Você está na página 1de 13

Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 3

Letícia Marina da Rocha Grossi1 Análise da satisfação e das restrições


Renata Coelho Scharlach2 de participação em usuários de
próteses auditivas: um estudo em
idosos
1 Fonoaudióloga. Especialista em Satisfaction and participation restrictions in
Audiologia pelo Instituto de
Estudos Avançados da Audição
hearing aids’ users: a study with elderly
IEAA – SP.

2 Fonoaudióloga. Professora Resumo


Doutora do Instituto de Estudos
Avançados da Audição – IEAA(SP) Objetivo: verificar a satisfação dos usuários idosos de prótese auditiva
e do Programa de Mestrado e a percepção individual das restrições de participação advindas da
Profissional em Reabilitação do perda auditiva. Material e Método: participaram deste estudo 20 idosos
Equilíbrio Corporal e Inclusão
do gênero masculino e feminino, com idade acima de 65 anos,
Social da Universidade
portadores de perda auditiva bilateral do tipo neurossensorial, de grau
Bandeirante de São Paulo
leve a moderadamente severo, usuários de prótese auditiva bilateral há
(UNIBAN - Brasil).
mais de três meses acompanhados em um Centro Auditivo da cidade de
Petrópolis. Foram aplicados dois questionários, o HHIE (Hearing
Handicap Inventory for Elderly) e, o QI-AASI (Quesitonário
Internacional – Aparelho de Amplificação Sonora Individual). Para
análise estatística, os testes utilizados foram o teste paramétrico
ANOVA e o teste de Correlação de Pearson. O nível de significância
adotado para as análises realizadas foi de 0,05 (5%). Resultados: 20%
dos idosos avaliados não apresentaram handicap auditivo, 40%
handicap de grau leve/moderado e 40% handicap de grau severo. O grau
da perda auditiva não influenciou nos escores dos questionários HHIE e
QI-AASI. Houve uma correlação negativa significativa entre os
resultados do questionário HHIE e do QI-AASI e uma correlação
positiva significativa entre os resultados das subescalas social e
emocional do questionário HHIE e entre os fatores 1 e 2 do questionário
QI-AASI. Conclusão: os questionários são excelentes instrumentos
para identificar as restrições advindas da perda auditiva identificando
situações de dificuldade decorrente da alteração auditiva. Independente
do grau do handicap auditivo, os usuários de prótese auditiva
mostraram-se satisfeitos com o uso do mesmo e quanto maior a
satisfação, menor o handicap.

Palavras-chave: Perda auditiva. Auxiliares de audição. Idoso.


Reabilitação de deficientes auditivos.

Autor para correspondência:


Renata Coelho Scharlach
Rua Maria Cândida, 1813
São Paulo, CEP: 02.071-022
E-mail: rescharlach@hotmail.com
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 4
-

Introdução

Grossi, Scharlach, 2011


Quando se vive a juventude, envelhecer parece algo muito distante; uma
estação da vida capaz de palpitar um turbilhão de pensamentos e
sentimentos. Entre o pavor e o medo, há uma desejada vontade de se viver
de maneira saudável por muito tempo. O envelhecimento no Brasil faz parte
de uma realidade cada vez mais próxima de ser vivenciada. Com o passar
dos anos e com os avanças tecnológicos, o ser humano é capaz de desfrutar
a tão sonhada velhice, denominada de terceira idade 1.

Qualquer desvantagem imposta pela deficiência ou pela incapacidade


auditiva, que limita o funcionamento psicossocial, afetando a relação do
indivíduo com sua família e com a sociedade, é caracterizada como
handicap 2.

Se considerarmos que a audição social refere-se à audição da palavra falada


em diferentes ambientes, efetivando assim a comunicação entre dois ou
mais indivíduos, devemos reconhecer que os limiares auditivos, assim como
o índice de reconhecimento de fala, não representam, verdadeiramente, a
audição social do indivíduo 3.

Uma das formas de diminuirmos o impacto da perda auditiva na vida de um


indivíduo é por meio do uso de próteses auditivas (amplificação sonora).
Assim, todos os sons ambientais e de fala serão amplificados, além de sinais
de perigo e alerta, o que possibilitará ao indivíduo uma melhor qualidade de
vida e melhores condições psicossociais e intelectuais. O momento da
decisão de usar um dispositivo de amplificação sonora parte da auto-
percepção das restrições de participação nas atividades de vida diária. Os
indivíduos adultos, muitas vezes, tendem a relutar quanto à aceitação de
uma deficiência auditiva, geralmente atribuindo suas dificuldades auditivas
ao ambiente inadequado ou à comunicação de terceiros. Os indivíduos
idosos tendem a tolerar mais qualquer tipo de deficiência, tendo como
justificativa o fator idade 4.

O indivíduo portador de uma deficiência auditiva, quando decide usar


prótese auditiva, não a está fazendo devido à sua perda de audição e, sim,
devido ao seu sofrimento, e quando este se torna grande o suficiente, este
indivíduo passa a ser candidato em potencial ao uso da amplificação sonora
5
.

Uma forma de minimizar os efeitos negativos da deficiência auditiva em


idosos é a utilização dos recursos tecnológicos disponíveis, ou seja, dos
aparelhos de amplificação sonora, também chamadas de próteses auditivas,
e dos equipamentos auxiliares para audição. Entretanto, diversos fatores
podem determinar a não-utilização desses instrumentos, como: a falta de
orientação e de aconselhamento ao usuário; a criação de expectativas
inadequadas, relacionadas aos benefícios; além de possíveis limitações dos
próprios instrumentos. Atualmente, o processo de escolha de um sistema de
amplificação depende de um programa de adaptação ao uso do mesmo. A
implantação de um programa de reabilitação audiológica global, o qual
auxilie os idosos portadores de deficiência auditiva, assim como seus
familiares a lidarem com as limitações e restrições de participação
resultantes dessa deficiência, é fundamental. A adaptação da prótese
auditiva deve ser encarada, não como essência, mas sim como parte
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 5
-

integrante desse programa, e que poderá acelerar esse processo,


contribuindo para o bem-estar físico mental e social do idoso 6.

O bom êxito no processo de seleção e adaptação da prótese auditiva


depende, também, do quanto o paciente está satisfeito com os resultados do
uso do seu aparelho. Portanto, conhecer o grau de satisfação do paciente
com o uso deste, em relação à sua qualidade de vida e todos os aspectos
comunicativos a ela relacionados, é imprescindível para a criação de
estratégias que proporcionem o uso efetivo da prótese auditiva por parte do
paciente idoso, na busca da redução dos prejuízos causados pela perda
auditiva. Um método para avaliar o grau de satisfação do usuário em relação
ao uso da prótese auditiva é a aplicação de questionários de auto-avaliação.
No Brasil, alguns questionários de auto-avaliação foram traduzidos e
adaptados à realidade do nosso país, investigando o grau de satisfação do
usuário e os benefícios obtidos com a redução das limitações e restrições de
participação devido ao uso da prótese auditiva 7.

Ventry e Weinstein (1982) desenvolveram o questionário Hearing


Handicap Inventory for the Elderly (HHIE), cujo objetivo foi avaliar o
impacto da perda auditiva no ajuste emocional e social/situacional do
paciente idoso não institucionalizado. Os autores sugeriram a sua utilização
para aconselhamento, bem como em programas de reabilitação auditiva e
avaliação dos benefícios do uso da amplificação, permitindo a verificação
da mudança na auto-percepção do handicap 9.

O International Outcome Inventory for Hearing Aids (IOI-HA), traduzido


para o português como Questionário Internacional – Aparelho de
Amplificação Sonora Individual (QI-AASI) é um questionário que tem
como objetivo avaliar a satisfação e a efetividade que o AASI proporciona
ao usuário 11.

O processo de seleção e adaptação da prótese auditiva no idoso visa retirá-lo


do isolamento social, dando prioridade à sua qualidade de vida e auxiliando-
o, bem como os seus familiares, a lidar com está dificuldade e o com o
impacto e as restrições de participação que ela traz sobre as atividades
diárias 8.

O presente estudo teve como objetivos: verificar a percepção individual das


restrições advindas da perda auditiva, identificando situações de dificuldade
decorrentes dessa perda por meio da aplicação do questionário HHIE
(Hearing Handicap Inventory for Elderly) em uma população de idosos e,
verificar a satisfação de usuários idosos de próteses auditivas por meio da
aplicação do Questionário Internacional – Aparelho de Amplificação Sonora
Individual (QI- AASI).

Material e Método
Trata-se de um estudo transversal no qual foram avaliados 20 idosos dos
gêneros masculino e feminino com idade superior a 65 anos. Todos
portadores de perda auditiva neurossensorial de grau leve a moderadamente
severo, usuários de prótese auditiva com adaptação bilateral há mais de três
meses e acompanhados em um Centro Auditivo da cidade de Petrópolis-RJ.

Todos os voluntários da pesquisa foram convidados a ler o termo de


consentimento livre e esclarecido e se de acordo, assinaram o termo.
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 6
-

Foram aplicados dois questionários, sendo um para avaliar a restrição de


participação decorrente da deficiência auditiva mesmo com o uso da prótese
auditiva e o outro para avaliar o grau de satisfação com o uso da
amplificação.

Os pacientes foram orientados a selecionar a opção que mais se aproximasse


das situações vividas no cotidiano com o uso da prótese auditiva,
respondendo os questionários, individualmente, sem qualquer intervenção
de terceiros.

O primeiro questionário aplicado foi o HHIE (Hearing Handicap Inventory


for Elderly). Este questionário proposto por Ventry, Weinstein em 1982 9,
traduzido e adaptado para o português por Wieselberg em 1997 10. É
composto por 25 questões, das quais 13 se destinam à análise do impacto
emocional causado pela deficiência auditiva e 12, à análise do impacto da
referida perda no âmbito social/situacional na população idosa.

Assim sendo, o handicap é avaliado segundo critérios de pontuação. Ventry,


Weinstein (1982) 9 propuseram uma forma de mensurar a desvantagem
auditiva sendo que quatro pontos são atribuídos às respostas “sim”, dois
pontos às respostas “às vezes” e zero ponto às respostas “não”.

Os valores compreendidos entre 0 e 16 pontos significam que não há


percepção de desvantagem auditiva. Entre 18 e 42 pontos, há percepção
leve/moderada de desvantagem auditiva e entre 42 e 100 pontos há
percepção severa/significativa de desvantagem auditiva 10.

O segundo questionário aplicado foi o QI-AASI (versão em português do


International Outcome Inventory for Hearing Aids – IOI-HA). Este
questionário foi elaborado por Cox et al (2002) 11, traduzido e adaptado para
o português por Bevilacqua, Henriques (2002)12 como, Questionário
Internacional – Aparelho de Amplificação Sonora Individual (QI-AASI).
Ele é composto por sete questões que abrangem os seguintes aspectos: 1-
uso; 2- benefício; 3- dificuldades auditivas residuais; 4- satisfação; 5-
restrição residual de participação social; 6- impacto em outros; 7- qualidade
de vida. Este questionário foi traduzido em 21 idiomas e elaborado com
questões com poucas exigências cognitivas e de fácil nível de leitura para os
indivíduos, e tem como objetivo avaliar a satisfação do indivíduo com
relação à amplificação.

O IOI-HA não é medido unidimensionalmente, pois os sete itens podem ser


agrupados em duas diferentes dimensões, o fator 1 que se relaciona a
satisfação pessoal, introspectiva, com o AASI (questões 1, 2, 4 e 7) e o
fator 2 relacionado ao impacto do uso de AASI no âmbito social, ou seja,
das inter-relações (questões 3, 5 e 6) 11.

Os sete itens foram elaborados com cinco possibilidades de respostas,


procedendo do pior resultado à esquerda (pontuado com um) para o melhor
resultado à direita (pontuado com 5), as possibilidades de respostas
intermediárias da esquerda para a direita são pontuadas com 2, 3 e 4,
respectivamente. A análise do Fator 1 corresponde a soma de quatro itens,
totalizando o mínimo de 4 pontos e o máximo de 20 pontos. Fator 2
corresponde a soma dos três itens totalizando o mínimo de 3 pontos e o
máximo 15 pontos. Para a análise do resultado total realiza-se a pontuação
de cada questão e a pontuação total (com possibilidade mínima de 7 pontos
e máxima de 35 pontos).
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 7
-

A presente pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em


Pesquisa do CEFAC – Saúde e Educação, sob nº 134-09.

Subsequentemente à coleta dos dados, os mesmos foram submetidos à


análise estatística pertinente. Os testes estatísticos utilizados foram o teste
paramétrico ANOVA e o teste de Correlação de Pearson. Para o cálculo dos
valores utilizou-se o programa SPSS 10.0 for Windows (Statitical Package
For Social Sciences, versão 10.0, 1999). O nível de significância adotado
para as análises realizadas foi de 0,05 (5%). Os valores significantes foram
assinalados com asterisco (*).

Resultados
Vinte idosos dos gêneros feminino e masculino usuários de próteses
auditivas a pelo menos três meses, com adaptação bilateral foram avaliados.
Treze (65%) pacientes eram do gênero feminino com média etária de 79,15
anos e sete (35%) eram do gênero masculino com média etária de
74,71anos. A distribuição dos indivíduos quanto ao grau da perda auditiva
pode ser observada na figura 1.

Grau da Perda Auditiva


60%

50%

40%

30%

20%

10%

0% Leve (n=5) Moderado (n=10) Moderadamente Severo (n=5)

Figura 1: Distribuição dos pacientes de acordo com o grau da perda


auditiva

Os escores obtidos pelos idosos com a aplicação dos questionários HHIE e


QI-AASI podem ser observados na tabela 1.
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 8
-

Tabela 1: Medidas descritivas dos escores dos questionários HHIE (total,


emocional e social) e QI-AASI (total, fator 1 e fator 2).

Idoso Média Mediana DP mínimo máximo n

HHIE total 38,80 32,00 25,21 2 92 20

HHIE emoc 18,5 14 15,27 0 48 20

HHIE social 20,2 17 11,06 2 44 20

QI-AASI 29,30 30,00 4,84 18 35 20

Fator 1 17,4 18 2,43 11 20 20

Fator 2 11,90 12,50 2,71 7 15 20

Baseados no escore total obtido com a aplicação do questionário HHIE,


pode-se observar na figura 2 a distribuição dos indivíduos quanto ao grau do
handicap auditivo.

Grau do Handicap
50%

40%

30%

20%

10%

0%

Não Há (n=4) Leve (n=8) Significativo (n=8)

Figura 2: Distribuição dos pacientes de acordo com o grau do handicap


auditivo.

Aplicou-se o teste paramétrico ANOVA para avaliar se houve diferença


estatística entre os escores obtidos no HHIE e no QI-AASI de acordo com o
grau da perda auditiva. O teste estatístico mostrou que não houve diferença
entre os grupos para os dois questionários aplicados (p=0,05 e p=0,939). Ou
seja, independente do grau da perda auditiva não houve diferença nos
escores obtidos nos dois questionários aplicados. O mesmo teste foi
aplicado para avaliar se houve diferença no escore obtido no QI-AASI em
função do handicap auditivo. O teste estatístico mostrou que não houve
diferença no escore obtido entre os três grupos de handicap (p= 0,094).
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 9
-

Para saber se houve alguma correlação entre os resultados do HHIE e do QI-


AASI (total, fator 1 e fator 2) foi aplicado o teste de correlação de Pearson.
Os resultados são observados na tabela 2.

Tabela 2: Resultados do teste de Correlação de Pearson entre os escores do


questionário HHIE e os escores do QI-AASI (total, fator 1 e fator2)

QI-AASI Fator 1 Fator 2

Corr p-valor Corr p-valor Corr p-valor

HHIE (escore) - 0,481 0,033* - 0,439 0,053* -0, 465 <0,039*

Os resultados da análise estatística (Teste de Correlação de Pearson)


evidenciaram que houve uma correlação negativa entre os escores obtidos
no HHIE total, no QI-AASI e em suas subescalas, sendo significante para o
escore total e para o fator 1 e 2. Isto significa que quanto menor foi o escore
total obtido no HHIE, maior foi o escore total e dos fatores 1 e 2 obtido no
questionário QI-AASI.

Por último foi aplicado o teste de Correlação de Pearson para avaliar se


houve ou não alguma correlação entre os escores das subescalas emocional
e social do HHIE e entre os escores do fator 1 e fator 2 do QI-AASI. Os
resultados podem ser observados nas tabelas 3 e 4.

Tabela 3: Resultados do teste de Correlação de Pearson entre os escores do


questionário HHIE subescala social e emocional

HHIE - social

Corr p-valor
HHIE -
emocional

0,838 0,000*

Tabela 4: Resultados do teste de Correlação de Pearson entre os escores do


questionário QI-AASI subescala fator 1 e fator 2

QI-AASI

(fator 2)

Corr p-valor
QI-AASI (fator 1)

0,771 0,000*
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 10
-

A análise estatística realizada por meio do teste de Correlação de Pearson


mostrou que há uma correlação positiva significativa entre os escores das
subescalas social e emocional do questionário HHIE, ou seja quanto maior
for a pontuação numa subescala, maior será na outra e vice-versa. O mesmo
foi observado entre os fatores 1 e 2 do questionário QI-AASI, ou seja
quanto maior a satisfação no aspecto social (fator 2), maior na satisfação
pessoal (fator 1).

Discussão
O estudo constou de 20 idosos dos gêneros feminino e masculino, usuários
de próteses auditivas há pelo menos três meses, com adaptação bilateral.
Treze (65%) pacientes eram do gênero feminino e sete (35%) eram do
gênero masculino.

Conforme demonstrado no Gráfico 1, a maioria dos usuários (10 – 50%)


apresentou perda auditiva de grau moderado. À tabela 1 pode-se observar as
medidas descritivas dos escores obtidos com a aplicação dos questionário
HHIE e QI-AASI. Deve-se reconhecer que a percepção do handicap
auditivo pode variar muito de indivíduo para indivíduo, considerando-se
fatores como idade, situação socioeconômica e aceitação da deficiência
auditiva pelo próprio indivíduo e pelos familiares mais próximos13.

De acordo com alguns estudos observou-se que o benefício e a satisfação


obtidos com o uso da amplificação após um curto intervalo de tempo pode
evidenciar uma grande redução do handicap auditivo, isto em função do
entusiasmo e da grande expectativa do usuário, contudo uma real melhora
do desempenho, capaz de avaliar as limitações da amplificação, deve ser
obtida com um tempo de adaptação de pelo menos três meses, devendo
permanecer e se estabilizar ao longo do tempo17-19. Em função do que fora
comentado pelos autores acima, optou-se, na presente pesquisa, aplicar os
questionários após o período de aclimatização de três meses, para se obter
uma análise mais realista e não em função do entusiasmo dos primeiros dias
de uso da amplificação.

O gráfico 2 mostra a distribuição dos indivíduos quanto ao grau do


handicap auditivo, obtido pela análise do escore total do questionário HHIE.
Verificou-se que quatro indivíduos (20%) não apresentaram handicap, oito
(40%) handicap leve/moderado e oito (40%) handicap significativo/severo.
Vale ressaltar que os indivíduos foram orientados a responder o questionário
pensando na condição atual, ou seja, usando a prótese auditiva e mesmo
assim 40% apresentaram um handicap significativo. Uma vez que o
questionário não foi aplicado também antes da adaptação da prótese
auditiva, não se pode afirmar que a prótese auditiva não esteja ajudando
estes indivíduos a reduzirem suas restrições de participação em atividades
de vida diária, pois não há como comparar os escores antes e após a
adaptação das próteses auditivas.

O teste paramétrico ANOVA evidenciou que não houve diferença estatística


nos escores obtidos na aplicação dos questionários HHIE e QI-AASI
(p=0,05 e p=0,939) em função do grau da perda auditiva, ou seja, o paciente
apresentar uma perda auditiva maior ou menor não influenciou nos escores
obtidos nos dois questionários. Estes resultados mostram que a prótese
auditiva, atualmente, é adaptada não só em função do grau da perda auditiva
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 11
-

do paciente, mas se levando em consideração também suas restrições de


participação nas atividades de vida diária, suas limitações auditivas e suas
necessidades audiológicas, pois os escores dos questionários não foram
piores nos indivíduos portadores de perdas auditivas de grau
moderadamente severo.

O mesmo teste paramétrico (ANOVA) evidenciou que também não houve


diferença estatística (p=0,094) nos escores obtidos no questionário QI-AASI
em função do handicap auditivo. Isto mostrou que mesmo o indivíduo
apresentando um handicap significativo com o uso da prótese auditiva, não
influenciou nos resultados do questionário QI-AASI.

Em uma pesquisa realizada para avaliar a satisfação de 21 indivíduos,


usuários de AASI bilateral há pelo menos três meses, com idades entre 12 e
64 anos e portadores de perda auditiva de grau leve a moderadamente
severo, os autores não encontraram diferenças estatisticamente significantes
entre a percepção da perda pelo paciente e os resultados obtidos com a
adaptação do aparelho, ou seja, o grau de dificuldade auditiva referido pelo
indivíduo não interferiu na avaliação subjetiva da amplificação sonora14.

Um outro estudo avaliou o grau de satisfação e o handicap de 40 usuários de


AASI unilateral, portadores de perda auditiva neurossensorial com idade
entre 40 e 95 anos, avaliados por meio do Questionário Internacional
Aparelhos de Amplificação Sonora (International Outcome Inventory for
Hearing Aids - IOI-HA). Observou-se que a maioria dos usuários (70%)
usou o aparelho por mais de oito horas diárias, sendo que 100% referiram
benefício máximo com o uso deste; 75% relataram redução no handicap e
para 100%, “valeu a pena usar o aparelho”, o que sugere melhora da
qualidade de vida. Os autores observaram, também, que a satisfação
dependeu da aceitação que o indivíduo teve de sua dificuldade auditiva16.

Na tabela 2 foi realizada uma análise de correlação entre os resultados do


escore HHIE e do QI-AASI (total, fator 1 e fator 2). O teste de correlação de
Pearson mostrou que houve uma correlação negativa significante entre os
resultados obtidos nos dois questionários, ou seja, quanto maior foi o escore
obtido no questionário HHIE, menor os escores obtidos no QI-AASI (total,
fator 1 e fator 2). Isto mostrou que quanto maior é a satisfação com o uso
da prótese auditiva (QI-AASI), menor foram as restrições de participação
(HHIE). Isto pode significar que com uma boa adaptação, que atinja as
expectativas do paciente, se possa reduzir as restrições de participação em
atividades de vida diária (handicap), pois garante ao paciente uma maior
confiança para enfrentar as diferentes situações sociais no seu dia-a-dia.

Pode-se observar nas tabelas 3 e 4 que houve uma correlação positiva


significante (teste de correlação de Pearson) entre os escores nas subescalas
social e emocional do questionário HHIE e entre o fator 1 e 2 do
questionário QI-AASI. Isto demonstrou que se do ponto de vista social o
indivíduo apresentou uma restrição de participação aumentada, o aspecto
emocional também se mostrou comprometido. O mesmo comportamento foi
observado no questionário QI-AASI entre suas duas dimensões, a saber,
fator 1 que se relaciona com a satisfação pessoal, introspectiva, com o uso
da prótese auditiva e fator 2 que relaciona-se ao impacto do uso da prótese
auditiva no âmbito social, ou seja, nas inter-relações. Os resultados
mostraram uma coerência entre as respostas.
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 12
-

Em 2005, alguns autores aplicaram o questionário IOI-HA e compararam os


fatores 1 e 2 em deficientes auditivos usuários de prótese auditiva. O estudo
visou relacionar a introspecção do individuo com a prótese auditiva (Fator
1), abrangendo os itens de tempo de uso, beneficio, satisfação e qualidade
de vida, bem como a influência da prótese auditiva nas interações do
indivíduo com o mundo (Fator 2), contendo os itens de limitações de
atividades, restrições sociais e impacto nos outros. Não foi encontrado
resultado estatisticamente significante na relação entre Fator 1 e 2,
indicando que não houve discrepância na relação do usuário com a prótese
auditiva bem como na relação de outras pessoas em relação ao mesmo15.

De acordo com alguns autores, a perda auditiva nos idosos é acompanhada


de mudanças psicológicas que impedem uma comunicação eficiente,
prejudicando a habilidade de manter relações sociais entre as pessoas9, 20-22.

Os resultados desta pesquisa mostraram que mesmo com o uso das próteses
auditivas e mesmo os indivíduos estando satisfeitos com o uso das mesmas,
as restrições de participação nas atividades de vida diária (handicap) podem
continuar. Isto mostra a importância do processo de reabilitação audiológica
com sessões de acompanhamento e de aconselhamento para que se possa,
no decorrer do tempo, auxiliar os pacientes e seus cuidadores a lidarem
melhor com as situações de comunicação, com o uso da nova tecnologia,
conhecer as limitações dos dispositivos de amplificação e as limitações
auditivas decorrentes da alteração do sistema auditivo. Não se pode
esquecer que ser um idoso portador de deficiência auditiva adquirida é algo
que vai além do fato de o indivíduo não ouvir bem, levando a implicações
psicossociais sérias para sua a vida e para os que convivem com ele 23.

Conclusão
Ao término deste estudo, a apreciação crítica dos resultados permite
concluir que: 20% dos idosos avaliados não apresentam handicap auditivo,
40% handicap de grau leve/moderado e 40% handicap de grau severo; o
grau da perda auditiva não influencia nos escores dos questionários HHIE e
QI-AASI; há uma correlação negativa significativa entre os resultados do
questionário HHIE e do QI-AASI, ou seja quanto maior a satisfação do
usuário de AASI menor o handicap apresentado. Há uma correlação positiva
significativa entre os resultados das subescalas social e emocional do
questionário HHIE e entre os fatores 1 e 2 do questionário QI-AASI, ou
seja, a deficiência auditiva interfere tanto nos aspectos sociais quanto
emocionais do idoso.

Para minimizar as reações psicossociais do idoso decorrentes da deficiência


auditiva, faz-se necessário a seleção, indicação e adaptação de prótese
auditiva auxiliando o idoso portador de deficiência auditiva e seus
familiares a lidarem de forma positiva frente às dificuldades de
comunicação.

Sugere-se que o profissional audiologista crie meios para minimizar as


restrições de participação decorrentes da deficiência auditiva,
proporcionando uma melhora na qualidade de vida, promoção de contatos
sociais e diminuição do isolamento.
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 13
-

Abstract
Aim: to verify the satisfaction of hearing aids’ users and their individual
perception of participation restrictions due to hearing loss. Method: 20
elderly males and females over 65 years, with mild to moderately severe
bilateral sensorineural hearing loss, users of bilateral hearing aids for over
three months, followed at a Hearing Center in Petrópolis, participated in the
present study. Two questionnaires were administered: HHIE – Hearing
Handicap Inventory for Elderly (adapted by Wieselberg, 1997) and the IOI-
HA - International Outcome Inventory for Hearing Aids (adapted to
Portuguese by Bevilacqua, Henriques 2002). The parametric tests ANOVA
and Pearson Correlation were used in the statistical analysis. SPSS 10.0 for
Windows (Statistical Package for Social Sciences, version 10.0, 1999) was
the software used for calculation. A significance level of 0.05 (5%) was
chosen. Conclusion: the questionnaires are excellent tools to identify the
participation restrictions due to hearing loss and to identify difficult
situations resulting from the hearing impairment. Regardless of the degree
of hearing handicap, the hearing aid users’ are satisfied with the
amplification and the lower the handicap, the greater the satisfaction.

Key-Words: Hearing loss. Hearing aids. Aged. Rehabilitation of hearing


impaired.

Referências

[1] Megale RL. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos


usuários de próteses auditivas [dissertação]. São Paulo: Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, 2006.

[2] Stephens D, Hétu R. Impairment, disability and handicap in audiology:


towards a consensus. Audiology. 1991;30:185-200.

[3] Schweitzer C. Considerações binaurais e direcionais para a reabilitação


auditiva. In: Almeida K, Iório MCM. Próteses auditivas: fundamentos
teóricos e aplicações clínicas. 2.ed. São Paulo: Lovise; 2003. p.95-117.

[4] Campos CAH, Russo ICP, Almeida K. Indicação, seleção e adaptação de


próteses auditivas. In: Almeida K, Iorio MCM. Próteses auditivas:
fundamentos teóricos e aplicações clínicas. 2.ed. São Paulo: Lovise; 2003.
p.35-53.

[5] Staab WJ. Hearing aid selection: an overview. In: Sandlin RE. Hearing
aid amplification: technical and clinical considerations. 2.ed. San Diego:
Singular; 2000. p.55-136.

[6] Russo ICP. Reabilitação da deficiência auditiva no idoso. In: Campos


CAH, Costa HOO. Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 2002.
p.256-67.

[7] Ávila VD. Impacto da protetização auditiva na qualidade de vida do


idoso [trabalho de conclusão de curso – graduação]. Belo Horizonte:
Universidade Federal de Minas Gerais; 2008.
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 14
-

[8] Russo ICP, Freire, KGM. Proposta de protocolo para seleção e avaliação
em idosos candidatos a reabilitação audiológica. Pró-Fono R Atual Cient.
[online]. 1999;10: 9-15.

[9] Ventry I, Weinstein BE. The hearing handicap inventory for the elderly:
a new tool. Ear Hear .1982; 3(3):128-34.

[10] Wieselberg MB. A auto-avaliação do handicap em idosos portadores de


deficiência auditiva: o uso do HHIE [dissertação]. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo; 1997.

[11] Cox M, Stephenes D, Kramer SE. Translations of the International


Outcome Inventory for Hearing Aids (IOI-HA). Int J Audiol. 2002; 41:3-26.

[12] Bevilacqua MC, Henriques JPS. Questionário Internacional - Aparelho


de Amplificação Sonora Individual (QI- AASI). Copenhagen: BC DECKER
Inc, 2002. (Tradução/Artigo).

[13] Magni C, Armentano JN, Moreira OS, Winter EW. Investigação do


grau de satisfação entre usuários de amplificação monoaural e binaural. Dist
Comun. São Paulo; 2005; 17(3): 323-32.

[14] Costa LP, Iório MCM. Próteses auditivas: avaliações objetivas e


subjetivas em usuários de amplificação linear e não-linear. Pró-Fono R
Atual Cient. 2006;18(1):21-30.

[15] Mello JM, Machado PF, Quintino VV. Questionário IOI-HA, na versão
em português (QI-AASI). Fono Atual. 2005; 34 (8): 65-73.

[16] Magni C, Freiberger F, Tonn K. Avaliação do grau de satisfação entre


os usuários de amplificação de tecnologia analógica e digital. Rev Bras
Otorrinolaringol.2005;71(5): 650-7.

[17] Humes LE, Halling D, Coughlin M. Reliability and stability of various


hearing-aid outcome measures in a group of elderly hearing aid wearers. J
Speech Hear Res. 1996;39(5):923-35.

[18] Humes LE, Garner CB, Wilson DL, Barlow NN. Changes in hearing
aid benefit following one or two years hearing-aid use by older adults. J
Speech Hear Res. 2002;45(4):772-82.

[19] Humes LE, Wilson DL. An examination of changes in hearing-aid


performance and benefit in the elderly over a 3-year period of hearing aid
use. J Speech Hear Res. 2003;46(1):137-45.

[20] Russo ICP. Distúrbios da audição: a presbiacusia. In: __________


Intervenção fonoaudiológica na terceira idade. Rio de Janeiro: Revinter;
1999. p.51-82.

[21] Fialho IM. Perda auditiva em idosos na percepção dos sujeitos [tese].
São Paulo: Universidade de São Paulo; 2001.

[22] Gonçalves CHO, Mota PHM. Saúde auditiva para a terceira idade:
comentários sobre um programa de atenção à saúde auditiva. Dist Comum.
2002;3:335-49.
Revista Equilíbrio Corporal e Saúde, 2011; 3(1): 03-15 15
-

[23] Bess FH, Humes LE. Patologias do sistema auditivo e triagem da


função auditiva. In: ___________. Fundamentos de audiologia. 2ª ed. Porto
Alegre: Artmed; 1998.p.155-94.

Você também pode gostar