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A TEORIA EGOLÓGICA E A EXPRESSÃO DO CULTURALISMO DE

CARLOS COSSIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Iara Cely Alencar Lommez1


Gabriel Silva Oliveira2
Jonas Andrade Santos Barroso3
Moisés Almeida de Andrade Arruda4

Resumo
Neste trabalho, será tratado a respeito de seus principais conceitos e sua
influência no âmbito jurídico brasileiro, principalmente na Filosofia e Sociologia
Jurídica. Carlos Cossio, o argentino responsável pela criação da Teoria Egológica do
Direito, teve um grande papel no desenvolvimento de uma noção jus-filosófica na qual
o objeto estudado pela ciência política seria a conduta humana, e a norma seria,
portanto, apenas uma expressão desse objeto cultural em interferência intersubjetiva.

Palavras-chave: Egológica. Culturalismo. Norma. Conduta. Ordenamento jurídico.


Objeto cultural. Carlos Cossio.

Abstract
In this work, it will be dealt with about its main concepts and its influence in
the Brazilian legal sphere, mainly in Philosophy and Legal Sociology. Carlos Cossio,
the Argentine responsible for the creation of the Egological Theory of Law, had a great
role in the development of a jus-philosophical notion in which the object studied by
political science would be human conduct, and the norm would therefore be just an
expression of this cultural object in intersubjective interference.

Keywords: Egologica. Culturalism. norm. conduct. Legal system. Cultural Object.


Carlos Cossio.

SUMÁRIO: Resumo. Abstract. Introdução. 1 Carlos Cossio e o Culturalismo jurídico.


1.1 O Direito como objeto cultural na ciência jurídica. 1.2 Vida e obra de Carlos Cossio.
2 Teoria Egológica do Direito. 2.1 Principais conceitos e teses referentes ao
Egologismo. 2.2 A norma jurídica sob a ótica da Teoria Egológica do Direito. 3 A Teoria
egológica sob a ótica jurídica brasileira. 3.1 O impacto e os defensores da Teoria
Egológica no Brasil 3.2 A Teoria Egológica do Direito em face do ordenamento jurídico
brasileiro. Conclusão. Referências.

1
Acadêmica do Primeiro Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros –
UNIMONTES. E-mail: ice.lommez@gmail.com
2
Acadêmico do Primeiro Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros –
UNIMONTES. E-mail: gsilvaoliveira89@gmail.com
3
Acadêmico do Primeiro Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros –
UNIMONTES. E-mail: jonasandradesb@gmail.com
4
Acadêmico do Primeiro Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros –
UNIMONTES. E-mail: moisesalmeidaarruda12@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
No presente trabalho foi feita uma pesquisa sobre a teoria egológica do
direito, formulada por Carlos Cossio, onde, inicialmente, será apresentada uma
análise conjugada desta teoria com a corrente do culturalismo jurídico, fazendo
apresentações individuais de cada. Por fim será apresentada uma pesquisa referente
a essas duas correntes frente o ordenamento jurídico brasileiro, com o escopo de
compreender em que grau a teoria de Cossio se faz presente ou representada no
ordenamento brasileiro.

1 CARLOS COSSIO E O CULTURALISMO JURÍDICO


1.1 O Direito e o objeto cultural na ciência jurídica
O Culturalismo jurídico é um pensamento acerca do estudo do direito que
entende este como um objeto cultural, ou seja, fruto da criação humana, para atender
a seus objetivos, ou em outras palavras, aquilo que não é dado pela natureza ao
homem, mas sim um resultado de um esforço ou de um trabalho, sendo, por isso,
dotado de valor próprio de acordo com um determinado momento histórico e em
função de uma dada realidade social de cada tempo e lugar, se inserindo assim no
campo da cultura.
Nesse sentido, tem sua origem na escola do Recife, com raízes nos
pensamentos expressos nas obras de Tobias Barreto, que mesmo sendo muito
influenciado por autores alemães, conseguiu designar um significado próprio no
âmbito brasileiro. Chegando, após isso, a São Paulo, onde teve o seu ápice de
expressão nas obras de Miguel Reale.
Ademais, a corrente do culturalismo jurídico foi muito importante por
representar uma quebra de certos padrões, uma vez que superou as ideias do
jusnaturalismo e do positivismo da época, quebrando a ideia de que o direito se tratava
apenas de um sistema estritamente normativo e formalizado, na mesma medida em
que se opunha ao jusnaturalismo.
No estudo de tal temática, é importante analisar também o conceito de
cultura, sendo este a base para os pensamentos dessa corrente, onde pode-se
deduzir de cultura tudo aquilo que o homem acrescenta à natureza, em forma de, por
exemplo, trabalho, o que atribui a tal objeto um caráter valorativo, ou seja, a cultura
seria uma natureza modificada e não algo criado, pois o ser humano apenas modifica
ou acrescenta a aquilo que já existe, ou em outras palavras, atribui valor aos objetos
naturais.
Portanto, para o culturalismo, os estudos da ciência jurídica, quando
vista como uma ciência cultural, podem tomar dois rumos de acordo com seu
substrato, ou seja, sua base. Quando esse substrato se trata de um objeto físico, tem-
se o objeto cultural mundanal ou objetivo, trabalhado por, dentre outros autores,
Miguel Reale, e no caso de o substrato ser a conduta humana, tem-se então um objeto
cultural egológico ou subjetivo, que é o foco deste trabalho, onde se encontram quatro
principais teorias relacionadas ao culturalismo no direito, sendo uma delas a teoria
egológica do direito apresentada por Carlos Cossio, que é o principal foco do presente
artigo, apresentada adiante.

1.2 Vida e obra de Carlos Cossio


Carlos Cossio foi um jurista, advogado, filósofo de direita, militante da
reforma universitária e professor argentino, que nasceu no dia 03 de fevereiro de 1903,
na cidade de San Miguel de Tucumán, na Argentina, e faleceu no dia 24 de agosto de
1987, na capital Buenos Aires. Concluiu seus estudos básicos na sua cidade natal e
após isso mudou-se para a capital e ingressou no curso de direito pela Universidade
de Buenos Aires, onde defendeu e publicou sua tese de doutorado intitulada “a
reforma universitária ou o problema da nova geração.”
Cossio sempre foi muito ativo na sua vida acadêmica, como nos
momentos em que se vinculou ao movimento reformista e se tornou um dos líderes
no movimento estudantil, sendo inclusive, devido a este seu posicionamento
revolucionário e ligação com estes movimentos, destituído do cargo de professor da
Universidade de Buenos Aires, pelo governo militar, no ano de 1956. Além disso, um
fato relevante de sua trajetória foi a formação da “Escola de Direito Argentina”, onde
conseguiu vários adeptos e seguidores dos seus pensamentos e alcançou um
reconhecimento e prestígio em um nível nunca imaginado.
Sua famosa Teoria Egológica do Direito, que teve seu princípio enquanto
lecionava na Universidade Nacional de La Plata, entre os anos de 1934 e 1948, teve
grande importância no cenário jurídico uma vez que trouxe uma nova visão acerca do
direito na época, divergindo da conhecida Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen,
classificando o direito como “condutas em interferências intersubjetivas”, ou seja,
trazendo uma nova forma de analisar e trabalhar o direito, em que a conduta era o
principal substrato, utilizada, em certos momentos, até os dias atuais
Nesse contexto, suas principais obras a respeito da Teoria Egológica são:
“Radiografia de la Teoría Egologica del Derecho: con una introducción a la
fenomenología egológica” (Radiografía da Teoria Egológica do Direito: com uma
introdução à fenomenologia egológica, 1987) e “Teoría Egológica del Derecho y el
Concepto Jurídico de la Libertad” (Teoria Egológica do Direito e o Conceito Jurídico
da Liberdade, 1944), não havendo, portanto, nenhuma tradução para a língua
portuguesa.

2 TEORIA EGOLÓGICA DO DIREITO


2.1 Principais conceitos e teses referentes ao Egologismo
Egológica, do latim “Ego” (eu) e do grego “Logos” (que remete ao
conhecimento), é uma alusão à ideia de que o Direito é uma correlação entre egos,
pessoas, suas condutas e o exercício de suas liberdades. A Teoria Egológica do
Direito surge em contrapartida à Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen.
Nesse sentido, Carlos Cossio concebeu uma problemática jurídico-
filosófica direcionada para a investigação jurídico-científica, baseando-se no
instrumento teórico da filosofia contemporânea: na fenomenologia de Husserl, que diz
que o mundo só pode ser compreendido a partir da forma como se manifesta, ou seja,
como aparece para a consciência humana, sendo a consciência responsável por dar
sentido às coisas. Baseia-se também no existencialismo de Heidegger, dizendo que
o homem tem a liberdade para agir conforme as múltiplas possibilidades que se
apresentam. O homem faz a sua própria história, com escolhas, decisões e juízos de
valor. Ao viver, ele desenvolve condutas, as quais devem se compatibilizar com as
dos demais homens.
Enquanto o racionalismo crê que o objeto a ser conhecido pelo jurista são
as normas, que são objetos ideais, tais quais os objetos da matemática, que não se
vê nem se apalpa, o empirismo crê que o direito é um fato psicológico com sua
circunstancial ligação ambiental e, para o historicismo, o direito é um fato histórico
que, como tal, é a história desse fato. Dessa maneira, a Teoria Egológica considera
que o objeto a se conhecer pelo jurista não são as normas, mas sim a conduta humana
enfocada desde certo ângulo particular, porque as normas jurídicas são só conceitos
com os quais se conhece a conduta. Entende-se que o Direito não é uma abstração
lógica, mas uma realidade encontrada na vida cotidiana.
Ademais, para Cossio, é estranha a perspectiva de que das disciplinas
sociais, a ciência do direito seja a única a desgarrar-se do bloco das ciências culturais
e ir inscrever-se na companhia das matemáticas e da lógica. Nesse sentido, a ciência
jurídica deve estudar a conduta humana, enfocada em sua dimensão social, política,
ideológica, econômica e psicológica, e não na norma jurídica, como previa Kelsen.
Cossio afirma que a ciência do direito é normativa, mas diz que essa normatividade
não deriva de ser seu objeto a norma, e sim de que o direito se utiliza das normas
para o estudo da conduta, que é seu real objeto. Ele, então, considera a norma como
mero instrumento de expressão do direito, portanto ela não cria ou extingue o Direito.
A partir disso, Carlos Cossio procura superar o Direito centrado na lógica
da positividade da hierarquia das normas formulando sua Teoria Egológica do Direito
tendo como referência a Lógica Transcendental do Criticismo Kantiano, a
fenomenologia de Husserl e o existencialismo de Heidegger. Para delimitar o objeto
da ciência do direito, Carlos Cossio apoiou-se na teoria dos objetos de Husserl, a qual
sintetizou, reconhecendo então quatro regiões ônticas, quatro modos de distinguir os
objetos em função de seus caracteres, em função do ato gnoseológico (busca pela
essência) correspondente, ou seja, do modo como apreendemos os diferentes tipos
de objetos e o respectivo método
Desse modo, a partir das ideias dos objetos de Husserl, existem quatro
tipos de objetos: os Ideais (irreais, neutros de valor, não estão na experiência), os
Naturais (reais, estão na experiência, mas são neutros ao valor), os Culturais (reais,
estão na experiência, tem valor positivo ou negativo) e, por fim, existem os objetos
Metafísicos (reais, têm existência, mas não estão na experiência e são valiosos
positiva ou negativamente). Assim, Cossio considerou o Direito como um objeto
cultural egológico, pois foi criado pelo homem atuando segundo valorações, e tendo
por substrato a conduta humana.
O método considerado por Cossio adequado para o estudo do Direito é o
empírico-dialético. Sendo assim, o método é empírico porque dirige-se a coisas reais,
ou seja, à realidade do substrato e à realidade da vivência (há um suporte fático e um
juízo de valor atribuído ao objeto). Além disso, é dialético porque consiste na cognição
de um objeto cultural em seu desenvolvimento, isto é, em sua dinâmica. Portanto, o
método empírico-dialético passa da materialidade do substrato à vivência quantas
vezes forem necessárias para alcançar o conhecimento do Direito; sendo que o
resultado obtido não é uma conclusão definitiva, mas provisória, uma vez que há uma
evolutividade ou historicidade da conduta que é um “dever-ser existencial”, ou seja, é
transitório.
Posto isso, o ato gnoseológico (busca pela essência) com o qual se
constitui tal método é o da compreensão. Dessa forma, o Direito deve ser
compreendido, porque os objetos culturais implicam sempre um valor, não se
explicam, nem por suas causas, nem por seus efeitos, mas se compreendem. Em
suma, para Cossio, compreender é revelar o sentido, e isso só é possível através do
método empírico-dialético, dirigido a uma investigação entendedora da realidade e
sua dinâmica e não meramente explicativa.
Cossio resumiu sua teoria em cinco teses fundamentais apresentadas,
primeiramente, em 1963 e posteriormente em seu livro denominado Radiografia da
Teoria Egológica do Direito (tradução livre). A primeira tese intitulada “O Direito como
conduta humana” afasta a ideia de que o Direito seja norma ou vontade do legislador,
assim, a Teoria Egológica frisa o fato de que nenhum legislador cria o direito, podendo
apenas criar sua modificação. Isso porque o legislador já encontra um direito dado
com anterioridade na experiência. Em resumo, o direito preexiste na conduta humana
das pessoas, e o Direito é, ele mesmo, conduta.
Em sequência, a segunda tese denominada “A conduta jurídica é
perceptível” demonstra que a conduta de interesse do Direito é aquela em sua
interferência intersubjetiva ou compartilhada, isso quer dizer que a conduta é
perceptível à sensibilidade, pois os fenômenos da conduta se percebem naquilo que
concerne à exteriorização da própria conduta. Ademais, terceira tese denominada “A
conduta jurídica é justificável” diz que para o homem decidir fazer isso ou aquilo, tem
que justificar para si mesmo a eleição feita, ou seja, tem que descobrir qual de suas
ações possíveis naquele instante é a que mais dá realidade à sua vida, a que possui
mais sentido.
Além disso, a quarta tese denominada “A conduta jurídica é projetável”,
relembra que para a Teoria Egológica, a conduta humana é um dever-ser existencial,
isto é, a conduta se integra com a emoção em si mesma. E, por fim, a quinta e última
tese conhecida como “O erro doutrinário, como inadequação da conduta jurídica, tem
a natureza de um obstáculo social”. Essa tese guarda relação com os conflitos
ideológicos do poder político, com a ciência em geral, principalmente no campo das
ciências do homem que, diferente do que ocorre nas ciências naturais, possuem sua
própria verdade oficial. Cossio ainda aponta nesta tese que as posições pré-
egológicas foram impregnadas pela ideologia capitalista. Como exemplo, ele cita a
doutrina do Direito Natural, o racionalismo dogmático dos alemães, que entendia o
Direito apenas como norma e há também o empirismo exegético dos franceses, que
acreditava no Direito como vontade do legislador.

2.2 A norma jurídica sob a ótica da Teoria Egológica do Direito


Em linhas gerais, a norma jurídica é compreendida como o elemento
essencial do Direito objetivo. Ao dispor sobre fatos e consagrar valores, as normas
jurídicas são o ponto culminante do processo de elaboração do Direito e a estação de
partida operacional da Dogmática Jurídica, cuja função é sistematizar e descrever a
ordem jurídica vigente. Para ser mais esclarecedor, as normas ou regras jurídicas
estão para o Direito de um povo, assim como as células para um organismo vivo. Em
contrapartida, o jurista Carlos Cossio, inicia uma nova ideia da concepção normativista
do direito (monismo metodológico positivista), afastando a ideia de que ao Direito
corresponde à norma como expressão de uma relação de dever ser (sollein),
linguagem prescritiva de caráter lógico-formal, tal qual formulada por Kelsen. Dessa
maneira, a posição filosófica de Cossio assume feições humanistas, condicionantes
da interpretação jurídica.
Nesse contexto, a intersubjetividade da norma pode ser compreendida
como a relação entre sujeito e sujeito, bem como, sujeito e objeto. Assim, o
relacionamento entre indivíduos no ambiente localiza-se no campo da ação, ou na
liberdade de ação, o que implica a negociação com o outro. O Direito é, logo, conduta
humana em relação intersubjetiva. É pertinente enveredar pela ideia de que a coação
não integra a essência da norma jurídica, pois o Direito é liberdade. O homem é livre
para violar a norma, cuja estrutura é disjuntiva: é possível que haja a prestação ou a
não prestação, e, neste último caso, poderá ser aplicada a sanção. Desse modo, é
necessário distinguir entre justiça e legitimidade, quando se analisa a norma. A
conduta, portanto, é colocada no centro da análise da norma jurídica. No entanto, essa
concepção não desconsidera a norma no processo de cognição da realidade jurídica,
apenas a posiciona no jogo dialético desse processo, e a faz assumir a posição de
mediadora interpretativa da conduta.
A norma, a partir do jus-egologismo, na visão lógico-formal, é um juízo
hipotético disjuntivo formado por dois juízes hipotéticos ligados pela disjunção,
alternando-se e compondo um todo homogêneo, como conceitua Maria Helena Diniz
(2009, 140p):
“Dado um fato temporal, deve ser prestação pelo sujeito
obrigado em face do sujeito pretensor, “ou” dada a não prestação, deve ser a
sanção pelo funcionário obrigado em face da comunidade pretensora. O juízo
disjuntivo está composto de dois enunciados: o da prestação ou do dever
jurídico, que Cossio denominou endonorma e o do ilícito e sua consequência
jurídica, a sanção, denominado perinorma.”

Dessa maneira, após a realização da análise fenomenológica da forma


definidora da norma jurídica, segundo o egologismo existencial, o resultado se
expressa nos seguintes termos: dado “H” ou “Ft” dever ser “P”, ou dado “ñP” deve ser
“S”. Esclarecendo-se que “H” é a situação coexistencial, “Ft” é o fato temporal, “P” é a
prestação, “ñP” é a não-prestação e “S” é a sanção.
Sendo assim, a primeira e a segunda parte da estrutura normativa, que se
entrelaçam mediante a disjunção “ou” refletem na norma a projeção e o esgotamento
das possibilidades de uma conduta, dentro do lícito e do ilícito. A estrutura traduz as
chances contempladas ao realizar a endonorma (a prestação) e a perinorma (a
sanção).
Ademais, as possibilidades se expressam pelo verbo dever-ser, e é, só
assim, que poderá ocorrer a liberdade efetiva de uma conduta. Essa liberdade jurídica,
na concepção egológica, surge a partir da possível prestação, e não somente da não
prestação defendida pela Teoria Pura Kelseniana.
Para Hans Kelsen, a única maneira de uma conduta penetrar no mundo do
Direito é imputando-lhe uma sanção, em função da norma ser o próprio Direito. Cossio
enriquece essa fórmula e afirma que tanto a perinorma como a endonorma possuem
o mesmo valor ontológico. Portanto, Cossio apenas retífica alguns pontos, a fim de
enfatizar a ideia de que o Direito não está somente ligado à conduta ilícita, sendo
válido considerar também o valor do dever, da prestação, do lícito, bem como o direito
subjetivo, afastando o positivismo jurídico e adentrando no campo da conduta
conceitualizada pela norma. A norma, por sua vez, como juízo disjuntivo, afasta o
Direito de toda a ideia de imperatividade, na medida em que esta implica a emanação
de uma ordem, e a norma jurídica não contém, em nenhuma hipótese, qualquer
espécie de mandato, de imposição entre legislador e receptor, mediante a análise das
premissas de que a conduta jurídica é perceptível, justificável e projetável. Tendo o
pensamento husserliano como base, a norma não envolve nunca uma ordem por ser
apenas uma simplificação, com a mera finalidade de enunciar como deve ser uma
conduta.
Desse modo, o mestre argentino refuta a teoria imperativista, em virtude de
duas constatações. A primeira consiste que a norma, no plano neótico, pode ser
reduzida a formas, ou seja, para o juízo tem “S” e “P” e, para a norma tem “Dado S
deve ser P” como formas simbólicas, fato que não ocorre com o imperativismo, pois
tal conceito não aceita ser reduzido a qualquer forma. Posto isso, o segundo ponto
refere-se ao fato do juízo e da norma comportarem a reiteração, contrariamente do
imperativismo que não se coaduna com tal situação, pois assim como dispõe Arnaldo
Vasconcelos (2000, p.86): “[...] a conduta em sua liberdade, que se fenomenaliza na
vida do homem, não pode ser objeto de conhecimento conceptual.”
Nesse sentido, experiência jurídica, em Cossio, é maior do que a estrutura
do dever ser comporta, porquanto, a norma, se analisada como objeto ideal, fora das
influências do tempo-espaço, recai sobre um racionalismo formalista, correto do ponto
de vista lógico, mas distante dos fenômenos sociais, afeitos à compreensão dialética
das forças que lutam em seu meio. A experiência jurídica também é considerada como
um “fato da vida”, situado, portanto, temporal e espacialmente, e representa o contato
dos conhecimentos produzidos com a realidade. Ela ocorre quando são enunciadas
normas individuais: negócios jurídicos, atos administrativos, e especialmente, em
caráter paradigmático, a sentença judicial.
Por outro lado, a sentença consiste em um momento privilegiado da
experiência jurídica, sendo um “fato da vida”, expressa norma e guarda em si um
“conteúdo dogmático”. Dessa forma, Carlos Cossio considera o juiz, integrante
necessário do “ordenamento”, como o “cânone do conhecimento jurídico”, e não
esquece que os valores realizados pela decisão resultam da vida compartilhada, são
intersubjetivos e não o produto de uma mente iluminada. O juiz, portanto, ao
protagonizar a experiência jurídica, é chamado a atuar e conhecer uma conduta
específica, até deixar claro seu sentido objetivo (compartilhado e legítimo), por isso
ele é o cânone, cujo papel os demais juristas devem realizar, se pretendem levar a
cabo uma experiência. Assim, a noção de experiência jurídica, conforme concebida
por Cossio, decorre do conceito de “experiência natural”, inaugurado por Kant na obra
“Crítica da Razão Pura”, para refletir sobre a maneira pela qual é possível o
conhecimento. A experiência natural, de acordo com Kant, é constituída sempre por
dois elementos: uma estrutura lógica (a lei natural: S é P) e, portanto, formal,
necessária e a priori, visto que existe independentemente da experiência; e um
conteúdo empírico, contingente. Cuida assim dessa experiência de uma consideração
descritiva, visto que não há pré-julgamento, mas sim uma demonstração. Trata-se,
nesse contexto, de uma oposição entre matéria e forma. A matéria, o elemento
sensível dos fenômenos, ou conteúdo empírico; e a forma, aquilo que permite que o
fenômeno possa ser ordenado em determinadas relações.
De fato, é inegável a contribuição de Carlos Cossio, através da Teoria
Egológica, para o surgimento de um novo olhar sobre o processo de conhecimento do
Direito numa perspectiva humanista, culturalista, que preserva a um só tempo os
valores que determinada comunidade preservam e queiram ver vigentes em
determinada época, sem que, para isso, abdique-se de uma construção normativa
segura na qual se apoie e possa fazer valer enquanto coativa, cuidando-se para não
cair em abusos interpretativos, destruidores de valores que pretendem preservar. E
nessa perspectiva, é notória a importância do pensamento cossiano para se
compreender a norma jurídica, e consequentemente, o estudo científico do Direito.
Haja vista, as falhas constantes no egologismo são mínimas frente à contribuição de
Cossio no aperfeiçoamento da configuração das faixas de juridicidade, na distinção
entre norma jurídica e norma moral e nas potencialidades da conduta livre do homem.
Ademais, o egologismo é de grande relevância para a Filosofia do Direito.
Conforme propõe o autor Paulo Nader (2014, 51p.): “A Filosofia do Direito é uma
reflexão sobre o Direito e seus postulados, com o objetivo de formular o conceito do
Jus e de analisar as instituições jurídicas no plano do dever ser, levando-se em
consideração a condição humana, a realidade objetiva e os valores justiça e
segurança”. Nesse sentido, segue o Egologismo, escola de pensamento jurídico
argentina fundada por Carlos Cossio, pois também traz a ideia de construção de uma
normatividade jurídica a partir da análise da relação sujeito existencial com a norma,
frisando que direito é a tutela da conduta humana em sociedade, conduta objetivada
em atos e tutelável pelo estado.

3 A TEORIA EGOLÓGICA SOB A ÓTICA JURÍDICA BRASILEIRA


3.1 O impacto e os defensores da Teoria Egológica no Brasil
A Teoria Egológica de Carlos Cossio, apesar de ser reconhecidamente
importante para o desenvolvimento de um pensamento jurídico engajado, não teve
amplo alcance no Brasil, e encontra-se, principalmente, no pensamento de quatro
autores: Antonio Luiz Machado Neto, Julio C. Raffo, Arnaldo Vasconcelos e Marília
Muricy. Percebe-se, além disso, que a maior parte das referências ao egologismo se
encontram em artigos e teses pontuais.
Nesse contexto, Antônio Luiz Machado Neto (Salvador, 12 de junho de
1930 — 17 de julho de 1977), foi um jurista formado pela Faculdade de Direito da
Bahia, e o principal expoente do pensamento egológico brasileiro. Desse modo,
Machado Neto se opôs ao pensamento positivista, que concebia a ciência jurídica de
forma simplória e estabelecia que a norma, tão somente, era o seu objeto de estudo.
O referido autor, que também possuía formação filosófica e sociológica, se aproxima
então das ideias da Teoria Egológica do Direito. No entanto, Machado Neto, em
decorrência do Golpe Militar de 1864, foi perseguido pela ditadura, assim como muitos
outros intelectuais da época, sendo afastado de seu cargo de professor da
Universidade de Brasília em 1965.
Outro grande nome do pensamento egológico brasileiro é o professor Julio
C. Raffo, argentino que fugindo da ditadura em seu próprio país, chega ao Brasil nos
anos 70 e se estabelece como professor da Universidade Cândido Mendes de
Ipanema e na PUC-RJ. Assim como Machado Neto, Julio C. Raffo é um defensor da
Teoria Egológica e ainda um discípulo direto de Carlos Cossio.
Ademais, Arnaldo Vasconcelos, professor de Teoria Geral do Direito da
Universidade Federal do Ceará e do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade de
Fortaleza, é, assim como os outros autores acima citados, um dos grandes nomes
representantes do egologismo brasileiro. Assim, Arnaldo Vasconcelos, um autor
quase obrigatório ao tratar do tema, é um dos grandes expoentes da propagação das
ideias de Carlos Cossio na atualidade, e marcou, assim, a formação da nova geração
de juristas.
Por fim, a baiana Marília Muricy, professora da Universidade Federal da
Bahia, discípula de A. L. Machado Neto e continuadora de suas ideias, é o mais
recente expoente das ideias de Carlos Cossio no âmbito jurídico brasileiro. Desse
modo, a professora é uma das responsáveis que a Faculdade de Direito da UFBA
tenha sido um dos polos do egologismo no Brasil.
3.2 A Teoria Egológica do Direito em face do ordenamento jurídico brasileiro
Devido a perseguição política sofrida por Cossio em seu país de origem,
este passou por um período de obscuridade em sua produção científica. Além disso,
o seu principal defensor, A. L. Machado Neto, assim como Carlos Cossio, foi
perseguido pela ditadura de seu respectivo país. Posto isso, o trabalho de Carlos
Cossio e sua Teoria Egológica não alcançou espaço expressivo na comunidade
acadêmica do Brasil.
No ensino jurídico e na discussão sobre o Direito no Brasil, é perceptível
um certo atraso em relação à superação do positivismo instalado com a Teoria Pura
do Direito de Hans Kelsen, mantendo-se a perspectiva da construção e da
interpretação jurídica num sujeito de direito ideal e abstrato. O positivismo, que cerceia
o estudo do direito, isola a norma da realidade social em que está inserida, valorizando
a forma, o que tende a uma desumanização da justiça em busca de uma objetividade
legal.
Por conseguinte, a Teoria Egológica do Direito de Carlos Cossio, não tem
alcance real no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, suas ideias têm grande
importância no âmbito da Filosofia e Sociologia do Direito. Portanto, não foram de
grande influência para a construção do atual ordenamento jurídico brasileiro, o que
confirma Carlos Cossio, apesar de ser um dos grandes nomes Latino-americanos em
relação ao estudo da ciência política, ainda é relativamente desconhecido no Brasil.

CONCLUSÃO
Neste trabalho, foi proposto a análise da Teoria Egológica do Direito de
Carlos Cossio e seu culturalismo egológico em face do âmbito jurídico brasileiro.
Percebe-se com base no que foi apresentado diferentes aspectos dessa Teoria, sendo
os principais: A conduta humana como objeto da ciência jurídica, o conceito de
liberdade para Carlos Cossio, o egologismo existencial, a norma jurídica em sua visão,
a experiência jurídica e seu contraponto às ideias de Hans Kelsen.
Por fim, de acordo com o que foi dito anteriormente, Carlos Cossio, apesar
de sua ampla contribuição para disciplinas como Filosofia e Sociologia Jurídica, não
possui alcance expressivo na comunidade acadêmica e, portanto, não tem influência
real no ordenamento jurídico brasileiro.
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