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Aracre e Syngenta para a Casa Rosada:

a ratificação dos rumos de um governo tóxico


Escrito por Nicolás Núñez, dirigente do coletivo Ambiente em Luta
(Izquierda Socialista + independentes); e publicado em 06/01/2023

O jornalismo tradicional fala em um “sinal aos


mercados”, uma tentativa de alavancar a “chegada de
investimentos”, mas, na verdade, a chegada de Antonio Aracre
à Assessoria do presidente da nação implica a consolidação do
rumo que sempre teve o governo da Frente de Todos. Vamos
ver.
Ex-CEO da Syngenta, empresa que responde
pela estatal China National Chemical Corp
(empresa química nacional do gigante asiático), a
Aracre havia anunciado meses atrás que daria o
salto “para a política”, e os vazamentos de o “Lago
Escondido” acabou encontrando um lugar para
isso. É que Julian Leunda, o antecessor em seu cargo, teve que renunciar depois
de aparecer entre aquelas mensagens nas quais funcionários de Horacio
Rodríguez Larreta e outros meios de comunicação e funcionários judiciais
organizaram suas viagens ao território apropriado pelo magnata britânico Joe
Lewis na Província de Río Negro e falaram criminalmente e abertamente de
questões como “limpar um Mapuche”. Com a cadeira vaga, o peronismo acabou
recorrendo ao mesmo banco de
quadros políticos a que o
macrismo soube recorrer: o dos
chefes das multinacionais que
são os verdadeiros donos do país.
A Syngenta é hoje a principal empresa global dedicada à
fabricação e comercialização de produtos químicos agrícolas e
dos principais produtos alimentícios do planeta, após absorver
gradativamente grandes multinacionais de sementes e
produtos químicos. Mesmo na Argentina, a Comissão Nacional
de Defesa da Concorrência (CNDC) foi obrigada a opor-se à
fusão entre a Syngenta e a Nidera Semillas (Nidera Sementes),
dado que: “A Syngenta lidera o mercado argentino na pré e pós
comercialização de sementes e detém 40% e 45% das
operações, respectivamente. Enquanto isso, a Nidera é a segunda operadora no
mercado, com 15% e 20%, para a primeira e segunda seções. Juntos, atingem
60% das operações de pré-comercialização e 65% do pós-comercialização em
nosso país” (22/05/21). Ou seja, é uma empresa com papel estratégico na
produção de alimentos, na formação de preços, seja para exportação ou para
consumo local, e no desenvolvimento geral da expansão da fronteira agrícola
baseada na expansão do uso de agrotóxicos e a concentração de terras.
Crescendo à sombra da Monsanto-Bayer, (que
é muito mais exposta a reclamações), a Syngenta
sustenta seus lucros com base na ocultação ativa do
perigo de alguns produtos que vende em países como
o nosso, como a atrazina, um herbicida desregulador
endócrino proibido em 37 países, e que sua empresa
inventora, Ciba Geigy, não comercializa em seu país
de origem, a Suíça (Nota Agência Tierra Viva).
A empresa que por 36 anos teve como
empregado Aracre também tem desde 2015 sua
comercialização do glifosato que a Organização
Mundial da Saúde (OMS) aponta como possível
cancerígeno em humanos e cancerígeno em animais.
A ideia de uma “República Unida
da Soja” que em grande parte ordenou
a extensão ilimitada da fronteira da soja,
esmagando tudo em seu caminho
(comunidades de povos indígenas,
florestas, selvas, produção sustentável,
além de escolas e casas fumigadas), teve
a Syngenta como sua promotora estelar.
Nesse contexto, não há como afirmar juridicamente que não pode haver
“conflito de interesses” ao colocar um mercenário desse calibre no topo do
Estado. Mas quanto à orientação política, social, econômica e ambiental
específica proposta pela Aracre e pelo governo da Frente de Todos, não há
conflito ou oposição no rumo a seguir. De fato, já em março do
ano passado, esse personagem havia aproveitado sua extensa
instalação midiática para se tornar um defensor comprometido
do acordo alcançado entre o governo e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), apoiando assim o brutal ajuste que se
aprofunda desde então nos ombros dos setores populares.
“Porta Giratória” e diferentes nomes próprios para uma mesma orientação
política
A nomeação de Antonio Aracre representa um exemplo clássico do que é
conhecido como movimentos de “Porta Giratória”, em que funcionários trocam
cargos-chave em multinacionais por outros em governos, ou vice-versa, de
forma, é claro, a garantir a maior efetividade possível da defesa dos interesses
empresariais. Agora, seria uma completa ilusão pensar que o compromisso da
Frente de Todos com as multinacionais e grandes patronais do agronegócio, e
mesmo com o governo ditatorial chinês, só começaria
agora que a Aracre teria escritório próprio na Casa
Rosada (sede da presidência da República Argentina, em
Buenos Aires).
Olhando ao longo do tempo, temos os enormes benefícios
que Sergio Massa, atual Ministro da Economia, concedeu ao
setor graças ao “dólar da soja”. Ou, ainda, temos o Projeto de
Lei do Agronegócio que entrou na pauta das sessões
extraordinárias do Congresso, mas que está rondando a pauta há
dois anos. Temos, por outro lado, a tentativa de
transferência das megafábricas chinesas de suínos para o
nosso país, o novo endividamento por projetos nucleares
entrados na Ásia, ou a própria entrada na "Rota da Seda",
para perceber que o compromisso do governo peronista
com a ditadura capitalista chinesa vem desde as origens
de seu mandato. De fato, apenas para citar um único
precedente, podemos nos referir ao endosso de Cristina
Kirchner à instalação de uma base militar/espacial chinesa
na Província de Neuquén, ainda em 2015.
Por outro ângulo, podemos acrescentar que
a lavagem do vínculo com a liderança do
agronegócio que esta nomeação implica é
totalmente correlata à política justificada por
setores como como Pátria Grande de Juan
Grabois, que no ano passado havia afirmado que
não tinha escrúpulos em ir “aos beijos”,
simbolizando acordos com o “Czar da Soja”,
Gustavo Grobocopatel.
A designação de Aracre, então, nada mais é do que a coroação do rumo
percorrido pelo governo de Alberto e Cristina Fernández desde o dia zero, só
que agora passaria a ser um pouco mais administrado por um de seus próprios
beneficiários. Essa afirmação é importante porque setores que compõem ou
estão ligados ao governo nacional aderiram à legítima rejeição à designação de
Aracre, mas tentando intervir internamente na Frente de Todos. Com ou sem
Aracre, este é e será um governo pró-agroquímicos, pró-extrativistas, pró-
multinacionais (chinesas, ianques, europeias, o que for) e, sobretudo, pró-FMI.
Nossa denúncia da nomeação de Aracre tem que ser, ao
mesmo tempo, uma denúncia da política geral de
pilhagem e depredação ambiental do peronismo no
governo. Assim como, um correlato das lutas que já
estamos dando em todo o país contra as iniciativas que
são promovidas sem rachaduras pela Frente de Todos e
pela oposição patronal de Juntos por el Cambio.
Em última análise, o único governo que estará livre dos interesses das
multinacionais e do FMI será um governo diferente, socialista, da classe
trabalhadora e da esquerda, que junto com as comunidades planeje
democraticamente os rumos do país a serviço das maiorias populares e em
harmonia com a natureza.

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