileiras relacionaram o esporte com a
psicanálise (ÂNGELO, 2000; WAGNER, 2001; MASTROSA, 2002).
A psicanálise pode contribuir de modo importante para o campo esportivo.
Para isso é suficiente mencionarmos que um dos princípios da psicanálise tem como
suposição a investida do indivíduo pelo prazer e a fuga do desprazer enquanto
consequência das reproduções associadas às lembranças de vivências, tanto
agradáveis quanto desagradáveis, que demarcam em nível inconsciente e que
ressurgem nas suas mais diferentes atuações, até mesmo na prática esportiva
(RAMIREZ, 2001).
Contudo, como mencionado anteriormente, a abordagem psicanalítica no
campo esportivo é escassa nos estudos atualmente disponíveis, já que o tema que
abrange o “prazer em jogar futebol” tem sido pouco teorizado e, sem vínculo com o
processo de aprendizagem. Tal situação ocorre devido à pedagogia, que baseada
numa interpretação dualista do ser humano pautada por uma forma de pensar que
determina valor apenas sobre a razão, leva em consideração a aprendizagem
enquanto ação excepcionalmente consciente e/ou cognitiva. A relevância dos
aspectos pertinentes às relações, bem como o caráter afetivo, no processo de
ensino e aprendizagem nem sempre é levada em consideração, e a interferência das
ações inconscientes na elaboração e obtenção do conhecimento, tema raro à
psicanálise, é recusada (TEIXEIRA, 2014).
O parecer psicanalítico compromete-se com a investigação do
“inconsciente”, concluindo que ele é mais acionado em nossas existências do que a
própria consciência quer admitir. Consequentemente, não é simples aceitar que o
mais clarividente dos seres, na realidade, tem muito pouco conhecimento a respeito
19

de si próprio. Isso já nos põe diante da hipótese de que o futebol pode revelar
motivações e emoções que a própria consciência sequer suspeita (WAGNER, 1998).
Sigmund Freud (1856-1939) apresentou uma teoria da dinâmica e
funcionamento da mente humana e um processo exploratório da sua estrutura com a
finalidade de tratar as condutas tidas como compulsivas, caracterizadas por
comportamentos visivelmente sem causa que em alguns casos transformam-se em
realizações prazerosas. Esse método é simultaneamente um processo restrito ao
tratamento de prováveis desequilíbrios da mente e uma teoria psicológica, que atua
nos processos mentais, denominado “inconsciente”. Ou seja, o emprego da
psicanálise tem a intenção de buscar o que estaria escondido além das
exterioridades, o aspecto oculto que explanaria a conduta nitidamente irracional.
Freud utilizou pela primeira vez o termo psicanálise em seu primeiro artigo
“As psiconeuroses de defesa” [1896] (1996), publicado em francês2. Porém, pouco
tempo depois introduziu o termo em outro artigo, já em alemão, que aparece em “A
hereditariedade e a etiologia das neuroses” [1896] (1996), e desse modo o emprego
do termo ‘psicanálise’ consagra-se pelo abandono da catarse3 praticada pela
hipnose e da sugestão, recorrendo à ‘associação livre’4, um tratamento por meio da
fala para obtenção do material psíquico a ser analisado.
Apesar de o termo psicanálise ter sido utilizado por Freud pela primeira vez
nessa época, já havia algum tempo que trabalhava nessa direção, a princípio sob a
influência de Breuer, com quem iniciou seus primeiros passos no caminho da
psicanálise nos “Estudos sobre a histeria” [1893-1895] (1996). Histeria que se
caracterizava como uma doença originada em um trauma psíquico durante a
infância, representada por um afeto descarregado no somático.
As ideias de Freud iniciam-se remontando a pesquisas e observações
clínicas do início dos anos de 1890. O material apresentado difundiu-se em alguns

2
O artigo em francês foi publicado no final de março de 1896, cerca de seis semanas antes da
publicação do artigo em alemão e, consequentemente, tem prioridade no que tange à primeira
ocorrência publicada da palavra ‘psicanálise’. L’hérédité et L’étiologie des névroses, nota do editor
inglês.
3
Tem por intuito em trazer a consciência aspectos afetivos e lembranças recalcadas instaladas no
inconsciente, consequentemente liberando o paciente dos sintomas e neuroses coligados a esse
impedimento.
4
É a passagem do conteúdo manifesto ao latente. É um método que direciona a descoberta do
inconsciente. Consiste em exprimir e evocar, indiscriminadamente, mas num estado consciente, todos
os pensamentos, seja pela palavra, número, imagem, sonho, que ocorram espontaneamente.
20

artigos publicados, bem em como diversas cartas a Fliess5, pelo período de quase
três décadas, reconfigurando o mapa da mente, refinando a técnica psicanalítica,
revendo suas teorias sobre as pulsões, sexualidade, arte, antropologia, religião e
cultura (GAY, 2012).
Foi nos “Estudos sobre a histeria” que Freud [1895] citou pela primeira vez
a utilização, no caso da Sra. Emmy, da hipnose, procedimento técnico do método
catártico de Breuer. E, em uma carta a Fliess, em 1887, informa que ao final
daquele ano começou a dedicar-se ao hipnotismo. Vale ressaltar que em seu
“Estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade / análise leiga e outros
trabalhos” [1925] (1996) o emprego do hipnotismo, “desde o começo” não visava
apenas oferecer sugestões com finalidades terapêuticas, mas também com o intento
de acompanhar a história do sintoma desde suas raízes.
Os “Estudos sobre a histeria” frequentemente são considerados como o
ponto de partida para a psicanálise, pois permitem rastrear seus primeiros passos
com uma característica peculiar desses pacientes: a amnésia, que, quando trazida à
luz, de imediato sugere a compreensão que a mente manifesta não é a mente em
sua totalidade, havendo por trás uma mente inconsciente. Então, tornou-se evidente,
desde o seu princípio, que a dificuldade não se encontrava meramente sob a
investigação dos processos mentais conscientes. O instrumento utilizado para esta
finalidade acontecia pela sugestão hipnótica. Porém, nos anos seguintes, Freud
abandonou a utilização dessa técnica e passou cada vez mais a confiar no fluxo das
associações livres. Ainda nos “Estudos”, obra que Freud afirma ter a contribuição
técnica de Breuer, ele tornou público pela primeira vez o conceito de transferência,
que se revelou como um aspecto de importância fundamental para a psicanálise.
O termo “inconsciente” - “das Unbeusste” (“o inconsciente”) no sentido
psicanalítico - fundamental na obra freudiana, tem sua primeira ocorrência publicada
nos “Casos clínicos”, no denominado Caso 1 sobre a Srta Anna O. O termo já havia
sido empregado por Freud e Breuer num rascunho não publicado em 1892. Mas,
também já havia sido utilizado anteriormente por outros, particularmente pelos
filósofos (FREUD, [1895] 1996).
Especificamente no relato sobre a situação da Sra. Emmy Von N. no
denominado Caso 2, Freud [1895] relata que havia perguntado à paciente sobre a

5
Psiquiatra com quem Freud trocava correspondências sobre suas ideias psicanalíticas.
21

origem de sua gagueira e ela lhe respondeu “não sei”. Ou seja, provavelmente tal
resposta fosse verdadeira, mas o que esperamos colocar em exame é que se trata
de algo que transita em nível do inconsciente. Evidentemente a expressão “não sei”
vale para diversas situações, quando, por exemplo, perguntamos para alguém qual
a razão para jogar futebol. Seria muito comum ouvirmos a mesma resposta. Assim,
nossa investigação, caminha, também, nessa trilha.
E então, ao final de 1899, quando anuncia sua obra “A Interpretação dos
Sonhos” [1900-1901] (1996), Freud estabelece os princípios da psicanálise; este
escrito ele considerava a porta de entrada para sua obra.
Uma das mais explícitas apresentações de Freud para o termo ‘psicanálise’
encontra-se no artigo da Encyclopédie, em português, “Dois verbetes de
enciclopédia” [1922] (1996, p.253), onde se refere à psicanálise como: “(1) um
procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis
por qualquer outro modo, (2) um método (baseado nessa investigação) para o
tratamento dos distúrbios neuróticos e (3) uma coleção de informações psicológicas
obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova
disciplina científica”.
Para Laplanche e Pontalis (2001) trata-se de uma disciplina que se
caracteriza por um método de investigação que consiste essencialmente em
evidenciar o significado inconsciente das palavras, atos, produções imaginárias
(sonhos, fantasias, delírios) de um indivíduo. Tal procedimento fundamenta-se,
sobretudo, naquilo que citamos, ou seja, nas associações livres do sujeito, que
afiançam a legitimidade da interpretação, embora a interpretação psicanalítica possa
também ampliar-se para as elaborações humanas que não disponham dessas
associações.
Pavan (2001) cita que a psicanálise, desde seu surgimento, é sem dúvida
alguma determinada como prática, como atividade clínica. Porém, a teorização e a
prática ocorreram simultaneamente. Num primeiro instante, na função de médico, e
em seguida na posição de psicanalista, Freud sustentou ao longo do tempo uma
postura crítica perante os acontecimentos clínicos analisados. Isso permitiu que,
diante de uma atitude prática na procura de resultados terapêuticos,
simultaneamente desenvolvesse conceitos originais sobre os fenômenos observados
que produziram uma teoria designada como “metapsicologia”.
22

Psicologia psicanalítica ou metapsicologia, segundo Roudinesco e Plon


(1998), é o termo criado por Freud [1896] (1996) para mencionar a psicologia
fundada por ele, para qualificar o conjunto de sua concepção e dimensão teórica e
distingui-la da psicologia clássica. A abordagem consiste na elaboração de uma
teoria que não está diretamente ligada a uma experiência prática ou observação
clínica. A metapsicologia elabora um conjunto de modelos conceituais mais ou
menos distantes da experiência, tais como um aparelho psíquico dividido em
instâncias, a teoria das pulsões, o processo de repressão, etc. O termo foi utilizado
para definir a originalidade da tentativa de Freud de edificar uma psicologia que
conduzisse ao outro lado da consciência.
Portanto, o termo metapsicologia6 indica o conjunto da elaboração teórica
de Freud. No agrupamento desse material elaborado podemos assinalar textos que
são balizadores de sua trajetória psicanalítica. Numa acepção mais ampla, o termo
designa, além do conjunto da teoria, também a construção de modelos conceituais
distanciados da experiência, concepções teóricas entre as quais a própria
experiência é profundamente alterada. Ou seja, trata-se do sinônimo da teoria
psicanalítica, que implica em refazermos o extenso caminho explorado, num
percurso realizado por Freud com avanços e recuos, bem como ter acesso a
momentos da elaboração de conceitos determinantes ou da produção da
estruturação de aparelhos anímicos (GARCIA-ROZA, 2001).
Ainda Garcia-Roza (2001, p.11) cita que Freud anuncia: “Sem um
especular e um teorizar metapsicológicos - estive a ponto de dizer: fantasiar – não
se dá um passo adiante”. Nesse momento surge “a bruxa”, que, por caminhos nem
sempre muito lúcidos, nos tramites da imaginação, proporciona esse deslocamento
em direção à criação, tirando-nos da apatia do dado e, ao mesmo tempo, impedindo
que o formalismo teórico nos paralise7.

6
Conforme Garcia-Roza (2001, p.9 e 10), o termo foi utilizado por Freud, pela primeira vez, numa
carta direcionada a Wilhem Fliess datada de 13 de fevereiro de 1896: “Tenho me ocupado
continuamente com a psicologia – na verdade, com a metapsicologia...”. [...] Ou seja, Freud inicia a
redação de uma série de ensaios que pretendia publicar com o título de “Preliminares a uma
metapsicologia”. Sua intenção com essa série de textos era a de esclarecer e de aprofundar as
hipóteses teóricas da psicanálise, trazendo seus princípios, modelos teóricos e os conceitos da
psicanálise. Trata-se do estudo sobre as relações entre o inconsciente e o consciente para indicar um
saber psicológico que leva em consideração as dimensões do psiquismo.
7
Garcia-Roza (2011), resumidamente menciona Freud referindo-se à metapsicologia como a “bruxa
feiticeira”. Ele acreditava nela mais do que ninguém, já que ela existe. Ou seja, a introdução à
metapsicologia freudiana significa frequentarmos a cozinha da bruxa. Estabelecer oposição entre
23

Era denominada por Freud como metapsicologia por levar em conta sua
teoria referida aos processos inconscientes, posicionando-se além da psicologia da
consciência existente em seu tempo. Nas ciências cognitivas atuais, a ciência de
que os processos cognitivos (processo de conhecer, que envolve atenção,
percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamentos e linguagem) são,
em essência, inconscientes, é amplamente aceita (THÁ, 2004).
Este estudo apoiar-se-á na análise da metapsicologia freudiana a partir do
tema do "prazer em jogar futebol", temática detectada inicialmente no estudo de
Chelles (2002) com jogadores adultos profissionais, e de Macagnan e Betti (2014)
com alunos do ensino fundamental. As conclusões desses autores sugerem que a
prática do jogo de futebol, independente da esfera em que esteja ocorrendo, é
realizada sob uma atmosfera predominantemente prazerosa.
Freud [1920] (1996) menciona que o conjunto da atividade psíquica tem por
finalidade a busca do prazer e a fuga ao desprazer, e disso deriva que os aspectos
associados às lembranças de experiências desagradáveis têm por tendência afastar-
se do nível da consciência.
Laplanche e Pontalis (2001) ressaltam que a concepção freudiana do
desejo refere-se, por excelência ligado aos signos infantis indestrutíveis e, ainda,
não identifica o desejo à necessidade. Ou seja, o desejo é indissociável do
inconsciente e encontra sua realização na reprodução alucinatória das percepções
dos signos desta satisfação.
A situação edipiana8 é então alocada no cenário, exclusivamente no que
alude às identidades das vivências ocorridas na infância. A adolescência, quando
mais habitualmente ocorre a proximidade da escolha dos afazeres profissionais, é
um instante de transformações no qual se realiza a reorganização da identificação e

teoria e clínica, numa condição que uma exclua a outra, significa a negação do próprio projeto
freudiano. Então, aos que insistem em não acreditar, Freud avisa que elas existem. Ao menos a
bruxa metapsicologia.
8
Complexo de Édipo: desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais.
Apresenta-se como na história de Édipo-Rei. Ou seja, desejo da morte do rival que é o personagem
do mesmo sexo, e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Segundo Freud, o apogeu do
complexo de Édipo é vivido entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca
a entrada no período de latência. O termo surge na obra de Freud em 1910, em “Cinco lições de
psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos”. Porém, em 1908, em “Sobre as teorias sexuais
das crianças”, encontra-se a expressão ‘complexo nuclear’, geralmente utilizada como equivalente.
Sobre o esclarecimento sexual, o menino “começa a desejar a mãe para si mesmo, no sentido com o
qual, há pouco, acabou de se inteirar, e a odiar, de nova forma, o pai como um rival que impede esse
desejo; passa, como dizemos, ao controle do complexo de Édipo” (FREUD, [1910] 1996, p.101).
24

o acesso do mundo infantil para a vida adulta, como é o caso de muitos jovens que
optam por participar de processos seletivos com o intuito de tornar-se jogador de
futebol profissional em clubes formadores de atletas, nas chamadas “categorias de
base ou de formação”.
Em “Além do princípio do prazer” [1920] (1996), Freud relaciona a
diminuição de excitação no aparelho psíquico com seu inverso, ou seja, o aumento
dessa excitação representando o desprazer. Ou seja, quanto menor for a tensão no
aparelho psíquico, maior a sensação de prazer para o sujeito. Daí a necessidade
dessa energia pulsional, representada pela tensão da excitação, ser aliviada numa
condição sublimatória9.
Além disso, é preciso examinar a transformação do princípio do prazer em
princípio da realidade. Pois isso não significa o abandono do prazer, mas
caracteriza-se pelo seu adiamento para alcançá-lo por outras vias indiretas, viáveis
em outras condições do mundo externo. Ainda há a relação de prazer e dor, a partir
de “Eros e Tanatos” [1920] (1996) (pulsões de vida e de morte, respectivamente),
que podemos estender à compreensão do jogar esportivo coletivo na vazão da sua
pulsionalidade (agressividade).
Em “Mal-estar na civilização” [1930] (1996), Freud institui uma relação
entre o empenho originado pela renúncia das satisfações pulsionais e a
impossibilidade do sujeito estar feliz vivendo em sociedade. De tal modo, a
formação do superego leva à existência, nos seres humanos, de aptidão para
controlar-se pelas regras e uma possibilidade de dispêndio de energia, já que os
homens “são criaturas entre cujos dotes instintivos deve se levar em conta uma
poderosa quota de agressividade” (FREUD, 1996, p.116). Assim, requer-se que o
esporte, por exemplo, seja instrumento que dê vazão à libido, para que a sociedade
seja parcialmente aliviada da tensão que a barbárie necessita para desencadear-se.
Ou, pelo menos, minimizá-la.
Contudo, não temos a intenção de dar um enfoque exclusivamente
psicanalítico ao processo formativo do/no futebol, mas, sobretudo, procurar
demonstrar a contribuição que a psicanálise pode oferecer à compreensão dos
processos educacionais e formativos envolvidos na prática do futebol,
principalmente, por crianças e jovens.

9
Sublimação – termo abordado no capítulo 2.
25

Averiguaremos a possibilidade do conhecimento psicanalítico ser utilizado


no saber da área educacional, considerando as contradições de um conhecimento
que o inconsciente confronta com a pedagogia, a qual lida com a aprendizagem do
sujeito. A investigação buscou revelar a natureza distinta dessas “informações que
têm intenções, a priori, conflitantes, pois um (a educação) opera pelo recalque, ao
tempo em que o outro (a psicanálise) opera contra ele” (BASTOS, 2004).
Trata-se esta, então, de uma pesquisa teórica que busca relacionar
compreensões provenientes de áreas distintas, como é o caso da psicanálise e da
Educação Física/Pedagogia do Esporte. Por “teórico” entendemos que se trata do
quadro conceitual que utilizamos na investigação para fundamentar o trabalho.
Também dialogamos com outros autores nos campos da psicanálise e da
pedagogia do esporte que tratam da problemática delimitada neste estudo. Assim,
citamos as correntes teóricas, autores e estudos por intermédio de transcrições
literais ou síntese de ideias. Apresentamos estudos que tenham relação com o tema
e os conceitos que utilizamos na investigação.
Conforme Pescuma e Castilho (2010), buscamos evidenciar posições sobre
o assunto, ainda que conflitantes, apresentando seu contexto histórico e relações
com o contemporâneo. Foi realizada revisão crítica apontando contribuições,
convergências e divergências de autores que debatem os temas: psicanálise e
educação; psicanálise e esporte; psicanálise e jogo; psicanálise e futebol.
O trabalho de Martins (2010), intitulado “Footanálise: por que o futebol nos
é tão vital?”, teve o propósito de iniciar um entendimento entre psicanálise e ciências
humanas, e demonstra que, ao reconhecermos o futebol, estamos nos entendendo
no referente a sermos humanos e na tragédia que isso representa, pois esse ‘jogo
de bola’ tornou-se importante para milhões de pessoas. De tal modo, ele cita William
Shankly10 (2016), autor da célebre frase que o tornou, dentre outras, muito famoso:
“Algumas pessoas acreditam que o futebol é uma questão de vida ou de morte e
estou muito decepcionado com isso. Posso assegurar que é muito mais importante
do que isso”. Pois o que seria mais importante que o desfrutar prazerosamente a
vida na forma que o futebol possibilita?

10
William Shankly, conhecido como Bill Shankly (nascido na Escócia,1913-1981), foi atleta e atuou
dentre outras equipes, na seleção nacional da Escócia (1938-1949). Foi treinador de várias equipes,
mas no Liverpool (equipe inglesa) (1959-1974) teve mais notoriedade. É considerado como um dos
principais treinadores do futebol no Reino Unido em todos os tempos.
26

Para Elias e Dunning (1992), o jogo de futebol, como era praticado nos
tempos passados na Inglaterra e também em muitos outros países, bem como a
maioria dos jogos que utilizavam a bola, era um jogo demasiadamente selvagem.
Apesar de séculos mais adiante, entre 1845 e 1862, no instante que o jogo de
futebol foi introduzido em algumas importante escolas públicas, tornou-se bastante
regulamentado, mas ainda com um nível de violência mais elevado do que nos dias
atuais, apresentando uma dinâmica de tensão bem diferenciada.
Ao final do ano de 1863 a Associação de Futebol dividiu-se, pois a maioria
de seus membros decidiu eliminar as ‘caneladas’ do jogo. Porém, uma minoria de
fundadores afirmavam que essa atitude tornaria o jogo muito suave, opondo-se a
isso. Portanto, dentre outros fatores, esse foi um ponto que conduziu ao
desenvolvimento de dois esportes na Inglaterra: o football association ou futebol e o
raguebi futebol ou rugby. Mais tarde a canelada também foi abolida do rugby,
mesmo se mantendo este mais violento. Na própria Inglaterra, uma multidão de
pobres e trabalhadores também acessou a prática desse jogo, principalmente pelo
“prazer do brinquedo”, já que se tratava de uma invenção que não necessitava de
equipamentos caros e sofisticados para ser “jogado” (ELIAS, DUNNING, 1992;
MARTINS, 2010)
Quando Motta (2005) proclama que todo esporte é uma guerra sublimada,
de imediato ele complementa sobre o futebol que, quanto mais sublimações tiver,
mais adequada será a situação para compreender a demanda geral. O modo como
isso vem se processando tem se transformado ao longo da história; mesmo que
tenha eventualmente ocorrências mais violentas, o esporte é atualmente muito mais
pacífico do que foi na Idade Média.

Não se distinguia torcedor de jogador e alguns calçavam botinas com


ponteiras de ferro! Os chutes que pudessem, mesmo que
involuntariamente, tocar um oponente, poderiam lesá-lo com
gravidade, como se todo aquele cenário ainda representasse uma
luta de guerreiros em verdadeiro campo de batalha. De qualquer
modo, ainda que precariamente, naquela confusão medieval já
existia algum nível rudimentar de sublimação (MOTTA, 2005, p.45).

No transcorrer do século XX, temos as competições em formato altamente


regulamentadas como “esporte”, às quais se atribuem o caráter de representação
simbólica do modo não violento e não militar de competição entre as nações.
27

Lembrando que o esporte, desde o primeiro momento, continua a ser uma


competição entre os esforços dos seres humanos, porém, buscando excluir ao
máximo possível as ações violentas. O que merece ser considerado é a razão sobre
a qual a civilização dos jogos de competição impõe a restrição da violência sobre os
outros, alcançada pelas regras sociais que demandam autocontrole. A barreira que
se instala entre os atritos é considerada como ponto importante nesse processo
civilizatório. Daí a aceitação de modelos do esporte inglês por outras nações,
indicando, então, a existência da necessidade de competições que envolvessem o
esforço físico para a via sublimatória (ELIAS, DUNNING, 1992; MARTINS, 2010).
Nossa hipótese de investigação foi que a prática do jogo de futebol seria
eficiente como agente relevante para ocorrência da “sublimação” das forças
pulsionais inerentes ao entendimento da psicanálise, possibilitando sua ocorrência
de modo socialmente aceitável, contribuindo assim para a realização parcial direta
do desejo.
Após essa apresentação inicial dos aspectos da psicanálise, nossa
hipótese passou a ter sentido quando fazemos os seguintes questionamentos:
- Será que o jogo de futebol poderia contemplar (propiciar) a sublimação?
- Porque o jogo de futebol seria relevante para a sublimação?
- Qual a contribuição do saber (contra) transferencial na atuação do professor-
treinador na condição de educador?
Na tentativa de responder às questões, esta tese está estruturada como se
segue: no capítulo 2 é apresentada a teoria freudiana sobre o processo sublimatório
e sua relação com o futebol; no capítulo 3 a (contra) transferência é analisada na
relação professor-treinador e aluno-atleta no processo formativo do/no futebol; no
capítulo 4 é apresentada a conclusão, considerando a ação educacional no esporte
que prestigia o jogo no processo inconsciente, abrangendo a importância cultural da
modalidade.
28

2 A SUBLIMAÇÃO: DA LIBIDO À REALIZAÇÃO SIMBÓLICA

A primeira alusão que Freud faz ao termo “sublimação” foi em um momento


pré-psicanalítico, numa das cartas destinadas à Fliess, especificamente na carta 61,
sobre o papel desempenhado pelas empregadas, nas “Publicações pré-
psicanalíticas e esboços inéditos” [1886-1899] (1996).
Em 1905, Freud (1996) escreveu nos “Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade” sobre a sublimação mencionando que sua construção é muito
importante para a cultura da pessoa. Tal energia, seja total ou parcial, projeta-se do
uso sexual para outras finalidades. Assim, esse desvio das forças pulsionais sexuais
para novas metas é digno da denominação de “sublimação”. Isso proporciona
poderosos componentes para as diversas realizações culturais, de tal modo que se
processa o desenvolvimento de cada indivíduo.
Ainda sobre o mecanismo sublimatório, apresentado nos “Três ensaios
sobre a teoria sexual”, pode-se arriscar que os movimentos sexuais nesse período
da infância estariam inutilizáveis, já que suas funções reprodutoras, o que
caracteriza o período de latência apenas poderiam proporcionar sensações
desprazerosas. Então, tais forças anímicas contrárias aos movimentos sexuais
trazem à tona bloqueios psíquicos que se referem nesse período ao asco, vergonha
e moral.
Em “Cinco lições de psicanálise”, na quarta lição, [1910] (1996) trata-se o
termo enquanto uma energia dos desejos infantis que não se acumula, pelo
contrário continua a ser utilizada, porém substituindo o alvo de algumas tendências
por outro de valor mais elevado, talvez não mais sendo de ordem sexual. Ou seja,
as pulsões sexuais permutam o seu fim sexual para outra função mais distante e de
maior valor social. Assim, reforçam-se nossas funções mentais para outras
conquistas maiores para a civilização. Porém, não devemos nos empenhar em
promover o desvio da totalidade da energia da pulsão sexual de sua finalidade
específica, pela simples razão que nem o conseguiríamos, pois se a restrição à
sexualidade for extrapolada, isso trará danos como de uma situação abusiva.
Uma parte considerável das pessoas observadas na vida cotidiana
consegue direcionar boa parte das forças resultantes da pulsão sexual para sua
atividade profissional. A pulsão sexual funciona bem nesse sentido, pois é dotada de
uma capacidade de sublimação. Isso quer dizer fazer a substituição de seu objetivo
29

imediato para outro desprovido do caráter sexual. Quando isso não se torna fato no
histórico de infância, ou seja, na história do desenvolvimento psíquico, verificamos
que essa força poderosa foi utilizada para interesses sexuais. Constata-se a verdade
disso caso venha a acontecer uma estranha falta de desenvolvimento durante a vida
sexual na maturidade, como Freud demonstra em “Leonardo da Vinci e uma
lembrança de sua infância” [1910] (1996).
Em outros momentos da obra freudiana o termo continua distribuído de
forma difusa e pouco elaborado, como em “Moral sexual cultural e doença nervosa
moderna” [1908], “Introdução ao narcisismo” [1914], “Além do princípio do prazer”
[1920], “O ego e o id” [1923], “O mal-estar da civilização” [1930], conforme
levantamento realizado por Torezan e Brito (2012).
Ainda sobre o termo “sublimação”, temos na “Teoria da Libido”, em “Dois
verbetes de enciclopédia”, Freud [1923] (1996) se refere a um atento exame das
tendências sexuais, considerando a pulsão sexual em sua complexidade. Sua
função objetiva dirige-se à descarga seguida da satisfação. Porém, é capaz de ser
alterada da atividade para a passividade. O objeto não encontra tão ligado à pulsão
como se supunha anteriormente. É facilmente substituído por outro, inclusive
podendo ser traçado pelo próprio eu do sujeito em detrimento a um objeto externo.
O destino mais importante da pulsão parece, de fato, ser a sublimação. As pulsões
se encontram separadamente, com a possibilidade de serem independentes. O
objeto e o objetivo são alterados e então, o que era a princípio uma pulsão sexual,
depara com uma satisfação em algo que não seja mais caracterizado enquanto
sexual. Porém, apresenta uma valorização social ou uma ética superior.
Mais adiante, Freud [1930] (1996), em “Mal-estar da civilização”, afirmou
que a sublimação da pulsão se compõe como fator particularmente evidenciado do
desenvolvimento cultural. Pois é essa cultura que possibilita que as atividades
psíquicas em nível superior, as de ordem científica bem como as criações artísticas,
ou ainda ideológicas, desempenhem função fundamental na vida que participa do
processo civilizatório.
Jean Laplanche é muito citado por ter seu “Vocabulário de psicanálise”,
juntamente com Jean B. Pontalis (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001) na condição de
uma das obras referenciais nos estudos psicanalíticos. Porém o mesmo autor
também nos apresenta um conteúdo amparado por comentários críticos sobre os
eixos fundamentais da teoria psicanalítica. Sua exegese freudiana foi apresentada
30

num instante inicial na condição oral, e posteriormente com algumas alterações


necessárias à sua publicação na condição de livro, sob o título geral de
“Problemáticas” (1989), o qual inclui temas que estamos explorando nessa
investigação, dentre esses a sublimação.
Quanto a este conceito, ele a dimensiona como um cruzamento dos termos
psicanalíticos, já que também é um ponto de convergência na obra de Freud. Pois
não há mais a fazer senão remeter o leitor aos textos que a constituíram, mesmo
com um caminho repleto de hesitações, já que o entendimento sobre o que seja a
sublimação encontra-se presente na obra freudiana desde 1895, com as cartas à
Fliess, porém mais citada do que desenvolvida, por se tratar mais de um
questionamento. Aliás, em 1915, durante a elaboração de sua metapsicologia, Freud
produziu um texto que nunca foi publicado, pois foi destruído por ele mesmo
(LAPLANCHE, 1989).
Laplanche (1989) afirma que na literatura psicanalítica frequentemente se
recorre ao conceito de sublimação, pois é uma exigência presente aos que se
envolvem na temática. É muito difícil supor e imaginar a ausência de uma teoria
coerente sem esse conceito. Mas essa lacuna continua presente no pensamento da
psicanálise. Porém a hipótese sublimatória foi enunciada a propósito das pulsões.
Essa questão foi retomada após a marca freudiana. Enfim, a sublimação serve para
descrever, sobretudo a atividade artística e a investigação intelectual. Então, é a
noção de pulsão ou energia libidinal apresentada como algo suscetível de se
deslocar das atividades sexuais para as não sexuais.
Exemplificando a ideia anterior, Martins (2010, p. 55) cita o futebol,
considerado como a sublimação do brasileiro. Pois,

nosso regozijo é o passe. Nossa delicadeza é o drible. Nosso


orgasmo é o gol. Nossa beatitude é o time em uníssono. Nossa
felicidade é a partida. Dizer o futebol é sermos nossa utopia. [...]
Falar de futebol é falar de nós mesmos.
31

2.1 O desejo e o ato criativo pela via da sublimação

O que está em questão é a utilidade para a sociedade sobre aquilo que


criamos, com o reconhecimento pelo outro e para os outros. O inconsciente se
manifesta pelos atos falhos, sonhos, chistes, lapsos. Porém, podemos dizer que
também pelo ato criativo, dentre eles a arte (pintura, poesia, música) e o esporte,
como o futebol, por meio de um drible, um chute de três dedos, uma “bicicleta”, ou
seja, por um lance de criação. Então, instala-se uma noção de sublimação na
atividade, aliada a uma teoria de valores nessa pretensa mutação da energia
pulsional. A mudança de meta é que constitui o essencial da sublimação, pois a
pulsão abandona por completo o seu intento sexual, trocando-o pelo ato de jogar
futebol; portanto, dando um destino diferente à libido. Ou seja, a pulsão é a mesma,
já que é sempre energia sexual, desta vez sublimada na realização de uma atividade
socialmente aceita (LAPLANCHE, 1989).
Martins (2010) propõe aquilo que ele mesmo denomina como quase uma
heresia, com a intenção da expressão e também do espírito que se encontra em
Freud. Ele refere-se a uma permuta conceitual – substituindo futebol na citação de
Freud e pela palavra arte no seu texto, intitulado “O interesse da psicanálise do
ponto de vista da ciência da estética do criador”, onde aponta ser o futebol uma
modalidade de arte sublimatória:

No exercício do futebol [de uma arte] vê-se mais uma vez uma
atividade destinada a apaziguar desejos não gratificados - em
primeiro lugar, do próprio futebolista [artista] e, subsequentemente,
de sua assistência ou espectadores. As forças motivadoras dos
futebolistas [artistas] são os mesmos conflitos que impulsionam
outras pessoas à neurose e incentivaram a sociedade a construir
suas instituições. De onde o futebolista [artista] retira sua capacidade
criadora não constitui questão para a psicologia. O objetivo primário
do futebolista [artista] é libertar-se e, através da comunicação de sua
obra a outras pessoas que sofram dos mesmos desejos sofreados,
oferecer-lhes a mesma libertação. Ele representa suas fantasias
mais pessoais plenas de desejo como realizadas; mas elas só se
tornam futebol [obra de arte] quando passaram por uma
transformação que atenua o que nelas é ofensivo, oculta sua origem
pessoal e, obedecendo às leis da beleza, seduz outras pessoas com
uma gratificação prazerosa. A psicanálise não tem dificuldade em
ressaltar, juntamente com a parte manifesta do prazer futebolístico
[artístico], uma outra que é latente, embora muito mais poderosa,
32

derivada das fontes ocultas da libertação pulsional. A conexão entre


as impressões da infância do futebolista [artista] e a história de sua
vida, por um lado, e suas obras como reações a essas impressões,
por outro, constitui um dos temas mais atraentes de estudo analítico.
Quanto ao resto, a maioria dos problemas de criação e apreciação
futebolística [artística] esperam novos estudos, que lançarão a luz do
conhecimento analítico sobre eles, designando-lhes um lugar na
complexa estrutura apresentada pela compensação dos desejos
humanos. O futebol [A arte] é uma realidade convencionalmente
aceita, na qual, graças à ilusão futebolística [artística], os símbolos e
os substitutos são capazes de provocar emoções reais. Assim, o
futebol [a arte] constitui um meio-caminho entre uma realidade que
frustra os desejos e o mundo de desejos realizados da imaginação -
uma região em que, por assim dizer, os esforços de onipotência do
homem primitivo ainda se acham em pleno vigor (FREUD, [1913]
1996, p.188, adaptado por Martins, 2010).

Para o próprio Martins (2010) é um exercício delirante alterar os sujeitos,


‘futebol’ e ‘arte’ nas frases do texto mencionado anteriormente, pois, não há dúvidas
que arte e futebol são coisas distintas. Porém, desenvolvem a mesma lógica no
tocante ao inconsciente e do nome envolvido:

Não podemos absurdamente exigir de Freud viver e conhecer o que


ele nunca teve acesso no caso do futebol. Seria fraudá-lo. No
entanto, podemos elaborar e tentar evidenciar fenômenos de
importância para o entendimento do inconsciente que emergiram de
forma massiva somente depois do seu passamento. É o caso do
futebol nos tempos pós-Freud. Todos os dias emergem facetas que a
teoria psicanalítica busca esclarecer no futebol (MARTINS, 2010,
p.106).

Já Dunker (2016), referindo-se ao videogame, (que inclui jogos de futebol),


afirma que a sublimação é um conceito de extraordinária importância, pois seria o
destino da pulsão. Pois é em função da sublimação que criamos arte, cultura e
ciência. Podemos interpretá-la como uma metamorfose da libido, transformando o
que para alguns seria a origem de sofrimento, e para outros aquilo que conseguem
sublimar, utilizando a fantasia na realização de algo relevante e com significado
social que produz a evolução do ser. Podemos incluir, por exemplo, a sublimação da
agressividade, por intermédio dos jogos. Ou seja, ao invés de eu me atracar com o
meu vizinho, eu vou jogar. É importante que se perceba que no jogo não há apenas
33

repetição, mas também criação, pois não está havendo apenas interiorização, mas
exteriorização através da troca, pelo reconhecimento. Instala-se um trabalho
psíquico aliado à fantasia, que transforma esse mediador mais potente na relação
com o outro:

O videogame pode ser um avivamento para a nossa fantasia. Aí


precisa ser analisada aquela situação ‘invés de’ e não ‘caminho
para’, não uma forma de se aproximar e inventar coisas novas, não é
sublimação. Sublimação implica que a libido vai ser de certa forma
metamorfolizada, vai ser dessexualizada. Esse é um grande enigma
para estudiosos da psicanálise e o outro enigma é que a gente sabe
que quando alguém consegue sublimar, muito sofrimento diminui,
muita produção de sintomas diminui. Mas, ninguém consegue dizer
exatamente porque esse sublima e outro não. Quais são as
condições que tornam alguém mais favorável ou mais apto para a
sublimação? Esse é um enigma. Mas, a gente sabe que aquele que
não lê, não joga, não tem experiência com o universo da cultura, com
o universo social, esse mais facilmente será inapto para sublimação
(DUNKER, 2016).

2.2 ‘Além do princípio do prazer’ e repetição

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi um instante determinante para


Freud, tanto quanto para grande parte do mundo. As matanças que ocorreram
durante a guerra vieram para confirmar suas piores ideias sobre o lado obscuro do
inconsciente e a mente dos seres humanos. De fato, foi um período que o deixou
muito assustado. Sem dúvida, também o fato de seus três filhos terem se alistado no
exército austríaco o abalaram (A&E television networks, 1995).
Enquanto isso, ele recebia notícias sobre a morte de milhares de pessoas
nas batalhas. Pode-se levar em consideração que o impacto dessas forças o fizeram
perceber com lástima o potencial agressivo do ser humano, inclusive por ele já ter
previsto tais circunstâncias. Podemos, assim, afirmar que a guerra o atingiu tanto do
ponto de vista filosófico quanto pessoal, já que ficava em seu escritório durante o
período de inverno, inclusive sem aquecimento, trabalhando. Surgiram muitas
dificuldades, tanto que Freud chegou a receber batatas como forma de pagamento
dos seus trabalhos escritos (A&E television networks, 1995).
34

Em 1920, Freud (1996) publicou a sua controversa obra “Além do princípio


do prazer”, na qual argumenta que existe no ser humano uma pulsão que vai além
da libido: uma pulsão agressiva de morte. Essa pode ser aceita como uma admissão
à etapa derradeira das concepções freudianas. Aliás, anteriormente, ele já havia
atentado para a “compulsão à repetição” como fenômeno clínico; porém lhe conferiu
nesta ocasião as características de uma pulsão.
Igualmente, neste ponto, pela primeira vez, expos a nova dicotomia entre
Eros e as pulsões de morte, em “O ego e o id” [1923] (1996). Além do mais,
igualmente podemos perceber sinais do novo conjunto da composição da mente que
emanaria para o domínio de todos os trabalhos finais de Freud. E, finalizando,
discute-se o aspecto da destrutividade, que exerceu uma função sempre importante,
cada vez mais, em seus trabalhos teóricos (HANNS, 2006).
Conforme Giacóia (2008), o princípio do prazer é determinante sobre a
atividade e finalidade do aparelho psíquico, já que estabelece íntima relação com os
processos que determinam uma tendência exercendo influência sobre o
funcionamento da mente. Para o autor, Freud acolhe a equiparação nas relações
entre desprazer e o aumento quantitativo de excitação (energia, impulsos ou
estímulos) no interior do aparelho, o prazer incidindo na supressão dessa
quantidade e a manutenção da constância dos níveis dessa energia. Então, Freud
elucida ter adotado a decisão de estabelecer uma relação entre as condições de
prazer e desprazer dependendo da excitação no interior do aparelho. Nessa relação,
a experiência de desprazer significaria o aumento na quantidade de excitação,
enquanto o prazer, por outro lado, teria como compensação uma diminuição das
quantidades.
“Além do princípio do prazer” [1920] (1996), para Laplanche (1985), leva-
nos irresistivelmente aos fenômenos mais variados, tais como a “repetição”, como
essencial para a pulsão. E, também, de encaminhar o vital ao inanimado. O mais
pulsional na pulsão que é o Nirvana11 como abolição de toda pulsão – o que há de

11
O termo ‘Nirvana’, difundido no Ocidente por Schopenhauer, é tirado da religião budista, onde
designa a ‘extinção’ do desejo humano, o aniquilamento da individualidade que se funde na alma
coletiva, um estado de quietude e de felicidade perfeito. Em “Além do princípio do prazer” (1920),
Freud retomando a expressão proposta pela psicanalista inglesa Barbara Low, enuncia o princípio de
Nirvana como... tendência para a redução, para a constância, para a supressão da tensão de
excitação interna’. ‘O princípio do Nirvana exprime a tendência da pulsão de morte’. Nesta medida, ‘o
princípio de Nirvana’ designa algo diferente de uma lei de constância ou de homeostase: a tendência
35

mais vital no biológico – o caminho para a morte explicitamente designada como o


fim último da vida. Porém, é difícil conceber a morte, então; coloca-se o outro
princípio, a pulsão de vida ou Eros, que forma unidades mais ricas e complexas nos
planos biológico, psicológico e social. Com isso, Eros tende permanecer elevando o
nível de energia. Assim, caracteriza-se Tanatos e Eros como uma força interna
inerente do indivíduo, desenvolvendo uma dialética, uma luta de duas forças
primordiais. A destrutibilidade volta-se para o exterior, dando origem à manifestação
da agressividade.
Freud delimita o caráter demasiado de um prazer empregando o termo
“gozo”, definindo a sua esfera como mais além do princípio do prazer, determinando
o funcionamento do aparelho psíquico, que se manifesta como prazer na dor ou
acontecimentos repetitivos que podem ser remetidos à pulsão de morte. O prazer é
uma barreira contra o gozo que se manifesta sempre em demasia, conectado à dor.
Pois é pelo desejo e pelo gozo que a vivência humana admite o seu modo trágico.
Sem o desejo e sem o gozo, as noções de vida não teriam nenhum sentido. A
psicanálise não é o mundo do ser nem das coisas, mas do desejo e do gozo
(VALAS, 2001).
A ideia de ‘compulsão à repetição’ está muito destacada em “Além do
princípio do prazer”, texto em que Freud [1920] (1996) reconsidera os conceitos mais
fundamentais da sua teoria. Trata-se de um momento decisivo, em que é difícil
delimitar a sua definição restrita. Temos aí uma das razões pelas quais, na literatura
psicanalítica, a discussão do conceito não é tão precisa, e é muitas vezes retomada:
assim temos opções sobre os conhecimentos mais cruciais da obra freudiana, tais
como as de princípio de prazer, pulsão, pulsão de morte.
Aqueles que tinham ferimentos com sequelas oriundos da guerra
repetidamente sonhavam com as situações desprazerosas que tinham vivido. Trata-
se do mesmo que ocorre com o neurótico que processa repetidamente os atos que
por ventura lhes causam sofrimento, mas que mesmo assim não são abandonados.
Ou seja, existe alguma coisa no aparelho psíquico que foge ao princípio do prazer: a
“repetição”. Isso significa mencionar que alguns sintomas são claramente repetitivos

radical para levar a excitação ao nível zero, tal como outrora Freud a tinha enunciado sob o nome de
‘princípio de inércia’. O termo Nirvana sugere uma ligação profunda entre o prazer e o aniquilamento
(LAPLANCHE, PONTALIS, 2001, p.363-364).
36

e baseiam-se na necessidade de certos sujeitos agirem compulsivamente. É o caso


de alguns rituais obsessivos. Freud [1920] (1996) vislumbrou a atuação de uma
energia autônoma do princípio do prazer, e até mesmo contrária a ele, sem,
entretanto, ser coligada do princípio da realidade. Essa repetição refere-se à ação
entre as forças atuantes na vida de um sujeito.
Freud [1920] (1996) refere-se à ‘compulsão à repetição’ como um
fenômeno exibido na conduta de crianças e na terapêutica psicanalítica; propõe que
tal compulsão é algo proveniente da natureza mais próxima das pulsões e a nomeia
como uma força que ignora o princípio do prazer. Porém, não há uma alusão à
pulsão de morte. Os aparecimentos de uma compulsão à repetição exibem um grau
elevado do caráter pulsional e, quando agem na oposição ao princípio de prazer,
aparentam uma energia “demoníaca” ativada. Nas situações das brincadeiras
(chistes), verificou-se que as crianças repetem situações desagradáveis pelo fato de
poderem manter uma situação sob controle. A cada repetição deixa a impressão que
se fortalece a superioridade que buscam. Mais adiante esse traço de caráter tende a
desaparecer.
A inovação é sempre a condição do agrado; contudo, as crianças estão
sempre prontas para solicitar ao adulto que faça novamente a repetição de um jogo
que lhes foi apresentado ou que elas jogaram. E, caso apresentarmos uma história
linda para uma criança, ela irá permanecer insistindo em escutá-la outras vezes, e
sem arrependimentos pedirá que a repetição seja igual, retificando quaisquer
modificações feitas pelo contador. Isso não irá contrariar o princípio de prazer: a
repetição, trata-se de uma fonte de prazer. Porém, quando a pessoa se encontra
numa situação de análise, pelo contrário, o que se a apresenta pela compulsão à
repetição, a transferência dos fatos ocorridos no período de infância, sem dúvida,
ignora o princípio do prazer. O que vem à tona são os traços de memória recalcados
de suas experiências. As pessoas quando não estão familiarizadas com a análise
podem sentir medo. Acreditam que seja melhor manter adormecido aquilo que no
fundo tem medo, já que essa compulsão pode trazer a sugestão do poder
“demoníaco” (FREUD, [1920] 1996).
Na obra freudiana “Além do princípio do prazer” [1920], percebemos que
não é possível que o sujeito recorde o conjunto do que nele mesmo se encontra
recalcado, e aquilo que não é possível relembrar pode ser algo fundamental. De tal
modo, torna-se obrigado a repetir esse material como se fosse uma experiência
37

atual. Isso acontece devido às resistências da pessoa que se originam do ego. Fica
constatado que há repetição no inconsciente do sujeito, na sua maneira de ser e por
onde ele observa o mundo. Essa repetição manifesta-se também no esporte, e
ocorre de forma involuntária.
Ou seja, conforme Torres (2001), Freud atribuiu ao ato de repetir como
processo compulsivo e inconsciente por intermédio do qual o sujeito busca, na
atualidade, solucionar alguns aspectos que foram vivenciados em situação de
conflito e que no momento encontram-se recalcados. Encontramos um exemplo
disso nos sintomas neuróticos determinados pelos rituais obsessivos, manifestados
como comportamentos estereotipados sem nenhum entendimento do próprio sujeito.
Assim, Nasio (2013) conclui que o inconsciente é a repetição. Pois
frequentemente mencionamos que o inconsciente manifesta-se pela via dos lapsos,
atos falhos, sonhos e chistes. Porém, é muito mais vivo e o autor acredita que o
inconsciente é uma manifestação que ocorre pela linguagem, tratando-se enfim de
uma força propulsora, uma pulsão. É uma força que nos leva a fazermos nossas
escolhas, as mais variadas e decisivas possíveis. Porém existe uma força muito
poderosa que nos leva a repetir. A repetição é uma sadia pulsão de vida, quando
estamos diante da relação afetiva. Porém, quando a compulsividade nos põe diante
de reprodução dos mesmos fracassos, insistentemente, então nos deparamos com a
pulsão de morte. De qualquer forma, independente das condições, o fato é que são
acontecimentos marcantes que constroem nossa existência.

2.3 Eros e Tanatos: as pulsões de vida e de morte

Desde Sócrates luta-se contra a ideia de que há um impulso maligno


no homem, de que ele pode orientar-se para outra direção que não a
do bem. Freud tocou na questão da moralidade humana ao falar da
existência da pulsão de morte, da pura destrutividade que concorre
com as forças ‘construtivas’ do aparelho psíquico. A existência desse
impulso à destruição nos permitiria falar numa espécie de
malignidade constitutiva do ser humano. [...] A psicanálise foi
fundada a partir da observação do bem e do mal que os homens
podem causar a si mesmos. [...] Em “Além do princípio do prazer”
[1920], Freud põe em xeque a própria existência do acaso e do
destino como influências determinantes no curso de uma vida
(GIACÓIA JR., 2008, p.11).
38

O termo “pulsão de morte” foi apresentado por Freud [1920] em um texto


fascinante. Nesse texto aparecem termos tais como “Eros”, “pulsão de morte”,
“compulsão à repetição”; além disso, também nos direciona ao problema do
biologismo12 freudiano e nos promove examinar a função de tais expedientes nas
ciências que tratam da vida. Portanto, essa parte do trabalho freudiano altamente
densa apenas poderá ser suplantada, com confiabilidade, no instante em que for
elucidado o significado desse biologismo.
Vale ressaltar que na carta13 que Freud destinou à Einstein, houve uma
tentativa de utilizar-se da teoria psicanalítica para explicar a maior psicopatologia do
homem: a guerra. Sob influência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o
pensamento freudiano surge. Porém, antes desse conflito ele já tinha ressaltado a
força da vida (libido ou Eros) enquanto fonte da motivação humana. No entanto, com
a devastação da guerra vem à tona que o ser humano não é movido tão somente
pela libido, mas, por uma força a qual denominou de “pulsão de morte”, e o retorno
do indivíduo para um estado inanimado e a agressão revelada seria a manifestação
dessa pulsão (MEGARGEE, HOKANSON, 1976).
Freud já havia escrito sobre o tema da guerra em “Reflexões para os
tempos de guerra e morte” [1915], após o início da Primeira Guerra, embora em “O
futuro de uma ilusão” [1927] já tenha tratado sobre o processo civilizatório e em “O
mal-estar da civilização” [1930] se referido à pulsão destrutiva.
Quando Freud [1915] (1996) redigiu e publicou “As pulsões e seus
destinos”, não era possível prever que este breve ensaio tornar-se-ia um clássico.
Pois a teoria das pulsões, como a teoria do inconsciente, são pontos cruciais para a
psicanálise. É no conceito das pulsões que está a base dos processos que
12
“Teoria segunda a qual os fenômenos psicológicos e as situações sociais teriam origem e
determinação predominante biológica. Tendência a explicar ou interpretar fenômenos sociais,
psicológicos, históricos, etc, em termos biológicos (HOUAISS, 2001)”; ou ainda “Interpretação do
mundo físico ou do mundo humano por analogia com o organismo (ABBAGNANO, 2007)”. Base
biologista freudiana elaborada a partir da concepção que buscava encontrar uma base fisiológica
para sua abordagem psicanalítica. Freud toma os instintos sexuais como força motriz da ação
humana (FROMM apud VIANA, 2010).
13
“Warum Kreig?” Título de uma troca de cartas abertas entre o Professor Albert Einstein e Freud.
Fez parte de uma série de trocas semelhantes de cartas. Publicada inicialmente em alemão (1933),
francês e inglês em 1963, com tradução de James Strachey (MEGARGEE; HOKANSON, 1976).
39

determinam os modos como nós amamos, desejamos, sofremos. Aí está o


comprometimento contumaz de sistematização desse conceito fundamental, já que
tão ou mais essencial que o próprio inconsciente, a pulsão é um conceito que baliza
a posição entre o corpo e o aparelho psíquico (TAVARES, 2013).
Os destinos das pulsões envolvem complexos processos de
transformação, bem como o destino do próprio conceito de pulsão que também é
amplamente conhecido pelo agito em torno da tradução de “Trieb”14 por “instinto”.
Ou seja, para aqueles que se habituaram ao estranho método na leitura que
demanda a mudança mental de “instinto” por “pulsão”, como se fosse uma
preferência de nomenclatura insignificante.
A obra de Freud também apresenta um debate constante e controverso
sobre sua tradução para além do campo dos especialistas dos idiomas, ganhando
destaque na comunidade psicanalítica, já que há críticas sobre os termos discutidos,
também, por técnicos psicanalíticos, reforçando que a primeira tradução passou a
ser demasiada medicalizada e biologizante, provavelmente afastada da linguagem
original (HANNS, 2004).
De fato, no conceito freudiano a tradução apresenta dificuldades ao ser
alvo de discussões teóricas, etimológicas, epistemológicas e, principalmente
clínicas, pois os editores da primeira tradução inglesa das obras completas de Freud
deram preferência por traduzir “Trieb” por “Instinct”. Além do mais, no texto de Freud
há que se traduzir, também, o substrato teórico que sustenta uma prática apoiada
nas capacidades de transformação e representação das ideias da palavra. Há que

14
Sobre a tradução de um termo empregado por Freud, Zwick (no texto de FREUD [1930], 2012), em
seu apêndice menciona que apesar do termos controversos pertinentes da tradução, um mereça
uma atenção reservada. Trieb significa ‘impelir, impulsionar, tocar para frente’. A partir do dicionário
comentado do alemão, de Hanns (1996), o termo não é utilizado exclusivamente na linguagem
corrente, mas também em situação comercial, religiosa, científica e filosófica, ganhando sentidos
referentes a algo que toca para frente, não deixa parar, empurrando, colocando em movimento. De tal
modo, “Trieb evoca a ideia de força poderosa e irresistível que impele. Tal como empregado por
Freud, o sentido do termo aponta nessa mesma direção. No Brasil, a tradução do termo Trieb
polarizou-se entre ‘instinto’ e ‘pulsão’, o que é um reflexo evidente do fato de a recepção de Freud em
nosso país ter sido mediada predominantemente pela tradição anglo-saxã (a tradução da tradução de
James Strachey, que emprega instinct) e pela francesa (a leitura de Jacques Lacan em seus
seguidores, que empregam pulsion). Ou seja: não se traduziu Trieb, mas os termos que foram
propostos como seus equivalentes em inglês e francês” (ZWICK, 2012, p.189-190). [...] “Na
construção de seu edifício teórico, contudo, Freud empregou termos correntes e antiquíssimos de sua
língua – um procedimento que tentamos reproduzir na nossa” (ZWICK, 2012, p.191).
40

se considerar a “escuta do texto” para se tornar intérprete, já que ele soube explorar
as palavras ao extremo em suas polissemias e por vezes suas anassemias 15
(TAVARES, 2013).
Para Roudinesco e Plon (1998), o termo pulsão, derivado do latim “pulsio”,
surgiu na França em 1625 para citar o ato de impulsionar. Na versão inicial do texto
“Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” [1905] (1996), Freud recorreu pela
primeira vez à palavra pulsão que se tornou, a partir daí, um grande conceito da
teoria psicanalítica, definido, até então, como a carga de energia situada na origem
do ato motor do organismo e do funcionamento psíquico do inconsciente.
A noção de pulsão foi mencionada em 1905, por Freud, e prontamente
constituiu-se em uma distinção essencial entre “pulsões sexuais” e “pulsões do eu”
ou de autoconservação. Porém, essa dualidade estabelecida entre amor e fome,
com o andamento do surgimento dos conceitos, depara-se com uma tendência a se
desfazer, embaraçando-se um e outro tipo de pulsão. Uma questão levantada para
aquele momento poderia ser se Freud estaria indo na direção de um monismo
pulsional. Quem sabe fosse devido ao fato dele ser profundamente dualista que as
coisas se encaminharam para uma nova dualidade pulsional, que se instalou entre
pulsões de vida e pulsões de morte. Ele ainda imaginou os conflitos desses opostos.
Assim, ressaltamos que dentre o grupo desses dualismos, pulsão de vida e pulsão
de morte tornou-se apenas um dentre os demais. Além disso, tal oposição admite
ampla importância exatamente abalizando seu maior legado: trata-se da “concepção
dicotômica” das relações entre “natureza e cultura” (SANTIAGO; DE PAULA, 2011).
Assim, notamos que a força da pulsão é somática, o objeto é alterável e o
intento é sempre o mesmo, ou seja, aliviar o excesso de tensão. As modalidades de
satisfação estão vinculadas às zonas erógenas, e apenas posteriormente, em
trabalho de síntese, é que as pulsões parciais são submetidas ao comando da zona
genital, interferido no procedimento aspectos psicológicos irredutíveis à maturação
biológica do indivíduo (MEZAN, 2011).
Para Freud, em “As pulsões e seus destinos” ([1915] 1996, p.142), o termo
pulsão acena para um “conceito situado na fronteira entre o mental e o somático,
como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo

15
Noção introduzida por Abraham (1995) para tratar do novo significado que uma palavra comum
adquire no contexto psicanalítico.
41

e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de


trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo”.
Freud [1915] propôs a distinção das pulsões: as pulsões do eu ou de
autoconservação e o das pulsões sexuais, conforme citadas anteriormente. O motivo
dessa distinção está na história do desenvolvimento da psicanálise, que teve como
primeiro objeto as psiconeuroses, que possibilitaram o entendimento sobre a raiz
desta afecção a partir do encontro de um conflito entre as reivindicações da
sexualidade e as do eu.

Tenho as maiores dúvidas de que se possa chegar a indicadores


decisivos para a diferenciação e classificação das pulsões a partir da
elaboração do material psicológico. Essa própria elaboração parece
exigir, até certo ponto, a aplicação de suposições definidas,
concernentes à vida instintual, àquele material, e seria desejável que
essas suposições pudessem ser extraídas de algum outro ramo de
conhecimento e levadas para a psicologia. Aqui, a contribuição da
biologia por certo não vai de encontro à distinção entre as pulsões
sexuais e as do ego. A biologia ensina que a sexualidade não deve
ser colocada em pé de igualdade com outras funções do indivíduo,
pois suas finalidades ultrapassam o indivíduo e têm como seu
conteúdo a produção de novos indivíduos - isto é, a preservação da
espécie (FREUD [1915], 1996, p.73).

Compreender a ocorrência da denominada “agressividade”, que vem à


tona numa ação inconsciente e que, num extremo diferente, surge na reação do
indivíduo com um anseio de piedade, pode ser compreendida por intermédio dos
referenciais psicanalíticos, que se amparam na descrição dessa emoção vivenciada
por um tipo de pulsão que preserva a vida e que, também, a destrói.
Essa noção de destino das pulsões será reformulada na substituição das
pulsões do eu e as pulsões sexuais por pulsões de vida e de morte. A oposição
entre as pulsões que nos servem à sexualidade e a outras, que têm por fim a
autoconservação, é fundamental para a tentativa de sua própria explicação.
Para Kaufmann (1996) há duas tendências que estão opostas ao se tratar
da agressão: tendência para a apropriação do objeto - que pertence ao âmbito da
pulsão de vida, já que esta busca antes de qualquer coisa juntar-se ao próprio objeto
- e a outra tendência que é de destruí-lo, que tem sua origem da pulsão de morte.
Porém, a pulsão de agressão, por sua vez, se arranja com a pulsão de amor;
42

verificamos neste ponto à gênese e ao desenvolvimento da culpa por intermédio da


sociabilidade.
Ainda Kaufmann (1996) cita que o fato de matar o pai ou renunciar disso
não é terminante; estamos decisivamente fadados a nos sentir culpados em ambas
as situações, já que esse sentimento é a demonstração do conflito de ambivalência,
da sempre batalha que se trava entre o Eros e a pulsão de destruição ou de morte.
Esse conflito surgiu desde o momento em que se atribuiu aos homens a empreitada
de viver em conjunto. No instante que esse grupo tende a se expandir, esse mesmo
conflito continua, revestindo-se de formas condicionadas do passado, intensifica-se
e ocasiona uma intensificação do sentimento. A partir do momento que a civilização
obedece a um ímpeto do amor interno que se propõe juntar os homens numa massa
sustentada por amarrações estreitas, ela só pode atingir isso por uma maneira,
reforçando cada vez mais o sentimento de culpa.
“Tanatos” refere-se ao termo grego para designar as pulsões de morte,
apesar de não encontrarmos o termo nos escritos freudianos. Porém, Jones (apud
LAPLANCHE; PONTALIS, 2001), autor da biografia de Freud, mencionou que o
próprio Freud utilizava esse termo por vezes apenas em conversas. Sabemos que
ele utilizou o termo “Eros” em sua teoria das pulsões de vida, bem como o das
pulsões de morte referindo-se aos mitos antigos para inscrever suas especulações
psicológicas e biológicas na concepção dualista. Sobre “Eros”, trata-se do termo que
os gregos referiam-se ao amor e foi utilizado por Freud em sua derradeira teoria das
pulsões para referir-se à união das pulsões de vida em contradição às pulsões de
morte.
Esses conceitos levaram Freud a considerar a dualidade pulsional em
novas bases. Ou seja, a partir de então, considerou que a batalha no aparelho
psíquico não ocorre mais dentre as pulsões do eu e as pulsões sexuais. Isso quer
dizer que Freud as reúne de um lado apenas. Elas agem a serviço de “Eros”, a vida,
já que ambas estão interessadas na conservação do indivíduo. Seu opositor seria a
pulsão de morte, que tem por finalidade levar o sujeito a um estado em que a
matéria está inerte, como na morte ou “Tanatos” (KUPFER, 1992).
Freud [1920] (1996) afirma que em todo ser vivo há uma tendência para
que se retorne ao estado inorgânico. Há algo no homem que anseia retornar ao
estado inanimado de que a vida o trouxe. A essa força, denominada repetição, e que
43

busca arrancar o homem da vida, com direcionamento para o retorno ao lugar de


onde veio, denomina-se pulsão de morte.
Ao analisar a abrangência da pulsão de morte na concepção da
abordagem psicanalítica, observa-se determinadas consequências importantes, não
exclusivamente para a percepção do indivíduo como também para as constituições
sociais, pois dentre os aspectos pulsionais do indivíduo para Freud, encontramos o
poder e a capacidade da destrutividade de Tanatos, existente no processo de
subjetivação do sujeito, do mesmo modo que no mundo objetal. Pronunciado apenas
em 1920 por Freud em “Além do princípio do prazer”, o conceito de pulsão de morte
é a remate de alterações significativas em relação à teoria pulsional que instauram a
tendência de expressar a agressividade como algo radical da condição humana.
Refere-se de um componente recente para a época, que vem aliado a um processo
de mudança respeitável na metapsicologia. Isso torna a conjectura da pulsão de
morte como um dos elementos de uma nova abordagem conceitual produzida a
partir de então, incluindo o masoquismo e o superego como primários, a compulsão
à repetição e o sentimento de culpa inconsciente na vida em civilização,
possibilitando que Freud trate de acontecimentos clínicos e sociais que puseram em
risco a teoria elaborada até o momento (MALDONADO, 2005).
Ainda retomando o questionamento sobre “As pulsões e seus destinos”
[1915], Laplanche (1985) afirma a predominância da autoagressão em detrimento da
heteroagressão, considerando o resultado dessa atitude como a tendência ao zero.
Ou seja, essa condição é avaliada por ele como o meio mais radical para atingir o
princípio do prazer. Além do mais, tal condição, reúne tendências dificilmente
conciliáveis, tais como a redução das tensões a zero ou Nirvana; a tendência à
morte; a autoagressividade e a procura do sofrimento ou do desprazer. A maior
incoerência incide em remeter a única e própria pulsão a tendência de eliminar
radicalmente de toda tensão, configuração soberana do princípio do prazer, e a
procura masoquista do desprazer, que evidentemente não pode decodificar-se
senão como acréscimo de tensão.
Quando Freud [1920] mencionou a pulsão de morte, a estava contrapondo
ao princípio do prazer. O princípio do prazer se contrapõe ao princípio da realidade,
que a procura do prazer. O princípio da realidade opera como um elo do sujeito
entre a realidade e suas ameaças, restringindo a atividade puramente pulsional, não
44

permitindo ao indivíduo que se destrua, ponderando sobre os melhores meios de


obtenção de prazer, levando em conta as limitações que a realidade lhe impõe.
Há uma ideia de um “monstro estranho”, sendo que sua existência era
atestada por intermédio das manifestações inconscientes, e que ganha maior alento
com a admissão do conceito da noção de pulsão de morte. O conhecimento da
psicanálise determinou que Freud testemunhasse no comportamento humano
alguma coisa de estranho, aberrante, paradoxal em relação ao seu ser biológico e
ao fato de que o homem é um ser vivo; alguma coisa que apenas se leva em
consideração no momento que se faz solicitação a uma ordem de deliberações que
se instala fora daquilo que origina o vivo (MILLOT, 2001).
Opondo-se à condição da morte, é indispensável colocar que o outro
princípio, a pulsão de vida ou Eros, reúne e tende a formar unidades cada vez mais
ricas e complexas, a princípio no plano biológico, a seguir no psicológico e social,
contrariando o princípio da entropia energética16, a qual podemos aproximar da
pulsão de morte. Além do mais, Eros tende a manter e elevar o nível de energia cuja
ligação é constituída. E, assim, Tanatos e Eros constituem uma força interna
inerente ao indivíduo. Mas é na esfera interior do sujeito que acontece a dialética
com uma luta das duas forças primordiais e, consequentemente, uma parte da
destrutibilidade direciona-se para o mundo exterior, dando origem à manifestação da
agressividade (LAPLANCHE, 1985).
Assim, a vida estaria nas manifestações desses conflitos, ou mesmo na
interação das duas classes de pulsões. Quando da situação da morte, isso significa
que a pulsão destrutiva venceu. Porém, a reprodução seria a representação da
vitória de Eros (FREUD, [1923] 1996).
Do mesmo modo como aconteceu com outras teorias de Freud, o advento
da conceituação da pulsão de morte foi recebido com um determinado ceticismo,
tanto internamente quanto do lado de fora do meio psicanalítico. Pois a ideia de que
o ser humano carrega consigo as sementes da destruição não foi aceita por muitos
devido a diversas razões, sejam elas de cunho religioso, filosófico, ou ainda
científico. Isso se dava em consequência das hipóteses de Freud, bem como a

16
Termo utilizado na Física; trata-se da medida de energia não disponível para a realização de
trabalho ou quantidade de energia ou calor que se perde num sistema físico ou termodinâmico
quando ocorrem mudanças de um estado ou outro desse sistema; (biologia) medida da variação ou
desordem de um sistema (HOUAISS, 2001).
45

confirmação de seus pontos de vista serem pautados fundamentalmente em seu


raciocínio alicerçado por suas observações informais (MEGARGEE; HOKANSON,
1976).

2.4 Epistemofilia: a pulsão e a relação com o saber

No “Vocabulário contemporâneo de psicanálise” encontramos a


epistemologia na condição de derivado do grego epistéme, ciência + logos, estudo,
se referindo ao estudo do conhecimento. Porém, “em termos psicanalíticos, há uma
aproximação do termo epistemofilia numa alusão mais especificamente a uma
tendência inata das crianças em querer conhecer (filos, amigo de) as verdades dos
fatos que a cercam e para os quais não encontram explicações. Freud [1917] (1996)
considerou a epistemofilia como pulsão componente da libido” (ZIMERMAN 2008,
p.120).
Conforme abordado anteriormente, a pulsão de vida refere-se aos impulsos
com finalidade de atuarem tanto para autoconservação (fome, sede e fuga à dor),
como para preservação da espécie (sexo). Em sua vasta obra, Freud (1996) conferiu
ampla importância à sexualidade; esta, inclusive, é um dos pontos que marca a
fundamentação de sua teoria e denominou de libido a forma de energia pela qual a
pulsão de vida executa seu trabalho. Na realidade, refere-se a uma denominação
para a energia sexual. Contudo, a pulsão de morte trata sobre os impulsos
destrutivos. Para ele, a morte é a finalidade de toda vida e, assim sendo, qualquer
indivíduo tem o desejo inconsciente da morte.
Porém, Freud não mencionou as fontes orgânicas da pulsão de morte,
tampouco conferiu denominação à energia pela qual executa sua função, mas
ampliou argumentos em favor do desejo de morte. Para isso, buscou sustentação no
“Princípio de Constância”, de Fechner, em que todos os processos vivos tendem a
regressar ao equilíbrio do mundo inorgânico. Assim, leva-se em conta que o desejo
de morte nada mais é do que a reprodução do princípio de constância e que os
impulsos agressivos são derivados da pulsão de morte (SHIRAHIGE; HIGA, 2014).
Gomes-da-Silva (2011, p.315-316) entende que:
46

[...] a repetição, que faz o jogador experimentar uma estranha


felicidade, se explica para “Além do Princípio do Prazer” (FREUD,
[1920] 1996). A compulsão em repetir o mesmo jogo não seria
tradução da artimanha do Princípio do Prazer em trapacear o
Princípio de Realidade. [...] Portanto, a força de reagir ao jogo,
repetindo-o, deve provir de outra fonte, que não seja decorrente do
Princípio do Prazer. Na repetição, o mecanismo para controlar a
excitação parece ser outro. [...] A força da repetição no jogo não é
proveniente do Princípio do Prazer, mas da pulsão do organismo.
Uma força tirana que sujeita a consciência, transformando-a em
brinquedo do corpo. Sendo essa pulsão orgânica o que tece a tela da
vida, o corpo é o centro de importância, tudo o mais é pequeno
acessório ou instrumentozinho.

Manifestamos que o jogo é a possibilidade da pulsão de morte ocorrer pela


via da sublimação; isso é, se pudermos falar em dualidade de pulsões. Estamos
falando da agressividade que tem a possibilidade de vir à tona dentro dos moldes do
processo civilizatório.
Podemos considerar que as descobertas psicanalíticas, como o
inconsciente e a pulsão de morte, são a princípio, incompatíveis com a Pedagogia.
Assim, é dificultada a elaboração de uma metodologia pedagógico-psicanalítica, pois
a Pedagogia requer ordem, estabilidade e previsibilidade. Embora o educador possa
organizar seu conhecimento, ele não tem controle sobre o efeito que produz sobre
seus alunos; mais especificamente, não tem acesso às repercussões inconscientes
de tudo que ensina. Mas, indo adiante, é aceitável mencionar que a psicanálise
expõe uma nova possibilidade sobre o aluno, pois se trata de um ser que tem
subjetividade e desejo. Possibilita, pois, compreender certas dificuldades do aluno,
na medida em que se conhece o processo de desenvolvimento da personalidade
(SHIRAHIGE; HIGA, 2004).
Apoiados nesse antecedente psicanalítico, consideramos que não pode ser
imposto à criança o desejo de aprender, o qual só poderá ser satisfeito com os
objetos escolhidos por ela mesma para satisfazê-la, sendo que esta escolha
acontece de modo inconsciente. Assim, é importante o educador elaborar meios de
aprendizagem, sobretudo relacionados ao contexto sociocultural, que vão ao
encontro desses interesses e necessidades.
Anteriormente à descoberta de Freud sobre a sexualidade infantil, ele
entendia a procedência do recalque enquanto um conflito no psiquismo em meio às
47

disposições sexuais e os princípios morais, ficando o encargo pela neurose


determinada pela educação e a moral social. No entanto, desconfiava que a
moralidade no sujeito, ao invés de ser a causa do recalque, poderia ser um meio de
defesa contra o desprazer referente ao registro sexual. Outras informações sobre a
descoberta da natureza da sexualidade infantil permitiram elucidar as causas do
caráter conflitivo da sexualidade. Então, surge a teoria das pulsões sexuais que
levam o organismo ao perigo e compromete a conservação do indivíduo, o que levou
Freud [1920] (1996) a apresentar a primeira teoria do dualismo pulsional, que opõem
as pulsões do eu (autoconservação) às pulsões sexuais.
Como já dissemos antes, a pulsão sexual é suscetível para a migração
com outra finalidade que não necessariamente sexual. Nesse caso para a
sublimação, a educação assume uma função muito importante. Uma pulsão é tida
como sublimada no momento que se direciona para um destino diferente do sexual,
pois se dirige aos objetos socialmente aceitáveis. Isso se caracteriza como a
dessexualização em sua relação com o objeto. A força responsável pela projeção
da pulsão permanece a ser da ordem sexual, com a denominação de libido, porém o
objeto não se trata mais do âmbito sexual (KUPFER, 1992).
Freud [1910; 1915; 1920] (1996) menciona, na síntese de alguns de seus
textos, que existe um tipo de libido excessiva, alguma coisa tida enquanto um
reservatório, que não é utilizado com finalidade especificamente sexual e que,
portanto, deve ser reutilizada. Existiria, então, a chance do reaproveitamento de tal
energia, que se daria pela dessexualização do objeto e do impedimento de sua
finalidade sexual. Dentre elas temos a cultura, a ciência, as artes e aquelas que
geram o bem-estar e qualidade na existência humana. Tem-se um prazer brando
que justifica a busca e a persistência na atividade denominada sublimada. Caso haja
recalque da pulsão, pode-se instalar, por exemplo, uma neurose obsessiva.
As condições indispensáveis à sublimação são providas pelas pulsões
sexuais, e sem sublimação não há cultura. Assim, Kaufmann (1996) acena que a
noção de sublimação tem exatamente o intento de enraizar os grandes domínios da
cultura humana, tais como religião, direito, ciências, arte, e, aproveitamos também
para afirmar, o esporte, nas modalidades da renúncia subjetiva.
Quanto à educação, na medida em que propicia sublimação, ela um papel
importante. No texto que versa sobre o “Interesse educacional da psicanálise”, Freud
[1913] (1996) menciona que os educadores necessitam do conhecimento que o
48

esboço de eliminação das pulsões parciais não apenas não funciona como também
pode determinar suas implicações prejudiciais. Assim, de forma mais proveitosa os
educadores podem dirigir a energia que move tais pulsões.
A educação pode ter a ajuda da psicanálise ao demarcar o equilíbrio entre
a liberdade e o regulamento apontado pela autoridade do educador, já que é
indispensável proporcionar ao educando elementos para observar o mundo e o seu
redor. Consequentemente, a compreensão possibilita um novo conhecimento que
pode transformar seu desejo para si e, também, para o social. Ou seja, a
psicanálise propõe esse desvio para fins favoráveis à sociedade. Isso nos direciona
a compreender que a proposta da psicanálise para a educação é de que o educador
possa buscar com o educando o balanceamento da satisfação do individual com as
necessidades do coletivo (SHIRAHIGE; HIGA, 2004).
Freud denominou de sublimação as obras da civilização que são produtos
das pulsões. Longe de ser uma violência da civilização, a pulsão é o destino de
transformar para um objeto. Assim, a pulsão escópica, ou seja, aquela referente à
visão, irá se transformar no desejo de saber pelo viés da curiosidade sexual, isso
quer dizer interesse pela investigação científica. Porém, Freud entende o desvio da
finalidade primitiva sexual da pulsão como o efeito da repressão promovido pela sua
disposição de satisfação (MILLOT, 2001).
A alteração do caminho de uma pulsão do desejo sexual para uma
finalidade socialmente aceita é o que caracteriza a sublimação. Por meio da
constituição da sublimação podemos nos empenhar na realização das atividades,
como cita Shirahige e Higa (2004, p.37), “ ‘espiritualmente elevadas’, como, por
exemplo, as relacionadas com a arte, a ciência, a promoção de valores humanos e
de condições de vida mais favoráveis”. Percebe-se a marca da libido nessas
realizações, por serem promovidas pela energia sexual, embora sua finalidade não
seja necessariamente e diretamente relacionada ao sexo. A satisfação ao se realizar
uma atividade, independente da condição, carrega o registro de sua origem sexual
no comprometimento e no amor com que alguns se aplicam a ela.
De tal modo, aquele educador que esteja apoiado em conhecimento
psicanalítico tem condições de proporcionar ao educando boas situações para que
este libere suas pulsões, ao invés de buscar instrumentos punitivos a fim de coibir
atitudes que não vão ao encontro de um modelo pedagógico pré-estabelecido sem
fundamentação centrada no próprio educando. Partindo desse pressuposto, e
49

amparado por referencial teórico que considere a teoria da sexualidade infantil,


possamos ter uma educação que caminhe ao encontro do equilíbrio entre a
proibição e a permissão.

2.5 O jogar e a psicanálise

O brincar precisa ser estudado como um tema em si mesmo,


suplementar ao conceito da sublimação da pulsão (WINNICOTT,
1975, p.65).

O princípio do prazer é uma disposição cujo encargo é liberar o aparelho


psíquico de excitações, manter a quantidade de excitação constante, ou ainda fazer
com que ela permaneça a mais baixa possível. As pulsões de vida têm mais relação
com nossa sensação interior, aparecendo como desestabilizadores da quietude e
frequentemente elaborando tensões em que o alívio é sentido como prazer,
enquanto as pulsões de morte parecem executar sua função com discrição. O
princípio do prazer procede do “Princípio de Constância”17, que ocorre pela
tendência à preservação constante da excitação (FREUD, [1920] 1996).
Freud [1895] (1996) em “Projeto para uma psicologia científica” utiliza dois
termos, em alemão, para indicar o desejo: Wunsch, que denota desejo, e Lust, que
se traduz como prazer. Wunsch é o desejo inconscientemente recalcado, e ao
mesmo tempo é realização de desejo. O desejo inconsciente tem a tendência a sua
realização na elaboração onírica, pela qual uma experiência de prazer ou de
desprazer foi armazenada no aparelho psíquico. Assim, ele explana a sua teoria
sobre o sonho como consumação de desejo.

17
“Princípio enunciado por Freud, segundo o qual o aparelho psíquico tende a manter a nível tão
baixo ou, pelo menos, tão constante quanto possível a quantidade de excitação que contém. A
constância é obtida, por um lado, pela descarga da energia já presente e, por outro, pela evitação do
que poderia aumentar a quantidade de excitação e pela defesa contra esse aumento.” Neste sentido,
a noção de constância foi proveitosamente aproximada da noção de homeostase, definida pelo
fisiologista Cannon. Freud introduz ao nível das pulsões um dualismo fundamental e irredutível, as
pulsões de morte tendendo para a redução absoluta das tensões e as pulsões de vida procurando,
pelo contrário, manter e criar unidades vitais que supõem um nível elevado de tensão. (LAPLANCHE,
PONTALIS, 2001, p.356 e 360).”
50

A criança brincando inventa um universo de fábula (fatos imaginados) ao


qual se sujeita, porém igualmente sustenta um afastamento entre ela e a realidade.
Existe um suave balanceamento que somente pode permanecer por uma atividade
simbólica. Assim, o lidar com a condição real é um conflito. Existe alguma coisa que
fechada, que não se manifesta e escapa de toda fala. Trata-se do impossível. Pelo
jogo, pode-se perceber o desejo que não irá se satisfazer, e, assim, busca consertar
uma realidade sem satisfação; apresenta o que não é possível e seu retorno (VIDAL,
1999b). É aceitável, a partir dessa perspectiva, discutir as razões da compulsão à
repetição na relação com o vício do jogo, por exemplo.
Para Nasio (2007), apresentamos fantasias por conta dos desejos que nos
abalam no mais íntimo de nós, porque somos dotados de desejos agressivos e
sexuais que almejam satisfação de imediato sem, no entanto, considerar a realidade
em questão. Assim é a fantasia: um momento mental catártico que coloca em cena a
satisfação do desejo e, consequentemente, alivia sua tensão. Então, a fantasia é a
criação da cena no aparelho psíquico da satisfação de um desejo imprescindível que
não pode ser satisfeito na realidade. Porém, observa-se que a fantasia também
pode, ao contrário, exercer a função de incentivador do desejo, reavivá-lo e ampliá-
lo.
Ainda para o mesmo autor, a fantasia tem enquanto papel suprir uma
satisfação da realidade que não é viável por uma satisfação idealizada existente. Por
conseguinte, o desejo é então relativamente satisfeito na condição de uma fantasia
que, no reservado do inconsciente, expõe a realidade. E, portanto, a fantasia
caracteriza-se como uma defesa do eu para conter o desejo, e assim
descarregarmos nossa tensão. Diante da veemência do desejo, o eu é obrigado a se
proteger sob duas condições: ou por intermédio da tentativa de recalcar o desejo
sem jamais obter o êxito de fato, seja inventando uma fantasia, isto é, idealizando
um consolo viável que supra o alívio integral e impossível clamado. A apresentação
de uma fantasia no inconsciente é a configuração de um desejo em nível de
inconsciente.
A relação do jogo com conceitos psicanalíticos se estabelece a partir do
momento em que se vislumbra que realizar o desejo é obter prazer; por exemplo, o
prazer da prática do jogar/brincar. Ou ainda, o prazer em praticar ações que não
podem ser realizadas, tais como oriundas da agressividade, já que muitos desejos
não podem ser realizados na forma em que aparecem. Eles precisam ser recalcados
51

para não incomodar a consciência, são mandados para o inconsciente, mas os


desejos abafados não se desfazem de sua libido. Estão presentes e, em algumas
circunstâncias, realizam mobilizações, originando sonhos, pesadelos, raiva, ações
sintomáticas e etc. Contudo, há possibilidades de outras intervenções do
inconsciente.
Portanto, é importante investigar o significado do termo “jogo” do ponto de
vista psicanalítico, já que ele é uma parte da realidade social, que se desenvolve e
se transforma. Assim, agredir alguém não é permitido. Mas, comportamentos dentro
das regras do processo civilizatório, como por exemplo, do jogo, sim. Bater em
alguém não pode, mas chutar a bola, tudo bem!
O futebol propicia situação para que ocorra a sublimação das forças
pulsionais de agressão inerentes ao entendimento da psicanálise, possibilitando sua
ocorrência, de modo aceitável socialmente, contribuindo para a realização parcial
direta da satisfação.

O futebol expressa bem ao esforço civilizatório, particularmente com


relação à força de Eros e das impulsões destrutivas que o criador da
psicanálise (FREUD) sublinhava os grandes perigos: “a hostilidade
de cada contra todos e a de todos contra um, se opõe a esse
programa da civilização” (MARTINS, 2010, p.76).

Existe entre os povos primitivos e atuais uma necessidade cultural de


manter acessa uma disposição hostil, o que facilitaria o escoamento
de uma agressividade selvagem durante a batalha. Como
curiosidade, é importante assinalar que os bons técnicos de futebol
sabem disso por intuição. Sabem que incentivando os brios, ativando
o ódio e a vingança dos seus pupilos antes do jogo ajudam a
fomentar o afloramento de um certo espírito de luta, levando mais
perigo de gol à meta do adversário.” (AZOUBEL NETO, 2010, p.68)

Em “Além do Princípio de Prazer”, Freud [1920] (1996) aventa sobre a


ocorrência de que o indivíduo não consegue recordar o conjunto do que nele se
encontra recalcado, e o que não lhe é possível recordar pode ser exatamente a
parte essencial. De tal modo, o sujeito não consegue nenhum sentimento de reparo
da elaboração da teoria que lhe foi informada. Assim, torna-se necessário reproduzir
o conteúdo recalcado como se fosse uma situação atualizada. Também diz que as
resistências do sujeito tem sua origem no ego e, assim, de imediato percebe-se que
a compulsão à repetição deve ser atribuída ao recalcado no inconsciente.
52

Nessa conjuntura, por exemplo, o recalcado presente no inconsciente não


é levado em consideração por muitas teorias psicológicas. Sabendo que boa parte
daqueles que trabalham com o esporte em seus aspectos psicológicos não
consideram a existência do inconsciente, começamos a compreender porque muitos
atletas, principalmente os mais destacados pela mídia, continuam repetindo
comportamentos destrutivos.
Para Wagner (1998), o princípio do prazer e a constatação da ação deste
princípio é fácil de ser aceita, pois é o que nos faz tentar resolver tudo o que nos
incomoda, e buscar o que é agradável. A fome, a sede e o sono são necessidades
básicas, sentidas como incômodo. Resolvê-las é sentido como prazeroso. Nesses
casos, a resolução é recolocar algo que está faltando: comida, água e repouso. E
também rege ações que não estão ligadas às necessidades básicas, o que nos
coloca diante de situações mais complexas e sutis. Como explicar o desejo humano
de pintar, escrever, dançar, representar, conhecer... e jogar futebol?
Para a psicanálise, a circulação de uma energia psíquica é a libido. A libido
é produzida primeiramente no corpo, depois se transforma em energia psíquica. O
tempo todo o corpo produz muita energia. Parte dela é gasta para manter o próprio
corpo em funcionamento e para os afazeres diários. Sempre sobra um pouco de
libido, que fica acumulada. Realizar alguma atividade que descarregue essa energia
é a vivência do prazer. Por outro lado, quando a libido se acumula demais e não é
descarregada em vez de prazer sentimos ansiedade, nervosismo, irritação, insônia...
e quando a libido fica muito tempo acumulada, pode desencadear uma neurose ou
retornar ao corpo transformando-se em doenças. Assim, as atividades culturais
humanas, dentre elas o “jogar”, são a expressão da libido na luta pela sobrevivência
(FREUD, [1920] 1996).
A diferença que encontramos nas principais línguas europeias (nas quais
spielen, to play, jouer, jugar têm significado tanto jogar como brincar) e a língua
portuguesa nos força comumente a eleger um ou outro destes dois, forçando de tal
modo a precisão da tradução em uma terminologia que apenas naquelas línguas
tornaria possível. Também em português a palavra “divertimento” é apenas a
maneira menos inadequada de exprimir esse conceito, que para Huizinga (1999)
corresponde à própria essência do jogo, e está ligado também a noções como as de
prazer, agrado, alegria, etc.
53

Assim, neste estudo estaremos utilizando a denominação jogar ou brincar


para nos representar diante de alguma citação que caibam os termos, variando a
utilização de uma ou outra conforme o utilizado pelos autores que revisamos. Isso
possibilita transitarmos, além de despertarmos a atenção para o seu significado. De
acordo com Winnicott (1975), em “O brincar e a realidade”, refere-se à ideia de algo
suplementar ao conceito de sublimação da pulsão.
Ou seja, o jogar é a atividade que propicia a condição para que ocorra a
sublimação das forças pulsionais, tanto de dominação quanto de agressão,
inerentes ao entendimento da psicanálise, possibilitando sua ocorrência de modo
aceitável socialmente, com impacto cultural, contribuindo para a realização parcial
direta da satisfação.
A existência de diferentes significados atribuídos a termos como jogo,
jogar, brincar, brinquedo e brincadeira, acabam conferindo-lhes certa imprecisão
conceitual. Pois, a enorme variação de jogos conhecidos nos demonstra a
diversidade que se inclui nessa categoria:

O termo brinquedo pode significar indistintamente objeto para as


crianças brincar; jogo de crianças e brincadeiras. O sentido usual
permite que a língua portuguesa referende os três termos como
sinônimos. Essa situação reflete o pouco avanço dos estudos na
área (KISHIMOTO, 2002, p.7).

Pelo fato de estar inserido em uma categoria que admite diferentes


significados, o brincar já foi alvo de estudo por diversos autores de diversas áreas,
tais como: Huizinga, Caillois, Ariès, Aristóteles, Platão, Dewey, Vygotski, Bougère,
Piaget, Chateau. Evidentemente, também de psicanalistas como Freud, Winnicott, e
Klein. Ou seja, apesar das investigações existentes, ainda há diversos
questionamentos que insistem entre os educadores que buscam fazer relação entre
o brincar e o educação (KISHIMOTO, 2002, p.9 e 13).
Abordando especificamente a terminologia referente ao “jogar”, uma
característica do conceito, conforme destacado por Huizinga (1999), trata da a
agradável percepção de entusiasmo permitido por seu ritmo e harmonia muito
prazerosos, isso significa, o aspecto do contentamento na ação de jogar. Contudo,
nas mesmas condições que proporciona alegria, é visto com seriedade por aqueles
que praticam, pois exclusivamente essa seriedade é que afiança o ingresso ao jogo.
54

Na maioria das vezes, caso o jogo perca sua seriedade, consequentemente deixará
de ser praticado por seus participantes.
O brincar da criança é apontado pelo anseio que ajuda o seu
desenvolvimento, ou seja, o desejo em transformar-se na pessoa crescida. A criança
muitas vezes brinca ‘de adulto’, repetindo o seu gesto sem razões para ocultar. Já
com relação ao adulto se tem a expectativa que não permaneça brincando ou
fantasiando, porém, agindo sobre a realidade. Para aquele que já se tornou adulto
há a vergonha de suas fantasias, pois são dignas das crianças, e assim proibidas.
De acordo com Vidal (1999a), a criança anuncia suas fantasias, seus
desejos, bem como suas vivências de um jeito simbólico por intermédio dos
brinquedos e jogos. Caso desejemos uma compreensão do jogo da criança,
devemos extrair o significado de cada símbolo separadamente.
Para Freud [1908] (1996), em “O Criador Literário e a Fantasia”, ao brincar,
as crianças inventam um universo digno e moldado ao seu desejo, diferenciando-o
de modo preciso em relação à realidade. É exatamente aquilo que realiza o escritor
criativo ao elaborar um universo de fantasia pelo meio da arte, visto que, mesmo
investindo imensa quantia de emoção, resguarda um afastamento claro com a
realidade. Portanto, esta conexão é o que estabelece a diferença entre o brincar e o
fantasiar (MOURA, 2007).
Freud ([1908] (1996), p.77) menciona que:

a ocupação favorita e mais intensa da criança é o brinquedo ou os


jogos. Seria errado supor que a criança não leva esse mundo a sério;
ao contrário, leva muito a sério a sua brincadeira e despende na
mesma muita emoção. A antítese de brincar não é o que é sério, mas
o que é real. Apesar de toda a emoção com que a criança catexiza
seu mundo de brinquedo, ela o distingue perfeitamente da realidade,
e gosta de ligar seus objetos e situações imaginados às coisas
visíveis e tangíveis do mundo real. Essa conexão é tudo o que
diferencia o ‘brincar’ infantil do ‘fantasiar’.

O termo fantasia se estabelece para a psicanálise, segundo Laplanche e


Pontalis (2001), enquanto um roteiro imaginário em que o indivíduo está presente,
representando, de uma maneira mais ou menos desfigurada pelos processos
defensivos, a realização de um desejo e, em última análise, de um desejo
inconsciente.
55

O universo tanto do brincar quanto da fantasia das crianças, para Freud, é


seguramente uma das afirmações que melhor demonstra a grandeza inventiva da
ilusão. Pois, quando a criança brinca, ela inventa um espaço que é próprio e que
habita com as criações de sua própria imaginação, que não são algo senão
consumações de um desejo sustentado por seu narcisismo, o qual se confia seja
onipotente (ROCHA, 2012).
Conforme Stagliotto (2008), aquilo que é manifesto no instante da
brincadeira pode ser compreendido como demonstração simbólica dos conflitos,
formando-se material utilizado de modo interpretativo. Assim, é por intermédio do
brincar que a psicanálise para crianças estabelece seus princípios básicos. Tal
circunstância proporciona a elaboração da fundamentação sobre teorias dos
estágios primitivos do desenvolvimento infantil. Trata-se de um modo espontâneo da
criança na dramatização, bem como elaboração dos conflitos e manifestações do
inconsciente.
Conforme Kaufmann (1996), Melanie Klein (1882-1960) alega que o
terapeuta busca comunicar-se com a criança tendo ciência que ela não tem domínio
ao usar da linguagem para transmissão das intermináveis sutilezas que podem ser
detectadas pelo ato do brincar. Portanto, o brincar era por ela considerado como
material que apresenta possibilidade para a interpretação da situação
transferencial. Pois as condições disponibilizadas no brincar estão na equivalência
às fantasias, inclusive dando acesso à sexualidade infantil e à agressividade: ao seu
redor pode-se instalar uma relação (contra) transferencial da criança e do analista
já que diante de suas angústias, a criança amplia diversos tipos de defesa e de
manobras de reparação, que formam a primeira fonte da criatividade e da
sublimação.
Winnicott (1975) em sua obra clássica “O Brincar e a Realidade”, menciona
que o tema do brincar necessita ser estudado como algo em si mesmo, de modo
complementar ao conceito de sublimação da pulsão, tanto quando nos referimos às
crianças quanto aos adultos, algo que une o ser ao humano em uma experiência
cultural. Pois brincar é universal e próprio da saúde, já que atua no crescimento,
conduzindo aos relacionamentos grupais, e na psicoterapia pode ser uma via para
comunicação. Se por si só é uma terapia, então deixar que as crianças brinquem é
em si uma psicoterapia de aplicação imediata, afirmando uma atitude social benéfica
56

que tem como característica uma experiência criativa de uma experiência espaço-
temporal como uma forma básica de viver.
Quando as crianças que cresceram abrem mão do brincar, tal como ocorre
com os jovens e adultos, começam a usar das situações de devaneios ou sonhos
diurnos, as chamadas fantasias conscientes. Assim, é criada uma condição que é
intensamente investida de forma imaginária, que o indivíduo, com o propósito de se
proteger das cobranças da realidade exterior, acaba por escondê-la (MOURA, 2007).
Assim, Freud ([1908] (1996), p.78) afirma:

[...] ao crescer, as pessoas param de brincar e parecem renunciar ao


prazer que obtinham do brincar. Contudo, quem compreende a
mente humana sabe que nada é tão difícil para o homem quanto
abdicar de um prazer que já experimentou. Na realidade, nunca
renunciamos a nada; apenas trocamos uma coisa por outra. O que
parece ser uma renúncia é, na verdade, a formação de um substituto.
Da mesma forma, a criança em crescimento, quando pára de brincar,
só abdica do elo com os objetos reais; em vez de brincar, ela agora
fantasia. Acredito que a maioria das pessoas construa fantasias em
algum período de suas vidas.

Freud refere-se ao jogo da criança em alguns trabalhos tal qual um


discurso em que o inconsciente causa seus efeitos. Refere-se, assim, não à
elaboração de técnicas, mas de ouvir nessa falação reservada que a criança
alimenta as constituições do inconsciente. Assim, analisa-se aquilo que se manifesta
nos seus desenhos, sonhos, relatos, e dentre eles, os jogos (VIDAL, 1999a).
O jogo se instala em um lugar na conjuntura atual, já que, no seu espectro
de expressões, não se trata apenas de um espetáculo esportivo, mas presente
também em outras possibilidades de ação. Ou seja, o jogo tem sido praticado e
investigado por distintas possibilidades, as quais admitem compreender concepções
diferenciadas em relação ao seu conteúdo bem como das particularidades que o seu
ensino deve admitir (GARGANTA, 2002).
O jogar apresenta-se pela repetição de atos que apontam a superação do
que está sendo apostado na atualidade, e do mesmo modo o sujeito se posiciona na
busca da própria superação. Torna-se notório que a investida da própria superação
direciona-se para o prazer em consequência do jogo, e também proporciona
liberdade na manifestação do sujeito, evidenciando seu caráter lúdico.
57

Pode-se considerar que alguns aspectos do jogar nos remetem ao


posicionamento de Freud [1920] (1996) sobre sua importância no desenvolvimento
da criança, e que suas ocupações favoritas se dão com grande intensidade pelo
desejo dessa prática. E também para a criança o brincar por meio do jogo permite a
busca histórica dos processos inconscientes, bem como de seu desenvolvimento
emocional a partir de sua autoestima no relacionamento com o outro e consigo
mesma, estabelecendo um controle interno que é elaborado e que pode se
manifestar a partir do princípio do prazer.
Freud [1920] (1996) mencionou que há algo de pulsional que remete o
sujeito para certa destrutividade. Percorrendo esse caminho, ele vai culminar na
fundação do dualismo pulsional: pulsão de vida versus pulsão de morte. Ou seja,
pode-se propiciar situações “artificiais” para que ocorra a sublimação das tensões
pulsionais, tanto no que se refere à dominação, quanto da agressão, que são
próprios ao entendimento da psicanálise, mas autorizando sua ocorrência, em
circunstâncias aceitáveis no contrato civilizatório, como no jogo.

2.5.1 O pensamento winnicottiano sobre o brincar

A psicanálise é um campo que se instituiu como processo terapêutico,


método de investigação e teoria a respeito do psiquismo humano. A partir de
inúmeros trabalhos de Freud até a atualidade, vários psicanalistas têm colaborado
para o enriquecimento da área. Entretanto, diversos, por intermédio de seus
trabalhos, produzem materiais bastante peculiares no exercício da clínica. Assim,
formam novas linhas e escolas psicanalíticas (SAFRA, 2010).
Especificamente o brincar no tratamento foi investigado por alguns
psicanalistas renomados. Dentre esses citamos Donald Woods Winnicott (1896-
1971), que preconizava o enfoque na função do meio ambiente para a afirmação do
sentido de si mesmo. Suas ideias podem ser encontradas dispersas por vários
artigos técnicos e obras curtas. Sua obra foi interrompida em 1971 devido à sua
morte. O agrupamento de muitos textos é encontrado com diversas temáticas
particulares do autor em sua obra “Da pediatria à psicanálise”, publicada
originalmente em 1958 (2000e).
Winnicott, ao adentrar na psicanálise, surgiu de forma bem peculiar. Pois,
de modo diferente da tradição freudiana, veio a rejeitar a estrutura psicanalítica
58

denominada metapsicologia, já que para Winnicott o psiquismo é visto como


fenômeno da natureza. Ou seja, há um afastamento do biologismo freudiano, que vê
no ser humano um potencial herdado que cresce, numa condição que, antes de ser
real, é uma potencialidade. Para Winnicott, o self é uma realização desse potencial
humano. A vida é vivacidade, não orgânica. Portanto, há muita ênfase ao ambiente
(TOMMASI, 1997).
Algumas de suas obras, além das citadas anteriormente, são: “A criança e
seu mundo” [1957] (1979), “O brincar e a realidade” [1971] (1975), “Consultas
terapêuticas em psiquiatria infantil” [1971] (1984), “The Piggle: relato de um
tratamento psicanalítico de uma menina” [1977] (1987), dentre outros livros, além de
vários organizados por diferentes autores sobre suas publicações.
Apesar da obra de Winnicott constantemente aparecer sobre a forma de
uma teoria do amadurecimento, ele não escreveu uma apresentação ordenada. O
único livro que mais poderia se aproximar desse processo é “Natureza humana”
[1988] (1990), que se manteve inacabado. Nesta obra encontra-se um
empreendimento em que o autor realizou uma exposição geral de seus pontos de
vista. Além do mais, seus livros caracterizam-se por compilações de textos isolados,
escritos originalmente no formato de seminários para um público das mais diversas
formações, o que torna complicada a compreensão de suas ideias. O intuito dessa
obra consiste na apresentação dos principais elementos conceituais de sua teoria,
exibindo seus pressupostos (REDPSI, 2016).
De tal modo, temos a Teoria do amadurecimento de Winnicott que trata da
descrição, bem como da elaboração de conceitos, das etapas características e
ocorrências no decorrer dos estágios da vida, as quais afetam o desenvolvimento do
ser humano. Os períodos da vida se diferenciam, desde o momento intrauterino até
a velhice, passando, entre esses citados, pela infância, adolescência, juventude e
idade adulta. A maior ênfase se dá nos períodos iniciais da vida, pois trata-se do
instante em que há necessidade de estabelecer o alicerce psíquico com intuito de
existir e estabelecer-se com sua identidade (DIAS, 2003).
A compreensão da Teoria do amadurecimento, ainda segundo Dias (2003),
é de vital importância para o analista na detecção das dificuldades emocionais e
fenômenos que a envolve. Porém, além do próprio analista, não há restrição para
outros envolvidos na vida do ser humano partilharem dessa ciência. Pais e mães,
bem como responsáveis, além dos educadores participantes da formação (dentre
59

esses, incluímos o professor-treinador), podem ser alertados para a necessidade da


elaboração de atividades e condutas de prevenção da saúde psíquica. Dentre elas,
podemos citar as realizações culturais (como o futebol), e todas as relacionadas ao
domínio da criatividade.
Para Aiello-Vaisberg (2005), Winnicott não chegou a teorizar sobre as
condições de trabalho fora do “setting analítico”18. Mas, deixou algumas pistas
preciosas que podem orientar nosso pensamento. Uma delas está intimamente
ligada com os aspectos capazes de alojar “o brincar”19.
Durante o transcorrer de aproximadamente quatro décadas de um trabalho
clínico intenso, Winnicott chega a uma síntese de suas diferentes teorias. Assim, em
“O brincar e a realidade” (1975), seu último livro, apresenta relatos sobre a relação
com as crianças em suas consultas, em que tanto o gesto quanto a palavra estão
inseridos na ampla liberdade que se dava por um elemento em comum: o brincar.
Para ele a terapia acontece em duas áreas do que chama de “brincar”: as
áreas do paciente e do terapeuta. A terapia se refere a duas pessoas em conjunto
na atuação do brincar. Pois a função do terapeuta consiste em trazer o paciente da
situação em não conseguir brincar para outra situação que é conseguir brincar. E o
que tem referência à criança brincando também é válido para o ser humano na
condição de adulto. Portanto, aí está, por meio do brincar, estabelecida a
comunicação entre as partes (WINNICOTT, 2000e).
Winnicott (1975) percebe o brincar em si como um objeto de estudo que
tem sua própria potencialidade. Esse brincar não está limitado apenas às crianças,
também se estende aos adultos. Porém, o brincar apenas pode ser compreendido
com a noção de fenômenos transicionais, a transicionalidade. Ou seja, aquela que
se refere à transição entre o interno e o externo para a criança. Ocorre na passagem
entre os primeiros estágios de vida do ser humano, o da dependência absoluta de
outro ser humano, em geral da mãe, e o da dependência relativa, quando se inicia a
aproximação da realidade compartilhada com outras pessoas. Ou seja, neste

18
“No campo analítico, o setting é um espaço que se oferece para propiciar a estruturação simbólica
dos processos de subjetivos inconscientes, reunindo as condições técnicas básicas para a
intervenção psicanalítica.” “Em “Recordar, repetir e elaborar” [1914], Freud faz um histórico do
desenvolvimento da técnica psicanalítica” concebendo o setting analítico enquanto local específico
para o transcorrer da relação analítica (BARROS, 2013, p.71-72).
19
A partir deste ponto, utilizaremos a terminologia “brincar”, pelas razões já expostas anteriormente.
60

momento, inicia-se a simbolização, quando o objeto ou fenômeno externo é tomado


em um mundo próprio. Isso significa que esse objeto não é ainda tomado pelo ser
humano como algo externo a ele mesmo. Ou seja, ele não é ainda tomado como
externo, apesar de sê-lo. Trata-se de um momento de transição.
Os objetos transicionais são aqueles que não pertencem ao corpo da
criança. Para Winnicott, a compreensão do brincar exige atentar para o fato de que
esse campo transicional, intermediário, constitui-se pela realidade interna e externa.
O brincar está na fronteira entre o interno e o externo da subjetividade.
Segundo Winnicott (1975), o brincar promove o sentimento de confiança no
espaço “transicional” ou “potencial” que se instala entre o bebê e a mãe. O que se
estabelece por meio desse espaço irradia-se para a confiança que pode se
estabelecer entre o bebê e o mundo externo, possibilitando uma internalização da
confiança no próprio cuidado. Trata-se de um momento da permissão dada ao bebê
para migrar de sua dependência em relação aos seus próximos para a autonomia.
Então, surgem os fenômenos transicionais que encaminham para o “brincar
compartilhado”, e daí para as vivências tidas pela cultura. Portanto, a brincadeira é
tida como algo universal e um facilitador do próprio crescimento com saúde.
Stagliotto (2008, p. 182) afirma que as ações da criança durante o brincar
se traduzem em seus canais de expressão; aquilo que é simbólico serve como forma
para representar o mundo interno e inconsciente:

Durante a brincadeira, a criança cria e imagina, de acordo com seu


mundo ideal, utiliza a ilusão e a invenção como parte real do jogo,
muitas vezes, incorporando papéis do tipo pensamento mágico.
Nessa experiência, o equilíbrio entre o mundo da fantasia e o mundo
real irá permitir à criança fazer um elo entre o que é real e o que é
brincadeira. É importante identificarmos em qual fase do
desenvolvimento a criança encontra-se para relacionarmos ao tipo de
atividade lúdica envolvida.

Winnicott (1975, p.78) apresenta a “teoria da brincadeira” como uma


sequência relacionada ao processo de desenvolvimento, ou seja:

a) o bebê e o objeto estão fundidos um no outro. A visão que o


bebê tem do objeto é subjetiva e a mãe se orienta no sentido de
tornar concreto aquilo que o bebê está pronto a encontrar;
b) o objeto é repudiado, aceito de novo e objetivamente
percebido. Esse processo complexo é altamente dependente da mãe
ou figura materna preparada para participar e devolver o que é
abandonado. Isso significa que a mãe (ou parte dela) se acha num
permanente oscilar entre ser o que o bebê tem capacidade de
61

encontrar e (alternativamente) ser ela própria, aguardando ser


encontrada. Se a mãe pode desempenhar esse papel por certo
tempo, sem permitir impedimentos (por assim dizer), então o bebê
tem certa experiência de controle mágico, isto é, experiência daquilo
que é chamado de 'onipotência' na descrição de processos
intrapsíquicos.

A brincadeira é algo que se realiza de forma extremamente excitante. As


pulsões estão envolvidas no processo e sua importância se alicerça entre a
realidade psíquica e a experiência no controle dos objetos reais que se instalam num
meio digno da confiança, expirando satisfação mesmo diante da ansiedade, pois,
quando esse nível é elevado, a situação torna-se insuportável e o brincar se destrói
(WINNICOTT, 1975).
O self verdadeiro é a criatividade em pleno curso, a espontaneidade em
ação. Já o termo falso self é utilizado para descrever uma condição de defesa que
se faz necessária ao bebê que não é cuidado de maneira suficientemente boa, ou
seja, que, para sobreviver, necessita moldar-se ao que o ambiente solicita dele. No
instante em que há a apresentação da defesa do falso self, o self verdadeiro é
ocultado, protegido de “invasões” ambientais. Torna-se o equivalente à função do
ego direcionado ao mundo, entre o id e a realidade. Caso o self verdadeiro se torne
“imobilizado”, ele torna-se impotente para atuar, consequentemente sua experiência
permanece limitada. É por intermédio do brincar que tanto a criança quanto o adulto
podem ser criativos utilizando sua individualidade inteiramente. Apenas tornando-se
criativo é que o sujeito desvenda o self - eu (WINNICOTT, SHEPHERD, DAVIS,
1994).
A primeira posse da criança é o denominado objeto transicional, que irá se
traduzir no símbolo do acesso da experiência de adaptação da mãe às suas
necessidades; do momento de dependência total para uma dependência relativa. A
mãe também percebe que neste momento a criança não é mais sua parte. Portanto,
o objeto externo refere-se, também, a um componente da maternagem. Sobre o
objeto externo, então, encontramos o primeiro momento de posse de transformação
dada ao objeto transicional que é afetuosamente tratado, no mesmo instante que
amado e mutilado com um sentimento excitado (ABRAM, 2000; WINNICOTT,
2000c).
A repetição do jogo do Fort Da (Freud [1920] 1996) baseia-se na
elaboração da presença e ausência de sua mãe, ou seja, a experiência da mãe indo
62

embora e retornando transforma a ida em algo menos medonho, pois propicia ao


bebê a ideia de que não será abandonado. Assim, a criança elabora seus medos
arcaicos, e paulatinamente, por meio da brincadeira, estabelece a separação entre a
realidade externa e interna, por intermédio da simbolização. Ou seja, isso apenas
pode ser facilitado pela mãe, já que o desenvolvimento psíquico depende da
frustração para a criança vir a ser a melhor pessoa possível (DUPAS, 2008).
Ainda Dupas (2008) aponta que o ser humano não sobrevive sem as
funções maternas e nem paternas, pois necessita da presença de outro para ser
constituído o mais estruturadamente possível, já que esses irão construir sua vida
mental. Eles, nessa configuração edípica, têm a função de inserir a criança na
cultura, e por seu intermédio humanizá-lo adequadamente. Assim, “os pais vão se
transformando em pais”. Essa é uma função da criança. De tal modo, a função
paterna, na condição de representante da lei, tem uma ligação suficiente amorosa,
apesar de que no primeiro momento sua função é restrita a auxiliar a dupla mãe-
bebê. Depois, com o tempo, irá estabelecendo a lei. Caso o ambiente tenha sido
suficientemente bom nesse momento inicial, proporcionando ao bebê boas
experiências na construção do self, dominando suas pulsões e aprendendo a lidar
com o princípio do prazer e da realidade, então desenvolverá a capacidade para
superar os momentos difíceis atribuídos pela vida.
A experiência cultural solidifica o conceito sobre a brincadeira. Para
concretizar há que realizar algo, não somente pensar ou desejar. Brincar é fazer.
Winnicott (1984) cita que Freud ao elaborar a topografia do aparelho psíquico, não
teve êxito em posicionar a experiência das coisas culturais. Ele se põe como quem
conseguiu dar valor à realidade psíquica interna. Assim, a sublimação é utilizada
para indicar a experiência cultural de forma significativa. Porém, não foi possível
demonstrar em qual local da mente fica instalada.
Ainda sobre a experiência cultural primária que se inicia numa relação
precoce entre a mãe e a criança, ela é fundamental para o estabelecimento da vida,
ou seja, para o viver e ser um adulto criativo. A área ou espaço transicional inicial
irradia-se para a cultura e se referirá às experiências culturais próprias de cada um
inserido em um contexto social amplo. Sobre o brincar e a experiência cultural
deslumbra-se o passado, o presente e o futuro (ABRAM, 2000; WINNICOTT, 2000c).
Partindo da satisfação que se tem na relação original com a mãe e o
ambiente, incluindo pai, irmãos e próximos, é que o potencial em brincar e agregar
63

relações por meio de novas amizades torna-se viável. Nesse caso, trata-se da
interação egóica da relação estabelecida pela mãe e a criança nas experiências
culturais. Quando as crianças brincam fazem tanto amizades quanto inimizades.
Porém, não conseguem fazer amizades sem brincar, já que por intermédio deste
recurso dão-se as relações emocionais. Os contatos se ramificam apoiando-se no
espaço transicional. Assim, instala-se uma experiência satisfatória dos fenômenos
transicionais equivalente a um êxtase egóico. A terceira área pelo brincar será
proporcionada pelas vivências culturais facilitando a saúde, conduzindo aos
relacionamentos grupais (WINNICOTT, 2000c).
A confiança nos primeiros cuidados é fundamental para o estabelecimento
do espaço transicional e a possibilidade de uma aproximação à realidade
compartilhada. É necessário para a criança um bom início estando junto com a mãe.
Ou seja, a criança confia na mãe, pois internaliza essa boa experiência ao viver com
ela. O desenvolvimento ocorre quando o ser humano sai de um nível de
dependência total e parte para a compreensão da diferença entre o interior e o
exterior. E isso ocorre com a mãe “se desadaptando”, já que ela também tem suas
próprias necessidades. Então, a criança opera a separação entre o self e a mãe
(ABRAM, 2000; WINNICOTT, 1975, 2000c).

2.5.2 Objetos e fenômenos transicionais

A partir da vivência de fenômenos transicionais os bebês poderão eleger os


denominados objetos transicionais. Estes se tornam a primeira possessão do bebê e
se caracterizam por serem objetos que a criança instituiu. Para nós adultos, trata-se
da ponta de um cobertor, de um pano qualquer ou mesmo um brinquedo. Estes
objetos são relegados ao limbo e os fenômenos transicionais irradiam-se para
fenômenos culturais, religiosos ou artísticos, dependendo do padrão cultural próprio
de cada um numa condição futura, enquanto adultos. Trazem para todo o ser
humano algo que estará sempre guardado enquanto importante para ele. Isso
significa uma área neutra que não é contradita, que está entre o interno e o externo
(ABRAM, 2000; WINNICOTT, 1990).
É a partir dos estudos sobre os fenômenos transicionais que Winnicott
(1975) menciona que o significado do brincar ganhou uma nova conotação. Ou seja,
64

leva-se o ser humano pela técnica transicional para a experiência cultural. A criança
transporta para a brincadeira objetos ou fenômenos vindos da realidade externa a
serviço da realidade interna ou pessoal. De tal modo, a criança demonstra um
potencial onírico num meio escolhido na realidade externa. Pois, por intermédio do
brincar, a criança consegue manipular os fenômenos externos utilizando um
significado e sentimento próprio.
Winnicott (1975, p.16) descreveu bastante as implicações dos objetos e
fenômenos transicionais em sua obra “O brincar e a realidade”. A seguir,
apresentamos pontos sobre a qualidade específica do relacionamento entre a
criança e o objeto transicional:

(1) O bebê assume direitos sobre o objeto;


(2) O objeto é afetuosamente acariciado e também mutilado
excitadamente;
(3) Ele não deve mudar nunca, a não ser pela ação do bebê;
(4) deve ser capaz de sobreviver ao amor instintivo e ao ódio, e à
agressão;
(5) deve dar a impressão ao bebê de parecer ter vida e realidade
próprias;
(6) do nosso ponto de vista ele provém do exterior, mas para o bebê
não é bem assim. Mas, não vem do exterior, pois não se trata de
uma alucinação;
(7) seu destino é de ser gradualmente descatexizado, sem ao longo
dos anos ser esquecido. Na saúde, o objeto transicional não vai para
dentro. Apenas perde o sentido num território intermediário entre a
realidade psíquica e o mundo externo.

No caso da bola, assim poderíamos dizer, o objeto transicional não se


refere a um objeto em si mesmo, porém, ao uso desse objeto. Quando a criança
passar pelo estágio dos três meses aos doze meses, aproximadamente, o sentido e
o significado, tanto da bola quanto do jogo, torna-se outro (WINNICOTT, 2000e).
Indubitavelmente, os conceitos de objeto e fenômeno transicionais
auxiliaram a reavaliar a função da cultura como contribuição à experiência humana
por intermédio do pensamento psicanalítico. Também houve uma mobilização na
busca de conhecimentos sobre a área intermediária, intimamente relacionada com a
experiência do viver, que se isenta de ser sonho ou relação de objeto. Este
paradoxo é fundamental. Estamos tratando de algo na experiência do viver que não
está relacionado nem com a realidade interna e nem externa. Mas uma dimensão
elaborada pelas duas realidades que tem a capacidade de distinguir o interior do
exterior (WINNICOTT; SHEPHERD; DAVIS, 1994).
65

Esta dimensão é denominada por Winnicott por alguns termos, tais como
“terceira área”, “área intermediária”, “espaço ‘transicional’ ou “potencial”, “local de
repouso” ou ainda “localização da experiência cultural”. Os fenômenos transicionais
estão presentes inclusive antecedendo ao nascimento, ou seja, no que refere-se à
formação mãe-bebê. Referem-se à cultura, ao ser e à criatividade. E,
implacavelmente, ao iniciar-se a separação do eu e não eu, ao deixar o momento de
dependência total ou absoluta para dar entrada à dependência relativa, o bebê
necessita dos fenômenos transicionais, inclusive elegendo objetos. Isso ocorre pela
utilização dos símbolos. Então, os fenômenos transicionais estão associados,
impreterivelmente, ao brincar e à criatividade (ABRAM, 2000; WINNICOTT, 2000c).
Em “O Brincar e a Realidade”, Winnicott (1975) descreve o enfoque para o
espaço da relação paciente-terapeuta como um fenômeno transicional, expondo que
o brincar trata-se de uma experiência criadora que se posiciona em determinado
lugar e tempo para se instalar. Porém, isso não ocorreria “dentro”, enquanto uma
realidade psíquica interna, e tampouco “fora” na condição de uma realidade externa,
mas sim como aquilo que ocorre “entre” a relação (STAGLIOTTO, 2008).
O que denominamos enquanto fenômenos transicionais significam as fases
elementares da utilização da ilusão. Trata-se da sustentação para uma intervenção
na dimensão da ordem do simbólico que se instala entre a mãe e a criança. Propicia
simbolizar a falta da mãe e usufrui da primeira vivência na relação com o ato de
brincar. Na terapia, o brincar se insere enquanto o espaço no intermédio mãe-
criança. Ele tem um valor universal:

[...] ao psicanalista tem que resultar-lhe valioso que se recorde a


cada instante, não só o que se deve a Freud, senão também o que
lhe devemos a essa coisa natural e universal que chamamos “jogo".
É inerente à constituição de todo sujeito e, portanto inscreve a
criança no campo da criatividade e da cultura (VIDAL, 1999b, p.46).

A função do objeto transicional acontece com a necessidade da criança


ultrapassar a dependência, tendo o auxílio da mãe, que irá desiludi-lo. Ninguém está
liberado da tensão ao relacionar-se com a realidade interna com a externa. O que
atenua essa tensão é a área intermediária da experiência, dentre elas, as já citadas
artes e religião (assim como o esporte), entre outros. Essa área intermediária está
sempre relacionada à criança pequena que se afasta quando brinca. Ou seja, ela se
esquece daquilo que está ao seu redor. Há uma concentração exclusiva sobre o ato
66

de brincar. Ao aceitar o simbolismo, a criança está instituindo uma diferença entre


fantasia e fato. Ou seja, a transicionalidade abre possibilidade de ser capaz de
aceitar as diferenças e as igualdades (ABRAM, 2000; WINNICOTT, 2000c).
O emprego, por parte da criança, do denominado objeto transicional, tal
como a chupeta, o paninho ou a bola, bem como por sua participação na
transicionalidade, tal como no jogo, nos possibilita, como seres humanos, a vivência
da denominada área intermediária de experimentação20. Esta é fundamental para
nossa saúde mental e não pode ser contestada em nenhuma circunstância.
Enquanto ponto de partida, essa área neutra de experiência, os objetos e
fenômenos transicionais são pertencentes ao campo de domínio da ilusão,
antecedendo à realidade (WINNICOTT, 1975).
É na terceira área da experiência humana que a criança pode brincar assim
como o adulto faz algo que torne a vida valer a pena. Ou seja, podemos transcender
nossa existência por intermédio das experiências culturais. Para Winnicott (1975, p.
70):

[...] o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar


conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma
de comunicação; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como
forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação
consigo mesmo e com os outros. O natural é o brincar, e o fenômeno
altamente aperfeiçoado do século XX é a psicanálise. [...] Dificilmente
é necessário ilustrar algo tão óbvio quanto o brincar.

2.5.3 Contradições sobre o brincar na psicanálise de crianças

Não poderíamos deixar de mencionar, apesar de não ser prioritária nesse


estudo, Melanie Klein (1882-1960), que também foi um nome que influenciou o
estudo da criança e o ato de brincar no sentido psicanalítico, inclusive repercutindo
como instrumento no tratamento clínico.

20
[...] “lugar de repouso para o indivíduo empenhado na perpétua tarefa humana de manter as
realidades interna e externa separadas, ainda que inter-relacionadas”. [...] “situa-se “entre o subjetivo
e aquilo que é subjetivamente percebido”. [...] “É a área que é concedida ao bebê, entre a criatividade
primária e a percepção subjetiva baseada no teste da realidade”. [...] “Essa área intermediária está
em continuidade direita com a área do brincar da criança” (WINNICOTT, 1975, p.12,13,26,29).
67

Publicou a obra “Psicanálise de crianças” [1932] (2006b) recomendando a


utilização da ludoterapia21 enquanto tratamento, e que em seguida tornou-se um
clássico na temática, transformando profundamente o conceito de análise em
crianças.
A obra de Klein (2006abcd) pode ser apontada como aquela que viabiliza a
ampliação do campo psicanalítico envolvendo o início da infância, não apenas
tornando acessível o tratamento às crianças pequenas, como também propondo um
novo caminho ao desenvolvimento psicológico na infância e para as origens das
neuroses e psicoses nos adultos.
Ao ingressar na Sociedade Britânica de Psicanálise em 1927, Melanie Klein
encontrou no novo espaço de estudos a filha de Freud, Anna (1895-1982) e de tal
modo aconteceram as denominadas “Controvérsias em Psicanálise”, em que se
discutiam as diferentes opiniões e posições técnicas e teóricas em torno da análise
de criança. Na teoria de Anna Freud, também outro nome importante na psicanálise,
a criança deveria apenas iniciar em análise após os cinco anos, idade em que já
teriam passado pelo complexo de Édipo, com o auxílio de um trabalho prévio com
fundamentação pedagógica (SAFRA, 2010; VIDAL, 1999).
Ainda Safra (2010) afirma que Klein não concordava com essa opinião, já
que acreditava que a criança estaria em condições de ser atendida por intermédio
das interpretações transferenciais já no início da condição analítica. Para Klein, a
formação do núcleo superegóico inicia-se mais precocemente que aquela
apresentada por Freud. O brincar da criança estaria assentado sobre as fantasias
inconscientes infantis, de tal forma que o jogo mostraria que os diversos objetos
internos interagem. As interações por meio de bonequinhos, dos carrinhos e dos
brinquedos em geral revelariam, desse modo, aspectos da vida psíquica da criança.
Porém, para Lagache (1990), essa técnica que se utiliza o jogar não
implica que haja diferença nos princípios do método psicanalítico freudiano, tais
como a pulsão, compulsão á repetição, recalcamento e, também, a compreensão
transferencial, aliados com a técnica do jogo. O método do jogo conserva os
princípios psicanalíticos que proporcionam resultados similares quando comparados
com a técnica clássica.

21
No latim lúdico significa brincadeira, tendo sua origem em “illusio”, propondo a ilusão como esboço
para o real.
68

Apesar de sua fidelidade constante aos princípios freudianos, Klein tinha


essas divergências em relação a Anna Freud [1926] (1971) sobre a concepção de
primeira infância; ou seja, Klein acreditava na formação arcaica do superego.
Portanto, esse fator refletia-se diretamente na instauração da técnica psicanalítica do
brincar com crianças pequenas (NASIO, 1995).
Contrariando aquilo que se anunciava no início das tentativas iniciais de
análise de crianças, ou seja, que a criança teria um ego muito imaturo, além do
superego fraco diante um processo psicanalítico, e que, portanto, o analista
necessitaria seguir a função de orientador para manter o ego e fortalecer o
superego, Klein (2006d) postulava que o superego da criança seria mais severo que
nas fases futuras do desenvolvimento, e então o analista teria a função de atuar
para a diminuição dessa severidade do superego, possibilitando de tal modo o
desenvolvimento do ego.
A função do analista de crianças, na concepção de Anna Freud [1926]
(1971), também tinha uma importância pedagógica, porém sem levar em
consideração a transferência como conteúdo primordial para a relação. Além do
mais, a utilização de brinquedo seria somente uma forma de observação que
proporcionaria conhecer o analisado (nesse caso, a criança), porém não um recurso
que poderia ser utilizado para atingir sua compreensão psíquica (STAGLIOTTO,
2008).
No momento que Anna Freud (1895-1982) indicava uma análise
fundamentada na ideia de um aparelho psíquico em constituição, Melanie Klein
postulava um psiquismo composto desde os primórdios, privilegiando a atividade
fantasmática da criança. Aliás, avançou-se muito desde então, e são poucos os
analistas que colocam em questão a capacidade de uma criança usufruir de uma
análise nos mesmos moldes de um paciente adulto. O que reforça, apesar da
divergência entre elas, a afirmação da contribuição sobre a clínica para a criança
(ZORNIG, 2008).
Ou seja, conforme Laplanche (1993), em sua proposta, Anna Freud afirma
que o tratamento das crianças deve comportar uma parte educacional, pois haveria
o risco de que a criança deixaria o inconsciente susceptível num instante que o
superego está em formação, podendo-se liberar as “maldades” das pulsões, sem
estar numa condição em que nada pudesse contrariá-la, no sentido de defender-se.
A educação atuaria nos moldes de um adestramento cultural com finalidade de
69

dominação sobre a natureza. Porém, Klein contradiz, afirmando que nunca viu as
pulsões conduzirem a tal “maldade”, e que a educação como formadora do superego
é em grande parte um engodo.
Sobre sua técnica, Klein (2006b, p. 38) cita que:

Posso me referir apenas muito brevemente aqui à maneira pela qual


as fantasias da criança, tais como se apresentaram no seu brincar,
foram se tornando cada vez mais livres em resposta a um contínuo
interpretar; como a inibição no brincar diminuiu e como a diversidade
dos seus jogos gradualmente se ampliou; e como certos pormenores
se repetiam diversas vezes até que fossem esclarecidos por meio de
interpretações, e aí, então, pudessem dar lugar a novos detalhes.

E continua:

Da mesma forma que os elementos do sonho levam ao


desvelamento do conteúdo latente do sonho, também os elementos
das brincadeiras das crianças, que correspondem a essas
associações, propiciam um vislumbre do seu conteúdo latente. E a
análise através do brincar, não menos do que a análise de adultos,
ao tratar sistematicamente a situação real como situação
transferencial e estabelecer a sua conexão com a situação
originalmente vivenciada ou fantasiada dá às crianças a possibilidade
de vivenciar e elaborar completamente aquela situação original em
fantasia (p.38, 2006b).

Winnicott e Klein, mesmo que empregando o jogo como instrumento na


análise da criança, tinham olhares diferenciados sobre a questão do brincar. Pois
enquanto Klein tinha o jogo como ferramenta de acesso ao inconsciente, Winnicott o
enxergava como fundamental em si mesmo. Para ele, o brincar estava além do
imaginar e desejar: seria o fazer (SAFRA, 2010).
Já Klein e Anna Freud destacaram como de fundamental importância o
reconhecimento da vida emocional da criança durante o transcorrer do
desenvolvimento da psicanálise. Porém, para Stagliotto (2008, p.183):

Enquanto que Ana Freud direcionava seu trabalho aos aspectos


externos, às dificuldades da criança ajustar-se com o mundo externo,
Melanie Klein importava-se com o mundo interno da criança e o que
provinha dele para o mundo externo. O brincar da criança, teria a
mesma equivalência às associações livres no adulto, utilizando o
jogo como técnica terapêutica na psicanálise infantil.
70

2.6 O Fort-Da: o brincar de Freud

O lugar ocupado pelo jogo na concepção educacional de massa é o da


exclusão. Basta analisarmos a ideia que “paira no ar” sobre o brincar, compreendido
como descansar daquilo que realmente importa na escola ‘tradicional’, que é o
“aprender”. Aliás, aprender, neste caso, significa estar sentado, na maioria das
vezes enfileirados em carteiras individuais, apenas escutando o que o mestre tem a
dizer. Justiça seja feita às exceções.
Mas para a psicanálise, o brincar/o jogo é um recurso fundamental para a
saúde mental. Freud descreveu a brincadeira de seu neto no famoso jogo do
carretel, referindo-se ao apego da criança com a mãe. Quando a mãe saia, a criança
arremessava longe o carretel, exclamando ‘Fort’22 (foi embora), e em seguida o
puxava, dizendo ‘Da’ (está aqui):

Pude, através de uma oportunidade fortuita que se me apresentou,


lançar certa luz sobre a primeira brincadeira efetuada por um
menininho de ano e meio de idade e inventada por ele próprio. Foi
mais do que uma simples observação passageira, porque vivi sob o
mesmo teto que a criança e seus pais durante algumas semanas, e
foi algum tempo antes que descobri o significado da enigmática
atividade que ele constantemente repetia. [...] Acabei por
compreender que se tratava de um jogo e que o único uso que o
menino fazia de seus brinquedos, era brincar de ‘ir embora’ com eles
(FREUD [1920], 1996, p.25).

Uma observação posterior confirmou plenamente essa interpretação.


Certo dia, a mãe da criança ficou ausente por diversas horas; à sua
volta, foi recebida com as palavras ‘Bebê o-o-ó!’, a princípio
incompreensíveis. Contudo, logo se viu que, durante esse longo
período de solidão, a criança havia encontrado um método de fazer
desaparecer a si própria. Descobrira seu reflexo num espelho de
corpo inteiro que não chegava totalmente até o chão, de maneira

22
‘Fort’, que a versão inglesa traduz por ‘gone’, particípio passado do verbo to go, ‘ir, partir’, é
advérbio utilizado com o mesmo sentido de nosso complemento circunstancial embora, normalmente
empregado na expressão ‘ir embora’, motivo pelo qual assim o traduzimos (N. do T.) (FREUD,
[1920],1996, p.25).
71

que, agachando-se podia fazer uma imagem no espelho ‘ir embora’.


(FREUD, [1920], 1996, p.26)23.

Ou seja, nesse momento, numa intuição, Freud percebeu que a criança


estava encontrando uma maneira de lidar com o sentimento de impotência diante da
ausência da mãe. Pois, ao atirar o carretel para longe, representando sua mãe,
deixava de sofrer passivamente sua partida. Na situação do jogo era ele quem
atirava, vivendo assim um pouco da raiva que a ausência lhe provocava. Mas,
também, era ele que no jogo tinha o poder de trazê-la de volta e com isso
encontrando seu amor (SANCHES, 2002).
A partir de Freud nos foi deixada a importante observação sobre o jogo do
Fort Da, no que se refere um jogo de presença e ausência, sob o qual a criança tem
a possibilidade de vivenciar a construção de suas primeiras simbolizações.
Interessante que ele ressalta o significativo ato repetitivo do balbuciar que seu neto
de vinte meses emitia. É nesse instante que se relaciona o brincar com a palavra,
num verdadeiro jogo de oposição com os fonemas Fort e Da. Ou seja, esse jogo do
carretel tem um sentido no instante decisivo na formação da criança, na condição de
sujeito do inconsciente, além de sua situação ser questionada na dialética presença-
ausência, como afirma Vidal (1999b).
Para Freud [1920] (1996) há no psiquismo uma disposição irresistível à
repetição, uma tendência que se afirma sem levar em conta o princípio de prazer,
situando-se acima dele, atribuindo ao sujeito a prova de uma satisfação doentia, cujo
caráter incompreensível necessita ser interpretado. Trata-se de explicar esses fatos
sofríveis, cuja repetição é aparentemente contraditória na relação com o princípio do
prazer. Necessita-se conferir a influência praticada por essa disposição repetitiva,
tanto desses fenômenos repetitivos e dolorosos quanto das brincadeiras repetitivas
da criança, fontes de prazer para ela. Dentre essas brincadeiras, temos o exemplo
do Fort Da, e são comuns elaborações simbólicas bem sucedidas, cuja função é
tamponar o efeito desprazeroso de experiências penosas do passado.
Segundo Vidal (1999b), a partir dos ensinamentos freudianos pode-se
afirmar que é no jogo e pelo jogo que o sujeito "elabora sua situação penosa" e se
sustenta na estrutura da linguagem. Tal condição, que é árdua, está implicada na
23
Nova referência a essa história será encontrada em ‘A interpretação de Sonhos’. Edição Standard
Brasileira, vol. V, p.493. Imago Editora, 1972.
72

natureza humana. Pois, o neto de Freud brincava de lançar e retornar o carretel,


alguma coisa aconteceu, com o propósito de passar de sua condição de objeto que
depende para se aventurar no campo da perda do objeto.
Apesar de que a mãe dessa criança morreu quando ela tinha 5 anos e 9
meses: “Agora que ela realmente fora ‘embora’ (‘o-o-ó’), o menininho não
demonstrou sinais de pesar. É verdade que nesse meio-tempo uma segunda criança
nascera, despertando-lhe violento ciúme” (FREUD, [1920], 1996, p.27).
A repetição nesse tipo de jogo remete a uma vivência desagradável
quando a mãe parte, porém, em compensação, apresenta consigo a elaboração de
prazer no instante em que ela retorna. Assim, nesse brincar a criança migra de uma
posição de passividade para a posição ativa; isso significa que se inverte a cena,
como se a criança determinasse a ida da mãe. De tal modo, está lançada na
psicanálise uma vista diferenciada sobre o brincar como algo prazeroso. Portanto,
temos no Fort Da uma possibilidade de acesso ao sublimatório que o menino utilizou
para expressar os seus desejos e fantasias por esse recurso lúdico e de
simbolização.

2.7 A educação e a criança em sua maior especialidade

Para Azoubel Neto (2010) boa parte do que é aprendido pelo sujeito ocorre
por intermédio do jogar. É uma relação que estimula o papel do imaginário
possibilitando a criatividade. Essa capacidade é praticamente inata no ser humano.
O bebê, mesmo antes de sua capacidade verbal estruturada, começando a
apresentar esboço de consciência, estabelece relações lúdicas que em algumas
circunstâncias ele mesmo proporciona. Esse caráter de faz de contas é inato e
esbarra ou ultrapassa os limites de cada um.
O educador deve perceber que sua atuação deve ser alterada conforme o
tipo de atividade. Na situação de jogo espontâneo, que é livre, a criança tem prazer
pelo simples ato do brincar. Nesse caso, o educador atua como observador e
mediador dos conflitos. Porém, no jogo dirigido, o educador atua como orientador e
intervém durante a atividade propondo desafios e metas, acrescentando dificuldades
73

gradativamente com intuito de promover o desenvolvimento do aluno e a


aprendizagem (FRIEDMANN, 1996).
O jogo transforma-se numa “suspensão da realidade”, um meio de
transformação de alguma coisa que não se encontra na condição de vida, também
não é algo real, mas tem afinidades e conexões com aquilo que é considerado
dentro do sagrado. Trata-se de um instante de modificação da vida diária, um jogo
de faz de conta – quando possível consciente, leva-se em consideração o grau de
incremento cognitivo daquele que joga (HUIZINGA, 1999).
Ao utilizar o jogo como instrumento de ensino é fundamental refletir não
exclusivamente sobre o caráter educacional do jogo, se ele é ou não educacional,
mas ter consciência de que o jogo sempre educa, o que deve nos indagar como
educadores: o jogo educa para quê? (BROTTO, 1999).
Aí entra a ajuda psicanalítica sobre o jogo para, a partir de sua
compreensão, verificar a sua contribuição no processo formativo do aluno.
Conforme Huizinga (1999, p.33), o jogo é:

[...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos


e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras
livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotada de
um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e
alegria e de uma consciência de ser diferente da ‘vida quotidiana’.

E como o jogo trata-se então de uma atividade que considera o


envolvimento de eventos pertinentes ao funcionamento da psique, há que se
considerar e discutir sobre suas ocorrências no cotidiano da Educação Física escolar
e nãoescolar.
As fronteiras entre a brincadeira, dança, luta, ginástica, jogo e esporte são
tênues e permeáveis, o que permite uma grande aproximação e interação entre
essas diferentes manifestações (BROTTO, 1999). Tanto é assim que, para Freire,
(1998a, p.106-107), é possível incluir todas essas manifestações na categoria de
jogo, considerada esta a grande categoria do conjunto das produções lúdicas
humanas em qualquer manifestação, usufruir da “oportunidade de conviver
intimamente com as coisas do mundo, de modo a torná-las próximas de nós, mais
conhecidas, menos amedrontadoras”.
Para Friedman (1996) não há uma teoria completa sobre o jogo, e
tampouco uma linha de pensamento sobre o tema que seja admitida universalmente.
74

Assim, a autora apresenta uma síntese sobre os aspectos, dentre outros,


“educacional” e “psicológico” do jogo, conforme segue: (I) educacional – a
contribuição do jogo refere-se ao desenvolvimento e/ou aprendizagem do sujeito; (II)
psicológico – o jogo como meio para melhor compreender a psique, as emoções e a
personalidade do sujeito.
O jogar na Educação Física não deve ser ressaltado apenas por
desenvolver capacidades físicas ou habilidades, mas por ser um modo de expressão
corporal que merece ter suas origens e relevância social analisadas. Pois, o jogar é
entendido como um fator de desenvolvimento que satisfaz a necessidade de ação.
Além do mais, a criança opera com significados de suas ações, desvinculando-se da
situação real, o que faz exercitar sua autonomia e seu pensamento.
Porém, a atividade não é apenas e tão somente a somatória de
atividades, mas, uma maneira de relacionar-se com as crianças. É imprescindível
conhecer o caminho que permite a entrada no mundo infantil, bem como em seus
desejos, em seu jogo, e aí então brincar com a criança. Ou seja, quanto mais
oportunidade no ambiente do brincar, mais prazer, mais espontaneidade, mais
surgimento da criatividade, e então a criança se torna alguém mais independente.
A partir dos anos iniciais da vida, as crianças despendem muito tempo de
em atividades realizadas de forma lúdica. Porém, para os adultos é muito difícil
compreender o ato do brincar para as crianças em seu desenvolvimento. Para as
crianças estamos nos referindo àquilo que é mais importante em suas vidas - o ato
de brincar. Há um esquecimento de tudo que está ao redor delas, e instala-se uma
entrega e fascínio sobre a brincadeira. O interessante disso tudo é como parece que
os adultos esqueceram que foram crianças.
Para muitos daqueles que são responsáveis pelas crianças, assim como
para os pais, levam em conta que o brincar tem a representação de uma premiação,
e não é entendida como algo que seja necessário para a criança. Assim, utilizam a
brincadeira como forma de punição, sobretudo quando há desinteresse pelas
tarefas. Há uma interpretação que uma é estorvo para a outra – vida escolar e
brincadeiras. Trata-se de um contracenso, pois quando brincam verifica-se algo
muito interessante no que se refere ao desenvolvimento da capacidade delas
resolverem situações problemáticas (GRANDO, 2001).
75

É na educação infantil que as crianças se apropriam dos elementos


culturais dos adultos, internalizando, reproduzindo e reinventando
gestos, modos de andar, de falar, de sentir, de ser. Porém, as
crianças não apenas imitam os outros, mas representam e
reelaboram o mundo, desenvolvendo com isso, ao jogarem, uma
forma de conhecimento não formal (VAZ, 2000, p.3).

Conforme Sanches (2002), para a criança o jogo exerce a mesma função


que a fantasia exerce para o adulto. É uma possibilidade de viver alguma situação
sem verdadeiramente concretizá-la; trata-se de um canal de expressão. Isso quer
dizer, do mesmo modo que imaginamos uma localidade a qual não temos condições
para ir, igualmente é um modo de trocarmos, ainda que parcialmente, a
concretização de um desejo. O jogo apresenta uma função respeitável no processo
de aprendizagem, pois com o passar do tempo transforma-se em algo mais
complexo e elaborado. Deste modo, a ação do jogo é de que a criança se aproprie
do que está aprendendo, transformando-o e adaptando-o a realidade, além de
manter os sonhos e desejos vivos, ou ainda reproduzir um evento frustrante,
buscando um final mais desejado do que de fato acontecera. Ou seja, constitui-se
numa tentativa de elaboração. Ao repetir a situação que provocou a ansiedade, esta
é parcialmente revivida numa condição mais segura.
A fantasia e o jogo são fundamentais enquanto instrumentos para elaborar
as frustrações da vida, e aquele que não tem acesso aos jogos fica privado desse
processo; por conseguinte, não pode se desenvolver ou crescer. O ato do brincar é
uma oportunidade para o encontro entre a criança e o mundo, e assim sua essência
se transforma conforme o estágio que se encontra. Tais jogos permanecem com
feições cada vez mais organizadas e se sofisticam com apreensões maiores de
imitarem com fidedignidade o real. Ou seja, depende das necessidades e do estágio
de elaboração do aparelho psíquico e cognitivo (SANCHES, 2002).
Justificamos essas considerações pela necessidade de os educadores
utilizarem o jogo, e atentar para a sua importância no processo pedagógico, bem
como sobre o imprescindível valor de sua fundamentação teórica, a fim de
proporcionar subsídios quanto ao ato do jogar como atividade realizada com prazer,
utilizando-se da via psicanalítica do desejo para explicá-la.
Chateau (1987) faz a afirmação que o brincar é uma forma de antecipação
das ocupações sérias. A criança não tem a noção que se trata de algo que esteja
sendo treinado para o futuro. Mas a vivência adquirida com o brincar irá,
76

indubitavelmente, sacramentar um meio de treinamento involuntário para as


exigências futuras. Ou seja, o brincar prepara para vida séria. É por esse intermédio
que a criança alcança aquilo que denominamos de autonomia. Ela adotará, com o
passar do tempo, esquemas práticos necessários à vida cotidiana. Essa conquista
se dará em coisas concretas e difíceis de manipular, e que terá um suporte de
substitutos imaginários.
Sem ter consciência do treinamento que está realizando, ela continua com
a consciência de realizar a função do adulto em sua esfera lúdica. Assim, ela realiza
suas atividades reprisando o adulto, representando-o mesmo que em outro mundo.
Sendo o jogo comandado pelo desejo de fazer como o adulto, compreende-se que
esse distanciamento seja indispensável no lúdico, pois aí cria-se a autonomia
(CHATEAU, 1987).
Qualquer espécie de jogo alude em sua essência a uma forma de
enfrentamento como nas lutas. Porém, ocorre numa simulação que tem um alto grau
de sofisticação que nos permite a aproximação da realidade. Portanto,
psicanaliticamente, trata-se de uma luta contra a morte. Já que, por um lado, o ser
humano entrega-se a uma realização lúdica quando o pratica, por outro lado ele não
dispõe do prazer e da satisfação em vencer, de bater o outro. A questão é realmente
dialética, já que não está na questão de matar o outro, mas sim na luta pela vida
(AZOUBEL NETO, 2010).

Assistir ao jogo já é para o pequeno uma fonte de prazer seguro e


fácil. Admirar o jogo é já participar um pouco dele, é impregnar-se na
atmosfera dos grandes. O pequeno no pátio está um pouco na
atitude do torcedor de futebol que assiste, da arquibancada, o jogo
se desenrolar no gramado. E, antes de jogar futebol, na maior parte
das vezes, não se vai assistir às partidas? Não é muitas vezes a
excitação do jogo que dá a vocação esportiva? Os jogadores quase
sempre foram, na infância, espectadores apaixonados. É isso o que
acontece com os jogos dos grandes. Participa-se deles
passivamente, antes de se participar ativamente (CHATEAU, 1987,
p.49).

Como adulto, pode refletir sobre a intensa seriedade com que


realizava seus jogos na infância, equiparando suas ocupações do
presente, aparentemente tão sérias, aos seus jogos de criança, pode
livrar-se da pesada carga imposta pela vida e conquistar o intenso
prazer proporcionado pelo humor (FREUD [1908] 1996, p.136).
77

2.8 O enfoque sociológico

No momento que Hitler tomou o poder na Alemanha, em 1933, acabava


por se concretizar o medo que Freud tinha das forças obscuras do inconsciente. Ou
seja, estava instalada uma “psicose extrema em massa”. Sem dúvidas que os livros
de Freud foram queimados pelo regime de Hitler. Dentre os livros que foram para a
fogueira estava a sua mais recente e sombria obra: “O mal-estar da civilização”
(1996), publicado em 1930 indagando sobre a guerra psíquica entre a cultura e o
barbarismo (A&E television networks, 1995).
Nesta obra, Freud faz apontamentos das condições referentes ao ser
humana a propósito de seu movimento de desenvolvimento cultural comprometido
por seu poder de agressão e autodestruição. Provavelmente, em relação a este
quesito, a espécie humana não teria maiores dificuldades em se exterminarem uns
aos outros. A partir desta questão procede parte substancial da infelicidade e
angústia humana. O que se espera é que “Eros” possa estender suas forças para
garantir-se na batalha constante contra seu não inferior imortal adversário.
Ou seja, para Freud [1930], a questão fundamental para o ser humano
consiste em ter ciência de até quando e onde seu desenvolvimento cultural terá
condições de conter a inquietação da própria vida desencadeada pela força humana
de agressão e autodestruição. É possível que, em relação a essa circunstância, na
contemporaneidade, inclusive, precisamos de um interesse mais efetivo. Com
ciência disso, é daí que decorre boa parte da atual inquietação do ser humano, de
sua infelicidade e de sua ansiedade.
Para Seligmann-Silva (2012), este é um dos textos de Freud de
fundamental importância, não somente apenas no campo de suas obras. Estamos
nos referindo de uma das grandes produções intelectuais do XX. Num estilo
relativamente denso, podemos compreender em sua expansão o domínio intelectual
daquele denominado pai da psicanálise. Neste ponto, detecta-se o entroncamento
de suas investigações psicanalíticas com sua espantosa autoridade de interpretar a
humanidade e o mundo contemporâneo, envolvendo seus entendimentos e sua
sabedoria literária.
78

Dando continuidade às obras de Freud que vão além do biológico, tem-se


“O futuro de uma ilusão” [1927] (1996, p. 23) que também trata de aspectos sociais e
da cultura, tais como a seguinte passagem:

Como se sabe, a cultura humana – me refiro a tudo aquilo em que a


vida humana se elevou acima de suas condições animais e se
distingue da vida dos bichos; e eu me recuso a separar cultura
(kultur) e civilização (zivilisation) – mostra dois lados ao observador.
Ela abrange, por um lado, todo o saber e toda a capacidade
adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza
e obter seus bens para a satisfação das necessidades humanas e,
por outro, todas as instituições necessárias para regular as relações
dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis.

Nesse ínterim, Charlot (2000) cita que é necessário uma abertura com o
diálogo (crítico) com as ciências humanas, e que uma sociologia do sujeito, que atua
num conjunto de relações, pode dedicar-se a compreender como o indivíduo se
apropria de seu universo social. Ele não nega a importância do trabalho da
psicanálise sobre o desejo de saber e a relação com o saber. Entretanto, amplia sua
observação sobre o desejo, mencionando como algo a mais que a pulsão, afirmando
que não pode concordar com uma abordagem que pretende fundamentar o desejo
na pulsão, já que se trata de uma perspectiva de interpretação biologizante do
desejo, e que considera o social apenas em outro momento. O Social, para ele, é
fundamental nessa condição; senão, instala-se uma teoria da pulsão na teoria do
desejo.
Contudo, a partir de “Além do princípio do prazer”, Freud [1920] (1996)
amplia a noção de pulsão ao verificar que a compulsão à repetição seria
característica de toda pulsão e nomeia a existência da pulsão de morte. Então,
surge uma nova concepção de pulsão, e com ela uma nova teoria, que juntamente
com a pulsão de vida, determinam o funcionamento psíquico.
Quanto ao termo “pulsão”, Freud [1905] (1996) afirma anteriormente em
“Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” tratar-se de uma articulação da
psicanálise com a biologia. Não que tenha desconsiderado o social no processo do
desejo, mas que a pulsão tem em sua origem uma excitação corporal. Ou seja, a
pulsão havia sido definida como representante psíquico por sucessivas estimulações
de origem endógena, sendo tratada enquanto conceito instalado na fronteira entre o
psíquico e o somático.
79

Concordamos com Charlot (2000) quando cita Freud referindo-se à pulsão


como um conceito biologizante. Precisamos, porém, compreender uma coisa: o
mesmo Freud [1910] (1996) afirma que em sua essência não alteraria nada no
entendimento de pulsão. Pois por pulsão não podemos mencionar algo senão a
representação psíquica de uma fonte endossomática de estimulações que sempre
estão fluindo, em contraste com a estimulação causada por excitações esporádicas
e externas. E, então, pensamos que o problema estaria em analisarmos o
"biologizante" enquanto algo dicotomizado no sujeito. A pulsão é um conceito de
demarcação entre o psíquico e o somático. Ou seja, a pulsão é o representante das
excitações derivadas do somático que chegam ao psiquismo.
Continuamos concordando com Freud, que embora faça menção à
biologia, não ignora a influência do social. Haja vista, a obra “O Mal-estar na
Civilização”, de 1930, que trata sobre o processo de desenvolvimento cultural como
fundamental para o convívio social entre as pessoas.
O homem torna-se diferente de outras espécies por sua função desejante.
Essa é a característica marcante que extrapola os limites do instintivo e do essencial
à manutenção de sua existência. O meio social é a via pela qual se busca a
satisfação não exclusivamente pertinente à sobrevivência. A efetivação dos desejos
no espaço social determina a condição humana como pulsional. Na conjunção das
relações sociais constituídas pelo homem é que se ultrapassa sua natureza
biológica. Assim, entre o desejo e as condições para a realização, o componente
egóico se estrutura, proporcionando a construção de ações simbólicas, que implicam
a determinação do significado ao que se confere um sentido (FREUD [1900], 1996).
O termo ‘pacto civilizatório’ foi usado por Freud [1930] (1996) afirmando
que o homem na civilização trocou uma parte de sua possível felicidade por uma
parcela de segurança. A felicidade, nessa conjuntura, seria a condição para a
gratificação pulsional, já que, na falta da sublimação, a neurose seria o preço a ser
pago pela segurança da vida civilizada. Assim, como por outro lado, a partir do
instante que a busca pelo prazer não percebe seus limites, estaremos diante da
barbárie.
Em parte, o conceito de civilização diminui a diferença entre os povos,
demonstrando sua autoconfiança. Enfatiza o que é comum aos seres humanos. Os
conceitos de kultur e ‘civilização’, mais precisamente, não levam o selo de seitas ou
famílias, mas de povos. Porém, muitas vezes, aquilo que é aplicado a determinadas
80

palavras de grupos pequenos amplia-se também para eles: são empregados


fundamentalmente pelos e para os povos que dividem uma tradição e condições
peculiares (ELIAS, 2011). Porém, como afirmou Freud [1930] (1996, p.102): “a
primeira exigência da civilização é a de justiça, ou seja, isso instalaria a garantia de
uma lei que, uma vez criada, não seria violada a favor de um indivíduo”.
O comportamento do homem ocidental nem sempre foi da maneira que
estamos acostumados a analisar como peculiar ou como sinal típico do homem
“civilizado”. O conceito de civilização trata-se de uma variação muito ampla de
ocorrências, seja em termos de tecnologia, de informações de interesse científico, de
ideias de cunho pertinente às religiões e às suas tradições. Tal conceito demonstra a
consciência que advém do Ocidente bem como a visão de si próprio. Há aí um
resumo de como a sociedade ocidental se considera em relação aos últimos três
séculos, considerando-se superior em relação às sociedades mais antigas ou às
sociedades contemporâneas que se encontram em condições mais “primitivas”. Pois
busca apresentar o que lhe forma o caráter exclusivo sobre aquilo que se orgulha,
tanto no nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento
de sua cultura científica ou visão do mundo (ELIAS, 2011).
Refletindo sobre a condição humana, Minerbo (2012) considera
necessariamente ponderar sobre alguma espécie de contrato com os nossos
semelhantes. Assim, ela sugere uma noção de contrato narcisista. Esse contrato
seria acordado com a criança que se instala no mundo e com o grupo social que a
está acolhendo, abrindo para ela a possibilidade de se instalar numa cadeia de
gerações, uma história sobre sua origem, bem como referências de identificação.
Por outro lado, esse novo sujeito se propõe a investir narcisicamente no grupo para
que se possa garantir a sua continuidade.
Esse acordo beneficia as duas partes. Podemos afirmar que isso ocorre
quando nos comprometemos na renúncia à satisfação total das pulsões sexuais e
agressivas – incesto e parricídio. Assim seremos acolhidos na condição humana,
que além da segurança proporciona, também, conforme Freud [1930] (1996), uma
referência de identidade, sem a qual seria difícil constituir-se como sujeito. Com esse
tipo de acordo, o contrato considera tanto as condições para ser/existir como para o
prazer. Concordamos não tanto por considerarmos que a relação custo-benefício
compensa, mas porque não temos escolha: “é isso ou ficar no limbo” (MINERBO,
2012, p.281-282).
81

O homem necessita ceder e aceitar às normas e leis sociais. Pois são elas
que irão permitir, em sua essência fundamental, a sua sobrevivência. O seu desejo e
seu ter são, portanto, relativizados diante de um pensamento moral e ético, vigente e
aceitos pela maioria do grupo social. Assim, a vida em sociedade necessitou instituir
valores, normas, e leis para serem seguidas, além de toda uma variedade de
embasamentos civilizatórios, para a garantia de uma ordem social com capacidade
de proporcionar um mínimo de cooperação entre as pessoas (TORRES, 2001).
82

3 A TRANSFERÊNCIA: A ATUALIZAÇÃO DE UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO

A partir do momento que o paciente compreende que está transferindo


para a pessoa do médico suas angústias, que aparecem a partir do teor do material
da análise, há uma surpresa muito repetida nestas condições. E, assim, no texto “A
psicoterapia da histeria”, nos “Estudos sobre histeria” (FREUD [1895], 1996) surge
pela primeira vez o termo transferência (“Uebertragung”) com o sentido psicanalítico.
Freud cita o tema da transferência em breves situações, no caso ‘Dora’, em
“Fragmento da análise de um caso de histeria” [1901-1905] (1996). Mais adiante, no
texto “A dinâmica da transferência”, em 1912 (1996), ele inclui o assunto referindo-se
ao aspecto teórico do fenômeno transferencial e pela forma que influencia o
tratamento analítico. Porém, a temática “transferência” foi mais abordada nas
conferências XXVII e XXVIII de suas “Conferências introdutórias” [1916-1917]
(1996); e, já mais próximo de sua morte, em 1937, apresenta comentários
fundamentais a respeito do tema no artigo “Análise Terminável e Interminável”.
Ou seja, podemos verificar momentos diversos em que o conceito de
transferência é considerado na obra freudiana, mas os momentos que verificamos
importantes para alertar o professor-treinador são mais pontuais, já que se trata de
uma discussão que não ocorre, especificamente, no âmbito do “setting analítico”, tais
como abordamos a seguir.
O caso clínico de Dora foi publicado por Freud em 1905, apesar dele ter
iniciado o tratamento da jovem de 18 anos cinco anos antes. Após três meses o
tratamento terminou. Porém, ele se refere à transferência sobre a situação do
tratamento afirmando que se instala regularmente a formação de sintomas. Ou seja,
a produção da neurose, que não se extingue na paciente, exerce o surgimento de
um gênero específico de concepções de pensamento, na pluralidade das
circunstâncias de modo inconsciente.
Freud [1901-1905] (p.111) se pergunta e responde:

[...] que são as transferências? São reedições, reproduções das


moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem
despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica
(própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do
médico. Dito de outra maneira: toda uma série de experiências
psíquicas prévia é revivida, não como algo passado, mas como um
vínculo atual com a pessoa do médico. Algumas dessas
transferências em nada se diferenciam de seu modelo, no tocante ao
83

conteúdo, senão por essa substituição. São, portanto, para


prosseguir na metáfora, simples reimpressões, reedições inalteradas.
Outras se fazem com mais arte: passam por uma moderação de seu
conteúdo, uma sublimação, como costumo dizer, podendo até tornar-
se conscientes ao se apoiarem em alguma particularidade real
habilmente aproveitada da pessoa ou das circunstâncias do médico.
São, portanto, edições revistas, e não mais reimpressões.

Porém, em “Dois verbetes de enciclopédia” [1923] (1996, p.263-264) Freud


cita sobre a transferência que:

[...] se houvesse necessidade de outras provas da verdade de que as


forças motivadoras por trás da formação de sintomas neuróticos são
de natureza sexual, elas seriam encontradas no fato de, no decurso
do tratamento analítico, formar-se regularmente entre o paciente e o
médico uma relação emocional especial, relação que vai muito além
dos limites racionais. Ela varia entre a devoção mais afetuosa e a
inimizade mais obstinada e deriva todas as suas características de
atitudes eróticas anteriores do paciente, as quais se tornaram
inconscientes. Essa transferência, tanto em sua forma positiva
quanto negativa, é utilizada como arma pela resistência; porém, nas
mãos do médico, transforma-se no mais poderoso instrumento
terapêutico e desempenha um papel que dificilmente se pode
superestimar na dinâmica do processo de cura.

Evidentemente, conforme comenta Freud referindo-se ao médico, porém


direcionado ao analista, chega-se à necessidade indispensável da compreensão
transferencial na relação. Haja vista, que na prática, ele se convence que não há a
menor possibilidade de evitá-la. E lidar com esse aspecto é de longe o mais difícil
durante o trabalho. Pois as outras questões ou artes similares são mais fáceis de
aprender. Apenas em relação à transferência tem de aprimorar-se praticamente de
forma independente, partindo de pequenos indícios, sem cair no descumprimento às
leis (FREUD, [1901-1905] 1996).
Continuando em Freud [1901-1905], o relacionamento não designa a
transferência, apenas a desponta, do mesmo modo que tantos outros
acontecimentos camuflados na vida anímica. Isso aparece de forma espontânea,
pois o paciente apenas evoca transferências ternas e amistosas; caso contrário, ele
se afasta rapidamente, se não for influenciado por um sentimento “simpático”. Por
outro lado, conforme os mais diversos motivos, são despertados todos os
sentimentos, inclusive os hostis. A transferência compõe a maior barreira ao
relacionamento, mas também se torna sua mais poderosa aliada quando detectada.
84

A transferência não se prende a um protótipo específico, pois pode


aparecer tanto à imago materna ou paterna. As particularidades da transferência ao
analista transformam-se em algo compreensível caso tenhamos a ideia que ela se
estabelece justamente não somente pelos pensamentos prévios conscientes, mas
por aqueles que se instalam de forma inconsciente.
É importante distinguir a existência de uma transferência positiva e de uma
negativa. Ou seja, aquela que carrega sentimentos afetuosos e a outra que
transporta sentimentos hostis, devendo ser consideradas de forma separada. A
transferência positiva, portadora de sentimentos amistosos e afetuosos, é admissível
pela consciência, transferindo a extensão desses sentimentos ao inconsciente. São
sentimentos que demonstram origem em fontes eróticas, remontando às relações
emocionais de simpatia, amizade, confiança e outros, sob as quais se pode levar
com proveitosamente, e encontram-se relacionadas à sexualidade, por mais puros e
não sensuais que, em algumas circunstâncias, pareçam a própria percepção
consciente. Ou seja, pessoas que são facilmente contempladas ou respeitadas
podem ser objetos sexuais no nível do inconsciente (FREUD, [1912] 1996).
Já a transferência negativa caracteriza-se pela demonstração dos
sentimentos agressivos em detrimento dos amorosos. Esses sentimentos, a
princípio, escondem-se por trás dos afetuosos, com uma tendência a se
manifestarem mais tarde, apesar de que pode haver a coexistência de ambos os
sentimentos, promovendo assim uma ambivalência emocional. A presença de
sentimentos hostis também implica um vínculo afetivo, ainda que negativo.
Em “A dinâmica da transferência” Freud [1912] (1996) menciona Bleuler
como aquele que adotou um ótimo termo, denominado “ambivalência”, para
apresentar este fenômeno da transferência positiva e negativa. Até determinado
momento a ambivalência desses sentimentos parece algo normal; porém em alto
nível é, de fato, característico de pessoas neuróticas. Essa ambivalência nas
disposições emocionais dos neuróticos é a melhor explicação para sua agilidade em
assentar as transferências trabalhando para a resistência. Para a ocorrência da
psicose, não haverá qualquer possibilidade da influência.
Há outro tipo de transferência, denominada erótica, que foi citada em 1912.
Porém, foi mais pormenorizadamente em “Observações sobre o amor transferencial”
[1915] (1996), assumindo um caráter sexual, definindo-se por uma inclinação
85

amorosa, que se diferencia da “positiva” por se tornar mais intensa, revelando sua
direção para a necessidade sexual direta.
Ainda sobre a transferência erótica, muitas vezes referindo-se ao
sentimento de uma mulher pelo analista, apresenta que o sentimento de paixão
pode ser classificado como transferência positiva se permanece em nível moderado,
mas se converte em resistência caso permaneça excessivamente intenso ou caia na
hostilidade. Também considera que o amor de transferência é uma repetição, porém
todo amor se posiciona enquanto uma repetição. Aliás, não existe forma de amor
que não reproduza protótipos infantis. É o aspecto infantil que remete ao amor de
transferência o elemento compulsivo, que permeia o patológico (LAGACHE, 1990).
Em “Recordar, repetir e elaborar”, Freud [1914] (1996) afirma que a
transferência é apenas um fragmento da repetição, pois a repetição é uma
transferência de algo esquecido no passado, existente em qualquer relação na
situação atual. Assim, devemos esperar a compulsão à repetição substituindo o
impulso de recordar. Caso uma transferência positiva se instale de forma branda,
torna-se possível resgatar lembranças do mesmo modo como seria sob efeito de
hipnose. Porém, se a relação avança, a transferência transforma-se em hostilidade
ou é demasiadamente intensificada e, assim parte para o recalcamento.
Sobre os últimos trabalhos concernentes à transferência, é difícil não
mencionar a importância da revisão que Freud realizou. O que ele afirma em “Além
do princípio do prazer” [1920], “Psicologia de grupo e análise do ego” [1921] é
imprescindível, evidentemente. Mas, não há o desenvolvimento da temática como
ocorre em “A dinâmica da transferência”. Isso aconteceu porque seus escritos nas
décadas de 1920 e 1930 foram pouco relacionados diretamente ao assunto. E, além
do mais, Freud não alterou suas concepções essenciais. Ficou corroborado em
“Análise terminável e interminável” [1937] certa resistência na divulgação da
transferência negativa (LAGACHE, 1990).
De acordo com Slavutzky (1991), a ideia de transferência tem diversos
desdobramentos na obra de Freud, dentre elas vale destacar o que impetra sua
universalidade. Ou seja, em qualquer situação que o ser humano se encontra, e não
apenas o neurótico. Porém, para Freud havia uma restrição quando se referia à
transferência do psicótico.
86

3.1 A psicanálise e a educação

As “Obras Completas de Freud” são compostas por 3.667 páginas na


edição espanhola. Porém, menos de 200 delas são dedicadas a reflexões, análises
e críticas sobre a educação. Além do mais, essas páginas não estão localizadas
num único volume destinado especificamente aos estudos educacionais, porém
estão dispostas ao longo de sua obra, distribuídas em pontos diferentes, em textos
tratando sobre os mais distintos aspectos. Entretanto, tal distribuição não significa
um descaso de Freud para o tema. Ao contrário, mostra que a educação é um
assunto que o seguiu no curso de seu extenso trabalho, em momento algum
deixando de ser para ele motivo de uma reflexão continuada (KUPFER, 1992).
Dupas (2008) considera a psicanálise como uma ciência que se caracteriza
por suas diferenças em relação a outras, por ter uma sustentação epistemológica
peculiar que leva em consideração a dimensão do ser humano pautada no
inconsciente, que é a estrutura da base da vida mental, e a impulsiona. De tal modo,
permite-se propor alterações importantes na educação. Pois a educação tem o
compromisso de proporcionar o desenvolvimento mental, e a psicanálise pode
contribuir na reformulação dos processos educativos.
Quanto à relação da psicanálise com a educação, Bastos (2004) aponta
que a função daquele que educa seria, dentro das possibilidades, somente orientar,
intervindo minimamente, para que as pulsões parciais da criança alcancem seu
destino. Para Freud [1905], a educação deveria apenas seguir a criança, levando-a
à superioridade da razão sobre as pulsões, em detrimento do recalque,
possibilitando um pensamento racional livre.
No transcorrer de sua obra, Freud [1913] [1914] (1996) menciona suas
ideias sobre educação principalmente ao versar sobre outras questões.
Indubitavelmente há uma razão para isso, uma vez que suas ideias educacionais
surgem em ocasiões pontuais na relação com a teoria psicanalítica que ele estava,
paulatinamente, edificando. Pois, após o surgimento de seus textos, na construção
do referencial psicanalítico, ele promove reflexões sobre as implicações da avaliação
recém-elaborada sobre sua maneira de refletir sobre a cultura, a sociedade e a
educação. Por intermédio dos conceitos, examina o que era originário de uma
característica do funcionamento psíquico e o que era resultado oriundo das
87

influências educativas. De tal modo, os pensamentos freudianos pertinentes à


educação instalam-se na íntima conexão da composição de sua teoria psicanalítica.
Voltolini (2011) convida-nos à reflexão para uma relação estimulante,
afirmando que a psicanálise pode contribuir para pensar a educação. Lembrando
que, apesar da aproximação entre as duas áreas, ambas abordam de modo distinto
a relação entre o educador e o aluno. Ressalta a necessidade de atentarmos para o
fato de que, enquanto a pedagogia busca um ideal que balize o processo educativo,
a psicanálise ampara-se nas discussões sobre as condições e possibilidade da
educação. Assim, o autor supracitado explora as reflexões de Freud e nos apresenta
quanto e como o psicanalista foi um grande pensador do educar, já que sempre
atuou questionando os dilemas do homem diante da civilização.
O intuito da psicanálise é eliminar a resistência para consentir o desejo
recalcado, indo, assim, contra o narcisismo e o Ideal do Eu do sujeito. De modo
antagônico, a educação opera pela condição do narcisismo, posicionando aquele
que educa no ponto do próprio Ideal do Eu daquele que está sendo educado, e
assim irá assumir a posição do Ideal do educador, para que seja agradada sua
exigência de amor, ainda que não enunciada (BASTOS, 2004; MILLOT, 1987).
Mesmo que não tenha a pretensão, a educação não pode estabelecer na
criança o sentimento do desejo para aprender: ou este nasce por ação voluntária e a
criança busca a informação, porém, enquanto objeto de satisfação de seu desejo; ou
este não se apresenta e, portanto, não há o que lecionar àquele que não constitui a
partir de si próprio um desejo de aprender. É possível afirmar que, para a
psicanálise, o desejo em aprender por parte da criança apenas será possível de ser
satisfeito com os objetos que são escolhidos para satisfazê-la; aliás, trata-se de uma
escolha inconsciente. Prontamente, é indispensável consentir liberdade à criança
para buscar o conhecimento que satisfaça seu desejo, caso contrário nenhum outro
conhecimento será internalizado. De tal modo, a criança ser sujeitada ao ideal do
professor nunca permitiria à criança localizar seu próprio desejo, o qual renunciou
espaço ao desejo do educador (BASTOS, 2004).
Ao considerar o inconsciente, desabilita-se qualquer condição de elaborar
uma ciência designada pedagógica que tenha por finalidade impedir recalques e
neuroses. Ainda que a psicanálise apresente esclarecimentos sobre a estrutura do
psiquismo no que diz respeito ao processo educacional, tal explicação não ampliou o
domínio sobre esse processo. Se a proposta psicanalítica não teve êxito sobre a
88

fundação de uma pedagogia que prevenisse as neuroses, temos que considerar que
Freud também difundiu a teoria psicanalítica ao expandir conceitos que modificaram
o cenário cultural e científico desde sua época até a contemporaneidade, já que ao
constituir o movimento psicanalítico apresentou diversas conferências, e assim
promoveu discussões com contestações. Mas deixou um rastro de seguidores, tanto
do ponto de vista intelectual quanto emocional, ao seu redor. Portanto, Freud foi um
mestre (SHIRAHIGE; HIGA, 2004).
Surgiu na França durante os anos de 1960 um movimento que se estendeu
ao Brasil de forma menos intensa, um amplo leque de intelectuais de diversas áreas,
entre eles educadores, que promoveu diversos eventos, dentre eles seminários e
cursos na divulgação da psicanálise. Contudo, não se tratava de uma fusão da
educação com a psicanálise. Foram consumidos livros, ouviram-se programas de
rádio e televisão, com intenção de se buscar instrumentos e vias para que se
difundissem informações para contribuir, cada um em seu campo, com o trabalho
que tinham que desenvolver. Nesse movimento tratava-se de uma ideia a mais para
difundir o conhecimento psicanalítico para aqueles que representam a cultura, com
intenção de expandir sua visão do mundo. E, mesmo que a disseminação da
psicanálise em relação à cultura apresente-se ampliada, não atingiu de maneira
expressiva os educadores brasileiros (KUPFER, 1992).
Um respeitável balanço sobre os estudos da primeira metade do século XX
e outros achados na contemporaneidade refere-se ao modo de atuação no campo
educacional, que leva em consideração a seriedade da temática da relação entre o
educador e o educando, levando em conta o conhecimento infantil como uma
situação inconsciente, atemporal, e que seja pertinente tanto para a criança como
para o adulto (ABRÃO, 2006).
Ainda considerando a afirmação de Abrão (2006), é importante atentar-se
para a formação irrestrita do professor e que este profissional atenha seu
conhecimento teórico sobre a temática da psicanálise e suas vivências próprias que
possibilitam a aproximação de suas experiências inconscientes e infantis recalcadas.
De tal modo, esses elementos patrocinariam maior compreensão do educando por
parte do educador, que incidiria em sua atuação como mediador no processo
ensino-aprendizagem.
Bastos (2004) também pondera sobre essa possibilidade do conhecimento
psicanalítico ser cultivado em conjunto à ação educacional, argumentando sobre as
89

impossibilidades que o conhecimento sobre o inconsciente encara diante da


pedagogia que lida com o aprendizado do sujeito.
Freud em 1913, 1914 e 1920 (1996) apontou críticas às condutas
educacionais de sua época. Porém, é necessário ressaltar que esse assunto foi mais
apontado para as relações entre o sujeito e o que ele chamou de “civilização”. Seus
contemporâneos apontavam para os crescentes casos de enfermidades mentais
como consequência da civilização industrial. Já Freud apontou suas críticas à moral
sexual desse processo de civilização. Pois, para ele, as neuroses eram fruto da
atitude moral diante da sexualidade. Portanto, incumbiria aos educadores, já que
são responsáveis pela propagação da moral, além de serem providos de
informações psicanalíticas, o trabalho de prevenir as neuroses. No entanto, mais
adiante, Freud abdicou dessa expectativa assentada na tarefa preventiva da
educação (SHIRAHIGE; HIGA, 2004).
Já nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” [1905] (1996), Freud
chamou a atenção para o benefício que o adulto pode ofertar à criança ao não
recalcar suas energias, ao mesmo tempo em que proporcionam ou disponibilizam
oportunidades para o processo cultural de sublimação. Aos educadores cabia toda
razão para dedicar interesse aos fenômenos temidos pela educação, que era a
chave da constituição da pulsão sexual (KAUFMANN, 1996).
A história da Psicanálise em relação à educação tem uma consideração na
obra freudiana, sendo abordada em todo o seu transcorrer, na interface com outras
temáticas, conforme já dissemos anteriormente. Porém, Freud considerou a
educação no seu trabalho “O interesse científico da psicanálise”, em que apresenta
um capítulo pertinente ao assunto chamado “Interesse educacional da psicanálise”
[1913] (1996), bem como em outro texto denominado “Algumas reflexões sobre a
psicologia escolar” [1914] (1996).
Em “O interesse da psicanálise de um ponto de vista do desenvolvimento;
e da história da civilização”, ambos de 1913, Freud (1996) afirma que observou as
transformações e os remanejamentos que aconteceram sobre a origem da vida
psíquica das crianças e o resultante depois enquanto adultos, determinando a
continuidade da vida como processo. De tal modo, o referencial do pensar
psicanalítico pode inclusive servir como instrumento de investigação na área
educacional, já que a aplicação de suas hipóteses pode auxiliar no levantamento de
90

problemas, bem como a capacitação para a solução de outros que porventura


apareçam.
No mesmo ano, porém, em “O interesse educacional da psicanálise”, Freud
demonstra a intenção da psicanálise na relação com a teoria da educação. Com o
auxílio da psicanálise poderíamos atuar com mais propriedade, pois em sua teoria
são apresentadas as estruturas do pensamento e o processo de desenvolvimento da
criança, sobretudo com a contribuição fundamental da sexualidade em suas
manifestações físicas e mentais.
Ou seja, no instante que os educadores tiverem familiaridade com as
descobertas proporcionadas pela psicanálise, haverá mais facilidade para o
reconcilio das fases do desenvolvimento infantil. Consequentemente, não haverá
superestimação da importância das pulsões socialmente, denominadas
imprestáveis, que aparecem na criança. A supressão dessas pulsões provoca na
criança o recalque, criando predisposição para doenças nervosas futuras. Pois a
psicanálise deixa referencial teórico ao educar para observar o resultado da
severidade inoportuna na produção dessas neuroses. Enfim, o que se espera sobre
a prevenção das neuroses pode passar por uma educação psicanaliticamente
esclarecida.
Segundo Bastos (2004), a possibilidade de “educação psicanaliticamente
orientada” depara-se com uma barreira em consequência da sublimação ser uma
ação inconsciente, que não é administrada pela vontade do consciente do jovem em
determinar a canalização de sua pulsão sexual na direção de uma finalidade que
seja socialmente valorizada, menos ainda pela determinação da vontade do
educador. Também, há que se considerar que nem tudo pode ser sublimado, pois é
necessário que haja um equilíbrio entre o prazer do indivíduo, o que precisa ser
recalcado e aquilo que pode ser sublimado. Assim, é o que a psicanálise pode
oferecer à sociedade: nem recalcar tanto a ponto de produzir uma neurose – que
também não é benéfico para a civilização - nem se transformar demasiadamente
perversa a ponto de concretizar todos os seus impulsos, o que também traria
consequências indesejadas por haver uma punição por parte da coletividade
(BASTOS, 2004).
Em “Algumas reflexões sobre a psicologia escolar”, obra de Freud
apresentada em 1914, ele continua tratando da temática sobre a psicanálise e sua
relação com a educação. Porém, seu conteúdo, apesar de estar inserido nesse
91

contexto, traz a possibilidade de um diálogo peculiar com a relação estabelecida


entre o educador e o educando, o que nos remete à transferência que se instala, o
que será abordada mais adiante nesse estudo.
Em “Conferências introdutórias à psicanálise”, Freud [1917] (1996)
considera que o objetivo da educação estaria centrado em atuar nos impulsos
analisados pelo superego na condição de imorais; todavia, um recalque sem
comedimento apresentaria enquanto implicações paralelas o surgimento de
neuroses que poderiam ser evitadas com uma educação não tão severa. Assim, a
educação precisaria estabelecer um equilíbrio nas circunstâncias entre o que se
proíbe e o que se permite.
Em “O mal-estar na civilização” [1930] (1996), Freud menciona que as
técnicas educativas são definidas pelos recalques sofridos por quem educa, que
ocorreram a respeito da sexualidade em sua infância. Ele ainda afirma que apenas
poderia ser educador encontrar-se capacitado para adentrar na alma da criança. Ou
seja, nós, enquanto adultos, não entendemos nossas próprias infâncias. Talvez por
isso ele afirme que a educação é uma profissão impossível. Isso nos leva a supor
ser necessário que o educador se reconcilie com a criança que há dentro dele. Ou
seja, uma espantosa quantidade de possibilidades e de pensamentos nos estimula,
e que cada interessado deve retomar para si essa tarefa.
Mais adiante, em “Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise”
[1933] (1996), especificamente em “Explicações, aplicações e orientações” fica
demonstrada a preocupação de Freud de que a criança necessita aprender a
controlar suas pulsões. Pois é impossível permitir a liberação de todas as pulsões
sem alguma restrição, e além do mais, isso traria prejuízo para a própria criança. De
tal modo, a intervenção educacional deve ser em inibir, proibir e suprimir; porém,
verifica-se que tal supressão envolve a possibilidade da doença neurótica. Então,
como já tratado, a educação tem que atuar entre a não interferência e a frustração,
descobrindo um ponto ótimo, dando à educação a possibilidade de atingir o máximo
possível, com mínimo prejuízo. Trata-se de decidir o quanto se proíbe, e por quais
vias.
Sobre o educador é fundamental, como dito anteriormente, que não
exagere no recalque às pulsões aparecidas na infância, que se utilize de um
razoável saber diante do momento do desenvolvimento da criança, para que assim
tenha condições para poder auxiliá-la na direção de sua pulsão para o melhor
92

objetivo possível (a sublimação) – além disso, deve-se saber que esta é uma ação
inconsciente que está fora de seu controle - ou ao pelo menos impedir o
fortalecimento do processo de recalque que determina a instalação da neurose.
Assim, até certo momento, consentir que a criança vivencie um pouco de sua própria
perversão que pode ser mais bem-sucedida do que determinar uma neurose infantil
que poderia ser alicerce para futuras doenças, conforme menciona Millot (1987,
p.26): “a supressão das pulsões poderosas na criança através de coerção por meios
externos não conduz nem à desaparição de tais pulsões, nem ao seu domínio.
Conduz ao recalque, que predispõe as futuras enfermidades”.
Há que se observar que o processo educacional tem um propósito
tendencioso que busca alinhar a criança a uma ordem estabelecida pela sociedade,
não levando em conta qual é o fundamento dessa intenção. A educação não pode,
mesmo que de modo justificado, colocar-se a serviço de tendências corporativas.
Cabe à educação ter propósitos elevados, que sejam isentas às demandas de
setores predominantes da sociedade. Essa intenção que se pretende oferecer a
educação igualmente se enquadra numa finalidade tendenciosa (FREUD, [1933]
1996).
Mas não se trata da psicanálise recusar qualquer influência na educação.
Aliás, o processo formativo do/no futebol, como abordaremos mais adiante, é um
processo educacional. A função da psicanálise na educação é buscar tornar o ser
humano o mais sadio quanto for ao seu alcance. A psicanálise apresenta nela
mesma pontos revolucionários satisfatórios para garantir que quem se educou sob
sua proposta jamais tomará partido para o lado do recalque.

3.2 A transferência e o educador

O termo “transferência” foi empregado por Freud pela primeiramente, em


francês, em 1888, no artigo referente à histeria para o dicionário médico de Villaret
(KAUFMANN, 1996). O termo refere-se à modificação do sintoma histérico de um
lado para o outro do corpo. Porém, apenas em 1895, nos “Estudos sobre Histeria”
que o termo transferência (Übertragung em alemão) assumiu o significado que se
conserva até a atualidade, referindo-se a uma falsa ligação, e envolvendo o analista
na psicanálise do sujeito. Para Freud, ficou nítido desde início o surgimento do amor
93

durante a análise, direcionado ao analista que promove a resistência ao relato do


paciente sobre o passado.
O entendimento do quanto o desejo está na relação ensinar-aprender pode
ser ajudada pelo conceito psicanalítico de transferência. No relato de “Fragmento da
análise de um caso de histeria”, alusivo ao denominado “caso Dora”, de repercussão
extraordinária, é que Freud [1905] (1996) cita que a transferência é essencial na
exigência da técnica analítica. Uma vez que nessa situação ele delibera a
transferência enquanto representação das fantasias que no processo de análise
tornam-se conscientes, porém marcada pela particularidade de mudança de uma
pessoa envolvida na condição estabelecida anteriormente por outra que esteja
instalada na ação atual. Isso consiste, dito de outro modo, a situação psíquica
antecedente é novamente vivida, não enquanto aquilo que ocorreu outrora, porém
com uma conexão com a pessoa que esteja relacionada com a análise atual.
Roudinesco e Plon (1998) citam que o termo transferência foi
progressivamente introduzido por Freud e Ferenczi entre 1900 e 1909, com intento
de designar um processo constitutivo do tratamento psicanalítico, mediante o qual os
desejos inconscientes do analisando relativos a objetos externos passam a se
repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocando-o (o
analista) na posição desses diversos objetos, como abordado anteriormente. No
começo, Freud mencionou o termo nos “Estudos sobre Histeria” [1895], e em “A
Interpretação dos Sonhos” [1900], sob um prisma de um deslocamento do
investimento no nível das representações psíquicas, mais do que um componente da
relação terapêutica.
Em “Cinco Lições de Psicanálise” [1910] (1996), Freud afirma que é
inteiramente natural e inevitável que a criança tenha seus pais como objeto amoroso
em sua primeira escolha. No entanto, a libido não estará permanentemente fixada
nessa primeira situação, pois mais adiante os terá apenas enquanto modelo,
direcionando-se para outras pessoas - que a princípio são estranhas - quando
estarão na condição de escolha definitiva. Assim, ao se desprender dos pais, a
criança estará diante da possibilidade da transferência nas relações seguintes e que
tenham a identificação capaz de lhe proporcionar o desencadeamento dessa
situação inconsciente, como aquilo que nos deparamos em muitas situações na
trajetória educacional. De tal modo é no trabalho pedagógico que encontraremos
educadores que nem sempre atuam com esse conhecimento.
94

Acerca da transferência, Freud [1912] (1996) indica que não é diferente


por natureza, tanto quando se dirige ao analista como para outra pessoa,
sublinhando que a transferência está ligada a protótipos, imagos, sobretudo do pai,
mas também da mãe, e mesmo de irmãos. Ele descobre que o reviver na
transferência é a relação do sujeito com as figuras parentais, e especialmente a
ambivalência pulsional que caracteriza a dita relação. Nesse sentido ele diferencia a
transferência de sentimentos de ternura e outra de sentimentos de hostilidade do
complexo de Édipo.
Minerbo (2012, p.7e22), traduzindo Neyaut (1974), cita que “a transferência
é o quiprocó do inconsciente”. Para o francês, é utilizada a terminologia do latim:
quid pro quod. Está se referindo a uma expressão que foi traduzida como algo “aqui
no lugar de lá, agora no lugar de então”. Um aspecto importante para a escuta
analítica é levar em consideração que na fala de quem é analisado há dois tempos
que devem permear essa escuta, pois esses tempos estão intercalados, fato que
ocorre num verdadeiro quiprocó, significando que há uma grande movimentação
para aquele que está sendo analisado. Atualmente, esse termo pode parecer banal,
mas é muito impactante, pois a transferência sugere a desconstrução de territórios
temporais – passado e presente – que no momento atual se sobrepõem.
Depois de Freud, uma variedade de trabalhos foi dedicada à questão,
sempre com o empenho voltado para repensar esse conceito em harmonia com
modificações sucessivamente introduzidas na teoria original. Para Ferenczi (apud
ROUDINESCO; PLON,1998) a transferência existe em todas as relações humanas,
dentre elas na relação educador e educando.
Neste quesito nos deparamos diante de um ponto central e fundamental no
pensamento freudiano, cujo entendimento é necessário para transitar pela extensão
de sua obra. Ele a trata como um “fragmento de repetição”, e nisto se instala sua
relação com a resistência; porém “a repetição é nada além do que a transferência do
passado esquecido sobre todos os aspectos e dimensões da realidade do momento.
A repetição é o modo pelo qual o passado infantil se presentifica e se materializa”
(MEZAN, 1991, p.57).
A transferência quando instalada é, acima de tudo, uma história com uma
relação de amor e de ódio; no nosso caso, na relação professor-treinador com o
aluno-atleta. Assim, os espaços que a envolvem, como por exemplo, no processo
formativo de jovens atletas, ultrapassam o cerco da psicanálise na condição clínica,
95

já que atingem a essência da natureza humana. Sem o referencial transferencial, o


saber estabelecido por Freud seguramente não seria o mesmo. A transferência se
instala, por sua própria natureza, no espaço do sujeito do inconsciente, já que é no
inconsciente que o ser humano se abriga (SLAVUTZKY, 1991).
Ferenczi (2011) apresenta o termo “introjeção”, que se caracteriza como
alargamento ao campo do interesse pela introdução dos objetos exteriores à esfera
do ego. Todo amor objetal, também denominado transferência, é apresentado
enquanto uma extensão do ego ou ‘introjeção’. Já que só pode amar-se a si mesmo
e não a outro. E, portanto, amar ao outro pode ser considerado como que promover
a integração desse outro no próprio ego. O nosso ego sendo formado por esses
objetos é o que chamamos de introjeção. Por isso nos deparamos diante de
situações em que sentimos como nossas as dores que vão ao encontro daqueles
que amamos.
Assim, a introjeção é a aptidão para a transferência. De tal modo, há que
se compreender por transferência a reedição ou reprodução das tendências e das
fantasias que ocorrem no decorrer da análise, que despertam e se tornam
conscientes, caracterizada pela substituição de pessoas anteriormente importantes,
tal como os pais. É o que também acontece no caso do educador na relação com o
educando, quando esse educando transfere seus sentimentos reforçados por afetos
inconscientes (FERENCZI, 2011).
Ainda Ferenczi (2011) cita que dentre os eventos que se fixam no
transcorrer da infância e que mantém importância fundamental durante o transcorrer
da vida, os principais são os complexos de representações direcionados aos pais,
que são os complexos parentais. Portanto, detalhes como semelhanças físicas
aparentemente insignificantes, tais como cor de cabelos, gestos, maneiras de
segurar a caneta, mesmo nome ou apenas sutilmente semelhante com uma pessoa
que anteriormente tenha sido muito importante – torna-se o suficiente para
desencadear a transferência. Ou seja:

O primeiro amor, o primeiro ódio, realizam-se graças à transferência:


uma parte das sensações de prazer ou de desprazer, autoeróticas na
origem, desloca-se para os objetos que as suscitaram. No início, a
criança só gosta da saciedade, porque ela aplaca a fome que a
tortura – depois acaba gostando também da mãe, esse objeto que
lhe proporciona a saciedade. O primeiro amor objetal, o primeiro ódio
objetal constituem, portanto, a raiz, o modelo de toda transferência
96

posterior, como a exageração de um processo mental normal


(FERENCZI, 2011, p.96).

O termo “transferência” não é uma exclusividade do vocabulário


psicanalítico (BAREMBLITT, 1996; MAURANO, 2006). Apresenta um significado
muito amplo, que o considera enquanto “transporte”, contudo que provoca uma
alteração de valores, de direitos, de entidades, porém mais que uma alteração
material de objetos. A priori, a transferência, para Freud, no que se refere ao aspecto
teórico, não se trata como além de uma ocorrência privada de deslocamento de
afeto oriundo de outra representação. A transferência se situa enquanto uma
reprodução dos trânsitos e dos fantasmas que necessitam ser eliminados e tornados
conscientes conforme a análise avança.

Verificou-se que é no inconsciente, na acepção freudiana, que se


acumulam todos os instintos recalcados no decorrer do
desenvolvimento cultural individual, e que seus afetos insatisfeitos e
ávidos de excitação encontram-se sempre na expectativa de uma
‘transferência’ para pessoas e objetos do mundo externo, a fim de
‘introjetá-los’ (FERENCZI, 2011, p.104).

Ponto nevrálgico no percurso desse nosso estudo está centrado na relação


estabelecida entre aquele que educa e aquele que é educado, aquilo que é
denominado na psicanálise como transferência, que se demonstra como “atitudes
emocionais” para com as outras pessoas, e que está estabelecido desde uma idade
surpreendentemente precoce, posta nos primeiros seis anos de vida podendo ser
desenvolvida e transformada em determinadas direções. Porém, não se poderá mais
ignorá-las ou livrar-se delas, conforme citou Freud [1914] (1996).
Segundo Baremblitt (1996), não é por acaso que Freud enfatiza que a
transferência que acontece no consultório analítico é a mesma que acontece fora
dele, variando apenas nos modos como se faz o seu uso. Tanto que outras ciências
já a detectaram e a conceitualizaram em seu próprio campo de atuação, e a
manejam com suas próprias particularidades. Tal é o caso do campo educacional,
por exemplo.
Todas as pessoas que conheceremos após a infância serão substituídas a
partir dos primeiros objetos sentimentais, que são pais e irmãos, e podemos
acrescentar as babás que muitas vezes cuidaram nesse período. Esses são
provenientes do que é chamado de “imagos” parentais. O que determina os
97

relacionamentos que se sucedem carregam um legado emocional que se defronta


com as simpatias e antipatias. As amizades escolhidas posteriormente continuam na
lembrança deixada dos modelos iniciais. Porém, dessas imagens da infância, a do
pai é a mais importante para o indivíduo, manifestadas notavelmente na mitologia do
rei Édipo (FREUD [1914], 1996).
A relação transferencial vem à tona, igualmente nas circunstâncias da
relação que se instala entre educador e o educando. Existe, indiscutivelmente, uma
trama que surge em meio à transferência e ao desejo. Será transferido a alguém um
significado pertinente ao anseio com uma manifestação de hostilidade,
agressividade, amor, e que do ponto de vista psicanalítico permanece em contato
com vivências iniciais. No caso do relacionamento do educador com o educando,
existe uma aplicação exclusiva ao educador, motivada por um desejo. Isso significa
que há uma atribuição ao educador ao cargo de confiança de alguma coisa que foi
atribuída pelo desejo (ALMEIDA, 1993).
Vale destacar que a educação necessita ser considerada de acordo com a
circunstância histórica. O que Freud denomina como transferência situa-se mais a
frente da conjuntura analítica, expandindo-se na ação educacional, ou seja,
especificamente na relação educador-educando. Por isso, é indispensável
considerarmos essas condições. O educador pode agir de uma maneira ativa no
processo de aprendizagem do educando, pois mesmo que sobressaiam os
estabelecimentos educacionais castradores, mesmo assim surgem educandos
críticos, reflexivos, desejantes do saber, capazes de produzir teorias. Munidos
dessas informações, o educador pode pensar e identificar-se pelas ideias e dar
sentidos ao seu próprio cotidiano (KUPFER, 1992).
Já que entre educador e educandos existe um campo transferencial, é
essencial que o educador tenha ciência desse conceito, com a finalidade de
entender seus efeitos e incorporá-lo em sua atuação prática. Uma vez que, ao agir
na relação com o educando, em sua profissão, não estão presentes somente
implicações a propósito do conteúdo ou a respeito do emprego do método de ensino
apropriado, pois as ocorrências transferenciais, no plano do inconsciente, estão na
ação da aprendizagem.
Em sua obra “Algumas reflexões sobre a educação escolar”, Freud [1914]
(1996) admite que é duro afirmar se o que exerceu mais influência sobre nossas
vidas e teve mais importância foi o enfoque às ciências sobre o ensinado ou a
98

personalidade de nossos mestres. Pois, indubitavelmente, a segunda consideração


constitui uma face oculta e constante entre nós.
Continua Freud [1914] (1996) afirmando que, sobre os educadores, tínhamos
em relação a eles uma admiração ou lhes virávamos as costas, já que
empregávamos nessa relação tanto simpatias quanto antipatias que provavelmente
nem existiam. Constantemente estávamos verificando seus caráteres. Em muitas
circunstâncias nos opunham e nos forçavam a mais completa submissão. Além do
mais, observávamos suas fraquezas e tínhamos orgulho da sua capacidade de
excelência.
Ao educador é fundamental que crie condições de confiabilidade para que
a criança e o jovem sintam que existe espaço para seus questionamentos,
curiosidades, necessidades, possibilidades. Ou seja, cabe ao educador ir além da
apresentação de um objeto de interesse, como por exemplo, os conhecimentos
pertinentes ao ambiente escolar. Então, pode-se abrir uma oportunidade de críticas
sobre o próprio objeto para que haja condições de reconstrução e transformação da
situação proposta. Isso quer dizer, algo que vá além de apresentar o objeto, mas
que possa ser explorado de acordo com as necessidades da criança e do jovem.
Porém o educador, além daquele que desempenha o posto paterno, é
aquele que igualmente internaliza a lei. Oferece as possibilidades respectivamente
com os limites e princípios que necessitam ser acatados para que o convívio grupal
e na sociedade seja aceitável. Todavia o educador tem a próprio papel da mãe em
relação ao bebê: tem o cargo de espelho, pois uma vez que a criança fez a
assimilação e a transformação do mundo, ela precisa de alguma pessoa que legitime
sua conquista enquanto participante do social (SANCHES, 2002).
No caso da análise, o indivíduo exige amor pelo conhecimento a respeito
de si mesmo, algo que o analisando espera do analista. Pode-se atrever ao
ajustamento desta condição do setting analítico para a situação no ambiente da
aula; finalmente, uma transposição da análise para o processo educacional. Pois na
relação entre o educador e o educando há uma afinidade alojada no campo
transferencial, já que há uma pendência de amor. Silva (2011) cita que existe a
hipótese de um conhecimento que não é restrito aos teores comunicados, mas que
assinala para o que é transmitido e compartilhado para além deles.
As sugestões pedagógicas assumem que suas teses estão fixadas nos
educandos, na condição de delegados de seu procedimento de aprendizagem.
99

Entretanto, mesmo diante de tal afirmativa, pode-se considerar que, em algumas


conjunturas, o ponto para o qual converge a educação não se localiza efetivamente
no discurso sobre o educando, mas no destaque das ocorrências que estão ao seu
entorno. Assim, o saber psicanalítico pode colaborar na elaboração de suas
estratégias de ensino, bem como em sua ação.
Freud [1914] (1996, p.159) sobre os educadores afirmou que:

[...] eles provocavam nossa mais enérgica oposição e forçavam-nos


a uma submissão completa; bisbilhotávamos suas pequenas
fraquezas e orgulhávamos-nos de sua excelência, seu conhecimento
e sua justiça. No fundo, sentíamos grande afeição por eles, se nos
davam algum fundamento para ela, embora não possa dizer quantos
se davam conta disso. Mas não se pode negar que nossa posição
em relação a eles era notável, uma posição que bem pode ter tido
suas inconveniências para os interessados. Estávamos, desde o
princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e
a respeitá-los. A psicanálise deu nome de ‘ambivalência’ a essa
facilidade para atitudes contraditórias e não tem dificuldade em
indicar a fonte de sentimentos ambivalentes desse tipo.

Segundo Kupfer (1992), o que disser o educador envolvido na transferência


será ouvido por intermédio de uma particular condição que toma no inconsciente do
educando. Numa outra possibilidade, na relação educador-educando a transferência
se determina no instante que o desejo do educando se conecta ao próprio educador.
De tal modo, o educador encontra-se em uma posição, que indubitavelmente, lhe
atribui comando de autoridade e situação de poder. Aí se localiza um dos maiores
desafios do educador na ação educativa:

É no campo pedagógico das relações educadores-educandos que


inteligência, afetividade e desejo se articulam, num mesmo circuito,
confrontando-se e, por assim ser, construindo, pensando e
desejando, novas e infinitas possibilidades (ALMEIDA, 1993, p.43).

O conceito de transferência organizado por Freud foi por intermédio de


suas análises, uma vez que se debate de um acontecimento que se abriga em
circunstâncias nas quais duas pessoas se relacionam, acolhendo um elemento
emocional reservado que se desarticula muito além dos parâmetros racionais. E,
portanto, tal relação pode oscilar entre a admiração e hostilidade, derivando das
relações afetivas antecedentes e inconscientes. A transferência nos permite a
100

reflexão sobre o que proporciona ao educando acreditar no educador, tornando o


conhecimento (contra) transferencial para o educador uma respeitável ferramenta no
processo de aprendizagem, configurando assim uma essencial ajuda da teoria
psicanalítica à educação (SHIRAHIGE, HIGA, 2004).
Quando o jovem entra em contato com os educadores, substitui a imagem
paterna, transferindo a eles o respeito e as expectativas do pai, e em seguida trata-
os como se fossem os próprios. Essa condição trata-se de uma ocorrência psíquica
que tem semelhança com o investimento de anseios e expectativas vividas
inconscientemente em uma relação anterior para uma nova relação. Ou seja,
conforme Freud:

O pai é identificado como o perturbador máximo da nossa vida


instintiva; torna-se um modelo não apenas a ser imitado, mas
também a ser eliminado para que possamos tomar o seu lugar. Daí
em diante, os impulsos afetuosos e hostis para com ele persistem
lado a lado, muitas vezes, até o fim da vida, sem que nenhum deles
seja capaz de anular o outro. É nessa existência concomitante de
sentimentos contrários que reside o caráter essencial daquilo que
chamamos de ambivalência emocional ([1914], 1996, p.249).

[...] transferimos para eles (educadores) o respeito e as expectativas


ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a
tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los
com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias
famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de
lutar com nossos pais em carne e osso. ([1914] 1996, p.160).

Sanches (2002) cita que, no instante que a criança tem a percepção que o
processo de aprendizagem é alguma coisa conferida com obrigação a ser
desempenhada, podemos nos encontrar com um movimento de aversão diante à
compreensão do significado da aprendizagem como algo que acontece como uma
invasão. A criança opera nessas condições para defender-se. A renúncia do
aprendizado, em nível do inconsciente, pode ocorrer parcial ou generalizadamente.
Em tais situações, a função do educador é essencial, pois ele pode estabelecer-se
num espelho que só reflete a imagem deteriorada que a criança continuamente se
deparou, ou contradizendo tal situação, cooperar e proporcionar-lhe uma
oportunidade para ser aceita com um ser com potencial.
Em diversas ocasiões, os problemas de aprendizagem não tem relação
com o potencial cognitivo do educando; muitas vezes têm relação com uma resposta
101

ao ambiente, um modo de lidar para a sobrevivência. Esse ambiente deve ser


transformado. É necessário propiciar um ambiente transicional para que a criança
tenha chances para ampliar sua potencialidade. De tal modo, aprender pode se
tornar algo que seja prazeroso. Todavia, aprender nem sempre será agradável. O
que poderá amenizar esse desconforto é o sentido que se dará às atividades. A
questão gira em torno de o educador diferenciar sua atitude para além de um gesto
de dominação (SANCHES, 2002).
Desse modo, percebe-se que no processo pedagógico é necessário que o
educador oferte possibilidades para a descarga da tensão pulsional do educando.
Igualmente é imprescindível que ocorra a frustração em alguns momentos pontuais,
já que nem tudo pode ser liberado. Porém, há que se atentar para evitar o
fortalecimento do recalque. Essa intervenção deve proceder a fim de permitir a
convivência social no processo civilizatório. Ou seja, em síntese, na educação
escolar é necessário descobrir um ponto de equilíbrio entre impedimento e
permissão, conforme mencionado anteriormente, já que se aventa sobre uma aposta
na palavra e na possibilidade de escutar e ser escutado. Deste modo, o educador e
o educando conseguirão falar e fazer escutar suas palavras, e, então, será
encontrada uma causa que justifique suas presenças na escola (COHEN, 2013).

3.3 Tendências da pedagogia do esporte e o jogo

Tendências da pedagogia do esporte têm reunido suas investigações na


procura do entendimento dos aspectos lógicos que se sobressaem nas modalidades
esportivas coletivas. Esse enfoque denega o ensino tecnicista e aprecia a
compreensão dos esportes coletivos enquanto um sistema complexo, cujo ensino
deve ser ajustado em disposições não lineares, tendo no jogo (lúdico) o principal
instrumento pedagógico para o ensino desses esportes coletivos (DAOLIO, 2002;
FREIRE, 1998b; GARGANTA, 1998; PAES, 2002; REVERDITO et al., 2009;
SCAGLIA, 2003; TEODURESCU, 1984).
Porém, aqui tratamos do nosso objeto de investigação: o processo
formativo do/no futebol, por verificar que essa modalidade tem suas peculiaridades,
como enunciado na introdução dessa investigação, no tópico “Do jogo de futebol à
psicanálise”. De tal modo, utilizaremos de estudos e autores que tratam com a
102

temática da pedagogia do esporte, devido suas respectivas contribuições. Mas,


adotaremos, aqui, nossa nomenclatura, para delimitarmos nosso objeto específico
de estudo.
Verifica-se, deste modo, que ao estudar o jogo sobre esse aspecto, as
recentes investigações da pedagogia do esporte expandem os conhecimentos da
aprendizagem dos esportes oriundos das intenções que se desapegam do
conservadorismo em favor de um enfoque amparado em apreciações sistêmicas,
cujo elemento pedagógico fundamental ocorre a partir do jogo (GARGANTA, 1998),
um fenômeno também sistêmico e complexo.
Contemporaneamente, trata-se daqueles que estudam o emprego de uma
pedagogia que prestigie situações-problema, a qual concebe uma ampliação lógica
dos parâmetros de atuação no movimento pautados nas ciências cognitivas e nos
ditos modelos sistêmicos. Portanto, afirma-se que há uma transposição desses
modelos analíticos para os sistêmicos, considerando que o aspecto cognitivo
daquele que está em ação, nesse caso especificamente aquele que joga, é um item
de fundamental importância.
O futebol sustenta um espaço importante na conjuntura esportiva da
contemporaneidade, pois em sua expressão multifacetária não se coloca
exclusivamente enquanto espetáculo esportivo, mas está presente igualmente na
Educação Física escolar, no lazer e no campo da ciência. Isso significa, no
transcurso da sua existência, esta modalidade tem sido lecionada, educada, treinada
e pesquisada em distintas expectativas, as quais deixam intuir concepções distintas
a propósito do conteúdo do jogo e das características que o ensino e o treino
necessitam adotar.
A relação com a vida demanda apresentar as possibilidades de jogo para a
realidade dos educandos. Assim, estimula-se o pensamento crítico da transformação
de ambientes em que ocorre o jogo, como a criação de configurações diferenciadas
de outros tipos de jogos. A ação pedagógica, aliada à cultura brasileira, deve
realizar-se no horizonte de experiência da criança e do jovem, para possibilitar a
estes amplos conhecimentos, escalas de valores, modelos de ação, desenvolvendo,
assim, a sua capacidade de atuar (HILDEBRANDT-STRAMANN, 2001).
Na concepção de Huizinga (1999), a futilidade e o arrebatamento são
condições que, quando presentes, acabam por restringir a esfera do jogo. Caso
aquele que joga ir além do êxtase, não estará mais jogando; da mesma forma
103

acontece se aquele que joga enfrenta a situação com desprezo. Além das restrições
temporais e espaciais, qualquer tipo de jogo é constituído levando-se em conta as
regras que permitem o surgimento da ordem em um ambiente que tenha o tumulto.
Tais regras podem ser explícitas, implícitas, flexíveis ou rígidas, porém são
obrigatórias e devem ser respeitadas por todos aqueles que jogam com a prévia
aceitação de todos. De tal modo, todos que começam o jogo têm conhecimentos das
suas regras e das implicações decorrentes do resultado final.
De tal modo, o jogo necessita ser um componente essencial na situação da
aprendizagem no esporte, a ponto de guiar por completo seu ensino, já que devido
ao seu sistema complexo, sua revelação é aquela com capacidade de pedagogizar
os denominados esportes coletivos de modo dinâmico e sistêmico. Então, fica
evidente a aprendizagem do esporte circundada de particularidades não lineares,
consentindo a constituição de suas destrezas nas situações dos próprios jogos
(GARGANTA, 1998).
Independente de tratar-se de uma situação que ocorra no âmbito escolar,
ou ainda nos ambientes esportivos clubísticos, o esporte coletivo, por garantir a
manifestação do jogo, não deve negá-lo, pois sua essência tem o próprio jogo como
fundamental gênese pedagógica. Por ser o esporte uma manifestação de jogo, o
ensino do esporte coletivo não pode negar sua essência e deve ter no jogo sua
principal gênese do ensino. A pedagogia esportiva deve ser permeada pelo jogo,
essencialmente por suas características complexas e sistêmicas. Pode-se
considerar o jogo como instância maior do esporte, englobando tantas outras
manifestações (FREIRE, 1998b; SCAGLIA, 2003).
Portanto, devemos esperar que o professor-treinador utilize os jogos para o
ensino do futebol, e também que saiba criar um espaço favorável para que suas
propostas sejam percebidas como jogo pelo aluno-atleta. Porém, é necessário que o
aluno-atleta conheça as principais peculiaridades do jogo, possibilitando ao
praticante que o execute plenamente.
O distanciamento dado ao aluno-atleta proporciona maior espaço para que
esse possa atuar por conta e ação própria. Isso surge para caracterizá-lo em uma
das formas de ser autônomo. Todavia, a magnitude desse espaço necessita
permanecer com a percepção do aluno-atleta de que está atestado pela presença
afetuosa e a disponibilidade do professor-treinador para a orientação. Assim, fica
104

evidente que não se trata de indiferença, mas do intento de respeito nesses


períodos em que o jogo sucede (MAUCO, 1968).
Ainda Mauco (1968) afirma que é imprescindível esse empenho de
“desapossessão”, como ele chama, tanto quanto o abandono às cobranças desses
nossos desejos inconscientes, pois com a puberdade o desenvolvimento afetivo
vinculado à relação educativa se finda. A maturidade do jovem, nesse caso, atinge
sua autonomia, por conseguinte fica estabelecida a sua atuação livre diante dos
educadores. Instala-se a ocasião em que opera “o render das gerações”. De tal
modo, o que irá se constatar como legado é a influência dos educadores, tanto pais,
quanto professores, na formação afetiva. Daí, “tal pai, tal filho e tal mestre, tal
discípulo”. O jovem (adolescente), então, poderá firmar sua autonomia, libertando-se
de proibições paralisantes.

3.4 O “processo formativo do/no futebol”: (contra) transferência e sublimação


pelo jogo

No nosso entendimento, o professor-treinador é aquele educador que atua


na função de treinador, e que teve sua formação na licenciatura em Educação
Física, ou no bacharelado (neste último caso, em Educação Física ou Esporte).
Nesse estudo, a proposta da intervenção pedagógica desse profissional se dá no
processo formativo do/no futebol de crianças e jovens, que aqui temos denominado
“alunos-atletas”.
O processo formativo do/no futebol, tratado especificamente para que esse
estudo caracterize-se como espaço que investiga a prática pedagógica,
independente de qual seja, desenvolvida nos mais diversos espaços educativos, no
âmbito escolar ou outros, em diferentes contextos socioculturais. Abrange a atuação
do professor-treinador e sua relação (contra) transferencial com o aluno-atleta, nos
procedimentos de ensino e aprendizagem, pautada no referencial teórico
psicanalítico, que propõe o jogo como instrumento sublimatório.
A instância que apresenta os ideais e acordo moral do psiquismo é o
superego. Além do mais, é o que mais é transmitido dos pais para os filhos. Assim,
temos um dos maiores desejos dos pais, que é ter filhos bem encaminhados na
bondade e que eles consagrem suas existências para desfrutarem o mais perfeito
105

que a vida proporciona. Portanto, o professor-treinador irá atuar na relação com o


aluno-atleta demonstrando seus ideais pessoais, que vão além do treinamento dos
fundamentos técnicos, táticos e físicos, que tramitam no cotidiano em conjunto com
as regras do jogo (MARTINS, 2010).
Azoubel Neto (2010, p.226), em seu livro “O futebol como linguagem: da
mitologia a psicanálise”, no capítulo que denominou ‘Uma entrevista com o Dr.
Freud’, apresente muito provavelmente um desejo (confesso que meu também...),
um exercício simulado de um encontro em que conversa com Freud. Durante a
conversa, o pai da psicanálise discursa que o mais próximo que já esteve do esporte
foi numa corrida de touros, em Madri. Ou seja, ele jamais esteve presente num
campo de futebol, ou pelo menos não mencionou algo a esse respeito. Isso está
distante de comprometer o emprego de sua obra para nos dar sustento teórico na
discussão a propósito da modalidade esportiva e os assuntos pedagógicos no
processo formativo do/no futebol na relação entre o professor-treinador e o aluno-
atleta; pelo contrário, nos fornece com o referencial teórico psicanalítico sobre a
sublimação e a (contra) transferência, como temos a seguir.
Moreno (2005) posiciona-se afirmando que a transferência, como
fenômeno que afeta a todos, não exclui portanto a figura do professor-treinador. De
tal modo, não podemos ignorar as ações que promovem a (contra) transferência
diante do aluno-atleta. Isso ocorre devido ao inconsciente do professor-treinador
irromper seu profissionalismo, produzindo respostas inconvenientes e inapropriadas
à expectativa de seu aluno-atleta. Diante da sugestão freudiana, tal conjuntura é
enfrentada como um obstáculo a ser superado. Assim, o conceito - neste caso, da
(contra) transferência - posiciona-se em torno dos sentimentos, pensamentos e
percepções do professor-treinador em relação ao aluno-atleta.
Pois educadores estão em constante aprendizagem, inclusive sobre sua
própria subjetividade, nas formas de sentir e pensar. A teoria psicanalítica ampara
na compreensão de suas práticas. No entanto, a maneira que ainda falta inventar,
em todos os casos exemplificados, é o “próprio modo”: cada vivência educativa é
exclusiva e demanda a invenção de cada educador (PAIN, 2012). Assim, a (contra)
transferência é algo que está constantemente em estado latente no processo
formativo do/no futebol.
106

Falo em profissionais do incompleto à diferença dos profissionais do


completo, que apresentam a postura ideológica esperançosa de que
exista uma harmonia fundamental entre o homem e o mundo,
pautada na crença de que perdemos algo em algum lugar e devemos
tentar recuperá-lo para de alguma forma voltarmos a ser completos.
O tempo do ‘Freud explica’ acabou. Estamos em uma época na qual
o melhor que podemos extrair da psicanálise e de suas colocações é
‘Freud não explica’. Partimos dessa problemática (FORBES, 2005,
p.160-161).

Ora, a problemática apresentada por Forbes aplica-se também ao


professor-treinador, cujo amadurecimento pessoal, possibilita-lhe agir diante de suas
próprias dificuldades e por conseguinte reagir afetivamente e auxiliar o aluno-atleta
diante das reações transferenciais. Ou seja, quando sentimentos inconscientes
vivenciados na relação com os pais são reavivados, em situações de treinamento e
competição, por intermédio do conhecimento dessa peculiaridade torna-se razoável
intervir pedagogicamente recriando uma relação positiva, pois o jovem, e mesmo o
adulto, permanece carregado de ressonâncias afetivas inconscientes mantendo
momentos relacionados à infância.
A pedagogia precisa esclarecer-se sobre a psicologia do educador. Trata-
se de algo que o educador tem de mais profundo e menos esclarecido, que
desemboca na resistência em compreender o inconsciente. O educador reage
inconscientemente à conduta do educando. Deste modo, ele não se apercebe de
seu próprio comportamento afetivo, conferindo ao educando, muitas vezes, a origem
das dificuldades no relacionamento no processo formativo. Nessa condição, falta ao
educador consentir a distância apropriada a que já nos referimos, e que possibilita a
autonomia do educando. Essa concepção autoriza ter a capacidade de estar em sua
posição, entretanto sem que o educador desampare o educando (MAUCO, 1968).
É necessário agora considerar que o processo formativo do/no futebol tem
muita relação com as afinidades (contra) transferencial e sublimatória que foram
abordadas e discutidas anteriormente. Por isso, é fundamental articularmos esses
dois tópicos não compreendendo seus conteúdos como fragmentados, pois, há uma
forte relação entre esses temas.
Para Winnicott (2000a), às vezes sente-se ódio na relação transferencial e
o paciente diz ao analista: você é como meu pai e nunca me responde as minhas
questões. E necessário persistir no tema da transferência, pois sem sua
107

compreensão fica inviável tratar da contratransferência. A análise do próprio


analista foi um ponto na proposta freudiana que nos leva a crer que o analista tem
períodos em que a tensão profissional é imponderável. A intenção dessa análise é a
de dar estabilidade ao analista em seus afazeres. É fundamental advertir que o
analista está em uma posição profissional e, portanto precisaria estar liberado de
sua personalidade e distúrbio de caráter. Uma vez que seu caráter profissional
determina que conserve um distanciamento entre o analista e o paciente. Entre o
analista e o paciente está o caráter profissional do analista e seu procedimento.
Isso quer dizer, no trabalho analítico existe vontade, contudo com empenho
mental consciente. Ideias e emoções aparecem, filtrados e analisados antes de uma
interpretação. Todavia isso não significa que sentimentos não estão abrangidos. O
essencial da análise do analista é que nesta ocasião ele tem o ego fortalecido de
modo a conservar-se no profissionalismo. O termo contratransferência poderia ser
tratado como o papel do analista (WINNICOTT, 2000a).
No processo formativo do/no futebol, lidar com os alunos-atletas requer
uma forte tensão em alguns momentos, tornando assim, importante o estudo dos
modos pelos quais as ansiedades e também o ódio dos alunos-atletas e do
professor-treinador são provocados. De tal modo, é possível propor uma nova
estratégia para constatar o que é melhor para ambos.
A literatura sobre a transferência é inesgotável, já que se encontra por toda
a psicanálise. No entanto, é possível afirmar que não se encontra em parte alguma,
uma vez que há raros títulos que se utilizam do termo. Porém, “O caso Dora”,
publicado em 1905, citado anteriormente, permite avaliar o caminho percorrido. Aqui,
Lagache (1990) menciona uma particularidade característica da transferência que,
dentre outras, consiste na mudança de alguém precedente pelo analista, no nosso
caso, pelo professor-treinador por parte do aluno-atleta.
Pela declaração de Lagache (1990), sobre a produção da transferência, é
razoável afirmar que o professor-treinador não desempenha qualquer função
propositada, mesmo que o aluno-atleta se apegue a detalhes, já que o manancial da
transferência refere-se a um processo neurótico. Isso significa, se a neurose
proporciona o cultivo de novos sintomas, tais como as disposições dos gestos hostis
despertados, por outro lado, a consciência desses mesmos gestos igualmente pode
causar uma condição de superação da transferência na categoria do
108

desaparecimento dos sintomas, pois não existe diferença em superar-se na relação


com o analista ou com qualquer outra pessoa.
Na passagem do “Caso Dora” ficava claro que Freud substituía o pai, com
quem a paciente fazia constantemente comparações. Existe uma ação constante no
processo formativo do/no futebol entre o professor-treinador e o aluno-atleta. Isso
quer dizer que há nesse embate uma relação constante entre o cognitivo e as forças
pulsionais, entre o reconhecimento e a pretensão de descarga que se alcança no
campo da transferência (LAGACHE, 1990).
Dupas (2008) refere-se ao professor-treinador como aquele que se
identifica com imagos e ideais arquitetadas culturalmente, e o futebol surge a partir
da disponibilidade proporcionada pelos adultos à criança, dirigindo a significações e
desejos inconscientes. Portanto, refletir sobre a formação desse profissional é estar
cauteloso à responsabilidade de cuidar das bases do desenvolvimento psíquico,
sustentando a cautela para a subjetividade do aluno-atleta e entendendo em que
momento desse processo de desenvolvimento se localiza e com o propósito de
ajudá-lo.
Porém, no momento da ação da construção da própria formação, e mesmo
após ela, é fundamental que o professor-treinador realize uma preparação para fazer
contato com sua própria subjetividade. Assim, necessita-se estar aberto às vivências
do trabalho no diálogo com colegas, recebendo, gradativamente, ganhos sobre
autonomia que irão favorecer a construção de seus próprios argumentos teóricos e
práticos, pautados em alternativas elaboradas e fundamentadas.
Ao negar o próprio lugar de autoridade, pois se trata de uma relação
assimétrica, na função paterna, ou ainda rejeitando tal posição, provavelmente se
instalará a desordem. Portanto, é imprescindível a instalação da situação edípica.
Isso demanda assimilar psiquicamente a instauração da lei e, consequentemente,
permitir a socialização no processo civilizatório. É percebendo a si mesmo que se
amplia a capacidade do professor-treinador, como também percebendo o ambiente
psíquico do aluno-atleta (DUPAS, 2008).
O professor-treinador precisa ter noção que sua função paterna,
impreterivelmente, deve ser exercida no processo formativo do/no futebol, nas
situações em que as crianças e jovens, por algum motivo qualquer, são confiadas ao
profissional pelos pais em condições distantes dos seus olhos. Assim, é necessário
que o professor-treinador se empenhe em sua função enquanto autoridade paterna.
109

O educador é quem atribui a delimitação entre a autoridade e o


autoritarismo. Trata-se daquele que proporciona a proteção, porém sem que seja
permissivo demasiado. Além do mais, há que se atentar às exigências do aluno-
atleta, sem atender o extrapolar de suas exigências. É fundamental que se oferte a
escuta, compreendendo sua subjetividade, porém filtrando-o daquilo que lhe é
disponibilizado pelo mundo.
A autoridade do educador é marcada por suas tendências inconscientes.
Pois sua importância encontra-se menos no que se profere, ou mesmo realiza, do
que naquilo que se sente em sua profundidade, ou seja, no seu próprio nível de
maturidade. A carga afetiva na ação possibilita uma intervenção favorável ou
desfavorável ao desenvolvimento do educando. Portanto, verifica-se que o processo
educacional, mesmo com sucesso aparente, pode ocasionar tensões inconscientes
que interrompem o desenvolvimento da criança (MAUCO, 1968).
Ainda para Mauco (1968), seria muito interessante a articulação da
educação com a expressão simbólica do educando. Pois no processo educacional
verificam-se os desejos, a história, as insatisfações, e aí se torna possível
compreender com mais profundidade o indivíduo no que ele tem de mais íntimo.
Portanto, a ação pedagógica, sem a pretensão de ser psicoterapia psicanalítica,
contribui estabelecendo um diálogo que expressa os sentimentos relacionais, além
dos desejos e rejeições, findando com a elaboração de suas ligações com o meio.
Compete ao educador concretizar o papel civilizatório na transmissão do
recalque determinado por uma lei, porém é uma transmissão complexa de ser
sustentada constantemente. Aloja-se o mal-estar impreterivelmente na relação
educacional. Convém ao educador posicionar-se como aquele que sustenta a
condição de autoridade perante do educando. Entretanto, por ventura esse educador
mantenha-se somente na posição do emissário da lei, ou seja, exercendo seu dever,
indiscutivelmente nos encontramos com uma educação superegóica e insuportável
ao educando, que coloca em risco a realidade do adulto.
Portanto, no caso do processo formativo do/no futebol, seria a
oportunidade para discutir e transmitir conhecimentos pertinentes à ação social do
esporte, aspectos psicológicos, bem como instruções táticas, técnicas e físicas que
sustentam o jogo de futebol. Segundo Gutierra (2003), existe nesses educadores
uma combinação entre sustentar-se no lugar de maestria e sustentar a lei. Seria
fundamental proporcionar ambiente para que o adolescente se assente enquanto
110

sujeito nessa ação de aprendizagem; por exemplo, fazendo sugestões sobre


posicionamento tático, tipos de competições, consulta sobre qual o tipo de gramado
adequado para a equipe, entre outras situações.

Não é o pai, mas faz semblante de sua função, apresentando-se


como referência, como suporte, uma autoridade benevolente,
apostando que o jovem possa fazer algo de produtivo com sua vida
por meio do saber que lhe transmite... Saber ‘não todo’ que abre as
portas do mundo (GUTIERRA, 2003, p.139).

Existe uma superação da transferência assim que se expõe ao aluno-atleta


que os sentimentos existentes não são originários da atual conjuntura, e que,
consequentemente, não se aplicam ao professor-treinador. Ou seja, são sentimentos
que estão se repercutindo devido a uma relação antecedente. De tal modo, torna-se
viável que se transforme a repetição em uma lembrança. E, então, a transferência,
tanto amorosa quanto hostil, que parecia tornar-se uma intimidação à relação, altera-
se em uma ferramenta em que pode se descrever segredos compartilhados de uma
vida. Conforme Freud [1917] (1996) na Conferência XXVII, da “Teoria geral das
neuroses” afirma, é apropriado pontuarmos que já não nos tomamos mais de uma
doença anterior, do passado, mas sim de uma neurose atualizada que admite o
espaço de uma anterior. Isso significa descrever que os sintomas abrem mão de seu
sentido original admitindo outro significado que se refere à transferência. Ou ainda,
esses sintomas conservam-se, pois são capazes de não sofrer tal transformação.
O professor-treinador pode interpretar proveitosamente a condição
transferencial, pois o aluno-atleta sente-se suficientemente seguro, já que os
detalhes de sua forma de amor vêm à tona. Aqui não se deve subtrair nenhuma
forma de vantagem pessoal: deve ser preservada a oportunidade de auxiliar numa
circunstância decisiva da sua existência (LAGACHE, 1990).
Freud [1917] (1996) preparou um material para um público, tanto para
médicos (analistas), quanto para leigos. Nesse momento ele aborda as relações
entre a transferência e a sugestão. Para ele, é um instante primeiro da transferência
positiva que, por conseguinte antecede a transferência negativa. A
sugestionabilidade é a tendência para a transferência, pois a sugestão lembra a
magia. Mas os sentimentos ternos transformam-se em hostis.
111

A existência de ambos os sentimentos refletem bem a ambivalência que se


revela na maioria das relações, entre elas a do professor-treinador com o aluno-
atleta. São sinais de apego afetivo, na mesma proporção em que o desafio e a
obediência demonstram sentimentos de dependência, mesmo que com sinais
contrários (LAGACHE, 1990).
Ainda para Freud [1917] (1996), caso a transferência se instale desse
modo, ela irá revestir o professor-treinador em sua autoridade e transforma em
crença suas explicações. Já numa circunstância contrária, ou seja, caso haja
instalação de uma transferência negativa, o aluno-atleta não daria sequer ouvidos
aos argumentos durante o relacionamento. No início encontra-se um derivado do
amor sem obrigação de argumentos. Somente mais adiante será instalada uma
ocasião aceitável para a submissão de uma apreciação, desde que esses
argumentos sejam depositados por quem se tem amor. Caso não sejam oferecidos
esses suportes, a legitimidade dos argumentos é perdida. Entretanto, apenas haverá
acesso se houver um aspecto intelectual interligado.
Freud [1915] (1996), em “Observações sobre o amor transferencial”
anuncia que a contratransferência pode constituir para o professor-treinador um
sentimento peculiar, vivenciado como um acontecimento que compõe uma
elucidação essencial e uma nota favorável que é possível que esteja em sua própria
mente. Ele necessita diferenciar que o enamoramento - por exemplo, uma aluna-
atleta - é induzido pelo relacionamento nos treinamentos e convivência cotidiana.
Assim sendo, não deve ser atribuído aos atrativos de sua pessoa; de modo que não
há qualquer motivação para gloriar-se da ocorrência, necessitando isso
continuamente ser recomendando pelo/para o professor-treinador.
Sobre como lidar com a transferência, Laplanche (1993) cita que o
professor-treinador poderia atuar sobre a neutralidade, que deve ser concebida
como uma espécie de assepsia. Tal concepção é muito difícil de superar, na medida
em que, sendo neutro é fácil apegar-se à ideia de que não temos nada a ver com o
que se passa na transferência. Não se trata de uma neutralidade por acaso. É uma
neutralidade que tem uma função positiva na produção da transferência. Ou seja,
essa neutralidade não é o que possibilita operar outros fatores, mas um componente
fundamental para o surgimento da transferência.
Para Laplanche (1993), a transferência de Freud situa-se na demanda do
saber. Tem relação com um segredo sobre o saber. O saber se instala como um
112

objeto comum, partilhado e compartilhado, ou intercambiado, estando voltado para o


domínio da autoconservação. A partir daí pode-se estabelecer uma relação espacial
sobre os envolvidos que se posicionam do mesmo lado em relação ao objeto do
saber que contemplam ou estudam em comum. No caso do jogo de futebol, o
professor-treinador e aluno-atleta estão diante do mesmo fenômeno: o jogo.
Seguramente essa é a melhor situação para neutralizar a relação de ensino do
futebol; há uma relação de parceiros em relação ao objeto do saber. O aluno-atleta
também tem um conhecimento, não apenas o professor-treinador. Porém, este
objeto é objeto de uma luta, desafio ou demanda. Professor-treinador e aluno-atleta
estão de lados opostos. Isso vai muito além de estarem do mesmo lado. Como na
relação do Édipo, em que o filho e o pai têm uma disputa em questão.
Os educadores precisam considerar que os métodos educacionais têm
disposições diferenciadas. Empregar o mesmo processo de modo constante torna-
se impraticável para todas as crianças. É necessário reconhecer a individualidade
que compõe o educando e dar-lhe a dose apropriada de amor, e simultaneamente
conservar-se com um grau decidido de autoridade. Portanto, uma apropriada
preparação para a profissão de professor-treinador pode ser apoiada em referenciais
psicanalíticos. Em “Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise” [1933]
(1996, p.148), especificamente em “Explicações, aplicações e orientações”, Freud
menciona que:

[...] também aqui estou apenas abrindo a porta para os senhores e


mostrando-lhes os compartimentos que se situam detrás dela, sem
conduzi-los para dentro. Estou certo de que, se os senhores
permanecerem leais ao seu interesse pela psicanálise, poderão
aprender muita coisa nova e valiosa a respeito desses temas.

Cabe ao professor-treinador compreender a necessidade e ter noção da


impossibilidade de executar ao mesmo tempo as três funções que Freud [1937]
(1996), em “Análise terminável e interminável” nomeou de “impossíveis”: governar,
educar e analisar. Para Martins (2010) e Andrade (2012), a função do professor-
treinador está inserida numa profissão elevada ao cubo da impossibilidade de
completo êxito. Ou seja, nunca existirá um profissional total. O que podemos ver são
aqueles sérios e implicados em lidar com a limitação do ser humano. Isto é,
convergem para o provisório e o inacabável próprios à condição humana, seja
113

porque sempre há mudanças decorrentes da aprendizagem, seja por não ser


possível exaurir, pela análise, nem dirigir, pela educação, o inconsciente.

Porém, não surgiu um filósofo universal de todos os sistemas


educacionais, nem um governante que harmonize tudo e nem um
terapeuta que liquide todos os males, o técnico está fadado ao
conflito de realizar o ideal dos outros e pode enlouquecer caso ache
que isso é viável. Seria cômico se não fosse trágico. [...] Aliás, o
futebol exige alma e corpo pulsionalis(z)ado. Não é só exercício
físico, atividade calistênica e de academia de ginástica. Tem desejo,
impulsão, gozo, sublimação, e porta todos os defeitos e qualidades
do vir a ser humano. A psicanálise e o futebol estão mais interligados
do que nunca, por isso é necessário inseri-lo numa discussão
pedagógica, visto que o futebol e o esporte em geral fazem parte
específica do humano (MARTINS, 2010, p.117 e 152).

Além disso, Lopes (2005) argumenta que, de fato, esses três ofícios se
deparam com restrições em sua ação, a partir do instante que se submetem ao
inconsciente. Essa menção freudiana já deu muito a falar, ou a escrever; aliás, muito
além do que ele mesmo imaginaria. No entanto, tal impossibilidade não se trata de
impraticabilidade e nem fraqueza, já que citar que a educação é impossível é
permanecer no mal-estar que irá permear nossos atos. É necessário constatar que o
ego transita por nossa ação, e que educar pode ser percebido como domínio da
situação, com o engano de que se decide o futuro. Isso vem ao encontro da prática
pedagógica que visa preponderantemente esse domínio, com frequente reparação
do erro, pois ignora a incoerência estrutural desse campo. Discute-se um domínio
imaginário, pois é o inconsciente que possui maior força que as intenções
conscientes.
Cada aluno-atleta deve ser compreendido como sujeito singular. Pois,
propor um processo formativo do/no futebol fundado no jogar não permite uma
mesma intervenção pedagógica para todos. Apesar de que para Mrech (2005) a
questão formativa, quando se refere “a todos”, trata-se de um modelo de educação
que prestigia o social e não a especificidade de cada um. Porém, acreditamos que o
importante é prestigiar a singularidade de cada um, pautado no contexto de vida. E o
ofício de educar não se esgota nunca, pois está constantemente em reformulação.
Devido a isso, não se apresentam regras fixas e cartilhas de ação. Evidentemente,
114

trata-se das questões dos relacionamentos, dentre eles o aspecto transferencial.


Portanto, nasce o trabalho que se faz e refaz na sucessão dos dias.
As atitudes pedagógicas não se limitam a um corpo de conceitos
articulados por prescrições nomeadas. Contudo, relacionam-se a um sistema de
gestos, valores, proibições e pulsões. Ao educador cabe a edificação de saberes
originados da experiência do cotidiano, que independe da episteme, que atuam na
superação de dificuldades de fato, assim como na tomada de decisões essenciais,
atuando em condições de incertezas. A ação educacional torna-se digna de uma
profissão fundamentalmente relacional (PEREIRA, 2005).

Penso que faremos bem em não insistir demais na exclusividade de


nossas novas descobertas ou procurar aplicá-las a todos os casos
(FREUD, [1895] 1996, p.260).

Sobre a prática pedagógica, Caminha (2012), apresenta uma reflexão


interessante que podemos articular com a transferência. Ou seja, a função do
educador demanda muito discernimento e diálogo. E a psicanálise contribui na
capacidade do inclinar-se para escutar o outro, nesse caso, o aluno-atleta. De tal
modo, o educador atua como gestor dos conflitos que venham a acontecer no
processo ensino e aprendizagem. Isso significa que o “poder” pode ser delegado por
outro (educando), já que nele se sustenta o “poder” do educador.
O processo formativo deve situar-se no âmbito que propicie o diálogo do
respeito para o educando, cabendo ao educador estabelecer a liberdade suficiente
para que o educando possa ser autônomo na aprendizagem. Há que se entender
que nesse distanciamento é preciso estar garantida a presença manifesta do
educador para o educando ter como referência constante nos momentos em que os
códigos do convívio coletivo forem exigidos. Para o próprio educador, é fundamental
que se posicione na situação do educando, pois deste modo torna-se possível a
compreensão objetiva de suas necessidades. Portanto, isso não significa nenhum
retrocesso alienante, mas representa uma contribuição para o educador no seu
próprio domínio (MAUCO, 1968).
Nesse estudo consideramos o jogar como essência do trabalho do
professor-treinador em sua relação com o aluno-atleta. Esse é o grande instrumento
pedagógico, pois por seu intermédio, além de aprender a “jogar o jogo”, o aluno-
atleta irá desenvolver sua subjetividade pautada nessa cultura. Assim, no processo
115

formativo do/no futebol, o aluno-atleta sente prazer nas atividades de treinamento


(físicos, técnicos ou táticos) em que predomina o jogar. Pois, se damos ao jogo a
conotação do adulto (regras excessivas), por exemplo, o modo do jogo infantil
(menos cobranças externas, que permitem mais fluxo do jogo) se reduz a atividade
esportiva; já que transformamos o jogo adulto na modalidade que enquadra nas
condições de treinamento, minimizando o caráter lúdico. Talvez por isso os alunos-
atletas, na condição de profissionais do futebol, querem, pelo menos algumas vezes,
jogar sem que o jogo seja nos moldes do esporte, ou seja, que o jogo seja jogado
sem muitas intervenções de regras mais rígidas.

O jogo adulto torna-se, assim, um meio termo entre a simples


ocupação e o esporte, entre a tristeza e a alegria. É uma atividade
bastarda que pode assumir aspectos diversos, de acordo com a
nossa atitude. Ao contrário, o jogo infantil tem apenas um aspecto
porque só tem um princípio, e esse só pode resultar em alegria. [...]
Se quiser encontrar na vida adulta um equivalente do jogo infantil,
sem dúvida não será no jogo adulto que se deverá procurar, mas nas
atividades a um tempo gratuitas e sérias como o jogo infantil. Ao
passo que o jogo adulto carece de seriedade, porque é uma
atividade secundária que tem seu objetivo fora de si mesmo.
(CHATEAU, 1987, p.32-33).

Quanto ao caso das chamadas “peladas”, ou jogos que não há a utilização


das regras fixas (como no caso do “esporte”), a não presença de um juiz como
mediador parece ser uma possibilidade interessante àqueles que jogam para se
elaborar uma aceitação às regras independente da presença de outro que faça a
função da arbitragem. Ou seja, nesse caso sem a presença daquele que faz a
função da lei, como é o caso da “função paterna”. Isso parece proporcionar a
transferência para uma socialização da ética no cotidiano por intermédio de suas
ações, aprendido por parte daquele que está jogando. Há um estímulo para que não
se fique dependente da figura alheia para assumir os próprios erros que por ventura
venham a ser praticados, mas o reconhecimento para com o outro está numa
condição favorável, sem a necessidade de subterfúgios. Isso vem à tona e ao
encontro do superego, que se fortalece, mesmo sem a presença do árbitro e/ou
mesmo do professor-treinador. Surge uma autonomia que leva a uma anarquia que
pode se expandir em outras ocasiões do cotidiano (AZOUBEL NETO, 2010).
116

A transmissão de valores morais e éticos visaria harmonizar a vida e


afastar a morte. Para Freud isso é largamente o superego, uma
introdução do que seria ao dever. O dever é o pensamento mais bem
pensado e que é desejável aplicar para se alçar o sublime. Sabemos
que isso lamentavelmente não se realiza com frequência, ainda que
aceitemos nos esforçar para a realização do sublime (MARTINS,
2010, p.201).

O brincar é determinado pelo simples fato de seu objetivo estar no próprio


processo e não no resultado da ação. O truque amplo da motivação do jogo consiste
em competir - entendido aqui como participar - e não vencer. Por isso os jogos dos
adultos torna-se um simples estar no jogo, quando a vitória impõe uma simples
participação, pois o jogo deixa de ser uma brincadeira (LEONTIEV, 1988).
Na situação do brincar, tanto a criança quanto o adulto usufruem da
liberdade para criação, e é apenas sendo criativo que o ser humano atinge seu self.
Por intermédio do brincar é possível a comunicação. Assim sendo, cabe ao
professor-treinador, no processo formativo do/no futebol, utilizar esse recurso, para
na condição de educador, proporcionar ao aluno-atleta tornar-se alguém
(WINNICOTT, 1975).
Para Martins (2010), o jogo de futebol é uma resposta criativa para a
pressão pulsional. O corpo em movimento no jogo se põe de modo espontâneo e
livre, e ao mesmo tempo intelectualmente. O futebol traz elementos que permitem
aquilo que Freud denomina de sublimação. Uma vez que transfere o alvo e o objeto
para valores sociais de uma atividade humana que até então eram destrutivos e que
se transforma numa prática socialmente benquista e aceitável, posicionando-se
pertencente ao processo de civilização.

O futebol popular da Inglaterra medieval e nos inícios dos tempos


modernos apresenta uma análise social bastante aprofundada do
desenvolvimento dos antecedentes do futebol e do rugby. Constitui
de igual modo, uma contribuição para a compreensão da teoria do
processo de civilização (ELIAS, DUNNING, 1992, p.35).

Quanto ao futebol, não é suficiente aceitar apenas uma interpretação


sociológica, descartando levar em conta o intenso prazer que propicia na condição
de jogo. Não se trata de um prazer que apenas alivia a dor, mas sobretudo uma
descarga ativa. Não podemos deixar de ressaltar que o prazer está instalado nas
atividades humanas inerente à sublimação. Partindo do pensamento de Marx e
117

Freud, podemos considerar o jogo de futebol na condição de trabalho que se


confundiu com as atividades laborativas depois da revolução industrial, como é o
caso do futebol profissional. Por fim, é possível revelar que o sério e o hostil não
estão em oposição ao que se vive com o prazer infantil e dos homens mais velhos
(MARTINS, 2010).
Para Azoubel Neto (2010), enquanto acontecimento de psicologia de
massa, o jogo de futebol se desenvolve num movimento de cultura favorável ao
período dos sonhos e devaneios da “molecada”. Apesar de ter surgido para auxiliar
a aliviar e intensificar tensões de guerra, creio que ele tem resguardado tais
características até os dias contemporâneas.

3.5 O professor-treinador e a agressividade

O jogo começa com o primeiro movimento sublimado de um ato


agressivo (MOTTA, 2005, p.15).

Quanto ao jogar dos adolescentes, Winnicott et al. (1994, p.52) citam que
eles:

“[..] brincam com a construção imaginativa, tornando-se ou


aprendendo a se tornarem artistas, músicos, filósofos, arquitetos,
entusiastas religiosos, ou brincam em jogos, tornando-se
profissionais ou competindo por campeonatos mundiais, ou brincam
de guerra, por irem a ela e lutarem, ou por fazerem coisas que os
envolvem em risco real. Se delinquentes, brincam de ladrões sendo
ladrões”.

Todavia, a sociedade não se localiza numa conjuntura ameaçadora por


conta da agressividade. Porém, em consequência da contenção da agressividade
nos indivíduos, isso nos leva a refletir sobre algumas dissociações ocultas sobre o
que é tolerado socialmente na contemporaneidade. Logo, seria fundamental
averiguar a genealogia do intuito agressivo. Isso significa, temos que destacar que,
quando um procedimento agressivo é proposital, aí sim devemos qualificá-la como
propositada. A origem da agressividade aparece a partir de uma experiência
instintiva. Temos que considerar que somente uma parte da atitude foi acessada
118

pelo consciente. Outra parte instala-se no inconsciente reprimido; ou seja, sem


acesso devido aos afetos insuportáveis. De tal modo, temos uma combinação dos
acontecimentos da agressividade manifesta e do impulso agressivo, que não podem
ser avaliados isoladamente: “Nenhum ato de agressão pode ser compreendido em
sua totalidade como um fenômeno isolado” (WINNICOTT, 2000b, p.289).
Bastidas (2002) aponta que também seria interessante analisarmos a
agressividade não como gesto vilão, mas algo intrínseco a natureza humana, que
nos movimenta na vida para a partir daí lidarmos melhor conosco,
descaracterizando-a como patológica.
De modo sedutor e traumatizante, a introdução forçada da pulsão de morte
não poderia senão promover, naqueles que são considerados os sucessores de
Freud, as mais diversas variantes possíveis de defesa (bem como uma motivada
recusa de alguns), aceitação cujos seguidores permanecem na condição de
pensamento acrítico da noção e do dualismo “Eros-Tanatos” (LAPLANCHE, 1985).
No caso da luta esportiva, existe uma forma de disputa indireta e
construtiva para abordar os impulsos agressivos e libidinosos, assim como o jogo de
futebol. “O mecanismo de defesa capaz dessa transformação conciliadora, que
muda os objetivos originais da pulsão, fazendo com que ela escolha uma nova
finalidade: é a sublimação” (MOTTA, 2005, p.45).
A metaforização do jogo de futebol como uma guerra impera nos discursos
dos envolvidos diretamente com sua prática, tais como treinadores, atletas e
torcedores. Estamos tratando de um combate sem mortes que acontece em espaço
e tempo determinados. E, sem dúvida, a existência de um inimigo similar, que faça
efetivamente frente, é imprescindível para o prazer em vencer. Os atletas estão
envolvidos em torno do ideal de amor que alavanca o grupo. Surge um novo coletivo
que se funde: “Eros é a energia que permeia e liga as atividades humanas”
(MARTINS, 2010, p.51).
A proposta de Winnicott (2000d) pode levar a transformar a maneira como
o professor-treinador se relaciona com seus alunos-atletas, haja vista que lhe
autoriza reavaliar sua percepção sobre a ocorrência agressiva, e recomenda um
procedimento com uma reação compreensiva e positiva ante dos fatos no processo
formativo do/no futebol. Além do mais, há uma redução acentuada na reação
(contra) transferencial por parte do professor-treinador, meramente pelo fato de não
119

se afetar, pela compreensão, por sentimentos que não são, de fato, destinados à
sua própria pessoa.
Ainda sob as investigações de Winnicott, amplia-se e intensifica-se o
legado freudiano. Deste modo, o professor-treinador tem condições de proporcionar
um espaço sublimatório em seu ambiente formativo, compreendendo o aluno-atleta
em sua natureza humana, na direção da correta inclinação de confiança nos outros,
sem sentir-se ameaçado pela aniquilação do verdadeiro eu. Pois, se explana que
todo o comportamento antissocial traz a divulgação de uma obrigação original não
preenchida. No impulso do amor primitivo é possível que deparemos
indubitavelmente uma reação agressiva:

O ódio é um fenômeno relativamente sofisticado e não se pode


afirmar que exista nos estágios iniciais. Torna-se necessário,
portanto, examinar a agressividade para além da reação agressiva
que inevitavelmente acompanha o impulso do id, devida ao fracasso
da experiência do id decorrente do funcionamento do princípio da
realidade (WINNICOTT, 2000b, p.296).

Como abordamos anteriormente nesse estudo, Freud [1920] (1996)


discorreu a respeito do princípio de prazer e prosseguiu em suas elaborações no
que se refere à pulsão. Por meio de suas verificações, ele constata que existe
alguma coisa de pulsional que conduz o indivíduo na direção de certa destrutividade,
que vem seguida de impressões desprazerosas. Em outros termos, o indivíduo
remove alguma coisa pertinente ao prazer de tais impressões desprazerosas.
Transitando nessa trilha, ele alcançou o conceito de pulsão de morte, instituindo
desse modo o dualismo pulsional: pulsão de vida versus pulsão de morte.
Portanto, seria interessante que o professor-treinador, exercendo sua
função, compreendesse esse referencial teórico para lidar com o aluno-atleta no
processo formativo do/no futebol. Aliás, compreender a pulsão de morte é, também,
compreender a pulsão de vida. Pois se trata de uma questão dialética.
Freud [1937] (1996), em “Análise terminável e interminável”, menciona que
ao pesquisar os acontecimentos que são testemunhos da intervenção da pulsão
destrutiva, não necessitamos nos balizar apenas e tão somente às observações
referentes ao conteúdo enquanto patológico. Distintas ocasiões da vida psíquica
exigem um esclarecimento desse tipo de circunstância que nos impressionam. O
120

assunto é importante demais para que seja tratado como um tópico lateral e sem a
necessária importância para um debate.
Por conseguinte, torna-se indispensável ressaltar o interesse pela
brincadeira que se estabelece numa ponte entre a realidade externa e o mundo
interno da criança. Todavia, quando a condição não é saudável, nos
relacionamentos há concentração do que é bom no mundo interno, e o que é ruim
projeta-se para fora. Assim, a criança torna-se patologicamente acanhada, pois vive
em seu mundo interno. Ao restabelecer-se, ela torna a relacionar-se com o ambiente
externo, agora repleto de perseguidores, comumente agressivamente. Quando a
criança pequena (mas também podendo ocorrer com adulto) mal conduz os ataques
por parte daqueles que cuidam dela - nesse caso podemos ponderar sobre os
educadores, ou mesmo de seus pais - ela prontamente retrocede à introversão.
Excluindo os períodos de doença, podemos nos encontrar com constância com essa
condição, não sendo apenas uma situação teórica (WINNICOTT, 2000b).
De tal modo, quanto aos jogos de futebol, sua validade é incomensurável
para aquele que o pratica, já que, ao vermos crianças na rua, ou mesmo os adultos
nos campos de várzea, com terra seca sem grama e seus uniformes não tão
uniformes - e aí também podemos incluir os que disputam divisões inferiores dos
campeonatos regionais - jogam como se fosse a última partida da Copa do Mundo. A
tensão da competição é elevada, na mesma proporção, como atesta Tite, treinador
da seleção brasileira:

[...] os mesmos sentimentos do “joguinho” da esquina é sentido no


jogo profissional. A pressão e a expectativa elas são exatamente
iguais. O número de pessoas é que vai diferenciar (BACHI, 2016).

A forma como o homem pode viver em sociedade é, portanto, abdicando


parte de suas vontades. De tal modo, o jogo de futebol pode ser a condição para se
depositar o excedente desse desejo de uma maneira a dar a vazão à sua libido. E o
professor-treinador, indubitavelmente, pode desempenhar a função de intercessor
de um encontro nessa circunstância, a fim de que a pulsão seja sublimada, mesmo
que ele não compreenda plenamente o processo do ponto de visa teórico.
O futebol enquanto esporte tem por característica fundamentalmente o
conflito, a luta, o processo competitivo, conecta-se com aquilo que percebemos ser o
quadro da neurose, como maneira de funcionamento do aparelho psíquico, por
121

excelência. O futebol é pensado e desempenhado quanto uma modalidade esportiva


assinalada pela reatividade e pelo conflito. Tem-se a concepção que o futebolista
joga não exclusivamente contra, mas também com seu oponente, exigindo de pronto
a aderência às regras e atitudes de conduta que administram o esporte e as
atividades dos seres humanos em coletividade. “O futebol é um jogo de enganar ao
outro dentro das regras estabelecidas. Ainda que no final cumprimentem uns aos
outros completando a farsa que fizeram um autêntico fair play” (MARTINS, 2010,
p.84).
De acordo com Elias e Dunning (1992), a compreensão do caráter como o
jogo se desenvolveu até os dias atuais, tais como sua tensão e a sua cooperação,
acontecem por controles consolidados. A investigação do jogo de futebol, em seu
desenvolvimento, nos autoriza afirmar, num campo restrito, um aspecto de ação
entre a tensão e o seu controle, sem o que a importância do futebol não seria
possível de ser compreendida. Mesmo que haja ocorrências em que se perde
inteiramente o domínio da situação, com o passar do tempo vão sendo contidas
paulatinamente.
Deste modo, o que transformou-se durante o transcorrer do tempo pelas
culturas são os padrões sociais pertinentes ao autodomínio acerca do potencial
natural dos seres humanos, com desígnio para extinguir e transformar as formas de
energia elementares aos impulsos naturais. Em resumo, o que transformou tais
intervenções de controle estão engedradas no percurso do ação educacional da
criança e que atuam especificamente, indicados à razão e consciência, e ego e
superego operando conjugados na relação com os impulsos libidinais e outros, em
ampla medida instruído em distintos estágios de desenvolvimento da humanidade
(ELIAS; DUNNING, 1992).
Para Motta (2005), os impulsos agressivos sublimados podem ser uma
ferramenta entre os seres humanos para um convívio harmonioso. Isso possibilita
inclusive confirmar o jargão olímpico sobre a conciliação entre a paz e a competição,
possibilitando disputas construtivas com sentimento solidário e de amor com o
mesmo arrebatamento nos embates.

Diria um não aficionado do futebol e das coisas humanas: o futebol é


só para loucos, só para exagerados, desvairados... É sempre
perigoso tentar aplicar o conceito de normal a seres humanos.
Normal vem de norma, regra, ou seja uma apreciação externa ao
122

sujeito. Cuidado com o conceito, pois tenta conotar verdades


estatísticas, muitas vezes, além de opiniões preconceituosas. [...] O
futebol é uma atividade que facilita a expressão de cada um. Ao fazê-
lo, emerge psicopathologias do normal (MARTINS, 2010, p.235-
239).

A vontade daqueles que jogam futebol é indubitavelmente uma questão de


agressividade. A agressividade é um componente positivo de quem joga, sendo
tanto necessário quanto decisivo. Também é válida a oportunidade para distinguir
agressividade de violência, para romper o equívoco que possa surgir entre os
conceitos. Ou seja, ser agressivo é mostrar-se dinâmico e disposto a fazer valer
suas habilidades, sem hostilidades contra si mesmo ou contra os oponentes. A
agressividade é uma forma libertadora do jogador, que, sem complexos, mostra suas
destrezas e se esforça para superá-las. Já a violência, por sua vez, destrói ao que
se opõe em sua frente ou ao seu redor. Sem agressividade não existiria futebol,
como também qualquer das realizações humanas (COCA, 1985, p.116).
Portanto, ainda para o mesmo autor, vamos citar a agressividade em seu
aspecto nobre, positivo, dinâmico, como uma atitude criativa no jogador de futebol,
ou capaz de gerar comportamentos criativos para demonstrar seu valor. Não se trata
de agressividade, aí sim patológica, vinculada frequentemente à frustração, como
aquela em que o jogador perde a bola e ataca o oponente, interpondo brutalmente
seu caminho. A agressividade é uma referência criativa com um predomínio da
conduta competitiva das soluções sobre o desânimo e da apatia e da antecipação
sobre a espera. Ao entendê-la desta forma, descobrimos nela um dos potenciais
humanos. Por conseguinte, dentre outras funções, cabe ao professor-treinador estar
constantemente atento à valorização das condutas que caracterizaria aquele que
joga como apto à prática do jogo, para que não se confunda essas condutas com
atos e gestos violentos.
Por fim, como afirma Martins (2010, p.46), podemos pensar as relações
entre futebol e psicanálise sem considerar que certos fenômenos e atividades
humanas são inferiores. Para o mesmo autor, Freud demonstrou que a alma é
pulsionalizada no e pelo corpo e, portanto “o futebol, como a arte, pode vir a ser a
alma efetiva corporificada no ato pulsional”.
123

4 CONCLUSÃO

Consideramos que o processo educacional no esporte, tal como se


apresenta preponderantemente na atualidade, não tem prestigiado o jogo como
processo inconsciente, pois o que sobressai, sobretudo na pedagogia do esporte, é
uma abordagem que se pauta exclusivamente no “consciente”, em especial no que
diz respeito ao que é “cognitivo” na aprendizagem.
A partir daí, no transcorrer desta investigação apoiamo-nos no referencial
teórico psicanalítico e sua relação com o futebol, sobretudo em no que diz respeito
aos processos sublimatório e transferencial. E o que constatamos é que o jogo é um
componente fundamental no processo de subjetivação do ser humano durante o
transcorrer de sua vida, embora nosso enfoque tenha tramitado no período entre
infância e juventude, porém podendo expandir-se para a vida adulta e velhice.
Consequentemente, o jogo de futebol apresenta-se como possibilidade essencial
para o envolvimento com o simbólico na vida pessoal.
Apesar de termos iniciado o estudo dos dois conceitos da teoria
psicanalítica (sublimação e transferência) de modo separado, temos que ressaltar a
interface que há entre esses conceitos, a qual se revelou no transcorrer desta
investigação. E, ao seu final, convergiram no processo formativo do/no futebol.
Assim, concluímos que a prática do jogo de futebol é fator relevante para a
sublimação das forças pulsionais inerentes ao entendimento da psicanálise,
permitindo sua ocorrência de modo aceitável socialmente, e que a intervenção do
professor-treinador na mediação do processo formativo do/no futebol contribui para
a realização parcial direta do desejo.
Ou seja, podemos afirmar que o que move o aluno-atleta a jogar é sua
força pulsional. Isso significa dizer que nos fica evidente em se tratar da “pulsão de
morte”, nessa circunstância caracterizada como uma energia que se direciona à
necessidade da realização de uma atividade socialmente civilizada e aceita por meio
da prática do jogo de futebol. Portanto, o jogo de futebol contribui para o processo
sublimatório.
Vale ressaltar que na situação do futebol profissional o jogo perde parte de
sua essência, pois “outros” cobram o aluno-atleta para resultados permanentemente.
É importante notar a diferença do jogo de futebol em relação ao futebol como
esporte, já que o jogo, com seu caráter pulsional, mesmo que esteja presente no
124

esporte, tem suas potencialidades muitas vezes diminuídas. Então, notamos que,
pelo menos em parte, o prazer de jogar é reduzido pela formatação que se dá ao
próprio jogo nos moldes do que denominamos "esporte", caracterizado, seja nos
jogos ou nos treinamentos, como recalque, pois minimiza a expressão do ser
humano, dada a rigidez e enquadramento às regras oficiais.
Por outro lado, essa mesma rigidez possibilita ao professor-treinador atuar
na relação com o aluno-atleta no fortalecimento do superego, para o cumprimento
das regras esportivas, por intermédio do “ato pedagógico”, para que outras
condutas, além das inerentes à própria modalidade, também sejam aceitas. Cabe,
então, a esse profissional, atuar numa espécie de negociação, buscando um
equilíbrio entre as forças pulsionais no que se refere à permissão e a proibição dos
gestos nos diversos âmbitos sociais, inclusive no jogo de futebol.
Quanto à agressividade, é necessário que, de um lado, seja desmitificada
do ponto de vista social, já que se trata de um componente inerente à realidade
humana, e, de outro, é preciso diferenciá-la da violência, a qual se caracteriza pela
quebra do vínculo social, o que denominamos atos de "barbárie". Portanto, é
necessário disseminar a energia pulsional em condições apropriadas de
manifestação, como o que ocorre nos jogos e mesmo nos treinamentos do futebol.
Para o professor-treinador, compreender os significados das reações
sublimatória e transferencial irá favorecer sua intervenção pedagógica no processo
formativo do/no futebol, de modo mais adequado às características humanas. Pois o
jogo de futebol contempla uma instância que está além do princípio do prazer,
consequentemente se instalando na repetição, assim como a síntese transferencial
que se dá em sua relação com o aluno-atleta, comumente na repetição das imagos
paternas, sobretudo.
O professor-treinador, ao conhecer melhor as características do aluno-
atleta no que diz respeito aos seus processos sublimatório e transferencial, terá
condições mais apropriadas para atuar nas situações pedagógicas do processo
formativo do/no futebol, minimizando, portanto, o impacto contratransferencial na
relação.
O professor-treinador, ao atuar inconscientemente em relação aos
comportamentos dos alunos-atletas, atribui a eles as causas principais dos
problemas relacionais. Compreender esse contexto do ponto de vista psicanalítico
capacitaria o professor-treinador a melhor posicionar-se em sua função. Em sua
125

formação é necessário estar atento para o desenvolvimento psíquico do ser humano


e às subjetividades, tanto de si próprio, quanto do aluno-atleta.
As ações que geram situações (contra) transferenciais originam-se
daquelas condições em que o professor-treinador abdica temporariamente da sua
posição profissional, com consequentes respostas não adequadas aos alunos-
atletas. Sendo assim, instalam-se situações que inviabilizam a tarefa educacional.
Portanto, é necessário que esse transtorno seja superado.
O primeiro passo é tomar ciência de qual sentimento está inserido na
relação. Cabe, então, ter noção da própria subjetividade, nos modos de se
posicionar a partir de seus sentimentos. Cada experiência de vida tem suas
peculiaridades, cabendo a cada um se reinventar. O processo (contra) transferencial
é algo inerente à conduta pessoal no processo formativo do/no futebol. Aliás,
estamos lidando com o profissional do incompleto.
Ou seja, o jogo, na relação (contra) transferencial, atua como instrumento
para o próprio profissional ter referenciais sobre o aluno-atleta, e assim compreendê-
lo de modo a não levar em conta os conflitos que porventura aconteçam no processo
de ensino e aprendizagem como algo pessoal.
O papel do professor-treinador, então, amplia-se para aspectos além dos
propriamente específicos do treinamento e do jogo, não se posiciona de forma
restrita às intervenções do desenvolvimento das questões técnicas, físicas e táticas.
Assim, a psicanálise nos indica algumas possibilidades de ação do professor-
treinador na condição de educador.
No referencial psicanalítico winnicottiano, a “mãe suficientemente boa” é
aquela que apresenta o mundo à criança. De tal modo podemos fazer a correlação
com o “professor-treinador suficientemente bom” que apresenta o mundo ao aluno-
atleta, por intermédio do jogo de futebol.
O professor-treinador precisa ter ciência de sua "atuação paterna", nos
termos psicanalíticos, no processo formativo do/no futebol, no qual é responsável
pela condução de aprendizagem de crianças e jovens, impondo-se em sua
autoridade da função do pai, delimitando-se na relação com o autoritarismo. É muito
importante, nesse contexto, oferecer uma escuta qualificada do ponto de vista
educacional.
Por isso propomos neste momento a grafia "professortreinador" em
detrimento da apresentada durante o transcorrer do texto (“professor-treinador”),
126

para indicarmos nosso entendimento de que esse profissional atua na compreensão


do contexto do jogo e do treinamento do ponto de vista pedagógico. Pois, embora
sejam funções sociais diferentes, as atuações do professor e do treinador, na
proposta do processo formativo do/no futebol acabam convergindo para além dos
aspectos biomecânicos, fisiológicos e pedagógicos da modalidade, em direção à
compreensão da existência do inconsciente.
Similarmente, aluno e atleta (no caso, crianças, adolescentes, jovens)
guardam características comuns, que independem do ambiente (escolar ou não
escolar) quando se trata do desejo de "jogar futebol" e das relações que travam com
o professortreinador. Trata-se sempre de um contexto formativo, pedagógico em
última instância. Daí a grafia agora igualmente proposta: alunoatleta.
Nessa circunstância, concomitantemente, o “desejo de jogar” e a relação
entre o alunoatleta e o professortreinador possibilita-nos destacar as propriedades
da psicanálise, sobretudo o processo sublimatório e o (contra) transferencial. Sobre
o processo formativo do/no futebol, precisamos estabelecer uma relação com as
circunstâncias direcionadas à esfera social e darmos atenção ao componente
cultural. O professortreinador é aquele que atua na constituição do alunoatleta sob
uma abordagem ampliada, que não se limita aos gestos técnicos em sua atuação
tradicional, mas que estimula a discussão e abrangência da importância cultural dos
significados desses gestos.
127

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