Você está na página 1de 220

Volume 2

Marcelo Antonio Sotratti


Aline Sá
Philipp Lessa Andrade
Rogério Seabra
Sandro Lessa Andrade

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Rua da Ajuda, 5 – Centro – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20040-000
Tel.: (21) 2333-1112 Fax: (21) 2333-1116

Presidente
Carlos Eduardo Bielschowsky

Vice-presidente
Masako Oya Masuda

Coordenação do Curso de Geografia


UERJ – Glaucio José Marafon

Material Didático
ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO COORDENAÇÃO Ilustração
Marcelo Antonio Sotratti DE PRODUÇÃO Renan Alves
Aline Sá Fábio Rapello Alencar
Capa
Philipp Lessa Andrade
ASSISTENTE Renan Alves
Rogério Seabra
DE PRODUÇÃO
Sandro Lessa Andrade
Bianca Giacomelli Programação
Visual
DIREÇÃO DE DESIGN INSTRUCIONAL Revisão Linguística Núbia Roma
Cristine Costa Barreto
e Tipográfica
PRODUÇÃO GRÁFICA
COORDENAÇÃO DE DESIGN Anna Maria Osborne
Patrícia Esteves
INSTRUCIONAL Beatriz Fontes
Ulisses Schnaider
Bruno José Peixoto Flávia Saboya
Flávia Busnardo da Cunha José Meyohas
Paulo Vasques de Miranda Licia Matos
Maria Elisa Silveira
DESIGN INSTRUCIONAL Mariana Caser
Karin Gonçalves Yana Gonzaga

Copyright © 2015, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj


Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio
eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

G343
Geografia agrária: volume 2. / Marcelo Antonio Sotratti...[et al]. − Rio de
Janeiro: Fundação Cecierj, 2015.
220 p.; 19 x 26,5 cm.
ISBN: 978-85-458-0047-7
1. Geografia agrária. 2. Cartografia. I. Sá, Aline. II. Andrade, Philipp Lessa.
III. Seabra, Rogério. IV. Andrade, Sandro Lessa. 1. Título.
CDD: 900

Referências bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.


Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Luiz Fernando de Souza Pezão

Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação


Gustavo Tutuca

Universidades Consorciadas

CEFET/RJ - Centro Federal de Educação


Tecnológica Celso Suckow da Fonseca UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Diretor-geral: Carlos Henrique Figueiredo Alves Reitor: Sidney Luiz de Matos Mello

IFF - INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO


CIÊNCIA E TECNOLOGIA FLUMINENSE RIO DE JANEIRO
Reitor: Luiz Augusto Caldas Pereira Reitor: Roberto Leher

UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL


NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Silvério de Paiva Freitas Reitora: Ana Maria Dantas Soares

UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO


RIO DE JANEIRO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Ricardo Vieiralves de Castro Reitor: Luiz Pedro San Gil Jutuca
Geografia Agrária
SUMÁRIO
Volume 2

Aula 9 – Relações cidade x campo___________________ 7


Rogério Seabra

Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas:


trabalho em tempo parcial, pluriatividade
e multifuncionalidade na agricultura ________ 29
Philipp Lessa Andrade

Aula 11 – Ruralidades e urbanidades_________________ 47


Marcelo Antonio Sotratti

Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações


de trabalho no campo______________________ 73
Marcelo Antonio Sotratti e Aline Sá

Aula 13 – A propriedade e a renda da terra________103


Marcelo Antonio Sotratti

Aula 14 – As reformas agrárias com meio


de reorganização do espaço agrário_______123
Aline Sá

Aula 15 – Formas de produção alternativas ao


agronegócio: a produção agroecológica____153
Philipp Lessa Andrade e Sandro Lessa Andrade

Aula 16 – Soberania alimentar – entraves


e discussões ____________________________183
Rogério Seabra

Referências____________________________________211
aula 9
Relações
cidade x campo
Rogério Seabra
Geografia Agrária

Meta da aula

Apresentar as bases teóricas e materiais capazes de superar a antiga relação dialética


e extremista entre cidade e campo, ou qual seja, moderno x atrasado, propondo uma
relação integradora para os dois conteúdos sociais.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. diferenciar os conceitos de cidade e campo e de urbano e rural;


2. apresentar a relação campo x cidade numa abordagem de complementaridade;
3. relacionar e aproximar as ideias de campo e cidade por meio da atividade de
turismo rural.

8
Aula 9 – Relações cidade x campo

INTRODUÇÃO

Você deve perceber que o imaginário entre o campo e a


cidade vem a cada dia se transformando. Quando viajamos para
o interior do país nos deparamos com situações socioespaciais
que dificultam o estabelecimento de limites entre o espaço rural e o
espaço urbano. Essa dificuldade nos faz pensar, geograficamente,
nas novas relações entre o campo e a cidade e nos incitam
a conhecer os vários debates que a Geografia Agrária vem
desenvolvendo para compreender as diferenças e proximidades
entre essas duas importantes modalidades espaciais.

Os recentes avanços técnicos e intelectuais associados à


globalização vêm acelerando as transformações socioespaciais hoje
observadas; na verdade, a grande novidade dos tempos hodiernos
consiste na velocidade dessas transformações, ou seja, a capacidade
do meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 2002) de atuar,
muitas vezes instantaneamente, nas trocas materiais e imateriais
entre fluxos e objetos, alterando de forma significativa as bases
dicotômicas entre campo e cidade.

Neste sentido, o avanço das interações espaciais (CORREA,


1997) no espaço geográfico tende a ser, quando analisada como
resultado de um processo de produção social (CARLOS, 2011),
não só uma unidade repleta de diversidade, mas também de
complementaridade.

Portanto, as tradicionais análises entre a cidade e o campo,


carregadas de relações segregadoras e hierarquizadas, não
comportam a complexidade das interações atuais quando, por
exemplo, analisamos o campo como um elemento multifuncional
(WOODS, 2005) ou, em outra leitura, o espaço geográfico como
uma totalidade-mercadoria fruto das relações capitalistas atuais
(HARVEY, 2005).

O espaço geográfico, produto social em constante


transformação, revela um resultado sempre dinâmico e, diante da

9
Geografia Agrária

hegemonia de processos de globalizações (HAESBAERT, 2010),


transparece a relação contrastante e complementar entre inovações
e permanências, fundamental como condição para a acumulação
do capital. Pensando, portanto, na lógica expansionista do modo de
produção capitalista, campo e cidade são articulados e integrados
por resultarem da necessidade de superação de barreiras espaciais
e construção de espaços de consumo.

Ian Pitchford

Luc Viatour
Figura 9.1: A ideia de cidade e campo contrastantes e opostas como às das
imagens presentes aqui não refletem as discussões teóricas e os casos analisados
pela Geografia Agrária moderna sobre as relações atuais entre campo e cidade.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Corfu_town.jpg (Cidade de Corfu, Grécia);
http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_(agricultura) (Campo agrícola em Hamois, Bélgica)

Articulações entre os conceitos de campo


e cidade

Um primeiro passo, entre os vários possíveis, para a construção


de uma relação articulada entre campo e cidade, é a compreensão
destas duas noções como “morfologias espaciais” (SOBARZO,
2006) enquanto o urbano e o rural podem ser compreendidos
resultados materiais de relações sociais estabelecidas nesses locais.
Neste sentido, trataremos das espacialidades entre cidade e campo,
e das interações entre a sociedade urbana e a sociedade rural.

10
Aula 9 – Relações cidade x campo

Figura 9.2: As ideias sobre cidade x campo e de urbano x rural.

Prosseguindo com as discussões teóricas de Sobarzo, o urbano


é o espelho de uma sociedade urbana, e não a negação do rural;
tampouco o urbano é sinônimo de cidade. Complementando essa
análise, Rua (2007) aponta a urbanização como um elemento
comportamental e cultural e evidencia a presença de urbanidades
no rural, ou seja,

Urbanidades no rural seriam todas as manifestações


materiais e imateriais com caráter inovador (nem sempre
de origem urbana ou metropolitana, embora influenciadas
por essa origem) em áreas rurais sem que, por isso, fossem
identificados tais espaços como urbanos (2007, p. 272).

Segundo Rua (2007), as atuais articulações entre o urbano


e o rural resultam do processo de produção espacial conduzido
pelo capital, capaz de criar as desigualdades, contradições e
complementaridades fundamentais para a sua acumulação.

11
Geografia Agrária

Joe Mabel
Figura 9.3: Contrastando com a ideia de urbanidade apresentada por Rua
(2007), as feiras livres de produtores locais podem ser um bom exemplo de
ruralidades, ou seja, manifestações materiais ou simbólicas de origem rural
presentes nas áreas urbanas.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia (Feira do produtor em Seattle, USA)

Compreendendo que “a diversidade geográfica é uma


condição necessária para a acumulação” (HARVEY, 2011, p. 133),
devemos perceber que as relações complementares entre cidade e
campo, bem como entre a presença de urbanidades no rural e de
atividades não agrícolas no campo (MARAFON, 2012) são resultado
de um processo de construção de uma espacialidade-mercadoria,
isto é, o espaço para o consumo e o próprio consumo do espaço.

Já distante, portanto, da velha dicotomia no tratamento das


relações entre campo e cidade, é importante compreendermos que as
interações espaciais entre ambos os espaços são reflexos das condições
necessárias à expansão do capital e das demandas de acumulação.

O espaço rural, incorporado aos interesses do capital e


repleto de infraestrutura “urbana e moderna”, reflete o processo
contínuo de expansão da lógica hegemônica, ou seja, o imperativo
da acumulação implica a superação de barreiras espaciais
segregadoras (HARVEY, 2011).

12
Aula 9 – Relações cidade x campo

A comercialização agrícola é um exemplo importante das


interações atuais entre cidade e campo porque representa a
materialidade da expansão do capital por meio da construção de
“novos” ambientes para a acumulação e/ou a determinação de
novos significados.

Nesse sentido, o atual momento das relações cidade-campo


reflete a dualidade da modernização x tradição, com padrões e
racionalidades externas (verticais) impondo-se ao modelo tradicional.
Não há, para essa interpretação, uma afirmação de subordinação do
campo em relação à cidade, mas sim uma expansão da hegemonia
do capitalismo global materializado, por exemplo, pelas grandes
corporações à escala local sem, contudo, produzir um espaço
homogêneo e padronizado.

A imposição da lógica mercantil ao campo não é novidade.


Contudo, a intensidade e a velocidade das transformações são
marcantes. Nesse sentido, devemos pensar nas interações campo-
cidade e refletir sobre as novas territorialidades produzidas por essa
ação global-local/vertical-horizontal do período contemporâneo.

Assim, o geógrafo deve analisar e compreender, por exemplo,


como se processa a produção familiar e a comercialização agrícola
no contexto da globalização neoliberal e das redes geográficas
e perceber que essa análise vai além da multifuncionalidade e
multidimensionalidade. A leitura geográfica, nesse caso, deve
ser transescalar.

Segundo Woods (2005), a multifuncionalidade do espaço


rural reflete uma mudança do rural produtivista e estandardizado
do período rígido do fordismo para um processo produtivo flexível
e voltado aos nichos de mercado atuais. Logo, a acumulação
capitalista, principal motor das transformações espaciais na atual
conjuntura, transforma o espaço rural (pela sua particularidade) em
mercadoria e articula a sua lógica produtiva aos interesses locais e
globais da acumulação.

13
Geografia Agrária

Mas você sabe o que é o fordismo?


Fordismo é um sistema de produção criado pelo
empresário norte-americano Henry Ford, cuja prin-
cipal característica é a fabricação em massa. Henry
Ford criou este sistema em 1914 para sua indústria
de automóveis, projetando um sistema baseado numa
linha de montagem.

Figura 9.4: Característica do fordismo: linhas de


montagem.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ford_
assembly_line_-_1913.jpg

O objetivo principal deste sistema era reduzir


ao máximo os custos de produção e, assim, baratear o
produto, podendo vender para o maior número possível
de consumidores. Desta forma, dentro deste sistema de
produção, uma esteira rolante conduzia o produto –
no caso da Ford, os automóveis – e cada funcionário
executava uma pequena etapa. Logo, os funcionários
não precisavam sair do seu local de trabalho, resultando
numa maior velocidade de produção. Também não

14
Aula 9 – Relações cidade x campo

era necessária a utilização de mão de obra muito


capacitada, pois cada trabalhador executava apenas
uma pequena tarefa dentro de sua etapa de produção.

Enquanto, para os empresários, o fordismo foi


muito positivo, para os trabalhadores, ele gerou alguns
problemas como, por exemplo, trabalho repetitivo
e desgastante, além da falta de visão geral sobre
todas as etapas de produção e consequente baixa
qualificação profissional. O sistema também se baseava
no pagamento de baixos salários como forma de reduzir
custos de produção.

Fonte: http://www.suapesquisa.com/economia/fordismo.htm

O espaço é condição para a reprodução do capital, e os novos


conteúdos do espaço rural são parte do diagnóstico da articulação
desse espaço como integrante de redes transnacionais.

Atende ao objetivo 1

Associe, para cada elemento a seguir, os conceitos de campo, cidade, urbano e rural,
conforme analisado até este momento da aula. Lembre que o conceito de campo e cidade
está associado a formas espaciais enquanto que o de urbano e rural se associa com a
materialidade de relações sociais, desenvolvidas nessas categorias espaciais:

15
Geografia Agrária

a) Presença de prédios em estilo alemão na zona central e turística de determinada cidade.


__________________

b) Desenvolvimento de agronegócio ligado à cadeia produtiva do leite em determinada


região do estado. __________________

c) Cultivo de hortaliças ao longo de estradas vicinais no interior de determinado município.


__________________

d) Refuncionalização turística da região portuária do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos


de 2016. __________________

e) Implantação de turismo rural em pequenas propriedades rurais em áreas pouco


desenvolvidas do estado. __________________

f) Expansão de novas redes transnacionais de supermercados nas grandes metrópoles e


desaparecimento dos pequenos mercadinhos familiares, localizados nos diversos bairros.
__________________

Resposta comentada
Levando em consideração que a ideia de campo e cidade está associada às morfologias
espaciais, podemos associar a situação c como um exemplo de campo, e a situação a como
de cidade. Já as situações b e e são resultados das relações capitalistas imperativas no espaço
rural, de natureza econômica e cultural. Assim, podemos associar a estas situações a ideia de
rural. As situações d e f representam relações atuais observadas no urbano e demonstram os
interesses e as transformações impostas pelo capitalismo globalizado.

16
Aula 9 – Relações cidade x campo

Formas e reflexos das interações entre


campo e cidade

Cabe destacarmos neste momento a presença de processos,


dentro da lógica transescalar citada, bem como de imposições e
resistências em plena interação. Esta dinâmica socioespacial é marcada
por uma lógica não linear, ou seja, sem produção de homogeneidade
espacial, sem domínio exclusivo de racionalidades externas, sem
localismos exagerados, conforme sublinha Brandão (2001).

Este argumento justifica a presença de uma variedade


significativa de manifestações não agrícolas no campo e,
aproximando as discussões de Marafon (2012) e Woods (2005),
evidencia a construção de uma campo multidimensional e
multifuncional, resultado de ações horizontais e verticais (SANTOS,
2002) em conjunto.

Destarte, passaremos a destacar uma série de manifestações


materiais fundamentais para justificarmos as relações campo-cidade
como complementares, ultrapassando a velha noção dicotômica.

Buscando superar esta antiga dicotomia, é fundamental


marcamos um ponto inicial para nossa análise. O campo não é,
exclusivamente, marcado pela produção agrícola, assim como não
é marcado pela presença de técnicas arcaicas e sistemas produtivos
obsoletos. Concordando com Carneiro (2012), superamos a falsa
condição do rural de inexoravelmente desaparecer como resultado
da urbanização e afirmamos que há

[...] um movimento de revitalização social e econômica


recente de áreas ou localidades rurais que deixaram de
ter sua dinâmica centrada na atividade agrícola, mas que
nem por isso passaram a se confundir com as realidades
urbanas. Tal fenômeno nega tanto o fim do mundo rural como
o da dualidade, previstos pelo modelo de modernização –
ainda que seja consensual a aceitação de que estaríamos
observando uma aproximação entre os padrões de vida da
população rural e urbana (CARNEIRO, 2012, p. 25).

17
Geografia Agrária

Assim, buscamos sustentar a presença da integração entre


cidade e campo, por exemplo, na esfera da comercialização
agrícola; ou seja, a cidade depende do campo para o abastecimento
de gêneros agrícolas, para a alimentação e para matéria-prima, e o
campo depende da técnica desenvolvida na cidade para melhorar
a produção e a distribuição de produtos rurais.

Graças às novas relações entre urbano e rural,


eliminando velhos contrastes entre campo e
cidade, é que casos como o de Marina Barretos
Silva, moradora de São João de Itabapoana (ex-
catadora de caranguejo e, agora, formada em Biolo-
gia pelo Cederj) tornam-se realidade. Quer conhecer
um pouco mais sobre essa história de superação?
Então acesse o site: http://educacao.uol.com.br/
noticias/2012/12/18/ex-catadora-de-siri-se-forma-
biologa-com-curso-a-distancia-e-busca-agora-vaga-no-
mestrado.htm.

Da mesma forma, a mão de obra da produção agrícola


familiar, além da produção agrícola, exerce outras funções não
agrícolas para complemento da renda agrícola, muitas vezes como
mão de obra no turismo rural.

A revalorização da natureza, dentro do contexto de


mercantilização do espaço geográfico, coloca o rural como uma
reserva de natureza, passível de exploração, principalmente por
atividades turísticas. A redução dos ganhos na atividade agrícola
obrigou o produtor agrícola (para permanecer no campo) a buscar
outras rendas (em geral não agrícolas), muitas vezes, associadas
ao turismo rural.

18
Aula 9 – Relações cidade x campo

Contudo, é fundamental lembrarmos que esta lógica não é


uma realidade para a imensa maioria dos produtores familiares
brasileiros e, de forma alguma, pode representar a solução para a
redução da pobreza no campo, pois pode acarretar em aumento
da exploração da mão obra local.

A expansão das técnicas de transportes e telecomunicações


aproximou campo e cidade como elementos materiais e articulou
modelos de sociedade, isto é, campo e cidade promovem muitas
trocas de bens e serviços, sendo cada vez mais comum a presença
de urbanidades no rural. As novas técnicas são fundamentais para,
por exemplo, expandir os eixos turísticos no espaço rural.

Atende ao objetivo 2

A partir do trecho de Carneiro (2012) já citado e reapresentado a seguir:

[...] um movimento de revitalização social e econômica recente de áreas ou localidades


rurais que deixaram de ter sua dinâmica centrada na atividade agrícola, mas que nem
por isso passaram a se confundir com as realidades urbanas. Tal fenômeno nega tanto
o fim do mundo rural como o da dualidade, previstos pelo modelo de modernização –
ainda que seja consensual a aceitação de que estaríamos observando uma aproximação
entre os padrões de vida da população rural e urbana (2012, p. 25).

Responda às questões propostas:

a) Por que o autor sublinha que, embora as localidades rurais atuais apresentem atividades
não agrícolas, elas não deixam de ter sua essência rural?

19
Geografia Agrária

b) O autor acredita no fim do rural por meio da expansão absoluta do urbano?

Resposta comentada
Percebemos que a primeira pergunta pode ser respondida por meio da compreensão das
novas relações entre o campo e a cidade. A expansão do capitalismo para as áreas rurais
vem dinamizando a lógica socioespacial de tais áreas, trazendo novas atividades (muitas
vezes tradicionalmente urbanas) como formas complementares de renda ou valorização cultural.
Isso não quer dizer que houve uma perda da essência rural, mas evidencia um processo de
transformação constante.
Essa análise permite pensarmos a segunda pergunta: de forma alguma haverá o fim do mundo
rural. As novas formas de aproximação entre o campo e a cidade e a superação das antigas
dicotomias nos apresentam um novo mundo rural, dinâmico e com novas perspectivas e questões
a serem estudadas. O mesmo se dá com as áreas urbanas.

Turismo rural – um breve exemplo:


Visconde de Mauá, Itatiaia (RJ)

Para você poder compreender melhor o novo rural,


multifuncional e que estabelece relações mais interativas com
o urbano, vamos analisar um caso de uma atividade bastante
desenvolvida numa localidade essencialmente rural situada no
interior do estado do Rio de Janeiro.

Visconde de Mauá é um distrito de Itatiaia, município


localizado na região do Médio Vale do Paraíba Fluminense, na
divisa com o estado de Minas Gerais. A presença da Serra da
Mantiqueira, associada a rios de água cristalina, cria, com auxílio
da presença de uma área de Preservação Ambiental, um beleza

20
Aula 9 – Relações cidade x campo

cênica absolutamente inserida na lógica de (re)valorização da


natureza e de consumo do espaço.

Figura 9.5: Localização do distrito de Visconde de Mauá, município de Itatiaia (RJ).

Proprietários de um sítio de segunda residência em Visconde


de Mauá, o casal Ferreira da Silva, família da elite econômica da
Zona Sul carioca, relata algumas transformações interessantes no
distrito em tela, que representam a complementaridade discutida
nesta aula entre campo e cidade.

Segundo o casal, Mauá (como é conhecido o distrito)


representa um momento de tranquilidade para o ritmo acelerado
na metrópole carioca. Contudo, ao mesmo tempo em que a beleza
cênica cria tais condições, a pavimentação da RJ-151 (rodovia que
margeia a divisa entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas
Gerais e que cruza o distrito), a expansão da rede de telefonia
celular na região e das inúmeras antenas de televisão, garantiram
melhores condições de mobilidade e de comunicação com o trabalho
e a família no Rio de Janeiro. De forma simultânea, a família alega
a necessidade da busca pela “distância” dos problemas da cidade

21
Geografia Agrária

grande, mas não nega as comodidades e as necessidades do


“contato” com o urbano.

Outro dado interessante é a transformação do espaço rural do


distrito na década de 1970, período da compra da casa de veraneio
por esta família, no qual se observava comumente a presença de
produtores de mandioca, milho e principalmente de criadores de
gado bovino para produção de leite, normalmente ligados ao sistema
produtivo familiar.

Hoje, com o processo de turistificação da localidade, alguns


problemas comumente observados no urbano já se manifestam em
Visconde de Mauá. Segundo o relato destes proprietários, a presença
de pousadas e hotéis promotores do turismo rural vem acarretando
a degradação e a poluição do Rio Preto, rio que estabelece a divisa
entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Figura 9.6: Sítio de segunda residência em Visconde de Mauá. A propriedade


serve, hoje, para lazer dos proprietários.

22
Aula 9 – Relações cidade x campo

Figura 9.7: Presença das “urbanidades” no espaço


de Visconde de Mauá: instalação de antenas de
telefonia celular.

Figura 9.8: Divisa entre os estados do Rio de


Janeiro e de Minas Gerais.

Figura 9.9: Produção de trutas, já no estado de


Minas Gerais, e restaurante anexo. A presença de
turistas nas cachoeiras da área é fundamental para
impulsionar a produção de peixe.

23
Geografia Agrária

As transformações socioespaciais, no espaço rural do distrito


de Visconde Mauá, representam uma face das novas interações
entre cidade e campo, em articulação.

Podemos observar, analisando o caso do turismo rural, que,


ao mesmo tempo em que há mudanças visíveis na dinâmica do
espaço rural – como a redução da produção agrícola (principalmente
a redução da criação de gado de leite, no caso de Visconde de
Mauá) –, estimula-se o consumo deste espaço para o turismo rural,
(re)criando a produção de folhas, legumes e verduras dentro de
hotéis e pousadas, numa tentativa de “simulação” de uma ideia de
campo presente no imaginário coletivo dos turistas.

Podemos constatar, assim, que as urbanidades (re)definem as


práticas do cotidiano dos moradores do distrito, tornando-os sujeitos
de novos modelos de empregabilidade (rendas não agrícolas) e
usuários de técnicas outrora exclusivas do urbano.

Atende ao objetivo 3

Mediante o caso apresentado nesta aula – o turismo rural em Visconde de Mauá –, assinale
as afirmações que você considera corretas:

a) ( ) As atividades não agrícolas, como o turismo rural, são bons exemplos da interação
entre cidade e campo, hoje observadas nos espaços rurais.

b) ( ) Elementos presentes na paisagem rural, como antenas de celular, modernização de


vias de acesso local e instalação de mobiliário padronizado (placas de sinalização, lixeiras,
paradas de ônibus) são alguns exemplos de urbanidades presentes no novo campo, devido
ao conteúdo simbólico que carregam tais elementos materiais.

24
Aula 9 – Relações cidade x campo

c) ( ) O turismo rural (re)inventa antigas tradições agrícolas no espaço rural, de forma a


alimentar o imaginário de campo para o turismo e estimular o consumo do espaço rural.

d) ( ) As transformações advindas das novas relações entre campo e cidade acarretam,


muitas vezes, problemas socioambientais não observados em tempos pretéritos no espaço
rural, como poluição de rios, desmatamento e exploração excessiva de mão de obra local.

e) ( ) O turismo rural consiste num excelente exemplo para o geógrafo analisar as novas
relações entre campo e cidade, bem como as transformações decorrentes desse novo
processo. Tais análises auxiliarão ações de planejamento e gestão das áreas rurais e
estimularão o desenvolvimento de projetos que venham garantir melhor qualidade de vida
às populações locais.

Resposta comentada
Todas as afirmações estão corretas e estabelecem conceitualmente a essência do que foi discutido
na aula. É importante que você observe tais análises ao visitar as áreas rurais de sua região,
ou em futuras viagens que você venha a realizar.

CONCLUSÃO

A atual condição de reprodução do espaço geográfico,


transescalar, marcada pela fluidez e pela presença de redes
globais, aproxima campo e cidade como espaços para o consumo
e espaços de consumo, Na prática, tornam-se complementares como
produtores-produtos de mercadoria da acumulação capitalista.

Aproximando as discussões teóricas de Woods (2005) e


Harvey (2011), a diferenciação espacial no período atual reflete a
produção de nichos de mercado – desigualdades espaciais –, fruto
da expansão contínua e contraditória do capital.

A modernização do campo e no campo, além de promover o


paradigma produtivo da Revolução Verde, marginaliza produtores

25
Geografia Agrária

familiares e cria espaços alternativos para novas articulações


multidimensionais, ou seja, as relações campo-cidade aproximam
o urbano do rural no sentido cultural, econômico e social.

A contemporaneidade demonstra tempos de maior articulação.


A globalização da economia revela uma maior articulação
socioespacial de natureza transescalar. Na escala das horizontalidades
(relações estabelecidas na localidade e internamente), podemos
constatar tais interações por meio das relações entre cidade e campo,
ou seja, pelo estabelecimento de uma complementaridade econômica
com a troca de alimentos (campo) e de recursos técnicos (cidade)
pelos deslocamentos impulsionados pelo turismo rural e cultural e
pela presença das urbanidades no espaço rural.

Atividade final

1. Pesquise uma área com interações espaciais relacionadas ao turismo rural e elabore um
trabalho de campo para alunos de Ensino Médio com o objetivo de apresentar as relações
entre cidade e campo como complementares.

2. Faça um texto capaz de sintetizar a explicação da renda não agrícola como uma vertente
do aumento da exploração do trabalho para o produtor familiar.

3. Elabore um roteiro de pesquisa para alunos do Ensino Básico capaz de explicar as


interações espaciais entre áreas de produção e consumo de gêneros agrícolas.

Resposta comentada
Este é um bom exercício associado à sua formação, ou seja, à licenciatura em Geografia. Procure,
primeiramente, estabelecer um roteiro de observação que pontue as questões elencadas na aula.
Tais observações devem atentar os alunos para as questões centrais das relações cidade-campo
e, ao mesmo tempo, estimular a reflexão crítica a respeito de tais relações. Posteriormente,
elabore algumas questões, ou uma pequena pesquisa, que ampliem o conhecimento dos alunos

26
Aula 9 – Relações cidade x campo

envolvidos na atividade e que, possibilitem o posicionamento individual desses jovens na questão


central do trabalho de campo.

RESUMO

• Os recentes avanços técnicos e intelectuais associados à


globalização vêm acelerando as transformações socioespaciais
hoje observadas; atuando nas trocas materiais e imateriais entre
fluxos e objetos e alterando, de forma significativa, as bases
dicotômicas entre campo e cidade.

• Os conceitos de urbano e rural podem ser compreendidos como


resultados materiais de relações sociais estabelecidas nesses
locais, enquanto que os de campo e cidade estão associados a
morfologias espaciais.

• A diversidade espacial é uma condição necessária para a acumulação


do capital (HARVEY, 2011), assim, as complementaridades da cidade
e do campo e a presença de urbanidades no rural e das atividades
não agrícolas no campo (MARAFON, 2012) são resultados de um
processo de construção de uma espacialidade-mercadoria, isto é, o
espaço para o consumo e o próprio consumo do espaço.

• O turismo rural (re)inventa antigas tradições agrícolas no espaço


rural de forma a alimentar o imaginário de campo para o turismo
e estimular o consumo do espaço rural.

• A atual condição de reprodução do espaço geográfi co, transescalar,


marcada pela fluidez e pela presença de redes globais, aproxima
campo e cidade como espaços para o consumo e espaços de
consumo. Na prática, tornam-se complementares como produtores-
produtos de mercadoria da acumulação capitalista.

27
aula 10
as atividades
rurais não
agrícolas: trabalho
em tempo parcial,
pluriatividade e
multifuncionalidade
na agricultura
Philipp Lessa Andrade
Geografia Agrária

Meta da aula

Reconhecer as transformações sociais, econômicas e espaciais ocorridas no meio rural


a partir do desenvolvimento capitalista no campo, mais especificamente as atividades
não agrícolas no espaço rural.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. identificar as transformações ocorridas no espaço rural nos últimos anos;


2. reconhecer a proliferação de atividades não agrícolas no espaço rural e a
importância destas para a sobrevivência e permanência entre a população local;
3. identificar de que forma a população do espaço rural se insere na lógica capitalista
e no ambiente marcado por transformações socioeconômicas.

30
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

INTRODUÇÃO

As transformações no espaço rural

Nos últimos anos, a racionalidade do lucro, típica do sistema


capitalista, tem se inserido cada vez mais no espaço rural brasileiro,
ocasionando significativas mudanças nesse local e tornando cada
vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano, de acordo
com Graziano da Silva (1999).

Assim sendo, o espaço rural, nos dias atuais, não pode ser
caracterizado apenas por atividades relacionadas à agropecuária,
já que cada vez mais outras atividades tipicamente urbanas vêm
sendo desenvolvidas no campo. Da mesma forma, as cidades não
devem ser identificadas exclusivamente com as atividades industriais
e de serviços, visto que o espaço urbano também pode possuir
atividades de natureza agrícola.

O meio rural se urbanizou nas últimas décadas como resultado


do processo de industrialização da agricultura e do transbordamento
do mundo urbano em um espaço tradicionalmente definido como
rural (GRAZIANO DA SILVA, 1999).

De acordo com Rua (2006), esses fatores nos levam a


pensar o rural integrado às transformações do momento atual de
(re)organização do espaço pelo capitalismo. O rural permanece
como tal, mas recriado e integrado a novas lógicas.

Essas mudanças no meio rural propiciaram o desenvolvimento


de novas atividades no campo, que estão relacionadas tanto aos
aspectos ocupacionais quanto à interpretação da noção ou do
significado que têm assumido na atualidade. As novas funções
atribuídas ao meio rural, que tem como exemplos o comércio, os
serviços, o turismo, as casas de segunda moradia, o lazer, entre
outras, provocam alterações nas relações sociais e na paisagem do
espaço agrário.

31
Geografia Agrária

As novas atividades econômicas que vêm sendo desenvolvidas


no espaço rural possibilitaram a inserção e a complementação de
renda dos membros das unidades familiares de produção, ou seja,
passa-se a desenvolver a pluriatividade nesses locais.

Uma das novas atividades econômicas que vem se


desenvolvendo e ganhando cada vez mais destaque no espaço rural
nas últimas décadas é o turismo, que está associado ao processo de
urbanização que ocorre na sociedade e nas crescentes manifestações
tipicamente urbanas no campo. Com a expansão do turismo, “novas”
atividades passam a proliferar no campo, para dar suporte a esta
atividade (MARAFON, 2006), como, por exemplo, recepcionistas,
garçons, secretárias e camareiros.

Figura 10.1: O turismo rural tem se tornado importante estratégia de sobrevivência


de comunidades rurais em diversos países, como em Portugal. Na imagem, casa
de visitação turística de propriedade rural localizada em Cibões – Terras de Bouro.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Casa_de_turismo_rural.jpg

32
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

Segundo Teixeira (1998), as atividades não agrícolas vêm


assumindo cada vez mais importância no espaço rural, para manter
suas populações em seus locais de moradia e elevar o seu nível de
renda, num ambiente marcado pela diminuição do emprego agrícola
e queda dos preços dos principais produtos deste setor.

É importante frisar que as discussões sobre o espaço rural


atualmente vão além das formas e do funcionalismo correspondentes
às atividades econômicas e de natureza agrária. De acordo com
Bernardelli (2006), o espaço rural deve ser pensado a partir de
múltiplas dimensões, como as culturais, sociais, históricas, políticas,
ideológicas, entre tantas outras, extrapolando, assim, definições
estanques e restritas, se buscamos compreendê-lo em sua totalidade.

Atende ao objetivo 1

Identifique, a partir das situações a seguir, as atividades possivelmente presentes no espaço


rural contemporâneo:

a) Condomínio fechado de casas residenciais em lotes amplos, com área de lazer, horta
e pomar de uso coletivo.

b) Indústria de produção de queijos de cabra artesanal e com ponto de venda direto aos
consumidores.

c) Pousada de charme com serviços customizados aos turistas.

d) Pequeno shopping center de artesanato e feira com produtos alimentícios artesanais.

e) Escolas técnicas e faculdades voltadas ao ensino agrícola, como engenharia de alimentos,


agronomia, zootecnia e veterinária.

f) Visitação e compra de produtos hortifrutigranjeiros direto do produtor no sistema colhe-pague.

33
Geografia Agrária

Resposta comentada
Podemos perceber que todas as atividades elencadas na atividade são possivelmente presentes
nos espaços rurais contemporâneos. A dinâmica extensiva do capitalismo e o transbordamento
de atividades de natureza urbana nos espaços rurais acarretaram grandes transformações na
dinâmica e nas configurações territoriais dos espaços rurais contemporâneos, observando uma
série de atividades não rurais importantes para os moradores locais, como ensino, turismo,
segunda residência, comércio e agroindústria.

O “novo rural” e o fenômeno da


pluriatividade: o caso brasileiro

Como você pode ter percebido, as mudanças ocorridas no


campo, decorrentes do novo modelo de produção pautado pela
lógica capitalista, provocaram transformações materiais e imateriais
nesse espaço, caracterizando-o como um “novo rural”.

Tais transformações foram muito bem explicitadas por Rua:

As mudanças no modelo produtivo e organizacional no


campo compõem transformações mais amplas na sociedade
brasileira (por sua vez integradas a alterações sentidas em
escala global) que marcam as últimas duas décadas. Define-
se uma lógica capitalista em que novas representações
do espaço emergem e vão ser difundidas como um “novo
rural”. Na verdade são novas imagens, novos sentidos para
o espaço rural que mantêm a visão produtivista, até agora

34
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

dominante, mas que se traduzem em novos qualificativos


para outras relações entre o espaço urbano e o rural e entre
a cidade e o campo. Estas novas relações remetem para outra
conceituação de urbano e rural, mas também de agrícola.
Rural torna-se, cada vez mais, diferente de agrícola. Ao
mesmo tempo, distingue-se cidade e urbano explicitando
a crescente complexidade que marca tais relações. Rural e
urbano fundem-se, mas sem se tornarem a mesma coisa, já
que preservam suas especificidades! (2006, p. 85-86).

Desta forma, nos dias atuais, a área rural brasileira, na maioria


das regiões, não se restringe mais apenas a atividades relacionadas
à agropecuária e à agroindústria. O meio rural vem ganhando novas
funções, com atividades agrícolas e não agrícolas, oferecendo novas
oportunidades de trabalho e renda para as famílias deste setor.
Agora, a agropecuária moderna e a agricultura de subsistência
dividem espaço com um conjunto de atividades ligadas ao lazer,
prestação de serviços e até à indústria, reduzindo, cada vez mais, os
limites entre o rural e o urbano no país, como afirma Izique (2000).

A consequência social desse período de modernização da


agricultura brasileira e do processo de urbanização das áreas
rurais são: a expropriação de pequenos proprietários do campo, o
desemprego, as migrações dessas famílias para os grandes centros
urbanos, além do surgimento de novas estratégias de reprodução
entre as unidades familiares de produção, como é o caso da
pluriatividade (o crescimento das atividades não agrícolas entre as
famílias desses locais) e do part-time farmer, ou seja, trabalhadores
que se dedicam a atividades agrícolas numa época do ano e a
outras atividades de natureza distinta (como urbana, por exemplo)
no restante do ano.

O conceito de pluriatividade, segundo Sérgio Schneider, pode


ser entendido como:

Uma nova conformação social onde membros das unidades


familiares de produção conciliam atividades agrícolas e

35
Geografia Agrária

não agrícolas, dada a sua fragilidade social e econômica


como agricultores, às melhores condições de remuneração
oferecidas pelos setores não agrícolas. A pluriatividade tende
a se desenvolver como uma característica ou uma estratégia
de reprodução das famílias de agricultores que residem em
áreas rurais situadas em contextos nos quais a sua articulação
com o mercado se dá através de atividades não agrícolas ou
para-agrícolas. Objetivamente, a pluriatividade refere-se a
um fenômeno que pressupõe a combinação de duas ou mais
atividades, sendo uma delas a agricultura. Tal conformação
social é um fenômeno heterogêneo e diversificado que está
ligado, de um lado, às estratégias sociais e produtivas que
forem adotadas pela família e por seus membros e, de outro,
dependerá das características do contexto em que tiverem
inseridas (2003, p. 10).

Part-time farming (agricultura em tempo parcial)

[...] o termo part-time farming, no senso comum,


até muito recentemente tinha mais confundido do
que clarificado a questão. O termo dificulta a
distinção entre a unidade produtiva como uma
entidade física (um espaço) e os ocupantes dessa
unidade (a familiar ou a unidade doméstica).

36
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

Estes podem fazer a gestão dessa unidade de


diferentes maneiras, inclusive combinando as
tarefas agrícolas com outras atividades [...]
Os termos part-time farm, part-time farmer
e part-time farming têm sido utilizados de
formas intercambiáveis, o que contribui para o
surgimento de noções errôneas ou pressupostos
equivocados associados a esse fenômeno. É
possível dizer que um part-time farm é uma
unidade produtiva que oferece, ou onde é
alocado, menos do que um ano completo de
trabalho. O conceito de part-time farming pode
ser utilizado, de forma mais precisa, para definir
situações em que, devido ao tamanho físico ou
a uma opção de gestão, a unidade produtiva
é cultivada pelo investimento de menos do que
um ano completo de trabalho (FULLER; BRUN,
1988, p. 150).

Pluriactivité ou pluriactivity (pluriatividade)

[...] o termo procura focalizar as diferentes


atividades e interesses dos indivíduos e das
famílias que vivem na unidade produtiva.
Preocupa-se tanto com a reprodução social e
a participação no mercado de trabalho rural

37
Geografia Agrária

como com a terra e as questões agrícolas. A


pluriatividade implica uma forma de gestão do
trabalho doméstico que sempre inclui o trabalho
agrícola, o que não quer dizer que esta atividade
seja exclusiva ou mesmo a mais importante.
Outras atividades podem ser assumidas com o
objetivo de sustentar ou dar suporte à unidade
doméstica, ou ainda serem motivadas por
considerações não relacionadas à agricultura.
A pluriatividade permite-nos questionar o
pressuposto de que a full-time farming seja tanto
a norma, e, portanto, algo positivo, quanto
um estado temporário, ou um mal necessário,
no desenvolvimento econômico das unidades
produtivas, das famílias ou das áreas rurais.
Esse conceito, entretanto, no plano ideal, não
é facilmente mensurável por estatísticas oficiais
disponíveis (FULLER; BRUN, 1988, p. 150).

Anjos (2001) nos auxilia, afirmando que a pluriatividade


é uma estratégia de resistência entre as unidades familiares de
produção diante das transformações ocorridas no espaço rural.
Segundo este autor:

[...] tanto a agricultura a tempo parcial como sua versão


atual (pluriatividade) emergem como estratégia de resistência
e adaptação da agricultura familiar diante do impacto de
transformações operadas tanto em seu interior como no
entorno exterior em que ela se acha inserida (2001, p. 62)

38
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

José Reynaldo da Fonseca


Figura 10.2: Com a pluriatividade, o pequeno agricultor complementa sua
renda com atividades econômicas muitas vezes exercidas por todos os membros
da família. Na figura, agricultura tradicional orgânica no interior de São Paulo.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Horta_150706_REFON_.jpg

Eugenio Hansen

Figura 10.3: A Feira Ecológica da José Bonifácio (RS) é um exemplo da


importância da pluriatividade para a agricultura familiar, pois os membros das
colônias agrícolas trazem seus produtos in natura ou parcialmente processados
para serem comercializados para moradores da capital gaúcha e turistas.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Feira_Ecol%C3%B3gica_da_
Jos%C3%A9_Bonif%C3%A1cio,_Porto_Alegre,_Brasil_.JPG

39
Geografia Agrária

Sobre as novas manifestações urbanas no espaço rural e as


recentes estratégias de reprodução das unidades familiares nesses
ambientes, Rua colabora da seguinte forma:

Desaparece o tradicional corte rural/urbano; a pluriatividade,


que mescla atividades não agrícolas (a maioria de “caráter”
urbano) e agrícolas no espaço rural; a diminuição do tempo
necessário para o trabalho agrícola (mecanização etc.), que
pode levar o agricultor à dedicação parcial à agricultura,
podendo incorporar outras fontes de renda ao orçamento
familiar; políticas de redução das áreas cultivadas, onde
tecnologias são incorporadas – área menor com mais
produtividade; novas atividades surgem no campo, antes
exclusivas da cidade; a localização de fábricas no campo: a
difusão de trabalho industrial no campo (trabalho a domicílio);
a unidade familiar tornando-se cada vez mais distinta da
unidade de produção e marcando o momento presente do
mercado de trabalho rural. Procura-se cada vez mais trabalhar
fora da unidade produtiva, quando membros da família
dedicam-se à prestação de serviços (tratorista, turmeiro,
frentista, comerciário, bancário, veterinário, piloto agrícola
etc.); estabelece-se uma estratégia de não fragmentação
da terra, aceita por alguns membros da família, em troca
de outras vantagens (estudo, liberação para trabalhar na
cidade, por exemplo). Essa caracterização da chamada
pluriatividade marca uma nova relação com a terra. Define,
ainda, uma estratégia de resistência para permitir à família
nela permanecer. Graças à pluriatividade, as funções
familiares ultrapassam em muito aquelas abarcadas pela
produção, permitindo alternativas à família para gerir um
projeto coletivo de incorporação de gerações (2006, p. 86).

Rua (2006) acrescenta que a pluriatividade, ou seja, essa


estratégia de sobrevivência entre as unidades familiares de produção
no campo, viabilizadas graças às novas atividades que vêm surgindo
nesse local, já se integra a uma série de “urbanidades no rural”.

40
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

Dentre as novas atividades encontradas no espaço rural,


podemos verificar atividades relacionadas a turismo (ecoturismo,
turismo rural), ao lazer (pesque-pague, rafting, trilhas, escaladas,
etc.), comércio, serviços e indústrias que se instalam nesses lugares
em busca da acumulação de capital.

Em muitas vezes, essas novas atividades têm se revelado


mais lucrativas do que a produção agrícola tradicional. Muitas
propriedades trocaram a agricultura por atividades turísticas ou
outras atividades não agrícolas, que podem gerar alta receita para
os proprietários.

As atividades não agrícolas no campo contribuem para


a diminuição do êxodo rural, ou seja, pessoas que vão para as
cidades em busca de melhores condições de vida. À medida que
os trabalhadores rurais encontram nessas áreas empregos que
complementem suas rendas além da atividade agrícola, estes
permanecem em seus locais de moradia.

Atende ao objetivo 2

Para fazer esta atividade, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=teET3iTZRQQ.

Após assistir ao vídeo, elabore um texto de cinco linhas analisando a importância da


pluriatividade para as famílias rurais tradicionais.

41
Geografia Agrária

Resposta comentada
A Associação Acolhida na Colônia de Santa Rosa de Lima, em Santa Catarina, promove uma
forma de turismo de base comunitária por meio da hospedagem de turistas em propriedades
de agricultores familiares. A interação das famílias com o turismo de base comunitária permite,
além de renda complementar às famílias rurais, a valorização da cultura, dos costumes e da
produção familiar de alimentos orgânicos e traz desenvolvimento e integração entre os produtores.

CONCLUSÃO

Como apresentado, a intensificação da apropriação do espaço


rural pelo sistema capitalista e pautada na racionalidade do lucro vem
provocando significativas transformações nessa categoria espacial.
Tais transformações se caracterizam pela inserção de um conjunto
de objetos e ações de natureza urbana e novas nesses locais.

Desta forma, constatamos a emergência de uma nova


conformação social familiar de produção no espaço rural, que
combina atividades agrícolas e não agrícolas em função da
ampliação do mercado de trabalho.

A propagação das atividades não agrícolas possibilita um


aumento de renda através da inserção dos produtores familiares
nessas novas funções. No entanto, alguns problemas intrínsecos ao
desenvolvimento capitalista no campo passam a surgir no espaço rural.

Apesar de as atividades não agrícolas estarem ganhando


cada vez mais importância entre as unidades familiares de produção,
gerando mais renda e emprego para os membros do grupo
doméstico, devemos nos atentar para algumas questões importantes,
como a representação simbólica dessas atividades como um reflexo

42
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

da condição de subordinação e exploração aos quais estes pequenos


produtores estão submetidos.

Esse fato pode ser considerado, pois, além de trabalhar na


própria produção, a família atua em serviços na função de secretários,
balconistas, empregados de pousadas, construção civil, entre outras
ocupações, muitas vezes de baixa qualificação e remuneração.

A inserção de novas práticas diferentes das já existentes no


local, além de ordem puramente técnica e econômica, deve ser de
organização política em sua essência. Mostra-se necessário que se
mude a organização das estruturas de poder da sociedade, sendo
que o “desenvolvimento” deve estar baseado nas condições sociais,
culturais e espaciais do local, de acordo com Teixeira (1998), ao
afirmar que:

Esses debates atuais sobre o desenvolvimento local e o


desenvolvimento rural enfatizam a necessidade de se incluir
a participação efetiva da comunidade local nos projetos de
desenvolvimento, sobretudo os segmentos dos agricultores mais
atrasados, para não serem meros coadjuvantes do processo em jogo,
e mais ainda, não serem alijados dos benefícios (1998, p. 165).

Nesse sentido, devem ser elaboradas políticas públicas mais


eficientes e eficazes para integrar esses pequenos produtores rurais
a essas novas atividades, oferecendo-lhes qualificação e apoio
necessários para usufruírem de cargos de maior expressão e renda.
Tais políticas públicas devem também apoiar os agricultores que
preferirem continuar suas atividades agropecuárias, de modo que
não sejam prejudicados com o desenvolvimento das atividades
não agrícolas.

43
Geografia Agrária

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2 e 3

Sua região apresenta pluriatividade? Que atividades agrícolas e não agrícolas são
desenvolvidas nas propriedades rurais locais? As propriedades rurais que desenvolvem
pluriatividade se beneficiam das atividades não agrícolas ali desenvolvidas? Existem políticas
públicas locais que incentivam a pluriatividade?

Elabore um texto crítico sobre a importância da pluriatividade no espaço rural da região


onde você vive.

Resposta comentada
Reflita sobre essas questões e, caso necessário, pesquise na internet, converse com os colegas
ou mesmo visite uma propriedade rural. Após chegar a uma conclusão, elabore um texto de,
no máximo, 10 linhas, expressando sua opinião sobre a pluriatividade.

44
Aula 10 – As atividades rurais não agrícolas: trabalho em tempo parcial, pluriatividade e multifuncionalidade na agricultura

RESUMO

• O espaço rural contemporâneo não pode ser caracterizado


apenas por atividades relacionadas à agropecuária, já que
cada vez mais outras atividades tipicamente urbanas vêm sendo
desenvolvidas no campo.

• As novas funções atribuídas ao meio rural, que tem como exemplos


o comércio, os serviços, o turismo, as casas de segunda moradia,
o lazer, entre outras, provocam alterações nas relações sociais e
na paisagem do espaço agrário.

• O conceito de pluriatividade pode ser entendido como uma nova


conformação social em que membros das unidades familiares
de produção conciliam atividades agrícolas com não agrícolas,
dada a sua fragilidade social e econômica, como agricultores,
às melhores condições de remuneração oferecidas pelos setores
não agrícolas.

• A propagação das atividades não agrícolas possibilita um aumento


de renda através da inserção dos produtores familiares nessas novas
funções. No entanto, algumas questões simbólicas e ideológicas
associadas ao domínio capitalista devem ser consideradas.

45
aula 11
Ruralidades e
urbanidades
Marcelo Antonio Sotratti
Geografia Agrária

Meta da aula

Reconhecer as manifestações socioespaciais denominadas ruralidades e urbanidades


no território e na paisagem, de forma a compreender as relações contemporâneas
entre cidade e campo.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. analisar o papel das territorialidades nas dinâmicas socioespaciais dos espaços por
meio dos conceitos de ruralidades e urbanidades;
2. reconhecer as intencionalidades expressas pelas ruralidades e urbanidades como
formas de reconhecimento ou supremacia dos agentes socioespaciais envolvidos;
3. identificar as ruralidades presentes nos espaços urbanos e/ou espaços rurais
contemporâneos e suas formas materiais e imateriais de expressão;
4. identificar as urbanidades presentes nos espaços rurais contemporâneos e suas
formas materiais e imateriais de expressão.

48
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

INTRODUÇÃO

Como discutido e analisado em aulas anteriores, você


pode constatar que as novas relações entre a cidade e o campo
ultrapassam as velhas dicotomias que isolavam e hierarquizavam os
espaços urbanos e os espaços rurais. Com a globalização e as novas
estratégias de acumulação de capital impostas pelas atividades
socioeconômicas atuais, as interações e sobreposições entre cidade
e campo são percebidas e vivenciadas pelos diferentes agentes que
se apropriam de tais modalidades espaciais.

Essas interações são traduzidas pela existência de atividades


importantes para as novas dinâmicas socioespaciais globais como
o agronegócio, o turismo rural e a pluriatividade, mas observam-se
também manifestações materiais e simbólicas expressas no território e
nas paisagens dos espaços urbanos e rurais alheias ao normalmente
identificado e observado em tais espaços.

Tais manifestações socioespaciais, resultantes de processos de


interação, resistência ou pressão de agentes importantes presentes
em tais espaços são identificados pela geografia agrária como
ruralidades e urbanidades e apresentam destaque na análise das
novas relações entre a cidade e o campo.

Identificar tais manifestações e reconhecer sua natureza


e suas intencionalidades são extremamente importantes para a
formação do geógrafo atual, uma vez que possibilitam uma maior
compreensão dos processos verticais e horizontais que permeiam
o espaço geográfico contemporâneo.

Esta análise permitirá, além da melhor compreensão e


olhar crítico acerca das transformações hoje observadas no
espaço, orientar ações de gestão e reconhecimento do valor
econômico, social e cultural de alguns grupos sociais associados a
tais manifestações.

49
Geografia Agrária

As ruralidades e urbanidades como


expressões socioespaciais no território e
nas paisagens

Embora o conceito de territorialidade tenha sido apresentado


como estratégia de sobrevivência instintiva das espécies em
determinado local, a geografia apresenta uma importante
colaboração na projeção das discussões acerca do papel da
territorialidade como uma forma de construção socioespacial de
natureza material ou imaterial resultante da presença de grupos
sociais importantes no território.

Como você deve saber, o conceito de território está associado


à apropriação e à organização de grupos hegemônicos no
espaço, resultando, muitas vezes, em expressões socioespaciais de
dominação, demarcação e intervenção. Podemos falar, portanto,
de território político, território urbano, território religioso, como
alguns exemplos.

No entanto, observamos dentro de tais territórios algumas


manifestações expressas por meio de ações reais ou formas materiais
alheias ou complementares àquelas “impostas” por tais grupos
hegemônicos. Tais expressões podem ser resultado da busca de um
reconhecimento, do reforço de uma identidade, da resistência ou
simplesmente um reforço da supremacia de determinado grupo social
no território. Tais manifestações são reconhecidas pela geografia
como territorialidades.

Para Edward Soja, importante geógrafo norte-americano


contemporâneo, a territorialidade pode ser compreendida como

um fenômeno comportamental associado com a organização


do espaço em esferas de influência ou de territórios claramente
demarcados, considerados distintos e exclusivos, ao menos
parcialmente, por seus ocupantes ou por agentes outros que
assim os definam (SOJA, 1971, p. 19).

50
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

Por meio desse conceito, você pode perceber que as


territorialidades podem ser expressas em territórios consolidados e
demarcados, cabendo aos geógrafos identificá-las e interpretá-las.

Da mesma forma, ao apresentar o conceito de territorialidade


como um conjunto de relações tridimensionais (materiais e imateriais)
em determinada sociedade num determinado tempo e espaço,
Raffestin (1993) salienta que a territorialidade se manifesta de
diferentes tipos. A territorialidade poderia se expressar de formas
mais estáveis, expressas como formas materiais impressas na
paisagem ou por meio de relações sociais evidentes em determinado
território, ou de formas mais instáveis, efêmeras, como movimentos
fluidos de determinados grupos no território.

Para exemplificar essa análise, é importante observarmos


algumas imagens. As Figuras 11.1 e 11.2 são exemplos
interessantes de territorialidades presentes no território urbano de
duas cidades do hemisfério norte. Analisando tais imagens, podemos
claramente identificar elementos materiais e atividades econômicas
diretamente associados à cultura chinesa.
Chensiyuan

Figura 11.1: Bairro conhecido como Chinatown, em Nova York, EUA.


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Chinatown_manhattan_2009.JPG

51
Geografia Agrária

Figura 11.2: Bairro conhecido como Chinatown, em Montreal, Canadá.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Chinatown-gate.thumb2.jpg

É importante salientar que a imigração chinesa (antiga e


recente) nos EUA e Canadá foi muito importante para a construção
de infraestrutura, para a dinamização da economia e para o
fornecimento de mão de obra desses dois países. Embora esse
contingente populacional tenha se adaptado à lógica capitalista
americana, as diferenças culturais entre os imigrantes chineses
e o povo americano contribuíram para o surgimento de bairros
nitidamente marcados pela presença de relações sociais e culturais
e de elementos paisagísticos diretamente associados à cultura
chinesa. Conhecidos mundialmente por “Chinatown”, tais bairros
são excelentes exemplos de territorialidades de natureza econômica,
cultural e mesmo política desse grupo social no hegemônico território
capitalista globalizado e liderado por grupos norte-americanos.

Como você pode perceber nas imagens, a territorialidade pode


ser percebida por meio de relações sociais (comércio, no caso da
Figura 11.1) ou mesmo pela implantação de elementos materiais de
forte peso simbólico na paisagem (portal chinês, no caso da Figura
11.2). Cabe ressaltar que a presença dos “Chinatown” também nos

52
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

remete a ações de resistência e ilegalidade invisíveis, mas combatidos


pela ordem política e econômica desses dois países: a máfia chinesa.

Situações semelhantes podem ser observadas nos espaços


rurais. A presença de determinados traços culturais pode estar
expressa por meio de atividades tradicionais ou por elementos
materiais de alto valor simbólico que representam determinada cultura.

Na Figura 11.3, podemos identificar que a cultura agrícola


de uvas para a fabricação de vinho artesanal ou consumo direto
da fruta desenvolvido por grupos familiares pode ser considerado
como uma territorialidade de natureza econômica e cultural que
representa uma resistência ou complementaridade (dependendo do
caso) ao agronegócio, que vem transformando significativamente a
dinâmica socioespacial dos espaços rurais.

Figura 11.3: Vale dos Vinhedos, Bento Gonçalves, RS.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bento1.jpg

Da mesma forma, o turismo rural – como observado na Figura


11.4 – se apropria de elementos identitários da comunidade rural e
urbana, como a imigração alemã para marcar uma territorialidade
de natureza econômica e urbana nos espaços rurais.

53
Geografia Agrária

A apropriação de elementos simbólicos de cunho cultural – no


caso, a arquitetura tradicional da imigração alemã em Santa Catarina
– dá visibilidade e estabelece uma sensação de autenticidade e
tradição a esse produto turístico. Nesse caso, tais propriedades não
necessariamente são geridas por grupos sociais locais, nem tampouco
por famílias de descendentes de imigrantes, mas são extremamente
significativas das novas relações entre campo e cidade estabelecidas
pelas relações capitalistas atuais.

Luciano Guelfi
Figura 11.4: Hotel-fazenda Mundo Antigo, localizado em Pomerode, SC.
Fonte: http://www.flickr.com/photos/lrguelfi/194446866/

Vale ressaltar que a apropriação de identidades socioespaciais


expressas nas territorialidades representa um sentimento de
Topofilia afetividade ou de topofilia, conforme Yi-fu Tuan (1980; 1983).
Elo afetivo entre
pessoa e lugar ou O senso de exclusividade espacial impresso em algumas
ambiente físico. territorialidades pode surgir quando existe uma ameaça de invasão
ao espaço familiar por parte de estranhos à cultura e ao ambiente
desse meio, o que favorece uma atitude de autossegregação coletiva.
Da mesma forma, a manipulação de identidades de forte caráter

54
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

simbólico pode intensificar as interações espaciais, estabelecendo


um jogo de vantagens mútuas para os grupos envolvidos.

Para a geografia agrária, tais territorialidades podem ser


identificadas e analisadas por meio das ruralidades e urbanidades.
Como você estudou anteriormente, o conceito de urbanidades pode
ser compreendido como:

[...] todas as manifestações materiais e imateriais no rural


com caráter inovador (nem sempre de origem urbana ou
metropolitana, embora influenciadas por essa origem) em
áreas rurais sem que, por isso, fossem identificados tais
espaços como urbanos (RUA, 2007, p. 272).

O sentido inverso pode ser reconhecido como ruralidades.


As ruralidades podem estar claramente presentes no urbano, mas
também podemos identificar atualmente novas ruralidades dentro do
próprio espaço rural. Tais territorialidades específicas são importantes
testemunhos dos processos de interação e complementaridade
expressos pelas novas relações cidade/campo e espacializam
intencionalidades de acúmulo de capital ou de resistência e
permanência de determinado grupo social presente em tais espaços.

A presença de elementos identitários de forte cunho simbólico


são importantes para favorecer o consumo de bens associados aos
interesses econômicos do capital ou a valorização de bens culturais
tradicionais de determinados grupos como formas de resistência e
sobrevivência dentro de um sistema hegemônico maior e de maior força
ou simplesmente como uma forma de interação e complementaridade
de tais grupos nas novas dinâmicas da globalização.

Os valores simbólicos presentes no campo, como as urbanidades,


por exemplo, destacam o papel das identidades sociais na definição
de territórios baseados em aspectos simbólicos. Para Moreira,

vivencia-se a incorporação de populações urbanas no espaço


rural, de maneira que a dimensão territorial é destacada, já que

55
Geografia Agrária

o território se constitui na incorporação de elementos simbólicos


e materiais urbanos no espaço rural (MOREIRA, 2002, p. 69).

A apropriação de elementos simbólicos pode favorecer as


intencionalidades de determinados agentes importantes na dinâmica
dos espaços rurais atuais devido à sua direta associação a valores
econômicos, disputas de poder, indicadores de qualidade de vida
e delimitação política, por exemplo.

Para compreendermos o papel das urbanidades e ruralidades


na dinâmica socioespacial contemporânea do espaço, vale
analisarmos essas duas manifestações separadamente.

Atende aos objetivos 1 e 2

Comente a afirmação abaixo, tomando como referência e exemplo o espaço rural.

As territorialidades, muitas vezes, se utilizam de valores identitários para se expressarem


materialmente em determinado território. É o caso de bairros étnicos, como o bairro da
Liberdade, em São Paulo, que reúne elementos materiais de forte apelo simbólico ligado
à cultura japonesa. Tais elementos são provas materiais claras para se demonstrar a
territorialidade desse grupo social naquela porção do território urbano.

56
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

Resposta comentada
São inúmeros os exemplos de territorialidades associadas à valorização e materialização de
identidades culturais no espaço rural. Festas tradicionais ligadas à colheita de algum produto
regional, como tomate, uva, figo, podem ser alguns exemplos e referências interessantes para se
pensar nessa questão. Da mesma forma, a presença de objetos ligados a processos produtivos
contemporâneos ou pretéritos com alto valor simbólico e histórico, como moinhos d’água, casas
de pedras, antigas sedes de fazenda, podem também ser casos interessantes para essa análise
e relação entre identidade cultural, patrimônio cultural e territorialidades.

Ruralidades: expressões de
transformações contemporâneas nos
espaços rurais

O rural, definitivamente, não é mais palco apenas de atividades


primárias e nem pode ser definido apenas por sua presença, apesar
de continuarem a deter grande importância. Para Reis,

Hoje, quando falamos de rural e das transformações que ele


registra estamos, em grande medida, a falar de urbanização
(das ocupações profissionais, dos modos de vida e de
consumo, das formas de locomoção...); estamos, em grande
medida, a falar de espaços da indústria; estamos, em
grande medida, a falar de espaços de lazer; estamos, em
grande medida, a falar de processos de produção de valores
simbólicos (REIS, 2002, p. 7).

57
Geografia Agrária

Nesse sentido, podemos observar a presença de novas


ruralidades, bem como de urbanidades no espaço rural
contemporâneo. As novas ruralidades podem ser compreendidas
como manifestações plurais presentes nos espaços rurais. Essas
territorialidades podem estar diretamente ligadas ao universo rural
como também originadas no contexto urbano. Tais situações refletem
as novas relações de interação e complementaridade entre campo
e cidade observadas atualmente.

Locatel ressalta que a ruralidade

[...] pode ser entendida desde um ponto de vista funcional,


sob o qual os territórios rurais se qualificam como espaços nos
quais coexistem e se integram funções econômicas (produção
agrícola, artesanato, turismo e lazer, entre outras), ambientais
(preservação de recursos naturais, como água e solo,
proteção da biodiversidade) e socioculturais (conservação
e desenvolvimento de características socioculturais de
comunidades locais) (LOCATEL, 2004, p. 12).

Tal afirmação reitera que algumas territorialidades presentes


nos espaços rurais são testemunhos da diversidade funcional em
que o rural se apresenta hoje. As ruralidades reiteram que os
espaços rurais são espaços multifuncionais onde questões centrais,
como proteção da natureza, valorização do patrimônio e da
identidade cultural e dinâmica econômica globalizada, coexistem e
se manifestam materialmente ou imaterialmente no mesmo território.

A presença de parques naturais nos espaços rurais são


exemplos de novas ruralidades, uma vez que materializam novas
intencionalidades em relação a tais espaços. A demarcação e o
manejo específico de tais áreas evidenciam interesses de proteção
dos ecossistemas e o desenvolvimento de atividades educativas e de
lazer, onde paisagens de alto valor cênico são fundamentais para
a ambiência e eficácia de seus objetivos.

58
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

Rudi Böhm
Figura 11.5: Mapa do Parque Nacional de Itatiaia, localizado entre os estados
do Rio de Janeiro e Minas Gerais. A demarcação dessa unidade de conservação
expressa uma territorialidade específica – ruralidade – nas áreas rurais que a envolvem.
Fonte: http://www.icmbio.gov.br/parnaitatiaia/guia-do-visitante.html

Da mesma forma, a ideia de ruralidade implica reconhecermos


as interações mais estreitas entre o campo e a cidade. Nesse
sentido, a presença de ruralidades no urbano reflete a relação de
continuidade entre esses dois espaços, pois,

59
Geografia Agrária

[...] não podemos entender a ruralidade hoje somente a partir


da penetração do mundo urbano-industrial no que era definido
tradicionalmente como “rural”, mas também do consumo pela
sociedade urbano-industrial, de bens simbólicos e materiais (a
natureza como valor e os produtos “naturais”, por exemplo)
e de práticas culturais que são reconhecidos como sendo
próprios do chamado mundo rural (CARNEIRO, 1998, p. 59).

Observam-se hoje, nas cidades, inúmeras atividades e


manifestações de naturezas híbridas diretamente ligadas ao universo
rural. Muitas dessas manifestações são frutos da apropriação da
indústria cultural para intensificar e expandir o consumo de bens e
serviços oferecidos às populações urbanas, mas diretamente ligados
ao imaginário do campo.

Moreira destaca a existência dessa relação, identificando


urbanidade em espaços rurais, assim como ruralidades em espaços
urbanos. Segundo ele,

Poderíamos argumentar que complexas relações sociais


contemporâneas apresentam, ao mesmo tempo, fluxos
culturais e materiais da ruralidade e da urbanidade, rompendo
assim com a concepção essencialista de um ser rural que se
opõe ao ser urbano. Olhando assim para esses componentes
poder-se-ia falar de elementos de ruralidade em espaços
urbanos, bem como de elementos de urbanidade em espaços
rurais. Essa argumentação, se consistente, refuta algumas
das teses que falam do fim do rural, como a industrialização
e a urbanização do campo, nessa a urbanidade em todos
os espaços rurais e naquela, a urbanidade industrial dos
processos produtivos (MOREIRA, 2002, p. 21).

Os festivais de rodeio e as festas juninas são exemplos de


ruralidades presentes nos espaços urbanos. Tais manifestações
culturais originalmente associadas a celebrações tradicionais de
natureza agrícola e religiosa representam um elo imaginário de boa
parte da população urbana que, originalmente, vivia no campo.

60
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

Helder Ribeiro
Figura 11.6: Quadrilha em festa junina realizada nas cidades brasileiras.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:FestaJunina.jpg

Entretanto, a indústria cultural vem se apropriando e


transformando tais bens culturais de natureza imaterial em objetos
de consumo, inserindo elementos nitidamente urbanos a tais
celebrações. Estas transformações vêm, por sua vez, gerando
debates cada vez mais intensos dentro das ciências humanas acerca
dos processos de perda de identidade, autenticidade e turistificação
das manifestações locais.

A Festa do Peão de Barretos, territorialidade sazonal


consolidada e apropriada pelo turismo na cidade paulista de
Barretos, é um exemplo claro da força das ruralidades como produto
de consumo e marketing cultural, conforme ilustra a Figura 11.7.
Originalmente promovida como bem cultural tradicional dos costumes
e valores do campo, atualmente reúne uma série de investidores
transnacionais (muitas vezes, de setores econômicos puramente
industriais e urbanos), infraestrutura exclusiva, eventos musicais e
espaços de comercialização que se utilizam do imaginário rural para
incentivar o consumo de produtos e serviços de natureza urbana.

61
Geografia Agrária

Figura 11.7: Arena de rodeio da Festa do Peão de Barretos, uma das maiores
do gênero realizadas no Brasil.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Arena_de_Rodeio.jpg

Por outro lado, as ruralidades presentes nos espaços urbanos


também podem estimular a permanência e produtividade de grupos
tradicionais rurais. Os conflitos sociais e culturais evidentes nas grandes
cidades globais acarretam, muitas vezes, a promoção e valorização
da ideia de qualidade de vida e de salubridade da vida no campo.

Essa valorização simbólica vem estimulando o surgimento de


ruralidades que estimulam a mobilidade de grupos sociais rurais
no espaço urbano, favorecendo trocas econômicas e interações
socioculturais de diferentes tipos. As chamadas feiras do produtor
agrícola (Figura 11.8) consistem em bons exemplos de ruralidades
que demonstram as relações de complementaridades entre o campo
e a cidade e a força da agricultura familiar na dinâmica econômica
contemporânea.
Joel Mabel

Figura 11.8: Feira de produtos agrícolas em Seattle, EUA.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia

62
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

Cabe ressaltar, no entanto, que a ideia de vida saudável e


integrada à natureza, enaltecida por tais ruralidades, mascaram
ou destorcem a dura realidade do agronegócio e seus impactos
socioambientais. Da mesma forma, as atividades não agrícolas no
espaço rural, como o turismo, contribuem diversas vezes para a
extinção ou a diminuição da produção agrícola e a exclusão dos
grupos rurais tradicionais.

Atende ao objetivo 3

Discuta a ruralidade que envolve a Figura 11.9 por meio das questões apresentadas
nesta aula.

Figura 11.9: Horta desenvolvida em área urbana de Lisboa, Portugal.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:HortaCSBras.JPG

63
Geografia Agrária

Resposta comentada
A situação de ruralidade demonstrada pela Figura 11.9 ilustra as relações de continuidade
existentes entre campo e cidade, defendidas por diversos geógrafos contemporâneos. Muitas
vezes, tais ruralidades são resultantes da organização de grupos sociais urbanos que veem a
produção agrícola artesanal e realizada nas proximidades de sua residência com uma forma
de redução de gastos e fortalecimento do sentido de comunidade. Tal situação, várias vezes, é
incentivada por organizações não governamentais que estimulam usos econômicos alternativos
e solidários em áreas desocupadas da cidade.
Também é comum algumas municipalidades estimularem a produção social agrícola (hortas
comunitárias ou mesmo comerciais no sistema de concessão) em espaços públicos ou áreas
públicas onde sejam possíveis usos sociais.
Essas formas de ruralidades vêm desempenhando importante papel na inclusão social de grupos
sociais urbanos que veem no cultivo agrícola urbano a possibilidade de renda e sobrevivência.

64
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

Urbanidades no espaço rural: formas


de urbanização ou modernização dos
espaços rurais?

Da mesma forma que as ruralidades, podemos compreender


as urbanidades como manifestações materiais ou imateriais, muitas
vezes carregadas de conteúdo simbólico, no espaço rural. Essa
situação evidencia claramente as novas relações de interação e
complementaridade entre o campo e a cidade.

Alguns exemplos já apresentados nesta e em aulas anteriores


demonstram a presença dessa territorialidade específica nas
dinâmicas atuais dos espaços rurais, como o turismo rural, a presença
de tecnologia ligada ao urbano e à globalização, como antenas
de celulares e redes de internet, assim como a modernização de
serviços infraestruturais de mobilidade, sinalização e saneamento.

Tais urbanidades acabam em trazer à tona duas linhas teóricas


relevantes à geografia agrária: as urbanidades cada vez mais
presentes são evidências de um processo intenso de “urbanização
do campo”? Ou tais urbanidades podem ser consideradas
como manifestações de novas ruralidades nos espaços rurais
caracterizando um novo rural? Essas duas linhas de pensamento
devem ser ponderadas igualmente quando analisamos a dinâmica
contemporânea dos espaços rurais.

Defender a tese da urbanização do campo de forma ampla e


irrestrita, considerando o fim completo do rural, deve ser minimizada,
se levarmos em consideração que a essência da dinâmica dos
espaços rurais se mantém mesmo que em plena transformação. Essa
ideia reforça a continuidade entre campo e cidade, cada vez mais
evidente nos dias atuais.

A chegada de infraestrutura caracterizada como urbana no


campo não é suficiente para transformá-lo numa área urbana com
relações socioespaciais idênticas àquelas observadas na cidade.
Esses elementos materiais tampouco exterminam a tradição rural já

65
Geografia Agrária

existente, mesmo que a transforme, pois, como assinala Rua (2002,


p. 41), a chegada de infraestrutura no campo deve ser entendida
como a difusão de “urbanidades no rural”. As urbanidades “seriam
todas as manifestações do urbano em áreas rurais sem que tratem
esses espaços formalmente como urbanos”.

Na abordagem desenvolvida por Rua (2005), observa-se


que as respostas fornecidas pela corrente da urbanização plena
do campo e do novo rural não respondem plenamente às questões
contemporâneas observadas no rural, uma vez que as duas
apresentam análises parciais da realidade e não evidenciam a
complexidade que marca os espaços rurais da atualidade.

Neste sentido, o autor retoma a análise territorial e valoriza


a questão da escala como de fundamental importância para
trabalhos geográficos sobre o rural. Um aspecto crucial desta análise
está relacionado com as áreas dotadas de número expressivo de
urbanidades. Essas áreas podem ser consideradas áreas híbridas, não
sendo considerado urbano nem rural, já que apresenta características
dos dois ambientes, mesmo que de forma assimétrica. Para Rua,

Mesmo enfatizando as especificidades do rural, ou “novas


ruralidades”, como boa parte dos autores desta segunda
vertente anuncia, pensamos que a ênfase no rural não pode
ser exagerada. O urbano parece-nos realmente dominante,
na relação assimétrica entre urbano e rural. Assim, falar de
“novas ruralidades” mostra-se pouco adequado por que as
mudanças que ocorrem no espaço rural são, majoritariamente,
de origem urbana, embora misturadas/hibridizadas. Parece-
nos que falar de novas ruralidades obscurece a assimetria de
relações entre o rural e o urbano. (RUA, 2002).

Dessa forma, percebemos que as análises das territorialidades


no espaço rural, sejam em menor número, sejam por meio de
múltiplas territorialidades, são de extrema importância para
analisarmos as transformações ora presentes nos espaços rurais e
suas relações com os espaços urbanos.

66
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

Atende ao objetivo 4

Analise a questão abaixo e comente:

As relações entre as dinâmicas do rural e do urbano numa região metropolitana e num


município de pequeno porte são as mesmas. Que elemento geográfico deve ser considerado
nesses casos?

Resposta comentada
É evidente que a questão da escala é fundamental para analisarmos esses casos. Considerando
as regiões metropolitanas, podemos identificar que as relações entre o urbano e o rural podem
ser mais estreitas e contínuas, gerando um número significativo de urbanidades e, assim, o
aparecimento de áreas híbridas evidentes.
Essa análise não pode ser associada da mesma forma às dinâmicas entre o rural e o urbano
das pequenas cidades distantes das áreas metropolitanas. As urbanidades existem, mas a
urbanização irrestrita do campo, defendida por alguns autores, neste caso, deve ser relativizada
por meio das territorialidades. Assim, a questão da escala e a complexidade de realidades e
de relações entre o urbano e o rural devem ser consideradas.

67
Geografia Agrária

CONCLUSÃO

A análise das múltiplas territorialidades que ocorrem no campo


pode contribuir para a análise da realidade vivida e das condições de
vida da população tradicional do campo e envolvida na agricultura
familiar. A grande desigualdade socioespacial encontrada no campo
brasileiro é um fator relevante para reconsiderarmos as ideias de
uma completa urbanização do rural, pois a generalização deste
processo mascara a complexidade social, econômica, cultural e
política que envolve o território brasileiro.

A utilização de escalas de análise diferenciadas é importante


para melhor compreendermos as transformações observadas
no campo e identificar áreas híbridas repletas de urbanidades.
As múltiplas territorialidades também são importantes nessa
consideração e não podemos esquecer a presença cada vez mais
constante de ruralidades no espaço urbano.

Todas as análises de territorialidades observadas no campo e


na cidade são reais instrumentos de análise para compreendermos
as dinâmicas e transformações que hoje se apresentam nos espaços
contemporâneos. Nesse sentido, uma questão ainda é central: o
papel do capitalismo globalizado na velocidade e na variabilidade
dessas transformações.

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2, 3 e 4

Situação – Assentamento do Movimento Sem Terra em área rural de determinado município.

1. Para a situação da territorialidade proposta, identifique:

68
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

a) Natureza da territorialidade: cultural, econômica, política, social, religiosa, entre outras


que você identificar.

b) Intencionalidade de grupos sociais possivelmente associados: acúmulo de capital,


resistência ao sistema hegemônico, valorização da identidade cultural, entre outras que
você identificar.

c) Formas de expressão da territorialidade: material (impressa na paisagem), produção


socioespacial resultante de conflitos ou complementaridades, relações transitórias ou
sazonais, expressões de forte caráter simbólico, entre outras que você identificar.

d) Denominação da territorialidade envolvida na situação: ruralidade, urbanidade, ou outra


que você achar conveniente.

2. Após esse exercício de raciocínio e análise orientada, aponte uma ruralidade ou


urbanidade presente em sua região e elabore um texto de, no máximo, 10 linhas com as
questões discutidas na situação apresentada.

69
Geografia Agrária

Resposta comentada
Na situação apresentada, observamos uma territorialidade que envolve várias naturezas: política,
social, cultural e econômica. Os movimentos sociais ligados ao direito de acesso à terra e sua
produção possuem um caráter central de resistência ao movimento capitalista e excludente que
o agronegócio e os latifúndios estabeleceram como regra hegemônica nos espaços rurais atuais.
A presença dessa territorialidade reafirma a resistência e a valorização dos grupos sociais
excluídos desse processo. Como se trata de uma questão central da geografia agrária, a
expressão dessa territorialidade pode ser reconhecida materialmente pela própria presença de
acampamentos e produção de agricultura de subsistência nas áreas invadidas como também
sua presença possui um forte caráter simbólico da ideologia que envolve tal territorialidade.
O embate ideológico e simbólico resulta, muitas vezes, em confrontos reais e violentos entre
proprietários e os grupos de manifestantes.
Essa territorialidade pode ser compreendida como uma ruralidade resultante das transformações
e das novas relações entre campo e cidade.
Pessoas excluídas e “expulsas” do campo para a cidade retornam ao campo por meio de
acampamentos transitórios idealizados pelo próprio movimento. No entanto, tal denominação é
discutível, uma vez que diversas benfeitorias e infraestrutura de caráter urbano são observadas em
acampamentos antigos e referenciadas como modelo do movimento. Essa situação exemplifica
nitidamente as tensões expressas pelas transformações atuais que o espaço rural apresenta.

70
Aula 11 – Ruralidades e urbanidades

RESUMO

• As manifestações socioespaciais, resultantes de processos de


interação, resistência ou pressão de agentes importantes presentes
nos espaços rurais e urbanos são identificados pela Geografia
Agrária como ruralidades e urbanidades e apresentam destaque
na análise das novas relações entre a cidade e o campo.

• Observamos a presença de novas ruralidades e de urbanidades


no espaço rural contemporâneo. As novas ruralidades podem
ser compreendidas como manifestações plurais presentes nos
espaços rurais. Essas territorialidades podem estar diretamente
ligadas ao universo rural como também originadas no contexto
urbano. Tais situações refletem as novas relações de interação e
complementaridade entre campo e cidade observadas atualmente.

• Obser vam-se hoje, nas cidades, inúmeras atividades e


manifestações de naturezas híbridas diretamente ligadas ao
universo rural. Muitas dessas manifestações são frutos da
apropriação da indústria cultural para intensificar e expandir o
consumo de bens e serviços oferecidos às populações urbanas,
mas estão diretamente ligadas ao imaginário do campo. São
exemplos de ruralidades presentes no espaço urbano.

• As urbanidades observadas nos espaços rurais trazem à tona duas


linhas teóricas relevantes à Geografia Agrária: as urbanidades,
cada vez mais presentes, são evidências de um processo intenso
de “urbanização do campo”? Ou tais urbanidades podem ser
consideradas como manifestações de novas ruralidades nos
espaços rurais, caracterizando um novo rural?

• Essas duas linhas de pensamento devem ser ponderadas


igualmente quando analisamos a dinâmica contemporânea dos
espaços rurais. Nesse caso, a questão da escala de análise
assume extrema importância.

71
aula 12
a estrutura
fundiária e as
relações de
trabalho no campo
Marcelo Antonio Sotratti
Aline Sá
Geografia Agrária

Metas da aula

Reconhecer a estrutura fundiária do espaço rural brasileiro e estabelecer sua relação


com as relações de trabalho e produção existentes nesse espaço.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. analisar o processo de formação do espaço agrário capitalista e sua relação com a


industrialização;
2. reconhecer o papel do processo histórico da formação dos latifúndios brasileiros,
bem como sua crise;
3. identificar as causas que favoreceram o surgimento das pequenas propriedades
rurais no território brasileiro;
4. identificar a estrutura fundiária do território rural brasileiro contemporâneo, sua
distribuição espacial e sua relação com o trabalho na terra.

74
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

INTRODUÇÃO

Você deve acompanhar as diversas manifestações de grupos


sociais que reivindicam direito à terra e à produção agrária. Também
deve pensar como é possível haver conflitos tão violentos num
território extremamente vasto como o território brasileiro.

Talvez a resposta a essa pergunta esteja relacionada a um


processo antigo de ocupação e exploração do espaço rural de
nosso país, gerando estruturas fundiárias desiguais e concentradas
nas mãos de uma elite econômica e política.

Nesse sentido, observamos extensas áreas improdutivas


e, paralelamente, uma produção agrária intensa e ininterrupta
concentrada em algumas regiões do país contíguas ou próximas
às áreas urbanas.

Essa situação acarreta relações de trabalho complexas e


contraditórias, gerando, muitas vezes, os conflitos que observamos
em diversas partes do país. Conhecer o processo evolutivo de
ocupação do espaço rural brasileiro, sua relação com a estrutura
fundiária brasileira e as relações de trabalho associadas são
fundamentais para a formação do geógrafo, que poderá auxiliar nas
análises de conflitos socioespaciais ou mesmo desenvolver análises
e instrumentos para a gestão do território.

O espaço agrário capitalista

Conforme estudado em aulas anteriores, as relações


capitalistas no espaço agrário ganharam forma com a substituição da
mão de obra escrava e com o desenvolvimento das forças produtivas.

Desta maneira, valorizou-se a terra (o foco principal da crise


se desloca dos escravos para o controle da terra, consequentemente,
valorizando-a), e o Estado busca intervir na regulação do trabalho
e do mercado da terra.

75
Geografia Agrária

No caso da regulação do trabalho, tem-se, em 1850, a Lei


Eusébio de Queiroz – o fim do tráfico negreiro – e, no mesmo ano,
a Lei de Terras, em substituição à Lei das Sesmarias, que estabelece
que a terra só poderia ser obtida através da compra.

Segundo Ruy Moreira, em seu livro Formação do espaço


agrário brasileiro:

Dessa forma, embora seja um instrumento de regulação


mercantil da circulação da terra, a Lei de Terras se combina
com a lei da regulação do mercado de trabalho, uma vez que
exclui automaticamente do acesso à terra a quase totalidade
da população colonial, à qual só resta oferecer-se em trabalho
aos proprietários fundiários. A um só tempo, a Lei de Terras
preserva o latifúndio e organiza a nova relação de trabalho
(1990, p. 36).

Figura 12.1: Navio negreiro, pintura de Johann Moritz Rugendas, 1830.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Navio_negreiro_-_Rugendas.jpg

A combinação das duas leis – Lei Eusébio de Queiroz e Lei


de Terras – vai dar suporte para o nascimento do campesinato no
Brasil. Não seria difícil imaginar que, com a Lei de Terras, a classe
campesina nascesse sob o controle econômico da burguesia, que

76
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

mantém o modelo agroexportador, bem como o seu domínio diante


dos demais atores do campo.

Também seria muito reducionista acreditar que estaríamos


diante de um cenário com apenas dois atores distintos. A forma social
campesina dar-se-á de maneira diferenciada, conforme o espaço
em questão. De acordo com Ruy Moreira, é possível destacar três
modalidades diferentes do campesinato, quais sejam:

• o campesino que combina a condição de trabalhador assalariado


e camponês (morador, colono, seringueiro);

• o familiar autônomo (como as colônias de imigrantes);

• o campesinato de “fronteira”, que desde “a economia colonial,


se coloca nas áreas de linhas de frente do espaço ocupado”
para a dedicação à policultura.

Ainda sob a perspectiva de Moreira, diante da capitalização


da agricultura, tem-se que

o capitalismo não nasce rompendo, mas “reinventando”


o poder senhorial. Mantendo-o em suas mãos, a classe
dominante agroexportadora permanece hegemônica sobre
a sociedade e o Estado [...], e é controlando a reprodução
do trabalho desse campesinato que o capital mercantil extrai
o excedente e realiza a acumulação primitiva, mediando a
metamorfose burguesa da classe senhorial (1990, p. 39).

É dessa forma que o espaço agrário vai se capitalizando até


meados da primeira metade do século XX; a partir dos anos 1930,
há uma crise generalizada da agroexportação, que reformula a
relação entre o camponês e o capital, em face da importância
que a indústria vai ganhar no cenário mundial. Vê-se, então, o
deslocamento da agroexportação para a indústria fabril, fazendo
com que a acumulação entre em uma nova fase.

Nessa nova fase, é possível observar a fragmentação da


grande propriedade diante da crise agroexportadora e, ainda,
a perda e venda de terras a novos proprietários em regime de

77
Geografia Agrária

parceria e/ou arrendamento, situações impossibilitadas pela Lei de


Terras, mas inevitáveis diante da crise do sistema de exportação do
latifúndio monocultor.

A industrialização exigiu, assim, uma reorganização do


espaço agrário e a “liberação” do campesinato. Mas devemos
atentar para o fato de que, na realidade, a agricultura financiou a
industrialização, pois a monocultura se empenhou em exportar sua
produção, a fim de custear a compra de maquinário e equipamentos
necessários para a expansão da indústria, e a policultura reproduziu
os baixos salários das fábricas e das cidades.

A monocultura foi o centro da atividade primária, ou seja,


estava localizada nas regiões de solos mais férteis e, paulatinamente,
se espraiou sobre os solos de boa qualidade, ocupados pela
policultura. A policultura foi, assim, “expulsa” para áreas mais
distantes e/ou de menor qualidade. Esse espaço monopolista da
agricultura capitalizada, que expropria o campesinato, determinará
tanto a capitalização do campo brasileiro como a indústria
polarizada diante da agricultura, como se pode observar e ratificar
no trecho destacado de Ruy Moreira:

De tanto financiar a industrialização, a agricultura se torna


uma atividade industrial. Por um lado, a vinculação industrial
reforça a estrutura agrária monocultora herdada do período
agroexportador; por outro, provoca sua metamorfose
capitalista, uma vez que, para mais se integrar à passagem
do capital mercantil ao capital industrial, mais a agricultura
tem que se industrializar (1990, p. 64).

Essas características são mantidas até os dias de hoje; cada


caso com sua particularidade, mas numa estrutura heterogênea
comum ao território agrícola brasileiro.

O que devemos relativizar é o papel mínimo pelo qual o


camponês é reconhecido hoje e as diferentes formas de produção
do grande e do pequeno produtor diante do processo histórico a
que foram submetidos.

78
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

Atende ao objetivo 1

Interprete o trecho do texto de Ruy Moreira, respondendo às questões:

De tanto financiar a industrialização, a agricultura se torna uma atividade industrial.


Por um lado, a vinculação industrial reforça a estrutura agrária monocultora herdada
do período agroexportador; por outro, provoca sua metamorfose capitalista, uma vez
que, para mais se integrar à passagem do capital mercantil ao capital industrial, mais
a agricultura tem que se industrializar (MOREIRA, 1990, p. 64).

a) Por que podemos afirmar que a agricultura financiou a industrialização no Brasil?

b) Como se deu o processo de industrialização da agricultura?

Resposta comentada
a) Podemos afirmar que a agricultura financiou a industrialização, pois a monocultura se
empenhou em exportar sua produção, a fim de custear a compra de maquinário e equipamentos
necessários para a expansão da indústria, e a policultura reproduziu os baixos salários das
fábricas e das cidades.

79
Geografia Agrária

b) Da mesma forma, a monocultura foi o centro da atividade primária, ou seja, estava localizada
nas regiões de solos mais férteis e, paulatinamente, se espraiou sobre os solos de boa qualidade,
ocupados pela policultura. Com o aumento da produção e a expansão dos seus limites, a
monocultura trouxe os recursos tecnológicos da indústria para a agricultura, fortalecendo o
modelo agroexportador e intensificando a expulsão dos pequenos produtores e a diminuição
da policultura.

A crise do sistema latifundiário

As crises do sistema latifundiário brasileiro, sob a ótica de


Alberto Passos Guimarães, em Quatro séculos de latifúndio, podem
ser dividas em três grandes momentos:

• a extinção da escravatura, efetivada com a Abolição, mas que


já se mostrava instável antes de 1888;

• a superprodução cafeeira entre o final do século XIX e o início do


século XX, seguida da desestabilização econômica provocada
pela Primeira Guerra Mundial;

• as consequências geradas pelo crack da bolsa de Nova York.

A primeira etapa da crise, denominada por Guimarães de


“A Gestação da Crise”, tem seu início logo após a proclamação da
Independência e se estende até o final do século XIX. Este é o momento
em que se rompe com as oligarquias dominantes e a expansão
cafeeira estimula uma nova crise da classe latifundiária, agora entre
os senhores de engenho e os senhores do café e, posteriormente,
entre os senhores do café de São Paulo e os do Rio de Janeiro.

80
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

Figura 12.2: Praça central de Vassouras, RJ, em 1860, grande


centro de produção de café no século XIX. A expansão cafeeira
estimula uma crise da classe latifundiária entre os senhores de engenho
e os senhores do café.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Vassouras_-_Pra%C3%A7a_
cerca_1860.JPG

O declínio da atividade escrava e a sua substituição pelo


“trabalho livre” também irá endossar a pressão pela baixa do preço e,
consequentemente, aumenta o quadro de crise deste primeiro período.

A segunda etapa da crise, ainda segundo Guimarães,


denominou-se “A Eclosão da Crise”, que começa no início do século
XX com a superprodução cafeeira. Este é um momento de transição,
em que o capitalismo industrial começa a tomar forma, há um aumento
da urbanização e, também, da demanda do mercado interno.

O café ganha papel central na economia brasileira diante


do mundo, o que irá consolidar a hegemonia dos latifúndios
cafeeiros paulistas, além de beneficiar os processos técnicos e a
produtividade do trabalho. Os latifundiários passam a remunerar seus
trabalhadores de forma mais livre, o que permite a maior atividade
dos trabalhadores com a terra, tornando-os pequenos produtores.

81
Geografia Agrária

Figura 12.3: Família de imigrantes


italianos empregados nas lavouras
cafeeiras paulistas de forma assalariada.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Italiani.JPG

A terceira etapa da crise ficou conhecida como a decomposição


do sistema latifundiário, segundo Alberto Passos Guimarães, “A
Aceleração”. Esta fase se inicia nos anos 1929, com o crack da bolsa
de Nova York, e tem duas características que merecem destaque:
sua configuração crônica e o crescente esgotamento da capacidade
produtiva dos latifúndios.

Figura 12.4: Multidão em frente


à bolsa de Nova Iorque em 1929.
A denominada “Quinta-Feira Negra”
(24 de outubro de 1929), também
conhecida como “Quebra do
Mercado de Ações”, de 1929, foi
o crash do mercado de ações mais
devastador na história dos Estados
Unidos. Esta crise afetou todos os
países ocidentais industrializados,
inclusive o Brasil, influenciando a
crise dos latifúndios.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Crowd_outside_nyse.jpg

82
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

Segundo Guimarães (1977), o sistema latifundiário já não


consegue mais se manter por seus meios naturais e, neste momento,
exige-se uma maior quantidade de recursos, subsídios e favores dos
cofres públicos para garantir sua sobrevivência. A sua participação
na economia nacional perde força, sua capacidade de resistir às
crises periódicas diminui e sua influência nos planos políticos e
ideológicos também perde força, bem como sua participação na
máquina do Estado, pois

[...] na presente etapa de aceleração da crise, o sistema


latifundiário brasileiro converteu-se num organismo parasitário
[...] transformou-se, mais ainda, num estorvo, num obstáculo
ao progresso da sociedade brasileira (1977, p. 160).

Esta última fase se destaca pela parcial ou total impossibilidade


do latifúndio em desenvolver suas forças produtivas, ao contrário das
duas primeiras crises. E, ainda com Guimarães, conclui-se que “[...] o
sistema latifundiário foi implantado sobre alicerces excepcionalmente
sólidos para poder dispor, como sua longevidade o comprova, duma
capacidade de resistência quase inesgotável” (1977, p. 158).

Pode-se observar, portanto, que as duas primeiras fases da


crise do sistema latifundiário promoveram a extinção de certos
aspectos obsoletos do aparelho fundiário e provocou a abertura
deste, proporcionando, ainda que temporariamente, a expansão
de forças produtivas.

Em outras palavras, nesses momentos, é possível observar que


os ganhos são superados pelas perdas (crise) e, depois, as perdas
são superadas pelos ganhos (superação da crise). Na última etapa,
que se mostrou crônica ou permanente, tem-se o limite atingido pelo
próprio sistema, esgota-se a capacidade de expansão. No caso dos
latifúndios brasileiros, o sistema produtivo entra em conflito com as
demais forças econômicas em expansão e se torna uma barreira ao
progresso econômico da sociedade.

83
Geografia Agrária

Esse cenário de crise, que pode ser compreendido também


de forma genérica, a contemplar outros tipos de tensão ou colapsos
sistêmicos,

resulta do entrechoque dos elementos positivos contra


elementos negativos [...], resulta da luta entre forças sociais
contrárias, que se movem por interesses econômicos, políticos
e ideológicos opostos e antagônicos (1977, p. 162).

Deve-se compreender, no entanto, que mesmo diante de um


panorama de crise, de colapso sistêmico, momentos de superávit
podem ser observados; é o caso da implantação do capitalismo no
sistema feudal. Ainda que este sistema caminhasse para o seu fim,
as ações breves de capitalismo proporcionaram grandes volumes de
dinheiro. Isto pode ser ressaltado no caso da produção monocultora
de exportação.

O século XX se inicia, para o latifúndio brasileiro, com a


permanência da dependência financeira inglesa, mas com grandes
volumes de trocas comerciais com os Estados Unidos. O café
mantinha-se na liderança dos produtos voltados para a exportação;
o Brasil era responsável por cerca de 75% de todo o café consumido
no mundo, porém não tínhamos o controle desse mercado que, com
uma maior integralidade do sistema capitalista, estava sujeito às
manobras especulativas dos trustes internacionais.

Desde então, o café e outros produtos de caráter extrovertido


sofriam com sucessivas crises de superprodução e consequente queda
de valores. Neste sentido, o sistema latifundiário avança para sua
desintegração, visto que, no plano externo, o sistema capitalista
caminha para o regime monopolista e, no plano interno, desenvolve-
se o capitalismo industrial. Para endossar a ideia proposta, destaca-
se a fala de Alberto Passos Guimarães, ainda em Quatro séculos
de latifúndio:

Por sua extensão e profundidade, a crise do início do presente


século (século XX) (ou melhor, as crises – de decomposição

84
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

e de superprodução – que se interligavam) atingira toda a


classe latifundiária, contribuindo para unificá-la em torno de
medidas de salvação a serem exigidas dos Poderes Públicos
(1977, p. 169).

As sucessivas fases de superprodução foram algumas vezes


interrompidas, como no caso da Primeira Guerra Mundial, quando
o Brasil foi obrigado a iniciar o seu processo de industrialização,
visto que os países fornecedores de produtos industrializados estavam
em guerra e, portanto, tiveram suas atenções substituídas para a
fabricação de armamentos e para o abastecimento da guerra, como
um todo.

Assim, o Brasil passa a se dedicar e investir no setor


secundário, bem como no abastecimento do mercado interno. É
preciso, contudo, compreender que este cenário foi imposto ao nosso
país e, assim que a Primeira Grande Guerra termina, as atenções do
mercado brasileiro se voltam novamente para o mercado externo.

Ao final dos anos 1920, mais uma crise mundial atinge


diretamente a produção do setor primário brasileiro, e o volume
das exportações cai consideravelmente, bem como os seus preços.
Este era o início de um período de grandes dificuldades para a
economia nacional.

A tentativa de salvar os latifundiários foi capitaneada pelo


Governo, que se lançou aos empréstimos estrangeiros, elevando
ainda mais a dívida pública brasileira. Nos primeiros anos da
década de 1930, “mais de 7 milhões de sacas de café foram
adquiridas pela União, começando depois as incinerações, que
iriam avolumar-se até chegar ao total de 78 milhões de sacas ao
cabo de alguns anos” (GUIMARÃES, 1977, p. 174). Esta foi a forma
encontrada pelo Governo para salvar os latifundiários de uma crise
sem precedentes.

Nota-se que os latifundiários foram beneficiados sobremaneira,


enquanto a população sofria com a falta de recursos da União.
Aqueles que trabalhavam para as grandes propriedades sofriam

85
Geografia Agrária

ainda mais, pois a grande lavoura reduziu os salários de seus


trabalhadores ao mínimo possível e impulsionava a inflação,
direcionando para si a renda da maioria da população através
desses mecanismos.

Na tentativa de mitigar os efeitos da crise, o sistema latifundiário


se vê compelido a adotar métodos e processos de produção, a fim
de mudar suas relações econômicas, investindo maciços capitais
para que sua produção e produtividade aumentassem. Uma das
características marcantes desse momento foi a incorporação, pelos
latifúndios, de novas áreas, pertencentes aos pequenos produtores,
aumentando extensivamente sua produção; enquanto outra parte da
grande lavoura se desfaz de suas terras e/ou trocam a atividade
agricultora pela pecuária. Dessa forma, desenvolve-se uma nova
categoria: a burguesia rural.

A formação da pequena propriedade

Por aproximadamente 400 anos, o latifúndio colonial e feudal


no Brasil, mais particularmente com o sistema escravista, impediu de
inúmeras formas que a população menos favorecida tivesse acesso
à terra de forma permanente.

Aqueles que conseguiam um pouco mais de estabilidade,


mais cedo ou mais tarde, eram expulsos pela expansão da cultura
ou das criações dos senhores. Quando a permissão de se manter na
terra era concedida, o objetivo valia para que os senhores tivessem
reserva de mão de obra, mantendo-as sempre subjugadas.

Pode-se afirmar, portanto, que se tem aí o aparecimento


da pequena propriedade no Brasil, bem como a introdução de
imigrantes europeus nas regiões meridionais, ainda no primeiro
quartel do século XIX. Mas não deve ser desconsiderado o período
gestacional desta categoria, que vem tomando forma ainda no
século XVIII; o exemplo mais característico são os “agregados”:
trabalhadores livres, porém miseráveis, que se incorporaram aos
engenhos de açúcar.

86
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

Os agregados tinham como principais produções a cachaça


– nas engenhocas (processo de fabricação mais fácil que o de
açúcar) – e a farinha (para o próprio consumo e o de sua família).
No início do século XVIII, foram impostas punições para os senhores
que fabricassem aguardente. A proibição, no entanto, não feria os
senhores que se ocupavam com a produção do açúcar, mas reduzia
a produção de farinha dos agregados e lhes permitia plantar a
cana de açúcar apenas para abastecer o engenho dos grandes
senhores. Desta forma, a maior parte das engenhocas foi extinta.
Alberto Passos Guimarães, diante da explanação de Rocha Pombo,
em História do Brasil, explica como se deu esse processo:

Abolidas agora as engenhocas, e impedidos de cuidar de


mais de uma cultura, que recurso restava aos lavradores nas
terras onde a cana fosse a lavoura mais compensativa? Não
havia outro, senão vender as roças aos fabricantes de açúcar.
Dava-se então o que era fácil prever: os donos de engenho
combinavam-se para fixar o preço da matéria-prima; e bem
pode imaginar-se o que fariam. [...] O resultado não podia
falhar: pouco a pouco, para ir subsistindo, os lavradores
tiveram que ficar em alcance com o patrão. Por fim, não
tiveram mais forças para resistir aos arrastamentos daquela
miséria: endividados com os grandes senhores, tiveram os
pequenos sesmeiros de vender-lhes o resto de terras que lhes
haviam deixado; e por muito ditosos ainda se davam os que
podiam ficar vivendo nos mesmos como rendeiros. Os que
não mereciam essa confiança de “tomar terras de renda”
(pois para isso decerto que não era preciso ser um fazendeiro
abastado, mas era necessário que não fosse, ao menos, pobre
até a miséria) consolavam-se de ficar como agregados, sob
a “proteção” do senhor. Havia-se completado o processo, e
estava feita a evolução do sistema (1977, p. 107).

Karl Marx, em O capital, define duas espécies de propriedade


privada: a que se baseia no trabalho do próprio produtor e a outra,
onde se explora o trabalho alheio. No caso brasileiro, não podemos

87
Geografia Agrária

tomar essas classes de forma oposta, visto que primeiramente surge


a grande propriedade, e a pequena propriedade vai tomar forma
(mais consolidada) com a decomposição do sistema latifundiário, ao
contrário dos nossos colonizadores, que assistiram à formação da
pequena propriedade para, então, formar-se a grande propriedade.

Para que o sistema dos latifúndios tivesse êxito, tinha-se em


mente que as terras virgens deviam ser postas à venda a preços altos,
inalcançáveis para a população pobre, pois caso isso acontecesse,
as classes menos favorecidas teriam mais chances de se transformar
em produtores independentes, ao invés de trabalhar para os grandes
proprietários de terra. Desta forma, denominada por Guimarães de
“Colonização Sistemática”, asseguravam-se reservas de braços para
o trabalho no latifúndio.

A estratégia para burlar o monopólio da terra foi a posse.


Intrusos e posseiros deram início à pequena propriedade camponesa
que, a princípio, eram invasões a terras de ninguém ou nos intervalos
entre as sesmarias, sesmarias abandonadas (ou não cultivadas) e
as terras devolutas. Esses processos, muitas vezes, custavam a vida
dos camponeses, mas, ao mesmo tempo, foi o que rompeu com o
monopólio colonial – feudal – da terra.

Ainda com Guimarães, tem-se o entendimento do crescimento


da pequena propriedade diante do declínio da mineração e da
necessidade de se abastecer o mercado interno, a ver:

À grande massa de população desocupada, acrescida no


correr de muitos anos e engrossada com os reforços provinciais
do declínio da mineração, não restava outra alternativa senão
a de forçar as portas do sistema latifundiário. Este já não pôde
resistir às invasões que em ondas sucessivas iriam alastrar-
se nos núcleos principais, dentro das fronteiras econômicas
distendidas para o centro-sul do território pelo surto minerador.
Desafiando o poder das oligarquias agrárias, multiplicavam-
se as posses e, com elas, ganhava largas dimensões e
consistência a nova classe dos pequenos cultivadores de
terra (1977, p. 118).

88
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

As invasões pelos intrusos ou posseiros se tornaram mais fortes e


frequentes, obrigando os senhores a reconhecer a posse como forma
legítima de ocupação. O ciclo da mineração e a constituição do
mercado interno, que demandou a produção de gêneros alimentícios
(subsistência), proporcionou grande impulso à pequena propriedade,
visto que os latifúndios não eram capazes de atender à demanda.

Durante as décadas de 1820 e 1840, houve sucessivas quedas


dos preços do café, açúcar e algodão, fazendo com que seus senhores
e fazendeiros perdessem força política diante da crise econômica.
Observou-se a separação entre as classes dominantes da metrópole e
da colônia, bem como a hegemonia econômica e política que passa das
mãos dos senhores de engenho para os fazendeiros de café. Conclui-se,
prematuramente, que diante de tal crise e das mudanças das relações
no cenário internacional, há uma fragmentação das classes dirigentes.

Assim sendo, a crise dos latifúndios (café, açúcar e algodão) e


de seus senhores/fazendeiros proporciona facilidades às pequenas
propriedades que, neste momento, passam a se legitimar; desta
vez, com a lei a seu favor, ao contrário do que era observado
anteriormente às crises.

É a partir desses acontecimentos que pode ser observado o


estímulo à migração estrangeira. Com isso, grande parte dos senhores
rurais conseguiriam mão de obra para suas lavouras, “principalmente
para a avançada dos cafezais, e não a distribuição da terra entre
os pequenos cultivadores” (GUIMARÃES, 1977, p. 126).

O aumento do número de pequenas propriedades, aliado ao surto


migratório, na periferia da grande propriedade, traz enormes vantagens
para a “política de braços livres” planejada pelos fazendeiros de café.

A partir da segunda metade do século passado [leia-se século


XIX], numerosas leis provinciais cuidam da distribuição de
terras a imigrantes estrangeiros, desenvolvendo-se, cada
vez mais, a despeito do fortalecimento do Poder Central, as
iniciativas das Províncias no sentido de disseminar a fundação
de “lotes coloniais” (GUIMARÃES ,1977, p. 130-131).

89
Geografia Agrária

Atende aos objetivos 2 e 3

Relacione os fatos históricos com as fases da crise latifundiária apresentada por Guimarães
(1977):

I. Fase da Gestação da Crise

II. Fase da Eclosão da Crise

III. Fase da Aceleração da Crise

a) ( ) superprodução cafeeira;

b) ( ) rompimento com as oligarquias dominantes;

c) ( ) crack da bolsa de Nova York;

d) ( ) embates da classe latifundiária, ou seja, entre os senhores de engenho e os senhores


do café;

e) ( ) a participação do latifúndio na economia nacional perde força, sua capacidade


de resistir às crises periódicas diminui e sua influência nos planos políticos e ideológicos
também perde força, bem como sua participação na máquina do Estado;

f) ( ) imigrantes estrangeiros empregados nas lavouras cafeeiras paulistas de forma


assalariada.

Resposta comentada
a) II, b) I, c) III, d) I, e) III, f) II.
Observa-se, de forma geral, a dependência do Brasil agrícola de estrutura latifundiária com o
mercado externo, e o modelo agroexportador foi crucial para a crise do latifúndio.

90
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

A estrutura fundiária do território


brasileiro e as relações de trabalho
no campo

Na agricultura e na pecuária, o principal meio de produção


no campo é a terra. Não é possível analisarmos a configuração
socioespacial de um país ou de uma região sem falar da estrutura
fundiária, isto é, da propriedade sobre a terra.

A estrutura fundiária é a forma como o recurso terra se


divide em propriedades, de acordo com todo o processo histórico
e também com as leis da propriedade estabelecidas pelo Estado.
Esse processo é bastante diversificado e complexo, podendo dar
origem a problemas sociais importantes. Um deles tem a ver com
a concentração de terras na posse de um número limitado de
proprietários, que tem dado origem a conflitos sociais ao longo da
História em várias regiões.

Em face do processo socioespacial que caracterizou a


formação e a estrutura fundiária do território brasileiro, identificamos
hoje uma estrutura fundiária extremamente desigual e concentrada,
ainda baseada nos modelos do período colonial e imperial.

Mesmo com o fim da escravidão e a proclamação da


República, os grandes latifundiários mantiveram grande poder
político, o que impediu os avanços de qualquer discussão sobre a
distribuição de terras. É somente nos anos 1950 e 1960, em meio
ao processo de modernização do Brasil nas cidades e nos campos,
que a discussão sobre a reforma agrária ganha força a partir das
reivindicações das ligas camponesas, nascidas no Nordeste. As
ligas camponesas pediam reforma agrária “na lei ou na marra”,
mas sucumbiram diante da repressão do regime militar.

Os militares aprovaram o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504,


de 30 de novembro de 1964). Através dele, foi criado o conceito
de “Módulo Rural”, baseado na noção de “propriedade familiar”,
definida como unidade de medida, expressa em hectare, que busca

91
Geografia Agrária

refletir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica


do imóvel rural, a forma e as condições do seu aproveitamento
econômico. Todos teriam direito à terra, mas, na prática, a reforma
agrária não avançou.

Em 1979, a Lei n. 6.746, de 10 de dezembro daquele


ano, altera o Estatuto da Terra, determinando que a cobrança de
impostos seja feita com base no número de módulos fiscais de
cada propriedade. E define que o tamanho dos módulos fiscais é
determinado por cada município, em função do tipo de exploração
predominante; da renda obtida na exploração predominante;
de outras explorações existentes no município que, embora não
predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área
utilizada; e no conceito de propriedade familiar.

Esse conceito de módulo fiscal é importante, pois, com a Lei


n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, ele tornou-se referência para
a classificação das propriedades rurais em quatro tipos, dependendo
Hectare, ha da extensão em módulo fiscal (hectare, ha), quais sejam:
Representado pelo
símbolo ha, é uma
1. minifúndio: imóvel rural de área inferior a um módulo fiscal
unidade de medida (Decreto n. 55.891, de 31 de março de 1965, em seu art. 13, I,
de área equivalente a c/c o art. 6º, II);
100 ares ou a 10.000
metros quadrados. 2. pequena propriedade: imóvel rural de área compreendida
entre um e quatro módulos fiscais;

3. média propriedade: imóvel rural de área compreendida


entre quatro e 15 módulos fiscais;

4. grande propriedade: imóvel rural de área superior a 15


módulos fiscais.

A partir dessa classificação e, de acordo com as formas de


produção existentes, podemos estabelecer no Brasil as seguintes
categorias de propriedades rurais.

• Minifúndio: são pequenas propriedades rurais responsáveis pela


produção de cerca de 70% de todo alimento consumido no país,
com utilização, em geral, de mão de obra familiar.

92
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

• Latifúndio por dimensão: corresponde a grandes propriedades


rurais, com atividade vinculada à agroindústria; seus produtos
geralmente são destinados ao mercado externo.

• Latifúndio por exploração: esse tipo de propriedade tem como


característica a improdutividade, pois o proprietário adquire terras
com o intuito de desenvolver especulação imobiliária; dessa forma,
não há nenhuma intenção de cultivá-las, produzir empregos,
impostos e colaborar com o crescimento econômico do país.

• Empresa rural: propriedade de porte médio e grande, que produz


matéria-prima (laranja, soja, cana-de-açúcar, leite, carne, entre
outros) destinada para as agroindústrias.

Em face da grande concentração de terras nas mãos de uma


pequena classe hegemônica e da forte presença de latifúndios de
exploração, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) – uma autarquia federal criada pelo Decreto n. 1.110, de
9 de julho de 1970 – tem como missão prioritária realizar a reforma
agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar
as terras públicas da União. Está implantado em todo o território
nacional por meio de 30 Superintendências Regionais.

Nos últimos anos, o Incra incorporou entre suas prioridades


a implantação de um modelo de assentamento com a concepção
de desenvolvimento territorial. O objetivo é implantar modelos
compatíveis com as potencialidades e os biomas de cada região
do país e fomentar a integração espacial dos projetos. Outra
tarefa importante no trabalho da autarquia é o equacionamento
do passivo ambiental existente, a recuperação da infraestrutura
e o desenvolvimento sustentável dos mais de 8 mil assentamentos
existentes no país.

Para cumprir seus objetivos, o Incra mantém um cadastro


das propriedades rurais segundo sua dimensão. Na Figura 12.5,
podemos analisar a distribuição dos municípios brasileiros segundo
a quantidade de módulos fiscais.

93
Geografia Agrária

Figura 12.5: Distribuição dos municípios segundo as dimensões do módulo fiscal, elaborado pelo Incra, em 2005.
Fonte: http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/regularizacao-fundiaria/indices-cadastrais/file/115-
distribuicao-dos-municipios-segundo-as-dimensoes-do-modulo-f

As relações produtivas agrícolas não se baseiam apenas nas


técnicas, formas de cultivo e estrutura fundiária, mas também nas
relações estabelecidas entre produtor/empresa rural e trabalhador.
As relações de trabalho no campo mais conhecidas são as seguintes:
A relação assalariada é baseada na troca entre força
de trabalho e remuneração (ou salário), em bases mensais. O
trabalhador executa as tarefas designadas e recebe seu salário.
No Brasil, devem ser respeitadas as regras trabalhistas rurais,
historicamente representadas no Estatuto do Trabalhador Rural (ETR),
promulgado na gestão de João Goulart no ano de 1963.

A relação de parceria apresenta múltiplas faces. Em regra, o


trabalhador estabelece uma parceria, na qual a força de trabalho
é “trocada” por parte da produção ou do lucro. A relação mais
comum é a do “meieiro”, em que o trabalhador fica com a metade
da produção e o proprietário da terra com a outra; seria uma relação
“meio a meio”; por isso, “meieiros”.

94
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

A relação de arrendamento é bem simples. O trabalhador


paga um valor fixo por um período estipulado. Funciona como
um “aluguel” da terra, mas o pagamento apresenta algumas
possibilidades, como produção e trabalho.

A relação temporária é uma das mais comuns. O trabalhador


é “contratado” apenas por um dia para realizar o trabalho, receber
um valor acertado e ser dispensado. Não há vínculos trabalhistas.
O trabalhador mais conhecido dessa relação temporária é o “boia-
fria”, que se desloca, diariamente, de sua área de residência para
o local do trabalho, alimenta-se no local (come sua “boia fria” ou
comida fria) e retorna para casa no final do dia, sem vínculos.

A relação de escravidão por dívida é ilegal e abusiva ao


extremo, mas infelizmente ainda presente no campo brasileiro.
Normalmente, os trabalhadores dormem e se alimentam em um
depósito e ficam endividados com o proprietário. No final do
período de trabalho, o trabalhador não pode ir embora, pois o
proprietário cobra por sua comida e seu abrigo e diz que o valor
é superior ao seu “salário”, e ele deve trabalhar para pagar. Mas
o trabalhador nunca consegue quitar a sua dívida e se torna uma
espécie de escravo.

A estrutura fundiária brasileira e as formas de trabalho no


campo no território brasileiro se apresentam de forma bastante
complexa e diversificada. Na tentativa de analisar a situação agrária
brasileira, o geógrafo da Unesp Eduardo Paulon Girardi elaborou
o mapa sintético apresentado na Figura 12.6.

95
Geografia Agrária

Figura 12.6: Situação socioespacial do espaço rural brasileiro. Mapa sintético


elaborado por Girardi (2009).
Fonte: http://confins.revues.org/5631

Para melhor visualização do mapa “O Brasil


Agrário”, elaborado por Eduardo Paulo Girardi,
acessar o link: http://confins.revues.org/docan-
nexe/image/5631/img-3.jpg.

96
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

Ao analisarmos o resultado da questão agrária apresentado


na Figura 12.6, observamos algumas situações contraditórias
que devem ser ressaltadas. A concentração de áreas ocupadas
por movimentos sociais não corresponde às áreas de assentamento
realizadas pelas políticas públicas, demonstrando divergências
de interesses. Nessas áreas, também se observam altos índices de
violência contra trabalhadores rurais e camponeses.

Essa consideração demonstra a ineficácia governamental em


criar condições dignas e pacíficas de inserção e manutenção do
homem do campo, que possibilitem a esse grupo social condições
produtivas e acesso às regiões mais produtivas do país.

Atende ao objetivo 4

Baseado nos resultados apresentados pelo Incra, presentes na Figura 12.5, responda:

a) Estados com maior concentração de municípios compostos de grandes propriedades.

b) Estados com maior número de municípios compostos de pequenas propriedades.

c) Estados com maior concentração de municípios compostos de médias propriedades.

d) Situação socioespacial geral da estrutura fundiária brasileira.

97
Geografia Agrária

Resposta comentada
Os estados da Paraíba, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais são os que aparecem com um
número maior de municípios compostos de pequenas propriedades. Em compensação, Rondônia,
Acre, Amazonas, Maranhão, Piauí, Paraíba, Minas Gerais e todos os estados da região Centro-
oeste lideram a proporção de municípios compostos de grandes propriedades.
No estado de Mato Grosso, por exemplo, 40 municípios apresentam módulo fiscal de 100 ha.
Esse resultado demonstra a concentração de grandes propriedades na porção norte e central
do Brasil. Na região Nordeste, constatam-se as grandes disparidades fundiárias: grandes
propriedades disputam espaço com pequenas propriedades. Na maior região produtora do
país (e a mais rica), a região Centro-sul, observa-se a grande presença de médias propriedades.

CONCLUSÃO

O processo de redemocratização foi importante para a


retomada das lutas camponesas por reforma agrária. Sendo assim,
em 1984, muitos camponeses reuniram-se em Cascavel, no Paraná,
onde organizaram a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, o MST. Desde então, esse tem sido o principal movimento
social em luta por reforma agrária no Brasil. De inspiração marxista
e cristã-progressista, o MST nasce com o apoio da Pastoral da Terra.

Não obstante os muitos avanços legais e institucionais


que concorrem para uma estrutura fundiária mais justa e menos
concentrada, os conflitos no campo seguem intensos e marcados
por alto nível de violência. Diversos atores sociais, entre os quais
os latifundiários, posseiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros,
extrativistas, indígenas e quilombolas, seguem protagonizando
disputas mortais pelo controle da terra.

Desde o início da política de assentamentos da reforma


agrária, mais de 1 milhão e 200 mil famílias já foram assentadas.

98
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

Contudo, a terra não é suficiente para que a manutenção do homem


no campo se efetive.

As famílias necessitam de acompanhamento constante


e de assistência técnica, comercial e financeira para que sua
produção possa viabilizar aquilo que o Incra preconiza como sua
função primordial: o desenvolvimento de um campo com justiça
social, produção de alimentos, trabalho, renda, cidadania e
sustentabilidade econômica e ambiental. O desafio ainda é grande,
e os trabalhadores continuam ativos nos movimentos sociais e nas
ocupações de espaços rurais privados ou públicos.

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2, 3 e 4

Por meio da análise e do cruzamento da tabela do Incra sobre a distribuição dos municípios
brasileiros, segundo o tamanho das propriedades (Figura 12.5) e o mapa sintético da
questão agrária elaborado por Girardi (2009) (Figura 12.6), apresentados anteriormente,
interprete a situação do espaço rural associado ao estado da Federação em que você vive.

99
Geografia Agrária

Resposta comentada
A questão agrária brasileira é bastante diversificada e complexa. Ao cruzarmos as duas figuras
propostas, podemos constatar as desigualdades socioespaciais presentes no território brasileiro,
mais especificamente, o de natureza rural.
Tomando como exemplo o estado do Rio de Janeiro, podemos concluir que:
O estado do Rio de Janeiro não assume importância e representatividade no panorama
agropecuário brasileiro. Observamos populações rurais medianas localizadas nas imediações da
Região Metropolitana, na Serra Fluminense, no Vale do Paraíba e no norte do estado. Observa-
se também, pela Figura 12.6, que o estado fluminense apresenta alto índice de mão de obra
assalariada nas propriedades rurais, estas residindo, muitas vezes, em áreas urbanas. Na maior
parte dos municípios fluminenses, observam-se pequenas e médias propriedades com grandes
propriedades concentradas num pequeno número de municípios. Observa-se também que as
grandes propriedades fluminenses possuem um limite de 35 módulos fiscais; resultado baixo,
se considerarmos os limites das regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste do país.

RESUMO

• A monocultura se empenhou em exportar sua produção, a fi m


de custear a compra de maquinário e equipamentos necessários
para a expansão da indústria, e a policultura reproduziu os baixos
salários das fábricas e das cidades.

• As crises do sistema latifundiário brasileiro, sob a ótica de Alberto


Passos Guimarães, podem ser divididas em três grandes momentos:
a extinção da escravatura, efetivada com a Abolição, mas que já se
mostrava instável antes de 1888; a superprodução cafeeira entre o
final do século XIX e início do século XX, seguida da desestabilização
econômica provocada pela Primeira Guerra Mundial e as
consequências geradas pelo crack da bolsa de Nova York.

100
Aula 12 – A estrutura fundiária e as relações de trabalho no campo

• A estrutura fundiária é a forma como o recurso terra se divide


em propriedades, de acordo com todo o processo histórico da
área analisada e também com as leis da propriedade ditadas
pelo Estado.

• A estrutura fundiária brasileira é composta por: minifúndio: imóvel


rural de área inferior a um módulo fiscal (ha); pequena propriedade:
imóvel rural de área compreendida entre um e quatro módulos
fiscais (ha); média propriedade: imóvel rural de área compreendida
entre quatro e 15 módulos fiscais (ha); grande propriedade: imóvel
rural de área superior a 15 módulos fiscais (ha).

• As relações de trabalho no campo mais conhecidas são: a relação


assalariada, a relação de parceria, a relação de arrendamento,
a relação temporária e a relação de escravidão por dívida.

101
aula 13
a propriedade e a
renda da terra
Marcelo Antonio Sotratti
Geografia Agrária

Meta da aula

Compreender o processo capitalista de concentração e monopólio produtivo e seus


efeitos na renda da terra e suas consequências socioespaciais para os diversos agentes
atuantes no espaço rural.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. relacionar a apropriação privada da terra e o avanço do capitalismo no campo


com o processo de concentração das propriedades rurais;
2. relacionar o processo de concentração fundiária com a mercantilização da terra
e suas consequências socioespaciais;
3. apresentar a análise marxista de renda da terra;
4. identificar diversas tipologias de renda da terra compreendidas pela
análise marxista.

104
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

INTRODUÇÃO

Ao estudarmos a Revolução Verde e o agronegócio, podemos


perceber um claro discurso de exaltação do desenvolvimento do
campo por meio da tecnologia e da modernização da agricultura.
Embora possamos constatar a evolução do espaço rural e sua
interação com outras categorias espaciais, como o espaço urbano,
é fundamental termos uma visão crítica sobre a importância
desses processos produtivos para a manutenção e reprodução
do sistema capitalista.

A expansão do capitalismo no espaço agrário brasileiro


implica naturalmente a monopolização e a territorialização da
terra pelo capital, ou seja, podemos afirmar que ocorre uma
subordinação e sujeição de processos produtivos diversos existentes
no campo (inclusive os pequenos produtores) ao capital por meio da
dependência que se cria em função dos maquinários e insumos que
o agronegócio impõe como necessidade mercadológica atualmente.

O avanço do agronegócio e da modernização amplia a


dimensão produtiva do espaço rural para outros setores, como a
indústria e a própria urbanização, e essa questão acarreta uma forte
concentração de terras nas mãos de uma pequena elite detentora
de capital e poderes políticos.

O pequeno produtor, por sua vez, se vê obrigado a se submeter


às altas taxas de crédito comercial e aos preços altos dos insumos
e maquinários; caso não consiga manter sua produção, realidades
duras (como sua migração para as cidades e sua transformação
de produtor autônomo em assalariado ou trabalhador temporário)
confirmam a relação de subordinação da terra ao capital.

Nesse sentido, a presente aula tem como objetivo central


discutir a questão da propriedade e da renda da terra por meio da
análise da influência do capital no campo, suas contradições e a
concentração de terras voltadas ao mercado, produzindo espaços
e territórios de conflitos e exclusão socioespacial concomitantes

105
Geografia Agrária

a extensas áreas produtivas hegemônicas e pequenos produtores


subjugados à lógica do agronegócio.

A propriedade da terra e os interesses


do capital

Com a Lei de Terras, de 1850, é importante refletirmos sobre os


conflitos e as desigualdades socioespaciais decorrentes da estrutura
fundiária concentrada e gerada pelo monopólio da apropriação
privada da terra. Esta relevante questão agrária demonstra o avanço
do capital no campo, que subtrai a renda capitalizada da terra pelo
monopólio da produção de bens a serem exportados.

A apropriação do capital no campo vem acarretando graves


contradições e conflitos na dinâmica espacial do espaço rural, tais
como a transformação da terra em negócio, a limitação produtiva em
monoculturas voltadas à exportação e, sobretudo, a subordinação da
produção camponesa aos interesses do capital, resultando, muitas
vezes, em sua expulsão e migração para as cidades.

A relação estreita entre o agronegócio e a concentração


de terras nas mãos de um grupo social detentor de poder político
e econômico também acentua o abismo social entre os atores da
dinâmica espacial do espaço rural, gerando os conflitos violentos
entre os proprietários de terra e os camponeses, bem como a
intensificação dos movimentos sociais pró-reforma agrária.

A categoria de análise geográfica territorial nos ajuda a


compreender os fenômenos de repressão política e econômica,
da expansão e mercantilização de terras para o agronegócio, e
a resistência de grupos sociais à apropriação orquestrada pelo
capitalismo por meio dos movimentos sociais.

106
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

Figura 13.1: Altas taxas de crédito comercial, preços altos dos insumos e
maquinários e intensa pressão dos grandes proprietários rurais são elementos que
levam à subordinação do homem do campo aos interesses do capital.

O estudo do território nos permite compreender as relações de


poder, as ideologias espaciais, as urbanidades, as novas ruralidades
e o destaque do papel político e econômico do camponês, por sua
força de resistência e por garantir o direito de destinar o território
para suas formas tradicionais de produção.

A expulsão e o aproveitamento da mão de obra camponesa


do campo em outros setores da economia são resultantes da
privatização e da fragmentação da terra, segundo os interesses e as
estratégias do mercado fundiário e agroexportador. Segundo Marx,

Pela natureza móvel que a terra aqui assume enquanto mera


mercadoria crescem as mudanças de posse, de tal modo
que, a cada nova geração, com cada partilha, a terra, do
ponto de vista camponês, entra de novo como investimento de
capital, isto é, que se torna terra comprada por ele (MARX,
1986, p. 262).

107
Geografia Agrária

O capital e as possibilidades lucrativas do agronegócio


acarretam uma forte concorrência entre os próprios latifundiários
que veem na expansão de suas terras a possibilidade de aumentar
sua produção e renda. Nesse sentido, a terra se transforma também
numa mercadoria cara e lucrativa para o mercado fundiário.

A mercantilização da terra e o domínio do capital no campo


podem levar à concentração e ao monopólio das grandes propriedades.
O que se percebe nessa situação é um processo de aglutinamento das
pequenas propriedades privadas e daquelas próximas às grandes
propriedades. O isolamento espacial e econômico de algumas
pequenas propriedades que tentam resistir a esse processo resultam,
muitas vezes, no enfraquecimento e na dificuldade de produção e
comercialização de seus produtos, tornando-se inviáveis perante a
forte concorrência do mercado capitalista.

Nesse contexto, constata-se a concentração fundiária, o


empobrecimento dos produtores camponeses e sua expulsão da
terra. Nesse sentido, Marx salienta a seguinte situação:

Exatamente nessa forma, em que o preço do solo entra para o


camponês como um elemento nos custos efetivos de produção,
à medida que, com o posterior desenvolvimento, no caso de
trocas constantes de dono, seja de toda a propriedade, seja
de suas partes integrantes, o solo é comprado pelo próprio
lavrador, em grande parte mediante empréstimos de dinheiro
contra hipoteca [...] (MARX, 1986, p. 260).

Constata-se, dessa forma, que a concentração fundiária,


aliada ao processo de ociosidade decorrente da dinâmica do
mercado fundiário e da mercantilização da terra tem afetado as
condições materiais mínimas de subsistência e de reprodução
produtiva camponesa, tornando os trabalhadores da terra ainda
mais subordinados à lógica do capital.

108
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

Atende aos objetivos 1 e 2

Analise a Figura 13.2, observando:

a) As regiões brasileiras onde houve um maior crescimento do preço da terra no período


em destaque;

b) Relacione esse resultado com a territorialização produtiva dessas regiões, ou seja, áreas
de grandes latifúndios, áreas de agroindústria ou áreas de pequenos e médios produtores.

Figura 13.2: Valorização das terras de lavouras nos anos de 2000


a 2006 em alguns estados brasileiros.
Fonte: GASQUES, 2008; BASTOS; ALDES, 2008.

Após esse breve estudo, elabore um texto analítico que indique sua conclusão sobre a
propriedade da terra e sua mercantilização.

109
Geografia Agrária

Resposta comentada
A figura em questão apresenta alguns resultados interessantes. Alguns estados apresentaram
taxas de preço de suas terras superiores à média brasileira, indicando um possível processo
de especulação. É o caso de Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina e Tocantins. Se
relacionarmos rapidamente esse resultado com a estrutura fundiária existente nesses estados,
constatamos que latifúndios voltados à exportação, como MT e TO, bem como médias e
grandes propriedades voltadas à agroindústria (MG e SC), são os que apresentam uma maior
valorização e mercantilização da terra.

Capitalismo e renda da terra

A expansão do capital, tanto na cidade como no campo, leva,


segundo Martins, “a tomar conta progressivamente de todos os ramos
e setores da produção, no campo e na cidade, na agricultura e na
indústria” (1983, p.152).

Como você sabe, após o final do século XIX e, sobretudo, no


século XX, o capitalismo monopolista e concentrador acarretou um
processo de sujeição da terra camponesa ao capital, transformando
a renda da terra em renda capitalizada. A sujeição dos camponeses
às “regras” do capital é extraída por meio dos seus produtos e de
seu trabalho familiar, deixando-o com a posse da terra.

110
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

Neste caso, observa-se que o capital se apropria da terra sem


haver necessidade de deter a posse desta, ou seja, a produção do
capital não é realizada por uma via estritamente capitalista (uma
vez que o camponês mantém sua forma produtiva, mas se sujeita
aos ditames do capitalismo).

A renda da terra é uma categoria analítica da economia


política, usada para demonstrar o lucro extraordinário (fração
apropriada pelo capitalista acima do lucro médio, um lucro
suplementar) e permanente. A renda da terra pode ser medida e
analisada tanto no campo como na cidade.

Segundo Reis (2013), na indústria ele é circunstancial, devido


ao avanço tecnológico, que pode ser apropriado pelos demais
capitalistas no decorrer do tempo, não tendo uma maior vantagem
sobre os demais atores capitalistas. Na agricultura, porém, ele é
permanente devido ao fato de existirem diferenças nos instrumentos
de produção – a terra –, que não é equivalente para todos os
proprietários; por exemplo, as diferenças entre a fertilidade natural
dos diversos tipos de solos.

A renda da terra (outras denominações, como renda


territorial ou renda fundiária) é o lucro extraordinário permanente
e um produto do trabalho excedente. A análise marxista define o
trabalho excedente como a parcela do processo de trabalho que
o capitalista subtrai do trabalhador, deixando com o trabalhador
apenas uma pequena parcela para adquirir os meios necessários
para a reprodução.

A renda da terra na sociedade capitalista pode ser resultante


da concorrência (renda da terra diferencial); do mercado (renda da
terra absoluta); ou ainda a renda de monopólio, que é também lucro
adicional, derivado de um preço de monopólio de certa mercadoria
produzida em uma parte da terra “dotada de qualidades especiais”
(REIS, 2013).

A renda da terra diferencial se expressa sob duas formas: a


renda diferencial I e a renda diferencial II. A renda diferencial I não

111
Geografia Agrária

depende de aplicação de capital especificamente na produção,


enquanto a renda diferencial II resulta diretamente da aplicação de
capitais para melhorar a qualidade natural do solo para sua produção.

Três pesquisadores foram fundamentais para


se construir a Teoria de Renda da Terra: Adam
Smith, Thomas Malthus e David Ricardo.
Adam Smith desenvolveu a teoria do liberalismo
econômico, segundo o qual o Estado deve obede-
cer ao princípio da separação de poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário); o regime seria representativo
e parlamentar; o Estado se submeteria ao direito,
que garantiria ao indivíduo direitos e liberdades in-
alienáveis, especialmente o direito de propriedade, e a
terra consistiria num elemento para garantir a riqueza.
Thomas Malthus construiu uma teoria após a
observação do crescimento da população no mundo.
Para Malthus, a produção de alimentos crescia em
progressão aritmética e a população, em progressão
geométrica. Este descompasso causaria uma demanda
pela terra, elevando seu valor.
David Ricardo, utilizando as teorias de Mathus,
propôs duas hipóteses:
1. a terra era diferente em sua fertilidade e todas as
terras poderiam ser ordenadas, da mais fértil para a
menos fértil;
2. a concorrência sempre igualava a taxa de lucro
dos fazendeiros capitalistas que arrendassem terras
dos proprietários.
Assim, Ricardo estabelece a Lei da Renda Fundiária,
segundo a qual os produtos das terras férteis são pro-
duzidos a custo menor, mas vendidos ao mesmo preço

112
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

dos demais, proporcionando a seus proprietários uma


renda fundiária igual à diferença de produção.
Para ele, o preço da terra era dado em função da pior
terra; desta forma, a melhor terra tinha o maior preço.
Esta diferença é o que ele chama de renda da terra.
Mais tarde, Karl Marx amplia o conceito dado
por Ricardo, diferenciando quatro tipos de renda:
renda absoluta, renda de monopólio e as rendas
diferenciais I e II.
Renda absoluta: era obtida pelo próprio solo, ou seja,
as características físicas (relevo, área, etc.).
Renda de monopólio: era determinada pela condição
única do solo em relação ao mercado (valor). Em am-
bos os casos, o proprietário obtinha a renda.
Renda diferencial I: era determinada pelas caracter-
ísticas naturais do solo que era explorado pelo capi-
talista. Os elementos em destaque eram a fertilidade
e a localização, pois permitiam menores gastos para
produzir por m² a mesma quantidade de produtos que
no pior terreno.
Renda diferencial II: era determinada pela quantidade
de capital investido no solo através de equipamentos
de irrigação, drenagem, etc., acarretando um maior
volume de produção por m².

A renda diferencial I é apropriada por aqueles sujeitos que


detêm a posse das terras mais férteis. Como a produtividade natural
do solo não é equivalente em todos os lugares e o preço de produção
do solo com baixa fertilidade é aquele que determina o preço de
mercado, aqueles que produzem em um solo mais fértil conseguem
medir a renda da terra diferencial I de forma permanente, desde
que esse solo esteja produzindo.

113
Geografia Agrária

Figura 13.3: A fertilidade natural dos solos ao


longo de seu perfil não depende de aplicação
de capital especificamente na produção,
determinando a presença da renda diferencial I.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:
Kashtanovaya _pahotnaya_pochva.jpg

Por exemplo, um produtor de cana-de-açúcar que possui


extensões territoriais em solos dos tipos mais orgânicos e férteis tem
uma produtividade natural, por hectare, superior àquele que tem
solos argilosos ou arenosos.

Nesse sentido, há uma tendência para o capital apropriar as


áreas com melhor fertilidade natural do solo e, ao mesmo tempo, que
estejam próximas dos centros de consumo. Entretanto, essa tendência
pode ser posta de lado se o capital passar a investir no aumento da
fertilidade do solo, utilizando-se fertilizantes e corretivos agrícolas.

Quando a renda da terra aparece decorrente de investimentos,


ela é denominada de renda diferencial II. Segundo Oliveira,

[...] quando provém do aumento da fertilidade decorrente de


investimento de capitais para melhorar a fertilidade natural,
é renda da terra diferencial II. Trata-se, pois, de uma terceira
causa da renda da terra diferencial, mas ao contrário das

114
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

outras, é uma causa eminentemente capitalista, pois se trata


do efeito do investimento de capital (OLIVEIRA, 2007, p. 52).

Figura 13.4: Os investimentos em insumos, como a adubação ou


outras técnicas e custos para garantir a produção, realizados em solos
empobrecidos, gera a renda diferencial II.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cultivo_de_soja.jpg

A renda da terra diferencial II é própria do sistema de


produção capitalista na agricultura – e típica do agronegócio

[...] – pois a renda da terra diferencial II tem sua origem na


intensificação dos investimentos de capitais no processo de
produção, lógica básica do próprio processo de produção
capitalista na agricultura (OLIVEIRA, 2007, p. 52).

A renda da terra absoluta, por sua vez, resulta da posse privada


do solo e da contradição existente entre o interesse do proprietário da
terra e o interesse da sociedade. Origina-se do distanciamento entre
os preços de mercado e os preços de produção, ou seja, provém da
alta do preço de mercado acima do preço de produção.

115
Geografia Agrária

Figura 13.5: A alta de preços de alguns itens agrícolas encontrados, por exemplo,
nas feiras livres ou supermercados pode ser explicada pela renda absoluta, uma vez
que os interesses de comercialização acabam sendo superiores aos da produção.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Feira-livre-de-casa-amarela-recife-1a.jpg

Como define Oliveira, a renda da terra absoluta é o controle


da terra por uma classe social, e a cobrança de uma taxa para que
ela produza.

É dessa forma que o exercício do monopólio de uma classe


ou fração de classe sobre a terra pode só colocá-la para
produzir mediante a cobrança de um tributo, permitindo
assim que mesmo o “pior solo” (que não deveria pagar renda)
possa também auferir a renda da terra absoluta. A renda da
terra absoluta é, pois, obtida mediante a elevação (artificial,
pois ao contrário as terras não são colocadas para produzir
pelos capitalistas) dos preços dos produtos agrícolas acima
do preço de produção geral (que sempre deveria ser o preço
do “pior” solo) (OLIVEIRA, 2007, p. 52).

A renda da terra absoluta só seria extinta com o fim da


propriedade privada da terra, pois, do contrário, a sociedade inteira

116
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

terá de pagar essa tarifa aos proprietários de terras para que as


terras sejam postas para produzir.

Já a renda da terra de monopólio pode ser compreendida


como lucro adicional oriundo do preço do monopólio de uma
mercadoria produzida em um determinado espaço dotado de
“qualidades especiais” (fertilidade, clima, técnicas empregadas). Este
preço de monopólio é, por sua vez, determinado pela vontade e pela
capacidade de pagamento dos consumidores, não dependendo,
portanto, do valor dos produtos (quantidade de trabalho socialmente
necessário para produzir) ou mesmo do preço geral de produção.

João Miranda

Figura 13.6: Vale do Rio Douro – Portugal, região produtora do famoso vinho
do Porto. A uva produzida nesta região permite obter um vinho singular e de alta
qualidade; sua produção reduzida acaba por ocasionar uma renda de monopólio.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rio_douro.jpg

O excedente entre o preço de monopólio e o preço de


produção particular do produto é um lucro suplementar, acima do
lucro médio, que permite a quem produz uma mercadoria especial
medir e analisar a renda da terra de monopólio.

117
Geografia Agrária

Enquanto a renda da terra absoluta se projeta para toda a


sociedade, a renda de monopólio seleciona os que podem pagar
uma fração maior pela qualidade diferencial estabelecida pelos
produtores, conseguindo então auferir a renda de monopólio, como
nos explica Oliveira:

[...] a renda da terra absoluta de certo modo acaba por ser


regulada no mercado em função das pressões sociais; a
renda da terra de monopólio não está praticamente sujeita
a estas pressões, pois, não depende do consumo necessário
da população. Ela não é o produto alimentar básico, apenas
depende do desejo e da capacidade de compra daqueles
que a querem consumir (OLIVEIRA, 2007, p. 58).

A compreensão do conceito de renda da terra é essencial,


tanto para a percepção da realidade agrária como também
do contexto urbano, mas, sobretudo, para desvendar as novas
estratégias de controle do capital no campo, que não mais precisa
ser o proprietário titular da terra, para que se aproprie da riqueza
produzida pelo produtor.

Atende aos objetivos 3 e 4

Relacione as situações apresentadas com os diferentes tipos de renda da terra analisados


nesta aula:

I. Renda diferencial I II. Renda diferencial II

III. Renda absoluta da terra IV. Renda de monopólio

118
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

a) ( ) Os preços de determinados produtos agrícolas praticados por algumas distribuidoras


de alimentos são superiores àqueles praticados pelos produtores rurais.

b) ( ) A alta fertilidade dos solos de terra roxa garantem rendas suplementares com menores
custos de insumos.

c) ( ) A especificidade climática e as excepcionais condições produtivas e técnicas do


Chile o colocam como grande produtor de vinhos do Hemisfério Sul.

d) ( ) A fertilização de solos arenosos ou extremamente argilosos são investimentos


necessários para garantir a produção e o lucro dos proprietários dessas terras.

Resposta comentada
a) III; b) I; c) IV; d) II.
As condições naturais dos solos e da região produtora estão associadas aos tipos diferenciais,
resultando em rendas que não necessitem ou necessitem de investimentos para garantir o lucro
(renda diferencial I e II, respectivamente).
Por outro lado, a renda absoluta garante a renda capitalizada imposta pelo mercado, e não
pela produção propriamente dita. Os diferenciais produtivos e exclusividades de determinados
produtos estão associados à renda de monopólio.

CONCLUSÃO

A terra é o elemento primordial para a produção agropecuária,


e a forma como ela é estruturada, distribuída e apropriada determina
as relações que compõem a questão agrária.

Essa questão está associada à propriedade e à renda da terra.


A concentração e monopolização da terra pelo avanço do capitalismo
no espaço rural vêm acarretando transformações significativas na
dinâmica dessa categoria de espaço. A transformação da terra
em mercadoria, a sujeição dos camponeses à lógica do capital ou

119
Geografia Agrária

mesmo a sua expulsão do campo devem ser consideradas como


uma condição geográfica de base territorial.

A renda da terra, já amplamente analisada por diversos


estudiosos da questão agrária, e em especial na Geografia, por
Ariovaldo Umbelino de Oliveira, explica bem as consequências da
propriedade privada da terra e do direito/concessão de produzir
através dela.

A renda da terra pode ser resultante de trabalho, produto ou


dinheiro que o proprietário cobra de terceiros pela concessão do
direito de produzirem em suas terras. A renda da terra capitalista é
baseada na extração, ou seja, ela é extraída quando o proprietário
se apropria da mais-valia dos trabalhadores empregados na
produção em suas terras; “ela é a sobra acima do lucro [...] é uma
fração da mais-valia” (OLIVEIRA, 2007, p. 43).

A análise geográfica dessa questão colabora para a análise


da complexidade que envolve o espaço rural brasileiro e possibilita
esclarecer as contradições e intencionalidades existentes nas práticas
de mercado e nas atuais políticas públicas de desenvolvimento agrário.

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2, 3 e 4

Pesquise na mídia impressa ou sites de organizações imobiliárias que comercializem as


terras rurais de sua região e faça uma análise sobre o processo especulativo e sua relação
com a estrutura fundiária (pequenos, médios ou grandes proprietários). Da mesma forma,
procure identificar o tipo de renda da terra decorrente da dinâmica socioespacial do espaço
rural de sua região.

Caso você resida em uma área urbana e metropolitana, estude um caso de seu interesse e
pratique essa análise importante para a Geografia.

120
Aula 13 – A propriedade e a renda da terra

Resposta comentada
Seria interessante que você conversasse com algum agente imobiliário ou mesmo com algum
geógrafo da prefeitura acerca do processo evolutivo dos preços das terras de sua região. Essa
evolução seria extremamente valiosa para você identificar o processo de propriedade da terra
e analisar a situação dos agentes ligados à produção agrícola. São camponeses que já se
encontram sujeitos às regras do capital? Observam-se movimentos sociais de resistência em sua
região? Ou a apropriação extensiva do capital impera nesses espaços rurais?
O mesmo pode ser feito em relação à renda da terra. Identifique os principais produtos agrícolas
de sua região e tente conversar com os principais produtores ou associações de produtores
rurais para identificar o tipo de renda da terra observado nessa região.

RESUMO

• A expansão do capitalismo no espaço agrário brasileiro implica


naturalmente a monopolização e a territorialização da terra pelo
capital, ou seja, podemos afirmar que ocorre uma subordinação
e sujeição de processos produtivos diversos existentes no campo.

121
Geografia Agrária

• A categoria de análise geográfica territorial nos ajuda a


compreender os fenômenos de repressão política e econômica,
da expansão e mercantilização de terras para o agronegócio e
a resistência de grupos sociais à apropriação orquestrada pelo
capitalismo por meio dos movimentos sociais.

• A concentração fundiária, aliada ao processo de ociosidade


decorrente da dinâmica do mercado fundiário e da mercantilização
da terra, tem afetado as condições materiais mínimas de subsistência
e de reprodução produtiva camponesa, tornando os trabalhadores
da terra ainda mais subordinados à lógica do capital.

• A renda da terra é uma categoria analítica da economia política,


usada para demonstrar o lucro extraordinário (fração apropriada
pelo capitalista acima do lucro médio, um lucro suplementar) e
permanente. A renda da terra pode ser medida e analisada tanto
no campo como na cidade.

• A renda da terra na sociedade capitalista pode ser resultante


da concorrência (renda da terra diferencial); do mercado (renda
da terra absoluta); ou ainda a renda de monopólio, que é
também lucro adicional, derivado de um preço de monopólio de
certa mercadoria produzida em uma parte da terra “dotada de
qualidades especiais”.

122
aula 14
as reformas
agrárias com meio
de reorganização
do espaço agrário
Aline Sá
Geografia Agrária

Meta da aula

Apresentar as bases teóricas acerca do conceito e das ações que envolvem a reforma
agrária, de forma a compreender sua importância como meio de reorganização do
espaço agrário.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. reconhecer o conceito de reforma agrária;


2. analisar o processo de reforma agrária implantado em alguns países;
3. identificar os movimentos sociais que lideram os processos de reivindicação da
reforma agrária no Brasil;
4. reconhecer o processo de reforma agrária desenvolvido no Brasil.

124
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

INTRODUÇÃO

Você deve se perguntar como um país tão extenso e


diversificado como o Brasil ainda possui problemas de concentração
de terras e pressão sobre os grupos sociais ligados ao campo.

Ao detectarmos a desigualdade socioespacial que envolve o


acesso à terra e sua produção nos deparamos com uma questão quase
unânime no Brasil: a necessidade da reforma agrária. Hoje, observamos
uma série de transformações no campo, como, por exemplo, a
agricultura familiar e o turismo rural em pequenas propriedades.

Tais exemplos são considerados como reforma agrária? Se


não, como devemos compreender o processo de reforma agrária?
Alguns exemplos referenciais nos mostram quão difíceis e dolorosos
podem ser o processo de redistribuição de terras e o confronto com
os grupos hegemônicos capitalistas.

Analisar o processo de reforma agrária é de extrema importância


para o geógrafo compreender a organização do espaço rural brasileiro,
sua lógica estrutural, bem como os interesses e a concentração de
demandas sociais pelo direito à terra e à sua produção.

Vamos então começar a nossa aula detalhando o termo


reforma agrária.

Afinal, o que vem a ser reforma agrária?

De acordo com o “senso comum” e alguns veículos de


comunicação, de certa forma limitados por seu conteúdo engessado,
reduzido ou até mesmo parcial, tem-se que a reforma agrária é a
modificação na estrutura agrária de um determinado país ou região
e/ou um processo de redistribuição de terras, objetivando uma
divisão mais justa da terra e da renda gerada por esta.

125
Geografia Agrária

Por ora, é importante que se compreenda a diferença entre


reforma agrária e transformações agrárias.

Às mudanças na estrutura agrária a que nos referimos


anteriormente, que podem ser naturais ou impostas, seja pela
condução do sistema econômico vigente ou pela imposição do
crescimento econômico e, muitas vezes, por consequência destes
dois primeiros fatores, podemos acrescentar também períodos de
crise. É o que chamamos de mudanças ou transformações agrárias.

Já a reforma agrária é uma ação projetada para adequar a


estrutura agrária de maneira a corrigir a disparidade social; mas
este conceito será mais bem fundamentado ao longo desta aula.

De acordo com José Eli da Veiga, em seu livro O que é reforma


agrária, a reforma agrária não acontece por uma decisão repentina
de alguém ou alguma equipe governamental, “[...] ela é sempre
o resultado de pressões sociais contrárias e, ao mesmo tempo, é
limitada por essas mesmas pressões” (1981, p. 8).

Em outras palavras, são os camponeses, os assalariados


agrícolas ou os exilados da terra que buscam uma igualdade na
distribuição de terras. Porém, para que ela aconteça é preciso que os
grandes proprietários fundiários comunguem desta mesma iniciativa,
bem como a conduta política da região ou país, ou seja, a reforma
agrária “depende diretamente da evolução da conjuntura política
do país” (VEIGA, 1981, p. 9).

Após a Segunda Guerra Mundial, a reforma agrária se tornou


um dos assuntos de maior importância na pauta de diretrizes de
muitos países que desenhavam estratégias de desenvolvimento
econômico. A partir das décadas de 1960 e 1970, organizações
internacionais como a ONU, a FAO e o Banco Mundial passaram
a incentivar a realização da reforma agrária, principalmente nos
países subdesenvolvidos. O caso brasileiro é fundamentado pelo
Estatuto da Terra, de 1964, ainda no 1º parágrafo, do 1º artigo do
capítulo 1, a ver:

126
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

§ 1° Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas


que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante
modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender
aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.

Organização das Nações Unidas (ONU)

Figura 14.1: Bandeira da ONU.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:
Flag_of_the_United_Nations.svg

É uma organização internacional cujo objetivo decla-


rado é facilitar a cooperação em matéria de direito
internacional, segurança internacional, desenvolvi-
mento econômico, progresso social, direitos humanos
e a realização da paz mundial. A ONU foi fundada
em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, para
substituir a Liga das Nações, com o objetivo de deter
a guerra entre países e para fornecer uma plataforma
para o diálogo. Ela contém várias organizações subsi-
diárias para realizar suas missões.

127
Geografia Agrária

Organização das Nações Unidas para Alimen-


tação e Agricultura (FAO)

Fonte: http://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:FAO_logo.svg – FAO

Criada em 16 de outubro de 1945, a Organização


das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO) atua como um fórum neutro, onde todos os pa-
íses, desenvolvidos e em desenvolvimento, se reúnem
em igualdade para negociar acordos, debater políti-
cas e impulsionar iniciativas estratégicas.
Atualmente a FAO tem 191 países membros, mais a
Comunidade Europeia. A rede mundial compreende
cinco oficinas regionais e 78 escritórios nacionais. A
FAO lidera os esforços internacionais de erradicação
da fome e da insegurança alimentar.
Desde sua fundação, a FAO tem dado atenção espe-
cial ao desenvolvimento das áreas rurais, onde vivem
70% das populações de baixa renda, e que ainda
passam fome.
A FAO também é fonte de conhecimento e informa-
ção. Ela ajuda os países a aperfeiçoar e modernizar
suas atividades agrícolas, florestais e pesqueiras, para
assegurar uma boa nutrição a todos e o desenvolvi-
mento agrícola e rural sustentável. A sede da FAO
se encontra em Roma, Itália. O escritório da FAO no
Brasil foi criado em novembro de 1979. O acordo

128
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

foi assinado em Roma, entre o governo da República


Federativa do Brasil, pelo ministro do Ministério da
Agricultura, Ângelo Amaury Stabile, e pelo diretor-
-geral da FAO, Edouard Saouma. O acordo estabe-
leceu as normas do funcionamento do escritório da
FAO no Brasil.
A FAO trabalha no combate à fome e à pobreza,
promove o desenvolvimento agrícola, a melhoria da
nutrição, a busca da segurança alimentar e o acesso
das pessoas, em todos os momentos, aos alimentos ne-
cessários para uma vida saudável. Reforça a agricul-
tura e o desenvolvimento sustentável, como estratégia
a longo prazo, para aumentar a produção e o acesso
de todos aos alimentos, ao mesmo tempo em que
preserva os recursos naturais.

Banco Mundial
Shiny Things

Figura 14.2: Sede do Banco Mundial –


Washington, DC – EUA.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:World_
Bank_building_at_Washington.jpg.

129
Geografia Agrária

O Banco Mundial é uma instituição financeira inter-


nacional que fornece empréstimos para países em
desenvolvimento em programas de capital. O banco
é composto por duas instituições: Banco Internacional
para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e Associa-
ção Internacional de Desenvolvimento (AID). O Grupo
Banco Mundial abrange estas duas instituições e mais
três: a Sociedade Financeira Internacional (SFI), a
Agência Multilateral de Garantia de Investimentos
(Miga) e o Centro Internacional para Arbitragem de
Disputas sobre Investimentos (Ciadi).
Para os mais pobres países em desenvolvimento do
mundo, os planos de assistência do banco são basea-
dos em estratégias de redução da pobreza, combi-
nando uma mistura de grupos locais com uma extensa
análise da situação financeira e econômica do país.
O Banco Mundial desenvolve uma estratégia exclusi-
vamente para o país em questão. O governo então
identifica as prioridades do país e as metas para a
redução da pobreza, enquanto o Banco Mundial
alinha os seus esforços de ajuda.
Quarenta e cinco países se comprometeram a destinar
25,1 bilhões de dólares em “ajuda para os países
mais pobres do mundo”, ajuda que vai para a Associa-
ção Internacional de Desenvolvimento (IDA), do Banco
Mundial, que distribui os empréstimos a 80 países
pobres. Enquanto as nações mais ricas, por vezes,
financiam seus projetos de ajuda próprios, incluindo
aqueles para doenças, e embora a IDA seja alvo de
muitas críticas, Robert B. Zoellick, presidente do Banco
Mundial, disse que, quando os empréstimos foram
anunciados em 15 de dezembro de 2007, o dinheiro
da IDA “é o financiamento de base do qual os mais
pobres países em desenvolvimento dependem”.

130
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

O maior impedimento do acesso à terra é a concentração


fundiária das chamadas oligarquias (um pequeno número de famílias
com alto poder aquisitivo e político). Esses grandes proprietários não
necessariamente trabalham em suas terras a fim de produzir, mas
utilizam suas propriedades com fins meramente especulativos. Em
outras palavras, a produção de suas terras é pequena ou inexistente e
seu objetivo é a valorização da propriedade que advém da abertura
de estradas, da chegada da eletricidade, da construção de açudes
e demais obras públicas.

A estrutura fundiária brasileira, segundo o Censo 2006 e a


leitura do jornal eletrônico A Nova Democracia, se mostra de forma
bastante heterogênea, como é possível observar no gráfico a seguir:

Figura 14.3: O campo no Brasil (valores expressos em milhões de hectares. * 99%


das propriedades, aproximadamente 6 milhões, ocupam 52% das terras, enquanto
** 1% das propriedades, aproximadamente 55 mil, ocupam 48% das terras).
Fonte: PAULA, 2009.

Esta é uma característica bastante comum dos países


subdesenvolvidos, onde os latifúndios se constituíram na época
colonial e essa formação econômica favoreceu o domínio das terras
sob a posse de poucas famílias (heterogeneidade estrutural).

131
Geografia Agrária

Existem várias formas de se realizar a reforma agrária. O que


se deve ter em mente a princípio é que, quaisquer que seja a maneira,
a reforma agrária consiste numa ação planejada para transferir a
propriedade de terra de um grupo social para outro. Consideram-se
Valor venal
determinados critérios para a desapropriação de terras, bem como
O valor venal é uma
estimativa que o Poder para “distribuir” para os futuros beneficiários.
Público realiza sobre o
Os critérios de desapropriação são baseados, de uma
preço de determinados
bens. Sua finalidade
maneira geral, em propriedades que ultrapassam uma determinada
principal é servir como área máxima estabelecida na proposta e, assim, são passíveis de
base de cálculo de desapropriação. Os critérios qualitativos, que podem ser conjugados
certos impostos e,
ao tamanho da propriedade, também são amplamente utilizados.
em alguns casos, de
emolumentos judiciais/ As propriedades que subutilizam sua área agricultável, ou seja,
administrativos. Para propriedades pouco produtivas estão sujeitas à desapropriação.
sua quantificação são
utilizados critérios De acordo com o Estatuto da Terra e na interpretação de José
objetivos estabelecidos Eli da Veiga, as propriedades mais propícias à desapropriação são
em lei, que variam
os latifúndios. No entanto, algumas regras foram estabelecidas a fim
segundo o tempo e o
lugar em que o bem se
de que a União intervenha em determinadas propriedades como:
encontra, e segundo o • quaisquer áreas beneficiadas por obras públicas ou de vulto;
seu gênero e espécie.
Tratando-se de bens • áreas cujos proprietários não conservem os recursos naturais;
imóveis, o valor venal
é calculado levando • áreas destinadas à colonização;
em conta o preço que
• áreas com elevada incidência de arrendatários, parceiros e
a unidade imobiliária
alcançaria em uma
posseiros;
operação de compra
• áreas cujo uso atual não seja adequado à sua vocação;
e venda simples,
considerando a função • casualmente, minifúndios que serviriam para aglutinar outras
da área da edificação,
terras desapropriadas.
as características
do imóvel (idade, Além da desapropriação é preciso que se compreenda a
posição, tipologia), compensação pela desapropriação. Raros são os casos no mundo
sua utilização
de confisco sumário, ou seja, apreensão da terra sem compensação.
(residencial ou não)
e seu respectivo valor Na maioria dos casos, os proprietários são indenizados de acordo
unitário padrão (valor com o valor venal das terras.
do metro quadrado
dos imóveis no Ainda com Veiga, tem-se um breve resumo das modalidades
logradouro). de avaliação do preço da terra para efeito de indenização:

132
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

a) toma-se como base o preço da terra que vigora nas


transações imobiliárias da região. É o método que mais
interessa, evidentemente, aos proprietários fundiários.
Quando este princípio se impõe, ele pode se transformar numa
poderosa arma nas mãos dos latifundiários para inviabilizar a
reforma. Foi o que aconteceu nas Filipinas, onde o processo
estancou por falta de recursos financeiros;

b) a maneira mais frequente de contornar esse obstáculo


é calcular o valor da indenização sobre a base do valor
declarado pelos proprietários para fins fiscais. Como tal
valor é sistematicamente subestimado, o expediente barateia
a reforma. Por isso é o método mais utilizado nas reformas
contemporâneas;

c) quando a força organizada dos camponeses é grande,


pode haver participação direta de suas entidades de
classe na avaliação do preço da terra. No Chile, quando
a Unidade Popular chegou ao governo, um dos principais
dispositivos adotados para modificar a lei de reforma agrária
promulgada pela Democracia Cristã foi a institucionalização
da participação dos trabalhadores rurais na avaliação das
terras desapropriadas (1981, p. 27-28).

Assim que os latifúndios são desapropriados, as terras passam


para o controle do Estado e o repasse aos beneficiários pode ser
feito de diversas maneiras.

Ao contrário do que muitos pensam, quase nunca se tem


doação de terras pela reforma agrária. Seja o repasse para
pequenos produtores, seja para fazendas coletivas, paga-se ao
Estado um valor equivalente àquele pago pela terra desapropriada
de forma facilitada aos beneficiários.

São pouquíssimos os exemplos de reforma agrária em que


as terras foram distribuídas gratuitamente, como na Bolívia e na
Venezuela (com as rendas petrolíferas), e em alguns momentos da
reforma agrária no México. No caso mais comum, como no Brasil,

133
Geografia Agrária

os camponeses beneficiados detêm a propriedade da terra, em que


também se observa com grande frequência o direito ao usufruto
perpétuo, mas são impedidos de vender ou alugar a propriedade.

É importante enfatizar que reforma agrária não é só a


promoção de uma melhor distribuição de terras, ela também visa
proporcionar condições de trabalho ao assentado.

De acordo com o I PNRA (Plano Nacional de Reforma


Agrária), além da reestruturação agrária, o Estatuto da Terra prevê
a promoção de políticas agrícolas que devem ser entendidas como

o conjunto de providências de amparo à produção


agropecuária através de mecanismos como crédito, seguro
agrícola, preços mínimos, geração e difusão de tecnologia,
sistemas de escoamento, de eletrificação e de comercialização
da produção (I PNRA, 1985, p. 12).

O II PNRA, no entanto, visa garantir mais do que o acesso


à terra. “Prevê ações para que estes homens e mulheres possam
produzir, gerar renda e ter acesso aos demais direitos fundamentais,
como Saúde e Educação, Energia e Saneamento” (II PNRA, 2005,
p. 5). E a proposta segue com a sugestão de recuperação dos
antigos assentamentos e a implantação de novos assentados
com a segurança do suporte assistencial técnico e do acesso às
tecnologias apropriadas, objetivando-se a produção de acordo com
as potencialidades regionais e especificidades de cada bioma. A
produção e a comercialização serão desenvolvidas de forma que
se integre a produção dos assentados às possibilidades econômicas
de cada local, proporcionando uma estrutura sólida que tem como
finalidade o desenvolvimento territorial.

134
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

Atende ao objetivo 1

Assinale as alternativas corretas em relação ao conceito e às características da reforma


agrária:

1. Em relação ao conceito de reforma, compreendemos que:

a) ( ) a reforma agrária é um processo natural de transformações no campo, mediante


uma consciência social de distribuição das terras e manutenção dos grupos sociais no
espaço rural;

b) ( ) é o confisco involuntário de terras improdutivas ou demasiadamente extensas para


sua redistribuição a grupos sociais que queiram produzir e se fixar no campo;

c) ( ) é uma ação política, planejada e ordenada para adequar a estrutura agrária presente no
território e possibilitar o acesso mais igualitário à produção e minimizar a disparidade social.

2. Como forma de distribuição das terras, a reforma agrária prevê, na grande maioria
das vezes:

a) ( ) o confisco direto das terras passíveis de redistribuição;

b) ( ) a desapropriação de terras consideradas adequadas ao projeto de reforma agrária;

c) ( ) a concessão geral e voluntária por parte dos proprietários.

3. Como critérios de desapropriação das terras passíveis de reforma agrária destacam-se:

a) ( ) áreas extensas, acima dos índices máximos estabelecidos no programa de reforma


agrária;

b) ( ) áreas de alto valor cênico para bom usufruto dos novos produtores;

c) ( ) áreas extensas não improdutivas;

d) ( ) áreas próximas à cidade e infraestrutura urbana.

135
Geografia Agrária

Resposta comentada
Devemos nos atentar para o fato de que a reforma agrária deve ser uma ação planejada e
coerente, mediante um processo político social que envolva todas as partes interessadas, ou seja,
o Estado, os proprietários e os grupos sociais rurais. As áreas que se enquadram no processo
de redistribuição são desapropriadas, ou seja, os proprietários recebem indenização do Estado
e os critérios normalmente envolvidos na desapropriação são a extensão da propriedade e a
presença de áreas improdutivas.

As reformas agrárias no mundo

México

Parece óbvio, mas é importante enfatizar que uma revolução só


acontece diante de um grande descontentamento da população (ou
parte dela). A revolução mexicana tem seu início ainda em tempos
de colônia da Espanha quando, para a exploração da mão de obra
indígena, os colonizadores introduziram o sistema das haciendas
(grandes propriedades), que coexistiram com inúmeras comunidades
indígenas autônomas.

A independência iniciada nos primeiros anos do século


XIX consolidou a oligarquia latifundiária no poder, ratificando a
dominação dos grandes senhores sobre a população. No entanto, a
expansão da grande propriedade de terra acendeu reações violentas
das populações indígenas.

136
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

Figura 14.4: Colagem contendo várias imagens da Revolução Mexicana.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Collage_revoluci%C3%B3n_mexicana.jpg

Diferentes forças camponesas se mostraram descontentes, já


no início do século XX, quando Emiliano Zapata se tornou líder de
um dos muitos exércitos revolucionários desta época. Zapata lançou
o Plan d’Ayala, um programa de reforma agrária que se tornou
plataforma política do movimento camponês. Seu objetivo principal
era recuperar, da população local, a posse das terras das quais a
oligarquia latifundiária havia se apoderado, ou seja, desapropriar

137
Geografia Agrária

os latifúndios (através do confisco da terra ou do pagamento de um


terço do valor estimado) e disponibilizá-los para a reforma agrária;
da seguinte forma, como esclarece Veiga:

O limite de área das propriedades agrícolas foi fixado em


100 hectares de terra úmida ou irrigada, ou seu equivalente
em outras categorias de solo. Os lotes seriam distribuídos
de forma privada ou comunitária, mas os beneficiários não
teriam o direito de alugá-los, vendê-los ou entregá-los em
parceria [...].

A partir daí, a reforma agrária evoluiu de forma bastante


irregular, refletindo diretamente avanços e recuos da luta de
classes (1981, p. 42).

Ainda que a reforma tenha passado por momentos de recuos,


pode-se observar a desapropriação de cerca de 70 milhões de
hectares de terra, o que representa 34% da área agricultável do
México, o que proporcionou o acesso à terra a quase três milhões
de famílias.

Rússia

As lutas camponesas na Rússia, assim como no México, também


eclodiram durante o século XIX, quando levantes agrários se dirigiram
contra o poder dos czares. Conquistou-se a abolição da servidão, mas
o regime feudal pouco se alterou: o acesso à propriedade privada
era inexistente e a “liberdade” se converteu em pagamentos em cima
da renda de produtos daqueles que detinham terras.

A Primeira Guerra Mundial contou com cerca de 13 milhões de


camponeses no exército russo, contra um pouco mais de um milhão
de não camponeses. A classe, consequentemente, foi massacrada,
bem como a produção de alimentos do ainda Estado-nação. Em 8
de março de 1917, um grupo de camponesas e operárias saiu em
passeata pela capital, levando a uma greve geral. O povo invadiu
as ruas da capital exigindo basicamente pão. As tropas do czar,

138
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

diante das reivindicações do povo, não reprimiram o levante e muitos


deles se juntaram aos revoltosos.

Os intensos protestos da população culminaram em um forte


movimento revolucionário conhecido como Revolução Bolchevique
(Outubro de 1917). Os bolcheviques, comandados pelo líder
Vladimir Lênin, fizeram com que a Rússia se retirasse da Primeira
Grande Guerra e voltasse as suas atenções para o combate à miséria
e a desigualdade social no país. Entre as principais mudanças,
pode-se destacar a estatização de todos os meios de produção e
a abolição da propriedade privada da terra (Lei agrária de 26 de
outubro de 1917, II Congresso dos Sovietes). Esta mesma lei, cancela
as dívidas de arrendamento e autoriza a ocupação dos latifúndios
pelos camponeses, através de comissões locais. Com destaque pra
a análise de Veiga:

Em pouco tempo, 150 milhões de hectares até então pertencentes


à nobreza, à família imperial, à Igreja e à burguesia, passaram
para o controle dos camponeses. Ao mesmo tempo, 2,5
milhões de hectares foram atribuídos às fazendas de Estado
chamadas sovkhozes. A partilha realizada pelos comitês
agrários beneficiou 3 milhões de famílias de lavradores sem
terra permitindo, ao mesmo tempo, que os minifundiários
aumentassem as suas terras (VEIGA, 1981, p. 46).

Cuba

A América Latina, de maneira geral, foi considerada um


laboratório para a realização de reformas agrárias. Por ora, destaca-
se a reforma agrária realizada pelo governo cubano que, no mesmo
ano, passou por uma grande revolução no plano político econômico.

Em 1º de janeiro de 1959, o ditador Fulgencio Batista é


derrubado pelo movimento liderado por Fidel Castro e, a partir de
então, uma série de programas socioeconômicos foram elaborados
a fim de se reestruturar o país. Implantou-se, em todos os setores,

139
Geografia Agrária

a ideologia comunista que contou com o apoio da antiga União


Soviética. No mesmo ano, têm início as primeiras reformas, inclusive
a reforma agrária, institucionalizada em 19 de maio de 1959 (A
1ª Lei de Reforma Agrária), que determinava a desapropriação de
fazendas com mais de 405 hectares, salvo aquelas que apresentavam
elevada produtividade (VEIGA, 1981).

Figura 14.5: Fidel Castro e Che


Guevara (da direita para a esquerda),
líderes da Revolução Cubana.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro: CheyFidel.jpg

Com o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, em


1960, uma nova lei é promulgada a fim de desapropriar empresas
estadunidenses, entre as quais estavam 61 grandes usinas de açúcar
e seus canaviais, que totalizavam 1.260.000 hectares de terras.
Grandes proprietários, neste mesmo ano, sabotavam a política do
governo cubano, o que o levou a decidir pela nacionalização das
grandes empresas do país e mais 900.000 hectares foram atingidos
pela reforma agrária.

As atribuições das terras foram realizadas de maneiras


distintas, em resumo:

• parte dos canaviais e das usinas se transformou em empresas


estatais, administradas por técnicos nomeados pelo Instituto
Nacional de Reforma Agrária;

140
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

• muitos canaviais transformaram-se em cooperativas e, pouco


tempo depois, tornaram-se fazendas do Estado.

• Com tais exemplos referenciais de reforma agrária realizadas


no século XX, podemos analisar o processo de reforma agrária
realizado no Brasil.

Atende ao objetivo 2

Por meio dos exemplos referenciais de reforma agrária analisados nesta aula, complete a
tabela a seguir:

Ação política que


Características da
País gerou a reforma Líder
reforma agrária
agrária

México (a) (b) (c)

Rússia (a) (c) (c)

Cuba (a) (b) (c)

Resposta comentada
México:
(a) Revolução Mexicana
(b) Emiliano Zapata
(c) Áreas limites de 100 hectares distribuídos de forma privada ou comunitária, mas os
beneficiários não teriam o direito de alugá-los, vendê-los ou entregá-los em parceria.
Rússia:
(a) Revolução Bolchevique
(b) Vladimir Lênin
(c) Ocupação das terras da nobreza e de grandes proprietários e 2,5 milhões de hectares
foram atribuídos às fazendas de Estado chamadas sovkhozes para usufruto dos camponeses.

141
Geografia Agrária

Cuba:
(a) Revolução Cubana
(b) Fidel Castro
(c) Nacionalização das grandes empresas do país e mais 900.000 hectares foram atingidos
pela reforma agrária, tornando-se fazendas estatais.
Observa-se com tais exemplos que as reformas agrárias realizadas nesses países foram resultado
de revoluções violentas lideradas pela esquerda oposicionista. Nos casos, a aquisição das
terras para serem redistribuídas foram ocupadas e confiscadas de seus proprietários e, no caso
da Rússia e de Cuba, tornaram-se estatais.

A reforma agrária no Brasil

Não é possível entender os processos da reforma agrária


no Brasil sem que se analisem as entidades que representam os
maiores beneficiários da reforma: os trabalhadores rurais. Sob a
compreensão de Veiga, sobre o movimento sindical no campo, é
de grande importância destacar que:

A organização sindical é bem mais recente no campo do que


nas cidades. Suas origens remontam ao período da II Guerra Mundial.
Num momento de forte expansão da fronteira agrícola em que se
intensificava a grilagem e a consequente usurpação das posses,
começam a aparecer também os primeiros sinais do movimento de
expulsão dos moradores e colonos das grandes plantações. Nesses
conflitos nascem os primeiros embriões de uma organização sindical
dos trabalhadores agrícolas. Logo esbarram, entretanto, no obstáculo
de uma legislação ultradiscricionária que os impedia de obter cartas
sindicais. A saída encontrada foi a de formar Associação apoiadas
no Código Civil. E assim se constituem, na década de 50, as Ligas
Camponesas, as Associações de lavradores e Trabalhadores Agrícolas
e o MASTER, Movimento dos Agricultores Sem Terra (1981, p. 72-73).

142
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

Dos grupos mencionados por Veiga em seu trabalho,


a reivindicação principal era a reforma agrária, apesar das
perspectivas diferenciadas sobre o mesmo processo. No entanto,
buscou-se a união dos três grupos em prol de um objetivo central que
culminou no Congresso Unitário, em Belo Horizonte, em novembro
de 1961, e que resultou na declaração a seguir:

A fim de superar a atual situação de subdesenvolvimento


crônico, de profunda instabilidade, econômica, política e social, e,
sobretudo para deter a miséria e a fome crescentes e elevar o baixo
nível do povo em geral e melhorar as insuportáveis condições de vida
e trabalho a que estão submetidos os camponeses, torna-se cada
vez mais urgente a imperiosa necessidade da realização de uma
reforma agrária que modifique radicalmente a atual estrutura agrária
e as relações sociais imperantes no campo. A reforma agrária não
poderá ter êxito se não partir da ruptura imediata e da mais completa
liquidação do monopólio da terra exercido pelas forças retrógradas
do latifúndio e consequente estabelecimento do livre e fácil acesso à
terra dos que a queiram trabalhar (VEIGA, 1981, p. 73-74).

A Comissão Pastoral da Terra foi fundada em 1975, em pleno


exercício da ditadura militar, com o objetivo de tornar a situação
dos trabalhadores rurais e posseiros mais visível. A articulação com
a Igreja se deu devido à repressão sofrida por agentes pastorais
e lideranças populares e, sobretudo, pela influência da Igreja nos
planos político e cultural.

O foco principal da CPT é definir os rumos do homem do


campo, bem como seus objetivos e metas. Sua ação é acompanhada
pela defesa dos direitos humanos e pelo entendimento de que cada
região apresenta demandas distintas e que é preciso respeitar as
diferentes realidades das regiões brasileiras.

O MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, foi


fundado no ano de 1984, em Cascavel – Paraná, por centenas de
trabalhadores rurais que tinham como objetivo principal organizar
um movimento social camponês que lutasse pela reforma agrária e
pelas transformações necessárias ao campo, de uma maneira geral.

143
Geografia Agrária

De acordo com os participantes, o MST foi criado baseado nas


lutas dos indígenas contra a mercantilização e apropriação da mão
de obra e pela posse de suas terras, pela resistência dos quilombos,
pela experiência e lutas das Ligas Camponesas, do Master, entre
outros. O MST se descreve como uma continuidade de todos esses
grupos que lutaram e ainda lutam por um país mais democrático.

Editorial J
Figura 14.6: Bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Fonte: https://www.flickr.com/photos/editorialj/10825994846/

O processo de criação do MST se deu em plena ditadura


militar, quando o governo brasileiro anunciava um projeto de
modernização do campo que incitava sua mecanização, estimulava
o uso de pesticidas e oferecia créditos rurais para os latifundiários,
processo que estudamos como a Primeira Revolução Verde.

A consequência deste período você deve concluir: os


trabalhadores rurais foram perdendo espaço para as máquinas e se
sentiram obrigados a migrar para as cidades; os que bravamente
permaneceram no campo sofreram (e sofrem) com a invisibilidade
do homem do campo e com a falta de incentivos governamentais
para o pequeno produtor, o que gerou muita miséria e grandes
dificuldades para se manter (sobreviver do) no campo.

144
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

Em 1996, houve um dos episódios mais sangrentos da


luta camponesa no Brasil. Dezenove militantes do MST foram
assassinados pela Polícia Militar em Eldorado dos Carajás, no Pará.
O grupo estava acampado na Fazenda Macaxeira, sempre com o
discurso de que a terra é improdutiva, e exigia a sua desapropriação.
Em protesto contra a morosidade do processo de apropriação e
assentamento das famílias acampadas (cerca de 1.500 pessoas),
os sem-terra saíram em marcha e obstruíram a rodovia BR 155, que
liga a capital Belém ao sul do estado do Pará.

Marcelo Casal Jr

Figura 14.7: A cruz que marca o local do massacre em Eldorado dos Carajás,
Pará, ocorrido em 1996.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:MC006_image_media_horizontal.jpg

A reforma agrária no Brasil se dá basicamente da seguinte


forma: a União realiza a compra ou a desapropriação de latifúndios
particulares considerados improdutivos em diversas áreas da
Federação, e sob a figura do Incra (Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária), distribui e loteia essas terras a famílias que
recebem esses lotes, como também presta assistência financeira, de
consultoria e de insumos para que possam produzir nessas terras.

145
Geografia Agrária

Existe, especificamente para fins de reforma agrária, a Lei de


Desapropriação, garantida pela Constituição de 1988, instituída
pelo Plano Nacional de Reforma Agrária, sob o Decreto-lei nº
3.365, de 21 de junho de 1941, reformulado pela Constituição, o
qual assegura o direito da União à desapropriação de terras ditas
particulares, consideradas improdutivas, em decorrência da utilidade
pública, especialmente para fins de reforma agrária, podendo haver
também outras prioridades de utilidade por parte da União.

Houve, no Brasil, diversas configurações do sistema de reforma


agrária ao longo do tempo. Há muitas divergências no que diz
respeito à sua execução no país. Existe a proposta institucional
para o problema de terras, também como uma proposta de
revolução agrária, resultando num movimento pela força das classes
interessadas e afetadas pela má distribuição de terras.

Para procurar equacionar, de maneira positiva, o problema


da divisão agrária no Brasil, o governo tem desenvolvido, durante
décadas, um sistema de reforma que, embora tenha caminhado
lentamente, tem dado resultados em longo prazo, guardadas as
divergências com grupos que lutam pela terra, como o MST.

Novos problemas identificados resultam em novas demandas


de estratégias e sistemas governamentais para solucioná-los. Talvez
esta seja a razão principal de a reforma agrária no Brasil caminhar
a passos tão curtos. São problemas que, apesar de comuns a todas
as regiões no que diz respeito à distribuição de terras, demandam
planos de ação diferenciados de acordo com a região e a situação
temporal do país.

Outro fator que explica a lentidão com que a reestruturação


fundiária no Brasil é feita, sem dúvida, como dito anteriormente, é
o elevado tempo de uma política de distribuição injusta de terras.
O Brasil, desde o seu descobrimento, até uma época historicamente
recente (década de 1950), ainda praticava uma política de terras
embasada nas grandes propriedades e nos grandes coronéis que
detinham essas propriedades. O quadro tem mudado lentamente;
porém, são necessárias, ainda, muitas melhorias nesse sentido.

146
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

Atende ao objetivo 3

Pesquise o site do MST, disponível no endereço eletrônico: http://www.mst.org.br, e


conheça as principais ações do movimento. Em seguida, relacione as principais ações hoje
desenvolvidas pelos integrantes do movimento.

Resposta comentada
São inúmeras as ações hoje desenvolvidas pelo MST. Analisando o conteúdo do site, observamos
que o movimento deixa bem claros seus objetivos. Da mesma forma, hoje o movimento representa
uma grande força política e social contra a hegemonia do capital. Nesse sentido, o site demonstra
sua posição por meio de artigos, notícias e depoimentos de intelectuais ligados ao movimento.
O resultado e as ações também são divulgados por meio de notícias e vídeos de manifestações
e ocupações. Observa-se também um processo de educação para fomentar a continuidade da
luta pela reforma agrária, por meio de materiais educacionais voltados a crianças.

147
Geografia Agrária

CONCLUSÃO

Observa-se, pelas discussões apresentadas nesta aula, que


os processos de transformação ora observados no espaço rural
não devem ser confundidos com a reforma agrária, que deve ser
compreendida como um processo contínuo de redistribuição de terras
a grupos que foram prejudicados ou expulsos pela ação predatória
do capital.

Esse processo, orquestrado e planejado pelo Estado, deve


promover a redistribuição socioespacial das terras aos grupos
envolvidos com a produção do espaço rural por meio de ações
ordenadas e participativas.

Os exemplos mundiais ressaltam modelos de reformas agrárias


oriundas de grandes revoluções sociais e, na maioria dos casos,
bastante violentas. O Brasil avança a passos lentos no processo de
reforma agrária. Os movimentos sociais, como o MST, representam
a importância da organização social na pressão e no avanço
da redistribuição socioespacial do espaço rural e demonstram as
dificuldades do Estado em compatibilizar os interesses da sociedade
com os do capital.

148
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2, 3 e 4

Por meio da análise do mapa temático apresentado na, Figura 14.8, dos assentamentos
rurais realizados no ano de 1996, elabore um pequeno texto sobre a distribuição geográfica
da reforma agrária nesse período.

Figura 14.8: Mapa dos assentamentos rurais realizados em 1996.


Fonte: CENSO, 1997.

149
Geografia Agrária

Resposta comentada
O mapa temático apresentado mostra claramente uma irregularidade na distribuição geográfica
dos assentamentos rurais realizados no país nesse período. O maior número de assentamentos se
deu nas regiões Nordeste e Norte, tendo seus números expressivos nos limites do estado do Pará,
Maranhão e Piauí. Em algumas regiões dotadas de grandes latifúndios, como o Centro-oeste, não
foram identificados números significativos de assentamentos. Da mesma forma, nas regiões Sul
e Sudeste, devido à presença de inúmeras cidades e à alta presença de propriedades ligadas
ao agronegócio, os assentamentos não foram expressivos. A análise cartográfica apresentada
favorece a avaliação e análise do processo de reorganização socioespacial proveniente da
reforma agrária no território brasileiro.

RESUMO

• A reforma agrária é uma ação projetada e liderada pelo Estado


para adequar a estrutura agrária, de maneira a corrigir a
disparidade social no espaço rural.

• Segundo o Estatuto da Terra, de 1964, ainda no 1º parágrafo,


do 1º artigo do capítulo 1, considera-se reforma agrária como o

150
Aula 14 – As reformas agrárias com meio de reorganização do espaço agrário

conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição


da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso,
a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de
produtividade.

• As reformas agrárias realizadas no México, na Rússia e em Cuba


são modelos referenciais, liderados por grupos sociais ligados ao
campo, e a forma realizada foi mediante revolução e profunda
ação do novo Estado implantado.

• No Brasil, a União realiza a compra ou a desapropriação de


latifúndios particulares considerados improdutivos em diversas
áreas da federação, e sob a figura do Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma agrária), distribui e loteia essas terras a
famílias que recebem esses lotes, como também presta assistência
financeira, de consultoria e de insumos para que possam produzir
nessas terras.

151
aula 15
Formas de
produção
alternativas ao
agronegócio:
a produção
agroecológica
Philipp Lessa Andrade
Sandro Lessa Andrade
Geografia Agrária

Meta da aula

Apresentar as bases conceituais e práticas da agroecologia, que busca a harmonia


entre os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. Identificar as características da agricultura convencional e suas implicações


socioambientais;
2. reconhecer os modelos alternativos de produção agrícola como movimentos de
oposição ao padrão agrícola convencional moderno;
3. compreender os fundamentos da agroecologia.

154
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

INTRODUÇÃO

Panorama histórico da produção agrícola

Você pode observar que a humanidade sempre buscou técnicas


que pudessem auxiliá-la na produção de bens para aperfeiçoar seus
cultivos agrícolas. Até o século XVIII, o modo de produção agrícola
era uma atividade rudimentar e de baixa produtividade. A partir
da Revolução Industrial e até os dias atuais, o desenvolvimento da
agricultura do ponto de vista técnico, científico e do volume da
produção foi surpreendente.

Desde a segunda Revolução Agrícola, ocorrida no final do


século XIX e início do XX, foi instituído o padrão produtivo químico,
mecânico e genético na agropecuária dos países desenvolvidos.
Este procedimento de incorporação tecnológica, que inicialmente
esteve centralizado nos países desenvolvidos, foi expandido a partir
da Segunda Guerra Mundial para vários países subdesenvolvidos
com a denominação, já conhecida por você, de Revolução Verde.
Entretanto, este desenvolvimento atingiu e beneficiou, principalmente,
o restrito grupo de países considerados desenvolvidos em detrimento
da grande maioria dos países cuja população permanece faminta.

155
Geografia Agrária

(a) (b)

(c)

(d) (e)

Figura 15.1: O modo de produção preconizado pela Revolução Verde beneficiou


países desenvolvidos, mas o mesmo não ocorreu com a grande maioria, cuja
população permaneceu faminta.
Fontes: (a) http://www.sxc.hu/photo/1193967 (Kovik); (b) http://www.flickr.com/photos/
cimmyt/5868042538/(CIMMYT); (c) http://www.sxc.hu/photo/1380206 (GiniMiniGi);
(d) http://www.flickr.com/photos/jilocaindustrial/5424571052/ (Jiloca Industrial);
(e) http://commons.wikimedia.org/wiki/File:DNA_Double_Helix.png

Prática de cultivo convencional

Em meados do século XIX, uma série de avanços tecnológicos


e de descobertas científicas, como o melhoramento genético das
plantas, o uso de fertilizantes químicos e a mecanização das
atividades agrícolas possibilitaram o abandono de métodos que até
então se faziam necessários para assegurar a produtividade da terra
como, por exemplo, a rotação de culturas. A este processo, conhecido
como “Segunda Revolução Agrícola”, estão associados os ganhos
na rentabilidade das culturas e o apoio dos órgãos governamentais
e das empresas produtoras dos insumos para a agricultura.

156
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

Para Milton Santos (2001), este é o momento em que o homem


realiza a sua antiga pretensão de reinventar a natureza, mudando a
composição técnica das áreas rurais e sua composição orgânica, graças
às inovações químicas e biotecnológicas. Nesse sentido, o setor agrícola
torna-se cada vez mais integrado aos demais setores econômicos.

Esta tecnologia empregada nos países ricos foi transferida


para os países subdesenvolvidos. Entretanto, a proposta consistia
na implantação do mesmo modelo de plantio em todos os lugares,
sem levar em consideração as diferenças das categorias naturais e
das condições socioeconômicas dos agricultores.

Além disso, este modelo de produção privilegiou a


monocultura, modalidade de cultivo de apenas um tipo de produto
agrícola. Nesse modelo, a falta de biodiversidade das culturas
causou e vem causando desequilíbrio aos ambientes naturais.

Segundo Leonardo Boff (2004), essa forma de cultivo cria


cada vez mais pragas e aumenta drasticamente os problemas com
insetos, fungos e ervas chamadas “daninhas”. Este fato acarreta o
aumento dos custos de produção e a necessidade de novos produtos
químicos. Assim, esses problemas são amenizados por alguns anos,
mas depois voltam com mais intensidade.

Essas doenças nas plantações são tratadas com elementos


químicos que aumentam os custos para o agricultor à proporção
que diminuem a eficiência. Vale lembrar que esses produtos podem
ainda contaminar o solo e as águas superficiais e subterrâneas por
meio de substâncias como compostos orgânicos e metais pesados.

É necessário ressaltar ainda que os produtores e consumidores


estão expostos a produtos que podem causar sérios danos à
saúde. O perigo começa no campo, quando agricultores, por
falta de instruções, cuidados ou condições financeiras para utilizar
corretamente os equipamentos de proteção individual (EPIs) são
expostos ao contato direto com substâncias muitas vezes nocivas
ao corpo humano.

157
Geografia Agrária

Chuck Simmins
Figura 15.2: Trabalhador utilizando equipamento de proteção individual para
aplicação de agrotóxicos.
Fonte: http://www.flickr.com/photos/chucksimmins/2947100463/

Figura 15.3: Trabalhador aplicando agrotóxicos sem equipamento de proteção


individual.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:SPRAYING_PESTICIDES_-_NARA_-
_544246.jpg

Além disso, esses produtos possuem regulamentos e instruções


de uso que, pela Lei n. 7.802/1989, devem vir descritos em todas
as embalagens. Entretanto, nem sempre os fabricantes e agricultores

158
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

seguem as recomendações. O artigo 7º da Lei dos Agrotóxicos relata


que, para serem vendidos ou expostos à venda em todo o território
nacional, os agrotóxicos e afins são obrigados a exibir rótulos
próprios e bulas, regidos em português, e apresentar informações
relativas aos perigos potenciais.

Lei dos Agrotóxicos (Lei n. 7.802, de 11


de julho de 1989)
[...]

Art. 7º. Para serem vendidos ou expostos à venda


em todo o território nacional, os agrotóxicos e
afins são obrigados a exibir rótulos próprios e
bulas, redigidos em português, que contenham,
entre outros, os seguintes dados: (Redação dada
pela Lei n. 9.974, de 2000)

I – indicações para a identificação do produto,


compreendendo:

a) o nome do produto;

b) o nome e a percentagem de cada princípio


ativo e a percentagem total dos ingredientes
inertes que contém;

c) a quantidade de agrotóxicos, componentes ou


afins, que a embalagem contém, expressa em
unidades de peso ou volume, conforme o caso;

d) o nome e o endereço do fabricante e do


importador;

e) os números de registro do produto e do


estabelecimento fabricante ou importador;

f) o número do lote ou da partida;

159
Geografia Agrária

g) um resumo dos principais usos do produto;

h) a classificação toxicológica do produto;

II – instruções para utilização, que compreendam:

a) a data de fabricação e de vencimento;

b) o intervalo de segurança, assim entendido o


tempo que deverá transcorrer entre a aplicação
e a colheita, uso ou consumo, a semeadura ou
plantação, e a semeadura ou plantação do
cultivo seguinte, conforme o caso;

c) informações sobre o modo de utilização,


incluídas, entre outras: a indicação de onde ou
sobre o que deve ser aplicado; o nome comum
da praga ou enfermidade que se pode com ele
combater ou os efeitos que se pode obter; a época
em que a aplicação deve ser feita; o número de
aplicações e o espaçamento entre elas, se for
o caso; as doses e os limites de sua utilização;

d) informações sobre os equipamentos a serem


utilizados e sobre o destino final das embalagens;

d) informações sobre os equipamentos a


serem usados e a descrição dos processos de
tríplice lavagem ou tecnologia equivalente,
procedimentos para a devolução, destinação,
transporte, reciclagem, reutilização e inutilização
das embalagens vazias e efeitos sobre o meio
ambiente decorrentes da destinação inadequada
dos recipientes; (Redação dada pela Lei
n. 9.974, de 2000)

III – informações relativas aos perigos potenciais,


compreendidos:

a) os possíveis efeitos prejudiciais sobre a saúde


do homem, dos animais e sobre o meio ambiente;

160
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

b) precauções para evitar danos a pessoas


que os aplicam ou manipulam e a terceiros,
aos animais domésticos, fauna, flora e meio
ambiente;

c) símbolos de perigo e frases de advertência


padronizados, de acordo com a classificação
toxicológica do produto;

d) instruções para o caso de acidente, incluindo


sintomas de alarme, primeiros socorros, antídotos
e recomendações para os médicos;

[...]

Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/

L7802.htm. Acesso em: 23 jan. 2013.

Para você conhecer na íntegra a Lei dos


Agrotóxicos (Lei nº. 7.802, de 11 de julho de
1989), acesse o site do Planalto Federal, no link
a seguir: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L7802.htm.

Por meio de pesquisa realizada pela Agência Nacional de


Vigilância Sanitária – Anvisa, em 2010, foi diagnosticado que muitos
alimentos vendidos à população estavam com níveis de agrotóxicos
em quantidade além da permitida. Nessa pesquisa, constatou-se,
em algumas amostras, a utilização de produtos não consentidos
pela legislação brasileira. Você pode observar esses resultados na
Tabela 15.1.

161
Geografia Agrária

Tabela 14.1: Número de amostras analisadas por cultura e resultados


insatisfatórios – 2010

Nº de Total de
Produto amostras insatisfatórios*
analisadas Nº %
Pimentão 146 134 91,80%
Morango 112 71 63,40%
Pepino 136 78 57,40%
Alface 131 71 54,20%
Cenoura 141 70 49,60%
Abacaxi 122 40 32,80%
Beterraba 144 47 32,60%
Couve 144 46 31,90%
Mamão 148 45 30,40%
Tomate 141 23 16,30%
Laranja 148 18 12,20%
Maçã 146 13 8,90%
Arroz 148 11 7,40%
Feijão 153 10 6,50%
Repolho 127 8 6,30%
Manga 125 5 4,00%
Cebola 131 4 3,10%
Batata 145 0 0,00%
Total 2488 694 27,90%

*Nas análises insatisfatórias, foi observada presença de agrotóxicos acima do permitido;


constatação de agrotóxicos não autorizados; agrotóxicos em níveis elevados e não
autorizados simultaneamente.
Fonte: Anvisa, 2010.

Você pode observar que, das 2.488 amostras, 694 (28%)


foram consideradas insatisfatórias, com destaque para o pimentão,
de cujas 146 amostras, 134 (91,80%) foram consideradas

162
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

irregulares, seguido pelo morango, com 112 amostras e 71 (63,40%)


reprovadas. Entretanto, na análise feita na batata, nenhuma amostra
foi desaprovada.

Em reportagem exibida pelo programa de tele-


visão Globo Rural, em agosto de 2012, são apre-
sentados estudos e entrevistas com agricultores,
mostrando os riscos para a saúde (doenças como,
por exemplo, o câncer) e para o meio ambiente causa-
dos pelo uso de agrotóxicos. Você pode assisti-la no
link: http://www.youtube.com/watch?v=qeJ6QOshllY
(Acesso em 27 janeiro de 2013).

Como se pode observar, além desse modelo de cultivo não ser


favorável economicamente ao pequeno agricultor, ainda pode causar
vários danos ambientais e à saúde de quem o utiliza e consome
seus produtos. Por essa razão, movimentos contrários a esse padrão
agrícola vêm ganhando expressividade e difundindo-se.

Para Tedesco (2006), a agricultura moderna tem-se mostrado


um maravilhoso negócio para quem vende insumos, empresta
dinheiro para agricultores ou compra o produto, enquanto,
especialmente para os pequenos agricultores, a agricultura nesses
moldes tem representado muito endividamento e descapitalização.
Diante disso, muitos agricultores deixam a atividade agrícola e vão
procurar emprego em outras áreas.

163
Geografia Agrária

Atende ao objetivo 1

Analise as afirmações a seguir, considerando-as verdadeiras (V) ou falsas (F):

a) ( ) Os processos de modernização agrícola, conhecidos como Revolução Verde,


adequaram suas práticas de cultivo à realidade territorial e social dos países subdesenvolvidos
nos quais foram implantados.

b) ( ) Para combater a fome no mundo, a Revolução Verde se utilizou da diversidade


agrícola, dando oportunidades aos pequenos agricultores de manter suas práticas
tradicionais.

c) ( ) Para um bom desempenho agrícola, o uso de agrotóxico se faz necessário e é


recomendável, uma vez que sua aplicação é segura e não traz nenhum malefício aos
ambientes naturais.

d) ( ) Nos estudos realizados pela Anvisa, não foram observados níveis insatisfatórios de
substâncias nocivas à saúde nos produtos agrícolas e tampouco nos produtos não consentidos
pela legislação brasileira.

e) ( ) O modelo convencional de produção agrícola – consagrado pela Revolução Verde


– favorece a inclusão do pequeno agricultor e enaltece práticas alternativas que garantam
altas produtividades.

Resposta comentada
Todas as afirmações são falsas.
A Revolução Verde pode ser compreendida como uma imposição técnica e econômica dos países
desenvolvidos aos países subdesenvolvidos. Com o lema de combate à fome, esse processo de
modernização agrícola – conhecido como prática agrícola convencional – propiciou inúmeros
impactos sociais e ambientais nos países nos quais se instalou. A monocultura – prática comum
nesse modelo – alterou significativamente a dinâmica ambiental das áreas rurais, exigindo
investimentos em pesquisas e emprego indiscriminado de agrotóxicos.

164
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

Esses produtos, além de causarem impactos gravíssimos no solo e nos recursos hídricos, chegam
à mesa do consumidor em quantidades acima do permitido pela legislação. Da mesma forma,
essa modernização exigiu dos pequenos agricultores práticas agrícolas e investimentos em
insumos que acabaram por expulsar esse grupo social das áreas rurais tradicionais, ratificando
a supremacia das relações capitalistas no campo.

Movimentos contrários às práticas


convencionais de produção e o
fortalecimento de cultivos ecológicos

O nível de preocupação com a questão ambiental, tal como se


apresenta hoje, é um fato muito recente na história da humanidade.
Com origens no final do século XIX, a questão ambiental despontou
após a Segunda Guerra Mundial, gerando importantes modificações
na visão de mundo pela sociedade. Percebeu-se que as condições
do meio ambiente estão diretamente relacionadas ao modo pelo
qual a humanidade busca produzir bens para aperfeiçoar suas
condições de vida.

Segundo Miguel Altieri (1998), nesse momento, o uso


abusivo dos recursos naturais e energéticos exigidos pelo modelo
da Revolução Verde passou por diversas críticas, incentivando a
apresentação de propostas alternativas e ecologicamente corretas
de organização tecnológica dos sistemas produtivos agrícolas.

Moreira (2000) também ressalta que as críticas postas ao


modelo de Revolução Verde, quando associadas aos movimentos
ecológicos e ambientalistas no Brasil, desenvolvem-se com três
componentes: o primeiro é uma crítica da técnica que questionaria
a relação herdada do ser humano com a natureza, questionamento
esse balizado na perda da biodiversidade, na poluição e no
envenenamento dos recursos naturais e nos animais.

165
Geografia Agrária

O segundo componente expressa-se na crítica social


da Revolução Verde na esfera sociopolítica e nas questões de
equidade e justiça social. Já o terceiro componente expressa-se
num caráter econômico.

Esses questionamentos, em suas vertentes ambientalistas,


geram possibilidades de novos modelos produtivos –
agroecológicos, produção orgânica, produção natural, etc.
Agroecossistema
– com perspectivas biossistêmicas e de diversidade produtiva.
É um ecossistema
com presença de, Para boa parte dos analistas, estes modelos produtivos
pelo menos, uma alternativos garantiriam uma vantagem comparativa às formas
população agrícola. da agricultura familiar, em relação às empresariais.
Portanto, pode ser
entendido como uma [...]
unidade de trabalho
de sistemas agrícolas A especificidade do trabalho familiar, o conhecimento das
(práticas integradas de condições biossistêmicas locais próprias desses agricultores
agricultura, pecuária e a escassez de recursos financeiros que possuem, ou a que
e afins), diferindo
têm acesso, são considerados como elementos positivos à
fundamentalmente dos
aplicação de novas práticas produtivas – todas elas vinculadas
ecossistemas naturais,
por ser regulado pela a um saber camponês que foi renegado como atrasado no
intervenção humana período da Revolução Verde (MOREIRA, 2000, p. 4).
na busca de um
determinado propósito.
Essas práticas alternativas que, a princípio, já vinham sendo
Os agroecossistemas
possuem quatro
desenvolvidas desde a década de 1920 através do movimento
propriedades biodinâmico, passaram a ter uma expressividade mundial a partir
(produtividade, da década de 1960. A partir de então, receberam a denominação
estabilidade,
de agricultura alternativa, na década de 1970, por falta de uma
sustentabilidade e
equidade) que avaliam denominação mais específica e precisa para a época, “já que não
se os objetivos do significava modelo ou conjunto de técnicas, mas sim o conjunto
sistema – aumentar o
de movimentos alternativos em torno de formas não industriais
bem-estar econômico
e os valores sociais
de agricultura” (FONSECA p. 17). Esse movimento envolve
dos produtores – estão agroecossitemas denominados orgânicos, biodinâmicos, naturais,
sendo atingidos. regenerativos, biológicos e da permacultura.

166
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

Elza Fiuza/ABr

Figura 15.4: Plantação orgânica de batatas.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Plantacaoorga
nica.jpg

Agricultura orgânica
Agricultura orgânica ou agricultura biológica é
o termo frequentemente usado para designar a
produção de alimentos e outros produtos vegetais
que não faz uso de produtos químicos sintéticos,
tais como certos fertilizantes e pesticidas, nem de
organismos geneticamente modificados; geralmente,
adere aos princípios de agricultura sustentável.

167
Geografia Agrária

Agricultura biodinâmica
Tem como filosofia a consequência natural à renova-
ção do manejo agrícola, à sanação do meio ambiente
e à produção de alimentos realmente condignos ao
ser humano. O ponto central da agricultura biodinâmi-
ca é o ser humano, que conclui a criação a partir de
suas intenções espirituais baseadas numa verdadeira
cognição da natureza. O seu fundamento é a integra-
ção de todos os elementos ambientais agrícolas, como
culturas do campo e da horta, pastos, fruticulturas e
outras culturas permanentes, florestas, sebes e capões
arbustivos, mananciais hídricos, várzeas, etc. Caso o
organismo agrícola se ordene em volta desses elemen-
tos, nasce uma fertilidade permanente e a saúde do
solo, das plantas, dos animais e dos seres humanos.

Agricultura natural
No Japão, nas décadas de 1930 e 1940, o mestre
Mokiti Okada foi seu criador, preconizando a menor
alteração possível no funcionamento natural dos ecos-
sistemas. Não usa aração, rotação de culturas nem
compostos oriundos de esterco animal. Mais recente-
mente, a agricultura natural tem-se concentrado no uso
de um preparado biológico. Essa corrente é ligada e
difundida pela Igreja Messiânica.

Agricultura biológica
Foi na França, em 1960, que a agricultura biológica
mais se difundiu, tendo como difusor Claude Aubert,
que propunha a saúde das plantas e, portanto, dos
alimentos, por meio da manutenção da “saúde” dos
solos. Este princípio apoia-se em um tripé “cujas
bases, de igual importância, são o manejo dos solos,

168
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

a fertilização com fosfatos naturais, basalto e rochas


calcárias e a rotação de culturas”.

Agricultura regenerativa
A agricultura regenerativa consiste em promover a
produção de alimentos saudáveis, a criação de ciclos
fechados de geração de insumos a partir de resíduos
e a aplicação, no campo, de práticas conservadoras
da natureza.

Permacultura
Surgido na Austrália, o movimento da permacultura
tem como ideólogo Bill Mollisson. Desenvolvendo a
ideia da criação de agroecossistemas sustentáveis
através da simulação dos ecossistemas naturais, o
movimento da permacultura caminha para a prioriza-
ção das culturas perenes como elemento central de
sua proposta. Dentre as culturas perenes, destacam-se
as árvores, das quais se procuram espécies para su-
prir o maior número possível das necessidades huma-
nas, do amido ao tecido; não usa rotação de cultura.

Na década de 1980, surge o termo agroecologia, que,


segundo Altieri, é um sistema de produção que agrega “os princípios
agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e
avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a
sociedade como um todo” (ALTIERI, 1998, p. 10). Desta forma, a
agroecologia, além de envolver a perspectiva ecológica, também
compreende a questão socioeconômica.

No Brasil, o movimento para uma agricultura alternativa


ganhou força, na década de 1980, com a realização de três
Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa (EBAAs). Nesse

169
Geografia Agrária

período, também surgiram várias organizações não governamentais


(ONGs) voltadas para a agricultura, articuladas em nível nacional
pela Rede Projeto Tecnologias Alternativas – PTA (hoje AS-PTA –
Assessoria e Serviços – Projeto Agricultura Alternativa). A designação
“tecnologias alternativas” foi empregada, nesse momento, para
designar as “várias experiências de contestação à agricultura
convencional, passando a ser substituída, numa fase seguinte, por
agricultura ecológica, identificada como parte da agroecologia”
(PLANETA ORGÂNICO, 2010).

Atende ao objetivo 2

A partir dos benefícios socioambientais do cultivo agroecológico, relacione essa prática


alternativa ao fortalecimento da agricultura de base familiar.

Resposta comentada
A agroecologia é um sistema de produção que agrega os princípios agronômicos, ecológicos
e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas
agrícolas e a sociedade como um todo. Dessa forma, este cultivo prioriza preservação e
ampliação da biodiversidade, integrando a questão social. Na busca da conversão de
sistemas de produção convencionais para métodos ecologicamente saudáveis, a agricultura

170
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

de base familiar mostra-se a mais eficiente tanto do ponto de vista do uso e conservação
dos recursos naturais quanto pela maior ocupação de mão de obra. Por isso, a agricultura
familiar adequa-se aos princípios da agroecologia.

Agroecologia

A agroecologia corresponde fundamentalmente a um


enfoque científico, uma ciência ou um conjunto de conhecimentos
multidisciplinares que orienta tanto para a apreciação crítica do
modelo convencional de agricultura como também para nortear o
correto redesenho e o adequado manejo de agroecossistemas, no
aspecto da sustentabilidade (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).

Figura 15.5: Princípio da agroecologia.


Fonte: Adaptado de Altieri, 1998.

De acordo com Altieri, a expressão “agricultura sustentável”


se refere, genericamente, a

[...] um objetivo social e produtivo, qual seja, a adoção de um


outro padrão tecnológico que não use de forma predatória
os recursos naturais e nem modifique tão agressivamente o
meio ambiente. Da mesma forma, esta noção ainda muito
interminada e imprecisa, ainda assim incorpora, de um modo

171
Geografia Agrária

geral, a preocupação de incluir a elevação da produtividade


dos sistemas agrícolas, compatibilizando, como resultados, um
padrão de produção agrícola que integre equilibradamente
objetivos sociais, econômicos e ambientais (1998, p. 10).

Moreira (2000) aponta que, por trás de um aparente consenso


a respeito do entendimento de sustentabilidade, esconde-se uma
variedade de definições com choque de opiniões e interesses
diferentes, que refletem as disputas pela supremacia dos conceitos
de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. O autor destaca
duas diferentes visões de desenvolvimento sustentável, conforme a
Tabela 15.2.

Tabela 15.2: Visões de desenvolvimento sustentável

Duas diferentes visões de desenvolvimento


sustentável

Visão (ambientalista) Visão (socioambiental)

Não consegue visualizar


a questão ambiental sem
Ênfase na questão ambiental.
destacar a dimensão da
equidade social.
Mais presente nos países de
Mais presente nos países
capitalismo avançado, do
periféricos, do Sul.
Norte.

Estratos de camadas sociais Nas camadas mais pobres


mais ricas. das sociedades capitalistas.

Fonte: MOREIRA, 2000.

Para Víctor Toledo (2002), a busca por uma sociedade


sustentável requer, entre outras coisas, a conversão de sistemas de
produção convencionais para métodos ecologicamente saudáveis.
E a agricultura de base familiar mostra-se a mais eficiente tanto do
ponto de vista do uso e conservação dos recursos naturais quanto
pela maior ocupação de mão de obra.

172
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

Veiga (2003), do mesmo modo, defende a agricultura


familiar, pois ela apresenta alto potencial de geração de empregos
e seu estímulo tem resultados positivos sobre os padrões gerais de
distribuição da renda nacional.

Segundo dados do Censo 2006, no território brasileiro, 12,3


milhões de pessoas trabalham na agricultura familiar. Além disso,
este modo de emprego ocupa 15 pessoas por hectare, enquanto o
agronegócio ocupa 1,7 pessoas por hectare. Ainda convém lembrar
que a agricultura familiar produz a maior parte dos alimentos
consumidos diariamente pelos brasileiros.

Nessa perspectiva, a busca pela consolidação de um aumento


da produção rural sustentável precisaria de uma atenção especial
do governo brasileiro no que diz respeito à reforma agrária e à
agricultura familiar.

No Brasil, a agricultura orgânica começou a despontar a


partir do início dos anos de 1980, mas só nos últimos anos vem
aumentando seu número de adeptos. Segundo Fonseca (2009), o
Estado brasileiro institucionalizou, nos seus regulamentos técnicos,
o termo “orgânico” como equivalente para os termos ecológico,
biodinâmico, natural, biológico, agroecológico, da permacultura e
do extrativismo sustentável orgânico.

Estima-se que o volume de produção orgânica no Brasil seja


de 300 mil toneladas/ano, o que corresponde a R$ 300 milhões/
ano, sendo que estes valores devem crescer nos próximos anos,
em razão do grande número de propriedades que passam pelo
processo de conversão.

Entretanto, muitos agricultores encontram dificuldades na


transição para a agricultura orgânica por falta de capital, assistência
técnica e pela carência na aprendizagem de manejo. Isso acaba
desencorajando agricultores menos capitalizados a tentar a conversão.

Segundo Leonardo Boff (2004), alguns agricultores se


entusiasmam com a agroecologia e querem fazer uma mudança

173
Geografia Agrária

momentânea. Porém a transição de um modelo de agricultura


convencional para um agroecológico é lenta e complexa.

Não podemos esquecer, como destaca o autor, que a terra


continua contaminada e ainda depende de insumos químicos. O
pequeno agricultor ainda precisa convencer seus vizinhos a realizar
a transição, pois as substâncias químicas utilizadas por eles afetam
suas terras.

No decorrer da transição, o agricultor precisa deixar a terra


em descanso – o que para muitos se torna um empecilho, pois são
proprietários de pequenas terras e precisam da produção imediata
para sua própria subsistência. Muitos não possuem recursos
financeiros para arcar com três, quatro anos de transição de uma
agricultura para outra.

Entre um prejuízo insuportável para o pequeno agricultor e o


uso de alguma técnica ou insumo químico, ele não tem alternativa,
a não ser continuar usando produtos químicos (BOFF, 2004).

O Censo Agropecuário 2006, quando investigou a prática


de agricultura orgânica nos estabelecimentos agropecuários, definiu
como critério que o estabelecimento deveria informar se faz (ou
não) agricultura orgânica, se sua produção é (ou não) certificada.

Não foram consideradas como agricultura orgânica as


práticas agrícolas que, apesar de não utilizarem agroquímicos,
não eram identificadas pelo produtor como tal ou este não se
interessava pelas normas técnicas determinadas pelas instituições
de classes certificadoras.

Os estabelecimentos agropecuários produtores de orgânicos


representavam, aproximadamente, 1,8% do total investigado no
Censo Agropecuário 2006 (Tabela 15.3).

174
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

Tabela 15.3: Uso de agricultura orgânica nos estabelecimentos, segundo as Grandes Regiões da Federação
Brasil – 2006

Uso de agricultura orgânica nos estabelecimentos


Total de
Grandes Faz e é Faz e não é
estabele-
regiões certificado redenciado
cimentos Total Não faz
por entidade por entidade
credenciada credenciada

Brasil 5.175.489 90.497 5.106 85.391 5.084.992

Norte 475.775 6.133 351 5.782 469.642

Nordeste 2.454.006 42.236 1.218 41.018 2.411.770

Sudeste 922.049 18.715 1.366 17.349 903.334

Sul 1.006.181 19.275 1.924 17.351 986.906

Centro-
317.478 4.138 247 3.891 313.340
oeste

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

A Tabela 15.3 mostra que a região Nordeste se destaca no


número de estabelecimentos que praticam a agricultura orgânica,
contando com 42.236 estabelecimentos, número que pode ser
justificado pelo arcaísmo e pela baixa tecnificação presente em
boa parte das propriedades agrícolas nordestinas. Por outro lado,
também acaba demonstrando o potencial de expansão deste
mercado nessa região.

Quando se trata do volume de produção, a maior parte (80%)


da produção orgânica brasileira encontra-se nos estados do Sul e
do Sudeste. Seus produtores se dividem em dois grupos: pequenos
produtores familiares, que representam 90% do total de agricultores,
e os grandes produtores empresariais ligados a empresas privadas,
que representam 10% desses produtores. Entretanto, “na região Sul,
cresce o número de pequenas propriedades familiares que aderem
ao sistema e, no Sudeste, a adesão é prioritariamente de grandes
propriedades” (IBGE, 2006, p. 11).

175
Geografia Agrária

As perspectivas mercantis para os produtos orgânicos têm


atraído um grande número de novos adeptos: muitos, por serem
conscientes dos ideais socioambientais, mas muitos também apenas
visam ao mercado orgânico como nicho de lucros fáceis, devido
aos altos preços praticados.

Ainda analisando a Tabela 15.3, percebe-se que, além de o


Brasil apresentar um pequeno número de estabelecimentos orgânicos,
dos 90.497 estabelecimentos que praticam a agricultura orgânica,
somente 5.106 são certificados por entidades credenciadas.

A certificação orgânica é um procedimento de inspeção e vistoria


das propriedades agrícolas e dos processos de produção. Segundo a
Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, a certificação e o controle
de qualidade orgânica são realizados por instituições certificadoras ou,
de forma participativa, por associações e cooperativas de produtores
cadastrados junto ao Órgão Colegiado Nacional/Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

De acordo com o Mapa (2008), a legislação brasileira prevê


três diferentes modos de avalizar a qualidade orgânica dos seus
produtos: a certificação feita pelas instituições certificadoras, os
sistemas participativos de garantia e o controle social para a venda
direta sem certificação. Os chamados sistemas participativos de
garantia, junto com a certificação, compõem o Sistema Brasileiro
de Avaliação da Conformidade Orgânica – SisOrg.

Ainda convém lembrar que o governo brasileiro, considerando


a relação de confiança entre produtores e consumidores, abriu uma
exceção à obrigatoriedade da certificação de produtos orgânicos
para venda direta aos consumidores finais por agricultores familiares.
Pois é a partir dela que são estabelecidos preços mais justos, e o
agricultor tem a chance de mostrar sua preocupação com o cultivo
de alimentos. Entretanto, para isso, este produtor necessita estar
ligado a uma organização de controle social (OCS).

A venda direta pode ser realizada por um produtor ou membro


da família que participe do processo de produção. Para a legislação

176
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

brasileira, seria essencialmente a comercialização entre o agricultor


e o consumidor final, sem intermediários (BRASIL, 2008).

A organização de controle social – OCS consiste em:

[...] um grupo, associação, cooperativa ou consórcio, com ou


sem personalidade jurídica, de agricultores familiares. Mas,
para que a Organização seja reconhecida pela sociedade e
ganhe credibilidade, é preciso que entre os participantes exista
uma relação de organização, comprometimento e confiança.

[...]

Para que cumpra bem o seu objetivo, a Organização de


Controle Social – OCS deve ser ativa e ter seu próprio controle,
além de garantir que os produtores assegurem o direito de visita
pelos consumidores, assim como o órgão fiscalizador, às suas
unidades de produção (BRASIL, 2008, p. 11).

Esta medida só é válida para produtores que comercializem


de forma direta suas produções em feiras. É preciso frisar que
produtores que comercializam seus produtos para terceiros, como,
por exemplo, supermercados, lojas, etc., são obrigados a utilizar o
Selo do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica
– SisOrg (Figura 15.6). Nas feiras, a identificação dos produtos
pode ser feita em cartazes, placas e embalagens.

Figura 15.6: Selo do Sistema Brasileiro de Avaliação


da Conformidade Orgânica – SisOrg.
Fonte: http://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Selo_do_
SisOrg_-_MAPA.jpg

177
Geografia Agrária

Os agricultores orgânicos não certificados não podem utilizar


o selo do SisOrg. No entanto, a legislação admite que o agricultor
ponha no rótulo do produto, quando houver, ou no ponto de venda,
a declaração: “Produto orgânico para venda direta por agricultores
familiares organizados, não sujeito à certificação, de acordo com a
Lei n. 10.831, de 23 de setembro de 2003” (MAPA, 2008, p. 23).

Diante do exposto, percebe-se que a preocupação com as


questões ambientais vem ganhando expressividade e, por essa
razão, cultivos comprometidos com a qualidade socioambiental
ganham destaque no cenário mundial.

Atende ao objetivo 3

Preencha o diagrama a seguir, indicando os componentes associados às práticas de cada


um desses componentes.

178
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

Resposta comentada
Componentes: a) agronômicos; b) ecológicos; c) socioambientais.
Compreendendo esses três componentes associados como a base da agroecologia, podemos
identificar algumas práticas associadas e integradas entre os componentes que traduzem a
agroecologia:
a) Agronômicas: uso de fertilizantes naturais, controle biológico de pragas e doenças, rotação
de cultivos agrícolas.
b) Ecológicos: manutenção das matas ciliares, não emprego de agrotóxicos, plantio associado
a florestas.
c) Socioambientais: valorização da agricultura familiar, fixação do homem no campo, venda
direta ao consumidor, geração de empregos.

CONCLUSÃO

Como você pode observar, a valorização dos recursos naturais


e a influência destes produtos saudáveis e a qualidade de vida
humana são temas bastante valorizados atualmente. Por esta razão,
os produtos orgânicos vêm ganhando realce no cenário mundial.
Entretanto, em vista dos argumentos mencionados ao longo da aula,
percebeu-se que esse tipo de agricultura ainda encontra fatores que
dificultam sua produção.

Alguns dos empecilhos destacados pelos agricultores referem-


se à transição do modelo de agricultura convencional para o
agroecológico. Muitos se queixam da falta de assistência técnica e
de capital para suportarem o tempo de transição. Como nos lembrou
Leonardo Boff (2004), no decorrer da transição, o agricultor precisa
deixar a terra em descanso, o que para muitos se torna um obstáculo,
pois são proprietários de pequenas terras e precisam da produção
imediata para sua própria subsistência.

179
Geografia Agrária

Também pudemos compreender a importância da agricultura


familiar para esse tipo de cultivo mais sustentável, além de apresentar
alto potencial de geração de empregos. Segundo Toledo (2002), há
um respeitável repertório de exemplos mostrando como a pequena
propriedade familiar é muito mais eficiente do ponto de vista do
uso e conservação de recursos naturais (solo, água, biodiversidade,
energia, ecossistemas).

Em vista dos argumentos mencionados, percebemos que os


ideais ambientalistas vêm cada vez mais ganhando evidência no
cenário mundial, e a agroecologia, tornando-se mais popular entre
as pessoas.

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2 e 3

Discorra sobre os principais fatores que dificultam a produção agroecológica.

Para auxiliar na elaboração desta resposta, você deverá assistir ao filme O veneno está
na mesa (2011), do cineasta Silvio Tendler, disponível em: http://www.youtube.com/
watch?v=KxY8Vxzfb-4.

180
Aula 15 – Formas de produção alternativas ao agronegócio: a produção agroecológica

Resposta comentada
No decorrer da aula, percebemos, segundo Leonardo Boff, que alguns dos empecilhos
destacados pelos agricultores referem-se à transição do modelo de agricultura convencional
para o agroecológico. Muitos se queixam da falta de assistência técnica e de capital para
suportarem o tempo de transição. No decorrer da transição, o agricultor precisa deixar a terra
em descanso, o que para muitos se torna um obstáculo, pois são proprietários de pequenas
terras e precisam da produção imediata para sua própria subsistência.
Outros fatores seriam a falta de capital, de assistência técnica e a carência na aprendizagem do
manejo. Isso acaba desencorajando os agricultores menos capitalizados a tentar a conversão.
Além disso, assistindo ao filme, vê-se que o autor destaca o modelo brasileiro de desenvolvimento,
que privilegia o agronegócio em detrimento da agricultura familiar.

RESUMO

• A agricultura convencional, traduzida pelos preceitos da


Revolução Verde, trouxe inúmeras consequências desastrosas
para os ambientes naturais, além de intensificar os impactos
socioespaciais nas áreas rurais.

• O uso abusivo dos recursos naturais e energéticos exigidos


pelo modelo da Revolução Verde passou por diversas críticas,
incentivando a apresentação de propostas alternativas e
ecologicamente corretas de organização tecnológica dos sistemas
produtivos agrícolas.

• A preocupação com as questões ambientais vem ganhando


expressividade e, por essa razão, cultivos comprometidos com a
qualidade socioambiental ganham destaque no cenário mundial.

181
Geografia Agrária

• A agroecologia é um sistema de produção que agrega os princípios


agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e
avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas
e a sociedade como um todo.

• O emprego extensivo da agroecologia pelos pequenos agricultores


ainda encontra fatores que dificultam sua produção, como a falta
de assistência técnica e de capital para sustentar a propriedade
no tempo de transição.

182
aula 16
soberania
alimentar –
entraves e
discussões
Rogério Seabra
Geografia Agrária

Meta da aula

Apresentar as principais abordagens teóricas sobre a soberania


alimentar e compreender as principais limitações desta noção na
atual estrutura econômica e política.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. analisar a situação da fome mundial e o respectivo posicionamento do Brasil;


2. compreender o significado de soberania alimentar;
3. relacionar o conceito de soberania alimentar com o de segurança alimentar;
4. analisar o papel da agricultura familiar na questão da segurança alimentar e da
soberania alimentar;
5. caracterizar os principais entraves para uma prática soberana na questão alimentar.

184
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

INTRODUÇÃO

O atual período da economia mundial, a globalização,


obedece a parâmetros estabelecidos em lugares muitas vezes
distantes da área de atuação do fenômeno em si, além de transformar
modelos de produção próximos e distantes e combinar fatores locais
e globais, ocidentais e orientais, inclusive na produção de alimentos.

Uma das principais transformações impostas pelo atual


processo globalizatório é o controle da produção alimentar e,
consequentemente, do processo de fornecimento de alimentos
de boa parte da população mundial pela atuação de grandes
corporações globais. Atualmente, apesar de situações permanentes
e grandes transformações no espaço rural, parte significativa do
trabalho no campo é resultado da ação direta de grandes empresas
transnacionais, ou seja, a produção agrícola está subordinada ao
capital circulante pelo mundo.
Judy

Figura 16.1: Uma das principais transformações impostas pelo atual


processo de globalização é o controle da produção e do fornecimento
de alimentos de boa parte da população mundial pela atuação de
grandes corporações globais.
Fonte: http://acreelman.blogspot.com.br/2014/01/a-global-perspective-on-
online-learning.html

185
Geografia Agrária

Uma das consequências mais simples deste processo é o total


uso da terra como mercadoria, transformando dietas tradicionais em
modelos de consumo alimentar de maior lucratividade. Percebemos,
portanto, que a transformação associada ao modelo econômico
imposto pela globalização implica também mudanças na forma de
produção e no estilo de vida das pessoas, sobressaltando o modelo
urbano de produção e de forma de viver.

A produção da fome

A produção de alimentos é um elemento central na história da


humanidade. Produzir alimentos de acordo com as reais necessidades
da população é um desafio presente nas diversas sociedades ao
longo da História. A fome associada à falta de produção de
alimentos serviu de argumento para incentivar a expansão de novas
áreas agrícolas e gerar modelos teóricos alarmistas sobre o destino
da população mundial.

Uma referência desses modelos é o estudo de Thomas


Robert Malthus, publicado em 1798 e intitulado “Ensaio sobre a
população”, no qual o autor expõe as possíveis contradições entre
o crescimento populacional e a produção de alimentos. Na teoria
“malthusiana”, a velocidade da produção de alimentos é inferior ao
crescimento demográfico, levando inevitavelmente à fome.

Thomas Malthus

186
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

O economista e demógrafo britânico Thomas Robert


Malthus nasceu entre 14 e 17 de fevereiro de 1766,
em Rookery, Surrey, Inglaterra. Seu pai era seguidor
ardoroso de Jean-Jacques Rousseau. O jovem Malthus
fez seus primeiros estudos na casa paterna e, em
1784, ingressou no Jesus College, de Cambridge,
onde se formou quatro anos mais tarde. Ordenou-se
sacerdote da Igreja Anglicana em 1797.
Em 1798, Malthus publicou anonimamente seu “Essay
on Population” (Ensaio sobre a população), no qual
afirma que a população cresce em progressão geo-
métrica, enquanto a produção de alimentos aumenta
em progressão aritmética. A solução para evitar
epidemias, guerras e outras catástrofes provocadas
pelo excesso de população, consistiria, segundo ele,
na restrição dos programas assistenciais públicos de
caráter caritativo e na abstinência sexual dos membros
das camadas menos favorecidas da sociedade.
Malthus era um pessimista que considerava a pobreza
como um destino ao qual o homem não podia fugir.
Sua obra foi ao mesmo tempo criticada e aplaudida.
Enquanto alguns setores da sociedade o acusavam de
ser cruel, indiferente e até mesmo imoral, economis-
tas de renome apoiavam suas teorias. Na segunda
edição da obra, de 1803, Malthus modificou algumas
teses mais radicais da primeira edição.
Com o tempo, o “malthusianismo” foi incorporado à
teoria econômica, atuando como freio de teses mais
otimistas. Na segunda metade do século XX, os prob-
lemas demográficos mundiais revitalizaram as concep-
ções de Malthus, embora a agricultura intensiva tenha
permitido aumentos de produção muito maiores do
que os previstos por ele.

187
Geografia Agrária

A partir de 1805, Malthus tornou-se professor de


História e Economia Política em Haileybury. Eleito
membro da Royal Society em 1819, nos anos se-
guintes recebeu grande número de homenagens e hon-
ras acadêmicas. Malthus morreu em Saint Catherine,
Somerset, em 23 de dezembro de 1834.
Fonte: http://economiabr.net/biografia/malthus.html

Os pressupostos de Malthus, ao considerar o crescimento po-


pulacional em progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32...), enquanto o
crescimento da produção de alimentos ocorreria em progressão aritmé-
tica (2, 4, 6, 8, 10...), levariam a sociedade ao desastre da fome pela
incapacidade técnica de produzirmos alimentos suficientes para todos.

Embora tenhamos a manutenção da fome no mundo, é


fundamental diferenciarmos a fome atual da do modelo de Malthus.
Hoje, o crescimento populacional (próximo a 1,2% ao ano) é menor do
que o apontado pela análise de Malthus. Da mesma forma, podemos
constatar que a Revolução Verde promoveu ganhos intensos de
produtividade alimentar, porém a fome permanece no planeta. É fácil,
nesse sentido, concluirmos que a fome não está relacionada ao excesso
populacional ou à incapacidade técnica de produzirmos alimentos.

Segundo Malthus, a fome seria inevitável, caso o crescimento


populacional continuasse nos padrões detectados por ele, ou seja,
caso a população mundial mantivesse a capacidade de dobrar
de tamanho a cada 25 anos. Malthus propõe, diante do quadro
alarmista da fome inevitável, um controle da população para evitar
a fome pandêmica. A saída de Malthus para a fome é, portanto, a
redução do ritmo de crescimento populacional.

Entretanto, é fácil observarmos, nos dados atuais, que a


população mundial reduziu bastante o seu ritmo de crescimento,
isto é, hoje a população cresce muito menos do que as previsões
malthusianas, mas a fome permanece como uma realidade em boa
parte do planeta, conforme observamos na Figura 16.2.

188
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

Figura 16.2: Mapa da Fome Mundial 2013 da WFP – Programa Mundial de Alimentos. Para melhor visualização do mapa e interpretação das
legendas, consultar a página http://www.wfp.org/hunger/downloadmap.
Fonte: http://www.wfp.org/hunger/downloadmap

189
Geografia Agrária

Diante da manutenção do quadro de fome no período atual,


mesmo com a capacidade técnica potencializada pela implantação
frequente de novas tecnologias no campo, é fundamental buscarmos
outros elementos na relação entre produção e consumo de alimentos
que sejam capazes de explicitar a lacuna existente entre a
capacidade de produzir alimentos e a possibilidade de alimentarmos
os indivíduos.

No caso brasileiro, a estruturação da produção agrícola,


voltada ao mercado externo e aos interesses lusitanos no Brasil,
promoveu a monocultura em detrimento da policultura, deixando
heranças não positivas na forma de produzirmos gêneros agrícolas
atualmente no Brasil.

Nesse sentido, a configuração da produção agrícola brasileira


foi estruturada inicialmente para fornecermos açúcar, tabaco e outros
produtos para a Europa; em seguida, algodão e café; atualmente,
soja, carnes e outros produtos do agronegócio são exportados para
diversos países do globo. Constata-se que a produção agrícola
brasileira não busca o atendimento das necessidades internas, mas
atua no abastecimento do mercado internacional.

O modelo implantado durante três séculos de colonização


voltados para o mercado externo colocou a produção de gêneros
alimentícios em segundo plano. Podemos atribuir a insuficiência na
produção de alimentos à subordinação da colônia e ao interesse
da metrópole lusitana. A disposição da produção agrícola em
monocultura para exportação dificultou a organização de um sistema
policultor eficiente e um mercado interno integrado ao sistema
produtor existente.

A fragilidade no abastecimento de alimentos não era defeito


da deficiência de transportes, distância ou escassez de produção,
mas decorrente da atividade agrícola central, voltada ao mercado
externo, enquanto o abastecimento interno era visto como uma
atividade complementar e subsidiária. Assim, o desenvolvimento
de um mercado interno insignificante perto da grande produção

190
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

exportadora deve ser analisado como elemento contribuinte para


a fome no Brasil.

A simples análise da escassez de alimentos pela perspectiva


da produção de alimentos não é compatível com a atual capacidade
produtiva. O modelo agrícola da Revolução Verde, além de
ser insustentável ambientalmente, é socialmente perverso, pois
não prioriza as necessidades de consumo. Esse quadro dificulta
pensarmos no conceito de segurança alimentar no atual contexto
da agricultura mundial.

O conceito de segurança alimentar surge na Declaração


Universal dos Direitos Humanos como uma referência para políticas
públicas, ou seja, uma direção para governos garantirem a
alimentação da população.

O conceito apareceu após a II Guerra Mundial como


um componente fundamental da segurança nacional, ou seja,
manutenção das necessidades básicas da população em possíveis
ambientes de conflitos bélicos. O pacote tecnológico para a
agricultura mudou a perspectiva do conceito de segurança alimentar,
pois a elevada produtividade agrícola, fruto da introdução massiva
de máquinas agrícolas, insumos químicos e biotecnologia, foi capaz
de gerar alimentos para todos. Entretanto, vale ressaltar novamente
que a fome permanece devido a uma barreira econômica imposta
pelo capitalismo atual, ou seja, a fome surge pelo abismo social e
pela falta de condições financeiras para comprar alimentos.

191
Geografia Agrária

John Atherton
Figura 16.3: A fome permanece devido a uma barreira econômica imposta
pelo capitalismo atual, ou seja, a fome surge pelo abismo social e pela falta de
condições financeiras para comprar alimentos.
Fonte: http://www.flickr.com/photos/gbaku/1674493314/

A partir de tais constatações, isto é, da construção de um


conceito de segurança alimentar baseado na condição social do
indivíduo – e não na mera produção de gêneros agrícolas –, surge,
em 2004, no Brasil, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional (Consea), órgão responsável pela elaboração do
conceito utilizado oficialmente no Brasil para definirmos a segurança
alimentar. Segundo o Consea, a segurança alimentar:

Consiste na realização do direito de todos ao acesso regular


e permanente a alimentos de qualidade em quantidade
suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades
essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras
da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que seja
ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
(CONSEA, 2006).

A noção de segurança alimentar criada pelo governo


brasileiro colabora para analisarmos alguns elementos importantes
na relação entre a produção e o consumo de gêneros agrícolas,

192
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

por exemplo: contrapor o modelo hegemônico – lógica de mercado


global – às necessidades de alimentação da população; o custo
excessivo da alimentação para a população de menor renda; a
homogeneização das dietas, etc.

O modelo de produção agrícola, derivado do macroprocesso


denominado Revolução Verde, garantiu o crescimento vertiginoso
da produção agrícola sem, contudo, elevar, na mesma proporção,
o acesso à alimentação básica. Tal constatação deve ser explicada
pela natureza da modernização da agricultura; isto é, a produção de
commodities tornou-se prioridade, gerando excedentes de produtos
destinados ao grande mercado e, neste contexto, marginalizou a
produção de alimentos geralmente associados à pequena produção
e aos hábitos culturais e alimentares da população local.

A alimentação adequada representa, para as famílias


mais pobres, uma parcela muito significativa da renda familiar,
inviabilizando o acesso a outros bens, como saúde e moradia,
fundamentais para a inserção na atual sociedade. O atual
modelo de produção e comercialização promove a estratificação
da sociedade, ou seja, a formação de nichos de mercado,
diferenciando a população pela capacidade de compra. No caso
da comercialização de alimentos, tal segmentação da sociedade
indica a distinta oferta, qualidade e preço dos produtos oferecidos
para cada perfil de consumo.

Nesse sentido, surge o conceito de soberania alimentar,


liderado pelo movimento Via Campesina. A Via Campesina é um
movimento internacional que coordena organizações camponesas de
pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres
rurais e comunidades indígenas e negras da Ásia, África, América e
Europa. Uma das principais políticas da Via Campesina é a defesa
da soberania alimentar.

193
Geografia Agrária

A Via Campesina trabalha na construção de


uma política de alianças com outras forças so-
ciais, econômicas e políticas, em nível mundial,
para lutar pelos seus direitos.
A Via Campesina-Brasil é composta pelos seguintes
movimentos:
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
MMC – Movimento de Mulheres Camponesas
Feab – Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil
CPT – Comissão Pastoral da Terra
PJR – Pastoral da Juventude Rural
ABEEF – Associação Brasileira dos Estudantes de
Engenharia Florestal
Cimi – Conselho Indigenista Missionário
Pescadores e pescadoras artesanais

A soberania alimentar pode ser definida como o direito dos


povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar.
Isso inclui:

• prioridade para uma produção de alimentos sadios, de boa


qualidade e culturalmente apropriados para o mercado interno.
É fundamental, então, manter um sistema de produção camponês
diversificado (biodiversidade, respeito à capacidade produtiva
das terras, valor cultural, preservação dos recursos naturais);

• preços remuneradores para os(as) camponeses(as), de modo a


proteger o mercado interno contra importações a preços muito
baixos;

194
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

• necessidade de regulamentar a produção para o mercado interno,


impedindo a formação de excedentes agrícolas;

• necessidade de um processo de reforma agrária que fortaleça


uma agricultura camponesa duradoura;

• eliminação de todos os subsídios diretos e indiretos às exportações.

A soberania alimentar supõe o acesso à terra e a disponibilidade


de créditos públicos para que os(as) camponeses(as) tenham
possibilidade de produzir e vender seus produtos a preço justo.

Figura 16.4: Mapa dos países membros da Via Campesina.


Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:ViaCampesinaMembers_(October_2008).svg

Atende ao objetivo 1

Analise a situação do Brasil no mapa, apresentado pelo Programa Mundial da Fome (Figura
16.2), e compare nossa situação com as de outros países da América do Sul. Para você
responder a esta questão, é importante ter acesso ao mapa original, disponível em: http://
www.wfp.org/hunger/downloadmap.

195
Geografia Agrária

Resposta comentada
A situação do Brasil, em termos de fome, é bastante complexa, se analisarmos os demais países
da América do Sul. De forma geral, apresentamos um índice não alarmante – moderadamente
baixo e em torno de 5 a 14,9% –, se compararmos a outros países do Hemisfério Sul, como
a Bolívia, o Paraguai e o Equador. No entanto, observamos que alguns países vizinhos, como
a Argentina, a Venezuela e o Chile, apresentam índices semelhantes a países desenvolvidos, o
que nos coloca numa situação contrastante com a imagem projetada pelo governo, em termos
de desenvolvimento e liderança do Brasil na América Latina.
A realidade da fome no Brasil coloca em evidência nossa desigualdade social, a concentração
de terras e a dificuldade de desenvolvimento territorial homogêneo para a produção de alimentos.
O desenvolvimento de um mercado interno incipiente perto da grande produção exportadora
deve ser analisado como elemento contribuinte para a fome no Brasil. Nesse sentido, devemos
questionar as formas de acesso aos alimentos apresentadas pelas políticas públicas atuais.

196
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

Políticas públicas de segurança alimentar

As intervenções governamentais na dinâmica da comercialização


agrícola procuraram reduzir crises sociais geradas pela incapacidade
no abastecimento de alimentos. Em 1918, o Comissariado de
Alimentação Pública agiu para controlar a insatisfação popular pela
carestia dos alimentos. A ação governamental buscou controlar os
preços e limitar as importações de gêneros produzidos no Estado.
Em 1920, a Superintendência do Abastecimento adota a isenção
fiscal para os gêneros básicos da alimentação popular, criando uma
política voltada para a diversificação de culturas.

As intervenções governamentais propuseram apenas medidas


atuantes na questão dos preços, sem atacar o problema de forma
geral, ou seja, tais ações governamentais pouco atuaram na esfera da
produção agrícola. Créditos e modificação na estrutura fundiária não
aparecem como medidas nas políticas de abastecimento desse período.

A atuação do governo, na década 1960, incorporou os


problemas mencionados e começou a interferir, com pouco sucesso,
também na produção. A produção ganhou um sistema nacional de
crédito, fomentando uma produção de gêneros agrícolas para o
mercado interno.

O governo, neste período, criou a Cobal (Companhia


Brasileira de Alimentos), órgão que criou o Sinac (Sistema Nacional
de Centrais de Abastecimento) e regulamentou a instalação das
centrais de abastecimento. Portanto, o sistema de Centrais de
Abastecimento (Ceasa) nasce com o intuito de atuar no mercado
como grande entreposto comercial, capaz de organizar a
comercialização à jusante, isto é, na produção, e à montante, ou
seja, na distribuição varejista, confeccionando uma interação entre
produção e comercialização capaz de minimizar os efeitos negativos
do distanciamento entre produção e consumo de alimentos.

Atualmente, o governo atua no combate à fome e na promoção


da segurança alimentar por meio do Sistema Nacional de Segurança

197
Geografia Agrária

Alimentar e Nutricional. Esse órgão organiza políticas públicas nas


três esferas de governo (municipal, estadual e federal), além de
integrar a sociedade civil.

• O Sistema Nacional de Segurança Alimentar – Sisan – foi


criado por meio da Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006
(Losan), com vistas a assegurar o direito humano à alimentação
adequada. O Sisan tem por objetivos formular e implementar
políticas públicas e planos de segurança alimentar e nutricional,
estimular a integração dos esforços entre governo e sociedade
civil, bem como promover o acompanhamento, o monitoramento
e a avaliação da segurança alimentar e nutricional no país. O
Sisan é composto por:

• Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional


– instância responsável pela indicação, ao Consea, das
diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional, bem como pela
avaliação do Sisan (que reúne representantes da sociedade
civil e do governo em âmbito federal, estadual e municipal);

• Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –


Consea – órgão de assessoramento imediato ao presidente
da República, que articula governo e sociedade civil
organizada;

• Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional


– Caisan – instância de mobilização e alinhamento de
órgãos governamentais federais para a convergência,
transversalidade e monitoramento das políticas em segurança
alimentar e nutricional e também as políticas afetas ao tema,
que tem, por sua vez, uma secretaria executiva que organiza,
articula e facilita a operacionalização de suas ações;

• órgãos e entidades de segurança alimentar e nutricional da


União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;

198
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

• instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, que


manifestem interesse na adesão e que respeitem os critérios,
princípios e diretrizes do Sisan.

Atualmente, integram a Caisan todos os 20 ministérios


que participam do Consea, sob a coordenação do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Nos últimos anos, o governo brasileiro desenvolveu um


programa especial de segurança alimentar para assegurar o acesso
à alimentação básica da população de menor poder aquisitivo.
O Programa Fome Zero busca a promoção da alimentação e,
consequentemente, o fomento da cidadania para o segmento social
mais impactado pela fome.

O programa atua de forma integrada, englobando várias


áreas do governo, de forma articulada, com o objetivo de promover,
além do acesso à alimentação básica, à educação, à geração de
emprego e renda, à saúde e ao saneamento básico, a inserção do
indivíduo na condição de cidadão.

O programa destaca, em sua proposta, a vinculação entre a


erradicação da fome com outras áreas, como a geração de emprego
e a transversalidade entre as esferas de governo, acordando com a
definição de segurança alimentar.

Uma das vertentes de atuação do programa é o fortalecimento


da agricultura familiar por meio basicamente de financiamentos e
da compra da produção, desenvolvendo, portanto, um importante
braço da produção de alimentos no Brasil.

199
Geografia Agrária

Atende aos objetivos 2 e 3

Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações a seguir:

a) ( ) O conceito de segurança alimentar está associado ao de soberania alimentar.

b) ( ) O conceito de segurança alimentar é apresentado pelas instâncias governamentais,


enquanto o de soberania alimentar é defendido pelos movimentos sociais ligados à terra
como um direito dos cidadãos.

c) ( ) O Programa Fome Zero é um exemplo de ação associada ao conceito de segurança


alimentar.

d) ( ) A agricultura familiar e o campesinato são formas defendidas pelos órgãos


componentes da Via Campesina.

Resposta comentada
Todas as afirmações são verdadeiras. Observamos que os conceitos de soberania alimentar e de
segurança alimentar estão relacionados. Por um lado, o conceito de segurança alimentar surge
na Declaração Universal dos Direitos Humanos como uma referência para políticas públicas,
ou seja, uma direção para governos garantirem a alimentação da população. Já o conceito de
soberania alimentar consiste numa reivindicação para a construção de uma política de alianças
com outras forças sociais, econômicas e políticas, em nível mundial, para lutar pelos seus direitos.
O Programa Fome Zero destaca, em sua proposta, a vinculação entre a erradicação da fome
com outras áreas, como a geração de emprego e a transversalidade entre as esferas de governo,
acordando com a definição de segurança alimentar.
Uma das vertentes de atuação do programa é o fortalecimento da agricultura familiar por meio,
basicamente, de financiamentos e da compra da produção, desenvolvendo, portanto, um importante
braço da produção de alimentos no Brasil e indo ao encontro das premissas da Via Campesina.

200
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

Agricultura familiar e produção de


alimentos

Os agricultores familiares do Brasil são afetados pelas


transformações no sistema capitalista e pouco assistidos pelas políticas
públicas do governo brasileiro. Esse fato, sem dúvida, dificulta não
apenas a inserção desta categoria nas atuais formas de produção e
comercialização, mas sua própria permanência no campo.

A agricultura familiar deve ser caracterizada pela unidade


de produção e gestão comandada, majoritariamente, pelo trabalho
da própria família. É fundamental lembrarmos que a unidade de
produção familiar responde pela imensa maioria da produção
de alimentos no Brasil, cerca de 60%; logo, torna-se fundamental
analisarmos seu possível papel na agricultura nacional como grande
alicerce na segurança alimentar do nosso país.

A lógica de modernização da agricultura está de acordo


com a lógica geral do atual período econômico, conhecido
como globalização, sendo, portanto, concentradora, seletiva, em
nome da especialização, eficiência, produtividade e do lucro. Tal
lógica promove a inserção de alguns produtores considerados
eficientes, marginalizando produtores, comerciantes e consumidores
considerados ineficientes para a atual lógica econômica.

No caso da comercialização, a atual flexibilidade e a


intensidade nas interações espaciais, como a moderna logística dos
supermercados, estabelece a liderança desse setor em relação aos
pequenos produtores. A moderna gestão da cadeia de suprimentos
é uma realidade distante para a maioria dos pequenos produtores
e consumidores de menor poder aquisitivo.

Devemos visualizar, pelo menos, dois processos distintos, em


curso simultaneamente, cuja origem é a relação entre a produção
familiar e a globalização como ambiente competitivo.

As grandes empresas impõem regras para a produção e para


a comercialização, explorando a pequena produção pelo circuito

201
Geografia Agrária

de comercialização. A pequena produção pode ser analisada como


um modelo de subcontratação, terceirização ou flexibilização,
contrariando uma possível ideia “de linha de montagem”, típica
da rigidez do fordismo. A modernização reinventa o campo, suas
relações, sua configuração; enfim, cria um espaço de acordo com
a sua necessidade, no qual a agricultura familiar está inserida,
sofrendo implicações dessa transformação.

Podemos concluir que a agricultura no período da globalização


leva os agricultores ao máximo da tecnificação, tornando-os,
assim, praticamente servos das grandes empresas. No caso da
comercialização, as forças modernizantes atuam na pequena
produção familiar, impondo uma instabilidade sempre em busca
de flexibilidade.

Contudo, a produção familiar continua a reproduzir-se,


mantendo sua importância no cenário agrícola brasileiro,
principalmente na produção de gêneros agrícolas voltados à
alimentação e nos possíveis benefícios ambientais.

Entre as várias políticas públicas necessárias para o


fortalecimento da agricultura familiar, destacam-se as ações de
assistência técnica, a modernização da infraestrutura produtiva
e social no campo, a promoção da comercialização de produtos
gerados pela agricultura familiar e o crédito.

Partindo dessas necessidades, foi criado o Pronaf – Programa


Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, pelo governo
federal, para fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar em
todo o território nacional, buscando a agregação de valor ao produto
agrícola familiar, o acesso ao mercado consumidor, a promoção
do acesso à terra, etc.

Entretanto, ainda existe um desequilíbrio claro nos investimentos


públicos para os latifúndios monocultores, voltados ao mercado

202
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

externo e à produção familiar, indicando um montante muito maior de


verbas para a grande produção. Voltamos ao ponto fundamental; isto
é, a modernização da agricultura no Brasil promoveu um crescimento
efetivo da produção, sem, no entanto, melhorar a condição de vida
dos trabalhadores do campo, elevando a concentração fundiária e
a oferta de alimentos de melhor qualidade e menor preço.

Devemos, contudo, ressaltar a permanência das atividades


familiares na agricultura. Uma das principais razões para a
manutenção dessa produção foi a incapacidade da agricultura
em assumir totalmente um perfil industrial, ou seja, o perfil semi-
industrial (IANNI, 1995) da agricultura garantiu a competitividade
da agricultura familiar em face da flexibilidade do trabalho na
pequena produção.

A produção familiar exerce um papel fundamental no abaste-


cimento alimentar; assim, seria fundamental a efetiva participação
do Estado, garantindo uma política de assistência técnica, crédito e
acesso ao mercado consumidor e, consequentemente, incentivando
a modernização dos produtores familiares em bases alternativas.

As grandes empresas, hegemônicas nas articulações entre


produção/comercialização, delegam aos pequenos produtores,
além da produção de gêneros alimentícios e matérias-primas, a
responsabilidade de constante modernização e os riscos inerentes
à produção agrícola (pragas, distúrbios climáticos, etc.), e os
produtores “incapazes” de seguir o padrão determinado pela
economia globalizada ficam marginalizados.

Uma possibilidade de inserção é o crescente nicho da agricultura


orgânica. A agricultura orgânica pode ser considerada como uma das
medidas capazes de contraposição ao modelo da Revolução Verde,
ou seja, uma agricultura alternativa às práticas dominantes.

203
Geografia Agrária

Antônio Cruz/ABr
Figura 16.5: Apesar de tantos entraves, a produção familiar continua buscando
a inserção no atual mercado. Uma possibilidade de inserção é o crescente nicho
da agricultura orgânica.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Abr_horta_Antonio_Cruz.jpg

As práticas alternativas surgiram como críticas aos impactos


ambientais derivados do intenso uso de máquinas e insumos
utilizados na agricultura moderna; afinal, tal modelo utiliza um
número elevado de recursos energéticos não renováveis como se
fossem ilimitados. Essa concepção gerou uma série de indagações
e, em seguida, propostas alternativas.

As críticas ao modelo da Revolução Verde, assim como as


alternativas, começaram a ganhar força no Brasil na década de
1970 com diversas nomenclaturas. Agricultura natural, agricultura
biodinâmica, permacultura, agricultura orgânica e agricultura
regenerativa são nomes surgidos nesse período como possibilidade
para o modelo dominante.

Essas alternativas serão resumidas como agroecologia,


caracterizadas pelo não uso de insumos químicos e por considerar
o ambiente natural e social. Assim, devemos compreender a
agroecologia como um modelo de produção com alicerces que
vão além da conservação ambiental; seguem também a agricultura
familiar e a segurança alimentar.

204
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

Atende ao objetivo 4

Analise a relação entre recursos governamentais à agricultura familiar e os efetivamente


utilizados pelos agricultores por meio do gráfico apresentado na Figura 16.6.

Figura 16.6: Crédito disponibilizado e efetivamente contratado pelos agricultores familiares por
meio do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
Fonte: http://portal.mda.gov.br/portal/saf/programas/pronaf/2259286

205
Geografia Agrária

Resposta comentada
O comportamento da taxa referente à contratação efetiva do crédito diante do valor
disponibilizado indica que o montante de crédito contratado pelos agricultores do Pronaf tem
crescido ano a ano. A primeira grande evolução no montante financiado pelos agricultores
familiares foi em 2003/2004, fechando uma contratação de R$ 4,49 bilhões, representando
uma evolução de 109% em relação a 1999/2000. Nos anos seguintes, o crescimento manteve-
se sustentado. Em 2004/2005 foi de 185%, representando um financiamento de R$ 6,13
bilhões. Em 2005/2006, foram financiados R$ 7,61 bilhões, com uma evolução de 254%,
sendo que em 2007/2008, rompeu-se a casa dos 300%, perfazendo um financiamento de
R$ 9 bilhões. Esse fato demonstra uma resposta às demandas dos agricultores que respondem
aos financiamentos propostos pelas políticas públicas.

CONCLUSÃO

As transformações na economia globalizada exigem maior


flexibilidade e fluidez para a produção e a circulação dos gêneros
agrícolas. Todavia, o espaço rural não é um mero receptáculo de
ações, inovações e normas vindas de outras escalas.

O controle externo da produção é feito pela confecção de


regras para a produção – como produzir, onde produzir, quando
produzir e o que produzir – e pelo controle dos fluxos, isto é, na
direção dos produtos agrícolas. As empresas hegemônicas não
eliminam a pequena produção; há uma subordinação da produção
familiar à lógica dominante, ou seja, a agricultura familiar permanece
para realizar funções periféricas na agricultura moderna.

206
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

A produção familiar deve sair dessa condição periférica.


Uma oportunidade é a agricultura alternativa, uma produção
com parâmetros ambientais e um nicho de mercado crescente. A
agricultura familiar tem a possibilidade/flexibilidade para buscar
esse mercado de grande potencial e se estabelecer como fornecedora
de produtos agrícolas de maior qualidade, menor impacto ambiental
e tornar-se um pilar na oferta de alimentos, garantindo manutenção
das tradições locais, gerando emprego, ou seja, sendo fundamental
na busca pela segurança alimentar.

Contudo, o novo papel desejado para a agricultura familiar,


ambiental e socialmente correta não ocorrerá sem a assistência
do Estado como agente de promoção do público e garantidor das
necessidades coletivas.

Este aspecto ratifica a importância do Estado como um


agente de fomento de capacidades para atores locais, agricultores
familiares, marginalizados na interação global/local. Tal atuação
deve inverter a dinâmica atual de impactos ambientais e de
prioridade para a produção gerada para o mercado externo, criando
também mecanismos de comercialização para os produtos gerados
pela agricultura familiar alternativa.

O Estado, como provedor de capacidades e possibilidades,


deve promover mecanismos de integração e ampliação de laços
de solidariedade para o crescimento do interesse coletivo, ou seja,
como uma perspectiva de fortalecimento rural integrado ao modelo
ambiental e socialmente adequados.

207
Geografia Agrária

Atividade final

Atende aos objetivos 1, 2, 3, 4 e 5

Pesquise a organização do sistema comercial agrícola no seu município. Identifique e


analise a forma de abastecimento (se existe um centro de abastecimento, uma feira de
produção familiar, uma lei que garanta a supremacia de produtos locais nos mercados ou
algo parecido). Também questione, nos mercados ou hortifrutigranjeiros, a procedência dos
itens alimentares. E analise as políticas de preço. Com base nessas informações, elabore
um texto crítico sobre a acessibilidade de alimentos aos mais necessitados e o papel da
agricultura familiar e das políticas públicas locais e federais nessa questão.

Resposta comentada
Para elaborar esse texto crítico, é importante que você saiba que a soberania alimentar é uma
luta de organizações representantes da agricultura familiar e que o acesso aos alimentos é um
direito de todos os cidadãos. Caso outros elementos de natureza econômica estejam influenciando
ou dificultando essas relações em seu município, cabe ao geógrafo analisar os desafios que se
fazem necessários para a elaboração de políticas territoriais que alterem tais situações adversas
e assegurem uma dinâmica socioespacial mais democrática e inclusiva.

208
Aula 16 – Soberania alimentar – entraves e discussões

RESUMO

• A fome no mundo não está relacionada ao excesso populacional


ou à incapacidade técnica de produzirmos alimentos.

• A configuração da produção agrícola brasileira foi estruturada


inicialmente para fornecermos açúcar, tabaco e outros produtos
para a Europa; em seguida, algodão e café; atualmente, soja,
carnes e outros produtos do agronegócio são exportados para
diversos países do globo. Constata-se que a produção agrícola
brasileira não busca o atendimento das necessidades internas,
mas atua no abastecimento do mercado internacional.

• O conceito de segurança alimentar surge na Declaração Universal


dos Direitos Humanos como uma referência para políticas públicas,
ou seja, uma direção para governos garantirem a alimentação
da população.

• A soberania alimentar pode ser definida como o direito dos povos


de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar e é a
premissa básica da Via Campesina.

• O governo brasileiro atua no combate à fome e na promoção da


segurança alimentar por meio do Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional. Esse órgão organiza políticas públicas
nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), além
de integrar a sociedade civil.

• A produção familiar exerce um papel fundamental no abastecimento


alimentar; assim, seria fundamental a efetiva participação do
Estado, garantindo uma política de assistência técnica, crédito e
acesso ao mercado consumidor e, consequentemente, o incentivo
à modernização dos produtores familiares em bases alternativas.

• Podemos compreender a agroecologia como um modelo de


produção com alicerces que vão além da conservação ambiental;
seguem, também, a agricultura familiar e a segurança alimentar.

209
Geografia agrária

Referências
Aula 9

BRANDÃO, Carlos Antônio. O modo transescalar de análise e de intervenção pública:


notas para um manifesto antilocalista. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E
REGIONAL, 10., 2003, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Anpur, 2003. p. 1-12.

CARLOS, Ana Fani. A condição espacial. São Paulo: Contexto, 2011.

CARNEIRO, Maria José. Do “rural” como categoria de pensamento e como categoria


analítica. In: CARNEIRO, Maria José (Org.). Ruralidades contemporêneas: modos de viver
e pensar o rural na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2012. p. 23-50.

CORRÊA, Roberto Lobato. Interações espaciais. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo
César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Explorações geográficas. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997. p. 279-318.

HAESBAERT, Rogério. Regional-global: dilemas da região e da regionalização na


Geografia contemporânea. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.

______. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.

MARAFON, Glaucio. Relações campo-cidade: uma leitura a partir do espaço rural


fluminense. In: ______. et al. (Org.). Rio de Janeiro: um território em mutação. Rio de
Janeiro: Gramma; Faperj, 2012. p. 209-221.

RUA, João. As crises vividas pelo estado do Rio de Janeiro e a emergência de novas
territorialidades em áreas rurais. In: MARAFON, Glaucio José; RUA, João; RIBEIRO,
Miguel Angelo (Org.). Abordagens teórico-metodológicas em Geografia Agrária. Rio de
Janeiro: Eduerj, 2007. p. 271-298.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo:
Edusp, 2002.

SOBARZO, Oscar. O urbano e o rural em Henri Lefebvre. In: SPOSITO, Maria Encarnação
Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (Org.). Cidade e campo: relações e contradições
entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 53-64.

WOODS, Michael. Rural Geography. Londres: SAGE, 2005.

Aula 10

ANJOS, Flávio Sacco. Pluriatividade e ruralidade: enigmas e falsos dilemas. In: Estudos
Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 17, p. 54-80, out. 2001.

212
BERNADELLI, Maria Lúcia Falconi da Hora. Contribuição ao debate sobre o urbano e
o rural. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (Org.).
Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão
Popular, 2006. p. 33-52.

GRAZIANO DA SILVA, José. O novo rural brasileiro. Campinas: Unicamp, 1999.

IZIQUE, Claudia. O novo rural brasileiro: reduziu-se o abismo tradicional entre meios
urbanos e rurais. Pesquisa Fapesp, São Paulo, n. 52, p. 48-55, abr. 2000.

MARAFON, Glaucio José. Agricultura familiar, pluriatividade e turismo rural: reflexões a


partir do território fluminense. Campo-território, Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 17-40, fev. 2006.

RUA, João. Urbanidades no rural: o devir de novas territorialidades. Campo-território,


Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 82-106, fev. 2006.

SCHNEIDER, Sérgio. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da


UFRGS, 2003.

TEIXEIRA, Vanessa Lopes. Pluriatividade e agricultura familiar na Região Serrana do estado


do Rio de Janeiro. 1998. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Agricultura)–Instituto
de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 1998.

Aula 11

CARNEIRO, Maria. Ruralidade: novas identidades em construção. Revista Estudos,


Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-75, out. 1998.

LOCATEL, Celso. Modernização da agricultura, políticas públicas e ruralidade: mudanças


e permanências na dinâmica rural das microrregiões de Jales e de Fernandópolis. 2004.
423 f. Tese (Doutorado em Geografia)–Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho, São Paulo, 2004.

MOREIRA, Roberto José. Ruralidades e globalizações: ensaiando uma interpretação.


Ruralidades CPDA, Rio de Janeiro, v. 1, p. 1-24, 2002.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

REIS, José. Observar a mudança: o papel dos estudos rurais. In: CONGRESSO DE
ESTUDOS RURAIS – TERRITÓRIO, SOCIEDADE E POLÍTICA: CONTINUIDADES E
RUPTURAS, DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESTUDOS RURAIS, 1., 2002, Vila Real.
Anais... Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes, 2002.

213
RUA, João. Urbanidades e novas ruralidades no estado do Rio de Janeiro: algumas
considerações teóricas. In: MARAFON, Gláucio José; RIBEIRO, Marta Foeppel (Org.).
Estudos de geografia fluminense. Rio de Janeiro: Infobook, 2002. p. 27-42.

______. Urbanidades no rural em um trecho da região serrana fluminense: a rodovia


Teresópolis-Nova Friburgo. In: ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA: AGRICULTURA,
DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS, 1., 2005,
Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Negef; Uerj, 2005.

______. As crises vividas pelo estado do Rio de Janeiro e a emergência de novas


territorialidades em áreas rurais. In: MARAFON, Glaucio José; RUA, João; RIBEIRO,
Miguel Angelo (Org.). Abordagens teórico-metodológicas em Geografia Agrária. Rio de
Janeiro: Eduerj, 2007. p. 271-298.

SOJA, Edward. W. The Political Organization of Space. Washington: AAG Comission


on College Geography, 1971.

TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente.


São Paulo: Difel, 1980.

______. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.

Aula 12

INSTITUTO Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Disponível em: <http://www.


incra.gov.br/>. Acesso em: 24 jun. 2015.

GIRARDI, Eduardo Paulon. Atlas da questão agrária brasileira e cartografia geográfica


crítica. Confins, Paris/São Paulo, n. 5, 2009. Disponível em: <http://confins.revues.
org/5631>. Acesso em: 24 jun. 2015.

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977.

MOREIRA, Ruy. Formação do espaço agrário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.

Aula 13

GASQUES, José Garcia; BASTOS, Eliana Teles; VALDES, Constanza. Preços da terra no
Brasil. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO
E SOCIOLOGIA RURAL, 46., 2008, Rio Branco. Anais... Rio Branco: Sober, 2008.
Disponível em: <http://ageconsearch.umn.edu/bitstream/106106/2/587.pdf>. Acesso
em: 25 jun. 2015.

214
LIMA, José Renato de. Contradições na produção do espaço rural brasileiro: modernização
do campo, espacialização da pobreza e resistência. Geonordeste, ano 23, n. 1,
p.136-156, 2012.

MARTINS, José de Souza. A sujeição da renda terra ao capital e o novo sentido da luta
pela reforma agrária. In: ______. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais
no campo e seu lugar no processo político. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 151-177.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2008.

______. O capital: crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
(Coleção Os economistas).

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma


agrária. 1. ed. São Paulo: FFLCH; Labur Edições, 2007.

REIS, Leandro Cavalcanti. A sujeição da renda da terra e as repercussões no campo:


o contraste entre Petrolina (PE) e Capela (SE). In: SIMPÓSIO BAIANO DE GEOGRAFIA
AGRÁRIA E SEMANA DE GEOGRAFIA DA UESB, 1., 11., 2013, Vitória da Conquista.
Anais... Vitória da Conquista: Uesb, 2013. Disponível em: <http://www.uesb.br/eventos/
sbga/anais/?pagina=edicao_atual>. Acesso em: 25 jun. 2015.

RICARDO, David. Princípios da economia política e tributação. Tradução de Paulo Henrique


Ribeiro Sandroni. São Paulo: Círculo do Livro, 1996. (Coleção Os economistas).

SMITH, Adam. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. v. 1 e 2.
Indianapolis: Liberty Classics, 1981.

Aula 14

ACJMSC. Cuba, 52 anos de reforma agrária. Disponível em: <http://convencao2009.


blogspot.com.br/2011/05/cuba-52-anos-de-reforma-agraria.html>. Acesso em: 18 jun. 2013.

ANDRADE, Manuel Correia de. Abolição e reforma agrária. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.

BAUMAN, Zigmund. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BRASIL. Decreto nº 4887, de 20 de novembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
n. 227, 21 nov. 2003. Disponível em: <http://quilombos.files.wordpress.com/2007/12/
decreto_4887_de_20_de_novembro_de_2003.pdf>. Acesso em: 5 set. 2011.

BRASIL. Decreto-lei nº 91.766, de 10 de outubro de 1985. Aprova o Plano Nacional


de Reforma Agrária – PNRA, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder
Executivo, Brasília, DF, 11 out. 1985.

215
BRASIL. II Plano Nacional de Reforma Agrária: paz, produção e qualidade de vida no meio
rural. Edição especial para o Fórum Social Mundial. Brasília: Versal Multimídia, 2005.

BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a política nacional do meio
ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 nov. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 6 set. 2011.

CENSO da Reforma Agrária, 1. Relatório final. Brasília: UnB, 1997.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Histórico. Disponível em: <http://www.cptnacional.


org.br/index.php/quem-somos/-historico>. Acesso em: 19 jun. 2013.

FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/>.


Acesso em: 14 maio 2012.

GALLO, Leonardo. Revolução russa, parte II: revoluções de 1917. In: Historiativa Net.
Disponível em: <http://historiativanet.wordpress.com/2011/12/12/revolucao-russa-
parte-ii-revolucoes-de-1917/>. Acesso em: 14 jun. 2013.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança


cultural. 21. ed. São Paulo: Loyola, 2011.

INCRA. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Reforma agrária. Disponível em: <http://


www.incra.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2013.

INSTITUTO AMP. Disponível em: <http://www.institutoamp.com.br/oit169.htm>. Acesso


em: 5 set. 2011.

MALCHER, Maria Albenize Farias. Identidade quilombola e território. In: FÓRUM MUNDIAL
DE TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO, 3., 2009, Belém. Comunicações... Porto Alegre: WFTL,
2009. p. 399-421.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Disponível em: <http://www.


mst.org.br/>. Acesso em: 25 jun. 2013.

PAULA, Mário Lúcio de. “Reforma” agrária do velho Estado. A Nova Democracia, ano 8,
n. 59, nov. 2009 Disponível em: <http://www.anovademocracia.com.br/no-59/2498-
qreformaq-agraria-do-velho-estado?tmpl=component>. Acesso em: 3 jun. 2013.

INSTRUÇÃO normativa nº 49, do Incra, foi publicada hoje. Quilombos, 1 out. 2008.
Disponível em: <http://quilombos.wordpress.com/2008/10/01/instrucaonormativa49/>.
Acesso em: 5 set. 2011.

216
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo:
Hucitec, 2004.

SILVA, Cláudio Teixeira da. O usucapião singular disciplinado no art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/revista/Rev_28/artigos/Art_Claudio.htm>. Acesso em: 5 set. 2011.

VEIGA, José Eli. O que é reforma agrária. São Paulo: Brasiliense, 1981.

Aula 15

ALTIERI, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto


Alegre: UFRGS, 1998.

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Programa de análise de resíduos de


agrotóxicos em alimentos: relatório de atividades 2010. Brasília, 2011.

ASSIS, Renato Linhares de. Globalização, desenvolvimento sustentável e ação local: o


caso da agricultura orgânica. Cadernos de Ciência e Tecnologia, Brasília, v. 20, n. 1,
p. 79-96, jan./abr. 2003.

BOFF, Leonardo. Os caminhos da Transição: a longa passagem da agricultura química


para a agricultura camponesa ecológica. In: GÖRGEN, Sérgio Antônio. Os novos desafios
da agricultura camponesa. Petrópolis: Vozes, 2004.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Controle social na venda


direta ao consumidor de produtos orgânicos sem certificação. Brasília: Mapa; ACS, 2008.

CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia: enfoque


científico e estratégico. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre,
v. 3, n. 2, p. 13-16, abr./jun. 2002.

CENSO Agropecuário 2006: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio


de Janeiro: IBGE, 2006. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
periodicos/51/agro_2006.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2015.

DAROLT, Moacir. Diagnóstico do setor: panorama geral, entraves, potenciais e o consumo


de produtos orgânicos. In: CASTRO, Carlos Eduardo Ferreira de. et al. Agricultura orgânica
e agroecologia. 1. ed. Campinas: Consepa, 2005. p. 7-28.

EHLERS, Eduardo. Agricultura sustentável: origem e perspectivas de um novo paradigma.


São Paulo: Livros da Terra, 1996.

217
FONSECA, Maria Fernanda de Albuquerque Costa. Agricultura orgânica: regulamentos
técnicos para acesso aos mercados dos produtos orgânicos no Brasil. Niterói: Pesagro-
Rio, 2009.

HESPANHOL, Antônio Nivaldo. Agricultura, desenvolvimento e sustentabilidade. In:


MARAFON, Gláucio José; RUA, João; RIBEIRO, Miguel Ângelo (Org.). Abordagens
teórico-metodológicas em Geografia Agrária. Rio de Janeiro: Eduerj, 2007. p. 179-198.

HESPANHOL, Rosangela Aparecida de Medeiros. Agroecologia: limites e perspectivas.


In: ALVES, Adilson; CARRIJO, Beatriz; CANDIOTTO, Luciano (Org.). Desenvolvimento
territorial e agroecologia. v. 1. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. p. 117-136.

______. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Produtos orgânicos: sistemas


participativos de garantia. Brasília: Mapa/ACS, 2008.

MOREIRA, Roberto José. Críticas ambientalistas à Revolução Verde. Estudos Sociedade e


Agricultura, Rio de Janeiro, n. 15, p. 39-52, out. 2000. Disponível em: <http://r1.ufrrj.
br/esa/V2/ojs/index.php/esa/article/view/176/172>. Acesso em: 26 jun. 2015.

HISTÓRIA da agricultura orgânica: algumas considerações. Planeta Orgânico. Disponível


em: <http://planetaorganico.com.br/site/index.php/historia-da-agricultura-organica-
algumas-consideracoes-3/>. Acesso em: 26 jun. 2015.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do


século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

TEDESCO, João Carlos. Agrodiversidade, agroecologia e agricultura familiar: velhas e


novas faces de um processo de desenvolvimento na região de Passo Fundo pós-anos 90.
Passo Fundo: UPF/ Porto Alegre: EST, 2006.

TOLEDO, Víctor M. Agroecología, sustentabilidad y reforma agraria: la superioridad de


la pequeña producción familiar. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto
Alegre, v. 3, n. 2, p. 27-36, abr./jun. 2002.

VEIGA, José Eli da; ABRAMOVAY, Ricardo; EHLERS, Eduardo. Em direção a uma agricultura
mais sustentável. In: RIBEIRO, Wagner (Org.). Patrimônio ambiental brasileiro. São Paulo:
Edusp, 2003. p. 305-333.

Aula 16

BEZERRA, Célia Varela; COSTA, Sônia M. Alves da (Org.). Exigibilidade do direito humano
à alimentação adequada. Passo Fundo: Ifibe; Fian Brasil, 2008.

BORRAS JR., Saturnino M. La vía campesina and its global campaign for agrarian reform.
Journal of Agrarian Change, v. 8, n. 2/3, p. 258-289, abr. 2008.

218
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Lei de segurança
alimentar e nutricional: conceitos. Brasília: Consea, 2006.

______. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL,


2., 2004. Relatório final. Brasília: Consea, 2004.

______. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL,


3., 2007. Relatório final. Brasília: Consea, 2007.

______. Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional.


Brasília: Consea, 2004.

______. Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília: Consea, 2006.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/
l11346.htm>. Acesso em: 25 mar. 2009.

IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.

219

Você também pode gostar