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A Deus, por colocar essas pessoas no meu caminho e me iluminar para que eu
pudesse aproveitar o que cada uma ofertava.
À minha amada avó Hermínia e ao meu querido primo Rodolfo. Sei que,
embora não estejam fisicamente presentes, me acompanham sempre. Obrigada pelos
momentos inesquecíveis que passamos e por aqueles que ainda passaremos.
Aos meus pais que entraram comigo neste desafio e me ajudaram de forma
muito presente e amorosa.
Ao meu irmão Maicol pela força, carinho, amor e amizade dedicados desde o
início de minha vida: te amo!
Aos meus amigos por estarem sempre ao meu lado. Pela paciência e
compreensão da minha ausência neste último ano.
À Carol Louro, minha mãe de dança, por me iniciar nesta arte e me fazer
perceber a seriedade e o valor de sermos portadoras deste maravilhoso instrumento.
Obrigada pela ajuda, reconhecimento, crédito e orientação ao longo de todos esses
anos. Espero que possamos continuar juntas nesta jornada por muito mais tempo.
RESUMO.
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11
CAPÍTULOS TEÓRICOS:
1: A HISTÓRIA DA MULHER..................................................................................... 19
2: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA .......................... 37
3. PRINCÍPIOS: ANIMUS E ANIMA ......................................................................... 53
4. DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL E COLETIVA......... 69
5. CONSEQUÊNCIAS DO DINAMISMO PATRIARCAL PARA A PÓS-
MODERNIDADE OCIDENTAL.................................................................................. 84
6. A DANÇA ................................................................................................................. 93
6.1. A DANÇA DO VENTRE ...................................................................................... 98
7. DOR ......................................................................................................................... 113
7.1. RELEVÂNCIA CIENTÍFICA ............................................................................. 113
7.2. DOR – ASPECTOS FÍSICOS .............................................................................. 114
7.3. TEORIA DO CONTROLE DA COMPORTA .................................................... 118
7.4. IMPLICAÇÕES DA TEORIA DO CONTROLE DA COMPORTA E A
RELEVÂNCIA DA ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO TRATAMENTO DE
ALGIAS CRÔNICAS ................................................................................................. 120
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existiam trabalhos específicos sobre essa relação; mesmo assim muitas mulheres
procuravam e ainda procuram este tipo de dança com o intuito de melhorar a auto-
estima e relação com o corpo.
Sabemos que a prática sistemática desta dança tem o potencial de resgatar elementos
do Feminino na mulher – com Feminino nos referimos ao princípio Feminino, de forma
geral, e não ao gênero ou à feminilidade –, que conforme veremos adiante, foi reprimido
pelo desenvolvimento patriarcal da sociedade (Whitmont, 1991). Através desse resgate
do princípio Feminino, a mulher se depara com sua deusa interior, constelando o
arquétipo da Grande Mãe (Penna, 1993), o que explica o fato de se sentirem mais
femininas e valorizadas; sendo assim, a elevação da auto-estima seria secundária ao
resgate do Feminino.
Que poder tão grandioso está envolto na Dança do Ventre que a faz ser capaz de
resgatar aspectos do princípio Feminino em mulheres, as aproximando dos seus
instintos e valores genuínos, promovendo uma ampliação da consciência psíquica e
corporal? Essas, entre outras questões serão mais discutidas ao longo deste trabalho.
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No decorrer deste ano fiz estágio no ambulatório de Dor do Instituto de
Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (IOT-HC/FMUSP), sob supervisão da Prof.ª Dr.ª Adrianna
Loduca. Comecei a me interessar muito sobre o tema da dor e foi quando, ao saber do
meu anseio por estudar a influência da Dança do Ventre no resgate do Feminino e
elevação da auto-estima, a Prof.ª Adrianna me convidou para dar continuidade, com este
foco, ao trabalho que realizou em sua tese de doutorado.
A dor é um evento subjetivo, não conseguimos detectá-la a olho nu, mas sim,
por meio dos relatos e observações de comportamentos do sofredor que expressem tal
desconforto, conhecidos como comportamentos dolorosos. Sendo assim, é de grande
relevância entendermos o que se passa na subjetividade de cada paciente e isto é
viabilizado por meio do trabalho do psicólogo que busca compreender o significado que
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cada indivíduo atribui para sua dor, o impacto desta em seu cotidiano, bem como os
recursos de que o paciente dispõe para o tratamento e enfrentamento da doença.
Identificar esses fatores é muito importante para que haja ressonância entre as condutas
de intervenção e as necessidades de cada paciente, fato que corrobora a adesão ao
tratamento.
Pacientes com dor, além das angústias próprias trazidas pelo processo álgico e
pelo tratamento, enfrentam comumente uma questão muito complicada: quando a dor
passa a ser diagnosticada como crônica, isso faz com que aumente o nível de angústia e
tensão, além do fato de gerar uma série de fantasias, principalmente a de incurabilidade.
Nesse sentido, o sofrimento extrapola o aspecto biológico, abrangendo também os
aspectos psicológicos e sociais. Esses pacientes, em geral, são submetidos a uma série
de intervenções nas quais situações de fracasso e sucesso se alternam. Isto faz com que,
em muitos casos, o paciente questione a competência do tratamento e da equipe que o
assiste, o que por sua vez faz aumentar ainda mais a ansiedade, angústias e fantasias em
relação ao seu diagnóstico e prognóstico.
Frente a tudo isso, a presença da dor crônica faz com que a pessoa relacione-se
consigo mesma e com o mundo ao seu redor através de uma máscara, ou um rótulo: o de
sofredor (Loduca 1999b). Pensando o ser-humano afetado biopsicossocialmente,
conseguimos entender que a dor afeta globalmente a vida do sofredor, comprometendo
diversos aspectos de sua existência.
Sendo assim, questões relacionadas ao prazer, tanto corporal quanto pela vida,
tornam-se extremamente limitadas ou, dependendo do caso, até mesmo ausentes. Então,
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a forma como pacientes com algias crônicas relacionam-se com o próprio corpo é muito
marcada pela dor, sendo que o pólo oposto – do prazer –, acaba ficando “esquecido”.
Desta maneira, os pacientes agarram-se a qualquer esperança de extinção da dor, alívio,
ou em último caso tolerância, quando cuidados paliativos tornam-se a única opção.
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internalizada no corpo, em relação ao indivíduo que nele vive”. Schilder (1980) afirma
que na constituição da imagem corporal, o pensamento sobre o corpo tem o mesmo
valor quanto a imagem que se faz dele, nesse sentido a imagem própria e a percepção
física são consideradas como elaborações simbólicas semelhantes.
Elevar a auto-estima é muito importante para que essa população possa olhar
para si de forma a se permitir entrar em contato com aspectos prazerosos da existência,
extrapolando as vivências dolorosas do adoecimento. Acredito que com essa elevação
possa ocorrer uma melhora na qualidade de vida, no sentido em que a auto-estima
parece repercurtir intensamente nas outras esferas do cotidiano do indivíduo. O conceito
de qualidade de vida aqui adotado segue a definição da Organização Mundial da Saúde
(OMS), a qual afirma que qualidade de vida: “é a percepção do indivíduo de sua
posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em
relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Lin et al., 2005,
p.8).
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resultados positivos nesta questão (Marques, 1994; Albuquerque, 2000 e Kurbhi, 2001):
no entanto se referem à população em geral e à prática sistemática desta dança. Meu
interesse é justamente compreender se a Dança do Ventre pode ser um bom instrumento
para a população que sofre de algias crônicas e se mostra efetividade em um curto
período de tempo.
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Dançar, no âmbito físico é acariciar-se, é permitir receber as massagens
promovidas pelos movimentos sinuosos e vibrantes do quadril em nossos órgãos
femininos como útero e ovários e, também, receber a massagem no coração através dos
movimentos circulares e delicados de tronco. No âmbito emocional é deixar os
movimentos melodiosos e serpentinosos imprimirem uma emoção profunda. É utilizar
todo o potencial feminino e criativo na tradução corporal, emocional e espiritual
trazidos pela bela mistura entre música e dança.
Este trabalho constou de duas partes: uma teórica e outra prática. Os capítulos
teóricos foram divididos da seguinte forma: 1. A história da mulher nos diferentes
momentos históricos, 2. Pressupostos teóricos da Psicologia Analítia, 3. Os princípios
Masculino e Feminino (Animus e Anima), 4. O desenvolvimento da consciência
individual e coletiva, baseado nos estudos de Neumann e Whitmont, 5. Consequências
do patriarcado para a pós-modernidade ocidental, 6. A Dança e a Dança do Ventre, 7.
Dor: aspectos físicos e psicológicos, 8. Metodologia, 9. Resultados, 10. Análise e
discussão dos resultados e 10. Considerações Finais.
18
A HISTÓRIA DA MULHER.
19
conseguiu avaliar as implicações que isto trouxe ao quarto de dormir e aos locais de
trabalho” (1994, p.12).
Hoje em dia é alto o número de mulheres que trabalham fora de casa, que
chefiam famílias e que não atendem mais às expectativas e estereótipos tradicionais
(Moraes, 1994); sendo assim, para compreendermos todas essas mudanças de padrões
de comportamento, expectativas e estereótipos, convido o leitor para uma breve viagem
histórica, iniciando pela fase do matriarcado, percorrendo o patriarcado, para chegarmos
nos tempos atuais, em que vivenciamos a queda deste e um início, ainda tímido, de um
novo padrão: o da alteridade; abordaremos este tema tanto da perspectiva sociológica
quanto psicológica, a ser discutida no capítulo 4. Serão destacadas as mudanças de
atitudes e pensamentos, assim como suas implicações para o mundo contemporâneo.
Segundo Muraro (Muraro & Boff, 2002) há aproximadamente trinta mil anos,
dependendo das regiões, iniciava-se o que atualmente denominamos de matriarcado. Ela
faz referência à Heide Göttner Abendroth, autora que se destacou ao estudar o
matriarcado, e afirma que a partir de 10.000 a.C, as grandes sociedades eram
matriarcais. Isto significa que as mulheres detinham a hegemonia política; eram elas que
mediavam e solucionavam os conflitos ficando, assim, encarregadas de organizar os
grupos sociais. Neste período, homens e mulheres viviam de forma integrada, as
relações eram igualitárias e a mulher era considerada mais próxima dos deuses porque
dela dependia a reprodução da espécie: por este motivo, ao mesmo tempo em que eram
respeitadas, também eram temidas. Este período durou aproximadamente um milhão e
meio de anos e foi governado conjuntamente por homens e mulheres. “Era o tempo das
grandes deusas que inspiraram organizações sociais marcadas pela cooperação, pela
reverência em face da vida e dos seus mistérios” (p.53).
No matriarcado, a natureza era vista como uma totalidade à qual o ser humano
pertencia, e por este motivo deveria viver em harmonia com ela, respeito-a e venerando-
a, pois possuía muitos mistérios que os homens daquela época ainda não entendiam.
Esses mistérios geravam medo e incertezas, pois os prazeres e as angústias, neste
período, eram atribuídos às deusas; os homens – lembrando que aqui a palavra homens
é utilizada como referência para ambos os sexos – tentavam harmonizar-se com suas
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deusas por meio dos cultos: acreditavam que sua sobrevivência dependia delas (Faria
2003). Ainda não se tinha a visão da natureza como um meio a ser conquistado. Muraro
acredita que “As instituições do matriarcado, caracterizadas por grande força
integradora, foram tão significativas que se transformaram em arquétipos e em valores
e, como tais, deixaram incisões na memória genética até os dias de hoje” (Muraro &
Boff, 2002, p 54).
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“A imagem de homem e mulher que aparece no Paleolítico recente – o
homem como caçador e tendo seus domínios fora da caverna, a
mulher como coletora e cuidadora dos filhos – parece que sempre
povoou a raça humana. Essa dimensão de trabalho, calcada no
biológico, na maior força física do homem para atividades brutas e na
capacidade de gerar da mulher, posteriormente serviu como suporte
para os padrões culturais e ideológicos do que é ser homem e do que é
ser mulher”.
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o poder de fazer jorrar os frutos dos campos semeados. Acreditava-se que a mulher
possuía um poder mágico sobre a terra.
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e o valor dado pela sociedade não estava na mera repetição, mas sim, na superação; é
transcendendo à vida pela existência que o homem assegura a repetição da mesma e
consequentemente cria valores.
A autora coloca criticamente que o homem, ao arriscar a sua vida, abre o futuro
para o qual a mulher, que é apenas um existente que dá a vida, transcende. Foram os
homens e não as mulheres que fizeram a divisão dos valores femininos e masculinos,
estavam preocupados em manter as prerrogativas masculinas e então criaram um campo
de domínio feminino, para assim, segundo ela, limitar a mulher. Esta então, torna-se
“presa” ao homem que sempre procurou meios de evadir-se de seu destino específico,
inventando ferramentas (para caça, pesca, etc.). Ele passa a ter controle da manutenção
da vida, enquanto que a mulher continua confinada a seu corpo, assim como os animais.
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Para Beauvoir, dizer que a mulher era o Outro equivale a dizer que não existia
uma relação de reciprocidade entre os sexos. Terra, Mãe e Deusa, não eram para o
homem um semelhante; era além do reino humano que seu domínio se afirmava, deste
modo, estava fora de seu território e por este motivo é que a mulher lhe era tão
misteriosa e aterrorizadora.
O término do matriarcado, segundo Muraro (Muraro & Boff 2002), ocorre por
volta de 2000 a.C., podendo variar em algumas regiões. A partir de então teve início a
fase do patriarcado. No entanto, essa passagem demorou aproximadamente mil anos até
se completar. “É fato histórico que a partir de então o mundo começou a pertencer aos
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homens, fundando-se o patriarcado, base do machismo e da ditadura cultural do
masculinismo” (p.54). A autora atribui essa passagem ao fato de que, provavelmente, a
vontade de dominar a natureza, por todas as dúvidas e angústias que lhe causava, levou
o homem a dominar a mulher, que até então era identificada com a natureza pela
possibilidade da gestação, que já não lhes era mais misteriosa.
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seu poder positivo que a mulher tirava o seu prestígio. A mulher passou então a ser
tratada com extrema hostilidade, representando a portadora do mal, do pecado, isso é
evidenciado na figura de Pandora, da mitologia grega, que por sua extrema curiosidade
abre uma caixa libertando e desencadeando todos os males da humanidade. Em Adão e
Eva, a última passa a ser impura e portadora de um corpo que é digno de vergonha, por
ser o lugar do pecado.
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precisava de um tutor masculino e era o marido que desempenhava esse papel, ele quem
usava o título e que se beneficiava dos bens da esposa: portanto a mulher não deixou,
segundo Beauvoir, de ser o instrumento através do qual a propriedade se transmitia e
não sua possuidora. Esta época foi muito dura para a mulher porque, além do mais, era
permitido ao marido castigar “razoavelmente” sua esposa, o que lhes garantia maus-
tratos, socos e bofetões e elas poderiam até mesmo serem arrastadas pelos cabelos,
assim como na Idade da Pedra.
Esteca (2004) afirma que por volta de 1200 os feudos foram, aos poucos, sendo
substituídos pelas monarquias e isso fez com que as mulheres perdessem o seu poder
sobre as terras na ausência do marido, o que, por sua vez, diminuiu a violência contra
elas. Desta forma, o índice de mortalidade feminina caiu bastante, o que resultou num
elevado número de mulheres; por este motivo os preços pagos a uma noiva cederam
lugar aos dotes pagos à família do noivo.
Nesta mesma época, foram criadas leis escritas que garantiam direitos aos
homens e restrições às mulheres, com isso os homens passam a ter direito à educação, o
que não era permitido às mulheres que aos poucos, ficaram afastadas da cultura e da
política. Conseqüente a este afastamento estrutura-se grande frustração destas, o que fez
com que se interessassem por movimentos heréticos. Exemplo disto é o movimento das
Beguinas: mulheres leigas e celibatárias que fugiam à dominação patriarcal e
ameaçaram a autoridade dos padres de Igreja.
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permissão para estudar junto aos homens, foram, com o passar do tempo, afastadas.
Esse movimento de expulsão das mulheres do meio acadêmico, iniciou-se no século XII
e em meados do século XIV a proibição já era muito intensa. Na medicina, por
exemplo, elas só poderiam atuar caso algum homem se responsabilizasse pelo trabalho e
ficasse com os créditos.
Segundo Muraro (1997), no período de caça às bruxas, que perdurou por quatro
séculos, entre o XIV e o XVIII, 85% das pessoas que foram executadas por bruxaria
eram mulheres e a maioria delas eram pobres e muitas viúvas ou solteiras. Neste
período as mulheres foram proibidas de receber educação e também lhes foi impedido o
direito à herança; com isso, as viúvas tiveram que ficar sob a guarda de outros homens
da família (geralmente o pai ou irmão) e impedidas de cuidar das suas propriedades. A
caça às bruxas irradiou medo nas mulheres fazendo com que abaixassem a cabeça e
aceitassem a dominação masculina, reproduzindo os novos estereótipos, que serviram
como base para a sociedade moderna. Portanto, é neste período que se fixam os papéis
sexuais vigentes por um longo período da modernidade, na cultura patriarcal, reforçados
pelo mercantilismo e mais recentemente pelo capitalismo; definitivamente não havia
espaço para a mulher.
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amor romântico que tentava tornar compatível a liberdade de escolha amorosa com os
ideais morais cristãos. Para que isso fosse viabilizado, o amor sublime deveria sobrepor-
se ao ardor sexual. “Aliás, o amor efetivamente baseado nas inclinações emocionais e
sexuais do par sempre foi visto com suspeita como base para o estabelecimento de um
vínculo suficientemente duradouro capaz de alicerçar a família, enquanto instituição”
(Moraes, 1994, p.19).
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Também em 1848, em Seneca Falls, surge o primeiro movimento feminista em
protesto contra a repressão, reivindicando o retorno das mulheres ao domínio público.
Lutavam pelo direito ao voto, por mais educação e mais direitos.
É no século XIX, portanto, que aparece o movimento sufragista, que tinha como
principal objetivo a luta pela conquista do direito ao voto, pois as feministas
acreditavam que este seria uma primeiro passo e que outras conquistas viriam
automaticamente; no entanto, não foi o que aconteceu. As sufragistas também se
envolveram em outras causas sociais, como a luta pela abolição da escravatura e em
movimentos operários a fim de buscar melhores condições para as mulheres que
participavam de muitas greves, tal como as do sindicato de mulheres trabalhadoras da
indústria têxtil (ILGWU), em Chicago, que realizaram uma das maiores greves, em que
mais de trinta mil jovens paralisaram suas atividades por um período de treze semanas.
A integração entre as sufragistas e as operárias foi definitiva para as conquistas
femininas.
No dia 8 de março de 1857, também ocorreu uma grande greve das operárias de
uma fábrica de tecidos de Nova Iorque. Elas ocuparam a fábrica e reivindicaram
melhores condições trabalhistas, tais como: redução na carga diária de trabalho de
dezesseis horas para dez, igualdade de salários entre os sexos, pois as mulheres
recebiam até mesmo um terço do salário de um homem para executar o mesmo tipo de
trabalho, e também um tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. Tal
manifestação foi reprimida violentamente. As mulheres foram trancadas dentro da
fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num
ato totalmente desumano. Somente no ano de 1910, durante uma conferência na
Dinamarca, é que decidiu-se que o dia 8 de março seria consagrado como o “Dia
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Internacional da Mulher”, em homenagem àquelas que morreram na fábrica em 1857.
No entanto, apenas em 1975, a data foi oficializada pela ONU na forma de decreto.
32
que impedem que a pessoa se afirme e se expresse de uma maneira mais livre e
igualitária.
Também é preciso destacar outra grande contribuição das autoras feministas que
foi a necessidade de deslocar a unidade de análise da mulher para as relações de gênero,
visto que, segundo a visão feminista, o fato de retratar a mulher como único objeto de
estudo, implica em entendê-la como categoria definida, estática e imutável, atribuindo-
lhe apenas as qualidades inerentes ao sexo feminino, tidas como naturais. Esta forma de
análise, segundo este ponto de vista, alimentaria a desigualdade sexual e a supremacia
masculina.
33
No entanto, o movimento feminista, ao propor igualdade entre os sexos, estava
indiretamente concordando com os ideais machistas que colocaram a mulher numa
posição inferior aos homens; logo, por estarem nessa posição inferior deveriam ser mais
valorizadas e igualadas ao sexo oposto. Malvina Muszkat no livro “Identidade
Feminina” (1987), propõe uma discussão com relação à palavra igualdade, afirmando
que não deve existir igualdade entre os sexos, pois cada um possui sua peculiaridade,
mas sim reciprocidade. Cita como exemplo o mito do ser andrógeno de Platão e afirma
que este à primeira vista pode confirmar a crença de que o encontro entre um homem e
uma mulher se dá na busca de recuperar, um no outro, o seu complemento original.
Ressalta a importância de considerarmos que se trata de um discurso simbólico e, como
tal, deve nos reportar ao mundo simbólico da linguagem mítica, muito diferente do
universo da linguagem convencional.
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O rompimento, enquanto possibilidade aberta pelo advento do divórcio, muitas
vezes ocorre por amor: pelo desejo de um vínculo que supra as várias necessidades do
ser humano: de paixão, companheirismo, cumplicidade, etc., que leva a sucessivas re-
invenções de si, num contexto sempre mutável.
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Moraes (1994) coloca que quando a mulher passa a exigir novos padrões de
comportamento masculino, contesta suas expectativas sobre o seu próprio
comportamento. Desta forma, a mulher passou a fazer parte do processo de definições
dos papéis sexuais e das diferenças de gênero: “Ela passou a falar o que quer para si e
o que espera do Outro. Essas falas femininas ainda estão confusas, mas parecem
apontar que a história, daqui para frente, será escrita por uma parceria bissexual”
(p.15).
Por mais que estejamos entrando no ciclo da alteridade o mundo ocidental ainda
é muito marcado pelo padrão patriarcal. Continua sendo difícil para a mulher
contemporânea viver nesses moldes. É preciso lutar para conquistar seu espaço, para
enfrentar preconceitos, para vivenciar todas as suas possibilidades e potencialidades
enquanto ser humano e para isto é necessário descobrir seu próprio caminho, a mulher
precisa entrar em contato com o seu Feminino perdido, a que teve que abdicar, para
conseguir lidar com um mundo patriarcal, ou seja, acabou desenvolvendo mais seus
atributos masculinos, apropriando-se e fazendo uso das características ligadas ao
princípio Masculino, e muitas vezes desvalendo-se de seu próprio princípio Feminino.
Tais considerações serão retomadas nos capítulos 4 e 5, nos quais discutiremos o
desenvolvimento da consciência individual e coletiva a partir do prisma psicológico e
também as consequências patriarcais para a nossa cultura pós-moderna,
respectivamente.
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PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA.
Para Jung, a energia psíquica flui entre dois pólos opostos os quais denominou
de os contrários. Considerou de fundamental importância que sua teoria psicológica
estivesse baseada no princípio dos contrários, afirmando que uma teoria que não levasse
isto em consideração: “(...) só reconstruiria psiques neuróticas desequilibradas. Não há
equilíbrio nem sistema de auto-regulação sem oposição. E a psique é um sistema de
auto-regulação” (Jung, 2002, p.53). Os conflitos surgem da tensão entre estes pares de
contrários, sem os quais não haveria manifestações energéticas. “(...) Segundo Jung, a
função reguladora dos contrários é inerente à natureza humana e essencial para se
compreender o funcionamento do psiquismo” (Fordham, 1966, p.21).
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No paradigma junguiano cultura e indivíduo estão sempre em inter-relação,
afetando-se mutuamente; desta forma, a consciência coletiva pode ser entendida como o
conjunto de valores e atitudes presentes em determinada cultura (Faria, 2003). Jung faz
uma analogia à consciência como uma superfície ou película que recobre a extensa área
inconsciente, sendo um produto da percepção e orientação do mundo externo (Jung,
2003). Nas palavras de Stein (2006, p.24): “(...) A consciência é, muito simplesmente, o
estado de conhecimento e entendimento de eventos externos e internos. É o estar
desperto e atento, observando e registrando o que acontece no mundo em torno e
dentro de cada um de nós”.
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poucos dados simultâneos num dado momento. Enquanto isso tudo o mais é
inconsciente” (Jung, 2003, p.5).
39
fornecedor de dados para a nossa ação” (Jung, 2003, p.3). Para Neumann (1990), o
estado inconsciente é o estado básico e natural, enquanto que o consciente é um produto
do nosso esforço, que consome libido. No entanto, existe uma força de inércia na psique
que tende a recair na condição inconsciente original. O autor também afirma,
contradizendo Freud, que apesar de sua natureza inconsciente, se trata de um estado de
vida e não de morte.
40
poderiam tornar-se conscientes e por aquisições da vida individual, que em nossa
experiência de vida acabamos deixando de lado. Entretanto, aqueles conteúdos que
foram herdados (da mesma forma que os instintos e impulsos), e que nunca estiveram
na consciência, apresentam caráter coletivo, universal e atemporal. Estamos aqui nos
referindo ao inconsciente coletivo; a camada mais profunda da psique. Para Jung esta
camada:
Para Jung (2002) nenhuma energia é produzida enquanto não houver tensão
entre os contrários; por isso ressaltou a importância de encontrar o elemento oposto ao
da atitude consciente, pois o reprimido deve se tornar consciente para que seja
produzida a tensão entre os contrários. Para ele: “(...) todo consciente procura, talvez
sem perceber, o seu oposto inconsciente, sem o qual está condenado à estagnação, à
41
obstrução ou à petrificação. É no oposto que se acende a chama da vida” (p.46). Em
outra obra (2000), esclarece que:
Para Jung, sombra, persona, Self, anima e animus, que veremos em capítulo
posterior, são arquétipos. A palavra arquétipo deriva de arche que significa a matriz ou
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espécime original e typos que significa um cunho impresso numa moeda (Stein, 2006).
Para Jung (2005) o conceito de arquétipo:
Desta forma, para a Psicologia Analítica o indivíduo não nasce como uma tábula
rasa na qual o mundo vai moldando-o e imprimindo sua marca, pois compreende-se que
o indivíduo possui possibilidades arquetípicas, além do mundo físico e relacional que
estimulam o desenvolvimento dos padrões arquetípicos. “(...) O indivíduo só se torna
humano através das relações – portanto, o arquétipo necessita da relação para ser
43
ativado e constelado” (Faria, 2003, p.32). Os arquétipos seriam, então, formas de
prontidão para a ação e, simultaneamente, criariam emoções:
Fordham afirma que com o conceito de arquétipo Jung não pretendia afirmar a
hereditariedade da experiência,
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“impressionante” seja precisamente um mergulho nas profundezas de
um antiqüíssimo e anterior inconsciente” ” (1966, p.25).
Para Jung, o símbolo é um termo ou uma imagem que, embora nos seja familiar
na nossa vida diária, possui “(...) conotações especiais além do seu significado evidente
e convencional” (Jung, 1964, p.20). Para o autor existe uma distinção rígida entre
símbolo e sinal, ou alegoria:
45
Fordham aponta para a distinção entre símbolo e signo na obra de Jung. Segundo
a autora, “(...) um signo é um substituto ou uma representação de uma coisa real, ao
passo que um símbolo tem um significado mais amplo e exprime um fato psíquico que
não pode ser formulado com maior rigor” (1966, p.23).
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“(...) Os símbolos se reúnem em torno da coisa a ser explicada,
compreendida e interpretada. O ato de conscientização consiste no
agrupamento de símbolos ao redor do objeto, todos eles
circunscrevendo e descrevendo, a partir de vários lados, o
desconhecido. Cada símbolo desvela outro lado essencial do objeto a
ser percebido, aponta para outra faceta do seu significado. Somente o
cânone de tais símbolos congregados em torno do centro em questão,
o grupo simbólico coerente, pode levar a uma compreensão daquilo
para que os símbolos apontam e que tentam exprimir” (p.26).
47
devemos nutrir a esperança de chegar a uma consciência aproximada
do si-mesmo; por mais consideráveis e extensas que sejam as
paisagens interiores e os setores apreendidos pela consciência, não
desaparecerá a massa imprecisa e uma soma desconhecida da
inconsciência, que também faz parte da totalidade do si-mesmo. O si-
mesmo é o centro e também a circunferência completa que
compreende ao mesmo tempo o consciente e o inconsciente: é o
centro dessa totalidade, como o eu é o centro da consciência” (Jung,
2005, p.358).
48
unificados. “(...) A unidade do todo é mantida por processos compensatórios que a
centroversão controla, processos com a ajuda dos quais, o todo se torna um sistema
autocriador e em expansão” e “(...) A centroversão se manifesta no organismo como
regulação do todo, como tendência compensatória e sistematizadora” (p.209).
49
pode promover a transformação da psique e o aparecimento de uma nova unidade
composta dos elementos anteriormente dispersos, acessando a manifestação da
totalidade: do Self. Este processo foi denominado por Jung de individuação:
50
uma incompletude não é a busca da perfeição humana, ou seja, não necessariamente a
meta da individuação será algo socialmente considerado como bom.
Não se trata de uma tarefa fácil, pois nesse confronto consigo mesmo o
indivíduo depara-se com suas limitações, com suas defesas, percebe que sua
personalidade não é linear, que existem outros conteúdos além da persona. Nas palavras
de Stein (2006):
51
O processo de individuação é contínuo e infinito pois, enquanto houver uma
ânsia pelo conhecimento e pela busca do sentido da vida, “(...) o novo se acrescenta ao
velho e o renova e impulsiona novamente ao desconhecido, numa espiral que se estende
para cima, para baixo e para os lados em direção à complexificação e diversificação
infinitas” (Penna, 2003, p.209).
52
PRINCÍPIOS FEMININO E MASCULINO
ANIMUS E ANIMA.
53
desperta, luta, mas também destrói e restringe. Já o elemento Yin representa a natureza
e seu ventre escuro. É receptivo, concreto, continente, envolvente, dócil, retraído, frio,
úmido e escuro. Representa o mundo da formação, os impulsos, anseios e instintos, a
sexualidade, é gerador e doador de forma, centrípeto e iniciador. É percebido no
simbolismo da Terra e da Lua, da escuridão e do espaço. É negativo, indiferenciado e
coletivo.
54
Wilhelm apud Whitmont (1969) define o Yin como complemento perfeito ao
Yang e ressalta esta função complementar e não opositora; “(...) o complemento, não o
oposto, pois o Receptivo não combate o Criativo, mas completa-o” (p.154).
55
Retornemos agora às definições de anima e animus utilizadas por Jung para
representar os opostos existentes inconscientemente em homens e mulheres,
respectivamente. Estes termos foram inspirados no termo latino animare, que significa
animar, avivar. Considerou-os adequados pois, compreendia a anima e o animus como
almas ou espíritos animadores e vivificantes para homens e mulheres (Stanford, 1987).
Por identificar a anima e o animus como elementos essenciais na construção da
estrutura psíquica de todos os homens e mulheres, como personificações dos padrões
humanos gerais, instintivos e inconscientes nos quais se baseiam muitas das
características pessoais, Jung os classificou como arquétipos.
56
as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade
de amar, a sensibilidade à natureza e, por fim, mas nem por isso
menos importante, o relacionamento com o inconsciente. Não foi por
mero acaso que antigamente utilizavam-se sacerdotisas (como Síbila,
na Grécia) para sondar a vontade divina e estabelecer comunicação
com os deuses” (von Franz, 1964, p.177).
57
mas a qualquer figura que tenha assumido o papel materno, podendo ser a própria, ou
uma irmã, tia, avó, etc. Sendo assim, no aspecto pessoal, ocorre a formação de um
padrão feminino, no qual na fase adulta, a anima poderá se realizar. Se o homem sente
uma influência negativa da mãe, ou da figura feminina que tenha desempenhado tal
papel, sua anima poderá se expressar de maneira irritada, incerta, depressiva, insegura e
susceptível: este tipo de influência foi chamada de anima negativa. Entretanto, caso ele
seja capaz de dominar tais investidas de aspecto negativo, elas poderão ajudá-lo a
fortalecer sua masculinidade. A influência da anima negativa pode provocar uma
espécie de apatia, medo a doenças, impotência ou até mesmo acidentes. Homens
dominados por este tipo de anima podem achar que a vida possuiu um aspecto triste e
opressivo. “(...) Este clima psicológico sombrio pode, mesmo, levar um homem ao
suicídio, e a anima torna-se então o demônio da morte” (von Franz, 1964, p.178).
58
Os arquétipos da anima e do animus normalmente se expressam sob alguma
forma de estrutura quaternária, pois permeiam quatro estágios de desenvolvimento. O
primeiro estágio é simbolizado na figura de Eva, representando o relacionamento
puramente instintivo e biológico; o segundo estágio do desenvolvimento da anima é
simbolizado pela Helena de Fausto, personificando um nível romântico e estético,
também caracterizado por elementos sexuais. O terceiro é expressado pela imagem da
Virgem Maria: aqui, existe uma elevação do amor à grandeza da devoção espiritual. Por
fim, o quarto estágio é simbolizado pela Sapiência, uma sabedoria que transcende
aspectos como pureza e santidade, podendo ser expresso na imagem de Sulamita dos
Cânticos de Salomão ou de Sophia. Von Franz, no capítulo do livro O Homem e Seus
Símbolos do Jung (1964), adverte que no desenvolvimento psíquico do homem
moderno, o quarto estágio é raramente alcançado e, que, a figura de Mona Lisa seria a
que mais se aproximaria deste tipo de anima (p.185).
59
O animus, tanto quanto a anima, representa um esquema de referências
apriorísticas, ou seja, que nunca foram confrontados pela consciência, sendo que esta
inconsciência não ocorre por repressão. Possui grande capacidade de mobilização e se
expressa com rigidez, inflação, agressividade e sentimento de posse. Este arquétipo
descreve os meios pelos quais os julgamentos femininos são formados: por este motivo
é que para uma mulher esses padrões de julgamento são compreendidos como fatos
óbvios para todos. Um “ataque de animus”, ou seja, quando estes elementos anímicos
estão muito longe do confronto consciente, facilmente ocorre uma invasão, uma
inundação desse elemento que aparece de forma reflexa e hostil. Isto ocorre,
particularmente em situações que solicitem desta mulher características como iniciativa,
agressividade, ação, discriminação, racionalidade e entendimento.
Assim como a anima, o animus contém tanto o aspecto negativo, expressado por
brutalidade, indiferença, tendência à conversa vazia, às idéias silenciosas, obstinadas e
más, quanto o aspecto positivo que personifica atitudes como a iniciativa, a coragem, a
honestidade e, na sua forma mais elevada assume grande profundidade espiritual; tais
elementos se compreendidos, também podem fazer uma ponte de ligação com o Self,
tornando a mulher consciente dos processos básicos de desenvolvimento da sua posição
objetiva, cultural ou pessoal, ajudando-a, assim, a encontrar o seu caminho para uma
atitude espiritual em relação à vida. No entanto, isto só é possível para a mulher a partir
do momento em que tenha cessado a omissão de opiniões absolutas e, para isso, é
preciso avaliar a inviolabilidade de suas convicções. “(...) Só então estará capacitada a
aceitar sugestões do seu inconsciente, sobretudo as que contradizem as opiniões do seu
animus. Só então, repetimos, é que as manifestações do self hão de chegar a ela e fazê-
la compreender conscientemente o seu sentido” (von Franz, 1964, p.195).
60
é a personificação das forças física e de vontade; ao segundo estágio corresponderia a
imagem do homens de negócios ou executivos pois neste, o animus adquire iniciativa e
capacidade de planejamento; no terceiro torna-se “o verbo” representado por imagens
tais quais o poeta, o professor, o escritor, este estágio retrata o contato com o
pensamento, e a quarta manifestação anímica é simbolizada pelo sábio, representando o
guia de reflexão. Von Franz afirma que este quarto estágio do desenvolvimento do
animus:
61
A anima e o animus possuem forte poder de numinosidade, ou seja, são repletos
de energia psíquica, e por este motivo, tendem a atingir-nos emocionalmente. Devido a
este efeito numinoso, é que tais imagens, quando projetadas, possuem um efeito
semelhante ao magnético, fazendo com que a pessoa portadora da projeção ou nos atraia
de maneira intensa, ou nos cause um alto grau de repulsa (Stanford, 1987, p.22).
Stanford nos atenta para o fato de a projeção destes arquétipos não ser, em si,
boa ou má, pois trata-se de um evento natural que sempre ocorrerá, por mais que
tentemos controlá-los e, que, é através deste recurso que tais elementos tornam-se
visíveis para nossa realidade consciente, surgindo uma oportunidade de conhecermos
mais o nosso mundo interior, “(...) esse é o caminho para chegarmos ao conhecimento
de nossas próprias almas” e “(...) A projeção em si não é boa nem má; o que fazemos
com ela é que deve ser levado em conta” (p.31).
Pelo fato de serem projetados, estes elementos geralmente não são reconhecidos
como pertencentes à própria pessoa, mas quando a projeção é reconhecida, é possível
identificar certos conteúdos da psique que poderiam passar desapercebidamente. “(...)
desde que o fenômeno de projeção seja reconhecido, essas imagens projetadas podem,
até certo ponto, ser recolocadas dentro de nós, pois podemos usar projeções como
espelhos em que vemos o reflexo de nossos próprios conteúdos psíquicos” (Stanford,
1987, p.19). Sendo assim, a capacidade de reconhecer e utilizar as projeções é
extremamente importante para o autoconhecimento; no entanto, tais fatores jamais
poderão se tornar plenamente conscientes a ponto de não se projetarem mais. A
conscientização, diferenciação, desenvolvimento, elaboração e integração destes
arquétipos na psique individual, bem como a elaboração dos opostos de maneira geral,
são imprescindíveis ao processo de individuação.
62
mediante o uso dos conceitos psicológicos de Jung” (Stanford, 1987,
p.19).
63
“Experienciar a si mesma como tão fundamentalmente diferente dos
valores patriarcais dominantes compreensivelmente enche a mulher
de medo, até ela chegar ao ponto no seu próprio desenvolvimento em
que, por meio da experiência e do amor que liga os opostos, consegue
ver com clareza a totalidade da humanidade como uma unidade dos
aspectos masculinos e femininos do Self” (p.261).
64
Whitmont (1969) analisa o movimento feminista como uma armadilha
característica do animus que deve ser evitada, individual e coletivamente. Com esta
afirmação ele se refere ao comportamento feminista de ao reivindicar direitos iguais
para as mulheres, através da identificação com os valores masculinos, subestima e
elimina a possibilidade de a mulher ser e poder expressar aquilo que realmente é,
enquanto essência. O autor também adverte para o fato de talvez, não existir nenhum
padrão arquetípico aceito pela cultura cristã ocidental que permita e estimule às
mulheres a encontrar sua verdadeira individualidade feminina e ressalta que a rejeição e
repressão dos valores femininos, se comparados aos masculinos, é a herança da nossa
cultura patriarcal. “(...) Isso resultou numa situação em que o problema da individuação
feminina tornou-se uma tarefa pioneira que talvez tenha servido para conduzir a um
novo período de cultura” (p.190).
65
“(...) Jung limitou a anima e o animus às dinâmicas inconscientes de
ambos os sexos. Diante da força de experiências clínicas acumuladas
desde a época de sua formulação original, essa visão não parece mais
válida. Não se justifica mais a alegação de que a anima incorpora
exclusivamente o inconsciente impessoal do homem, e o animus, o das
mulheres. Também não podemos mais sustentar o dogma de que a
consciência, tanto no homem como na mulher, é masculina, e que o
inconsciente é feminino” (1991, p.161).
66
considerada como “(...) a disponibilidade e a capacidade para perceber e apreciar o
outro tal como é, ao mesmo tempo em que se preserva a própria posição genuína diante
da vida e de si mesmo” (1991, p.150). Nos leva a reconhecer e compreender as
características agradáveis e desagradáveis, assim como as aceitáveis e as inaceitáveis.
Desta forma, a força vinculadora é um aspecto elementar na individuação de ambos os
sexos; portanto Whitmont acredita que a força vinculadora e tampouco o
relacionamento caracterizam a consciência exclusiva do Feminino ou Masculino, pois
“(...) São elementos presentes nas necessidades femininas de personalização e
envolvimento, da mesma forma que nos impulsos masculinos para a distância, o
controle, a posse, a competição e o significado” (p.151) .
Como não é possível tanto às mulheres quanto aos homens vivenciar plenamente
todos os afetos e qualidades dos arquétipos feminino e masculino respectivamente,
alguns desses afetos e impulsos básicos inerentes a cada sexo, não vivenciados, tendem
a permanecer inconscientes, não são assimilados e, por não estarem sob controle do ego
são menos refinados e diferenciados do que a persona. Isso significa que esses
67
elementos atuarão de forma inferior, constituindo-se de modos primitivos ou mesmo
obsessivos para compensar ou reagir contrariamente à posição consciente. Desta forma,
uma pessoa independentemente de seu sexo, que tenha uma postura mais masculina, ou
seja, que possua o elemento Yang predominante na persona, necessariamente o
elemento Yin irá se manifestar de forma inferior, e vice-versa.
Murray Stein (2006) é um dos autores que compartilham dessa idéia proposta
por Whitmont e acrescenta que o fato de algumas mulheres serem mais masculinas em
suas personas ou alguns homens serem mais femininos do que masculinos é algo muito
mais comum nos tempos atuais em comparação a períodos anteriores, mas nem por isso
o pólo oposto ao utilizado pela consciência vai deixar de existir. Existe uma corrente
brasileira (Byington, 1983 e 1986) que prefere denominar anima e animus como faces
de um único arquétipo, não se tratando, portanto de dois arquétipos mas sim, de um
único arquétipo bipolar.
68
O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL E COLETIVA:
DO MATRIARCADO AO PATRIARCADO E SUA ATUAL DECADÊNCIA.
69
os elementos que serão aplicados atribuem-se a estes dois âmbitos, os quais
procuraremos sempre esclarecer e apontar sua interelação.
70
Nesta primeira fase não existia diferenciação entre os mundos externo e interno,
pois a psique ainda era idêntica e indistinta do mundo. Essa ligação do ego com o
inconsciente, do homem com o mundo, representam o estado de imersão da consciência
e do ego na psique coletiva que foi denominada por Jung de participação mística. Tal
termo foi utilizado pelo etnólogo Lévy-Bruhl, estudioso das culturas primitivas, para
designar o fato de a psique identificar-se com o mundo externo; segundo este autor,
“acreditava-se que partes da alma poderiam ser roubadas ou encarnadas em animais e
árvores, com os quais o sujeito vivia em estado de identidade” (Faria, 2003, p. 35).
71
Seguindo o período urobórico inicia-se o estágio que Neumann nomeou de
matriarcal, conforme apontado anteriormente: é o período regido pelo arquétipo da
Grande Mãe cuja fertilidade ora propicia ora ameaça de incesto e devoração a sua
própria cria. O autor designou de incesto urobórico a tendência que o ego tem de
dissolver-se no inconsciente e de voltar ao estado original de onde surgiu, pois esta fase
urobórica é prazerosa para o ego no sentido em que está livre de tensões (p.202). O
termo incesto é aqui empregado do ponto de vista simbólico denotando indiscriminação;
tal termo se opõe à palavra castração que no sentido simbólico expressa separação,
discriminação.
72
Na Idade do Bronze, o culto da Grande Deusa atinge o apogeu: as forças divinas
intrínsecas à natureza e ao mundo dos objetos eram adoradas. “(...) Esse culto é o auge
do animismo e da religião panteísta da natureza” (p.61).
73
primeiro caso, pelo que beneficiava ou sustentava a vida do grupo enquanto que no
segundo, era tudo o que propiciava perigo ou terror ao grupo como um todo.
74
A partir dessa nova consciência inicia-se a fase que Whitmont denominou de
mitológica. Esta marca a passagem do mundo ginecolátrico para o androlátrico. Seu
início ainda é dominado pela imagem e pelos ritos da Grande Deusa e dos seus
consortes. Ela ainda é reverenciada em seus diversos aspectos: como fonte geradora de
vida, mãe nutridora e cruel devoradora. Os consortes aparecem como amantes, filhos,
parceiros sexuais e como suas vítimas para o sacrifício. O apogeu dessa fase foi
caracterizado pela divisão do elemento masculino (Yang) em duas partes produzindo
Deuses Gêmeos. Aparecem, então, as imagens de Apolo e Dioniso: o primeiro era o
representante da luz, da vida, da imortalidade, da harmonia e da permanência, enquanto
que o segundo representava a escuridão, a interrupção, a morte e a transitoriedade
(1991). No início esses dois elementos representavam a dualidade de uma mesma
polaridade, distinguiam-se porém não se excluíam; pertenciam a um Grande Círculo
intacto. No entanto, no final da era mitológica essa dualidade transforma-se em
dualismo e ocorre a separação total dos opostos, que não mais considerados como
polaridades, passam a se opor de forma excludente: “Os sexos são separados e se
opõem. A luz se opõe à escuridão; o interior se opõe ao exterior; a vida se opõe à
morte” (Whitmont, 1991, p.68).
75
uma se referia à individualidade; outra, separada desta, que dizia respeito ao mundo e
aos demais. Tal divisão possibilitou uma primeira percepção consciente da alma. É
neste período que se tem o primeiro registro das palavras eu sou: “Eu sou Odisseu”
(Whitmont, 1991, p.68). No entanto, mesmo com a noção de individualidade implicada
num discernimento entre o eu e o outro, no início deste período a ambivalência ainda
prevalece. Os opostos eram inclusivos e não exclusivos. O tempo passado começou a
ser compreendido para o homem mitológico; o tempo, nesta consciência, não dizia
respeito apenas ao aqui e agora, pois era o hoje e o ontem e, além disso, era a
eternidade. A noção espacial se referia àquilo que era dado de modo concreto e
imediato, não existia o conceito de espaço além do que era imediatamente acessível:
“Ou está aqui, ou não existe” (p.69). A realidade abrangia somente o que poderia ser
tocado e visto diretamente.
“(...) Aos três ou quatro anos, começa a surgir uma pessoa interior,
que passa a dizer eu e a vincular a experiência interior à percepção
exterior. Tornar-se uma pessoa distinta promove, antes de mais nada,
uma consciência social, a percepção consciente de cerimônias e do
que é certo e errado segundo as regras ditadas pela família e pelos
costumes grupais. Dirige-se à sensação de vergonha. Ocorre uma
primeira discriminação de tempo e espaço, centrado no aqui e no
agora. O eu começa a se sentir cada vez mais destacado do corpo e
do mundo externo, e a controlar o desejo e a agressão. A identidade
mágica e a sensação de pertencer a algo cedem terreno ao animismo
e ao pensamento reflexivo, que aos poucos vai se expandindo. As
coisas têm alma, com qualidades humanas e também fantásticas. É
76
possível argumentar com uma bruxa e dela receber conselhos úteis;
logo depois, ela decola e sai voando em sua vassoura. É quando
começa o mundo da música e das palavras, dos contos de fada”
(p.85).
77
Como conseqüência desse afastamento da Deusa, decorre a gradual
dessacralização da Mãe Terra, visto que os homens conseguiram dominá-la com as
técnicas apreendidas na Idade do Bronze. Isto acarreta uma dessacralização do
Feminino e conseqüentemente da mulher, a quem a terra estava relacionada. Com o
passar dos tempos, conforme vimos no primeiro capítulo, a mulher passa a ser a
portadora do mal e por consegüinte, depositária das projeções negativas da Grande Mãe.
Na visão mágico-mitológica nada passa a existir sem que algo equivalente tenha
deixado de existir. Portanto, toda criação requeria um sacrifício. Nestas fases
nascimento e morte eram equivalentes; mútuos aspectos da existência. Originalmente o
sacrifício tinha o significado de devoção aos deuses dos mortos e à Mãe Terra. Era uma
auto-oferta em nome da transformação e da renovação. “O sacrifício aparece como
tema central da maior parte das cosmogonias mitológicas. A psique não-pessoal
percebe o sacrifício como o cerne do processo criativo e como uma condição
fundamental para cada novo passo do desenvolvimento da vida” (Whitmont, 1991,
p.74). Porém, com o advento do patriarcado, o significado do sacrifício muda e passa a
servir como um ritual de purificação do mal e, mais tarde, da culpa.
78
É no final da era mitológica que a agressão, a morte e a destruição deixam de ser
aceitas como aspectos inevitáveis da vida. Sendo assim, o sacrifício como oferta
voluntária deixa de ser possível e a forma encontrada para canalizar a violência
agressiva, então, é justificar os motivos do extermínio das vítimas para o sacrifício e
estipular tabus contra a matança de vítimas escolhidas incorretamente.
79
consideradas más e, portanto, proibidas exceto em condições regulamentadas por lei,
que permitia a violência agressiva somente aos homens, a serviço do grupo e deveria ser
dirigida exclusivamente contra inimigos, considerados bodes expiatórios.
O egoísmo torna-se a característica principal desta fase, em que se crê que o ego
é o único responsável pelos acontecimentos. Desta forma, a força do ego passou a ser
medida ao se levar em consideração a capacidade de fazer prevalecer sua própria
vontade contra a da natureza. O homem passou a vê-la como algo que precisa servir
incessantemente aos seus propósitos egóicos, trazendo-lhe conforto e bem-estar,
poupando-lhe sensações dolorosas e reforçando a idéia de um controle sobre seus
próprios impulsos, necessidades e desejos.
80
pensamento embora, ainda não estejam diferenciadas; tampouco estão a sensação e a
intuição. Na fase mental de desenvolvimento essas funções foram separadas, o
pensamento e a percepção sensorial foram cada vez mais valorizados, enquanto o
sentimento e a intuição foram desvalorizados e mesmo reprimidos. A frase cartesiana
“Penso; logo existo” representa tal valorização do pensamento, assim como demonstra a
crença da razão e do pensamento com as únicas fontes da vontade.
81
racional, as dimensões mágicas e mitológicas do inconsciente continuam existindo e nos
influenciando. “(...) Nossa visão de mundo científica, os padrões morais defendidos
pela consciência coletiva, nossas metas pessoais baseadas nesses valores, nascem de
racionalizações e de codificações dos períodos precedentes” (Whitmont, 1991, p.92).
82
limite; porém, a cultura patriarcal produziu um mundo expansionista e ilimitado.
Segundo o autor o limite “não foi inventado pela civilização e imposto ao instinto. O
contrário é verdadeiro. A vida natural é auto-regulada. As árvores não crescem até o
céu. Por longo tempo o homem naturalmente reproduziu essa necessidade de limites”
(2000, p.11).
83
CONSEQÜÊNCIAS DO DINAMISMO PATRIARCAL PARA A PÓS-
MODERNIDADE OCIDENTAL.
84
ou seja, a mulher passou a ser identificada unicamente com o princípio Feminino e o
homem com o Masculino.
85
Além de cuidar do que cuidava, conquistou o direito de ter mais obrigações, dividindo
com o homem as áreas que a ele cabiam. (...) Será que fizemos um bom negócio?”
(2001, p.63).
86
O Feminino não encontrando espaço de expressão, acabou adquirindo caráter
sombrio em grande parte das mulheres pós-modernas. Apesar de ter encontrado seu
“lugar ao Sol”, assumindo hoje, mais do que nunca, atributos anímicos como a
agressividade, a lógica do pensamento, a realização sexual e a participação ativa na
cultura, o que vemos atualmente é uma profunda insatisfação feminina. O momento
atual denuncia a necessidade da integração do Feminino perdido; no entanto ainda
lutamos contra esse fato, buscando “receitas de persona” que prometem o corpo
perfeito, os seios avantajados, o rosto jovial, o orgasmo, o relacionamento perfeito: no
entanto estas receitas não nutrem nossa necessidade principal, nossa fome nunca será
suprida enquanto não encontrarmos o alimento que nos nutrirá o mistério do Feminino
(Woodman, 1980). Perera (1985) destaca que:
Cavalcanti (1993) comenta o fato de que, no mito original, Lilith foi substituída
por Eva, segundo ela, tal fato indica a forma patriarcal de leitura desse mito. A autora
coloca que Lilith não aceitava passivamente as exigências de Adão, mostrando-se
contrária à preferência sexual dele pela posição tradicional e expressando sua
preferência pela posição na qual a mulher fica por cima do homem, portanto no controle
do ato sexual. Adão reage abruptamente e Lilith, então, deixa o Paraíso, abandonando o
parceiro. O mito retrata que Adão sentiu-se muito solitário com a saída de Lilith, então,
Deus, a partir da costela de Adão, cria Eva, figura que se enquadraria mais aos ideiais
patriarcais religiosos e sociais.
Interessante pensarmos que nossa cultura ocidental optou por Eva, ao invés de
Lilith, mostrando quais os padrões estavam sendo valorizados na época. Em um
segundo momento, Eva deixa de se enquadrar nesses valores, assumindo a posição de
portadora de um corpo digno de vergonha, corpo este que levou Adão (ingenuamente) a
87
cometer o pecado, e que por isso deveria ser castigada. Essa é uma leitura patriarcal do
mito, poderíamos tê-la pensando de outra forma: Eva sendo a responsável pela saída do
paraíso, portanto, da saída da inconsciência; figura que possibilitou o desenvolvimento
social. Porquê esses valores do feminino monstravam-se tão ameaçadores e contrários
ao nosso desenvolvimento?
Fato é que optamos pela razão, pelo progresso e pela ordem, fazendo com que
dentre os diversos atributos femininos, ficássemos com os de mãe e esposa dedicada:
“(...) A livre manifestação da instintividade feminina teve que ser refreada e reduzida,
submetida aos propósitos patriarcais de procriação” (Whitmont, 1991, p.155).
É nesse mesmo sentido que Corbett (1990) ressalta que os atributos da Deusa só
poderão ser reestabelecidos para o coletivo através de ações individuais, nas quais
temos a responsabilidade de alargar nossa percepção, até então masculina a respeito do
Feminino. Segundo ela:
88
Jung em uma conferência ocorrida no ano de 1928 (publicada em sua obra
Civilização e Transição, 1954) já apontava a importância da confrontação com a sombra
e integração de alguns elementos, que Whitmont (1991) define como a integração dos
elementos femininos-dionisíacos. Passaram-se 80 anos e cá estamos, no mesmo patamar
apontado por Jung: afinal o que espera o homem pós-moderno?
Tal batalha não é fácil, no entanto, o processo fica ainda mais dificuldado
quando não conseguimos eleger o armamento correto para este confronto. Estamos
tentando, patriarcalmente, combater o patriarcado; ora não é de se surpreender que não
saímos do lugar. Não adianta querer banir tudo o que pertence ao mundo patriarcal, com
isso estaríamos apenas alterando a situação e dando um passo para trás no processo de
individuação. Não é escondendo os valores patriarcais na sombra que conseguiremos
resgatar o Feminino; trata-se de uma integração entre essas duas esferas e não de uma
substituição. Para Muszkat:
89
Esta confrontação com a sombra é importante para que possamos reintegrar os opostos
masculino-feminino em nossa consciência. Não se trata, portanto, de uma tarefa fácil.
Para Byington, no ciclo da alteridade “a inter-relação do desenvolvimento individual e
coletivo é obrigatoriamente complementar e inseparável” (1983, p.74). Segundo o
autor:
O autor destaca que a humanidade só conseguirá reverter essa atual crise, e sua
conseqüente destruição, como a destruição humana da natureza por exemplo, quando
conseguir, verdadeiramente, resgatar os valores do feminino reprimido: para isso é
necessário se defrontar com tudo aquilo que um dia deixamos de olhar e que ficaram
depositados nas profundezas do inconsciente. Sendo assim, é imprescindível que
homens e mulheres se abram para a integração de tais elementos na consciência, o que
lhes permitirá uma forma de estar no mundo mais plena. Esse é o grande desafio para a
nossa consciência atual.
Sabemos que esta luta é especialmente dura para as mulheres, pois terão que sair
da posição de “filhas do patriarcado” e enfrentar a própria repressão do Feminino, fruto
de sua identificação com os valores patriarcais:
90
“Sendo assim, a mulher, que esteve tanto tempo submetida a essa
enorme força do patriarcado, terá a árdua tarefa de travar uma luta
interna diária em busca do desenvolvimento de sua personalidade.
Como o homem passou séculos massacrando o feminino, ela foi
internalizando um masculino destrutivo, opressor e castrador, uma vez
internalizados esses conceitos, ela mesma assume a tarefa de se
autodesvalorizar” (Ferreira, 2006, p.32).
Vimos no capítulo três, referente aos princípios, que tanto o Feminino quanto o
Masculino são arquétipos quaternários. A meu ver, integrar o Feminino seria resgatar
este arquétipo em sua completude: Eva, Helena, Maria e Sophia. Importante
lembrarmos que à Eva atribui-se também Lilith, ou seja, antes de tudo é preciso que
consigamos integrar Lilith à Eva, para assim darmos sequência: “Para ser um mulher,
ou se conhecer uma mulher, há que haver o (re)encontro psíquico tanto com Lilith
quanto com Eva” (Koltuv, 1986, p.36). Para isso é preciso a integração da liberdade,
com o movimento e instintividade de Lilith, de modo que a mulher se torne consciente
de seu próprio poder sedutor (Engelhard, 1999, p.36).
91
O próximo capítulo retrata a dança e a Dança do Ventre, bem como seu
potencial arquetípico e a forma como esta se torna uma grande aliada no resgate do
Feminino.
92
A DANÇA.
93
linguagem, mas da busca de uma completude onde, juntos, corpo e
alma atuam com um único objetivo: a totalidade. (...) o senso de
completude, muitas vezes encontrado no âmago da experiência
religiosa, transcende os limites da consciência racional, pois põe o
indivíduo em contato com aquelas forças elementais que o ligam às
características universais da humanidade” (2000, p.58).
94
Sendo assim, o afeto, ao rebaixar a consciência, provoca uma diminuição no
sentido da orientação, o que por sua vez, permite ao inconsciente penetrar e ocupar esse
espaço vazio, enquanto que a consciência ao ser arrebatada passa a ocupar uma posição
secundária, ocorrendo, portanto, uma relativização do ego, bem como das categorias de
tempo e espaço. Com isso, tem-se a sensação de experimentar uma espécie de
entorpecimento no qual o homem se sente transportado para uma nova dimensão
vivencial, despertando no ego, ao mesmo tempo, um certo fascínio com relação às
possibilidades a serem experimentadas e o terror da sua dissolução. É nesse sentido que
Ioshimoto afirma que a dança permite um encontro da consciência com a camada mais
profunda da psique, o inconsciente, obtendo, por consequência, uma manifestação da
função religiosa da psique que sempre busca formas de expressão. Para ela: “Através de
uma atividade corporal podemos, então, vincular a consciência às camadas mais
profundas da psique que pode se revelar com toda sua numinosidade” (p.85).
95
vida, oferecendo a perspectiva do encontro de um novo eixo e centro para a jornada
humana, realizando na existência o mito que a fundamente (individuação)” (p.112).
Sendo assim, a dança é uma expressão do Self, da totalidade do ser. Nas palavras de
Ioshimoto:
96
Em capítulos anteriores vimos que a sociedade patriarcal precisou se desvaler de
valores e crenças do dinamismo matriarcal para seguir em frente rumo ao caminho da
individuação. Para isso, foi preciso substituir a divindade feminina Grande Deusa por
um Deus único e soberano, cindindo o elemento masculino Yang em duas partes: a
apolínia e a dionisíaca. Nossa sociedade ocidental optou por Apolo relegando Dioniso à
imagem da Besta. É interessante, portanto, notar que o deus que está mais envolvido
com a dança é Dioniso; deus da vegetação e da fertilidade, do êxtase e do entusiasmo
(Brandão apud Ioshimoto, 2000). Por se tratar de um deus andrógeno, resgatar Dioniso
não é apenas retomar o Feminino perdido, integrando-o ou acrescentando-o ao
Masculino, mas reestabelecer uma possibilidade original, apriorística em que o
Masculino e o Feminino encontram-se primordialmente unidos. Desta forma, ao dançar
obtemos uma experiência arquetípica fascinante, ao mesmo tempo em que nos parece
amedrontadora; é possível portanto, compreender o motivo pelo qual Dioniso provocou
inquietações e foi excluído da posição de deus pelo pensamento patriarcal.
97
Lua, com o sangramento mensal das mulheres e às dores do parto, considerados o elo de
ligação ao mistério sagrado do ciclo de vida e morte.
A DANÇA DO VENTRE:
98
levar à busca de novas relações. Dá gosto pela vida que se apreende através de todos
os órgãos estimulados pelo treinamento” (1993, p.144).
99
que, em inumeráveis ritos e mitos, desempenham o papel de útero da terra a ser
fecundado” (p.50).
Neumann também destaca que o Grande Feminino não contém somente traços
positivos; a ele incluem-se características como a Mãe Bondosa e a Mãe Terrível, ou
seja, não é apenas o doador e protetor da vida, ele a retém e a retoma, representa ao
mesmo tempo a vida e a morte: “(...) O Grande Feminino contém os opostos e o mundo
efetivamente vive pelo fato de que combina em si a terra e o céu, a noite e o dia, a vida
e a morte” (p.50). Ele acrescenta que a terra e a água são elementos naturais ligados,
essencialmente, ao simbolismo do vaso.
Em cada região do mundo essa divindade recebeu um nome; Ísis no Egito, Atana
em Creta, Inana na Suméria, Ishtar na Babilônia e Gaia ou Géia na Grécia. No Egito, as
deusas homenageadas pela Dança do Ventre eram Ísis e sua filha Hathor. Penna (1993),
nos fala que as egípicias acreditavam na existência de uma correlação entre os
movimentos do corpo e o estado de espírito; neste sentido, não era preciso técnica para
dançar em homenagem às suas deusas. Esse povo não acreditava na morte como um fim
mas como uma continuidade em outro lado da vida. A autora (1993, pp.112-113),
afirma que os mistérios da vida e da morte eram passados para a população por
intermédio de ensinamentos profundos, acessíveis apenas àqueles que eram iniciados
nos mistérios de Ísis e Osíris. Tal conhecimento era transmitido somente dentro dos
templos ou das pirâmides. A Dança do Ventre faria portanto, parte dos cultos à Ísis,
realizados nesses ambientes sagrados e secretos.
100
Esta ligação da Dança do Ventre com a Grande Mãe encontra-se presente nos
mitos, manifestações de dança em diferentes culturas e em relatos históricos que afirmam
que apenas algumas mulheres conhecidas como sacerdotisas poderiam dançá-la, visto
que o critério de escolha dessas sacerdotisas valorizava o número de filhos de cada
mulher, a expressão de sua feminilidade, assim como a influência que exerciam na
comunidade. Os rituais incluíam oferendas à Deusa como flores de lótus, incensos, frutas
e ervas aromáticas. Acreditava-se que por intermédio do canto e da dança um canal de
comunicação com o divino seria estabelecido, encenavam portanto, a ligação intrínseca
entre os ciclos da natureza e a mulher.
101
Essas mulheres sem qualquer receio ofertavam-se à Deusa e dançavam em sua
reverência:
Devido ao fato de as mulheres da cultura árabe serem tidas como submissas aos
homens, a única coisa que elas possuem de direito que é só delas, a qual podem usar
quando e quanto quiserem é a Dança do Ventre. Em geral, elas costumam se encontrar
em grupos de amigas ou familiares e dançam umas para as outras, celebrando a
espiritualidade e força femininas, transmitindo beleza e senso de liberdade através da
sua expressão particular. Em tempos anteriores o homem que fosse pego observando-as
dançar era punido severamente, há registros que afirmam que em grande parte estes
burladores recebiam o castigo da cegueira.
102
a serpente, o punhal, as taças, o candelabro, a bengala, o jarro, o pandeiro, as flores e o
Meleah Laf – lenço envolto ao corpo. As danças com espada, véu(s), punhal e
candelabro são inovações introduzidas recentemente. Tradicionalmente existem apenas
as danças folclóricas da bengala, do jarro e o Meleah. Algumas destas danças com
elementos, tal como a dança da bengala, podem ser acompanhadas pelos homens, com
movimentos masculinos, do Dabcke, dança tipicamente masculina.
Penna (1993), afirma que um dos objetivos da Dança do Ventre é fazer o com
que o corpo da mulher ondule sinuosamente como as serpentes na terra. Com isso, “(...)
essa chamuscante dançarina transforma-se na expressão da força sagrada que tudo
transmuta e purifica: o fogo” (p.133). A autora destaca que em diversas culturas, a
libido é frequentemente representada pela chama e vista como a energia da vida que
pode ser desperta especificamente por esse tipo de dança: “(...) Segundo antigos
ensinamentos orientais, a libido está “adormecida” ou estocada na base da coluna
dorsal. Ascendendo, espalha-se pelo corpo todo, revitalizando os órgãos” (idem). Cabe
destacarmos alguns pensamentos orientais que acreditam na existência de uma
organização energética responsável pelos processos vitais na base da coluna,
representada pela serpente de fogo: a Kundalini, que ora aparece como deusa feminina,
ora como força primordial assente na base da coluna humana, lhe sendo atribuída à
saúde física e mental (Penna, 1993). Desta forma, o assoalho pélvico do ventre
representaria a sede da Kundalini, que levanta e se expande por todo o corpo,
energizando os chamados chakras da concepção hinduísta antiga.
103
(Disponível em: http://www.salves.com.br/Chakras.html)
104
Svadhisthana Chakra – (Sacro). É o centro do desejo sexual e da potência
criativa.
105
pelos chakras, assim como com as representações simbólicas que podem emergir à
consciência. Segundo ela:
No assoalho pélvico, além dos órgãos sexuais encontramos uma região sensível
chamada períneo, que se estende da vagina ou do saco escrotal até o ânus. Este nome
possivelmente significa ao redor (peri) do novo (neo) ou ao redor do fogo (ígneo), tais
interpretações associam o períneo com o nascimento do ser biológico e com a origem da
força necessária para a manutenção do equilíbrio vital humano. No ventre da mulher se
localiza o útero, com características específicas como a umidade e o aquecimento que
facilitam as transformações embrionárias que ocorrem dentro dele. Foi o simbolismo do
ventre, bem como a capacidade de perpetuação da espécie e conseqüente continuidade
da vida, que fez com que em tempos longínqüos as mulheres fossem relacionadas com a
fertilização das terras.
106
seu ciclo menstrual e das alterações corpóreas ocorridas ao longo do mês. Para Marques
(1994): “(...) O ventre, situando-se no meio do corpo, pode através da dança,
proporcionar a condução de impulsos nervosos e energia para a parte superior e
inferior do corpo” (p.28).
107
“(...) A dança retrata dimensões profundas do humano, cujo contato
propicia a atualização do seu potencial através da experiência,
imprimindo-lhe significado. Neste sentido, se for considerada como
uma predisposição herdada (como parece ser) cuja manifestação
ocorre de diversas formas, segundo o desenvolvimento dos grupos
humanos, sua importância se amplia ao estudo do que há de comum
no humano, ao estudo da espécie” (Ioshimoto, 2000, p.54) e
108
individuação e entrando de fato no dinamismo da alteridade. “(...) A Dança do Ventre
atravessou milênios e mostra como a mulher pode estabelecer este equilíbrio entrando
em contato com o princípio feminino” (Marques, 1994, p.26). Segundo Penna:
Penna (1993) complementa que são três os canais favorecidos pela prática desta
dança: o da autopercepção, o da percepção do grupo feminino e a compreensão da
ordenação do meio ambiente. Parece que Penna acredita ser este o caminho para a
desvinculação do patriarcado e a entrada efetiva na alteridade, quando afirma que a
partir do desenvolvimento destes três tipos de percepção: “(...) será possível dar sentido
a coisas e situações que antes não se valorizavam. É nessa direção, reavaliando o
processo de vida, hoje, que uma praticante de dança pode recriar o seu mundo pessoal,
mudando com sua mínima parcela a mentalidade coletiva” (Penna, 1993, p.143). Esta
mudança, portanto, ocorreria tanto a nível individual, quanto coletivo.
109
arquétipo se propor a abranger o corpóreo, o lado material da realidade” (p.29). Desta
forma, “(...) A transformação do ego, que se opera no encontro com este centro – o self
– e que se afirmará à luz do dia, no fim da viagem de retorno, marcará, através da
dança, uma harmonia entre a matéria e o espírito” (Marques 1994, p.32). Estar-se-ia,
portanto, resgatando a natureza instintiva da mulher, que segundo Estés (1994) é
fundamental para a transformação do universo feminino.
110
determinações culturais e complexos pessoais. Também é importante ressaltar que, no
caso das nossas participantes além desses fatores, o Feminino também foi influenciado
pela dor crônica, em que o corpo pode ser entendido como o portador do mal.
Farah (1995) usa o termo organização postural para expressar o que acontece
nesta desestruturação-reestruturação da imagem corporal. Para a autora, mudanças no
corpo objetivo ocorrem de forma concomitante a mudanças no modo como o
percebemos subjetivamente. Organização postural pode significar então, tanto as
mudanças anátomo-fisiológicas ocorridas no indivíduo, quanto as suas mudanças
psicodinâmicas sendo assim, tal expressão refere-se à movimentação objetiva e
subjetiva que ocorre no indivíduo.
111
Nesse sentido, através da atividade corporal da Dança do Ventre podemos
vincular a consciência às camadas mais profundas da psique, que pode se revelar com
toda sua numinosidade. Embora Peto (2004), tenha concluído em sua dissertação de
mestrado que a Dança do Ventre contribui para a melhora da auto-estima e da auto-
confiança de mulheres em assistência num Centro de Atenção Psicossocial (CAPS),
tendo auxiliado nos seus tratamentos dentro desta instituição, colaborando
consideravelmente na educação corporal, saúde física e mental destas, promovendo
melhorias na qualidade de vida e, conseqüentemente, proporcionando um convívio
melhor em seu meio social e familiar, sabemos que o simples fato de executar os
movimentos desta dança não garante que os aspectos do princípio Feminino sejam
desenvolvidos e conscientizados pois é preciso, além da estimulação corporal, que
exista uma elaboração psíquica sustentando tais mudanças a fim de que não
permaneçam inconscientes (Marques, 1994; Kurbhi, 2001).
112
DOR: ASPECTOS FÍSICOS E PSICOLÓGICOS.
RELEVÂNCIA CIENTÍFICA:
“a dor afeta pelo menos 30% dos indivíduos durante algum momento
da sua vida e, em 10 a 40% deles, tem duração superior a um dia.
Constitui a causa principal de sofrimento, incapacitação para o
trabalho e ocasiona graves conseqüências psicossociais e econômicas.
Muitos dias de trabalho podem ser perdidos por aproximadamente
40% dos indivíduos. Não existem dados estatísticos oficiais sobre a
dor no Brasil, mas a sua ocorrência tem aumentado substancialmente
nos últimos anos. A incidência da dor crônica no mundo oscila entre 7
e 40% da população. Cerca de 50 a 60% dos que sofrem dela ficam
parcial ou totalmente incapacitados, de maneira transitória ou
permanente, comprometendo de modo significativo sua qualidade de
vida” (Disponível em www.dor.org.br).
113
os responsáveis pela maior ocorrência da dor crônica. O autor também destaca que além
“(...) de gerar estressores físicos e emocionais para os doentes e para os seus cuidadores,
a dor é razão de significativo fardo econômico e social para a sociedade” (p.53).
A dor crônica, classicamente, é aquela que dura mais de três ou seis meses, mesmo
após o problema que a desencadeou ter sido resolvido. Está quase sempre associada a um
processo de doença, mas também pode ser conseqüência de lesões previamente tratadas.
114
A-delta e C – através de estímulos dolorosos, que podem ser químicos, térmicos ou
mecânicos. Os nociceptores podem ser sensibilizados por estímulos químicos endógenos,
como a serotonina, a substância P, a bradicinina, as prostaglandinas e a histamina. A dor
somática geralmente é bem localizada e descrita pelo paciente como rude, exacerbada ao
movimento – dor “incidental” –; o repouso promove alívio para este tipo de dor. São
exemplos de dor somática: as dores pós-operatórias, ósseas, músculo-esqueléticas,
artríticas e etc. Já a dor visceral é provocada por distensão da víscera oca, “(...) geralmente
é difusa ou referida em áreas distantes do local da lesão (dor referida)” (Lepski &
Teixeira, 2003, p.171). Esses autores explicam que “Os nociceptores distribuem-se por
quase todo o organismo. Entretanto, sua densidade varia. (...) na parede dos vasos e
encéfalo, peritônio e cartilagens, a manipulação dessas estruturas causa dor quando tem
seus vasos locais distendidos” (p.171). Freqüentemente náuseas, vômitos e sudorese se
associam à dor visceral.
115
dor são: 1- Alodínea, evocada por estímulos classificados como não dolorosos mas que
passam a ser percebidos pelo organismo como extremamente dolorosos, por exemplo
quando o simples toque de um algodão na pele desencadeia dor intensa imediata, 2-
Analgesia, ocorre quando a aplicação de estímulos dolorosos não deflagra a sensação
dolorosa, 3- Anestesia, abolição de percepção de todas as qualidades sensoriais extero e
visceroceptivas, 4- Anestesia dolorosa, dor ocorre em regiões anestesiadas, 5- Causalgia,
dor e queimor constantes, alodínea e hiperpatia em decorrência às lesões traumáticas de
nervos, 6- Disestesias, sensações anormais desagradáveis, evocadas ou espontâneas, 7-
Hiperalgesia, reação exagerada desencadeada por estímulos dolorosos, indica redução do
limiar para estímulos dolorosos, 8- Hiperestesia, é o aumento da sensação durante a
aplicação de estímulos, indica redução do limiar e aumento da reação aos estímulos, inclui
alodínea e hiperalgesia, 9- Hiperpatia, reações anormais, em geral explosivas como
resposta a estímulos dolorosos, repetitivos, em condições que há aumento do limiar à dor,
pode ter manifestação tardia, após a aplicação dos estímulos, ou gerar sensação dolorosa
irradiada, pode estar associada à alodínea e à disestesia, 10- Hipalgesia, sensação dolorosa
tem intensidade menor do que esperada frente aos estímulos dolorosos, 11- Hipoestesia,
diminuição da sensibilidade à estimulação sensitiva, 12- Panestesia, comprometimento da
discriminação espacial de pontos na superfície do corpo submetidos à estimulação tátil,
térmica ou dolorosa, e 13-Parestesias, sensações anormais, evocadas ou espontâneas
(inclui disestesia e outras sensações anormais; em geral, utiliza-se o termo parestesia para
sensações compreendidas como não-desagradáveis como formigamento e adormecimento,
enquanto que disestesia é utilizado para indicar as sensações desagradáveis (Teixeira &
Okada, 2003, pp.343-344).
116
que a dor deve ser registrada e mensurada, da mesma forma como a pressão arterial, a
temperatura e freqüências respiratória e cardíaca. No entanto, se trata de uma experiência
subjetiva com aspectos afetivo-emocionais, ou seja, não é possível observar a dor a olho
nu e ser objetivamente determinada por instrumentos físicos, somente sendo possível
mensurá-la a partir do relato e da observação dos comportamentos dolorosos do sofredor.
A OMS sugere que o tratamento da dor crônica seja iniciado com analgésicos e
antiinflamatórios comuns, associados a medicamentos adjuvantes, meios físicos e
psicológicos (antidepressivos, neurolépticos, miorrelaxantes, anticonvulsivantes,
corticosteróides, tranqüilizantes e anti-histamínicos) (Degrau 1). Quando as medidas
adotadas no degrau 1 não aliviarem a dor de modo suficiente e a dor for classificada como
moderada utiliza-se opióides fracos como a codeína no tratamento (Degrau 2). Caso a dor
não tenha sido aliviada de maneira suficiente ou já seja inicialmente classificada como
intensa ou muito intensa, mantém-se os mesmos medicamentos do segundo nível,
substituindo os opióides fracos pelos fortes, como a morfina (Degrau 3).
117
TEORIA DO CONTROLE DA COMPORTA:
Em 1979, a International Association for the Study of Pain (IASP) definiu dor
como: “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada à lesão tecidual
real, potencial ou descritas em termos de tal lesão” (Loduca, 2007, p.32). Esta
compreensão de que a dor engloba tanto aspectos físicos quanto psicológicos passou a ser
considerada a partir da teorização de Melzack & Wall, que em 1965 postularam a Teoria
do Controle da Comporta. Até então, a compreensão da dor era pautada unicamente nos
aspectos físicos. No entanto, a partir do século XX, algumas constatações que sugeriram
variações entre os indivíduos quanto à sensação de dor e que, portanto, apontariam uma
influência importante de fatores psicológicos no processo, motivaram esta mudança.
Loduca (1998) explicita tais constatações afirmando que:
118
proveniente das fibras grossas e o que circularia pelas fibras finas.
Nessa linha de raciocínio, predominando o afluxo pelas fibras finas,
as vias espinotalâmicas são disparadas e a comporta abre-se, fazendo
com que a dor seja percebida. Já a predominância do afluxo no
sistema de fibras grossas faz com que a comporta mantenha-se
fechada ou parcialmente aberta, ocasionando a ausência ou a mínima
percepção da dor. Pode-se manter a comporta fechada de duas
maneiras: diminuindo a estimulação nociva ou aumentando o estímulo
nas fibras grossas por meio da aplicação de um estímulo mais forte
não nocivo; isso se evidencia quando uma dor diminui de intensidade
ao ser esfregada a região afetada” (p.21).
Em resumo, podemos dizer segundo esta teoria, que a dor está relacionada à
predominância da atividade de fibras nervosas finas em detrimento das grossas,
favorecendo a abertura da comporta. Além dos estímulos nocivos ou não nocivos,
fatores provenientes da atividade central também podem influenciar a abertura ou o
fechamento da comporta, ou seja, a abertura da comporta pode ser provocada quando a
pessoa está tensa, deprimida ou ansiosa. Desta forma, o cérebro interpretará mais
mensagens como dolorosas. Já o fechamento da comporta pode ser favorecido quando a
pessoa está sendo submetida a fatores de ordem física, como medicação ou a fatores
emocionais: sentimentos de felicidade, tranqüilidade e otimismo, ou ainda a fatores
cognitivos, como distração ou concentração.
Em sua tese de doutorado (Loduca, 2007), a autora afirma que muitos trabalhos
foram realizados, nas últimas três décadas, com o intuito de detalhar mais a Teoria da
Comporta; entretanto, a estrutura original proposta por Melzack & Wall continua sendo
válida. Fazendo referência ao trabalho dos autores Main & Spanswick, Loduca afirma
que esta teoria:
119
“(...) tem sido muito importante nos estudos realizados sobre a
modulação da dor para evidenciar a presença de diversas associações
entre fatores cognitivos, comportamentais, emocionais e ambientais,
como componentes-chave para justificar a plasticidade e
variabilidade de respostas envolvidas na nocicepção e percepção da
dor” (p.29).
120
A autora e seus colaboradores afirmam que tanto a dor quanto o sentimento de
incapacidade se tornam as principais razões da existência destas pessoas, que passam a se
distanciar, progressivamente das perspectivas de recuperação e reabilitação tanto física
quanto profissional e social, sentimentos como medo e incertezas permeiam suas vidas
com relação ao futuro, com isto eles vão se afastando cada vez mais do meio social e
prolongando o período de afastamento de suas atividades rotineiras, o que limita a
possibilidade de retorno às suas funções anteriores. Ressaltam ainda que, muitas vezes, a
eliminação completa da dor não é possível, portanto o tratamento não deve, unicamente,
objetivar a extinção da dor, mas sim, seu controle, bem como “(...) a exploração dos
potenciais remanescentes e a melhora da qualidade de vida” (p.690). Eles justificam a
atuação interdisciplinar embasada no modelo biopsicosocial através da afirmação:
Lin e colaboradores afirmam, portanto, que o tratamento das algias crônicas deve
contemplar os aspectos biológicos e psicossociais envolvidos na doença. Como a dor
possui natureza complexa e multidimensional, o modelo de intervenção a ser adotado deve
ser integrado, de assistência multi ou interprofissional, o que implica numa formulação
individualizada de planos diagnósticos e terapêuticos. Nesse sentido, o objetivo do
tratamento não é apenas proporcionar alívio da dor ou promover a reabilitação física; mais
do que isso, é possibilitar a reintegração social do indivíduo, resgatar a auto-estima, bem
como melhorar sua qualidade de vida. Sendo assim, para estes autores algumas razões da
atuação da equipe de tratamento de doentes com dor crônica são:
121
psíquicas e sociais dos doentes, a maximização dos potenciais
remanescentes, a prevenção da deterioração das condições físicas e
comportamentais” “(...) o desenvolvimento da autoconfiança, o
encorajamento para a execução de atividades, a eliminação do medo
de que novas lesões possam instalar-se, a correção dos
desajustamentos familiares, sociais e profissionais que contribuem
para o sofrimento e incapacidade, o uso criterioso de medicamentos e
a independência do sistema de saúde são, entre outras as razões da
atuação daqueles envolvidos no atendimento dos doentes com dor
crônica” (2003, pp.690 - 691).
Além disso, também é importante que os doentes recebam orientações com relação
aos efeitos benéficos da atividade física no que diz respeito ao aumento da força física e
flexibilidade, melhora do aparelho locomotor, do condicionamento respiratório e
cardiovascular e do corpo como um todo, em contraposição aos efeitos nocivos da
inatividade. As atividades físicas são consideradas como uma das recomendações mais
importantes “(...) para tratar e reverter sintomas e anormalidades físicas ou psicológicas
em doentes com dor crônica. A melhora do condicionamento não apenas reverte a
síndrome do desuso, como também constitui importante argumento de autocontrole do
aparelho locomotor” (p.691). Os autores indicam a relevância do foco na “(...)
modificação dos hábitos e atitudes de enfrentamento dos processos dolorosos e dos
conflitos cotidianos” (p.700), destacam que para complementar as metas de reabilitação é
necessário atuar na melhora da qualidade de vida, na readaptação às atividades físicas e na
expansão das possibilidades de comunicação interpessoais, de modo a promover
independência e autonomia aos doentes de dor crônica, eles ressaltam a importância de
estimular o doente no desenvolvimento de atividades lúdicas, físicas e culturais (op.cit).
122
A Qualidade de Vida (QDV) é um conceito que merece destaque na avaliação do
doente com dor crônica, pois é o parâmetro para as aspirações de melhora, dizendo sobre
as sensações de conforto e bem estar. A World Health Organization Quality Of Life da
Organização Mundial da Saúde (WHOQOL) – (OMS), define QDV como: “a percepção
do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais
ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Lin et al.,
2005, p8).
Para o autor:
123
ele percebe a sua QV. Tanto a dor associada ao câncer como a dor
crônica devida a patologias não malignas produzem alterações no
funcionamento diário e nas percepções de bem-estar e satisfação
determinantes da qualidade da existência de uma pessoa” (p.189).
Ele aponta para o fato de que além do próprio sofrimento ocasionado pela dor, o
doente precisa lidar com as frustrações de variados tratamentos que não corresponderam às
expectativas iniciais, os exames com respostas pouco esclarecedoras e as explicações
vagas e insatisfatórias dos médicos com relação ao seu quadro clínico, ou até mesmo a
inexistência de diagnóstico preciso ou do esclarecimento de que nada pode ser feito para
extirpar-lhe a dor. Ele aponta que o convívio crônico pode ocasionar depressão,
sentimentos de incapacidade, desarranjos familiares, dificuldades no trabalho e progressivo
afastamento de suas atividades, o que lhes aponta para a necessidade de passar pelo
estresse dos órgãos públicos de auxíio-doença. A partir de tudo isso, o autor coloca que:
“(...) O desemprego e a inatividade física resultam em comprometimento do
condicionamento físico, atrofia muscular e redução da mobilidade muscular e articular,
com conseqüente perda da capacidade de trabalho (síndrome de desuso), do que acarreta
diminuição da satisfação individual com a QV” (2003, p.189).
Barros (2003) afirma que a preocupação em avaliar a qualidade de vida dos doentes
crônicos é muito importante para a qualificação dos serviços de atendimento, no sentido
em que preocupa-se com a satisfação dos doentes e a otimização de custos com a atenção à
saúde. Coloca que o início dos estudos sobre qualidade de vida acompanhou um
movimento chamado de “humanização” da medicina, que se contrapôs ao tecnicismo
excessivo. Para ele, os estudos de QDV trouxeram como meta principal a preocupação
com o bem-estar dos doentes, em especial os crônicos, provocando “(...) reflexão a
respeito do modelo fragmentado de ensino e prática médica fundamentados no
cartesianismo, ainda presentes nos dias de hoje e revelou a necessidade de modificações”
(p.189).
124
com o esperado, solicitando cuidado, nossa sociedade patriarcal procura evitar a qualquer
custo as sensações de dor e desconforto; no entanto, sua ocorrência é inevitável ao longo
da vida. Para se proteger mediante sensações dolorosas, o indivíduo necessita mobilizar
ajuda externa e/ou recursos internos.
Segundo Loduca (1998): “(...) a dor desancora o indivíduo do seu cotidiano, ele
passa a se relacionar consigo mesmo e com o mundo através de uma máscara, a máscara
de sofredor. A dor, nesse sentido, é o pedágio obrigatório que determinará as relações
intra e interpessoais” (p.4). Quando o paciente assume o papel de doente, abrindo mão de
outros papéis que exercia até então em seu cotidiano, ele se afasta tanto das
responsabilidades quanto de atividades prazerosas, destacando a dor como ponto central de
sua vida (Loduca, 2007). A autora destaca os sentimentos de incapacidade física, a perda
progressiva da auto-confiança, o retraimento e distanciamento de relações que
apresentavam papel importante antes do adoecimento, como fortemente presentes nesses
pacientes.
A autora também relata que em sua experiência pôde observar que a dor passava
a interferir menos no cotidiano do sofredor a partir do momento em que ele re-
significasse sua experiência e desenvolvesse novos hábitos e comportamentos. Ela
também destaca que além de procurarem causas para a dor, os pacientes buscam atribuir
um sentido para o seu sofrimento, o que ela destaca como mais significativo (Loduca,
1998).
Com relação ao impacto da dor, Lin e colaboradores (2003) destacam que esta
altera os afetos, interfere no ritmo e qualidade do sono, no apetite e no lazer, evoca
fantasias e emoções até mesmo mais incapacitantes do que as condições do quadro físico:
medos referentes à incapacidade e à desfiguração, incertezas quanto ao futuro,
preocupações com perdas materiais e sociais. Frente a tudo isso, é comum que o indivíduo
perda sua identidade tanto no trabalho, quanto na família e no meio social. Os autores
também destacam que “(...) O processo de mudança da condição normal para a de
incapacidade e dor crônica é desgastante e agrava ou acarreta instalação de sintomas de
depressão, ansiedade, angústia, insegurança e/ou desconfiança” (p.689).
125
Desta forma, percebemos que o impacto da dor crônica abrange diferentes âmbitos
do cotidiano do doente como: auto-imagem, consciência e cuidado corporal, rede de apoio
social e familiar, projeto de vida, trabalho; estas áreas estão interligadas, sendo que caso
uma esteja mais prejudicada, outras também serão influenciadas (Loduca & Samuelian,
2003).
126
Sabemos que aspectos psicológicos podem produzir a percepção da dor ou
aumentar a tolerância à estimulação dolorosa (Lin et al., 2005); neste sentido, para
compreender a dor de cada indivíduo é preciso extrapolar o âmbito físico, buscando
entender não somente a natureza física do agente causador da dor como os fatores
psicológicos. “A dor é uma resposta afetiva à percepção do estresse que envolve os
sistemas somático, motor e cognitivo e a afetividade, justificando a necessidade de se
analisar os aspectos psicossociais durante a avaliação dos doentes com dor” (Lin et al.,
2005, p.5).
História de Vida: Buscar levantar acontecimentos que o indivíduo destaca como positivos
e negativos, explorando aspectos referentes ao trabalho, moradia, relacionamentos sociais,
familiares e amorosos, preocupações, perdas, situações traumáticas, bem como eventos da
vida em que se considera realizado ou frustrado.
Cotidiano: Procurar avaliar o impacto da dor na vida do indivíduo nas diferentes áreas
como trabalho, inserção social, lazer, ambiente familiar, vida social e amorosa e atividade
sexual. Identificar as fontes de prazer, alívio e descarga e o quanto elas foram prejudicadas
pelo quadro álgico.
127
destacam a importância de detectar a presença de crenças disfuncionais e pensamentos
negativos, como a catastrofização, vitimização, culpa, generalização exagerada e a ênfase
no tema da dor, assim como detectar a presença de crenças funcionais como o sentimento
de auto-eficácia, ou seja, crenças nas próprias capacidades de organização e execução de
ações necessárias para lidar com situações estressantes.
Projeto de Vida: Quais desejos e metas o indivíduo busca para a sua vida que não estejam
vinculadas ao papel de doente. A maioria dos que sofrem de algias crônicas só conseguem
aspirar à cura da dor, o que indica forte paralisação das outras áreas da vida e anulação de
planos anteriores, em função do adoecimento.
128
passiva, a depender da ênfase que o indivíduo atribui à sua fé, podendo servir-lhe como
fonte de motivação ou de resignação (Lin et al., 2005, p.7). Os autores destacam que para o
profissional compreender os motivos pelos quais alguns doentes não se sentem capazes de
enfrentar a situação de adoecimento é preciso identificar as estratégias mais utilizadas pelo
indivíduo, possibilitando ao profissional o entendimento dos recursos de que o indivíduo
acredita dispor.
Acredito que o processo álgico crônico pode fazer com que o indivíduo se
relacione com seu corpo como um Outro estranho, portador do mal e do sofrimento.
Vimos ao longo dos capítulos que a sociedade patriarcal buscou encobrir e reprimir
coisas que considerou como más ou que achou que estavam fora de controle, portanto,
ameaçadoras.
129
A Dança do Ventre então, seria um grande instrumento neste sentido,
possibilitando à mulher, após o contato com sua essência, a retomada do senso de
valorização e de auto-eficácia e melhora da auto-estima. De forma lúdica e prazerosa é
uma boa aliada na reversão da síndrome do desuso, atuando no sentido de
complementar as metas de realibilitação, de modo a promover saúde e bem-estar, físico
e psicológico.
130
METODOLOGIA.
131
elaboração simbólica. Nesse sentido, tal pesquisa preocupa-se em investigar as duas
esferas da psique; consciente e inconsciente. Penna (2003, p.184) afirma que:
132
Neste sentido, a perspectiva simbólica arquetípica do método junguiano permite
a integração entre aspectos da subjetividade e da objetividade, do mesmo modo como
entre individualidade e coletividade.
133
Segundo Perera (1985), o profissional que se dispõe a auxiliar outras pessoas na
tarefa de resgate do Feminino deve atuar, quando necessário, como participante deste
processo e trabalhar ao nível mente-corpo, no qual ainda não ocorreu a formação da
imagem e da percepção do outro e: “(...) onde instinto, afeto e percepção sensorial
começam a aglutinar-se, de início, em sensações corporais que podem ser identificadas
para fazer aflorar a lembrança ou a imagem” (p.88). Nesse sentido pode-se utilizar de
técnicas como toque, abraço, trabalho com sons, com o silêncio, com a atenção
afirmativa na qual se espelham os fatos, trabalhos com gestos, cantos, respiração, além
das ações não-verbais como desenho ou dança.
A) Participantes.
Optou-se por pessoas que já haviam passado pelo grupo psicoeducativo devido a
crença de que, por estarem mais mobilizadas e já terem passado por um processo de
ampliação da consciência, estariam mais preparadas para iniciar uma atividade que
134
exigisse um maior contato com sua natureza e maior abertura para um contato íntimo
consigo mesmas, além do fato de que ao estarem mais mobilizadas aproveitariam
melhor o presente trabalho, em termos de sua curta duração.
B)Procedimento.
*
Os nomes utilizados são fictícios.
135
Com relação aos instrumentos utilizados, a idéia original era solicitar às
participantes que realizassem o desenho do próprio corpo em dois tempos: no início e
no término do processo. No entanto a pesquisadora se deu conta de que algumas das
participantes tinham restrições na mobilidade das mãos; optou-se então, pela
representação grupal da imagem corporal através de recursos como revistas, canetas e
colas coloridas, dentre outros. Este procedimento foi adotado devido ao crédito que a
pesquisadora atribui ao processo grupal, no sentido em que tal espaço, possibilitador do
encontro, naturalmente carrega a possibilidade de transformação. Nesse sentido, a
representação grupal pareceu a forma mais apropriada para a leitura daquele grupo em
específico, bem como de suas alterações.
136
- Nível de Independência: 9. mobilidade, 10. atividades da vida cotidiana, 11.
dependência de medicação ou de tratamentos, 12. capacidade de trabalho.
- Relações Sociais: 13. relações sociais, 14. suporte (apoio) social, 15. atividade
sexual.
- Ambiente: 16. segurança física e proteção, 17. ambiente e lar, 18. recursos
financeiros, 19. cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade, 20.
oportunidades de adquirir novas informações e habilidades, 21. participação em
e oportunidades de recreação/lazer, 22: ambiente físico:
poluição/ruído/trânsito/clima, 23. transporte.
- Crenças Pessoais: 24. espiritualidade/religião/crenças pessoais.
137
Um aspecto fundamental do grupo vivencial é a existência de um espaço
propício para a expressão de vivências, fantasias e sentimentos os quais não se têm a
possibilidade de abordar em outros lugares, nesse sentido esse tipo de grupo assume um
nível de comunicação profundo e espontâneo (Maldonado, 1989). Maldonado afirma
que o grupo vivencial favorece ao máximo a absorção de aprendizagem e de
operacionalização dos conhecimentos.
138
Como vimos, a vivência corporal da Dança do Ventre possibilita ao ego o
contato com o arquétipo da Grande Mãe e esse contato pode evocar certos aspectos do
princípio Feminino, reprimidos até então. Marques (1994) afirma que as representações
arquetípicas enquanto permanecem na área psíquica não estão completamente
desenvolvidas se não forem expressas concretamente.
A hipótese que norteou este trabalho está embasada na idéia de que, na presença
de qualquer estímulo doloroso ocorre um direcionamento intenso de energia psíquica
para o fenômeno dor. Conforme a dor se cronifica, acredito que este direcionamento se
torna cada vez mais acentuado, pois conforme vimos anteriormente a dor tem impacto
em muitas áreas do cotidiano do indivíduo.
Sendo assim, a minha hipótese considera que ao colocar uma tarefa nova a ser
aprendida, que mobilize energia psíquica do ego afim de cumpri-la, parte dessa energia
que estava, até então, polarizada na dor irá se despolarizar, direcionando-se para esse
elemento novo. Com isso, em termos de ego, poderia dizer que haveria uma
mobilização, pois ao despolarizar a energia psíquica da dor e vislumbrar a oportunidade
de aprendizado de uma nova tarefa, o ego depara-se com o sentimento de produtividade
e prazer por ter conseguido realizar determinados movimentos harmoniosos,
esteticamente encantadores e de grande potencial arquetípico. Como consequência
acredito que ocorrerá um fortalecimento egóico, influenciando na auto-imagem corporal
e elevação da auto-estima da pessoa, o que por sua vez, influenciará na forma como
139
percebe a si própria e como se coloca no mundo. Se a recíproca for verdadeira, ao elevar
a auto-estima o autocuidado aumentará. Conforme visto, a elavação do autocuidado
interfere diretamente na forma como a pessoa se coloca frente ao próprio tratamento e
na forma como lida com a dor.
140
Diversas leituras e sínteses das narrativas foram realizadas, a fim de que
obtivéssemos um relato condensado, ao mesmo tempo, dotado das informações mais
significativas.
Foram identificados temas a respeito dos tópicos sob investigação, pois como
afirma Bardin (1979, p.105) “(...) o tema é uma unidade de significação que se liberta
naturalmente de um texto” ou “um feixe de reações (que) pode ser graficamente
apresentado através de uma palavra, uma frase, um resumo” (Minayo, 1998, p.208).
141
o contexto subjetivo a partir das associações pessoais do indivíduo” (Penna, 2003,
p.190).
142
“(...) Através da amplificação o núcleo arquetípico do símbolo é
vivificado e integrado aos aspectos atuais da consciência, trazendo à
luz um sentido renovador e transformador para a psique que vive o
símbolo, seja em relação a um sonho, fantasia ou vivência existencial
(individual), seja em relação a um mito, conto, ou evento histórico
(coletivo)” (Penna, 2003, p.198).
143
HISTÓRIA DE VIDA DAS PARTICIPANTES.
*
Os nomes são fictícios.
144
para seus limites e para a necessidade de investimento em si própria, aumentando sua
atenção com o autocuidado.
Conta que teve uma educação muito rígida e queixa-se de a mãe ter sido pouco
afetiva com os filhos, enquanto que o pai colocava-se de forma autoritária; a mãe
acatava suas ordens, não diminuindo a carga de conflitos para com os filhos. Ambos
agrediam verbalmente, de forma intensa, a ela e seus irmãos: dois homens e uma
mulher. É a filha mais velha e afirma sentir-se rejeitada pelo pai, que preferia que o
primeiro filho fosse do sexo masculino.
Aos dezesseis anos teve seu primeiro namorado, que viria a ser seu marido.
Devido à rigidez dos pais e à forte vontade de aventurar-se com seu namorado, passou a
viajar às escondidas e, aos 19 anos, engravidou. Fez um aborto com receio da reação
dos pais. Este é um fato muito marcante na sua vida, pois afirma nunca ter se perdoado,
sentindo-se muito culpada. Percebemos o peso que atribui a esse evento quanto o
compara, com relação ao sofrimento, como igual ou pior ao atual quadro álgico.
145
Loduca (2007) afirma que Bianca possuía uma tendência a se manter na posição
de vítima. Embora buscasse realizar-se em outros papéis do cotidiano, o de doente
prevalecia.
O quadro álgico se iniciou em 1999. Após pegar um tambor com líquido para
drenagem na hemodiálise, passou a sentir incômodos e limitações no punho e na mão
esquerda; seu diagnóstico é de dor Nociceptiva do tipo somática (músculo-esquelética).
Em 2001, os médicos revelaram a necessidade da realização de uma cirurgia, a fim de
retirar dois cistos. Sua expectativa era a de que após a cirurgia tudo voltaria ao normal;
no entanto, não foi o que aconteceu, seu problema piorou e as dores se intensificaram.
Elisa acredita na hipótese de erro médico em sua cirurgia, pois as dores permaneceram
e perdeu o movimento da mão esquerda.
146
e terapia ocupacional, sem melhoras. Acreditou que seu problema não teria mais fim.
Permanecia afastada do trabalho, o que a deixava angustiada e irritada.
Relata que aos dez anos seus pais se separaram, pois a mãe descobriu que ele
tinha outra família. Devido à profissão de motorista, a figura paterna era muito ausente
e mesmo presente parecia não dar atenção e carinho para a família. A mãe sempre
cuidou sozinha da educação das quatro filhas (Elisa é a caçula). Conta que sua
educação foi rígida e que lhes era exigido que limpassem a casa e fizessem as tarefas da
escola. Sua mãe não gostava que freqüentassem a casa dos vizinhos e, por qualquer
desobediência, apanhavam. Chorava freqüentemente, pois tinha um medo acentuado de
que, assim como o pai, a mãe as abandonasse.
Afirma ter feito inúmeras amizades ao longo da vida, no entanto não conseguia
mantê-las devido a sua personalidade “forte” e “briguenta” (sic.).
Aos 23 anos, teve o primeiro namorado sério, o qual se tornou seu marido.
Relata que, inicalmente, se davam bem mas, quando passou a estudar ele começou a
implicar; isso ocorreu após quatro anos de casados e, segundo ela, a partir de então o
casamento foi declinando. Desconfiava do marido acreditando que, assim como o pai,
ele possuía outras mulheres. Conta que mesmo com a eclosão do quadro álgico ele não
a apoiou, mantendo-se distante mesmo quando realizou a cirurgia.
147
Atualmente mora sozinha e queixa-se de muita solidão. Segundo Loduca
(2007), ao final do programa psicoeducativo, Elisa buscava reinvestir em sua
feminilidade e defender seus interesses frente ao seu meio social, que embora distante
cobrava-a intensamente.
Foi exercendo a sua profissão de médica que a dor se iniciou: sofreu forte
agressão de um paciente. Não soube explicar o motivo desta agressão, pois sempre foi
muito solícita e dedicada, mostrando-se incorfomada com o fato. Como conseqüência
do ato, teve lesão cervical e machucou a mão e o braço direito. Relata outra decepção
ao ser diagnosticada e ter sido tratada de forma errôena por um colega; conta ter sido
muito difícil aceitar a incompetência deste. Após o acidente, teve que abandonar a
profissão e iniciou um quadro de depressão. A partir de então, eclodiram conflitos
conjugais, pois o marido cobrava-lhe a postura, até então a única por ele conhecida,
daquela mulher forte e inabalável, que sempre procurou cuidar e proteger os outros.
148
Com relação à história de vida, viveu com os pais e dois irmãos até terminar a
faculdade de Medicina. Então, mudou-se para Santos para fazer especialização. Sua
educação foi muito rígida: relata que o pai se utilizava de palmatória para impôr
respeito, enquanto que a mãe adotava uma postura mediadora de conflitos. Entretanto,
nunca manifestou carinho através de demonstrações físicas.
Aos dezoito anos começou a namorar e teve três namorados antes do marido.
Era desejo do pai que fosse freira, nesse sentido não lhe era permitido sair a sós com o
namorado: seus pais acompanhavam-nos em passeios. Apesar da vigilância, perdeu a
virgindade aos 21 anos com o segundo namorado e se decepcionou, pois acreditava que
iriam casar. Em seguida também se decepcionou com o terceiro namorado, sentindo-se
desconfiada. Desde então, havia decidido decidar-se à profissão, não considerando
como hipótese outro relacionamento. Tempos depois conheceu o atual marido enquanto
dava plantão em um hospital. Inicialmente não se interessou, mas depois de algumas
insistências por parte ele, cedeu. Sua família aceitou o fato de ele ser nove anos mais
novo do que ela, mas a família dele não, principalmente a sogra que não se continha em
mostrar sua inquietação. Aos 32 anos casou-se. A filha, apesar dos conflitos familiares
entre Graça e a sogra, foi muito esperada e festejada.
149
CONTEXTUALIZAÇÃO DA FASE DO CICLO VITAL DAS PARTICIPANTES.
150
consciência, para o self, centro da psique total” (Neumann, 1990, p. 292). Também são
características desta fase a busca do significado ou do sentido da vida, a busca do
potencial não realizado e a unificação do ego com o inconsciente. O grande desafio
encontra-se no confronto com a sombra e com tudo o que na primeira metade da vida
deixou-se de olhar ou entrar em contato.
O ego conta com o Self como principal aliado nessa busca pela integração dos
elementos inconscientes à consciência; é preciso, então, que o primeiro tome
consciência de suas limitações, defesas, que perceba que a personalidade não é linear e
que não é formado apenas pela persona, por características aceitáveis e desejáveis.
A partir dessa breve descrição é possível perceber o motivo pelo qual a segunda
metade da vida é tida como um período de dificuldades e, também, porque o ego a
teme. É um período em que começam a aparecer questões não respondidas,
inseguranças, dúvidas, desconfianças e frustrações com relação aos planos da
juventude. É marcado por profundos questionamentos existenciais, que parecem não
cessar enquanto não houver um comprometimento de revisão neste sentido. Segundo
Jung (1984), nesta fase é solicitado do indivíduo que assuma decisões mais seguras
frente a outras questões encontradas na juventude. O autor acredita que as dificuldades
encontradas nesta fase desenvolvimental podem dar uma sensação profunda de solidão,
por outro lado:
151
curso da vida e os verdadeiros princípios e ideais do comportamento”
(Jung, 1984, p.344).
Quando o ego se dá conta do Self pode haver uma grande aproximação com
assuntos de ordem espiritual: “(...) A espiritualidade se torna, na meia-idade, a razão e
o modo como vivemos nossas vidas” (Brennan & Brewi apud Oliveira 2007, p.36).
Além das dificuldades típicas desta fase, as mulheres não encontram espaço na
sociedade para expôr tais conflitos, no sentido em que existe uma evitação por falar
sobre o tema e uma hipervalorização da juventude, possibilitada pelo desenvolvimento
tecnológico que armou um verdadeiro combate contra o envelhecimento. Oliveira
(2007) reflete sobre a mulher na segunda metade da vida, afirmando que: “(...) A
relação entre ego/Self pode tornar-se mais intensa e os potenciais inconscientes
aflorar, permitindo surgir grandes oportunidades e/ou grandes entraves para seu
crescimento individual” (p.39).
152
colocar-se na posição de Deus Opotente, que conforme vimos é a fase na qual a
sociedade pós-moderna se encontra. Estas etapas citadas pertencem à primeira metade
da vida e é quando conseguimos superá-las que entramos nas próximas fases, referentes
ao reconhecimento consciente da limitação do ego, clara percepção dos poderes do
inconsciente e possibilidade de integração desses conteúdos através da função
transcendente e do símbolo unificador, parte-se então para outra etapa, na qual ocorre o
reconhecimento da unidade psíquica e do mundo material, conscientemente (Stein,
2006). Logo, percebemos que para dar continuidade ao processo é fundamental assumir
a responsabilidade pelo próprio destino, desresponsabilizando os outros. No entanto,
vemos o quanto que isto ainda é difícil para a sociedade pós-moderna, que inflou-se de
valores utilitários e pragmáticos.
Sabemos que essas crises citadas pela autora podem ocorrer, pois conforme
vimos, o confronto com a sombra e com as próprias limitações não é uma tarefa fácil;
no entanto, é imprescindível para que o processo de individuação, individual e coletivo,
prossiga.
153
RESULTADOS.
1o encontro:
Foi realizado no dia 02 de Julho de 2007 no Instituto de Ortopedia e
Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (IOT/HC-FMUSP). A pesquisadora (P.) orientou as participantes de que se
tratava de uma pesquisa acadêmica a fim de responder a uma constatação do trabalho
realizado anteriormente que identificou a necessidade do desenvolvimento de um
trabalho voltado para o feminino e elevação da auto-estima de cada uma delas (Loduca,
2007). Foi apresentado o objetivo do trabalho e a pesquisadora disponibilizou-se para
esclarecer as dúvidas que pudessem surgir. Nesta ocasião já foi estabelecido um bom
vínculo entre P. e as participantes, sendo que as últimas demonstraram euforia com o
encontro e com a proposta do trabalho. Colocaram suas angústias com relação à dor,
validaram a proposta do trabalho afirmando que é fundamental que exista um trabalho
voltado para o feminino, pois sentem que se afastaram muito deste em função da dor.
Expuseram suas dificuldades e inibições em expressar a femilidade em uma sociedade
ainda muito machista (sic.).
Posso afirmar que o grupo, de fato iniciou-se naquele dia, através das discussões
ocorridas, do (re)estabelecimento de vínculo entre as participantes e também entre a P.
Foi combinado que o grupo teria início em Agosto e que a pesquisadora retornaria a
contactá-las para marcar o início efetivo.
2o encontro:
Ocorreu no dia 13 de Agosto no consultório da Prof.ª Dr.ª Adrianna Loduca.
Bianca chegou mais cedo do que as demais e, revoltada, contou o quanto se sentiu
humilhada na última consulta médica na qual não recebeu a atenção, tampouco a
orientação desejada. Além do sentimento de humilhação referiu se sentir muito solitária.
Após a chegada de todas, P. relembra os objetivos do trabalho, estabelece o contrato,
154
participantes lêem e assinam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. É
explicado o objetivo e a funcionabilidade do questionário de qualidade de vida
(WHOQOL), a ser aplicado em dois tempos: o primeiro naquele próprio dia e o segundo
no último dia.
Elisa apresenta discurso triste, por vezes, revoltado e com tom melancólico
bastante presente. Mostra-se muito preocupada com o futuro, angustiada por sentir que
as pessoas ao seu redor não dão crédito ao seu sofrimento; sua postura é esperançosa
frente ao processo grupal. Afirma: “(...) tô achando que pra ficar bem, tenho que
esperar mesmo, não adianta então... mas do resto, vou levando...” (sic.).
Bianca relata ter tido alta médica do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas e
que compreendeu o argumento da médica que lhe disse que daria alta, pois seu caso não
tem cura. Diz que embora tenha aprendido a conviver com a dor, ainda não é uma tarefa
simples e que em alguns momentos tem sua situação dolorosa agravada devido a
preocupações familiares que a deixam muito entristecida e, por consequência aumentam
a tensão, favorecendo o aumento da intensidade dolorosa. “(...) quando a dor ataca
muito eu fico.. fico assim insatisfeita.. eu fico.. no sentido que ai meu Deus como é que
eu vou conviver com isso pro resto da minha vida? Tem horas que você se conforma,
155
tem horas que não!” (sic.). Questiona-se sobre o sentido de sua vida e afirma precisar de
ajuda, pois não está aguentando seu sofrimento sozinha: “Eu cheguei num ponto que
falei assim: eu não sei o que fazer, não sei, é os problemas, é a dor que aumenta, que
inferno de vida que você vive! Por mais que você saia, que eu vou pra um lugar ou pra
outro, mas num sei... você volta e parece que a sua vida não dá sentido! Até tava
pensando esses dias, porque eu precisava ver se eu arranjo uma psicóloga pra começar
um tratamento, alguma coisa, porque sozinha não dá... num dá...” (sic.). Bianca
também se queixa de falta de apoio e reclama da exigência das pessoas de que ela tem
que ser forte e o quanto que isso também interfere no aumento da dor: “(...) todo mundo
quer que você seja forte! Você não é forte, poxa, chega uma hora que não dá, aí a dor
aumenta!” (sic.).
P. questiona sobre o que elas acham que o grupo as ajudaria. Respondem que a
troca e o acolhimento seriam os principais auxiliadores. Ressaltam o espaço propiciado
pelo grupo, o qual as participantes possuem, em geral, as mesma questões o que as
permite obter um espaço dialogante e de extravasamento emocional, coisas que,
segundo elas, não ocorrem no espaço da vida cotidiana.
Foi solicitado que, para a próxima semana, levassem roupas confortáveis para a
execução da parte prática do trabalho.
156
Houve a predominância da lamentação e irritação. O grupo interagiu bastante
entre si.
3o encontro:
(20/08/07) Chegaram eufóricas e espontaneamente foram se trocando, colocando
roupas mais confortáveis, conforme havia sido combinado no último encontro. Estava
um clima bastante descontráido.
Bianca fala que, com relação à dor, está a mesma coisa mas que o astral
melhorou um pouco; relata que os finais de semana são difíceis, pois fica muito sozinha
então, para se distrair aumenta a carga de trabalho. No entanto, como é costureira,
assume uma postura fixa por muitas horas, o que aumenta a sua intensidade dolorosa.
Graça conta que bateu bastante argila no final de semana para fazer suas
esculturas, explicou que é necessário tirar o ar de dentro da argila, por isso é preciso
bater nela com um pau. Relata ter se sentido melhor depois disso, pois para ela é como
se estivesse “descontando tudo o que tenho que descontar em alguém na argila” (sic.),
sente-se como se ela própria também estivesse esvaziando, extravasando. Quando
questionada com relação às emoções, responde: “Meu ânimo melhora assim só quando
eu tô fazendo alguma coisa... se tá incompleto eu fico ansiosa... eu sou muito
perfeccionista, tudo que eu fazia tinha que ser muito certinho né.. A minha área é
cirúrgica né, aí tinha dias que eu tinha que operar e aí passava o dia inteiro operando.
Me levavam suco com canudinho pra eu tomar, porque senão eu não parava pra nada...
Mas que nem... agora eu continuo fazendo o que eu gosto, mas ao invés de esculpir no
ser humano eu passei a esculpir no que eu fazia também antes né, com arame e outros
materiais” (sic.).
157
O foco da discussão passa a girar em torno de relacionamentos.
Graça fala dos conflitos com a sogra, que influenciaram sua união conjugal,
deixando-a mais sensível e, com isso, aumentando sua dor.
Bianca afirma: “Não deixa de ser os estágios da vida da gente né” (sic.)
158
Elisa: “É, viva a vida” (sic.).
Graça indica ‘os estágios da vida’: “Alí o vazio, de você estar gritando e
ninguém pode te ouvir. Alí arte que tá relacionada à tristeza...” (sic.).
Elisa: “Ah, são vários. Cada momento é uma coisa, cada momento, cada dia é
uma surpresa que pega a gente... É uma caixinha de surpresas... Então tem horas que
eu quero aceitar essa caixinha de surpresas, tem hora que eu não aceito, mas o que eu
posso fazer? Vou tentando assim disfarçar, tem dias né, meu sentimento, mas tem
coisas piores né” (sic.).
159
P. pergunta qual a relação que elas fazem entre as imagens produzidas e a forma
como percebem o próprio corpo.
Elisa: “A, de querer colocar tudo pra fora assim, de mudar sabe? Por dentro
mesmo mas a gente não consegue fazer essa transformação... é o que me deixa assim...”
(sic.).
Graça: “Pra mim o que complica não é a dor, mas o medo de sentir a dor!”
(sic.).
4o encontro:
(27/08/07). Elisa faltou, avisou com duas horas de antecedência que não iria,
pois estava com problemas intestinais.
160
P. havia decidido que, a partir desse encontro, colocaria a parte prática do
trabalho referente aos movimentos da Dança do Ventre, no início dos encontros, sempre
que possível.
Graça não conseguiu fazer os movimentos com os olhos fechados, pois sentiu-se
desequilibrada. Bianca realizou os movimentos das duas formas. P. percebeu que ambas
estavam entregues à atividade e demonstrando satisfação ao realizar os movimentos.
Graça: “Pra mim é bom! A gente desperta o nosso lado feminino” (sic.).
Bianca: “É, nos faz imaginar que não estamos mortas, né! Estamos vivas, o que
é isso?!” (sic.), risos.
Graça afirma que ao realizar tais movimentos tem a sensação de estar sendo
balançada por uma onda. “Dá uma tranqüilidade, ao mesmo tempo em que são
movimentos sensuais! É muito gostoso, parece que estou me ninando... é como se
estivesse cuidando de mim...” (sic.), afirma também que “me sinto mais solta... depois
do acidente fiquei muito dura... é bom perceber que dá para soltar... não sei explicar
mas fico com a sensação de que estou saindo do eixo...” (sic.). Quando questionada por
161
P. sobre a sensação de sair do eixo, relata ser uma sensação muito boa. Afirma que foi
muito importante descobrir que ela é capaz de fazer esses movimentos, pois ficava
olhando as pessoas dançar e não se arriscava com vergonha de fazer errado.
Bianca: “É mostrar que ainda dá né Graça? Pra mim é sensualidade, mas tem
que ser muito positiva, porque a gente vê coisas por aí que é sensual mas tá um pouco
fora do padrão... vulgar já... então tem que ser uma coisa assim bem delicada” (sic.).
162
de serem as mais fortes no relacionamento, enquanto que os homens não conseguem
aturar tal situação.
1- O que uma mulher precisa nos tempos atuais e o que não precisa?
Bianca: “Eu penso que a mulher tinha que se valorizar um pouquinho mais,
valorizar o feminino, não é no primeiro encontro que você encontra uma pessoa e vai
para cama... sabe o mistério... a magia, já não existem mais...” (sic.).
Com relação ao que uma mulher não precisa, Graça comenta: “Primeiro, elas
não precisam serem iguais aos homens... elas não precisam ser machos, não adianta se
comparar ao homem. Se ela acha que tem que ser uma grande empresária, tem que ser
uma pessoa por exemplo, que não se abala com nada, fria e calculista, aí ela vai se
comparar a um homem” (sic.). Bianca diz que a mulher pode fazer as tarefas de um
homem, nunca deixando de ser feminina.
2- Quais as qualidades que vocês consideram que uma mulher tem que ter?
163
Graça: “Precisa, acima de tudo, ser inteligente para poder se valorizar mais e se
aceitar melhor” (sic.). Bianca: “tem que ser mais sensual e menos vulgar...
sensualidade não é sinônimo de vulgaridade, poxa olha o que estamos fazendo aqui!
Isso em nenhum momento é vulgar, muito pelo contrário, é tranqüilo, delicado... isso
sim é que é feminino!” (sic.).
P. pergunta o que elas acham que poderia ser feito para diminuir esse sentimento
de vergonha.
Respondem que não sabem e que a única coisa que conseguem imaginar é
orientar os filhos sobre essa questão.
P. devolve a pergunta reforçando o que elas acham que elas próprias poderiam
fazer nesse sentido.
164
femininos do que as próprias mulheres! Acho que esse é um exemplo de um sintoma
desse afastamento da mulher da sua feminilidade” (sic.).
P. propõe, então que pensem em uma mulher que é um modelo para elas, que
pode ser famosa ou alguma amiga ou parente.
Graça rapidamente responde: “Lady Di... eu me identifico com ela, ela não era
simplesmente um rosto bonito... ela fez muito pelos outros, ela chamou a atenção não
por ser uma princesa, mas pela forma como tratava as pessoas... mesmo com o
problema que ela tinha dentro de casa, ela não deixava de fazer o bem pelos outros,
então foi uma pena ela ter morrido...” (sic.).
Muito emocionada, Graça conta o quanto essa situação interfere em toda a sua
rede social e familiar e que sua filha está sofrendo muito com a queda do padrão
financeiro da família.
165
lá embaixo... não sei o que vai acontecer comigo, sinceramente não vai ter alguém para
cuidar de mim, na família não vou ter! Talvez não porque não queira... porque não
pode mesmo...” (sic.).
Bianca comenta ter pensado na Madre Teresa de Calcutá: “Coitada de mim, não
chego nem aos pés dela, mas às vezes eu me identifico um pouco em relação a cuidar
dos outros... eu me pergunto: será que um dia... às vezes eu fico revoltada, nervosa e
falo: caramba, a minha vida inteira foi cuidar de todo mundo, desde os 12 anos de
idade tive que trabalhar e cuidar de todo mundo! Será que um dia alguém vai cuidar de
mim se eu precisar?! Eu me pergunto, então... às vezes eu falo: Pô, tá parecendo a
Madre Teresa de Calcutá! Só cuida dos outros, só os outros... às vezes eu me ponho
assim... imagina eu nem chego as pés, nem as pés da Madre... mas é uma identificação
muito superficial, mas eu falo... pô... eu sei que ela nunca se perguntou sobre isso... ela
fazia por amor, com amor mesmo, mas às vezes eu me pergunto se será que se eu cair
um dia na cama, alguém vai cuidar de mim? Não sei pra onde ir se isso acontecer...
não sei...” (sic.).
Para encerrar o encontro, P. solicita que falem uma palavra que ficou sobre
aquele encontro. Bianca fala esperança e Graça, coragem.
5o encontro:
(03/09/07). Havia sido programado que a partir do quarto encontro os
movimentos da dança seriam realizados no início; entretanto, diante à demanda por falar
e trocar experiências e sentimentos, P. deixou a atividade para o final, procurou acolher
as demandas trazidas, para tanto, também foi necessário suspender uma atividade
planejada, relativa a questões de gênero. A atividade que havia sido planejada e que
seria discutida era a seguinte: “Imagine que você trocou de sexo: quais as diferenças
que você sente? Como você se sente nesse novo corpo? Quais as diferenças na sua
166
vida? O que você fará de diferente agora que seu sexo mudou? Como você se sente em
relação a essas modificações? Continue a explorar sua experiência de pertencer ao
sexo oposto por mais um tempo... Agora volte e entre em contato com seu corpo e com
seu sexo verdadeiro. Compare a experiência de ser você e de pertencer a outro sexo. O
que você experienciou enquanto estava no outro sexo que não experiencia agora?
Foram agradáveis ou não? O que experiencia agora que não sentiu quando era do
outro sexo? Continue a explorar a sua experiência mais um pouco...”
Bianca relatou estar com muita dor naquele dia e que a tempos sua dor vem
aumentando, o que a deixou preocupada. Faz a associação do aumento da dor com o
aumento da carga de trabalho, porém afirma que se ficar sem trabalhar morre (sic.),
admite que o trabalho tem uma função muito importante no sentido em que: “Eu me
enterro muito no trabalho, uma porque eu tenho que trabalhar, outra porque eu gosto
muito, mas eu sei que por um lado é uma fuga. Apesar de me aliviar muito, sei que uso
do meu trabalho como uma fuga para os meus problemas. Eu percebo... às vezes eu
páro e me analiso... de final de semana que eu fico sozinha eu fico o dia inteiro em cima
de trabalho para extravasar! Então eu fico pensando: será que isso é bom também?”
(sic.). Conta que embora não tenha feito uma faculdade tem o dom para costurar,
diferente de pessoas formadas que vão fazer curso com ela e não conseguem modelar
“Elas conseguiram se formar, mas não conseguem modelar! Cada um tem o seu... eu
nasci para isso” (sic.).
167
de arame, à qual dedicou todo o final de semana. Chamou de Êxtase e se trata de um
casal fazendo sexo; seus corpos formam um só: de um lado é a perna de um e a do outro
fica do lado oposto, com os braços também ocorre a mesma integração. Afirma que
depois do acidente incorporou outros materiais na sua arte, como o arame.
Quando questionada sobre como passou a semana, Graça afirma: “Passei bem,
fiquei fazendo essa escultura então, me distraí bastante... com relação à dor... ela tá aí
né, sempre, só que aí nessas horas a gente a deixa para lá...” (sic.).
P. pergunta como Elisa passou a semana, responde: “Eu passei sem sentido”
(sic.), P. pede para explicar mais e ela conta que limpou a casa devido a uma visita da
irmã e que está muito preocupada com um exame que tem que fazer
(eletroneuromiografia), pois teme sentir muita dor, diz: “Ai, enquanto eu não fizer,
enquanto isso não passar, acho que não vou ficar tranqüila” (sic.). Tem medo de ter
que fazer outra cirurgia. Fala que se angustia ao parar e pensar que não fez nada do que
gostaria de ter feito neste ano, P. pergunta o que gostaria de ter feito e ela responde:
“Queria ter viajado mais, ter mais ânimo, sabe assim... nunca viajei sozinha... mas aí
tem aquela coisa... sai mais caro... mas aí eu poderia ir de excursão... tem outras
pessoas, eu faço amizade fácil, mais aí eu penso... ai, pra quê? Só pra ir, ler jornal e
voltar para casa? Eu tô fugindo de uma colega... aí porque depois eu me meto em rolo
e aí não dá! Não quis sair, quis ficar na minha casa e só. Sabe... tem horas que eu
aceito, tem horas que não aceito, agora o meu braço direito tá começando a doer, ai
penso, ai... mas eu não deixo de fazer as minhas coisas. Tenho que dar um jeito, porque
tem horas que não dá e eu não quero deixar de fazer, sabe, que nem limpar a casa... se
o pessoal vai na minha casa e ela tá suja eles não vão entender que é porque eu tô com
dor, vão achar que eu sou uma preguiçosa... aí não dá né! Tenho que pelo menos tentar
botar as coisas em ordem. Vamos ver se semana que vem eu marco outras atividades
para fazer... porque as pessoas me cobram muito...” (sic.). Queixa-se também da falta
de motivação.
168
dos problemas. Quando questionada se consegue tal distração responde: “Tem que
esquecer né, de que adianta revirar o passado? Ele não vai voltar. Não dá para
comprar uma coisa nossa entendeu... perdeu, perdeu!” (sic.). Fala das dificuldades que
estão passando e que hoje quem está sofrendo mais é a filha, pois não pode ter as coisas
que quer e também por ter que se afastar dos primos, devido a conflitos familiares: “(...)
no começo foi muito duro pra nós, mas a gente acabou se adaptando, agora é ela quem
ta sofrendo, porque quando é menor se contenta, mas quando é adolescente... quer
confrontar, é difícil!” (sic.).
Bianca inicia a discussão afirmando que sua experiência foi ótima. Graça
comenta ter visto a imagem de dançarinas e Bianca fala que viu a imagem da cultura, de
forma geral.
Graça conta ter visto duas dançarinas: uma de Dança do Ventre, outra de Dança
Indiana. Afirma já ter visto apresentações desses dois estilos e considera-os similares.
Diz que na imagem uma complementava os movimentos da dança da outra, conclui ter
sido muito belo. P. indaga-a sobre como foi ver essas imagens e ela responde que o que
lhe ocorreu foi a beleza, tanto da forma dos movimentos quanto do ritmo.
Já Bianca, relata ter ‘viajado’ para o Oriente durante a vivência: “Eu vi muita
coisa... eu vivenciei lá! Foi muito bom... foi uma viagem sabe... fui para o deserto, vi
camelos, sabe aquela feira muito louca deles? Consegui ver muitas coisas e vivenciar a
situação. A dança também consegui vivenciar, foi uma delícia! Muito bom, nossa, uma
tranqüilidade muito gostosa... vivenciei tudo isso com uma tranqüilidade muito boa!”
169
(sic.). Comenta ter sido maravilhoso, ainda mais por adorar viajar. Participantes
afirmam ser um lugar que gostariam de conhecer.
Elisa conta que viu uma claridade e sentiu-se tranqüila, relata ter visto: “(...) uma
montanha que eu ficava me olhando... parada no tempo... (ri)... como uma reflexão”
(sic.) P. pergunta sobre essa reflexão, “Parecia uma coisa assim muito vaga, sabe? Não
sei... tranqüilidade mesmo... parecia que eu precisava ficar naquele lugar, quietinha,
pensando... e foi isso que consegui. Tava precisando encontrar esse cantinho” (sic.).
Interessante esta fala de Elisa, pois nos últimos encontros ela queixa-se de não
conseguir encontrar uma paz, isto parece apontar para um caminho nesta direção.
Elisa comenta que fazer os movimentos foi similar a apenas ouvir a música, no
sentido em que a sensação mais evocada foi a de tranqüilidade. Graça concorda e afirma
que fazer esses movimentos: “Acalma a gente” (sic.). Bianca relata: “Pra mim... como
eu tava com os olhos fechados... eu consegui... é como se eu estivesse mesmo dançando,
eu não ví ninguém, como se estivesse no local... engraçado, era um lugar escuro! Era
um lugar meio avermelhado, laranja, não sei se é por causa do reflexo do sofá (risos).
Era um lugar bem escuro...” (sic.). P. indica a fala de Bianca, a qual disse que parecia
que estava dançando; P., portanto, retruca que não apenas parecia, mas que ela estava
dançando! Bianca ri bastante e comenta que estava sozinha, como se estivesse dançando
170
para ela própria, fala que o sentimento que lhe veio foi muito bom. Graça destaca que o
ambiente comentado parece um cenário da “Arábia” (sic.), da novela O Clone, na qual
existia uma cena do pôr-do-sol no deserto. Bianca comenta: “Olha só que gozado... é
verdade... era meio preto, vermelho e alaranjado... era meio quente também... me vi até
de roupa... o que você tá pensando! (risos). Mas era assim eu tava com uma roupa
como se fosse uma cigana... uma cigana, olha que gozado!” (sic.). Graça retruca:
“Olha... quem sabe você não precisa investir mais nessa dança pra encontrar essa
cigana?”, Bianca responde: “É né, quem sabe...” (sic.).
Graça fala que não viu nenhuma imagem, pois não fechou os olhos devido ao
desequilíbrio mas, conta ter sentido muita paz e tranqüilidade.
Graça: “Parece que a gente consegue fazer com que o corpo se separe... é essa a
impressão que dá” (sic.). Interessante essa fala, pois a separação do corpo é um dos
princípios da Dança do Ventre, que busca movimentar uma parte do corpo por vez:
quando movimenta-se o quadril, o tronco não é movimentado, e vice-versa. Entretanto,
isso não foi passado (verbalmente) para elas.
Para Graça, fazer os movimentos desta dança: “É muito prazeroso, tem alguns
movimentos que são mais difíceis, mas nenhum me dá dor, dá uma sensação muito boa
na verdade, dá pra fazer em casa até... eu tenho o CD do Clone, fico colocando e
fazendo em casa... tem sido muito bom para mim” (sic.). Elisa e Bianca também
comentam que treinam os movimentos em casa.
Elisa diz sentir dificuldades com os movimentos: “Eu costumo fazer Tai Chi,
mas eu tenho dificuldade assim de mexer a cintura... meu corpo é terrível mesmo... sou
muito dura...” (sic.). P. interfere e fala que não percebe essa dificuldade de Elisa, apesar
desta frisar bastante que se considera dura, as outras participantes concordam com a
colocação de P. e Elisa então, diz: “É mas acho que devo ter melhorado mesmo... depois
que eu consegui fazer semana passada fui fazer em casa na frente do espelho... e
pensei... nossa que coisa impressionante!” (sic.). Comenta ter ficado surpresa por
conseguir fazer esses movimentos que considera belos. Acrescenta, então: “Nossa... que
nem hoje eu fechei um pouco os olhos e vi uma mulher maravilhosa dançando assim
171
rápido e, eu, queria acompanhar... mas não conseguia (risos)” (sic.). Todas riem e
Bianca fala: “O beleza! A Elisa vai sair bailarina daqui!” (sic.).
Elisa comenta que a mulher que viu era muito bonita e que: “Ela jogava assim o
corpo e eu pensei... ai meu corpo é tão duro, será que eu consigo fazer isso,será que
consigo acompanhar ela? Mas não consegui acompanhar...” (sic.). P. fala que sim, que
Elisa, de alguma forma, estava conseguindo acompanhar esta moça, caso contrário ela
não teria aparecido desta forma, indicando, portanto, um potencial dela com o qual já
está entrando em contato. Concordam.
6o encontro:
(10/09/07). Chegaram bastante eufóricas, trocando a roupa e tirando os sapatos
com agilidade. Iniciou-se, portanto, com os movimentos da dança, retomando todos os
anteriores. As instruções para a atividade também incluíam o exercício de
conscientização sobre as reações suscitadas pela prática.
Bianca: “Eu não tinha nenhuma idéia assim formada... achava bonito mas
nunca fui atrás para fazer... pensava que não era pra mim... afinal já passo dos 50
anos, tenho dor... mas percebi que não é bem assim. Eu não tinha visto nenhuma
apresentação assim pessoalmente, só pela televisão e eu achava muito bonito mas
pensava que seria muito difícil fazer tudo aquilo, ainda mais porque tenho dor né!”
(sic.).
Graça: “Eu fiz um tempo né, mas foi bem diferente do que você tá passando
aqui... lá era só dança e aqui você passa o que está por trás da dança, mesmo sem falar
pra a gente... o que é engraçado, mas a informação chega da mesma forma... mais pela
nossa vivência né... e também aqui a gente vê como que ela pode nos ajudar. Eu não sei
explicar mas acho que existe uma magia muito grande por detrás dessa dança... não sei
bem o que que é. Mas lá aonde eu faço Yoga tem Dança do Ventre também, né, e como
172
é um espaço aberto, a professora sempre puxa uma lona pra elas não ficarem tão
expostas, mas não adianta muito porque a lona é transparente (risos), mas é
impressionante: é começar a tocar a música que já junta um monte de gente em volta...
e não é só homem não, as mulheres também ficam de olho, acho que elas ainda não
encontraram coragem de ir lá dançar, mas ao mesmo tempo não perdem uma só aula...
ficam sempre lá assistindo... e engraçado porque tem tudo quanto é tipo de mulheres
fazendo essa aula, tem gorda, magra, feia, bonita, bem nova, mais madura e quando
elas estão dançando você nem percebe sabe, que fulana é mais gordinha ou que siclana
é feia... parece que elas se transformam. No começo elas ficavam morrendo de
vergonha, ficavam constrangidas, mesmo, de dançarem com todas aquelas pessoas
olhando, mas hoje... ah hoje elas não têm mais vergonha, não estão nem aí se tem
platéia! Mas vou te falar uma coisa... é impressionante... quando a música começa e
elas chacoalham aquelas moedinhas, tudo pára! É muito bonito” (sic.). Acrescenta que
só de olhar a aula dessas mulheres se sente realizada: “(...) só de olhar parece que eu
estou dançando...” (sic.). Comenta que há tempos tem vontade de voltar para a Dança
do Ventre, mas que não procurou por causa da dor e que quando foi comentado no
primeiro encontro que utilizaríamos esta dança como instrumento, ficou maravilhada,
pois: “Eu tinha certeza que eu ía gostar muito, porque você teve o tempo inteiro a
preocupação de fazer uma coisa que a gente pudesse acompanhar... você levou em
consideração a nossa dor, o que não acontece lá fora né e eu imaginava que seria bem
assim mesmo...” (sic.).
Elisa diz que nunca havia pensado em fazer tal dança, pois: “(...) sempre me
achei muito dura, desajeitada... nunca me achei muito feminina, daí achava que seria
muito estranho fazer essa dança. Mas eu sempre achei bonito... foi uma surpresa muito
boa ver que eu consigo fazer e que eu sou feminina sim!” (sic.). Bianca complementa
afirmando: “É verdade... foi uma conquista que a gente não esperava!” (sic.), ela
também afirma que essa experiência parece transportá-la para outro lugar: “(...) poxa,
semana passada eu fui para as Arábias! (risos) que poder é esse que ela tem ein?!
Sabe, de mostrar pra gente que mulher incrível nós temos dentro de nós e que a gente
nem sabia direito” (sic.). Relata que falou para as amigas o quanto essa dança a ajudou
e orientou-as a procurar algum lugar aonde pudessem fazer aulas: “Eu tô falando pra
todo mundo ir atrás dessa dança... nossa se ela foi tão maravilhosa pra gente duvido
173
que não seja para as outras também... poxa sabe, tudo aquilo que conversamos de a
mulher se valorizar... nossa tá aí uma boa opção! Tem coisa mais bonita do que esses
movimentos, do que isso que estamos fazendo?” (sic.).
Elisa segue o raciocínio de Bianca: “Me parece assim que não é só mexer o
corpo... sei lá... parece que é uma coisa muito séria, não é só dança, entende? Parece
assim alguma coisa meio que a mais... não sei explicar porque não conheço direito...
falo assim pela minha experiência aqui... eu nunca tive uma relação assim tão forte
com qualquer outro tipo de dança...” (sic.).
Bianca: “Exatamente! Nossa é isso mesmo... parece que tem algo a mais...”
(sic.).
Graça: “Também acho... parece algo meio religioso assim... não sei se essa é a
melhor palavra pra explicar, mas também sinto algo muito forte, parece que há algo
por detrás dessa dança, além dos movimentos” (sic.).
Bianca: “Nossa, totalmente!”, Graça concorda e ressalta que: “Os desenhos dos
movimentos se parecem muito com as curvas do corpo da mulher... são delicados, tudo
a ver!” (sic.). Elisa concorda e conclui que por ser uma dança delicada e sensual só pode
ser praticada por mulheres. Bianca e Graça comentam que deve ser muito feio homens
dançando a Dança do Ventre. P. explica sobre a dança árabe masculina (Dabcke).
174
P. solicita que destaquem em que sentido elas acham que a prática desses
movimentos as beneficiaram.
Bianca: “Olha... essa dança me fez ver que eu ainda sou capaz de seduzir, tanto
os outros quanto eu mesma, me fez sentir mais valorizada e acho que consegui colocar
isso pra fora... as pessoas têm notado diferença... por isso que falo que acho que todas
as mulheres têm que fazer... nossa é muito importante, ainda mais hoje em dia que as
mulheres perderam muito a feminilidade...” (sic.).
Graça: “Concordo com tudo isso que ela falou e acho que pra mim também teve
uma função de levantar a minha auto-estima, nossa tô me sentindo muito mais mulher!
Mais harmônica, sem contar o bem que me fez ver que eu sou capaz sim de fazer esses
movimentos... diferente de antes que eu achava que não dava pra fazer mais nada...
Fiquei com medo de doer, mas eu nem lembro da dor quando estou fazendo esses
movimentos... a sensação é tão boa que dá para esquecer da dor” (sic.).
Elisa: “Pra mim também sabe... mas acho que o que mais ficou para mim foi ter
conseguido fazer... eu sempre me achei dura, foi muito legal ver que eu consigo fazer e
que eu me sinto muito bem fazendo! Não gostaria de parar, nossa me ajudou muito...
até a me soltar mais... tô saindo mais, fui até dançar nesse final de semana... parece
que eu encontrei a paz que tava procurando... e isso me deixou muito mais leve e feliz!”
(sic.).
175
que o ar percorre desde suas narinas até chegar ao pulmão e então, perceba o caminho
da volta do ar. Procure perceber como estão seus batimentos cardíacos, como está o
seu corpo como um todo... procure ficar relaxada para iniciaremos nossa viagem”
(sic.).
“Imagine-se caminhando numa floresta. Preste atenção à sua volta, como é esta
floresta? As árvores são grandes, pequenas, como estão distribuídas? A mata é aberta
ou fechada a ponto de você ter que abrir o caminho? Perceba a temperatura do
ambiente, a paisagem... têm animais a sua volta, de que tipo? Há frutas ou flores?
Perceba se você está sozinha ou acompanhada... Sinta o cheiro dessa floresta.... Mais
adiante você observa uma trilha... percorra-a.. Você encontra dificuldades no caminho
ou não? Continue seguindo a trilha... você percebe que ela sobe uma montanha, suba-
a. Você vai subindo a montanha com facilidade, sem qualquer dificuldade física.
Continue subindo e explore as sensações que lhe ocorrem. Adiante você se depara com
uma pedra, pare e sente um pouco para descansar. Depois de descansar um pouco,
levante-se e continue subindo... Ao chegar no topo da montanha você se depara com
uma gruta e interessa-se por entrar; entretanto, percebe que existe um vale muito
grande que separa a montanha aonde você se encontra da gruta. Você, então,
transforma-se em um pássaro e voa em direção à gruta. Explore a sensação de voar...
como é ser um pássaro? Como você é, de que tamanho, cor, como são suas asas?
Explore mais um pouco essa sensação. Ao chegar na gruta, torne-se você mesma e
entre nela. Como ela é? Qual a temperatura do ambiente? É seca ou úmida? Dá para
ficar em pé ou é preciso ficar abaixada? Explore um pouco a gruta... mais adiante você
vê um foco de luz e decide por seguí-la.... você se depara com uma porta... ela está
aberta ou fechada, trancada ou encostada? Ultrapasse a porta... você se depara com
um salão muito grande... como é esse salão, o que existe nele, há outras pessoas alí?
Observe um pouco o ambiente... de repente você se depara com um objeto que lhe
chama muito a atenção, como ele é, lhe é familiar? Explore esse objeto em todos os
ângulos, perceba sua cor, textura, tamanho, peso, sinta seu cheiro... você sabe qual é a
utilidade desse objeto? Leve-o consigo, dê mais uma olhada para o salão e se despeça
dele. Ao sair do salão uma pessoa a aborda, preste atenção nesta pessoa e procure
perceber como ela é, identifique seu sexo, idade e se lhe é familiar. Tal pessoa diz que
você tem permissão para levar o objeto; no entanto, deve deixar algo em troca que não
176
pode ser dinheiro... o que você deixa? Pense um pouco... Entregue seu objeto, despeça-
se dessa pessoa, saia do salão e volte para a gruta. Perceba como é o caminho da
volta... você volta pelo mesmo que foi ou existem caminhos diferentes? Vá, aos poucos,
saindo da gruta... ao sair, olhe para trás e despeça-se dessa experiência... respire fundo
e volte a tornar-se um pássaro. Voe em direção à montanha de onde saiu. Como é o
caminho de volta, como você se sente? O pássaro da volta é o mesmo pássaro da ida?
Se for diferente, preste atenção nas diferenças... Aonde você aloja o objeto adquirido?
Explore mais um pouco a sensação de voar... Você chega na montanha e pousa. Agora
torne-se você mesma e desça a montanha. Você se utiliza da mesma trilha pela qual
subiu? Como é a sensação de descer a montanha? Dê mais uma volta pela floresta,
explore-a bem... existe alguma coisa que você não notou antes? Aos poucos você vai se
despedindo da floresta e voltando para a sala. Como é este retorno, que sentimentos lhe
ocorrem? (Esta viagem de fantasia foi inspirada em algumas opções do livro Tornar-se
Presente, 1988).
Graça conta que sua floresta era bem grande, com bastante flores e animais e as
árvores eram bem altas. Relata que sentiu dificuldade em subir a trilha, pois não tinha
levado corda (sic.). Fala que sentia-se cansada e com dores mas que não queria desistir
de subir. Afirma que descansar na pedra foi fundamental para obter força para continuar
a subida. Chegando no topo da montanha relata ter tido bastante vontade de ir para a
gruta e que transformou-se num falcão branco e preto. Ao chegar na gruta, esta era
quente e úmida. Conta que gostou de andar por ela, que se sentiu muito bem, seguiu o
rastro de luz que deu numa porta semi-aberta. Refere não se lembrar da parte do salão,
do objeto, tampouco da pessoa. Fala que só se lembra do caminho para sair da gruta,
que tinha uma bifurcação que não havia notado anteriormente, após um breve momento
177
de dúvida relata ter decidido prosseguir pelo caminho da esquerda, que lhe pareceu
certo, pois a conduziu para a saída (sic.). Saiu da gruta e se transformou novamente no
falcão, mas agora este era todo branco. Relata que a sensação de voar foi a melhor
sensação durante toda a viagem de fantasia e que a sua vontade era de voar mais. Fala
que ao voltar quis voar mais um pouco, mas que por isso teve que descer muito rápido,
refere ter achado estranha essa descida, pois foi muito abrupta. Fala que não deu tempo
de dar uma última volta na floresta, pois já tinha que voltar para sala. Afirma que por
ela, continuaria mais tempo voando.
Bianca afirma que sua floresta tinha um mato rasteiro, com poucas árvores, não
tinha animais, tampouco estava acompanhada. Não lhe pareceu difícil subir a trilha, mas
era muito longa. Ao chegar no alto da montanha, ficou admirada com a paisagem e não
pensou duas vezes sobre a idéia de atravesar o vale para chegar à gruta. Ao se
transformar no pássaro, tornou-se um urubú, grande, preto e feio (sic.). Com relação à
sensação de voar, afirma ter sido muito prazerosa e tranqüila, que lhe deu um
sentimento de liberdade muito grande. Ao chegar à gruta e tornar-se ela própria, afirma
não ter gostado da experiência, pois a gruta era: “muito apertada, eu tinha que ficar
agachada, aí não conseguia nem me mexer direito... tava quente e bem úmido, aí foi me
dando uma sensação muito ruim... eu não gosto desses lugares muito apertados... me dá
tipo uma claustrofobia, sabe?” (sic.). Relata ter percorrido um pouco a gruta, mais pela
orientação da P. do que por vontade própria. Ao observar a luz, afirma que a seguiu e
encontrou uma porta antes da orientação da P., disse que a porta estava fechada e que
não conseguiu abri-la. Quando foi dada a instrução para entrar no salão, disse que a
partir desse momento não viu mais nada, que por vezes se esforçou mas, foi em vão.
Quando solicitado que saíssem da gruta, relatou ter sentido um alívio muito grande, mas
que foi extremamente difícil sair de lá: “ai, sei lá... era muito apertado, eu não
conseguia sair direito... tinha que ir bem devagarzinho... olha foi difícil viu (risos), foi
um parto sair dalí, viu (risos)” (sic.). Fala que na volta, o pássaro era outro: uma
andorinha branca, menor e bem mais leve do que o urubú. Conta que voar foi mais fácil,
pois se sentia mais leve. Também afirmou que a experiência foi muito boa e que se
sentiu melhor no vôo da volta do que no da ida. Descer da montanha foi fácil e a
floresta estava aparentemente igual.
178
Elisa relata que a sua floresta possuía uma mata muito fechada e que era preciso
abrir caminho com uma foice. Fala que não viu ninguém na floresta, nem flores, mas
que tinham alguns animais. Disse que foi muito difícil subir a montanha e que antes que
a P. falasse, ela já estava sentada na pedra tomando água de sua garrafinha. Fala que
continuou a subir e que transformar-se num pássaro foi uma sensação muito boa. Diz
não conhecer o nome do pássaro mas fala que era todo branco [a participante é negra]
com as pernas longas e finas e o bico amarelo; fala que já viu esse pássaro mas que não
sabe o nome. Conta que não gostou de entrar na gruta, que estava sufocada porque
estava muito quente e molhada. Fala que logo quando entrou tinha uma pedra e por lá
ficou durante o processo. Afirma não ter explorado a gruta mas que viu a porta, mesmo
assim, e, quando solicitado que passassem pela porta, conta que tentou mas que não
conseguiu. No entanto, afirma que encontrou um objeto do lado de fora da porta, era
uma planta: “Ai parecia um bambuzinho assim, tudo espetadinho, era a coisa mais
linda que eu já vi!” (sic.). Conta ter tido muita vontade de levar a planta mas, quando
soube que deveria deixar algo em troca preferiu não levar. No caminho da volta, era o
mesmo pássaro, relata uma sensação de alívio e de leveza que faziam-na não ter vontade
de voltar: “não queria voltar para os problemas de sempre, queria ter continuado
voando” (sic.). Mas desceu, seguindo a instrução. Fala que as coisas estavam iguais e
que o caminho da volta estava mais fácil, pois a mata já estava aberta. Gostaria de ter
voado mais, a sensação era muito boa mas, sentiu que teve que voltar devido à
orientação da P.
P. solicita que cada uma diga uma palavra sobre o encontro. Graça fala
liberdade, Bianca e Elisa riem e afirmam que queriam falar essa mesma palavra. Bianca
pensa por um tempo e fala esperança e Elisa, paz.
7o encontro:
179
(17/09/07). Prática dos movimentos (revisão de todos e introdução do “e”).
P. questiona sobre como é fazer esses movimentos tendo dor. Bianca: “Pra mim,
por enquanto tá dando, não tá incomodando não, apesar de eu estar tendo muita dor
esses últimos tempos, tô a base de dorflex, ontem não tava assim nem conseguindo me
mexer! Mas não está me atrapalhando” (sic.). Elisa: “Pra mim também tá dando pra
acompanhar porque é assim um ritmo tranqüilo, que tá dando muito bem pra
acompanhar. A dor que me dá durante é uma dor suportável, porque essa dor eu tenho
constante mesmo. Mas está me ajudando muito a relaxar, porque eu estava muito tensa,
então pra mim está sendo ótimo esse exercício” (sic.).
Elisa afirma não saber o que será da sua vida: “(...) me sinto sem chão assim,
por causa do INSS” (sic.). Discutem medicação, dificuldades em marcar consultas e
exames em instituições públicas.
180
Elisa comenta que acredita que não tem alta do H.C devido à cirurgia que fez lá
e que segundo ela teve erro médico. Fala também do medo que sente de ter que fazer
outra cirugia: “(...) porque aí sim é que eu não vou ter volta!” (sic.).
Bianca fala do refluxo, que o gastro falou pra não operar de forma alguma.
Graça pergunta o que ela tem e fala que sua mãe tinha o mesmo diagnóstico, fez a
cirurgia e ficou ótima. Revoltada, Bianca fala que o médico falou pra ela não tomar
medicação nenhuma. “Falei que tinha enxaqueca, dor crônica, que não posso ficar sem
remédio. Ele respondeu: põe batata, pepino, reza, faça qualquer coisa, mas remédio
você não pode tomar mais!” (sic.).
“Imagine que você está andando por uma casa, perceba como é esta casa, se é
grande ou pequena, como é a aparência desta casa, parece ser nova ou antiga, está
bem cuidada ou precisa de reparos? Explore mais a casa... Você se depara com um
corredor comprido, caminhe até o final dele. Lá você encontra uma porta, abra-a. Ao
abrir a porta você percebe uma escada e vai descendo cuidadosamente, está escuro, vá
tateando o ambiente até encontrar o interruptor de luz; acenda-a. Existem muitas
coisas guardadas nesse cômodo, explore o ambiente e esses objetos guardados... Você
vê um espelho grande, de corpo inteiro, e mais adiante um baú. Abra este baú... nele
você encontra diversas fantasias, todas as fantasias e acessórios possíveis estão nesse
baú. Explore mais essas fantasias... escolha uma e vá para a frente do espelho.
Observe-se, como você está? Vá aos poucos tirando a sua roupa e vestindo a fantasia,
como é fazer essa troca? Agora fantasiada, olhe-se novamente no espelho... como você
se sente com essa fantasia? Você se parece com alguém? Agora, você vai viver um
pouco da vida dessa pessoa na qual você se fantasiou. Vá para algum lugar onde você
acha que essa pessoa iria. Como é esse lugar, como você se sente nele? Explore
bastante essa experiência, faça o que você achar que essa pessoa faria... aos poucos vá
181
se despedindo desse lugar e voltando para aquele cômodo de onde saiu. Olhe-se mais
uma vez no espelho, despeça-se dessa experiência e tire a roupa aos poucos. Olhe para
si, como se sente tendo voltado a ser você mesma? Vista-se com sua própria roupa, vá
até o baú e guarde a fantasia, feche-o, caminhe em direção às escadas, apague a luz,
suba as escadas e feche a porta. Percorra o caminho de volta. Preste atenção na casa,
existe algo de diferente ou que não tivesse notado antes? Devagar vá saindo da casa e
voltando aqui para a sala” (sic.).
Discussão dos elementos da fantasia. Graça afirma que sua experiência “Foi
como um filme, gostaria de ficar mais!” (sic.).
Elisa fala: “Não sei se é porque faz tempo que eu não vou na minha prima em
Sorocaba... então a casa era grande, era a casa dela. Inclusive ela estava lá, a casa
tava cheia. Aí na hora da fantasia, eu não ví a fantasia assim, só imaginei já na hora
que eu estava vestida com ela, não consegui ver com que roupa estava antes, não
consegui ver a fantasia no baú, quando ví já estava vestida” (sic.). Segundo Elisa, sua
fantasia era uma saia “(...) até eu achei que fiquei meio gorda com ela, porque olhei no
espelho e falei: nossa, como eu engordei. Daí o lugar que eu imaginei era um salão
com um monte de gente esperando para dançar. Aí quando eu cheguei, me pegaram
para dançar, não consegui ver quem era mas eu dançava com alguns parceiros, e
quando começamos a dançar todo mundo também dançou, era meio que uma espécie de
dança de salão assim...” (sic.). Conta que usava uma fantasia de odalisca de cor
vermelha com bastante brilho. Relatou que a casa era igual a da prima, o corredor e até
mesmo o porão. Para ela, a experiência foi muito boa (sic.), conta que não queria voltar
e colocar a sua própria roupa: “(...) é uma coisa tão boba assim... mas tava tão bom, que
na hora de voltar pra realidade eu não queria, eu queria continuar alí. É que nem
quando eu viajo, eu me sinto outra pessoa, mas quando volto é muito ruim. Eu sou
assim, se pudesse ficar um longo tempo vestida com a fantasia eu ficaria!” (sic.).
182
Bianca afirma que a casa que imaginou era a casa que sempre quis ter: “(...) a
casa espaçosa que eu gostaria de ter e não tenho (risos). Era bem gostosa, não muito
grandona... ai era do jeito que eu gostaria de ter, com quintal... não tinha móveis, tava
vazia, não consegui ver móveis na sala. Antes de você pedir pra entrar no corredor eu
já estava no corredor, era uma casa assim com um corredor interno e depois uma
lateral externa que era a garagem. Eu tava no corredor, comecei a andar, aí era
primeiro uma sala, depois um quarto, outro quarto. Dava a impressão de que na
esquerda também tinha outro quarto... quando eu desci, as escadas não eram internas,
eram externas como se eu tivesse saindo da casa, indo por um outro quarto embaixo. A
impressão que dava é que era uma casa com um terreno baixinho. Aí entrei... nesse baú
tinha muita coisa... tinha bastante tralha, eu consegui pegar uma fantasia, era de
odalisca azul-marinho com bastante brilho também, aí me vesti e fui para um local que
era um palco, parecia um teatro e eu me vi dançando a Dança do Ventre mesmo, não vi
muita gente, só algumas pessoas na fileira da frente, os demais não consegui ver... ai,
eu tava tão elegante!” (sic.). Relata que essas pessoas que a estavam assistindo não
eram conhecidos seus e que a experiência “(...) foi muito boa, gostei! Acho que já uniu o
que estamos fazendo aqui... gostei, foi muito bom! O interessante é que eu não consegui
ver nítido assim os quartos, entrar e ver os quatro cantos, ou vê-la mobiliada, era uma
coisa assim meio... a minha visão não conseguia ver os quatro cantos... não conseguia
ver como estou olhando aqui. Não era muito nítido” (sic.).
P. aponta para o fato de as duas participantes terem tido uma experiência com a
dança.
Graça diz que a casa que imaginou era antiga, de estilo colonial com todos os
móveis muito bem trabalhados. “Eu caminhava e, quando eu desci no porão, tinham
muitas coisas guardadas, tinha teia de aranha, era como um depósito... tinha poltrona
de balanço, coisas de antigamente. Os móveis também eram de estilo colonial, o
espelho tinha aquela moldura trabalhada, cheia de frufus... era um lugar assim como se
tivesse voltado no tempo. Aí eu achei bonita uma fantasia de princesa... tinha coroa
também, tudo... Aí eu coloquei a fantasia e ela ficou tão bonita que eu não queria
tirar!” (sic.). Bianca e Elisa concordam e afirmam que não queriam ter tirado a roupa,
P., então, comenta que quando as instrúi para voltarem, não precisam o fazer se não
183
quiserem, afinal é a imaginação delas, o que lhes permite continuar a imaginar por mais
algum tempo, ou ficar mais em determinado local.
Graça conta que a sua sensação não era de ter se transformado apenas na
aparência externa: “(...) parece que quando você coloca uma roupa assim você se
transforma mesmo, você entra nessa realidade, transforma tudo. Até o rosto mudava. Aí
quando você disse para a gente ir para aonde essa pessoa iria, eu voltei pra casa, aí
que eu fui ver que tinham vários quadros de pessoas que moravam alí, que eu não tinha
visto antes... aí eu fui vendo os quadros e vi o de uma moça... a moça que tava no
quadro usava a mesma roupa da princesa então parecia que eu tinha incorporado ela.
Por isso que eu acho que eu não queria ter voltado! Porque era uma sensação
gostosa... apesar de ser antigo... eu achava que ali era um lugar que eu nunca poderia
ter estado. E alí parecia que era a minha casa só que eu não sabia disso até ver o
quadro” (sic.). P. pergunta qual foi a sensação que lhe veio quando se deparou com o
quadro da princesa, responde: “No começo deu uma impotência... num sabia que aquilo
ali seria meu realmente... porque é uma coisa que nunca aconteceu antes. E eu não
queria sair de lá, mas ao mesmo tempo que lá estava bom eu senti que tinha que sair
mesmo assim de lá, que eu não poderia mais viver ali. Então pode ser que seja um coisa
que aconteceu e que foi embora, passou... sei lá um déjà vu...” (sic.). Relata que se
sentiu incompleta ao tirar o vestido.
P. comenta que esse sentimento de não querer ir embora pode ocorrer, pois pode
indicar que elas encontraram um espaço delas, um espaço interno e é natural, portanto,
que não queiram abrir mão desta conquista. Bianca fala: “É verdade, poxa, é a casa que
eu sempre busquei, que sempre sonhei!” (sic.). P. afirma que Bianca trouxe a casa que
sempre quis ter, Elisa, a casa que faz muito tempo que não vai e que gosta bastante e
Graça, uma casa que não conhece mas à qual se sente pertencente.
P. justifica o motivo da sua escolha pelo uso das viagens de fantasia, pois
fornece dados de como esse processo está sendo assimilado por elas, além do fato de
que elas respondem muito bem a esse tipo de atividade. Afirma que estão falando hà
algum tempo de transformações e que essas vivências parecem seguir esse caminho
(articula e analisa os encontros – vide capítulo de análises e discussão dos resultados).
184
P. dá as instruções para que elas tragam, na próxima semana, uma imagem que
corresponda a forma como estão percebendo o próprio corpo atualmente, depois do
processo do grupo. Ressalta a importância de levarem pois, a partir de cada imagem
individual será formada uma imagem do grupo. Participantes anotam para não esquecer.
8o encontro:
(24/09/07). O encontro iniciou com um aquecimento, foram dadas as seguintes
intruções:
“Caminhem pela sala, refletindo sobre o processo do grupo, como foi para
vocês, pensem nas etapas... no modo como se sentiram durante todo o processo do
grupo. Pensem no que vocês acham que o grupo ajudou, no que não ajudou... pensem
nas discussões que fizemos, nos movimentos que aprendemos, em todo o processo...
Dentre os movimentos que aprendemos, escolha um de que mai gostou... o que a fez
escolher este movimento e não outro? Agora pense em como você está ao término desse
processo, se ocorreu alguma alteração... pense na sua relação com o próprio corpo,
sentiu alguma diferença? Quando já tiver pensado sobre essas coisas, devagar vá
parando em algum lugar da sala...” (sic.).
Graça estava com dor intensa naquele dia, pois havia errado na conta dos
remédios e estava sem medicação. Fez a atividade sentada com os olhos fechados.
Elisa começa, falando que escolheu o movimento oito. P. Pede para que ela o
faça. Executa-o e diz que o escolheu porque sente que este, em específico, deixa seu
corpo totalmente relaxado e que ela sente um grande alívio quando o faz, no sentido em
que sente como se diminuísse a tensão de seu corpo: “É assim, uma coisa boa, que
185
parece que me despreende dos maus pensamentos. Traz uma sensação muito boa... uma
sensação de felicidade!” (sic.).
Graça conta que, hà algum tempo, está com uma música na cabeça e que
enquanto fazia a mentalização e os movimentos, essa música ficou muito forte na
cabeça, diz que gostaria de cantá-la para todas que estavam alí. Trata-se de uma música
do grupo Jota Quest que diz: “Ei dor, eu não te escuto mais... você, não me leva a nada!
Ei medo, eu não te escuto mais... você não me leva a nada!”
186
Graça mostra uma reportagem que a fez pensar sobre muitas coisas e quis levar
para dividir com as colegas; entrega para P. e pede que leia para todas.
P. (lendo a reportagem):
“Ultimamente, quantas vezes você tem reclamado de você mesma? Do que não
está acontecendo na sua vida? Se você anda se sentindo sem vontade para nada, sem
motivação, se desagradando frente ao que o seu espelho reflete, achando tudo sem
graça... Então é a hora de apostar mais em você, na sua capacidade de sentir a vida, de
estar de bem com ela.
É hora de refletir sobre como vai a confiança em seu modo de pensar e enfrentar
problemas, pois quando conseguimos nos encarar de frente e nos conhecer melhor, é
quando temos a real chance de nos sentirmos realizados e felizes. Quando você começa
a se sentir inseguro, sem auto-confiança, desvalorizado, se desrespeitando, agindo e
pensando negativamente, atuando com severas críticas consigo mesmo, sentindo-se
cheio de dúvidas e se vendo feio e vivendo para agradar os outros, esquecendo-se de
você, cuidado você certamente está vivendo as características da baixa auto-estima!
Então, proponha uma conversa franca com você mesmo, investige de onde podem estar
vindo esses sentimentos, será que não tem, bem lá no fundo, escondidinho, um elevado
senso de sentimento de culpa, de abandono, de rejeição, de carência, de frustração, de
vergonha, de timidez, de medo, de raiva, ou um sentimento de inferioridade e
principalmente de perda de independência, financeira e emocional?
187
incondicionalmente do nosso lado, poderemos sofrer desses desagradáveis sentimentos
e sensações.
Esses novos padrões de pensamento, vão lhe ajudar e muito na elevação da auto-
estima e lembre-se: sua mente é extremamente poderosa. Todas as informações podem
ser conduzidas no nosso inconsciente, ajudando-o a diminuir a ansiedade e o estresse. Já
é comprovado cientificamente que 95% do que se diz a si mesmo é computado como
verdadeiro pelo nosso cérebro; partindo desses dados não é difícil entender porque as
auto-sugestões podem modificar radicalmente as nossas reações somáticas ou
psicológicas diante de certas situações. Portanto, agora é a hora de fazer uma pergunta:
Você está feliz, de bem com a vida e consigo mesmo? Caso a resposta seja negativa,
procure ajuda profissional e jamais esqueça que a pessoa mais especial e importante no
mundo é você!” – Rita de Cássia Martins Couto, psicóloga.
188
embora nunca tenha tido baixa auto-estima, o processo do grupo reforçou a sua beleza
interior e permitiu-lhe mostrar mais de sua natureza; mas outra coisa que chamou sua
atenção na imagem, é o fato de o tempo estar nublado. Associa que embora as coisas
estejam mais belas, harmônicas e atrativas para os outros, a nebulosidade mostra a
presença da dor, embora seja uma característica secundária (sic.). Afirma que esses dois
lados existem nela, e que provavelmente permanecerão a existir. No entanto agora, a
dor aparece como pano de fundo à uma grande beleza. Disse que escolheu as outras
duas imagens pelo mesmo motivo e voltou mais a atenção para uma imagem que
mostrava uma bela praia, o mar azul bem claro e límpido, com uma onda muito grande.
Disse que depois do grupo parece que entrou em contato com sua verdadeira natureza e
que, por isso, é que decidiu levar imagens da natureza, mas disse também que a dor
ainda é um aspecto que parece desarmonizá-la. P. então, a questiona sobre o lugar em
que estaria, responde que na onda. P., então, pergunta se estaria no meio dessa onda ou
se estaria surfando nela. Bianca responde que às vezes se sente imersa por essa onda,
fazendo uma analogia à dor, afirma que apesar de estar no meio daquela onda muito
grande, sabe que possui recursos para tentar sair dessa situação, o que em tempos
anteriores não aconteceria: “(...) acho que antes eu morreria engolida pela onda da
dor” (sic.).
P. discute essas imagens, chama a atenção para uma frase contida na primeira
imagem que Bianca trouxe: “É o homem voltando a ocupar a sua verdadeira natureza”.
P. retoma a frase de Bianca que disse que parecia ter entrado em contato com sua
natureza através do grupo. Bianca responde: “É verdade, puxa ta vendo como as coisas
são? Eu ví essa frase aqui e nem pensei em cortá-la porque achei tão bonita, mal eu
sabia que estava dizendo sobre mim!” (sic.).
Elisa levou uma imagem e um texto no qual escreveu: “Eu estou percebendo o
meu corpo, atualmente, mais leve, estou conseguindo relaxar mais para resolver os
problemas atualmente complicados. Não estou com o corpo prendido tanto como tinha
antes. Sentia dores mais fortes para ir resolver algumas coisas pendentes” Antes de
mostrar a imagem falou que a tinha escolhido, pois o grupo a fez perceber como ela
realmente é, mostrando-lhe coisas que tinha deixado de lado em função da dor, mas que
dizem respeito à sua identidade. Escolheu esta imagem, pois acredita que agora que
189
conseguiu resgatar essas coisas; seria importante passar isso a diante para seus amigos e
familiares. A imagem trazida é uma propaganda de cadernos infantis com a seguinte
frase: “Amor e Felicidade. Os melhores presentes que você pode dar a alguém”. Ela
afirma que reencontrou sua felicidade, alegria e amor pela vida e que acha justo passar
isso adiante, sorrindo e saindo mais com as pessoas.
Outras participantes validam para Elisa que ela sempre foi uma mulher com
força de espírito e que transmitia alegria de viver a todos mas, que de fato, estava muito
apagada nos últimos tempos. Afirmaram estarem felizes por esta conquista da colega.
Graça levou algumas imagens e disse que não gostaria de deixá-las, perguntou
se P. poderia tirar cópias. Foi respondido que sim. Em primeiro lugar, ela mostrou uma
imagem a qual chamou de mandala energética: é uma representação complexa do fluxo
das correntes energéticas dos diversos centros (chakras) do corpo, além dos setes
principais. Associa esta imagem às ondas de vibração da dor que se irradiam pelo corpo
todo. Falou que não ía levar tal imagem mas, como estava com muita dor, lembrou-se
dela e quis mostrar a forma como representaria sua dor. As outras imagens são
fotografias de um catálogo de pinturas de determinado pintor; afirmou que no início do
processo se sentia como a personagem 1: distante do mundo, afirmou que em alguns
momentos se sentia como uma outra personagem 2: desolada. Mostra uma 3a
personagem, falando que antes de começar o grupo não se sentia mais daquela forma,
mas que por muito tempo foi assim que se sentiu: sem esperanças, como se não existe
solução para os seus problemas. Então, mostra a última imagem que representa a forma
como se sente ao término do processo do grupo. Afirma se sentir mais mulher, mais
protegida e cuidada, representada pela personagem 4, que é a única adulta e a única que
não está sozinha. Esta imagem retrata uma mulher despida, cobrindo apenas os seios e,
se assemelha muito à figura de Vênus. Está rodeada por 9 anjinhos e contempla uma
expressão de êxtase e prazer, mostrando sua feminilidade madura, ao mesmo tempo
delicada. Essas são as associações feitas por Graça, que diz ter escolhido-a por se
identificar muito com essas imagens, principalmente com a última, no sentido em que o
grupo a possibilitou entrar em contato com sua essência feminina, encontrando uma
feminilidade suave, sublime e delicada (sic.). Afirma se sentir cuidada e amparada,
associa os anjinhos aos membros do grupo.
190
Bianca e Elisa validam o processo de Graça e elogiam a beleza das imagens
trazidas.
É solicitado a elas que, da mesma forma como na primeira vez, façam uma
imagem do grupo, a partir dessas imagens individuais. Como Graça pediu para P.
xerocar as imagens, foi combinado o lugar aonde ela gostaria que suas imagens fossem
coladas, posteriormente.
P. pede para que cada uma dê um nome para a imagem que produziram. Bianca:
“Em busca... mas não sei te dizer exatamente do quê” (sic.). Graça completou: “Eu
diria busca interna” (sic.), Bianca: “Isso... é uma busca interior” (sic.), Elisa concorda
e acrescenta: “Me passa a idéia de renovação da vida” (sic.).
Bianca fala que sempre interferiu muito na vida dos pais e que hoje, depois do
grupo, percebe que não pode mais influenciar a vida deles, relacionando esse
afastamento a uma possibilidade de alívio da tensão. Entretanto, ainda se sente
angustiada de não interferir: “Apesar de eu saber que é melhor para mim e para eles
que eu deixe eles viverem a vida deles, ainda é muito difícil para mim... me sinto como
se estivesse abandonando eles.” (sic.).
Posteriormente, foi pedido para que cada uma completasse a seguinte frase: O
que mais ficou deste grupo para mim foi...
Bianca diz que o que mais ficou para ela do grupo foi: “A conquista. Uma
conquista de novos horizontes, da esperança, fortalecimento... de uma serenidade. De
191
algo que me parecia distante, coisa que se você não tem um grupo, parece que você se
sente tão desprotegida. Quando a gente fica muito afastada do grupo como a gente
ficou, parece que aquela chama, que ele acendeu, de esperança, vai se apagando... aí
quando você volta acende novamente! Foi o companherismo, ter um grupo que
compartilha das mesmas questões e enfrentar os obstáculos juntas, isso pra mim foi
maravilhoso! Poxa isso aqui que fizemos com a dança... eu não conhecia e confesso
que até tinha um pouco de preconceito, mas quando fui vendo que não era o que eu
imaginava e que era uma coisa que estava alí para me ajudar, foi delicioso... e poder
fazer isso em grupo foi muito bom... é difícil você encontrar um grupo que se encaixa,
que se entenda, que você se sinta acolhida sabe, porque lá fora é difícil falar de tudo
isso que falamos aqui...” (sic.).
Graça: “É, as pessoas não querem ouvir os problemas... só querem farra, daí
quando vêem que você têm problemas elas se afastam... acham que você é o chato... o
chato da turma!” (sic.). Afirma que para ela o que mais ficou do grupo foi a melhora da
sua auto-estima (sic.). Participantes concordam.
Elisa fala que a sua forma de se colocar no mundo mudou depois do grupo, no
sentido em que: “(...) eu consegui achar aquela pessoa que eu era antes, que sempre
fui... consegui encontrar a minha paz e felicidade” (sic.).
Bianca fala que, embora pareça jovem e aparentemente bem, as pessoas sempre
querem tapar o seu sofrimento com tais justificativas o que a faz não se sentir acolhida e
relata que os grupos são ótimas opções. Participantes concordam.
192
que antes eu não dava muita importânica não, viu, e agora eu vejo a importância que
tem e como me faz bem” (sic.).
Bianca acrescenta que: “Nunca tive essa preocupação de achar que eu tava
esquecida de mim mesma, sempre fui cuidadosa, vaidosa, não tinha a auto-estima
baixa, mas esse processo me reforçou a mulher que tava um pouco adormecida, acho
que pela dor ou pelos problemas, não sei... sabe, de me mostrar que poxa, olha como
você ainda é capaz, como você ainda é uma mulher atraente, olha o que o seu corpo
pode fazer que você nunca tinha imaginado que seria capaz! Pô ainda tô viva!” (sic.).
Graça: “Pra mim o que mais ficou foi quando você ensinou algumas partes da
dança que mexem com o corpo, de um jeito que a gente vai se revelando, nossa isso foi
incrível pra mim!” (sic.).
Elisa conta que ficou mais leve e confiante em si: “No final de semana fui numa
festa gaúcha, quando que eu sei dançar música gaúcha? (risos). Antes eu não iria nem
chegar perto... mas dessa vez pensei ah, porque não? Aí o moço me ensinou um pouco,
eu dançei, usei um pouco do que aprendi aqui... me senti tão bem!” (sic.).
Bianca: “Não sei se vocês sentem assim, mas me dá a impressão de que a gente
aceita melhor o corpo da gente, você fala, tenho barriginha mas e daí?!” (sic.). Graça e
Elisa concordam.
193
Bianca continua, dizendo: “Acho que esses movimentos trouxeram isso de
aceitar o corpo do jeito que é e, também, ajudou a gente a não se afastar mais tanto do
Feminino; poxa a gente não pode fazer isso! É a nossa natureza, por mais doença que a
gente tenha, por mais dor que a gente tenha, a gente tem não pode apagar esse lado,
tem que lembrar do nosso Feminino!” (sic.).
Graça afirma que: “O mais lindo dessa dança é que ela respeita uma coisa que é
única da mulher: as curvas! Os homens não têm essas curvas, só nós. Que nem minha
filha de 14 anos, ela já tá com um corpão de mulher, já tá mais alta do que eu, daí
quando a gente passa, todo mundo mexe com ela, aí quando dizem: que saúde, ein, ela
olha pra mim e fala: é pra você né, mãe? (risos)” (sic.). Relata que: “Acho que as
pessoas estão muito bitoladas em revista, em um ideal. Como quando as pessoas iam
me consultar levavam a revista e falavam que queriam que eu as deixasse daquele jeito
e às vezes, aquele jeito não é possível, mas quando a pessoa coloca aquilo na cabeça
não tem quem tire, só que isso não tem fim... a pessoa nunca vai estar satisfeita, por
isso que eu acho que essas pessoas precisam de um tratamento, como este que fizemos
aqui” (sic.). Bianca responde: “É, precisa mesmo” (sic.).
Bianca fala que: “(...) esses movimentos me fazem tão bem... não quero correr o
risco de me afastar de mim mesma, de deixar o meu feminino morrer!” (sic.), outras
participantes concordam, Elisa acrescenta: “Agora eu tô olhando pra todos aqueles
meus vestidos guardados que eu ía jogar fora, pensei: porque não usar se me deixam
tão bonita, tão feminina?” (sic.).
194
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.
∗
A síntese dos encontros encontra-se no capítulo dos resultados.
195
Tais objetivos foram alcançados e observou-se uma forte demanda por falar e trocar
experiências.
196
incorporando o que viveram lá, a suas práticas cotidianas. Também havia sido planejada
a replicação do WHOQOL e da representação grupal da imagem corporal. Esses
objetivos foram alcançados.
Conforme exposto nos capítulos teóricos, vimos que a formação do eixo ego-
Self, a partir do qual se desenvolve o senso de confiança no mundo e em si próprio,
depende, basicamente, do investimento de carinho e atenção que a criança recebe da
mãe, ou de quem tenha exercido esse papel, no início de suas vidas (Neumann, 1995).
Se assumirmos a idéia de que uma mulher pode ser influenciada tanto pelo
animus quanto pela anima (Whitmont, 1991; Stein, 2006 e Byington, 1983, 1986),
podemos dizer que a atitude consciente de nossas participantes, de maneira geral,
recebeu uma maior influência dos aspectos anímicos, relegando boa parte dos aspectos
do elemento Yin Feminino à sombra. Como vimos, a repressão do Feminino ocorre não
somente por influências e determinações sociais, mas também por complexos pessoais –
neste caso podemos falar que na ausência de um modelo feminino investidor e afetivo
que possibilitasse o desenvolvimento saudável do senso de confiança e auto-confiança,
197
bem como a percepção de um mundo positivo e não somente hostil e ameaçador; essas
mulheres podem ter se identificado com o lado negativo do princípio Feminino – e
também pela dor crônica, que acredito que tenha sido um elemento reforçador da
dicotomia patriarcal, no sentido em que o corpo pode ser percebido como maléfico,
como sinômino de sofrimento e como o portador do mal, correndo-se o risco de ser
entendido como algo que deva ser evitado e desinvestido ou, de maneira compensatória
ser superprotegido. Diante essa situação, como fica a relação dessas mulheres consigo
mesmas?
Sabemos que quanto mais unilateral for a nossa atitude consciente tanto quanto
será cruel a confrontação com o outro lado, inferior e inadaptado. Essa confrontação é
muito dura para o ego e torna-se ainda mais quando ocorre em um momento de grande
vulnerabilidade, permeado por medos e incertezas frente a um diagnóstico que não
esclarece dúvidas e inquietações. Também devemos somar aqui o momento do ciclo
vital no qual se encontram, referente à segunda metade da vida, que também é
vivenciada de forma dolorosa pelo ego.
198
dar continuidade e encontrar um sentido para sua existência, possibilitando a realização
da meta da sua jornada: a individuação.
*
Vide capítulo da Dança.
199
deste trabalho pode ser entendido como propiciador e receptor do princípio Feminino,
agora adentrando em terras fecundas e preparadas.
200
percebemos como a dor ocupou o espaço central em sua vida, deixando as outras áreas
vulneráveis, que passam a ocupar uma posição secundária, no sentido em que o foco
está na dor, enquanto que as outras áreas assumem papel de “resto”. Frente a isso, Elisa
se sente pequena, impotente e assume uma posição mais passiva: “(...) tenho que
esperar mesmo, não adianta então...” (sic.).
A seguinte fala de Bianca mostra uma questão que levantaram por se sentirem
incomodadas com a cobrança social para que sejam fortes; no entanto, não foi uma
característica que sempre mostraram ao coletivo? “(...) todo mundo quer que você seja
forte! Você não é forte, poxa, chega uma hora que não dá, aí a dor aumenta!” (sic.). A
dor pode ter exercido duas funções: a de mostrar o outro lado para o ego, de que não
pode lidar com tudo sozinho e que precisa sair da posição central e outra, que lhe dá o
consentimento e permissão para mudar sua forma de ser, sinalizando para o outro a
fragilidade e necessidade de cuidado.
Essa fala de que não dá para ser forte o tempo todo mostra que seus egos já se
deram conta de que existem outros lados além da persona e que o papel de cuidadoras
201
não é o único possível. A partir dessa percepção, inciou-se um conflito entre sair da
posição de cuidadoras e o desejo de serem cuidadas. Expressam bastante esse desejo e
reclamam de não ter ninguém para exercer essa função. Entretanto, será que de fato elas
abrem espaço para isso? Será que elas, verdadeiramente, aceitam sair da posição central
de controle e poder e revelar suas fraquezas e necessidades de cuidado e carinho?
Parece que não. Porém, a existência desse conflito já sinaliza um movimento da psique
de ampliação de consciência, pois segundo Jung: “(...) não há equilíbrio nem sistema de
auto-regulação sem oposição. E a psique é um sistema de auto-regulação” (2002,
p.53).
202
uma carência afetiva do início da vida: desta forma, aceitaram o encargo de fazer para
os outros o que gostariam que tivessem feito a elas.
203
Segundo Ramos (1994), o corpo pode ser entendido como o mediador e
delimitador do dentro e fora, atuando como um tradutor dos símbolos do Self.
Importante lembrarmos que os símbolos são uma tentativa de harmonização da psique,
de reconciliar o indivíduo com sua essência e com a totalidade, ampliando e
compensando certa unilateralidade da consciência (Penna, 2003). Preocupamo-nos com
que nossas participantes pudessem vivenciar, em seus corpos abatidos e doloridos, a
possibilidade de tradução do símbolo do Feminino, possibilitando o auto-conhecimento
e conseqüente encaminhamento do processo de individuação. Com isso, tornou-se
possível trazer potenciais inconscientes a seus egos, fragilizados, de forma a auxiliarem
a se sentirem mais completos e unificados. Por isso, a preocupação de que houvesse um
constante trabalho de elaboração desse material simbólico, pois sabemos que para algo
se tornar consciente e posteriormente integrado, é imprescindível que o ego tome
conhecimento desse material.
Cabe ressaltar que Elisa precisou faltar no quarto encontro, por este motivo não
está incluída na discussão.
204
do contexto doloroso. Graça demonstra ter entrado em contato com o arquétipo da
Grande Mãe e com seu potencial de auto-cuidado quando relata que ao executar os
movimentos da Dança do Ventre tem a sensação de que: “parece que estou me
ninando... é como se estivesse cuidando de mim...” (sic.). Fazem a relação entre
tranqüilidade e sensualidade, experienciando a última de forma sublime e não
ameaçadora. Isso aparece na fala de Bianca, que afirma que os movimentos trazem uma
sensação de suavidade, entrega e de uma sensualidade sublime e não vulgarizada.
205
retomaram sua forma unilateral, de fortes influências anímicas na apreensão deste
princípio. Isso é evidenciado também nas perguntas que dizem respeito ao que uma
mulher precisa e não precisa nos tempos atuais. À primeira, Bianca responde que é
preciso se valorizar mais e Graça afirma que a mulher atual precisa ter mais
inteligência, força interior – atributos do animus – e tomar cuidado para não magoar as
outras pessoas; aqui percebemos um estereótipo do Feminino, valorizando aspectos
como a bondade e o altruísmo. Com relação ao que uma mulher não precisa, afirmam
que é se comparar aos homens, segundo Graça: “(...) elas não precisam ser iguais aos
homens... elas não precisam ser machos, não adianta se comparar ao homem. Se ela
acha que tem que ser uma grande empresária, tem que ser uma pessoa por exemplo,
que não se abala com nada, fria e calculista, aí ela vai se comparar a um homem”
(sic.). Aqui percebemos também um estereótipo do Masculino. Interessante pensarmos
que essa postura questionada por Graça, foi justamente a que assumiu durante a sua vida
e, com a eclosão do quadro álgico associada à sua fase do ciclo vital e aos trabalhos
psicoterapêuticos realizados, parece ter ocorrido uma ampliação da consciência, que foi
facilitada ao ser acolhido e aceito o símbolo do Feminino. Ela se dera conta do outro
lado que sua persona, moldada pelos valores masculinos, ocultava.
Com relação às qualidades que uma mulher precisa ter, Graça aponta novamente
a inteligência que deve ser utilizada para se valorizar e se aceitar mais e Bianca fala que
as mulheres precisam ser mais sensuais e menos vulgares. A primeira expõe apenas o
que diz respeito ao racional e a segunda, coloca a sensualidade atentando-se para que
não seja vulgar, o que também exige um processo racional, seletivo, que eleja
sensualidade e não vulgaridade.
Quando solicitado que citassem uma mulher que consideram como um modelo,
ambas destacam mulheres cuidadoras, que dedicaram suas vidas para cuidar dos outros:
Princesa Diana, destacada por Graça e Madre Teresa de Calcutá, idealizada por Bianca.
Ambas se identificaram com as personas de cuidadoras e não com as mulheres em si.
Graça fala que o cuidado foi uma característica que conseguiu realizar enquanto médica;
já Bianca coloca essa característica como um peso, como um fardo que carrega desde os
doze anos de idade. Graça se emociona bastante ao relembrar do acidente e deixa
implícita sua indignação com o ocorrido, salientando suas características altruístas e de
206
compaixão com o próximo. Se sente impotente frente a esta situação, lamenta-se por se
sentir sozinha e por não saber com quem contar. Se este é seu modelo de mulher,
conseguimos entender sua angústia quando se depara com a impossibilidade de exercer
o que considerava ser seu maior valor. Em seu discurso, parece que a identificação atual
gira mais em torno das pessoas cuidadas pela Princesa Diana do que com a própria.
Bianca deixa claro que sente o papel de cuidadora como um fardo muito grande,
ao mesmo tempo em que assume esse papel e o destaca como sendo um modelo de
mulher a ser seguido. Fica clara a dificuldade de ambas de abrir mão dessa posição de
controle e poder, mesmo sabendo que este papel de “mártir cuidadora” tornou-se
insustentável nos dois casos. Mostram também uma dificuldade de assumirem suas
fragilidades e necessidades de receber cuidado.
Embora Elisa tenha faltado a esse encontro, nota-se que acompanhou o ritmo das
outras participantes no seguinte.
207
vivenciado um sentimento de solidão frente à constatação do Self e ainda não descobriu
nele um aliado.
208
essência do Feminino, com a natureza, numa espécie de ritual. Segundo Whitmont
(1969), imagens de ciganas são representações arquetípicas do Feminino Eterno. Desta
forma, percebemos que Bianca entrou em contato com sua anima, constelando o
arquétipo da Grande Mãe e entrando em contato com sua verdadeira natureza.
Nesse encontro todas afirmaram que estava sendo bastante prazeroso fazer os
movimentos da dança, identificando como um recurso positivo. Também comentaram
estarem surpresas por descobrir esse potencial, o que nos faz pensar num fortalecimento
egóico, fazendo-as se sentir mais valorizadas e confiantes em si próprias.
209
(Bianca), de elevar a auto-estima (Graça) e de retomada do senso de eficácia e de
sentido pela vida (Elisa). Até esse encontro, não havia sido discutido o motivo da
eleição desta dança neste contexto, tampouco seus benefícios, o que fortalece a idéia de
que se trata de uma arte com grande potencial arquetípico, atingindo e mobilizando a
psique com toda sua numinosidade.
210
como despedaçador do corpo de lebres (símbolo da lascívia); nesse caso significaria a
vitória sobre a concupiscência, ou seja, a vitória do princípio Masculino sobre o
princípio Feminino. Também cabe ressaltar a objetividade deste animal que visualiza
suas presas a uma longa distância e apanha-as em um movimento rápido e certeiro. Este
elemento pode indicar que os valores masculinos atuam ainda de forma intensa em seu
psiquismo. No entanto, foi a única participante que gostou da experiência de estar na
gruta. No caminho de volta relata ter se deparado com uma bifurcação que não tinha
visto antes, após um breve momento de dúvida, escolhe pelo caminho da esquerda que
lhe pareceu correto, pois a conduziu aonde queria. Segundo Chevalier, o lado esquerdo
representa o princípio Yang, o Céu e o lado honroso, já Cirlot acrescenta que para todas
as civilizações do Mediterrâneo anteriores à nossa era, a esquerda significava a direção
da morte. Depois do contato com o Feminino ela segue para a esquerda, para o lado
masculino que ao mesmo tempo representa o lado da morte. De que morte estamos
falando? Na volta, o falcão estava todo branco, parece ter deixado alguns elementos
para trás. Conta que a sensação de voar foi muito boa e que gostaria de ter voado mais;
será que essa experiência com o vôo eqüilibrou um pouco a sua atitude unilateral
consciente?
Bianca conta que sua trilha para chegar à gruta era muito longa, não era difícil,
mas teve que percorrer um longo percurso. Afirma que no caminho para a gruta se
transformou num Urubú. Embora não tenha encontrado o simbolismo desta ave, cabe
lembrar que se alimenta de coisas podres. Geralmente em bandos, “anunciam” animais
mortos ou em processo de morte. Talvez possamos associar o Urubú com o peso que
Bianca atribui ao aborto realizado na adolescência, como se desde então carregasse algo
podre em seu interior. Afirma que voar foi prazeroso e a deixou tranqüila; no entanto, a
experiência na gruta não foi boa: sentiu-se sufocada, pois era muito quente, úmida e
molhada (sic.): será que essa experiência foi angustiante por tê-la tirado da posição de
controle? Comenta ter andado pela gruta devido à orientação da pesquisadora e não por
vontade própria, o que pode demonstrar uma dificuldade de se responsabilizar por suas
próprias vontades e não apenas seguir o desejo alheio. Embora a experiência na gruta
não tenha sido encarada como agradável, parece ter promovido mudanças; percebemos
isto na transformação do pássaro: ela foi como Urubú e voltou como andorinha, branca,
menor e mais leve (sic.). Afirma ter sido mais fácil o vôo da volta. Segundo Cirlot,
211
andorinha é uma ave consagrada a Ísis e Vênus: seu Self pode indicar com essa imagem
que ela está entrando em contato com o arquétipo da Grande Mãe e com o princípio do
Feminino, fazendo-a ficar mais leve e sentir-se livre daquele contexto de podridão.
Elisa afirmou que a mata de sua floresta era muito fechada e que, para passar,
teve que abrir caminho com uma foice. Cirlot afirma que a foice aparece como um
atributo de Saturno e das alegorias da morte. O autor coloca que as armas curvas, em
geral, são lunares e femininas, enquanto que as retas são solares e masculinas, podem
estar associadas ao caminho secreto para o “ultra-mundo”, comportando o lado da
mutilação e da esperança de renascimento, nesse sentido carrega a idéia de sacrifício.
Elisa desbrava seu caminho, sobe a montanha e pára para beber água, que segundo
Cirlot é símbolo do inconsciente, do Feminino e está associada à sabedoria intuitiva.
Após revigorar-se desses elementos, prossegue. Transforma-se num pássaro branco com
bico amarelo e pernas finas. Também se sentiu sufocada na gruta, que estava muito
quente e úmida, logo, optou por ficar sentada numa pedra. Encontrou uma planta –
símbolo do mistério da morte e da ressurreição (Cirlot, 2007), portanto, da
transformação –, afirma que: “(...) era um bambuzinho assim tudo espetadinho, era a
coisa mais linda que eu já vi” (sic.). No entanto, quando soube que para levar a planta
tinha que deixar alguma coisa em troca, não quis levá-la. Isso pode demonstrar sua
dificuldade de se deprender das coisas e de aceitar uma troca, ou então, de aceitar levar
alguma coisa boa da vivência, o que reforça a idéia de que elas não conseguem se
colocar na posição de quem recebe algo, seja afeto, carinho ou alguma coisa que
consideraram interessante. Afirma que o vôo de volta foi melhor, pois se sentia mais
leve e aliviada, não queria voltar. Conta que o caminho de volta foi mais fácil, pois a
mata já estava aberta. Essa imaginação parece mostrar que Elisa também conseguiu
entrar em contato com elementos do Feminino e se apropriar destes, mas que para isto é
preciso sacrificar outros elementos. Também se evidenciou que ainda lhe é muito difícil
aceitar receber algo, mesmo identificando a coisa nova como boa, atraente e portadora
de potencial de transformação.
Todas contam que gostariam de ter voado mais, porém seguiram as instruções da
pesquisadora isso vem a demonstrar, novamente, o lócus de controle externo
exacerbado e, para se adequarem a essas solicitações, descartam seus desejos. É
212
importante destacar o fato de todas terem parado e retomado a imaginação no mesmo
momento. Isto pode demonstrar uma grande sintonia entre elas, inclusive a nível
inconsciente, o que provavelmente ocorreu devido à aproximação com a dimensão
mágica-mitológica da psique, possibilitada pela prática da dança (Ioshimoto, 2000),
pelo constante trabalho de elaboração através das discussões e pelo próprio encontro
terapêutico do grupo vivencial. Interessante pensarmos que esta parte da fantasia dizia
respeito ao fato de elas poderem levar algo consigo da vivência, possivelmente
sinalizando uma dificuldade de receberem e, portanto, de sair da posição de doadoras ou
de aceitarem receber algo positivo, o que parece reforçar a identificação com o papel de
“mártir cuidadora”, identificado no quarto encontro.
Na imaginação, Elisa vai para a casa de uma prima, onde há muito não vai e
sente vontade de ir. Escolhe uma fantasia de odalisca, de cor vermelha com bastante
brilho e vai para um salão de baile aonde era esperada para que a festa tivesse início:
parece se tratar de uma figura importante. Lá dança em pares com alguns rapazes, indica
ser uma mulher atraente que desperta interesse em vários homens. Esta parece ser uma
mensagem que reforça a sua atual busca, validando o valor de se (re)encontrar com seu
Feminino, aguçando sua feminilidade e sensualidade, percebidas pelos outros,
valorizada e comemorada em uma grande festa. A dança em pares também pode indicar
que está ocorrendo uma integração entre aspectos femininos e masculinos. Aqui
também aparece uma preocupação externa, mas o inconsciente parece validar essa
busca, acalmando-a ao mostrar que esse “encontro” com o Feminino será bem recebido
pela sociedade. Isso salienta a afirmação de Galiás (2001) de que existe uma expectativa
social de que na maturidade, a mulher entre em contato com seu Feminino e com o
valor do arquétipo da Grande Mãe.
Bianca vai para a casa que considera como a casa dos seus sonhos, espaçosa e do
jeito como sempre quis. Ainda não estava mobiliada. Acreditamos que possa indicar que
213
Bianca conquistou um espaço muito desejado; entretanto, ainda não se apropriou deste.
Esta “apropriação” pode revelar uma aproximação do ego com o Self, no sentido em
que vai acolhendo elementos inconscientes dissociados a fim de preencher sua atitude
consciente, realizando potencialidades, até então ocultas. Escolhe uma fantasia também
de odalisca azul-marinho, com bastante brilho e vai se apresentar em um teatro diante
um público desconhecido. Dança a Dança do Ventre e afirma ter se sentido muito bem
com isso. Ao que tudo indica (e também de acordo com a sua própria fala), parece estar
havendo uma integração desse elemento Feminino. Também percebemos, como em
Elisa, um reconhecimento e validação social para essa busca, talvez como respostas à
sua necessidade de aprovação externa.
214
Justiça, símbolo da completude totalizante e do equilíbrio. Cirlot (2007) complementa
que o oito é a forma central entre o quadrado – ordem terrestre – e o círculo – ordem da
eternidade – por isso, é um símbolo de regeneração. Tem relação com as duas serpentes
do caduceu de Hermes, a Uroboros – representante da união dos opostos –, neste
sentido, o oito expressa o equilíbrio das forças antagônicas.
As participantes afirmam que escolheram o oito, pois este traz paz, tranqüilidade
e promove um alívio e descarga de tensão (Elisa), dá formas ao corpo da mulher e solta
os “parafusos” que as enrijecem (Bianca) e dissolve a armadura que construíram em
função, mas não apenas, da dor (Graça). Graça também comenta que, tanto o oito
quanto o movimento de rotação de tronco valorizam as áreas mais femininas do corpo
da mulher: o quadril e os seios.
215
Ao que tudo indica, essas mulheres conseguiram resgatar parte de suas animas
reprimidas, despolarizando a atitude masculina da consciência, fazendo com que se
sentissem mais leves, tranqüilas e valorizadas. É importante ressaltarmos que a função
da anima e do animus é fazer uma ponte de ligação entre o ego e o Self (Jung E., 1991)
e que por isso nunca serão totalmente conhecidos, a ponto de se integrarem totalmente à
consciência e não se projetarem mais (Stanford, 1987).
216
Graça mostra a forma como representaria sua dor utilizando uma imagem
complexa dos chackras do corpo, não apenas os sete principais. Faz uma analogia à uma
energia que circula e irradia por todo o corpo. As outras imagens mostram o percurso
até entrar em contato com sua essência feminina. As primeiras imagens, por serem
juvenis, indicam um certo distanciamento do Feminino sensual e maduro, assim como
demonstram certa insatisfação e solidão, enquanto que a quarta mulher parace estar
satisfeita e “entregue” à situação. Ela permite ser cuidada pelos anjinhos e demonstra
gostar disso. Parece que Graça se deu conta de que pode permitir ser cuidada e que isso
pode ser muito prazeroso. Associa os anjinhos com os membros do grupo ao relatar que
se sentiu cuidada e, que esse cuidado, possibilitou a emergência desse aspecto de seu
Feminino.
Nas imagens que trouxeram, a dor ou não aparece (Elisa) ou aparece como um
elemento secundário, diferente da primeira representação. Embora tenham sido
oferecidos os mesmos materiais da outra vez, desta elas não os quiseram usar, lançando
mão apenas das imagens que levaram. Parece ter havido um redirecionamento da
energia psíquica, no sentido em que suas imagens corporais não estão mais tão
vinculadas ao contexto doloroso. Percebe-se que conseguiram resgatar elementos
prazerosos, saindo da posição de doentes, identificando e integrando outras formas de
ser à atitude consciente, o que nos faz pensar que houve uma ampliação da consciência.
217
Parece que, ao término do processo, passaram a adotar uma postura mais ativa
com relação aos outros e a si próprias; isso evidencia-se na fala de Bianca que afirma ter
compreendido que não pode mais interferir tanto na vida dos pais, pois sente que se
sobrecarrega e os sobrecarrega também; no entanto afirma ser muito difícil se afastar
pois, além da sensação de estar abandonando-os, sente-se inútil. Elisa também passou a
ter uma postura mais ativa frente a sua rede social, deixando de se isolar tanto e Graça
procurava lugares para expôr suas obras, buscando fazer desta uma atividade com fins
lucrativos.
Bianca destaca a importância deste trabalho ter ocorrido em grupo, falando que
o processo grupal acende uma chama. Lembremos que a experiência do grupo anterior
(Loduca, 2007) foi muito significativa também nesse sentido.
Graça fala que a Dança do Ventre mexe com o corpo: “(...) de um jeito que a
gente vai se revelando, nossa foi incrível para mim!” (sic.). Essa fala expressa muito
bem o potencial arquetípico desta dança de, ao trazer elementos sombrios para a
consciência (principalmente o símbolo do Feminino), promove uma ampliação desta,
auto-conhecimento e o encaminhamento do processo de individuação no qual o
indivíduo vai tornando-se o que é em potencial, vai desvelando (ou revelando como
218
Graça afirmou) seu potencial genuíno, tornando-se uno com o universo. A fala de
Bianca também demonstra o quanto encontraram nesse processo uma forma de
manterem-se próximas de si mesmas: “(...) não quero correr o risco de me afastar de
mim mesma, de deixar meu feminino morrer!” (sic.).
219
FACETA 10 Primeira Coleta 3 12,00 1,73
Segunda Coleta 3 13,00 2,00
220
Segunda Coleta 3 11,33 0,88
Domínios Facetas
1. dor e desconforto físico,
Físico 2. energia e fadiga e
3. sono e repouso.
4. sentimentos positivos,
5. pensar, aprender, memória e
concentração,
Psicológico 6. auto-estima,
7. imagem corporal e aparência e
8. sentimentos negativos.
221
9. mobilidade,
10. atividades da vida cotidiana,
Nível de Independência 11. dependência de medicação ou de
tratamentos e
12. capacidade de trabalho.
Existe uma 25a faceta com perguntas gerais sobre qualidade de vida.
A partir desses dados, percebemos que só não ocorreram alterações nas facetas 5
(Pensar, aprender, memória e concentração), 18 (Recursos financeiros) e 22 (Ambiente
físico: poluição/ruído/trânsito/clima). Todas as outras facetas mostraram alterações:
222
embora em alguns casos sejam quase imperceptíveis, percebe-se que o processo, mesmo
com seu curto período de tempo, teve ampla repercussão, interferindo em áreas as quais
não se esperava atuar. Interessante pensarmos que a faceta 5 não computou alterações,
visto que o grupo foi um espaço em que puderam refletir e elaborar algumas questões,
bem como aprender coisas novas. Com relação à memória e concentração, queixaram-se
da falta de, em alguns momentos. Cabe lembrar que alguns medicamentos para dor
influenciam nestas últimas areas citadas.
223
Auto-estima.
F6.1 O quanto você se valoriza?
F6.2 Quanta confiança você tem em si mesmo?
F6.3 Quão satisfeito você está consigo mesmo?
F6.4 Quão satisfeito você está com suas capacidades?
Imagem Corporal.
F7.1 Você é capaz de aceitar a sua aparência física?
F7.2 Você se sente inibido(a) com sua aparência?
F7.3 Há alguma coisa em sua aparência que faz você não se sentir bem?
F7.4 Quão satisfeito você está com a aparência de seu corpo?
Pensamos que talvez seja necessário um período maior de tempo para que essas
perguntas possam avaliar alterações significativas.
224
expectadores. As imagens que trouxe no final do processo, que representam a forma
como percebe seu corpo atualmente, retratam um (re)encontro com sua natureza
feminina.
Nas últimas imagens que Graça levou, percebemos que conseguiu entrar em
contato com esse potencial sedutor, o que a fez se sentir mais valorizada e cuidada. Mas,
as outras imagens também demonstram que para que isso ocorresse, foi preciso
enfrentar suas fraquezas e descrenças. Esse reconhecimento dos aspectos femininos
também apareceram em suas fantasias, lembremos aquela em que Graça vê duas
mulheres dançando a Dança do Ventre e a Dança Indiana de forma complementar, cabe
ressaltar que ambas as danças são muito femininas. Na última viagem de fantasia,
parece ter entrado em contato com seu lado romântico, delicado, de notável realeza: seu
lado princesa.
Segundo seus relatos iniciais, percebemos que existia, de maneira global, uma
forte identificação do ego com a persona de “mártir cuidadora”. Nesse sentido, seus
potenciais de autocuidado, auto-realização e prazer pela vida estavam, em
contraposição, na sombra. Ao resgatarmos aspectos do Feminino e a auto-estima, tais
225
potenciais ressurgiram à consciência, possibilitando ao ego a utilização de outras
personas, dentre elas a de mulher que busca por satisfação pessoal.
Esses dados nos faz pensar que o processo do grupo as auxiliou a entrar em
contato e resgatar alguns aspectos do Feminino. Evidente que o processo não se encerra
aqui, mas foi dado o primeiro passo para que descobrissem esse potencial para que
agora, sozinhas, possam prosseguir neste belo empreendimento pela descoberta e
apropriação de suas essências.
Afirmamos que o objetivo deste trabalho foi alcançado, pois através da prática
de movimentos da Dança do Ventre em contexto de grupo vivencial breve, foi possível
226
resgatar aspectos do Feminino, elevar a auto-estima e contribuir, de maneira geral, com
a qualidade de vida destas participantes. Este trabalho mostrou-se portanto, um
importante aliado na atenção e promoção de saúde deste tipo de população.
227
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Foi com muito amor e perseverança que coloquei esse “filho” no mundo e,
apesar das dificuldades, é com muito orgulho e satisfação que o apresento. Agora, seu
processo de individuação se iniciou e cabe a mim dar continuidade ao seu
desenvolvimento.
Este trabalho não encerrou com o TCC, pelo contrário: apenas iniciou-se. Houve
uma continuidade e espero divulgar novos resultados em breve. Os dados aqui
apresentados são apenas um “recorte” da grande amplitude deste trabalho, apenas uma
peça de um complexo mosaico que merece ser olhado e analisado com maior
profundidade, em outro momento.
228
Sabemos da carência de estudos brasileiros com indivíduos que sofrem de algias
crônicas e este mostrou sua importância na atenção e promoção de saúde deste tipo de
população. Ainda há muito a ser feito, mas espero que possa ter ampliado a visão de que
é possível oferecer para tal população algo a mais do que aquilo que se preza pelo
modelo biomédico e, para isso, é preciso que o psicólogo se deixe envolver e tocar pelo
afeto do encontro no qual busca-se facilitar ao outro que atribua sentido à sua
existência, através do contato verdadeiro com sua essência.
229
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http://www.ufrgs.br/psiq
http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol.html
238
ANEXOS:
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
São Paulo,__________________________________________
Assinatura da participante:___________________________________
Assinatura da orientadora:____________________________________
PRIMEIRA REPRESENTAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL –
INÍCIO DO PROCESSO:
SEGUNDA REPRESENTAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL –
TÉRMINO
DO PROCESSO: