Você está na página 1de 20

O ELEMENTO FOGO

Autor (a): Eduardo Lehmann Dutra ¹


Orientador (a): Claudia Mara Stapani Ruas ²

Resumo
O objetivo deste estudo é discorrer sobre o Elemento Fogo descrevendo para isso a evolução
da medicina tradicional chinesa (MTC) e da acupuntura com sua história na China, no
Ocidente e no Brasil, seus componentes conceituais como Tao, Qi, Yin/Yang e a teoria dos
Cinco Elementos. Este artigo foi elaborado através de uma pesquisa bibliográfica com uma
revisão de literatura acerca do tema a partir de livros científicos, revistas especializadas e
artigos online. Foram abordados mais detalhadamente os aspectos relacionados ao elemento
Fogo, aprofundando-se nas análises sobre a estrutura, fisiologia energética e meridianos
específicos dos seus órgãos e funções. Como principal órgão deste elemento, o Coração
exerce o papel central no comando das funções do organismo, ditando o seu ritmo fisiológico,
energético e emocional. Considerado o Imperador do organismo, conta com o auxilio salutar
das funções auxiliares Intestino Delgado, Circulação/Sexualidade e Triplo Aquecedor que
complementam sua atividade no organismo, protegendo-o de ataques e organizando o fluxo
energético. Como consideração final delineou-se que a terapêutica pela acupuntura deve ser
embasada nos conceitos tradicionais da MTC para melhor alcançar um equilíbrio dinâmico e
funcional das energias que promovem a saúde e o bem estar do individuo.

Palavras-chave: História da Acupuntura. Medicina Tradicional Chinesa. O Elemento Fogo.

Abstract
The purpose of this study is to discuss about the Fire Element describing the evolution of
traditional chinese medicine (TCM) and acupuncture with its history in China, the West and
Brazil, its conceptual components such as Tao, Qi, Yin/Yang and the theory of the Five
Elements. This article was elaborated through a bibliographical research with a review of
literature on the subject from scientific books, specialized magazines and online articles. The
aspects related to the Fire element were discussed in more depth, analyzing the structure,
energy physiology and specific meridians of its organs and functions. As the main organ of
this element, the Heart plays the central role in the control of the functions of the organism,
dictating its physiological, energetic and emotional rhythm. Considered the Emperor of the
organism, it counts on the salutary aid of the auxiliary functions Small Intestine,
Circulation/Sexuality and Triple Heater that complement its activity in the organism,
protecting it from attacks and organizing the energetic flow. As a final consideration, it was
outlined that acupuncture therapy should be based on the traditional concepts of TCM in order
to better achieve a dynamic and functional balance of the energies that promote the health and
well-being of the individual.

Keywords: History of Acupuncture. Traditional Chinese Medicine. The Fire Element.

¹ Eduardo Lehmann Dutra. Bacharel em Comunicação Social. Aluno do curso de Formação e Pós-Graduação
Lato Sensu em acupuntura. E-mail: eduardodutra@hotmail.com
² Claudia Mara Stapani Ruas. Doutora em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco. Professora da
Graduação e da Pós-Graduação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e da Associação Brasileira de
Acupuntura/Faculdade Einstein- BA no curso de Formação e Pós-Graduação Lato Sensu em acupuntura. E-mail:
abapuntura.ms@hotmail.com
2

Introdução

A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e a acupuntura com sua tradição


terapêutica são temas que demandam uma profunda imersão nas concepções orientais
relativas à sua cultura, tradição e filosofia. Conceitos pouco difundidos na cultura ocidental
como unicidade, dualidade, elementos constitucionais da natureza, suas inter-relações e
padrões energéticos fazem parte do rico universo da MTC e da acupuntura.
Neste estudo delineou-se como objeto de pesquisa central o Elemento Fogo que
possui sua representação no organismo através das funções do Coração, considerado o
Imperador do organismo, e suas funções auxiliares Circulação/Sexualidade, Intestino Delgado
e Triplo Aquecedor.
Para que possamos adentrar o universo da acupuntura chinesa foi elaborada uma
pesquisa bibliográfica a fim de melhor explicar os conceitos relacionados ao Elemento Fogo.
No primeiro capitulo é apresentada a história da MTC e da acupuntura na China, Ocidente e
Brasil. A acupuntura é um dos métodos terapêuticos mais antigos da humanidade com
registros que remontam a quatro mil anos a.C. e possui um legado inesgotável de sabedoria e
conhecimento que estão constantemente sendo redescobertos em seus conceitos e prática.
No segundo capítulo iremos abordar os componentes essenciais da medicina
chinesa como o Tao, o Qi e a teoria dos Cinco Elementos, tradicionais conceitos orientais que
somados alicerçam a base conceitual e filosófica da acupuntura. A abordagem destes
elementos muitas vezes se apresenta com clareza fascinante, mas invariavelmente com
misteriosa obscuridade devido a sua própria natureza dinâmica e interconectada, podendo vir
a confundir o observador ocidental em sua compreensão cartesiana da realidade.
Abordaremos no terceiro capítulo o Elemento Fogo, seus órgãos e funções
incluindo a localização e funcionamento dos seus meridianos específicos. Este elemento
representa a atividade Yang em seu apogeu e fornece calor e vida a todos os seres vivos. O
Coração é o mestre de todas as funções do organismo, abriga o Shen, catalisador emocional
do organismo e promove a distribuição das essências e energia através do sangue.
Por fim procurou-se ressaltar algumas considerações finais que se delinearam
durante o desenvolvimento deste trabalho. A prática da acupuntura pode ser muito simples,
mas também de grande complexidade nos seus conceitos, métodos tradicionais e na sua
terapêutica. É de suma importância o equilíbrio energético do Elemento Fogo no individuo,
para que sua função de comando proporcione a harmonia entre todos os órgãos e funções,
contribuindo assim para estabelecer uma saúde equilibrada física e emocionalmente.
3

1. História da Acupuntura

A acupuntura é um ramo da MTC que surgiu na China há cerca de 4.500 anos em


plena Idade da Pedra no vale fértil do Rio Amarelo localizado na costa setentrional do Mar da
China e inclui tanto conhecimentos teóricos como empíricos que tem sido revistos e
atualizados até os dias de hoje (FIÉVE-IZARD; GUILLAME; TYMOWSKI, 1986; WEN,
1985, 2008).
Algumas lendas são conhecidas como marcos originários da acupuntura. A
destruição do continente perdido de Atlântida favoreceu a difusão da acupuntura pelo Globo
enquanto os sobreviventes desta civilização chegavam à China e outros continentes como as
Américas e a África, dando inicio a acupuntura nestes locais (GALLIAN; ROCHA, 2016).
Existe a lenda de um guerreiro ferido em combate por uma flecha que se curou de sua doença
estomacal após ser atingido no calcanhar em um dos pontos de acupuntura (GONSALVES,
1999). Na antiguidade se utilizavam os chamados “13 pontos do demônio” (figura 1) para
expulsar os “maus espíritos” ou “espíritos malignos”, conjunto de pontos atualmente
utilizados para tratar patologias neurológicas e distúrbios psíquicos (DULCETTI JR, 2001).

Figura 1 – Os Treze Pontos do Demônio

Fonte: DULCETTI JR., 2001, pg. 40

De acordo com o Nei Jing, livro compilado por volta de 700 a.C., os chineses da
era Neolítica descobriram que poderiam aliviar dores abdominais e articulares aquecendo o
4

corpo usando areias e pedras quentes. Essa teria sido a origem da moxabustão. Agulhas de
pedra Zhen Shih também foram encontradas em muitas partes da China (WEN, 2008).
As primeiras referências relacionadas à MTC na China atribuem-se aos chamados
três Reis Mitológicos: Tian Huang (Rei do céu), Di Huang (Rei da Terra) e Ren Huang (Rei
do Homem), havendo pouquíssimas informações referentes a esses períodos ancestrais
(DONATELLI, 2015).
Em seqüência cronológica se destacam os cinco imperadores que juntos marcam
o inicio dos registros e da evolução da acupuntura na China: 1. Fu Hi, o Imperador Celeste
nos revela pela primeira vez no ano aproximado de 5557 a.C. os conceitos de Yin Yang e dos
Pa Kua, elementos naturais representados pelos oitos trigramas básicos do I Ching; 2. Shen
Nong, o Imperador Terrestre, a partir do ano de 2737 a.C. marca o verdadeiro inicio da MTC
com a descoberta do Chá e da utilização de plantas medicinais; 3. Huang-Ti, o Imperador
Amarelo e também conhecido com o Imperador da Harmonia dos Seres nos entrega a partir
do ano 2697 a.C. dois tratados, o Yin Fu Jing e o mais conhecido livro de MTC, o Nei Jing
em suas duas partes, Su Wen (perguntas essenciais) e o Ling Shu (eixo espiritual)
(DONATELLI, 2015). Estes tratados abordam além da acupuntura, outros temas como a
fitoterapia, dietética, massagem, Tao Yin, Feng Shui, métodos para atingir a longevidade e
aumentar a energia vital; 4. e 5. Completam-se as referências com os Imperadores Shao Hao e
Zhuan Xu. É importante destacar o Nan Jing do mestre Bian Que (407 a.C.). O Clássico das
81 Dificuldades nos traz maiores explicações ao conteúdo do Nei Jing (DULCETTI JR,
2001).
A acupuntura e história chinesas estão intimamente interligadas e inúmeras
dinastias pontuaram seu desenvolvimento. Nas Dinastias Chia, Shang e Tsou (2100-1122
a.C.) e no período Chuen Chiou Zhan Kuo (1122-221 a.C.) destacam-se a formulação do
principio Yin Yang, a teoria dos cinco elementos, os meridianos e seus nomes e números,
síndromes e tratamentos, e os pontos proibidos e fatais. Padroniza-se a medida corporal Tsun
e define-se a forma de utilização dos nove tipos de agulhas da época (WEN, 1985).
Nas Dinastias Chin, Han e Huei (221 a.C.-264 d.C.) destacam-se os 25 estudos
médicos de Tsan Kung (180 a.C.), o estudo da pulsologia por Pei Wong e o tratado das
doenças do frio, por Zhang Zhong Jing (142-220 d.C.). Durante as Dinastias Tsin e Tang
(265-959 d.C.), Huang Fu Mi escreve o Jia Yih Jing, conhecido como o “abc” da acupuntura e
moxabustão firmando-se então as bases da acupuntura. Destaque para Sun Si Mao (590-682
d.C.) que desenvolveu a dietética, os pontos Shu antigos e pela primeira vez os pontos Ashi
(DULCETTI JR, 2001; WEN, 2008).
5

Entre os anos 960-1279 d.C. da Dinastia Sung, houve grande crescimento da


imprensa chinesa e da divulgação sobre a acupuntura tradicional. O Rei Sung Jen Tsung após
ser curado de grave doença através da acupuntura passou a dar grande importância ao método
e ordenou que se organizassem os escritos existentes até então. Construiu-se o Homem de
Bronze, uma estátua que possuía furos nos locais dos pontos nos meridianos e que era
utilizada para estudos pelos alunos da época (DULCETTI JR, 2001; WEN, 2008).
Nas Dinastias King, Yuan e Ming (1279-1644 d.C.) aprimoram-se ainda mais os
conhecimentos sobre a acupuntura surgindo mapas de meridianos, estudos dos fluxos dos
meridianos, seleções de pontos nas diversas horas e o estudo dos 12 pontos mais importantes
da acupuntura. São publicados livros importantes como o Bem Cao Gan Mu sobre a
farmacopéia chinesa e em 1601 foi escrito o Da Cheng, que serviu de base para os estudos de
Soulié de Morant, com as principais informações sobre o Nei Jing e o Nan Jing. O Lei Jing Tu
Yi escrito por Zang Jie Bin nos apresenta comentários ilustrados dos mais importantes
tratados escritos até esta época classificados por assuntos. (DULCETTI JR, 2001).
Por volta de 1915 houve na China inicialmente a abolição da acupuntura dando
maior foco a Medicina Ocidental (SUSMANN, 1973). Com a revolução maoísta a partir de
1958 ocorre o retorno da MTC de maneira simplificada e sistematizada, de modo a se tornar
possível a sua utilização como um sistema de medicina de massas. Inicia-se a Medicina
Chinesa Moderna, uma combinação da MTC com a Medicina Ocidental (DULCETTI JR,
2001).
A Europa conheceu a acupuntura no século XVII através de informações trazidas
pelos jesuítas da missão científica francesa a Pequim e que foram publicadas na França nos
anos de 1671 a 1682. Por volta de 1812 Berlioz aplica pela primeira vez em Paris as agulhas
de acupuntura e publica seus resultados. A esta primeira aplicação seguem-se inúmeras ações
pioneiras de outros médicos que pouco ou nada conheciam da autêntica acupuntura chinesa
(SUSSMANN, 1973). George Soulié de Morant foi o grande difusor do ensino e da prática da
acupuntura a partir da França para o mundo Ocidental. Enviado a Shangai como cônsul
francês, o também sinólogo possuía o domínio da língua chinesa, o que foi de fundamental
importância em seu trabalho de tradução dos principais títulos clássicos da MTC para língua
francesa. Seu livro Resumo da Verdadeira Acupuntura Chinesa (1934) fundamentou a maioria
das obras escritas por aproximadamente 50 anos. Além disso, foi o criador da correspondência
alfanumérica dos pontos e meridianos de acupuntura e conduziu estudos sobre a eletricidade
em parceria com Dr. Niboyet. Fundou a Sociedade Internacional de Acupuntura, primeira
escola e associação de acupuntura do Ocidente (DULCETTI JR, 2001).
6

Roger de La Fuye, aluno de Morant, foi peça importante na divulgação da


acupuntura em outros países europeus. Fundador da Sociedade Francesa de Acupuntura, La
Fuye exerceu influência sobre os dois mais importantes médicos acupunturistas fora da
França, entre eles Johannes Bischko na Áustria, Felix Mann na Inglaterra e Bachmann e
Schimdt na Alemanha. Dando seqüência, Jacques Niboyet apresenta estudos sobre os pontos
de entrada e saída, pontos Lo gerais e de grupo e pontos de reunião gerais alem de importante
trabalho sobre as propriedades elétricas dos pontos de acupuntura (BORSARELLO, 2008).
Em 1973 um repórter americano foi operado de apendicite na China, tendo sido
tratado com excelente recuperação pela acupuntura. Este episódio despertou o interesse de
médicos americanos que posteriormente puderam assistir ao vivo a uma cirurgia cardíaca com
analgesia pela acupuntura. No Ocidente os primeiros países a legalizarem as práticas foram à
Rússia, Romênia e Tchecoslováquia. A acupuntura foi atualmente oficializada na Europa para
médicos e não médicos na Inglaterra, Alemanha, Dinamarca, Países Baixos, Finlândia e
Noruega. Na maioria dos países do mundo ainda persiste esta dicotomia de quem pode ou não
pode praticar a acupuntura persistindo regulamentações restritivas ainda presentes em muitos
deles. Em 2010 a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) declara a acupuntura e a moxabustão como sendo patrimônio cultural intangível
da humanidade (BORSARELLO, 2008; DULCETTI JR, 2001; UNESCO, 2013).
A acupuntura chega ao Brasil trazida originalmente pelos imigrantes orientais e
seus descendentes, porém a acupuntura só passou a ser devidamente aplicada por
acupunturistas qualificados depois que se iniciaram os primeiros cursos ministrados pelo Prof.
Frederich Spaeth em 1950 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Este ano foi
considerado o marco da introdução da verdadeira acupuntura no Brasil, quando passou a ser
estudada e difundida por Spaeth e seus discípulos, atendendo a seus princípios básicos e
filosóficos, aliando o estudo de textos antigos aos conceitos médicos modernos para uma
melhor aplicação clínica (CORDEIRO; CORDEIRO, 2014).
Pioneiro da acupuntura no país, Dr. Spaeth estudou diretamente na Europa com
alunos diretos de Soulié de Morant, Eric e Ilse Stiefvater. Sob a inspiração de Spaeth, em
1958 é fundada a Associação Brasileira de Acupuntura (ABA), a primeira e mais antiga
instituição de acupuntura do Brasil. Dentre os pioneiros alunos brasileiros encontram-se Dr.
Ari Cordeiro, Dr. Orley Dulcetti Jr. e Dr. Evaldo Leite, sendo alguns deles ainda ativos na
instituição até os dias de hoje. Em 1962 foi fundada a clínica médica com o nome de Instituto
Brasileiro de Acupuntura (CORDEIRO; CORDEIRO, 2014; DULCETTI JR, 2001;
GALLIAN; ROCHA, 2016).
7

A acupuntura é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde


1995 e a partir de 1998 começou a fazer parte do Conselho de Especialidades da Associação
Médica Brasileira. Em 1999 o Ministério da Saúde inseriu na tabela Sistema de Informações
Ambulatoriais (SIA/SUS) a consulta médica em acupuntura, monitorando a evolução do
numero de consultas em todo o País e apontando um aumento nas consultas em acupuntura
em todas as regiões. Recentemente foi aprovada pela portaria n. 971 de 2006 a Política
Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Visando a adoção da prática por
parte das secretarias de saúde, a acupuntura é agora considerada uma atividade de caráter
multiprofissional (BRASIL, 2006; JIA, 2004).

2. Medicina Tradicional Chinesa

O entendimento de como funciona a acupuntura só se torna possível com a


compreensão do que é energia. Na visão que se aplica à MTC, energia é a primeira
manifestação da criação no universo sensível, a primeira manifestação do Tao (SUSMANN,
1973). O Tao representa o Absoluto, o elo de todos os tempos e possui sua representação
dividida em três instâncias: a essência ou potencial, a manifestação e a aparência. Também
sendo interpretado como o Caminho (essência), o Caminhante (alma individual) e o Ato de
Caminhar (intenção e vitalidade) (DONATELLI, 2015).
No capítulo 42 do Tao Te King encontra-se esta passagem sobre a origem e
desenvolvimento do Tao: “O Tao gera o Um; O Um gera o Dois; O Dois gera o Três; O Três gera
todas as coisas...”. O Tao é a fonte primordial de tudo que existe no firmamento, de onde se
plasma o Qi (sopro ou fluxo de energia): o “Um”. O Qi ao se manifestar decodifica-se nas
energias Yin e Yang: o “Dois”. Estas forcas opostas e complementares novamente agregadas
ao Tao formam finalmente uma unidade dinâmica que é conhecida pelos chineses por Tai
Chi: o “Três”. Segundo mestres taoístas, esta estrutura permite toda diversidade de
manifestações, dá origem “às dez mil coisas” ou a “todas as coisas” inclusive todos os seres
dentro da unidade agregada: o Macrocosmos (DONATELLI, 2015).
No formato tradicional do ideograma do Tao, sua simbologia podia ser
interpretada como “caminhar na união céu-terra-seres, com o tempo e espaço, na quietude e
paz, para encontrar a fluidez e naturalidade de si próprio”. Posteriormente reformulado o
conceito do ideograma é sintetizado para “caminhar com uma consciência universal”
(DONATELLI, 2015).
8

Nas palavras de Dulcetti Júnior (2001, pag. 41) “[...] o Tao se define pelo
inominável, inefável, indefinível. Presente em tudo e em todos, está acima de um principio
(Li), que significa estrutura interna regente e ordenadora de todas as coisas, estabelecendo as
leis do Universo”.
O Tao com seus atributos compõe a base tradicional da medicina chinesa e as
práticas terapêuticas preventivas como a acupuntura, o Qi Gong, a dietética e a fitoterapia
chinesa entre outras, são chamadas de Virtude. No cap. 1 do Su Wen aparece o termo Tao,
ressaltando que “Os homens observavam a Via e se regulavam pelo Yin/Yang e atestavam a
harmonia pela Pratica e pelos Números [...]”. A Via nada mais é que uma metodologia para a
manutenção da vida em harmonia e a preservação da força vital Qi (DULCETTI JR, 2001).
O Qi se equivale ao Princípio Vital e todas as coisas são um estado de Qi que se
mostra presente em tudo, nos diversos modos e diferentes estados. A noção de Qi traz consigo
diferentes significados de acordo com seu modo de expressão da manifestação do Qi original.
A energia é a fonte de vida onde se enraíza o ser biológico conforme citação do Nan Jing,
Cap. 8: “A energia Qi é a raiz do homem” (DULCETTI JR, 2001).
O pensamento chinês considera um conjunto de energias primordiais compondo a
origem do Universo como se fosse uma mistura de energias sensíveis e impalpáveis. No Séc.
2 a.C., Hua Tuo propõe uma explicação para a origem do Cosmos, dizendo que “Nos orifícios
do Céu Anterior se origina a forma que começa a se manifestar” (DULCETTI JR, 2001).
Tais princípios constitutivos do macrocosmos vem atualmente sendo revisitados
pela física quântica do Século 21 através das pesquisas de Stephen Hawking, apresentados
recentemente na Revista Superinteressante:

[...] surge um pico de energia aleatório, inesperado. E ai, “pop!”, brota uma
partícula [...] o tempo todo, em todo o Universo esse borbulhamento
quântico esta dando origem a partículas a partir do nada absoluto. Soa como
um quadro surrealista, mas esse é um fenômeno muito bem descrito pelos
números e já verificado na prática (GERMANO; VAIANO, 2018, pg. 27).

O Tao se apresenta em três momentos ou instâncias originárias:


1. Wu Ji, Polaridade Inexistente ou Tao do Céu Anterior, representado por um
circulo vazio é o “pano de fundo” sobre o qual toda manifestação ocorre, o Qi em potencial
ou energia imanifesta;
2. Unidade ou Qi Manifestado. No mundo sensível para se perceber uma
manifestação e necessária uma manifestação, sendo representada por um circulo com um
9

ponto central (DONATELLI, 2015). A física moderna nos demonstra paralelos existentes
entre as concepções da geração do Qi ou Energia Manifesta nas diferentes ciências e
filosofias: “O nada em ebulição. Para a física quântica, o vácuo não é vazio, é só dar um zoom
que você verá campos de energia borbulhando e partículas surgindo em um piscar de olhos”
(GERMANO; VAIANO, 2018, pag. 27).

Figura 2 – Tai Chi

Fonte: DONATELLI, 2015, pg. 32

3. Tai Chi, Sublime Polaridade ou o Tao do Céu Posterior (figura 2) consiste na


manifestação do Qi decodificada em suas forcas Yin/Yang opostas e complementares
(DONATELLI, 2015).
Yin/Yang é uma teoria abstrata que descreve a oposição de dois elementos
antitéticos no mundo natural e defende que o universo consiste em dois opostos,
representando quaisquer duplas contrárias ou os dois lados opostos de uma única entidade
(WANG, 2005). Germano e Vaiano (2018, pag. 27) afirmam “Mas o nada não pode dar
origem a alguma coisa sem pagar um preço. Junto surge uma antipartícula igual à partícula só
que ao contrario, como um +1 e um -1 [...] oposta em todos os sentidos”.
Segundo Wang (2005), a interação e oposição de Yin/Yang é a força motriz
interna que leva todos os seres a se desenvolverem e se transformarem. Embora sejam
conceitos abstratos (figura 3) eles se manifestam no mundo como coisas concretas e conexões
práticas.

Figura 3 - Exemplos de oposição Yin/Yang

Fonte: WANG, 2005, pg. 65


10

A teoria Yin/Yang apresenta três conceitos básicos:


1. Segundo a teoria do Yin/Yang, a oposição ou antítese entre o Yin e o Yang
encontra-se em qualquer manifestação e se expressa principalmente por um condicionamento
e uma oposição mútuos. O Su Wen (cap. 5) diz “O Yin é mais forte, quando o Yang está
doente e o Yang é mais forte quando o Yin está doente”. Em um corpo humano em boa saúde,
os dois aspectos opostos do Yin e do Yang não coexistem de modo pacífico e sem relação de
um sobre o outro. Eles se afrontam e se repelem mutuamente, porém sua oposição cria um
equilíbrio dinâmico e origina o desenvolvimento e a transformação dos objetos
(AUTEROCHE; NAVAILH, 1992);
2. A relação de reciprocidade que liga intimamente o Yin e o Yang faz com que
não se possa separar um princípio do outro e que nenhum dos dois possa existir
separadamente. Todos os aspectos do Yin/Yang são assim, o Yin existe pelo Yang, o Yang
existe pelo Yin e cada um dos dois tem o outro como condição de existência. Essa relação
mútua é geralmente denominada de a Raiz Recíproca na qual o Yin é a base material da
capacidade de funcionar e o Yang é a manifestação no exterior do movimento da matéria
interna. Explica também a possibilidade de cada um dos aspectos poder se transformar no que
lhe é contrário ou de se transportar para a situação que ocupa o aspecto oposto
(AUTEROCHE; NAVAILH, 1992);
3. No crescimento e decrescimento do Yin e do Yang, os dois aspectos opostos e
unidos do par energético não estão em repouso, mas estão sempre em movimento de
crescimento e decrescimento recíproco. Quando o Yang decresce o Yin cresce e quando o Yin
decresce o Yang cresce. No corpo humano uma atividade fisiológica Yang consome matéria
nutritiva Yin e vice versa, sucessivamente (AUTEROCHE; NAVAILH, 1992). A mutação
entre Yin e Yang se refere à possibilidade de que o Yin ou o Yang ao atingir certo estágio de
desenvolvimento possam se transformar em seus opostos. Não é uma mutação espontânea
nem regular e ocorre freqüentemente quando o Yin ou Yang estão no apogeu. O Yang
extremo necessariamente levará ao Yin enquanto o Yin extremo necessariamente levará ao
Yang (WEN, 1985).
A teoria do Yin/Yang é aplicada a todos os aspectos do pensamento e teoria da
MTC. O corpo humano é considerado um todo orgânico aonde todas as partes do corpo, os
tecidos e as estruturas se relacionam organicamente e se classificam entre estas duas
polaridades opostas. O funcionamento fisiológico normal do corpo humano é gerado a partir
da oposição harmoniosa de Yin e Yang e considera que o corpo humano, a matéria física e a
estrutura deste são Yin enquanto as funções dele são Yang. A doença resulta de um resultado
11

da predominância ou de declínio das mesmas e esse estado se deve à perda da estabilidade no


equilíbrio entre elas. Uma vez que a incoordenação é a causa fundamental da doença, o
acupunturista devera primeiramente compreender estas características para então definir um
diagnóstico apropriado (WANG, 2005).
O tratamento se baseia na estratégia de ajustar o Yin e o Yang a fim de
restabelecer o equilíbrio entre os dois opostos, direcionando o tratamento através da dietética,
fitoterapia, acupuntura ou moxabustão. Tornando o equilíbrio Yin/Yang do corpo
harmonioso, fortificando o Qi e promovendo o bem-estar espiritual do paciente a doença pode
ser curada. Esta teoria também é utilizada para determinar as propriedades, sabores e efeitos
dos alimentos e medicamentos, aplicando-se os princípios de excesso e insuficiência na
administração das ervas medicinais e da dietética chinesa. (WANG, 2005).
Evoluindo conceitualmente a partir destas duas energias, uma segunda polarização
dá origem aos bigramas que representam o principio quaternário encontrado no Céu, na Terra
e nos homens, como resultado da alteração quantitativa do Yin/Yang. Representados
analogicamente em forma de cruz (figura 4), introduzem o esquema quaternário da tradição
relativa às quatro fases da vida do homem, os quatro pontos cardeais, as quatro fases do dia e
da lua, os quatro elementos e os quatro temperamentos hipocráticos (CORDEIRO, 1986).

Figura 4 – Representação do bigrama do principio quaternário

Fonte: CORDEIRO, 1986, pg. 15

Partindo do fato que a Terra é o ponto central de observação dos fenômenos


celestes, os chineses evoluíram o conceito quaternário adicionando um quinto elemento ao
12

centro dos quatro elementos primitivos, que posteriormente foi descentralizado. O elemento
Terra, a referência do ponto de vista humano foi então reposicionado entre os elementos Fogo
e Metal, criando-se assim a doutrina dos cinco elementos e a sua representação pentagonal
(CORDEIRO; CORDEIRO, 2014; DONATELLI, 2007).
Na China designavam-se os cinco elementos de Wu Xing sendo que Wu significa
cinco e Xing, andar. Os cinco elementos: Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água são na
realidade os cinco elementos básicos que constituem a natureza (figura 5). O cap. 64 do Ling
Shu cita que “Não há nada na Terra ou dentro do Universo que não esteja relacionado com os
cinco elementos, e o homem não é exceção”. Existe entre eles uma interdependência e uma
inter-restrição que determinam seus estados de constante movimento e mutação (WEN, 1985).

Figura 5 - Os 5 Elementos e os Ciclos de Geração e Dominância

Fonte: DONATELLI, 2015, pg. 49

Na MTC essa compreensão analógica da teoria dos cinco elementos é usada para
comparar, analisar e resolver os problemas teóricos da acupuntura. Todos os fenômenos
naturais, incluindo os Zang Fu (órgãos e vísceras) e os tecidos do corpo humano são
classificados conforme suas características correspondentes a estes elementos. Estas relações
correlativas entre eles são explicadas pelas leis de geração e dominância. Geração refere-se à
produção e à geração mútuas e dominância refere-se à restrição e ao controle recíproco. Estas
duas atividades naturais são responsáveis pela manutenção do equilíbrio ecológico na
natureza e do equilíbrio fisiológico no corpo humano (WANG, 2005).
13

Todos os fenômenos dos tecidos e órgãos, da filosofia e da patologia do corpo


humano estão classificados e são interpretados pelas inter-relações desses elementos. Essa
teoria é usada como guia e referência para a realização do equilíbrio energético na prática
médica da acupuntura (WEN, 1985).

3. O Elemento Fogo

No I Ching (WILHELM, 1982), provavelmente o livro mais antigo do mundo, é


citado “No fogo os seres percebem-se uns aos outros e os sábios voltam-se para este cardeal
para escutar o universo”. O Fogo se entende por mutação e a atividade Yang esta no seu ponto
máximo, ou também com o calor em ascensão. O “Velho Yang” ou “Yang do Yang” se
condensa no seu ponto de culminação máxima ou o ponto de mutação, o ápice ou apogeu da
energia Yang (DULCETTI JR, 2001).
O Sol é definitivamente o elemento Fogo na natureza fornecendo luz e calor para
quase todos os animais e plantas. O elemento se manifesta no nível físico por meio da
sensibilidade ao calor e frio. No ciclo de geração Sheng o Fogo é a mãe do elemento Terra,
pois quando há queima se geram cinzas, que se transformam em terra. A mãe do Fogo é a
madeira que o produz através de sua queima. No ciclo de dominação Ke a água contém,
controla e regula os excessos de Fogo. O Fogo controla o elemento Metal, pois o amolece e o
ajuda a tomar forma (HICKS; HICKS; MOLE, 2007).
Wang (2001, pg. 47) define bem todas as características do elemento Fogo no
trecho abaixo:

A cor do sul é o vermelho, e corresponde ao fogo, e o coração também


corresponde ao fogo, portanto, a energia do sul se comunica com o coração e
aí armazena sua energia, situando a abertura do coração na língua. As
energias das cinco vísceras são dominadas pelo coração, por isso, quando o
coração está enfermo, irá causar as enfermidades das energias das cinco
vísceras. O gosto do fogo é amargo e também se estende à energia do
mesmo; o coração corresponde ao fogo, portanto, de gosto, o coração é
amargo, e em categoria, pertence ao fogo. Carneiro é a criação do fogo. O
sorgo é vermelho, portanto, quanto à colheita, o coração corresponde ao
sorgo. Quanto à posição dos movimentos sazonais, o coração corresponde à
estrela Yinghuo (antigo nome de Marte). Já que o coração controla o sangue
e este circula nos vasos, portanto, a enfermidade do coração está nos vasos.
O tom do coração é Zhi (a quarta das cinco notas). O número de
preenchimento correspondente é sete. Quanto aos cinco odores, o odor do
coração é contundente.
14

Sob o ponto de vista emocional o Fogo se manifesta na forma de alegria. Muitos


fatores contribuem para a alegria das pessoas, mas a alegria associada ao elemento Fogo é
significativa. Estar com os outros, compartilhar e se comunicar são os elementos que geram o
Fogo dentro de nós. A satisfação de ter um contato humano prazeroso nutre e equilibra o
elemento Fogo (HICKS; HICKS; MOLE, 2007). O verão é a fase do movimento externo, da
comunicação entre as pessoas e da exteriorização e os corpos devem exalar os seus potenciais.
A distribuição harmoniosa e a exalação para o exterior caracterizam o entusiasmo do ser. O
potencial do Fogo é o entusiasmo e a virtude que podemos desenvolver é a polidez que doa a
força entusiasta e evita as inflamações (DONATELLI, 2007).
O elemento Fogo se diferencia dos outros elementos por possuir dois órgãos Yin e
dois órgãos Yang. Os dois órgãos são o Coração (C) e o Intestino Delgado (ID) e os outros
dois também chamados de funções são o Pericárdio, mais conhecido por
Circulação/Sexualidade (CS) e o Triplo Aquecedor (TA) (HICKS; HICKS; MOLE, 2007).
O Coração é uma função Yin muito especial para a tradição chinesa e a principal
função dos seres vivos, que segundo o cap. 71 do Ling Shu diz ”O Coração é o grande mestre
das cinco funções Yin e das seis funções Yang. O lócus das essências (Jing), espíritos
(Shen)”. O Coração possui duas funções principais, a alimentação sanguínea e a alimentação
do cérebro. Ele é o mestre, o Imperador do organismo (DULCETTI JR, 2001).
O Fogo Imperial é a autoridade psicofisiológica do Coração sobre todas as outras
funções e exerce o comando sobre a rede energética, a circulação do sangue e os pulsos
radiais. O Xué Mo ou campo vásculo-energético é composto pelos vasos sanguíneos e o
sangue, e neste sistema circulam os vetores energéticos Xue (sangue), Shen (psique) e Qi
(energia vital). O Coração é refletido no pulso radial esquerdo na posição do ponto P9 e no
nível intermediário de apalpação. Seu horário de máxima atividade energética é entre as 11hs
e 13hs e sua energia se intensifica no verão quando o elemento Fogo atinge o apogeu Yang
(DULCETTI JR, 2001).
O calor é nocivo ao Coração quando exacerbado, o que se estende às outras
funções do elemento fogo: ID, CS e TA, podendo desnaturar líquidos com o aparecimento de
edemas. O estado energético se reflete na cor da face, variando entre pálido, rosado e o rubor
facial. O sabor que o nutre é o amargo, a sua nota musical é a nota Lá e seu som natural é o
riso. Sua emoção matricial são a alegria e a felicidade e os sonhos se relacionam a incêndios e
fogo, o que indica em geral insuficiência do elemento no paciente (DULCETTI JR, 2001).
O Coração tem mais a ver com o “Ser” do que com o “Fazer”. Todos os órgãos
alojam um espírito e o Coração aloja o Shen (espírito). Ele emana do Céu e é capaz de se abrir
15

com infinito poder expansivo a partir do nosso interior, tornando as pessoas capazes de emitir
um brilho externo proveniente do espírito. O Shen promove à pessoa o brilho nos olhos,
vitalidade interna, alegria de viver e prontidão da mente. Cada órgão Yin tem um “espírito”
associado, sendo eles: Madeira: “Hun” ou alma espiritual; Terra: “Yi” ou intelecto; Metal:
“Po” ou alma animal; Água: “Zhi” ou vontade, sendo que o Shen do Fogo ou do Coração tem
a função de ser o supervisor destes espíritos (HICKS; HICKS; MOLE, 2007).
O Coração realiza os processos de recepção dos fenômenos vindos do exterior e
da produção da atividade mental graças à ação que exerce nas correspondências psíquicas das
diferentes vísceras. Para cada uma delas evoluir é fundamental que o estado energético do
Shen do Coração esteja saudável, pois só assim os outros espíritos poderão cumprir seus
papeis perfeitamente. O sangue é o suporte material da consciência e quando o sangue e o Qi
do Coração são abundantes o pensamento é vivo e o espírito claro (AUTEROCHE;
NAVAILH, 1992; HICKS; HICKS; MOLE, 2007).
A função Circulação/Sexualidade possui vários nomes utilizados por diversos
autores como “Mestre do Coração”, “Protetor do Coração” ou “Pericárdio”. Este órgão é
considerado a “mãe do sangue”, pois controla o sangue e a linfa e também é a “via” de saída
da energia sexual ou o “Primeiro Ministro do Rim”. Representa o invólucro externo do
coração e tem como função principal protegê-lo, pois quando um agente patogênico agride o
coração ele ataca primeiramente o CS. Em caso de infarto o CS é o primeiro a se lesionar
(AUTEROCHE; NAVAILH, 1992; DULCETTI JR, 2001).
O CS age como o “Súdito do Coração” e trabalha conectando o Coração ao QI do
Ming Men dos Rins, também chamado de Fogo Ministerial. Transforma e harmoniza os Qi
hereditário, adquirido e a essência. A harmonia entre o Rim e Coração é muito importante
para que a pessoa fique tranqüila mental e espiritualmente (HICKS; HICKS; MOLE, 2007).
A esquerda situa-se o Rim Yin ou “das águas” e a direita o Rim Yang ou “do fogo” que nada
mais é do que o Ming Men propriamente dito. Por isso se diz que o Rim é o “Guardião da
Energia Ancestral”. Ele organiza os oito Meridianos Maravilhosos, forma os Meridianos
Tendinomusculares e distribui através dos Vasos Maravilhosos a energia original dos cinco
órgãos Yin (Zang) (DULCETTI JR, 2001).
O meridiano principal (MP) do Coração é composto por nove pontos e recebe sua
energia do MP do Baço, dividindo-se em três ramos: 1. Um primeiro ramo atravessa o
diafragma indo unir-se ao Intestino Delgado; 2. O segundo ascende até a garganta e olhos
ligando-se ao Coração, a pupila e ao cérebro; 3. Já o terceiro e principal ramo faz uma
16

trajetória através do Pulmão, saindo por C1 no ápice da axila (figura 6) e seguindo até o ponto
C9 no ângulo radial da 5ª unha da mão (AUTEROCHE; MAINVILLE; SOLINAS, 2000).
O MP Circulação/Sexualidade recebe sua energia do MP do Rim e possui dois
ramos: 1. Um primeiro ramo passa pelo diafragma e desce para o abdome ligando se a
diferentes partes do Triplo Aquecedor; 2. O ramo principal começa no centro do peito
emergindo no ponto CS1, na lateral do mamilo e segue seu trajeto (figura 7) até finalizar na
ponta do 3º dedo no ponto CS9. O meridiano CS é conectado ao Coração e ao Triplo
Aquecedor (AUTEROCHE; MAINVILLE; SOLINAS, 2000).

Figuras 6 e 7: Meridianos do Coração e Circulação/Sexualidade

Fonte: FOCKS, 2005, pgs. 74 e 80

O Intestino Delgado é a "víscera que recebe e encerra; a matéria que dele sai está
transformada", diz o Su Wen (cap. 8). A víscera Yang acoplada ao Coração tem a função de
executar uma nova digestão das matérias provenientes do Estômago separando a substância
“clara” da “turva”. A substância clara é a essência dos alimentos e é transportada e distribuída
para todas as partes do corpo pelo sangue. A substância turva é o dejeto enviado para baixo ao
Intestino Grosso sendo eliminada através da região ileocecal (Lan Men) e a água inutilizada é
enviada para a Bexiga. Se essa função de separar o "claro" do "turvo" for defeituosa podem
ocorrer anomalias de digestão e absorção que se manifestam no nível das urinas e fezes. A
17

função deste órgão requer energia Yang ativa ou mais especificamente calor (AUTEROCHE;
NAVAILH, 1992; HICKS; HICK; MOLE, 2007; WANG, 2005).
No aspecto emocional a alimentação não é apenas física e nossa mente e espírito
estão sendo constantemente nutridos. O Intestino Delgado, no papel de separar o puro do
impuro, possui um importante trabalho de discriminação. Quando recebemos informações
podemos detectar uma incapacidade de separar estes valores, o límpido do turvo ou o que é
necessário reter ou eliminar, podendo eventualmente deixar as pessoas confusas ou indecisas.
Quando a Vesícula Biliar está desequilibrada a pessoa tem dificuldade em decidir entre as
opções, porém quando o desequilíbrio é do Intestino Delgado a pessoa tem dificuldade até de
enxergar suas escolhas, gerando uma eventual tendência à ambivalência (HICKS; HICKS;
MOLE, 2007).
O Triplo Aquecedor (San Jiao) é a maior das seis vísceras Fu localizado ao longo
da cavidade do corpo e é dividido em três seções. Controla as atividades do Qi original (Yuan
Qi) no corpo humano, pois serve como via de passagem para os três Qi (Zong Qi, Ying Qi,
Wei Qi) através da qual a água e os alimentos são transportados. O órgão acoplado ao TA é o
CS e juntos geram o Fogo Ministerial ligando-se a função do Rim através do campo funcional
conhecido como Porta do Destino (Ming Men) o qual abriga o Yuan Qi (energia ancestral),
um tipo de Qi hereditário alojado no Rim e que circula ao longo do corpo quando solicitado
através do TA (AUTEROCHE; NAVAILH, 1992; DULCETTI JR, 2001; WANG, 2005).
O TA tem as funções de regular o processo de assimilação, distribuição e
expulsão da água e dos alimentos e uma vez que o Qi já esteja localizado no TA ele facilita os
movimentos de ascender e descender, entrar e sair destas substâncias agindo como via de
passagem. O metabolismo de água do organismo é executado pela ação coordenada do
Pulmão, Baço/Pâncreas, Estômago, Intestino Delgado, Intestino Grosso, Rim e Baço e no
processo de metabolismo o Triplo Aquecedor deve funcionar como passagem para o
movimento normal da água (AUTEROCHE; NAVAILH, 1992; WANG, 2005).
O TA Superior (Shang Jiao) é a porção da cavidade do corpo acima do diafragma
até as mãos compreendendo o Coração, o Pulmão e a cabeça. Sua função fisiológica é
caracterizada pelo controle sobre a ascensão e dispersão do Qi e posteriormente sua
descendência. O TA Médio (Zhong Jiao) é a porção do abdome localizada entre o diafragma e
o umbigo. Sua função fisiológica é agir como pivô de subida e descida e fonte de produção de
Qi e sangue, englobando as funções do Baço/Pâncreas e Estômago de transformação,
transporte e reabsorção. O TA Inferior (Xia Jiao) é a porção abdominal localizada abaixo do
umbigo que abriga o Intestino Grosso, Intestino Delgado, Rim e Bexiga. Sua função
18

fisiológica é caracterizada pela excreção de dejetos e urina e também contém o Jing Xue
armazenado no Rim e no Fígado e no Qi original do Ming Men (WANG, 2005).
O TA mantém o fluxo das energias humanas harmoniosamente no organismo
exercendo o equilíbrio no nível homem entre o Céu e a Terra e sua dessincronização é a base
das patogenias na acupuntura (DULCETTI JR, 2001).
O MP do Intestino Delgado recebe sua energia do MP do Coração através de uma
ligação entre os pontos C9 e ID1, localizado no lado ulnar da base da unha do 5º dedo da mão,
onde se inicia seguindo seu trajeto (figura 8) até seu término no ponto ID19 localizado no
ouvido. Possui uma conexão com o MP da Bexiga ao qual ele fornece energia e liga-se
também aos órgãos Coração, Estômago e Intestino Delgado (AUTEROCHE; MAINVILLE;
SOLINAS, 2000).

Figuras 8 e 9: Meridianos do Intestino Delgado e Triplo Aquecedor

Fonte: FOCKS, 2005, pgs. 146 e 148

O MP do Triplo Aquecedor recebe sua energia do MP do Circulação/Sexualidade


através de uma ligação entre os pontos CS8 e TA1 localizado na extremidade ulnar da unha
do 4º dedo da mão onde se inicia, seguindo sua trajetória (figura 9) até encerrar no ponto
TA23 na lateral da sobrancelha. Em seu percurso um ramo se conecta ao MP da Vesícula
Biliar e outro se liga as três partes do TA (San Jiao). O MP do Triplo Aquecedor possui
conexões com as funções CS e TA (AUTEROCHE; MAINVILLE; SOLINAS, 2000).
19

Considerações Finais

O estudo apresentado propõe uma melhor compreensão acerca da MTC e seus


elementos constitucionais, a acupuntura, sua história e mais especificamente o Elemento Fogo
e seus órgãos e vísceras correspondentes, aqui vastamente descritos.
O Elemento Fogo na natureza é o Sol e a nossa referência central no Sistema
Solar. Queima e fornece calor e dá vida a todos os seres vivos. É a atividade Yang no seu
ponto máximo gerando mutação e expansão.
O Coração é o Imperador do Organismo e possui a inteligência de tudo que se
passa no corpo humano. É o mestre de todas as funções Yin e Yang e o lócus das essências e
do Shen. Responsável pela morada do espírito, o Coração irradia a alegria de viver, o brilho
dos olhos, a prontidão da mente e sua vitalidade é fundamental para uma vida plena e
relacionamentos saudáveis.
Seus órgãos e funções auxiliares devem trabalhar em harmonia dentro dos
princípios naturais ao elemento Fogo para que o Coração cumpra fielmente o seu papel de
mediador entre as potências celestes e todas as instâncias físicas e espirituais do individuo.

Referência Bibliográfica

AUTEROCHE, Bernard; NAVAILH, P. O diagnóstico na medicina chinesa. São Paulo:


Andrei, 1992.

AUTEROCHE, Bernard; MAINVILLE, Lucie; SOLINAS, Henry. Atlas de acupuntura


chinesa: Meridianos e colaterais. São Paulo: Andrei, 2000.

BORSARELLO, Jean F. Tratado de acupuntura. São Paulo: Andrei, 2008.

BRASIL. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no


Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília,
portaria nº 971, 03 mai. 2006. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0971_03_05_2006.html>. Acesso em:
22 abr. 2018.

CORDEIRO, Ary t. Acupuntura e... São Paulo: Ensaio, 1986.

CORDEIRO, Ary; CORDEIRO, Ruy. Acupuntura: elementos básicos. São Paulo: Polis,
2014.

DONATELLI, Sidney. Macro e micro cosmos. 2ª Ed. São Paulo: Andreoli, 2015.
20

DULCETTI JR, Orley. Pequeno tratado de acupuntura tradicional chinesa. São Paulo:
Andrei, 2001.

FIÉVE-IZARD, Madeleine; GUILLAME, Madeleine J.; TYMOWSKI, Jean-Claude de. A


acupuntura. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

FOCKS, Claudia. Atlas de acupuntura. Barueri: Manole, 2005.

GONSALVES, Paulo Eiró (Org). Medicinas alternativas: os tratamentos não-convencionais.


3 ed. São Paulo: Ibrasa, 1999.

HICKS, A.; HICKS, J.; MOLE, P. Acupuntura constitucional dos cinco elementos. Ed. 1.
São Paulo: Roca, 2007.

JIA, Jou Eel. Ch’an Tao, Conceitos básicos: medicina tradicional chinesa Lien Ch’i e
meditação. São Paulo: Ícone, 2004.

GALLIAN, Dante Marcello Claramonte; ROCHA, Sabrina Pereira. A acupuntura no Brasil:


uma concepção de desafios e lutas omitidos ou esquecidos pela história – entrevista com Dr.
Evaldo Martins Leite. Inferface. Botucatu, n. 20, pgs. 239-247, fev. 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/icse/v20n56/1807-5762-icse-20-56-0239.pdf>. Acesso em: 12 abr.
2018.

GERMANO, Felipe; VAIANO, Bruno. Stephen Hawking: A vida e a ciência do gênio que
hackeou os buracos negros. Revista Superinteressante, ed. 387, São Paulo: abr. 2018.

SUSSMANN, David J. Que é acupuntura? Rio de Janeiro: Record, 1973.

WANG, Bing. Princípios de medicina interna do imperador amarelo. São Paulo: Ícone,
2001.

WANG, Liu Gong. Tratado contemporâneo de acupuntura e moxibustão. São Paulo,


Ceimec, 2005.

WEN, Tom Sintan. Acupuntura clássica chinesa. São Paulo: Cultrix, 1985.

_______________. Manual terapêutico de acupuntura. São Paulo: Manole, 2008.

WILHELM, Richard. I Ching. O Livro das Mutações. São Paulo: Pensamento, 1982.

UNESCO. La acupuntura y la moxibustión de la medicina tradicional china. Disponível


em: <http://www.unesco.org/culture/ich/es/RL/la-acupuntura-y-la-moxibustion-de-la-
medicina-tradicional-china-00425>. Acesso em: 14 abr. 2018.

Você também pode gostar