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Economia e Negócios

Autores: Profa. Ivy Judensnaider


Prof. Maurício Manzalli
Colaboradores: Prof. Fabio Gomes da Silva
Prof. Flávio Celso Müller Martin
Prof. Livaldo dos Santos
Professores conteudistas: Ivy Judensnaider / Maurício Felippe Manzalli

Ivy Judensnaider: Economista pela Fundação Armando Álvares Penteado, mestra pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência. Atualmente é professora da
Universidade Paulista – UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração, onde coordena o curso de Ciências
Econômicas no Campus Marquês (SP). Também atua no setor de publicações, dirigindo a editora eletrônica arScientia,
e é autora de inúmeros textos de divulgação científica publicados na web.

Maurício Felippe Manzalli: Economista pela Universidade Paulista – UNIP e mestre em Economia Política pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas
e Administração e também é coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

J95 Judensnaider, Ivy

Economia e Negócios. / Ivy Judensnaider; Maurício Felipe


Manzalli - São Paulo: Editora Sol.
140 p. il.

Notas: este volume está publicado nos Cadernos de


Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-015/11,
ISSN 1517-9230.

1.Economia 2.Negócios 3.Mercado I.Título

CDU 330.3

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
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Unip Interativa – EaD

Profa Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Batista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Alessandro de Paula
Sumário
Economia e Negócios
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 O QUE É ECONOMIA, AFINAL?......................................................................................................................11
1.1 Economia: conceito e contexto........................................................................................................11
1.2. O desenvolvimento da economia enquanto área do saber................................................ 22
2 FOI SEMPRE ASSIM?....................................................................................................................................... 26
2.1 Nos dias de hoje..................................................................................................................................... 27
2.1.1 Os bens......................................................................................................................................................... 27
2.1.2 O fluxo circular da renda e do produto.......................................................................................... 28
2.1.3 A organização da atividade econômica.......................................................................................... 31
2.2 Há muito tempo.................................................................................................................................... 34
3 A ÉTICA DO CAPITAL........................................................................................................................................ 39
3.1 O empreendedorismo.......................................................................................................................... 39
3.2 A construção histórica do espírito empreendedor.................................................................. 42
4 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO...................................................................................................... 47

Unidade II
5 O SISTEMA CAPITALISTA E OS MERCADOS............................................................................................ 63
5.1 O que são estruturas de mercado?................................................................................................ 63
5.2 Como se formaram os grandes oligopólios?.............................................................................. 67
6 A CRISE DE 1929, O SISTEMA CAPITALISTA E A MÃO VISÍVEL DO ESTADO.............................. 74
6.1 A crise......................................................................................................................................................... 74
6.2 A intervenção do Estado.................................................................................................................... 78

Unidade III
7 A ECONOMIA E OS NEGÓCIOS NO SÉCULO XX.................................................................................... 90
7.1 A inflação dos anos 1970................................................................................................................... 90
7.2 O discurso globalizador....................................................................................................................... 96
8 O QUE AINDA HÁ PARA DISCUTIR?........................................................................................................105
8.1 As fronteiras de possibilidade de produção..............................................................................105
8.2 A determinação do ponto de equilíbrio entre oferta e demanda................................... 110
8.3 Crescimento versus desenvolvimento......................................................................................... 112
8.4 Estado mínimo versus welfare state............................................................................................ 117
APRESENTAÇÃO

Caro aluno,

O livro‑texto que aqui apresentamos servirá de apoio ao estudo da disciplina Economia e Negócios.

Note que ele está dividido em três unidades. Em cada uma delas você encontrará:

a) Textos explicativos que elucidam a matéria.

b) Resumos do conteúdo estudado;

c) Exercícios comentados;

d) Tópicos para refletir, em que convidamos você a pensar sobre assuntos da atualidade;

e) A seção Saiba Mais, em que indicamos filmes e livros que, de alguma forma, complementam os
temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões, garantimos que você irá ampliar seu
conhecimento sobre os temas apresentados e que essa ampliação será extremamente útil, não
apenas na questão específica da disciplina, mas na sua vida profissional.

f) Os Lembretes – anotações pontuais que o remetem a alguma informação já conhecida– e as Observações


– apontamentos que chamam sua atenção para algum ponto que merecer ser destacado sobre o assunto
em desenvolvimento – são recursos que reforçam algumas questões que quisemos salientar.

Cada unidade foi estruturada visando a objetivos específicos. Na Unidade I, você entrará em contato
com conceitos introdutórios da economia. E, a partir desses conceitos, será convidado a refletir sobre a
importância do conhecimento econômico e sobre a construção histórica do mundo em que vivemos.

O conteúdo dessa unidade é formado por: conceitos relacionados às ciências econômicas e à


economia de mercado; a importância do estudo da economia; a questão dos recursos escassos versus
necessidades ilimitadas; os recursos de produção; as perguntas fundamentais: o quê e quanto, como e
para quem produzir; a categorização de bens; o fluxo circular da renda e de produto; a organização da
atividade econômica; a transição do feudalismo para a economia de mercado.

Os objetivos dessa unidade também levarão você a entrar em contato com os aspectos históricos
referentes à construção do mundo dos negócios tal qual o conhecemos hoje. Essa análise vai permitir-
lhe refletir sobre a realidade atual e sobre o ambiente econômico em que vivemos.

O conteúdo dessa unidade, portanto, abrange também: o empreendedorismo; a transição do


feudalismo para a economia de mercado; as transformações éticas exigidas por um novo tempo; os
setores da economia; o processo de industrialização e a Revolução Industrial; os autores clássicos.

São objetivos da Unidade II: pô-lo em contato com a formação dos grandes oligopólios. A assimilação
dessas informações vai permitir-lhe refletir sobre as atuais estruturas de mercado, tanto do ponto de
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vista do consumidor quanto da perspectiva do administrador. Você entenderá, ainda, as relações entre
as crises do capital e as estruturas de mercado, bem como compreenderá o papel do Estado como
regulador do mercado.

Compõem o conteúdo dessa unidade: as estruturas de mercado: concorrência perfeita, oligopólio,


monopólio e concorrência monopolista; a crise do capital do final do século XIX; a formação dos grandes
oligopólios; a teoria marxista e a oposição ao capitalismo; crise de 1929 e a intervenção do Estado na
economia: a investigação das variáveis macroeconômicas.

Por fim, os objetivos da Unidade III complementam e aprofundam a matéria até aqui apresentada.
Nessa unidade você poderá compreender o processo de inflação e as dificuldades pelas quais passaram
todos os países (desenvolvidos e em desenvolvimento) na década de 1970. Você também tomará contato
com alguns temas da atualidade de grande repercussão que, sabemos, têm influência direta no nosso
cotidiano, nos nossos empregos e na nossa renda.

Nessa unidade você encontrará o seguinte conteúdo: as variáveis macroeconômicas e as causas da


inflação; o discurso globalizador; as fronteiras de possibilidades de produção; a determinação do preço
de equilíbrio; o crescimento versus o desenvolvimento; o Estado mínimo e o welfare state.

Nossa proposta, portanto, não é a de tão somente transferir-lhe um conjunto predeterminado de


saberes. As escolhas metodológicas e didáticas a partir das quais o livro-texto foi confeccionado incluem
o aperfeiçoamento do espírito crítico e o desenvolvimento das capacidades e habilidades de produção e
geração de conhecimento. Dessa forma, você poderá notar que os conteúdos econômicos estão sempre
entrelaçados aos contextos sócio-históricos que os geraram, bem como aos problemas do cotidiano e
do ambiente dos negócios.

Esperamos que você aprecie o texto e que, a partir dele, possa conhecer o mundo econômico e seus
impactos no ambiente de negócios.

Bom trabalho!

INTRODUÇÃO

As necessidades da vida cotidiana implicam o conhecimento de economia por todos,


independentemente da área profissional ou da formação acadêmica. Assim, qualquer indivíduo
tem noções de microeconomia e de macroeconomia, mesmo que não saiba exatamente do que
tratam esses saberes. Em outras palavras, todos nós nos deparamos com aspectos relacionados
à formação de preços, às estruturas de mercado, às questões de escassez de bens e serviços, à
inflação, ao desempenho de determinados setores da economia e aos níveis de desenvolvimento
e crescimento das nações.

As manchetes de jornais evidenciam esta nossa afirmação. Dê uma olhada nos seguintes
títulos: “Faltam materiais de construção em razão do aquecimento do mercado”; “O setor terciário
da economia é o que mais cresce”; “O monopólio no fornecimento de matéria‑prima poderá
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ser quebrado”; “As mudanças na tabela progressiva do Imposto de Renda poderão impactar a
demanda de alimentos”; “A inflação volta a preocupar o Banco Central”. Esses títulos abordam
aspectos do mundo econômico capazes de provocar profundas influências na vida de todos. Não
é à toa que cada vez mais os jornais não especializados façam a cobertura do mundo econômico,
geralmente em cadernos especiais. Da mesma forma, não é à toa que ganhadores do Nobel de
Economia costumem ter tanto destaque na mídia quanto personalidades do mundo das artes.

É claro que, para efeito desta disciplina, nossa expectativa vai além do conhecimento genérico que a
população tem sobre o tema econômico. Por isso, vamos ao significado do termo economia, título dado
ao capítulo inicial desta apostila.

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ECONOMIA E NEGÓCIOS

Unidade I
1 O QUE É ECONOMIA, AFINAL?

Para entendermos do que trata a economia, partiremos do contexto em que se desenrolam as


relações econômicas. Em especial, vamos nos reportar a um evento ocorrido em passado recente para, a
partir dele, compreender de que forma o mundo econômico funciona.

1.1 Economia: conceito e contexto

Em outubro de 2008, o mundo foi atingido pela notícia de que uma nova crise econômica assolava
o planeta, com consequências tão trágicas quanto as da quebra da bolsa americana em 1929. Segundo
Judensnaider (2009), Delfim Netto, em palestra proferida na Universidade Paulista, opinou que estaríamos
vivendo mais uma das tantas crises da história do capitalismo. ”O mundo não vai acabar”, nas palavras
do economista. Do ponto de vista da economia de mercado, isso é absolutamente correto. Ainda de
acordo com a autora:

Desde o século XVIII, o mundo vem caminhando lentamente para se


organizar sobre estruturas básicas que são conhecidas como sendo de
economias de mercado. De forma simplificada, e considerando o período
dos setecentos até o século XXI, poderíamos identificar três grandes
momentos de inflexão do capital, a saber, a primeira grande depressão
do final do século XIX, a grande depressão dos anos 1930 e as crises do
final da década de 1970.

Em cada uma delas, o sistema de mercado deu um jeito de resolver a


situação: inicialmente, “avançou” em direção a novos mercados por meio
de estratégias imperialistas, e que isso tenha acabado em guerra é assunto
com o qual economistas do mainstream não costumam se preocupar. Na
de 1930, entre as duas grandes guerras mundiais, o capital, reconhecendo
a inabilidade das suas mãos invisíveis, atribuiu ao Estado o papel de tirar a
economia de mercado do imenso buraco em que havia se metido. Depois,
cansado da imobilidade à qual estava sujeito por força da mão visível do
Estado, arquitetou o grande discurso da globalização, sedimentando, ao
longo da trilha, os caminhos para a liberdade do capital através de incursões
militares em países estrangeiros e da institucionalização de organismos
financeiros internacionais.

Que mundo econômico é esse e como o instrumental teórico da economia nos permite conhecê‑lo
e nele operar? Vejamos, inicialmente, do que trata a economia.
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Unidade I

Economia é uma palavra derivada do grego oikosnomos ( oikos = casa; nomos = lei) e
representa a administração de uma casa, entendida como um patrimônio particular, uma
empresa ou um Estado. Dessa forma, a ciência econômica estuda as relações entre famílias,
empresas e governo para compreender os fenômenos que norteiam o funcionamento do mundo
em que vivemos. A preocupação central dessa ciência social é a análise da produção de bens e
da distribuição da renda, dado o problema da escassez de recursos e as necessidades ilimitadas
dos indivíduos.

Entendido o que é economia, vejamos alguns exemplos de problemas econômicos básicos de nosso
cotidiano. Por exemplo, a forma como distribuímos nossa renda, proveniente de nosso salário, diante
da grande quantidade de mercadorias e serviços dos quais necessitamos para a manutenção da vida.
Apresentado dessa forma, parece bastante simples, pois sabemos o quanto ganhamos, qual nosso salário
e do que necessitamos durante uma semana, um mês, um ano etc. Vamos, porém, pensar com mais
calma: para que tenhamos algum salário, torna‑se necessária nossa participação em alguma atividade
produtiva, seja trabalhando em alguma indústria, numa loja de comércio ou prestando algum serviço.
Além disso, uma série de outras variáveis determinam os modos por meio dos quais distribuiremos nossa
renda.

Observação

Quer “visualizar” um exemplo sobre o tema? Então leia a rubrica


Saiba Mais. Lá indicamos uma comédia muito interessante, que
retrata os esforços de uma dona de casa para prover sua família e suas
necessidades peculiares. O enredo proporciona, ainda, uma excelente
oportunidade para a compreensão dos mecanismos de crédito no
mundo moderno.

Saiba mais

Sobre o assunto, sugerimos que veja o filme Rosalie vai às compras. Dir.
Percy Adlon, 90 minutos, 1989.

Como ilustração, listamos a seguir alguns problemas econômicos que a ciência econômica está
preocupada em explicar e que interferem no nosso cotidiano:

• como a fixação da taxa de câmbio impacta a vida das empresas e a do cidadão comum?

• o que ocorre com a renda da população diante de um anúncio do governo sobre uma elevação
nas taxas de juros?

12
ECONOMIA E NEGÓCIOS

• por que o preço da gasolina sobe quando um determinado país não tem capacidade suficiente
para produzi‑la?

• por que a renda da região Norte‑Nordeste de nosso país tende a ser menos concentrada do que a
renda da região Sul‑Sudeste?

• por que o PIB de um país cresce conforme a sociedade consome maior quantidade de
mercadorias?

• quais são os fatores explicativos da subida dos preços dos chocolates na proximidade da Páscoa?

• por que um governo que gasta mais do que arrecada tem dificuldades de financiar seus déficits?

• qual a importância para a vida de cada um dos brasileiros quando um país vende uma empresa
estatal ao capital internacional?

• o que significa inflação?

• o que é desemprego?

Aparentemente, cada uma dessas questões em nada impacta nossa vida individual. No entanto,
pensemos na seguinte situação: em um determinado período, em alguma manchete de jornal impresso
ou pelos telejornais, é anunciada a seguinte informação: o balanço de pagamentos do ano de 2010
apresentou superávit de zilhões de reais, e esse superávit é proveniente dos saldos positivos da balança
comercial, demonstrando que as exportações da economia do país em questão foram maiores que suas
importações. Mas, por que as exportações foram maiores do que as importações? Podemos levantar
algumas hipóteses:

1) As exportações desse país foram maiores em 2010, pois nesse ano as empresas nacionais produziram
uma quantidade maior de mercadorias do que no ano anterior;

2) As exportações desse país foram maiores em 2010, pois nesse ano o consumo por parte dos seus
habitantes foi menor; assim, uma forma de se desfazer dos estoques de mercadorias produzidas
foi exportar;

3) As exportações desse país foram maiores em 2010, pois nesse ano o governo adotou medidas que
favoreceram as exportações, desvalorizando a taxa de câmbio, por exemplo.

Observamos que, para apenas uma pergunta, elaboramos três possíveis respostas que somente
poderão ser efetivamente consideradas como certas e verdadeiras depois de analisados os números da
realidade concreta.

13
Unidade I

Vejamos outro exemplo. A figura 1, a seguir, mostra‑nos a pegada ecológica (área necessária para
produzir o que consumimos em termos de recursos naturais e absorver as emissões de carbono) que deixamos
na Terra.

Valor ideal

Região / País --

Pegadas em ha por pessoa 1,8


Se cada pessoa vivesse
neste padrão, de quantos 1
planetas precisaríamos

América do Norte USA Canadá América Latina Brasil Argentina

9,4 9,6 7,6 2,0 2,1 2,3

5,22 5,33 4,22 1,11 1,16 1,27

África África do Sul Somália Europa (UE) Alemanha Suécia

1,1 2,3 0,4 4,8 4,5 6,1

0,61 1,27 0,22 2,66 2,56 3,38

Ásia Pacífica Japão China Índia Austrália

1,3 4,4 1,6 0,8 6,6

0,72 2,44 0,88 0,44 3,66

Figura 1 - Pegada ecológica

O que a figura expressa? Ela revela que, quanto maior o crescimento do país, maior é a pegada
ecológica. Indica que, no caso dos países em desenvolvimento, a pegada ecológica é menor.
Para podermos concluir algo a respeito dos dados apresentados, podemos levantar algumas
hipóteses:

Saiba mais

Sobre a questão desenvolvimento/ecologia/globalização/aquecimento,


sugerimos que veja o documentário Uma verdade inconveniente. Dir. Davis
Guggenheim, 100 minutos, 2006.

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ECONOMIA E NEGÓCIOS

Observação

No documentário indicado, o ex‑vice‑presidente norte‑americano Al


Gore discute questões relativas ao aquecimento global e apresenta algumas
ideias sobre sustentabilidade.

Lembrete

Protocolo de Kyoto (1997) – acordo em que os 189 países signatários se


comprometem a controlar a emissão de gases que agravam o aquecimento
global por meio do aumento do efeito estufa. Você deve lembrar‑se que os
Estados Unidos não aceitaram assiná‑lo.

1) O crescimento econômico degrada o ambiente;

2) O crescimento econômico não implica condições favoráveis de qualidade de vida;

3) O crescimento econômico é incompatível com a ideia de sustentabilidade a longo prazo.

Novamente, podemos ter várias possíveis respostas que, somente a partir da utilização do positivismo
e não do lado normativo da economia, serão efetivamente consideradas como corretas se observada a
realidade, ainda que esses dados devessem ser analisados a partir de determinadas percepções a respeito
do que significam qualidade de vida e sustentabilidade. Mais: provavelmente teremos que diferenciar
crescimento de desenvolvimento econômico. É sobre isso, também, que trata a economia. Utilizando a
contribuição de um renomado economista, Paul Samuelson, chegamos ao seguinte conceito:

Economia é o estudo de como os homens e a sociedade decidem, com ou sem


a utilização do dinheiro, empregar recursos produtivos escassos, que poderiam
ter aplicações alternativas, para produzir diversas mercadorias ao longo do
tempo e distribuí‑las para consumo, agora e no futuro, entre diversas pessoas
e grupos da sociedade. Ela analisa os custos e os benefícios da melhoria das
configurações de alocação de recursos (SAMUELSON, 1979, p. 3).

Talvez, a partir desse conceito, seja difícil pensar em como os problemas econômicos afetam o
nosso cotidiano. Vamos, então, partir para uma análise que nos tome, a nós, indivíduos, como base.
Pense, primeiramente, em sua renda. Se você trabalha, ou seja, se participa de alguma atividade
produtiva, recebe um salário que chamaremos de renda. Esse seu salário, seja ele qual for, será
distribuído entre todas as suas necessidades de consumo. Salário é a sua renda, e suas categorias
de consumo dizem respeito às suas despesas; portanto, estamos descrevendo seu orçamento
particular.

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Unidade I

Vamos supor que sua renda seja destinada ao pagamento de contas de luz, água, telefone, alimentação,
moradia, transporte, lazer, vestuário etc. Após alocar sua renda entre todas essas categorias de despesa,
ainda pode ter sobrado uma parcela que você poupará para consumo futuro.

Mas, agora, você está cursando uma universidade e as mensalidades serão incorporadas a essa cesta
de consumo, ou seja, o valor das mensalidades concorrerá por uma parcela de sua renda, assim como
concorre o quanto você gasta com alimentos, moradia, transporte, lazer etc. Nesse caso, você introduziu
mais uma categoria de gasto para uma mesma renda. Sem pensar muito, para que consiga dar conta
de efetuar todos os seus pagamentos, você deverá distribuir cada parcela de sua renda para cada um
de seus gastos. Esse simples exemplo já ilustra uma parte do conceito dado por Samuelson, ou seja, a
economia estuda o emprego de recursos escassos entre usos alternativos, com o fim de obter
os melhores resultados.

Nesse exemplo bastante simples – que vale também para a nossa realidade e a de mais uma grande
quantidade de brasileiros –, o emprego de recursos escassos é ilustrado por nossa renda, e os usos
alternativos, pela nossa cesta de consumo ou por tudo aquilo em que gastamos nossa renda.

Pensemos agora não mais do ponto de vista individual, mas sim do de uma família formada por pai,
mãe e filhos, ou seja, uma unidade familial. Essa família precisa ser mantida: vestir‑se, alimentar‑se,
morar, locomover‑se. Ela tem, conjuntamente, uma cesta de consumo que deve ser atendida por meio
de uma renda, a renda familiar, já que em nosso exemplo cada um dos membros da família participa
de alguma atividade produtiva. Portanto, a renda familiar deve dar conta de responder a toda e
qualquer categoria de gastos da família. Cada entrada de dinheiro será chamada de renda; cada saída
de dinheiro – quer dizer, os pagamentos efetuados pela família – será denominada despesa. Eis aí
então o orçamento familiar.

Vamos transferir o foco para as dimensões de uma empresa. Ela pode produzir mercadorias e vendê‑las
diretamente aos seus consumidores. Segundo Ferguson (1983), vários livros‑texto conceituam produção
como a criação de utilidades, em que utilidade significa a capacidade de um bem ou serviço satisfazer a
uma necessidade humana. Partindo da noção de que as empresas são agentes maximizadores de resultados,
a Teoria da Firma procura estudar e responder a como as empresas combinam a utilização dos fatores de
produção necessários à criação de coisas úteis e o quanto gastam para produzir bens e serviços.

Diante disso, pode‑se pensar apenas no caso de uma empresa comercial, comprando mercadorias
produzidas por outras empresas e vendendo diretamente aos consumidores, ou ainda uma prestadora
de algum serviço. Quando uma empresa produz certa mercadoria – mesas, por exemplo – ela necessita
de meios de produção, dos bens necessários à execução de sua atividade produtiva. Para produzir
determinada mercadoria, necessita comprar meios de produção e pagará por essa aquisição. Em nosso
exemplo simples da produção de mesas, essa empresa hipotética precisa adquirir fórmica, madeira, ferro,
parafusos, colante, além de dispor de uma grande quantidade de máquinas e ferramentas. Também
precisa contratar pessoas para trabalhar.

Quando essa empresa adquire os meios de produção, ela tem um custo com a produção. Esse custo
será dado pela multiplicação de duas variáveis: o preço de cada uma das mercadorias que adquire e as
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ECONOMIA E NEGÓCIOS

quantidades das mercadorias adquiridas. Portanto, ela tem um custo de produção, uma despesa com
sua produção.

Imaginando que as empresas não produzem mercadorias para satisfazer suas próprias necessidades
de consumo, essa empresa empreenderá todos os seus esforços para vender sua produção. Quando essa
empresa vende o que produz, recebe uma quantidade de dinheiro proveniente da venda. A essa quantidade
de dinheiro daremos o nome de receita de vendas, que nada mais será do que a multiplicação de duas
variáveis: o preço da mercadoria e a quantidade de mercadorias vendidas. Então, quando mencionamos
as receitas e as despesas empresariais, estamos falando do orçamento empresarial.

De forma nítida, estamos tratando de trocas. Empresas produzindo mercadorias para consumo da
sociedade em troca de recursos – monetários, no caso – a serem aplicados novamente na produção
de mais mercadorias, e assim por diante. Por outro lado, temos as pessoas trabalhando para empresas,
indivíduos que, em troca de sua força de trabalho, recebem salário na forma de dinheiro e cujo destino
é o consumo de mais mercadorias.

Para Jorge e Moreira (1990, p. 27), “qualquer que seja a forma de organização da atividade econômica
de uma comunidade, (...) seus objetivos são muito semelhantes: busca‑se otimizar a satisfação do
indivíduo, de um lado, e, de outro, maximizar a eficiência produtiva”.

Estamos, portanto, em condições de entender o que é, afinal, economia de mercado.

Economia de mercado é, conforme Jorge e Moreira (1990, p. 29), aquele espaço em que

impera a propriedade privada dos bens de produção, ao lado de decisões


sobre o que e quanto produzir, fundamentadas no mercado e nos preços.
As atividades econômicas são, portanto, dirigidas e controladas unicamente
por empresas privadas, que competem entre si. Daí a alcunha de ‘economia
de mercado’, porque o mercado é o habitat natural das empresas.

Segundo Luxemburg (1970), as empresas, em regimes capitalistas de produção, existem não para
satisfazer as necessidades de consumo da sociedade, mas, sim, para valorizar o capital investido; elas
existem, portanto, para gerar lucros. Procurarão aumentar as quantidades vendidas de suas mercadorias
via aumento da produção e, para tanto, procurarão utilizar a menor quantidade possível de recursos.
Dessa forma, buscarão gastar cada vez menos com a quantidade de meios de produção que adquirem
para, muitas vezes, aumentar a quantidade de lucros que obtêm. Portanto, as empresas também sofrem
com a limitação de recursos à disposição diante de suas categorias de despesas.

Já ilustramos o cidadão individual, as famílias e as empresas. E com relação ao governo? Ele, de


forma muito simplificada, tem algumas obrigações e também alguns direitos.

Por obrigações, deve prover bens públicos como energia, transporte e saneamento básico. Deve
construir escolas, estradas, hospitais, pagar aposentadorias e pensões, além de uma série de obrigações
sobre as quais não nos estenderemos neste momento. Ainda, o governo legisla a respeito de questões
17
Unidade I

trabalhistas ou contratuais e também arrecada recursos da população na forma de impostos. Portanto,


o governo, por meio de sua arrecadação, aufere uma receita. Para prover bens públicos à sociedade,
esse governo também tem custos com tal provisão, ou seja, ele gasta e tem despesa com sua atividade.
Tratamos, então, do orçamento do governo, orçamento do setor público, representado por suas receitas
e despesas.

Da mesma forma que um indivíduo procura organizar da melhor maneira possível seu orçamento
particular, as famílias também o fazem, assim como as empresas. Com o governo não será diferente: ele
procurará alocar da melhor forma seus recursos disponíveis diante da grande quantidade de itens de
gasto que tem à sua frente.

Salvo algumas exceções, não podemos afirmar que nossa família tradicional adquire tudo aquilo de
que tem vontade. O mesmo ocorre com as empresas e com os governos. Por que não podemos afirmar
isso? Pelo simples fato da escassez. Qual escassez? A escassez de recursos necessários para a aquisição de
todas as mercadorias disponíveis ao consumo. Segundo Samuelson (1979), a ciência econômica existe
para dar conta de responder a um grande problema: o da escassez de recursos frente a uma grande
quantidade de mercadorias e diante da ilimitada necessidade de consumo dos indivíduos. Portanto, o
conflito surge da seguinte forma:

Recursos limitados x necessidades ilimitadas

A quais recursos estamos nos referindo? Aos recursos produtivos, também denominados fatores de
produção. Esses elementos, indispensáveis ao processo produtivo de bens materiais, serão chamados de
terra, trabalho, capital, tecnologia e capacidade empresarial.

• por terra, entendem‑se as terras destinadas à agricultura e pecuária, ou seja, terras cultiváveis,
florestas, minas e outros produtos provenientes da utilização do solo.

• por trabalho, entende‑se a mão de obra empregada na produção de mercadorias ou na prestação


de serviços; portanto, o homem.

• por capital, entende‑se o capital financeiro, ou seja, o dinheiro necessário para dar impulso a
qualquer empreendimento industrial, comercial ou de qualquer outro tipo. Também consideramos
como capital as máquinas, os equipamentos e as instalações. Assim, o capital assume duas formas:
a monetária e a física.

• por tecnologia, entendem‑se as máquinas e os equipamentos necessários à produção das mais


diversas mercadorias. Também chamamos de tecnologia as técnicas de produção utilizadas
pelas empresas, ou seja, o know‑how relativo à técnica de produção e ao conhecimento
científico.

• por capacidade empresarial, entendem‑se as habilidades e as ações empresariais, quer dizer, os


atos do empreendedorismo dos empresários ou daquelas pessoas dispostas a empreender um
novo investimento ou que estão aptas a abrir uma empresa.
18
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Observação

Repare que todos os fatores listados são utilizados na produção de bens


e serviços. Portanto, todo e qualquer tipo de produção depende, em maior
ou menor grau, de cada fator.

Cada fator de produção tem uma remuneração diferente em termos de denominação, conforme
podemos ver na figura 2.

Terra

Aluguel

Trabalho

Salário

Capital

Juros

Tecnologia

Direito de propriedade

Capacidade empresarial

Lucros

Figura 2 – Fatores de produção e suas remunerações

Cada um desses fatores de produção – quando empregados na produção de qualquer


mercadoria – deve receber alguma remuneração. Assim, para Nogami e Passos (2003):

• à remuneração do fator de produção terra damos o nome de aluguel.

• à remuneração do fator de produção trabalho chamaremos salário.

19
Unidade I

• o capital recebe sua remuneração sob a forma de juros.

• a tecnologia utilizada na produção de mercadorias recebe a remuneração em forma de direito à


propriedade (royalties).

• a capacidade empresarial recebe lucros na forma de remuneração.

Os fatores de produção utilizados na economia são remunerados e a essa remuneração, vista como
um todo, damos o nome mais amplo de renda.

Lembrete

Recorde‑se de que a questão econômica fundamental reside no problema


da produção e da distribuição da produção. Essa é uma investigação
bastante importante na ciência econômica.

Já temos, então, condições de afirmar que a renda de uma sociedade é limitada diante da quantidade
de categorias de consumo que ela enfrenta. Ademais, as empresas sempre procuram criar mercadorias
novas que chamem a atenção de novos consumidores, criando novos hábitos de consumo ou produzindo,
de forma diferente, antigas mercadorias.

Então, estamos diante de um dilema. Como, afinal, administrar os recursos escassos de forma a
atender às necessidades ilimitadas? Quer dizer, estamos perguntando como responder às seguintes
questões:

O que e quanto produzir?

Como produzir?

Para quem produzir?

Essas três perguntas básicas, que, à primeira vista, são bastante simples, nos remetem às noções
de recursos escassos e necessidades ilimitadas. Então, podemos dizer que o problema econômico
fundamental origina‑se da escassez de recursos, objeto de investigação da ciência econômica.

Vejamos. Se as empresas precisam produzir mercadorias como uma forma de remunerar o capital que
é investido – e isso passa pela venda das mercadorias produzidas –, e se os consumidores precisam, dada
sua renda escassa ou limitada, alocar de forma eficiente as suas categorias de despesas, então resta às
empresas produzir mercadorias que são procuradas. Todos os recursos necessários para a produção são
escassos, assim como o são os recursos que as famílias têm para dar conta de todas as suas necessidades.
Isso significa que a sociedade, como um todo, deve ser capaz de organizar um sistema que assegure
a produção de bens e serviços suficientes para a sua sobrevivência. Mais: a sociedade deve ser capaz

20
ECONOMIA E NEGÓCIOS

de ordenar os frutos de sua produção para permitir não só a continuidade da produção, mas também
a distribuição do resultado da produção de forma equitativa entre todos os seus membros. Como a
procura por recursos para a produção significa a distribuição dos próprios frutos da produção, a tarefa é
monumental. Assim, a resolução dos problemas relacionados à produção e à distribuição da produção é
traduzida no problema econômico fundamental, que gera as três questões anteriormente apresentadas:
o que e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir?

O que e quanto produzir? Para Nogami e Passos (2003), a questão referente ao que e quanto
produzir diz respeito a quais mercadorias devem ser produzidas pelas empresas de um país e em
que quantidades. Responder a esse questionamento significa conhecer o tipo de mercadoria que é
procurada por uma coletividade e as quantidades dessa mercadoria que são (ou serão) consumidas. É
mais importante produzir alimentos ou investir em produção energética?

Como produzir? A questão referente ao como produzir diz respeito à mobilização de esforços, ou
seja, a qual técnica de produção utilizar na produção de determinadas mercadorias. Responder a esse
questionamento significa conhecer as tecnologias disponíveis: cada mercadoria possui uma técnica de
produção diferenciada das demais. Umas necessitam de maior quantidade de matéria‑prima; outras, de
maior quantidade de máquinas e equipamentos; outras demandam grande quantidade de mão de obra
em seu processo de produção. Imaginemos, por exemplo, a diferença entre os processos de produção
de automóveis e daquele pão francês que compramos na padaria mais próxima de nossa casa. Devem
ser diferentes. São diferentes. Uma utiliza grande quantidade de robô e tecnologia, enquanto a outra é
mais intensiva na utilização de mão de obra, trabalho. Afinal, quanto usar de cada recurso disponível, de
forma a obter o máximo, evitar desperdícios e ter garantida a sustentabilidade da produção? Deve‑se
preferir usar mão de obra intensiva ou é preferível usar máquinas para aumentar a produtividade?
(BESANKO e BRAEUTIGAM, 2004).

Para quem produzir? A questão referente ao para quem produzir diz respeito às opções políticas
que, necessariamente, devem ser feitas. A quem priorizar? A qual segmento da sociedade devemos
atender? De todas as demandas feitas por uma sociedade, qual deve ser prioritária e qual deve ser
postergada? Quem precisa de mais serviços de saúde: a população dos centros urbanos ou da periferia?
Devemos construir escolas de Ensino Fundamental ou Ensino Médio? Quais são, afinal, as necessidades
mais prioritárias e a quem devemos atender primeiro? Dessa forma, o como produzir diz respeito à
alocação de esforços: não basta que homens e mulheres sejam postos a trabalhar; eles devem trabalhar
nos lugares certos a fim de produzir os bens e serviços de que a sociedade necessite. Assim, além de
assegurarem uma quantidade suficientemente grande de esforço social, as instituições econômicas da
sociedade devem garantir uma alocação viável desse esforço social. Dessa forma, a pergunta referente
ao para quem produzir diz respeito à distribuição do produto (NOGAMI e PASSOS, 2003).

Nem sempre a sociedade obtém êxito na alocação adequada de seus esforços. Ela pode produzir
carros a mais ou a menos ou dedicar suas necessidades/energias à produção de artigos de luxo,
enquanto uma grande quantidade de pessoas necessita de alimentos. Esses fracassos podem afetar o
problema da produção de modo tão sério quanto o fracasso em mobilizar uma quantidade adequada de
esforços, pois uma sociedade viável deve produzir não apenas bens, mas os bens certos. Não somente
deve produzir, mas produzir da maneira correta. Não só atender às necessidades, mas atender àquelas
21
Unidade I

mais urgentes e socialmente prioritárias. O ato de produzir, em si e por si mesmo, não responde aos
requisitos para a sobrevivência. Além disso, a sociedade deve distribuir esses bens para que o processo de
produção possa ter continuidade. Em outras palavras, se uma sociedade quiser assegurar seu constante
reaproveitamento material, deverá distribuir sua produção de modo a manter não só a capacidade, mas
também a disposição de se continuar trabalhando.

Assim, reencontramos o foco da investigação econômica dirigido ao estudo das instituições humanas
dedicadas à produção e distribuição de riqueza. É disso que se ocupa a ciência econômica. Por meio de
suas teorias, ela conjuga ideias e definições do objeto a ser investigado, estabelece as condições em que
cada uma dessas teorias se sustenta para, a partir de argumentos, dar respostas sobre o comportamento
dos objetos de investigação, ou seja, para construir hipóteses sobre o funcionamento da realidade
concreta.

Agora, estamos mais habilitados a ilustrar o campo de observação dessa ciência. Ela:

• estuda as atividades econômicas que envolvem o emprego de moeda e a troca entre indivíduos,
empresas e governo;

• observa o comportamento das empresas, que produzem de modo eficiente, reduzindo custos para
obter lucros;

• observa o comportamento do consumidor, tendo em vista os preços, a renda de que dispõem e a


oferta de bens e serviços.

Lembrete

Retomemos, então, o teor do conceito de Samuelson (1979, p. 3): a


economia, como ciência, estuda o emprego de recursos escassos entre
usos alternativos, com o fim de obter os melhores resultados, seja na
esfera da produção de bens ou na prestação de serviços.

Falta entendermos, finalmente, como essa disciplina se desenvolveu ao longo do tempo e como é
confundida com o seu próprio objeto, a economia de mercado.

1.2. O desenvolvimento da economia enquanto área do saber

Quando as ciências econômicas passam a existir como área específica do conhecimento e do


saber? É geralmente aceito pelos economistas que a economia ganha corpo e musculatura com o
advento da Revolução Industrial e com o desenvolvimento dos mecanismos de mercado de formação
de preço e alocação dos recursos de produção. Seu estatuto de ciência é estabelecido já no século XIX
e, desde então, economistas debatem incansavelmente sobre seu objeto de estudo, sua metodologia,
seu campo de atuação e seus limites, o que só demonstra a vitalidade e a energia desse corpus
científico.
22
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Os atos econômicos precedem a existência da economia como ciência. Do ponto de vista antropológico,
o ser humano vem estabelecendo relações de troca com seu grupo e com a natureza desde sempre, assim o
fazendo, em parte, para garantir as condições materiais necessárias a sua sobrevivência. Havia, em período
anterior ao século XVIII (data que marca o nascimento da economia), atividade econômica, e sobre ela foram
escritas obras e realizados estudos. Por que, então, entender que a economia investiga uma determinada
forma de organização econômica, qual seja, aquela que resulta das relações existentes no mercado?

Saiba mais

Quer ver uma obra interessante sobre a evolução da humanidade? Então


aceite nossa sugestão e assista ao filme A guerra do fogo. Dir. Jean‑Jacques
Annaud, 100 minutos, 1981.

Uma resposta possível é que apenas a partir do nascimento da economia de mercado tornou‑se
possível falar em atos econômicos com interesses e objetivos essencialmente econômicos; as relações
sociais passaram a ser explicadas em razão de um sistema econômico organizado. Antes disso, seriam as
relações sociais as variáveis explicativas das formas de produção material. Do ponto de vista histórico,
Heilbroner (1987, p. 27) afirma que

a humanidade conseguiu resolver os problemas de produção e distribuição de


três maneiras apenas. Ou seja, dentro da enorme diversidade das instituições
sociais que guiam e dão forma ao processo econômico, o economista
descortina apenas três tipos abrangentes de sistemas que, separadamente ou
em combinação, habilitam a humanidade a resolver seu desafio econômico.
Esses três grandes tipos sistêmicos podem ser designados como economias
governadas pela tradição, pelo mando e pelo mercado.

Observação

A belíssima obra do diretor francês, indicada no Saiba Mais, mostra os


diferentes estágios do desenvolvimento social da espécie humana. Embora
ele tenha tomado a liberdade de colocar todos os estágios como se tivessem
ocorrido simultaneamente, você poderá perceber o valor e a importância
de cada transformação e o quanto nossa sociedade e nosso modo de viver
foram historicamente construídos ao longo do tempo.

Antes da economia de mercado, o chefe de família provê sua prole porque isso é o que a sociedade
espera dele. As trocas se realizam não para o lucro, mas para a sobrevivência material. O governo distribui
a riqueza para os cidadãos, por que esse é o seu papel. É apenas com o advento do capitalismo que
os fatores de produção (mão de obra, terra, conhecimento técnico, capacidade empresarial e dinheiro,
entre outros) não apenas se dirigem ao mercado, mas fazem mesmo parte dele.

23
Unidade I

O que fazer, então, com os atos econômicos anteriores às sociedades capitalistas, ou que nelas
não estejam inseridos? Normalmente são transferidos, como objeto de estudo, para os antropólogos
econômicos, embora essa transição não ocorra de forma tranquila, nem para os economistas nem
tampouco para os antropólogos. Digamos então que, para fins desta disciplina, basta não confundirmos
a economia (ciência) com o próprio sistema de mercado. Não há relação de sinonímia entre as duas.
Economia é (ou tem a pretensão de ser) a ciência que investiga como fatores escassos de produção são
alocados para a produção de bens e serviços que se destinam a saciar necessidades ilimitadas. Economia
de mercado, por outro lado, é a maneira pela qual – nas sociedades capitalistas – a reprodução material
das sociedades passou a se processar, por meio de instituições orientadas exclusivamente para objetivos
econômicos, como os mercados (CERQUEIRA, 2001). Nestes, o padrão implica a existência de trocas
que produzam preços, ou seja, “trocas realizadas como resultado de barganha, de uma negociação, em
que cada parte é livre para buscar sua vantagem e não tem que se submeter, por exemplo, a preços
preestabelecidos por algum agente regulador externo” (idem, p. 400). Portanto, compreenderemos que,
na economia de mercado,

toda a organização da produção é confiada aos mercados, que compõem


um sistema autorregulado: indivíduos perseguindo apenas seu interesse
pessoal ofertam e demandam mercadorias, fazendo com que estes bens
alcancem um preço determinado. As decisões sobre o que e quanto produzir
serão tomadas com base apenas nos preços informados pelos mercados, que
sinalizam as expectativas de ganho em cada processo produtivo. Da mesma
maneira, a distribuição do produto depende apenas de preços, já que eles
formam os rendimentos de cada indivíduo: aluguel e salários são os preços
do uso da terra e da força de trabalho; o lucro é a diferença entre o preço do
produto e os preços dos insumos necessários para sua produção. Em resumo,
a reprodução material da sociedade depende de que tudo alcance um preço,
ou seja, se comporte como uma mercadoria, inclusive a terra e o trabalho
(idem, p. 402).

Em nossa opinião, a economia surge como ciência não apenas porque a estrutura econômica passa
a ser a de mercado (quer dizer, porque finalmente há o que se investigar), mas porque as condições
do pensamento científico daquele momento permitem que ela, como um saber, se organize de forma
sistemática e autônoma, e porque, àquele momento (e, de forma hegemônica, até os dias de hoje),
o que há para se investigar são justamente as relações que se estabelecem no mercado. Quer dizer
que, embora isso acrescente dificuldade à investigação econômica, há que se considerar, porém, que
o sistema de mercado foi historicamente construído, não sendo “uma entidade acima do tempo e do
espaço” (SILVEIRA, 2007, p. 8). Da mesma forma, os pressupostos comportamentais de racionalidade
econômica (autointeresse e propensão para o lucro) não são “naturais”, mas socialmente construídos.

Finalmente, há economia sem mercado? Os economistas não são unânimes na resposta a essa
pergunta, mas, a despeito de ser extremamente interessante, esse debate extrapola os limites da nossa
disciplina. Assim, assumiremos que, segundo os parâmetros científicos da modernidade, a economia
nasceu à época de Adam Smith, no século XVIII, sendo Riqueza das nações um texto fundador (e sobre
o qual falaremos mais adiante), obra que marca “uma mudança na natureza da reflexão sobre os temas
24
ECONOMIA E NEGÓCIOS

econômicos, não tanto pela criação de novos conceitos, mas pelo estabelecimento de um novo arranjo
dos conceitos, de um novo ponto de vista” (CERQUEIRA, 2001, p. 397).

Fazemos aqui um aparte para citar um dado revelador sobre o crescimento econômico no país mais
populoso do mundo, a China – nação que, segundo previsão da Comissão Nacional de População e
Planejamento Familiar, principal agência demográfica chinesa, antes do final de 2015 estará com 1,390
bilhão de habitantes.

Pois bem, segundo a revista Veja (edição de 16 de agosto de 2010), “a China superou o Japão como a
segunda maior economia do mundo no segundo trimestre desse ano – e tudo indica que os chineses vão
se firmar no posto até o fim de 2010. Nos oito primeiros anos do século XXI, o crescimento econômico
chinês atropelou o japonês. Segundo dados do Banco Mundial, a China cresceu 261% no período,
enquanto o Japão, apenas 5%”.

Saiba mais

Se você quiser se aprofundar no assunto, sugerimos a leitura da


revista eletrônica ComCiência, nº 99, ano 2008. Nessa edição, a publicação
discute com bastante propriedade as questões relativas à sustentabilidade
e ao consumo. Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/
?section=8&edicao=36>. Acesso em: 23 mar. 2011.

Você sabia que qualquer cidadão pode acompanhar o orçamento da


União? Se você quiser conhecer como a União planeja e executa as políticas
públicas e como os recursos financeiros que detém são distribuídos, consulte
o site do Senado Federal: <http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/
orcamento_senado>. Acesso em: 23 mar. 2011.

Para refletir

Vamos pensar um pouco mais?

Veja as seguintes situações e reflita conforme o sugerido.

Situação – Proposta a redução do ISS para transporte coletivo1.

Tramita na Câmara o Projeto de Lei Complementar (PLP) 24/7, que prevê a redução da alíquota
máxima do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) incidente sobre serviços de transporte
coletivo de passageiros.
1
Disponível em: <http://www.direito2.com.br/acam/2007/jul/25/proposta-a-reducao-do-iss-para-transporte-
coletivo>. Acesso em: 1º nov. 2010.
25
Unidade I

Pela proposta, apresentada pelo deputado Sérgio Brito (PDT‑BA), a alíquota será reduzida de 5% para
2% sobre o serviço referente ao transporte público municipal.

O autor lembra que a alta tributação contribui para a elevação do preço das passagens. “O valor das
tarifas de transporte urbano no Brasil impede o acesso de muitos brasileiros ao serviço”, disse.

De acordo com estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos e do Ministério das Cidades,
cerca de 35% da população se desloca a pé, muitas vezes por não ter condições para pagar o transporte.
Além disso, acrescenta o parlamentar, outro estudo mostra que as famílias com renda de até cinco
salários mínimos chegam a comprometer até 22% de seus ganhos com transporte coletivo.

Proposta: como essa situação pode ser discutida em termos dos três problemas econômicos
fundamentais (o que produzir, como produzir, para quem produzir)?

Situação – Lixo reciclável recuperado no país ainda é pouco, diz secretário2.

Enquanto cada brasileiro produz, em média, 920 gramas de lixo sólido por dia, a quantidade de lixo
reciclável que é recuperada, seja na coleta seletiva seja por catadores, chega apenas a 2,8 kg por ano,
por habitante.

“É um volume baixo em relação ao que é produzido, porque, na verdade, a coleta seletiva atinge
um percentual só do volume produzido”, afirmou em entrevista o secretário nacional de Saneamento
Ambiental, Leodegar Tiscoski.

Apesar do baixo índice de coleta seletiva, o secretário disse que a quantidade de lixo produzido
pode ser considerada boa. “Só que nos países desenvolvidos, esses volumes tendem a diminuir,
uma vez que já existe uma política de redução da produção de lixo, (...) porque há uma redução
na produção e há uma seleção prévia desse lixo, do que não vai para o aterro, mas para a
reciclagem.”

Proposta: como essa situação pode ser discutida em termos dos três problemas econômicos
fundamentais (o que produzir, como produzir, para quem produzir)?

2 FOI SEMPRE ASSIM?

No mundo em que vivemos, estamos acostumados a ter à nossa disposição vários produtos e serviços
que atendem às nossas necessidades cada vez mais diversas. Faz parte do nosso cotidiano, portanto, a
existência de várias alternativas e, mais importante, de várias alternativas para cada uma das espécies
de produto ou serviço que consumimos. Temos escolhas, em suma. Ainda, entendemos essa situação
como absolutamente normal, e de tal forma que nem sequer nos questionamos a respeito de como as
empresas fazem para produzir, distribuir e vender tanta variedade.

2
Disponível em: <http://www.empreendedor.com.br/content/quantidade-de-lixo-recicl%C3%A1vel-recuperado-
no-brasil-ainda-%C3%A9-pequena-diz-secret%C3%A1rio>. Acesso em: 1º nov. 2010.
26
ECONOMIA E NEGÓCIOS

2.1 Nos dias de hoje

As empresas usam o termo SKU para designar a unidade de manutenção de estoque, quer dizer, para
identificar cada um dos diferentes itens do estoque que, do ponto de vista da logística, fica associado a
um código de identificação. Só para que você tenha uma ideia: em artigo publicado em 6 de agosto de
2010, um site3 dedicado aos negócios de hipermercados afirmou que

a proliferação de itens em alguns mercados já apresenta desafios tanto para


os supermercados quanto para a indústria, principalmente as que atuam em
muitos segmentos. Um exemplo é a Unilever, que, globalmente, tomou a
decisão de reduzir seu portfólio de marcas e versões. (...) Em 2008, a empresa
tinha mil SKUs. Atualmente tem 850.

É impressionante como a sociedade é capaz de produzir e consumir tantos bens! Mas, afinal, o que
são bens? E o que são serviços?

2.1.1 Os bens

De uma forma bastante simplificada, dizemos que os bens representam algo material, enquanto
os serviços representam o intangível. Os bens são divididos entre livres e econômicos. Por bens livres,
entendemos aqueles que são consumidos sem requerer qualquer contraprestação como pagamento
por sua utilização. Vamos exemplificar: o ar que respiramos, o sol que nos aquece, a chuva que
irriga nossas plantações, o vento que movimenta as nuvens. Enfim, há uma infinidade de bens que
são livres e que, de alguma forma, nos auxiliam na produção de determinadas mercadorias, bem
como na manutenção da vida das pessoas. Com esses bens não nos preocuparemos, justamente
pelo motivo de não requererem a contraprestação por seu pagamento. Outro motivo para não nos
preocuparmos diz respeito ao fato de que existem poucos bens ainda possíveis de serem considerados
livres. Como afirma Schwarz (2009, p. 43), “a globalidade dos recursos naturais já há muito deixou de
ser formada por bens livres ou gratuitos, dado terem vindo a assumir, ao longo do tempo, o estatuto
de mercadorias”4.

Já os bens econômicos serão alvo de especial atenção, pois requerem contraprestação de pagamento
por sua utilização e são divididos nas seguintes categorias: de consumo, intermediários e de capital.

Os bens de consumo podem ser classificados como duráveis e não duráveis. Um aparelho televisor, por
exemplo, é categorizado como bem de consumo durável, assim como um automóvel ou um computador.
Serão considerados bens de consumo não durável aqueles que se destroem enquanto são utilizados, ou
seja, quando o consumo leva à sua destruição: é o caso de alimentos, roupas, calçados, canetas etc.
Os bens de consumo duráveis ou não duráveis atendem diretamente as necessidades de consumo da
sociedade, pois já estão prontos para isso.

3
Disponível em: <http://www.elojas.com.pt/artigos/o-que-e-o-sku-de-um-produto>. Acesso em: 1º nov. 2010.
4
Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/egg/v14n3/v14n3a04.pdf>. Acesso em: 1º nov. 2010.

27
Unidade I

Os bens intermediários, por sua vez, serão transformados em bens de consumo por meio
do processo de produção. São exemplos as matérias‑primas utilizadas nas mais diferentes
produções de mercadorias. Para fazer um pão francês, torna‑se necessária a utilização de
meios de produção, de matérias‑primas e de bens intermediários. Por exemplo a farinha que,
juntamente com outros ingredientes e bens intermediários, será transformada em pão. Dessa
forma, os bens intermediários são utilizados para satisfazer indiretamente as necessidades
de consumo da sociedade, pois passarão por um processo de transformação até chegarem à
categoria de bens de consumo, duráveis ou não duráveis.

Finalmente, temos os bens de capital. São máquinas e equipamentos utilizados para produzir outros
bens e que também atendem indiretamente às necessidades da sociedade.

Lembrete

Não se esqueça: toda vez que empregarmos a palavra bens estaremos


nos referindo a bens e serviços.

Conforme afirmamos anteriormente, a ciência econômica, por se preocupar com a escassez


de recursos diante das necessidades ilimitadas, também é uma ciência voltada aos problemas
de escolha, ou seja, procura explicar que tipos de mercadoria devem ser produzidos, portanto
escolhidos, em atendimento às necessidades da sociedade. Não é por outro motivo que foi
enunciado o problema econômico fundamental: o que e quanto produzir? Como produzir? Para
quem produzir?

Agora, como decidir qual quantidade de aviões ou de sapatos deve ser produzida? Só de
aviões e de sapatos vive uma sociedade? Sabemos que não. Então, como isso é resolvido? A
resolução desse problema passa pela organização da atividade econômica. Antes de explicarmos
como a atividade econômica é organizada, vamos investigar as relações entre a produção de
mercadorias e o seu consumo.

2.1.2 O fluxo circular da renda e do produto

Afirmamos, em passagens anteriores, que as empresas produzem mercadorias com o objetivo de


vendê‑las e de, a partir da venda desses produtos, tirar algum proveito de lucro. Para que as empresas
consigam vender os artigos produzidos, é necessária a existência de consumidores capazes de
comprá‑los; isso somente será possível se eles tiverem recursos suficientes, aos quais já denominamos
como renda.

Vejamos então na figura 3 o modelo esquemático do fluxo circular da renda que representa o
funcionamento de uma economia de mercado.

28
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Modelo do fluxo circular da renda e do produto


Gastos ($) (=PIB) Receitas ($) (=PIB)
Mercado de produtos

Bens e serviços Bens e serviços


comprados vendidos

Fluxo de bens e serviços


Famílias Empresas
Fluxo de dinheiro

Terra, capital, trabalho Insumos para


e empreendedorismo a produção
Mercado de fatores
de produção
Renda ($) (=PIB) Salários, aluguéis,
juros e lucros ($) (PIB)

Figura 3 – Fluxo circular de renda

Esse fluxo circular de renda, ainda que de maneira bastante simplificada, representa o
funcionamento de uma economia de mercado. Para Hubbard e O’Brien (2009, p. 106), esse
modelo:

(...) deixa de fora o importante papel do governo na compra de bens das


empresas e na realização de pagamentos, como os de seguridade social ou
seguro‑desemprego, para as famílias. A figura também deixa de fora o papel
exercido pelos bancos, pelos mercados de ações e de títulos de dívida e por
outras partes do sistema financeiro, que é o de ajudar o fluxo de fundos dos
credores para os mutuários. A figura também não mostra que alguns bens
e serviços comprados são produzidos em países estrangeiros e que alguns
bens e serviços produzidos por empresas domésticas são vendidos para
famílias estrangeiras.

Outra questão de vital importância: o modelo pressupõe uma economia entre dois setores, ou seja,
considerando somente o relacionamento de empresas e famílias. Essa é uma simplificação que deve ser
levada em consideração, já que, conforme afirma Schwarz (2009, p. 41):

A economia deve ser vista como um sistema aberto, embutido na sociedade


e no ambiente natural, que depende, para seu funcionamento e evolução,
da existência não só de um quadro organizacional, como de fluxos
permanentes de materiais, de energia e de informação: matérias‑primas,
combustíveis fósseis, água, ar etc. que são por ela capturados, depois
29
Unidade I

transformados em bens e serviços aptos a satisfazerem as necessidades


humanas e, por fim, devolvidos à origem na forma de resíduos sólidos,
líquidos e gasosos.

Estudemos, portanto, nosso modelo simplificado. As empresas destinam bens e serviços às famílias.
Dessa forma, as empresas são representadas por todos os produtores ou vendedores de mercadorias, e
as famílias representam os consumidores de mercadorias.

Como consomem os bens e serviços que são destinados pelas empresas, as famílias também destinam
algo a estas últimas. Nesse caso, elas geram as receitas das empresas. As receitas representam as formas
de pagamento dos bens e serviços que são efetuados pelas famílias.

Para que as empresas produzam bens e serviços que serão destinados às famílias, necessitam empregar
fatores de produção. Elas precisam, então, adquirir terra, trabalho, capital, tecnologia e capacidade
empresarial, recursos esses que são providos pelas famílias. Estas destinam fatores de produção às
empresas, e como estas precisam remunerar a utilização desses fatores de produção, também há a
contrapartida: as empresas fazem a remuneração dos fatores de produção que foram destinados às
famílias. O total dessa remuneração é denominado renda.

Ordenando então esses movimentos temos:

Empresas destinam bens e serviços para o consumo das famílias → Famílias geram receitas para as
empresas, provenientes do consumo de bens e serviços → Famílias destinam fatores de produção às
empresas → Empresas geram renda para as famílias, provenientes da utilização de fatores de produção.

Observação

Se você conseguir entender o funcionamento do fluxo circular da renda,


saberá como funciona, de forma genérica, a economia de qualquer país.

Voltemos ao fluxo circular da renda anteriormente apresentado: na linha interna dele há o destino
de bens e serviços das empresas para as famílias, ao mesmo tempo em que existe também o destino
de fatores de produção das famílias para as empresas. A essa linha interna chamaremos fluxo real ou
fluxo de bens e serviços, conforme ali indicado. Na linha externa há a geração de receitas, por parte das
famílias, para as empresas, ao mesmo tempo em que há a geração, por parte das empresas, de rendas
para as famílias. Esses movimentos são chamados de fluxo monetário ou, simplificadamente, fluxo de
dinheiro.

Percebemos, então, que o fluxo monetário complementa o fluxo real, sendo válido também o contrário.
Nesse fluxo circular da renda apresentamos o relacionamento monetário e real entre empresas e famílias,
considerando as empresas como produtoras e/ou vendedoras e as famílias como consumidoras. Mas
temos que pensar também de outra forma.

30
ECONOMIA E NEGÓCIOS

As empresas, para produzirem suas mercadorias, necessitam, muitas vezes, adquirir bens
intermediários ou de capital de outras empresas. Portanto, as empresas, além de serem vendedoras,
também são compradoras, empreendendo então um relacionamento entre os fluxos monetários e reais
entre as próprias empresas. Para as famílias vale outro raciocínio, pois elas também destinam fatores
de produção a outras famílias, empreendendo relação tanto monetária quanto real entre si. No fluxo
circular da renda, portanto, temos relacionamento empresa‑família, empresa‑empresa, família‑empresa
e família‑família.

No relacionamento empresa‑família, as empresas utilizam os fatores de produção das famílias


e as remuneram por isso. No relacionamento família‑empresa, as famílias utilizam os bens e
os serviços que são produzidos pelas empresas e as remuneram por isso. No relacionamento
empresa‑empresa, as empresas adquirem bens e serviços de outras empresas, gerando receitas
de umas para as outras. Por fim, no relacionamento família‑família, elas adquirem e destinam
seus fatores de produção de umas para as outras, ensejando então fluxos real e monetário entre
esses agentes econômicos. Passemos, então, a analisar as formas de organização da sociedade
econômica, ou, então, a forma em que as sociedades se organizam para poder cumprir o fluxo
circular da renda.

2.1.3 A organização da atividade econômica

Estabeleceremos aqui duas formas de organização da atividade econômica: uma descentralizada,


predominante nas economias ocidentais, e uma centralizada, personificada no caso cubano (um dos
últimos exemplos de economias centralizadas que temos à disposição).

A forma descentralizada, também chamada de economia de mercado, reúne três elementos


principais: livre iniciativa, presença do Estado e elementos de uma economia capitalista. Vamos examinar
detidamente cada um desses elementos.

No caso da livre iniciativa, nenhum agente econômico – empresas como produtoras ou vendedoras
de mercadorias ou famílias como fornecedoras de fatores de produção e consumidores de mercadorias
– se preocupa em desempenhar o papel de gerenciar o bom funcionamento do sistema de preços.
Ocupam‑se, isso sim, em resolver, isoladamente, seus próprios negócios e sobreviver apenas no ambiente
concorrencial imposto pelos mercados, tanto na venda e compra de produtos finais como na dos fatores
de produção.

É um jogo econômico, baseado em sinais dados por preços formados nos diversos mercados.
Trata‑se, no fundo, de um agir egoísta que, no conjunto, resolve inconscientemente os problemas
básicos da coletividade. Há uma espécie de mão invisível agindo sobre os mercados, operando como um
coordenador das atividades econômicas e sociais.

A ação conjunta dos indivíduos e das empresas permite que centenas de milhares de mercadorias
sejam produzidas como um fluxo constante, mais ou menos voluntariamente, sem uma direção central.
A livre iniciativa ajuda a responder ao problema econômico fundamental: o que e quanto produzir?
Como produzir? Para quem produzir?
31
Unidade I

O que e quanto produzir é decidido pela procura dos consumidores no mercado, ou seja, são
os consumidores quem dão sinais de mercado às empresas do que elas precisam produzir. Assim, o
agente principal nesse processo é o consumidor, pois sua atuação determinará quais produtos serão
produzidos.

Já a questão de como produzir é determinada pela concorrência entre os produtores e pelo emprego
do método de fabricação mais eficiente ou mais barato, e o produtor mais eficiente derrotará o produtor
mais ineficiente.

Por fim, a questão para quem produzir será respondida pela oferta e demanda no mercado de fatores
de produção, ou seja, pelo montante de renda individual.

Voltemos ao fluxo circular da renda anteriormente apresentado. A livre iniciativa opera conforme
demonstrado pelo fluxo, ou seja, as famílias dão sinais de mercado às empresas do que elas necessitam
consumir e, portanto, sinalizam o que elas devem produzir. Para tanto, as empresas também dão sinais
de mercado de que é necessário empregar fatores de produção (terra, trabalho, capital, tecnologia e
capacidade empresarial) e em quais quantidades.

Dos sinais de mercado, do que produzir e do quanto empregar de fatores de produção, temos a
determinação dos preços das mercadorias e dos fatores de produção. Portanto, a livre iniciativa também
pode ser chamada de sistema de preços, ou seja, o fluxo circular da renda (ou o sistema de preços)
coordena as decisões de milhões de unidades econômicas.

Então, além de o fluxo circular da renda demonstrar os fluxos monetário e real, também
evidencia a existência de um mercado de bens e de fatores. Sempre que as empresas destinam bens
e serviços às famílias, estamos trabalhando com um mercado de bens, em que serão estabelecidos
os preços das mercadorias transacionadas, bem como suas quantidades. E sempre que as famílias
destinam fatores de produção às empresas, estamos trabalhando com um mercado de fatores de
produção, no qual são estabelecidos os preços de tais fatores, bem como as quantidades utilizadas
pelas empresas.

O sistema de preços determina preços e quantidade de equilíbrio, pois os consumidores


estabelecem os preços máximos que desejam pagar pelo consumo das mercadorias, ao passo que
os produtores estabelecem os preços mínimos que desejam remunerar pela utilização dos fatores
de produção.

Qual o papel do Estado nesse modelo? No que diz respeito à presença, dadas as imperfeições
apresentadas pelo sistema de preços da livre iniciativa, ele surge para regulamentar essas atividades.

Com relação aos elementos de uma economia capitalista, esse sistema caracteriza‑se por
uma organização econômica baseada na propriedade privada dos meios de produção, isto é,
dos bens de produção ou de capital. Reunir elementos de uma economia capitalista significa
aglutinar os elementos que compõem o capitalismo, sistema de capital que se valoriza, que são
os seguintes:
32
ECONOMIA E NEGÓCIOS

• capital;

• propriedade privada dos meios de produção, dada a existência do capitalista;

• divisão do trabalho por meio da especialização do trabalho e da mecanização da produção;

• existência da moeda.

Revisando o que foi apresentado anteriormente, podemos dizer que vivemos numa sociedade baseada
nas trocas, as quais se dão por meio do mercado. Nessa sociedade, o agente busca individualmente
solucionar o seu problema econômico por meio das trocas. Para isso, ele racionalmente dá em troca à
sociedade – no mercado – o que detém, recebendo em troca – também no mercado – o que necessita e
não detém. Ou seja, nessa sociedade, para Smith (1983, p. 50):

não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que


esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio
interesse. Dirigimo‑nos não a sua humanidade, mas a sua autoestima, e
nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens
que advirão para eles.

Portanto, nessa sociedade, de forma anárquica – afinal, cada agente cuida de si –, emerge
o bem‑estar coletivo. Uma vez que cada um cuida de si, vemos que a competição é um fator
inerente e determinante numa economia de mercado: todos os agentes se movimentam pelo
interesse próprio, fazendo escolhas racionais no intuito de obter mais poder de mercado que
os demais agentes e, com isso, minimizar as suas restrições na busca da maximização do seu
benefício individual.

Quanto à segunda forma de organização da atividade econômica, ou seja, a forma centralizada,


quem responde ao problema econômico fundamental é um órgão planejador central. Apenas para
dar um exemplo: desde a revolução que destituiu Batista e levou Fidel Castro ao poder cubano,
é o governo quem decide o que cada um deve produzir e o que cada agente deve consumir. O
princípio que norteia essas decisões é o socialista, que prevê que cada um deve contribuir/consumir
de acordo com sua capacidade e seu trabalho. Do ponto de vista prático, as vendas são realizadas
através de libretas, criadas em 1962, as quais representam o conjunto de mercadorias que podem
ser consumidas por pessoa. A esse respeito, comenta Piñeda (apud CARCANHOLO e NAKATANI,
2001, p. 142)5 que

a quantidade e os tipos de produtos foram os seguintes: em todo o


território nacional, 2 libras de gordura comestível, óleo ou banha de
porco, ao mês; 6 libras de arroz por pessoa ao mês; 13,5 libras de feijão
de qualquer tipo, de grão‑de‑bico, de ervilhas ou de lentilhas, por pessoa,
nos nove meses seguintes. Na cidade de Havana, (...) uma barra de sabão

5
Disponível em: <http://www.ejournal.unam.mx/pde/pde128/PDE12807.pdf>. Acesso em: 1º nov. 2010.

33
Unidade I

por pessoa ao mês; um pacote médio de detergente por pessoa ao mês;


um sabonete por pessoa ao mês; um tubo grande de creme dental para
cada duas pessoas ao mês. Na cidade de Havana, três quartos de libra
de carne de gado por pessoa por semana; 2 libras de frango por pessoa
ao mês; meia libra de peixe de escama, limpo e em posta, por pessoa ao
mês; cinco ovos por pessoa ao mês; um litro de leite diário para cada
criança de menos de sete anos e um litro diário para cada 5 pessoas
maiores de 7 anos.

A pergunta a ser respondida agora é: qual o tipo de sistema da maior parte das economias nos dias
de hoje? Dizemos que elas são mistas e que combinam características das economias de mercado e das
centralizadas. Para Hubbard e O’Brien (2009, p. 66),”uma economia mista ainda é, primordialmente, uma
economia de mercado, com a maioria das decisões econômicas sendo resultantes da interação entre
compradores e vendedores em mercados, mas em uma economia mista, o governo desempenha um
papel significativo na alocação dos recursos”.

Lembrete

Na economia brasileira de nosso tempo prevalece a economia mista, ou


economia de mercado, como organizadora das atividades econômicas.

2.2 Há muito tempo

Supermercados, bens de capital e de consumo, economias centralizadas e de mercado. Esse é o


cenário que vemos nos dias de hoje, mas, é claro, nem sempre foi assim. Como chegamos à sociedade
de mercado ou à economia de mercado? Se realizarmos uma viagem no tempo e nos percebermos em
plena Idade Média (aproximadamente do século V ao XV), veremos outro mundo: reis, senhores feudais,
cavaleiros, servos e clérigos.

Assim estava organizada a sociedade durante o feudalismo, uma estrutura que iria sofrer abalos
contínuos até se degradar totalmente, num processo que levaria alguns séculos para se completar.
Do período áureo do feudalismo, a imagem mais lembrada é a do feudo, grande propriedade
trabalhada por camponeses que aram não apenas a terra arrendada, mas também a do senhor.
Nesse sistema, o castelo ocupa um lugar de destaque: é nele que mora o senhor e sua família.
O feudo, unidade autossuficiente, é o espaço em que ocorrem as relações de vassalagem entre o
servo e o seu senhor.

No sistema feudal, o servo não é um escravo: não pode ser vendido ou ter sua família
desmembrada; ele faz parte da propriedade e só se transfere se a terra for vendida. O servo muda
de senhor, mas não de terra, portanto, não pode ser expulso nem dela escapar. A esse respeito, nos
diz Huberman (1986, p. 10):

34
ECONOMIA E NEGÓCIOS

O senhor do feudo, como o servo, não possuía a terra, mas era, ele
próprio, arrendatário de outro senhor, mais acima na escala. O servo,
aldeão ou cidadão “arrendava” sua terra do senhor do feudo que, por
sua vez, “arrendava” a terra de um conde, que já a “arrendara” de um
duque que, por seu lado, a “arrendara” do rei. E, às vezes, ia ainda mais
além, e um rei “arrendava” a terra a outro rei! A relação de vassalagem,
inclusive, é transferida hereditariamente, de pai para filho: o filho será
servo daquele a quem seu pai e seu avô serviram, isto é, de quem também
foram servos.

O feudo tem suas próprias regras e leis, que devem ser rigorosamente obedecidas. O senhor feudal
é quem decide sobre casamentos, litígios e conflitos. Em algumas regiões da Europa, o senhor feudal
tem o direito “da primeira noite”, ou seja, desvirginar a noiva que more em sua propriedade, ou que será
esposa de alguém que more nas suas terras. Longe de ser mero capricho, esse direito consagra o seu
papel de senhor absoluto e também a continuidade da vassalagem por meio da suspeita em relação à
paternidade dos filhos do servo.

Saiba mais

Sugerimos, sobre o assunto, o filme Coração valente. Dir. Mel Gibson,


177 minutos, 1995. O enredo, apesar de algumas imprecisões históricas,
retrata bem a relação de vassalagem. Relata, ainda, as lutas e os conflitos
na Escócia do século XIII.

O dinheiro, quando existente, é acumulado de forma improdutiva. Todo o necessário para a


sobrevivência pode ser produzido dentro do próprio feudo. O comércio é incipiente e ocorre à base de
escambo: trocam‑se mercadorias, sem que o dinheiro necessariamente seja utilizado como meio de
pagamento ou padrão de referência. Existem, inclusive, várias moedas, cada uma delas vigente numa
determinada região e sem referência cambial com outras moedas.

Observação

Repare que o feudalismo também é conhecido como uma forma de


organização da atividade econômica.

A pergunta que ocorre naturalmente é: como, dessa organização econômica, poderia surgir
posteriormente algo como o sistema de mercado? Foram vários os fatores que, com o tempo,
criaram rachaduras e fissuras irreversíveis no sistema feudal. Um deles foi as Cruzadas, expedições
cristãs armadas em direção ao Oriente cujo objetivo era a reconquista da Terra Santa. Os cruzados
precisavam de provisões e, ao longo do seu percurso, foram organizados entrepostos comerciais
e feiras. Aliás, aos poucos, as Cruzadas deixavam de ter apenas um significado religioso para se

35
Unidade I

transformarem em verdadeiras expedições de saque e exploração das cidades comerciais orientais.


Ao longo dos séculos, cada vez mais esse comércio iria resultar no estabelecimento de grandes
feiras e, em torno delas, cidades surgiriam. Nesse sentido, acrescenta Huberman (idem, p. 32):

É importante observar a diferença entre os mercados locais semanais dos


primeiros tempos da Idade Média e essas grandes feiras dos séculos XII ao
XV. Os mercados eram pequenos, negociando os produtos locais, em sua
maioria, agrícolas. As feiras, ao contrário, eram imensas e negociavam
mercadorias por atacado, que provinham de todos os pontos do mundo
conhecido. A feira era o centro distribuidor onde os grandes mercadores,
que se diferenciavam dos pequenos revendedores errantes e artesãos locais,
compravam e vendiam as mercadorias estrangeiras procedentes do Oriente
e Ocidente, Norte e Sul.

Os senhores feudais, donos das terras onde se realizavam as feiras, recebiam comissões
pelos negócios lá efetuados: as atividades comerciais eram bem‑vindas, porque traziam lucro e
prosperidade. O crescimento dessas atividades também faria surgir a figura dos trocadores de
dinheiro, responsáveis pela troca e pelo câmbio entre as várias unidades monetárias. Aos poucos,
a economia sem mercado transformava‑se em economia de vários mercados, já se distanciando
do sistema autossuficiente dos feudos. Devagar, cindia‑se a estrutura feudal de imobilidade
social: surgiam comerciantes e “banqueiros”, crescia a população urbana, livre das amarras da
vassalagem e da relação visceral com a terra. Essa população exerceria pressão por leis menos
arbitrárias do que as do senhor feudal, porque precisava de liberdade para se mover, comerciar,
vender e comprar. Da mesma forma, o camponês se distanciava do senhor feudal, já que seu
excedente agora podia ser negociado e transformado em dinheiro. O senhor feudal, que não
compreendia essa nova realidade, era forçado a conviver com a revolta de trabalhadores nas
suas terras. A riqueza agora não significava a propriedade possuída, mas o dinheiro amealhado.
Aliás, a percepção de que a terra seria também mercadoria passível de ser vendida daria o golpe
de morte no sistema feudal.

Os mercadores se reúnem em corporações, titulares de direitos monopolistas que tratarão de


normatizar as atividades, comerciais (nas feiras) ou profissionais, e às suas leis os membros estarão
sujeitos, sob pena de expulsão. Os artesãos e outros profissionais também se organizarão em
corporações, chamadas de guildas. Estas funcionam como centros nos quais o aprendiz é treinado
no ofício, segundo as normas e tradições da categoria. Esse treinamento, que chega a durar mais
de uma década, assegura‑lhe o conhecimento das artes secretas do seu ofício, além do direito de
exercer sua profissão e ter proteção em caso de necessidade. Os meios de produção (ferramentas e
utensílios necessários para a fabricação das mercadorias) pertencem aos artesãos, que não apenas
produzem, mas também comercializam o fruto do seu trabalho. O espírito é de fraternidade, e não
de concorrência: se um membro resolvesse introduzir alguma inovação, todos deveriam ter acesso
a essa mudança. “Patentes” ou “diferenciais produtivos” são tidos como práticas desleais e passíveis
de punição. Em guildas, reúnem‑se padeiros, pintores, curtidores de couro, ferreiros, açougueiros,
fruteiros, cirurgiões, jornaleiros, entalhadores, costureiros, sapateiros, e, ainda de acordo com
Huberman (idem, p. 68):
36
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Supervisores das corporações faziam viagens regulares de inspeção,


nas quais examinavam os pesos e as medidas usados pelos membros, os
tipos de matérias‑primas e o caráter do produto acabado. Todo artigo
era cuidadosamente inspecionado e selado. Essa fiscalização rigorosa era
considerada necessária para que a honra da corporação não fosse manchada,
prejudicando com isso os negócios de todos os seus membros. As autoridades
municipais, por sua vez, a exigiam como proteção ao público. Para maior
proteção desse público, algumas corporações marcavam seus produtos com
o “justo preço”.

As guildas acabariam por se desintegrar ao longo do tempo, e o justo preço seria substituído pelo
preço de mercado, mas, àquele momento, a existência das corporações era o que permitia o exercício da
atividade artesanal, a sobrevivência dos artesãos nos centros urbanos e a regulação de uma atividade
que se distanciava, pouco a pouco, das tradições e dos costumes feudais.

Outro fator de fundamental peso no processo de deterioração do sistema feudal foi o surgimento
das nações. Se o senhor feudal já não dava conta de proteger a população (seu poder havia diminuído
com a perda de terras, servos e com os gastos de expedições ao Oriente), era necessário que alguém
tomasse para si a tarefa de funcionar como poder central. Quem o fará será o rei, aliado das cidades
na luta contra os senhores feudais. Será ele quem arregimentará um exército profissional e tratará
de armá‑lo e treiná‑lo. Impostos são instituídos e passam a ser recolhidos, e esse montante servirá
ao rei para o exercício do seu poder, mesmo que a partir de determinado momento esse seja um
poder subtraído das próprias cidades e dos comerciantes. Com isso, de acordo com Huberman
(idem, p. 86):

Os camponeses que desejavam cultivar seus campos, os artesãos que


pretendiam praticar seu ofício e os mercadores que ambicionavam
realizar seu comércio – pacificamente – saudaram essa formação de um
governo central forte, bastante poderoso para substituir os numerosos
regulamentos locais por um regulamento único, de transformar a desunião
em unidade.

O rei serve de símbolo para a unidade nacional, e as nações passam a lutar por seus territórios e
pela formação de sua identidade: língua, moeda e legislação nacionais, conquistas estas que passam
a ser guiadas e conduzidas pela unidade central de poder. Será o rei também o responsável pelo
empreendimento ultramarino, de descoberta, povoamento e exploração do Novo Mundo, que fornecerá
a matéria‑prima, depois, para as indústrias nascentes, e que consumirá as mercadorias produzidas nas
metrópoles.

Falta agora uma nova ética, um conjunto de valores morais que possam nortear e conduzir
os agentes em direção ao trabalho, à acumulação do capital, ao lucro. É o que discutiremos a
seguir.

37
Unidade I

Saiba mais

Rembrandt, pintor holandês do século XVII, retratou alguns membros


dessas corporações.

Na tela A ronda noturna, ele mostra a corporação dos oficiais bacamartes.


Disponível em: <http://www.uncp.edu/home/rwb/rembrandt_nightwatch>.
Acesso em: 29 dez. 2010.

Na obra Lição de anatomia do prof. Tulp, a corporação dos


cirurgiões. Disponível em: <http://www.biol.unlp.edu.ar/images/
anatomia/anatomia‑rembrandt.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2010.

No quadro Os membros da guilda dos alfaiates, como sugere o


título, vemos os alfaiates reunidos em seu sindicato. Disponível em:
<http://www.abcgallery.com/R/rembrandt/rembrandt121.html>.
Acesso em: 29 dez. 2010.

O próprio Rembrandt foi membro de uma guilda, a dos pintores.

Para refletir

Veja as seguintes situações abaixo e reflita, conforme o sugerido.

Situação – Tradição da agricultura familiar se mantém em Nova Friburgo6.

Gilmar Cardinot e o irmão, Gilberto, formam a quinta geração dos Cardinot em Nova Friburgo. Quando
o primeiro membro da família chegou da Suíça, no século XIX, trouxe com ele uma tradição: o amor
pelo campo. O trabalho na lavoura é uma herança que vem da Europa. Tudo é feito em parceria entre os
irmãos, que também recebem a ajuda de um primo. Para eles, a união no trabalho é sinal de prosperidade.
O terreno de 14 hectares fica na localidade que leva o nome da família suíça, Cardinot, na zona rural
de Nova Friburgo. Em torno de 10 produtos são cultivados no local, principalmente hortaliças. Nesse
período, chegam a colher mais de 900 pés de brócolis por dia. E com tanto trabalho, a ajuda da família
é essencial para contornar um problema: a dificuldade de encontrar mão de obra.

A agricultura familiar é tradição em Nova Friburgo. A maioria das propriedades é de pequeno e médio
porte. E corresponde a 90% das lavouras do município, segundo a Secretaria de Agricultura. Uma tendência
nacional, já que 60% dos alimentos que consumimos são produzidos por agricultores familiares.

Proposta: é possível afirmar que o sistema de tradição desaparecerá, um dia, por completo?

Disponível em: <http://intertvonline.globo.com/rj/noticias.php?id=9644>. Acesso em: 1º nov. 2010.


6

38
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Situação – O que Cuba tem a ensinar7.

O governo cubano anunciou a demissão de 500 mil servidores públicos, o equivalente a 10% da
força de trabalho total da ilha. Ao mesmo tempo, serão reduzidas as restrições à iniciativa privada,
justamente para absorver toda essa turma de barnabés. Segundo Havana, o objetivo da medida
é tornar a economia mais eficiente – uma semana depois de Fidel Castro ter declarado que o
modelo cubano “não funciona mais nem para Cuba”.

Enquanto isso, a Venezuela de Hugo Chávez, discípulo mais fiel de Fidel, continua estatizando
avidamente o país. E o Brasil de Lula e Dilma aposta cada vez mais no Estado como agente
econômico. Como a revolucionária Cuba está mostrando, e a Venezuela chavista já sabe bem,
esse modelo tem fôlego curto, porque os recursos que deveriam ser investidos em infraestrutura
são drenados para custear a gigantesca máquina pública. Sem esses investimentos, não é possível
sustentar o crescimento econômico no longo prazo.

Proposta: é possível afirmar que o sistema de mercado prevalecerá sobre outros modos de
organização da atividade econômica?

3 A ÉTICA DO CAPITAL

3.1 O empreendedorismo

Um dos empresários mais icônicos do século XX, Bill Gates iniciou sua carreira praticamente
na garagem de casa. Com um perfil que hoje chamamos de nerd (geniozinho), ele e seu colega
Paul Allen programavam computadores aos 15 anos de idade, quando esse equipamento era
utilizado apenas por grandes empresas. Depois de ter entrado e saído de Harvard sem conseguir
se formar, Gates deu o grande passo na sua vida: convenceu a gigantesca IBM a adotar seu
software, o MS‑DOS, como programa operacional dos computadores pessoais que começavam
a ser projetados e produzidos. O resto, como se sabe, é história: na última década do século XX,
Bill Gates já era o homem mais rico do mundo. Apesar da crise de 2008, a Microsoft, empresa
que ele criou, é uma das maiores do planeta. No quadro 1, podemos compará‑la a outros grandes
conglomerados.

Saiba mais

Sugerimos, sobre o assunto, o filme Piratas do Vale do Silício. Dir. Martyn


Burke, 95 minutos, 1999. Originalmente feito para a TV, narra a trajetória de
Bill Gates e da Microsoft.

Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/marcos-guterman/o-que-cuba-tem-a-ensinar/>. Acesso em: 1 de


7

novembro de 2010.

39
Unidade I

Maiores lucros entre empresas de capital aberto


dos Estados Unidos e da América Latina, em 2009
Lucro líquido
Empresa Setor País
(em US$ bilhões)
1º Exxon Mobil Petróleo e gás 19,280 EUA
2º Petrobras Petróleo e gás 16,645 Brasil
3º Microsoft Corp Software e dados 16,258 EUA
4º Wal Mart Stores Comércio 13,495 EUA
5º Intl Buses Machines Eletrônicos 13,425 EUA
6º Goldman Sachs Bancos 13,385 EUA
7º Procter & Gamble Química 13,050 EUA
8º A&T Telecomunicações 12,843 EUA
9º Wells Fargo Bancos 12,275 EUA
10º Johnson & Johnson Química 12,266 EUA
Quadro 1 – Lucros das empresas de capital aberto, em 2009

Afinal, o que é necessário para ser um grande empreendedor? Quais as características que alguém
deve reunir para, iniciando a vida profissional em condições extremamente modestas, construir um
verdadeiro império? Segundo a versão digital da revista Veja, a receita do sucesso de Bill Gates envolve:

a inovação e a visão, que transformaram a sua empresa numa gigante global


com tentáculos que se estendem por todos os lados. Gates obteve a façanha
de garantir que a companhia tivesse presença e relevância por toda parte
dentro do mundo da tecnologia – o que rendeu processos e outras dores de
cabeça ligadas à acusação de concorrência desleal com seus rivais. A fama de
querer controlar o mundo digital e ganhar todas as disputas mudou Gates,
que trocou de tática e tentou melhorar a imagem da companhia desde a
série de processos. Mas o criador da Microsoft não se acomodou: continuou
buscando chances de ampliar as atividades e os serviços da empresa8.

Na atualidade, dias de intensa concorrência e competitividade, ser empreendedor é uma


necessidade. Se novos mercados não forem conquistados, se antigos mercados não forem
preservados, se os clientes não estiverem satisfeitos, se o concorrente conseguir alguma vantagem,
se qualquer uma dessas coisas ocorrer, o fracasso é certo e inevitável. Tanto é assim que, na maior
parte das escolas de economia e administração, as qualidades e competências empreendedoras
são estimuladas e treinadas. No caso específico da economia brasileira, o espírito empreendedor
é vital para que possamos recuperar as grandes oportunidades perdidas quando do início da
globalização: estamos falando da década inflacionária de 1980 e dos reajustes macroeconômicos
de 1990.

Apesar das imensas dificuldades, ainda assim o Brasil vem obtendo resultados positivos no que diz
respeito ao empreendedorismo, conforme pode ser visto na tabela 1 que se segue.
8
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/quem/buffett-gates.shtml>. Acesso em: 1º nov. 2010.

40
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Empreendedorismo Iniciantes
O Brasil é o quinto país em população 1º Peru 40,1%
adulta com empresas estabelecidas
há mais de 3,5 anos e o décimo em 2º Colômbia 22,5%
empreendimentos novos. 3º Filipinas 20,4%
4º Jamaica 20,3%
Mais de 42 meses
5º Indonésia 19,3%
1º Filipinas 19,7%
6º China 16,2%
2º Indonésia 17,6%
7º Tailândia 15,2%
3º Tailândia 15,2%
8º Uruguai 12,6%
4º Peru 12,4%
9º Austrália 12%
5º Brasil 12,1%
10º Brasil 11,6%

A maioria dos novos empreendedores opta por atividades já conhecidas e com grande
concorrência:
Novidade Concorrentes
Empresas estabelecidas Empresas novas Empresas estabelecidas Empresas novas

85,3% 81,3% 73,2% 65,1%


ninguém considera a ninguém considera a muitos concorrentes muitos concorrentes
atividade nova atividade nova

7,1% 7,6% 6,4% 12,3% 3,2% 23,6% 3,2% 30,5%


nova para nova para nova para nova para nenhum poucos nenhum poucos
alguns todos todos alguns concorrente concorrentes concorrente concorrentes

Fonte: Sebrae <http://www.sebraepr.com.br/gc/images/empreendedorismo.gif> Acesso em: 1 nov. 2010.


Tabela 1 – O mapa do empreendedorismo

Se é tão fundamental que sejamos empreendedores, como saber quais competências devemos
desenvolver? Os vários estudos desenvolvidos por administradores, economistas e psicólogos sociais
listam algumas características de extrema importância:

O que é um empreendedor? O empreendedor deve ter iniciativa, ser persistente, estar comprometido com
o seu negócio, exigir qualidade e eficiência, correr riscos calculados, estabelecer metas e buscar informações,
planejar e monitorar sistematicamente seu empreendimento, manter uma rede de contatos para que novas
oportunidades possam ser aproveitadas, ser persuasivo, ter independência e autoconfiança.

Fácil, não é? No quadro 2 a seguir, cada uma dessas características é explicada em termos das
atitudes que as compõem.

Iniciativa Age de maneira proativa. Busca novas oportunidades. Aproveita oportunidades fora do comum,
com um comportamento de aceitação de riscos.
Persistência Não desiste diante de dificuldades. Reavalia seus planos. Foca energias na execução de seu plano de ação.

Comprometimento Chama para si a responsabilidade sobre sucessos e fracassos. É um facilitador para sua equipe. Tem
visão de futuro.
Exigência de qualidade e Procura minimizar custos e está atento ao mercado. Procura sempre surpreender seus clientes. Está
eficiência atento a prazos e qualidade de entrega.
Riscos calculados Avalia alternativas e oportunidades. Tem uma boa gestão de resultados. Aceita desafios, mas avalia os riscos.

41
Unidade I

Estabelecimento de metas Estabelece e acompanha indicadores de resultados para seu negócio. Tem visão de longo prazo.
Busca de informações Tem um bom acompanhamento de mercado e está próximo ao seu cliente. Conhece seu negócio e
investiga novas oportunidades. Busca especialistas para orientá‑lo em relação ao seu negócio.
Planejamento e Age por etapas para cumprir seu plano de negócio. Adéqua seu plano de negócio às variáveis externas do
monitoramento sistemático mercado. Busca informações financeiras do passado para orientar o futuro.
Persuasão e rede de Forma rede de contatos e procura utilizá‑la no desenvolvimento de seu negócio. Mantém e
contatos alimenta sua rede de contatos.
Independência e Desenvolve seu negócio de forma autônoma. É uma pessoa otimista e determinada. Sabe aonde
autoconfiança quer chegar.
Quadro 2 – Características empreendedoras

Observação

Repare que um empreendedor não nasce pronto. Embora tenha certa


“inteligência” ou aplique de forma produtiva sua inteligência, algumas
características devem ser reunidas para se tornar empreendedor.

Acreditamos que, a esta altura, você deverá estar se perguntando: foi sempre assim? Sempre, historicamente,
agimos em busca do lucro? Fomos sempre empreendedores? Temos que responder a isso negativamente.

3.2 A construção histórica do espírito empreendedor

As ideias de lucro, competição e empreendedorismo foram historicamente construídas. Quer dizer,


houve um tempo em que não era assim. Para Huberman (1986, p. 47):

A moderna noção de que qualquer transação comercial é lícita desde que seja
possível realizá‑la não fazia parte do pensamento medieval. O homem de negócios
bem‑sucedido de hoje, que compra pelo mínimo e vende pelo máximo, teria sido
duas vezes excomungado na Idade Média. O comerciante, porque exercia um serviço
público necessário, tinha direito a uma boa recompensa e a nada mais do que isso.

Portanto, se quisermos compreender como nos transformamos em seres sedentos por sucesso e lucro,
devemos retroceder à transição de uma sociedade que se baseava na noção do justo preço para outra
que perseguia o sucesso econômico. É possível supor que tal transição fosse requerer uma mudança
drástica na maneira de pensar e agir: era necessária uma nova ética. “A suspeita e o constrangimento
que cercavam as ideias de lucro, mudança e mobilidade social devem dar lugar a novas ideias que
encorajem essas mesmas atitudes e atividades” (HEILBRONER, 1987, p. 64).

Apenas para que você tenha uma ideia, até o fim da Idade Média a Igreja Católica havia sido a
responsável pela difusão e manutenção dos valores morais. Apoiada no texto sagrado, ela defendia
a vida como passagem transitória pela Terra, passagem que apenas deveria servir de preparo para a
vida na eternidade. Quase como encomenda para aqueles tempos de imobilidade social, ela defendia
o conformismo às condições dadas. Claro que, embora denunciasse o ganho e a usura, a Igreja era
depositária de muitas fortunas feudais, mas isso não a impedia de reprovar, e com muita convicção, os
perigos das “atividades mundanas a que a carne, demasiado fraca, sucumbia” (idem, p. 78).
42
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Assim, conforme afirma Huberman (1986, p. 47):

A Igreja ensinava que, se o lucro do bolso representava a ruína da alma,


o bem‑estar espiritual é que estava em primeiro lugar. “Que lucro terá o
homem, se ganhar todo o mundo e perder sua alma?” Se alguém obtivesse
numa transação mais do que o devido, estaria prejudicando a outrem, e
isso estava errado. São Tomás de Aquino, o maior pensador religioso da
Idade Média, condenou a “ambição do ganho”. Embora se admitisse, com
relutância, que o comércio era útil, os comerciantes não tinham o direito de
obter numa transação mais do que o justo pelo seu trabalho.

Não apenas era pecado buscar o lucro ou o ganho pessoal, como também trabalhar além do
necessário para satisfazer as necessidades mais básicas. Quem tivesse o suficiente para viver e, não
obstante, continuasse a trabalhar incessantemente, “seja para conseguir uma posição social melhor,
seja para viver mais tarde sem trabalhar, ou para que seus filhos se tornassem homens de riqueza e
importância – todos esses estavam dominados por uma avareza, sensualidade ou orgulho condenáveis”
(HUBERMAN, 1986, p. 47).

Mais: a ideia de obter uma vantagem em relação ao seu concorrente (se é que existia esse conceito)
era simplesmente inimaginável. Como novamente afirma Huberman (idem, p. 67)

Assim como se precaviam da interferência estrangeira em seu monopólio, as


corporações tinham também o cuidado de evitar, entre si, práticas desonestas
que pudessem causar prejuízos a terceiros. Nada de competição mortal entre
amigos, é o que realmente significa o item 3 dos estatutos dos curtidores.
O membro da corporação não podia furtar um jornaleiro ou o aprendiz de
seu mestre. Também era tabu a prática comercial, hoje muito difundida,
de obsequiar o cliente ou suborná‑lo para conseguir realizar um negócio.
Em 1443, a corporação dos padeiros de Corbie, na França, determinou que
ninguém daria bebidas ou faria qualquer outra gentileza a fim de vender seu
pão, sob pena de pagar uma multa de 60 soldos.

Como se pode perceber, a mudança que introduziria uma nova forma de pensar deveria ser ampla e
irreversível. Aqui, é importante um parêntese: muitos historiadores mencionam a Reforma Protestante
como condição mais que necessária para a expansão da ética do capitalismo. Nossa posição é outra:

O que explica o desenvolvimento do capitalismo em dado momento histórico? Junto com outros
fatores já mencionados (urbanização, formação dos Estados nacionais, intensificação do comércio,
viagens ultramarinas, fortalecimento do poder monárquico, por exemplo), as transformações religiosas
criariam a sinergia para as mudanças que já estavam ocorrendo e para as mudanças que ainda ocorreriam.

Ou seja, não se trata aqui de uma relação causal simples (Reforma/capitalismo), mas de uma relação
em que as revoluções religiosas surgiriam no já intrincado mosaico histórico do período como parte
integrante (e interdependente) de outras relações existentes.
43
Unidade I

O que se sabe é que o calvinismo e a Reforma provocaram uma mudança na forma de ver o mundo,
introduzindo uma nova ética e conclamando a todos para uma nova moral. Encontraremos em Heilbroner
(1987, p. 79) que
em contraste com os teólogos católicos, propensos a considerar a atividade
humana como coisa fútil e vã, os calvinistas santificavam e aprovavam o
esforço humano como uma espécie de indicador de valor espiritual. De fato,
cresceu entre os calvinistas a ideia de um homem dedicado ao seu trabalho:
“vocacionado” para ele, por assim dizer. Daí, a fervorosa entrega de cada um a
sua própria vocação, muito ao contrário de evidenciar um afastamento dos fins
religiosos, passou a ser considerada uma evidência da dedicação à vida religiosa.
O comerciante enérgico e empreendedor era, aos olhos calvinistas, um homem
piedoso, não um ímpio; e desta identificação de trabalho e virtude não foi
necessário mais que um passo para se desenvolver a noção de que, quanto mais
bem‑sucedido um homem fosse na vida, mais virtuoso e mais valor ele tinha.

Não apenas o trabalho era meritório, e a ele todos deveriam se dedicar. O que essa nova moral prega
é que a piedade e a virtude podem ser reconhecidas nas formas como se usa a riqueza. Quer dizer: nada
de luxo, jogos, hábitos faustosos. Se o trabalho é sagrado, sagrado também é o seu fruto, e os homens
devem viver uma vida ascética, de simplicidade e parcimônia.

[o calvinismo] fez da poupança, da abstinência consciente do usufruto da


renda, uma virtude. Fez do investimento, do uso da poupança para fins
produtivos, um instrumento tanto de devoção como de lucro. Justificou
até, com vários quids e quos, o pagamento de juros. De fato, o calvinismo
estimulou uma nova concepção de vida econômica. Em lugar do antigo ideal
de estabilidade social e econômica, de se conhecer e manter o “lugar” de
cada um, conferiu respeitabilidade a um ideal de luta, de aperfeiçoamento e
progresso material, de crescimento econômico (idem, p. 80).

Ou, nas palavras de Max Weber (1996, p. 21), que no século XIX estudou a fundo a relação entre a
religião e o capitalismo (identificando algo que denominou de espírito do capitalismo):

De fato, o summum bonum dessa ética, o ganhar mais e mais dinheiro,


combinado com o afastamento estrito de todo prazer espontâneo de viver é,
acima de tudo, completamente isento de qualquer mistura eudemonista, para
não dizer hedonista; é pensado tão puramente como um fim em si mesmo,
que do ponto de vista da felicidade ou da utilidade para o indivíduo parece
algo transcendental e completamente irracional. O homem é dominado
pela geração de dinheiro, pela aquisição como propósito final da vida. A
aquisição econômica não mais está subordinada ao homem como um meio
para a satisfação de suas necessidades materiais. Essa inversão daquilo que
chamamos de relação natural, tão irracional de um ponto de vista ingênuo, é
evidentemente um princípio guia do capitalismo, tanto quanto soa estranha
para todas as pessoas que não estão sob a influência capitalista.
44
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Estava aberto o caminho para a busca do lucro, para o progresso material, para o desenvolvimento
capitalista.

Lembrete

Lembre‑se que o capitalismo, enquanto modo de organização da


produção que se opõe ao feudalismo, é fruto de uma construção e evolução
histórica.

O garoto empreendedor que criou o Facebook9

Quem poderia imaginar que um estudante de 19 anos pudesse tornar‑se bilionário, em cinco anos,
com um site de relacionamento criado sem maiores pretensões, que era quase um brinquedo? Para
surpresa do mundo, esse é exatamente o caso de Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook. “Tudo
começou em 2004, quando eu era aluno da Universidade de Harvard. Eu não tinha a menor ideia de que
o Facebook seria um sucesso mundial ao lançar o site de relacionamento, que era pouco mais do que
um brinquedo, mas que hoje tem mais de 250 milhões de usuários, 70% deles fora dos Estados Unidos”,
conta Zuckerberg, que, além de criador, é o executivo principal (CEO) da empresa.

Saiba mais

Você pode encontrar informações importantes sobre empreendedorismo no


site do Sebrae (<http://www.sebrae.com.br>. Acesso em: 23 mar. 2011). Lá estão
disponíveis dados sobre os mais diversos setores, bem como sobre procedimentos
para se abrir um negócio próprio. Também poderá localizar o Sebrae mais perto
em sua cidade e contar, pessoalmente, com o auxílio de consultores treinados
para a abertura de novos negócios ou para negócios já existentes.

Aceite nossa sugestão e veja o filme A rede social. Dir. David Fincher, 117
minutos, 2010. Ele narra a história da criação do Facebook, dando ênfase
especial à capacidade de criação, de inventividade e de empreendedorismo
dos jovens no século XXI.

Para refletir

Vamos pensar um pouco mais?

Importante tópico para discussão acerca dos novos empreendimentos, da busca de novos
mercados e de lucros crescentes, é o caso das incubadoras de negócios. Para Medeiros (1995), os polos

9
Disponível em: <http://www.ethevaldo.com.br/Generic.aspx?pid=1239>. Acesso em: 1º nov. 2010.
45
Unidade I

científico‑tecnológicos, ou polos tecnológicos, resultam de quatro componentes: universidades ou


institutos de pesquisa especializados em pelo menos uma inovação tecnológica; aglomerado de empresas
do mesmo ramo; projetos de inovação tecnológica apoiados pelo governo e estrutura organizacional
facilitadora da troca de informações entre empresas, academia e governo.

As empresas que participam dos polos tecnológicos, as chamadas empresas de base tecnológica,
aproveitam os recursos humanos, os laboratórios e os equipamentos que são pertencentes às instituições
de ensino. Trata‑se de creche ou incubadora de empresas, que abriga os inovadores até superarem as
barreiras administrativas, técnicas e mercadológicas (Medeiros, 1995) na obtenção de produtividade e
de competitividade que será medida não só via preço, mas também por um conjunto de fatores, como
organização da produção, qualidade dos produtos, capacidade técnica e adaptabilidade às condições
sociais de trabalho (CANO, 1995).

O papel central desses polos tecnológicos é o de aproximar as relações tecnológicas, tanto no âmbito
nacional quanto no internacional. Não são criados por decreto, mas podem decorrer do estímulo do
governo e da comunidade científica. Também resultam do interesse dos empreendedores pelo novo
segmento, desejosos de aproveitar as facilidades das novas tecnologias de comunicação e do menor
tamanho das empresas. Nesse sentido, ressalta Cano (1995),

representam novos espaços, onde as empresas de base tecnológica crescem


e se consolidam. Trata‑se de um grupo industrial novo, cujas necessidades
locacionais tendem a ser diversas das existentes nas indústrias antigas.

Considere agora o proposto a seguir:

Situação – Uma incubadora de empresas busca oferecer às pequenas empresas apoio estratégico
durante os primeiros anos de existência. As primeiras incubadoras de empresas surgiram no Brasil na
década de 1980 e, desde então, o seu número vem crescendo sensivelmente. Segundo dados da Associação
Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologia Avançada (Anprotec), existem
hoje cerca de 150 incubadoras espalhadas pelo Brasil, número que mal chegava a 10 em 1991. Estima‑se
em cerca de 1.100 o número de empresas residentes nessas incubadoras, o que representa a geração
de aproximadamente 6.100 novos empregos. Basicamente, o objetivo de uma incubadora é reduzir a
taxa de mortalidade das pequenas empresas. Para isso, as incubadoras oferecem um ambiente flexível
e encorajador, em que é disponibilizada uma série de facilidades para o surgimento e crescimento de
novos empreendimentos, a um custo bem menor que o de mercado, na medida em que esses custos são
rateados e, às vezes, subsidiados. Outra razão para a maior chance de sucesso de empresas instaladas em
uma incubadora é que o processo de seleção capta os melhores projetos e seleciona os empreendedores
mais aptos, o que naturalmente amplia as possibilidades de sucesso dessas empresas10.

Proposta: pelo descrito no texto da situação, bem como pelo apresentado anteriormente, quais
seriam as formas ideais de apoio das incubadoras às pequenas e médias empresas?

10
Adaptado de texto disponível em: <http://www.e-commerce.org.br/incubadoras.php>. Acesso em: 1º nov. 2010.
46
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Leia o texto a seguir.

Situação: concorrência entre celulares inteligentes aperta em 2010, dizem analistas11

A expansão na demanda por celulares inteligentes novos e mais baratos ajudou a alimentar uma recuperação
no mercado de celulares, como um todo, no final do ano passado, mas a rivalidade por uma participação nesse
lucrativo negócio será feroz em 2010, com a chegada de muitos fabricantes novos ao mercado.

“O mercado de celulares inteligentes [smartphones] será muito competitivo em 2010”, disse o analista
Neil Mawston, do grupo de pesquisa Strategy Analytics (SA). “A guerra dos celulares inteligentes será
boa notícia para os consumidores, mas a feroz competição inevitavelmente pressionará os preços e as
margens de lucro dos produtores”, disse ele.

Os grupos sul‑coreanos Samsung Electronics e LG Electronics, segundo e terceiro maiores fabricantes


mundiais de celulares, planejam elevar fortemente suas vendas – muito baixas no segmento de celulares
inteligentes – enquanto novos concorrentes, como Huawei e Dell, reforçam suas linhas.

Proposta: seria possível imaginar tal situação no ambiente da Europa pré‑capitalista?

4 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO

Observe o gráfico e a tabela a seguir. O gráfico 1 mostra, em termos mundiais, o comportamento dos
setores agropecuário, industrial e de serviços. A tabela 2 indica a distribuição da população brasileira
por setor da economia.
%100

Pri
80 má
rio

Terciário
60

40

rio
ndá
20 Secu

0
1800 1900 2000
Gráfico 1 – Setores da economia

11
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u687574.shtml>. Acesso em: 1º nov. 2010.
47
Unidade I

Distribuição dos trabalhadores brasileiros pelos setores da economia (em %)


Ano 1950 1960 1970 1980 1991 2000
Setor
Primário 60,7 54,2 44,2 29,9 23,2 20,6
Secundário 13,1 12,7 17,8 24,4 23,8 20,0
Terciário 26,2 33,1 38,0 45,7 53,0 59,4

Fonte: IBGE. Anuário estatístico do Brasil: 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2003.
Tabela 2 – População brasileira por setor da economia

Os setores são o resultado da divisão da economia. Para essa divisão, são utilizados os critérios de
produtos produzidos e os modos de produção associados a essa produção.

O setor primário reúne a produção realizada por meio da exploração dos recursos da natureza.
Assim, o setor primário envolve a agricultura, a mineração, o extrativismo vegetal e a pecuária. Como
você pode perceber, é o setor responsável pela matéria‑prima que será utilizada pela indústria. Ter uma
economia baseada em grande parte no setor primário representa riscos porque, em primeiro lugar, é
o setor que produz mercadorias que agregam menos valor; em segundo, é um setor que depende das
condições naturais para que possa se desenvolver; em terceiro, é o setor mais vulnerável à flutuação de
preços nos mercados internacionais, já que normalmente envolve commodities.

O setor secundário é o da indústria, setor de transformação, responsável pela produção de todos


os produtos industrializados que consumimos. Geralmente, uma proporção elevada de participação do
setor secundário em um país revela desenvolvimento econômico, já que a exportação dos produtos
industrializados é favorecida pelo elevado valor agregado que esses produtos costumam apresentar.

O setor de serviços, que pertence ao setor terciário, corresponde à produção dos bens intangíveis
sobre os quais já falamos anteriormente: serviços de educação, saúde, bancários, comerciais, entre outros.
Costumamos distinguir, nesse setor, três subáreas: a) o terciário inferior, que representa o comércio
varejista e o serviço doméstico; b) o terciário superior, que indica os serviços de bancos e seguros, ou
seja, que envolvem maior nível técnico; e c) o terciário tecnológico, que abarca serviços tecnológicos
e de ensino. É evidente que, quanto maior o setor de serviços de uma economia, mais desenvolvida e
aparelhada ela é do ponto de vista tecnológico.

Lembrete

Note que há elevada interdependência entre os setores. Cada um deles,


para poder bem funcionar, depende do bom desempenho dos outros.
Ademais, há transferência de produção de um para outro.

O que os quadros exibem? O gráfico 1 mostra que o setor primário vem caindo em termos de
participação desde o século XIX. Também revela que o setor secundário cresceu até a década de
1960, perdendo importância a partir dessa data. Em contrapartida, percebe‑se que o setor de serviços

48
ECONOMIA E NEGÓCIOS

vem crescendo cada vez mais. A tabela 2 repete, com algumas poucas diferenças, a situação descrita
anteriormente. Observa‑se no Brasil a diminuição da participação do setor primário e a transferência
do setor secundário, em termos de importância, para o setor terciário, que vem crescendo de forma
consistente e sistemática.

Parece razoável, então, imaginarmos que em algum momento do nosso passado, o processo de
industrialização foi ganhando o espaço antes reservado à agricultura e às outras atividades extrativas.
O período em que esse processo efetivamente teve início, e a partir do qual se desenvolveu, é aquele
que corresponde ao final do século XVIII até o século XIX. Nesse momento, embora as velhas estruturas
fabris continuassem a conviver com modernas técnicas produtivas (e isso aconteceria por um bom
tempo), grandes invenções revolucionavam a indústria: máquina de fiar, tear mecânico, máquina a
vapor, lançadeira volante, patentes para técnicas diversas de fundição, bombeamento de minas e obras
hidráulicas. Todas essas inovações transformariam as atividades das indústrias de lã e siderurgia, embora
em algumas áreas o trabalho ainda ocorresse em pequenas firmas que empregavam poucos trabalhadores
(nessas, o empregador não era o grande capitalista, mas o empreiteiro intermediário). A manutenção
desses padrões de indústria domiciliar, inclusive, significaria demora na consagração de um caráter
homogêneo da classe trabalhadora, ora envolvida nos processos produtivos das grandes indústrias, ora
ainda vinculada aos sistemas dos ofícios e pequenas unidades produtoras.

A Revolução Industrial pode ser descrita como “uma série contínua de transformações que perdurou
além mesmo do século XIX, em vez de ser descrita como uma modificação feita de uma só vez” (DOBB,
1987, p. 269).

Observação

É importante salientar que não se deve cometer o erro de entender


a Revolução Industrial como algo que tenha ocorrido de repente, em
determinada data, a partir dali tudo se modificando.

É claro que, “uma vez vinda a transformação crucial, o sistema industrial embarcou em toda
uma série de revoluções na técnica de produção, como traço notável de uma época do capitalismo
amadurecido” (idem, p. 270). Afinal, as invenções acarretavam especialização do trabalho que, assim
dividido, possibilitava inovações. Em resumo, podemos descrever a Revolução Industrial como um
processo cumulativo e irreversível em termos de produtividade, concentração da produção, acumulação
e propriedade do capital.

Por que ela ocorre inicialmente na Inglaterra? Muitos são os fatores: o país havia enriquecido
enormemente com o comércio e a pirataria, e a riqueza encontrava‑se distribuída entre a burguesia
comercial. Além disso, o cercamento das terras transformara o que antes era feudo ancestral em fonte
de retorno, em recurso de produção, e foi a forma como “a Inglaterra ‘racionalizou’ sua agricultura e
finalmente escapou da ineficiência do sistema manorial tradicional” (HEILBRONER e MILBERG, 2008, p.
67). Ainda, com a expulsão dos arrendatários e camponeses, o cercamento acabaria por fornecer a mão
de obra para as fábricas e manufaturas, bem como os consumidores para os produtos então fabricados
49
Unidade I

e colocados à venda. De fato, além do extraordinário desenvolvimento na ciência e na engenharia que


tem lugar na Inglaterra, outra série de fatores ainda pode explicar a origem da Revolução Industrial
ali:

alguns são tão fortuitos quanto os imensos recursos das minas de


carvão e ferro existentes em solo inglês; outros tão propositais quanto
o desenvolvimento de um sistema nacional de patentes que, de forma
deliberada, estimulou e protegeu o próprio ato de inventar. Iniciada a
revolução, ela se autoalimentou. As novas técnicas (em especial na indústria
têxtil) simplesmente acabaram com a concorrência do fabrico artesanal no
mundo, aumentando assim de forma inimaginável os próprios mercados
(idem, p. 83).

Saiba mais

Os filmes Elizabeth, Dir. Shekhar Kapur, 125 minutos, 1998, e Elizabeth, a


era de ouro, Dir. Shekhar Kapur, 114 minutos, 2007 são sugestões excelentes
sobre o assunto. Em ambos é tratada a questão religiosa na Inglaterra, bem
como são retratados os esforços para que o país alcançasse o crescimento
e a riqueza por meio das ações de um poder central: a rainha.

Sobre esse período, há farta documentação: “o século da imprensa ao alcance de todos e da disseminação
quase universal da alfabetização nos legou fontes documentárias de uma abundância até agora superior
à de qualquer outro século anterior” (DOBB, 1987, p. 257), embora a complexidade da sociedade e do
mundo resultantes da Revolução Industrial introduzam dificuldades imensas ao trabalho do historiador
econômico. De forma resumida, aquele seria o século em que se organizariam estruturas sociais bastante
específicas, a população aumentaria (principalmente em função da queda da mortalidade resultante das
melhorias nas técnicas de saúde pública), o mercado se expandiria por meio da divisão do trabalho e dos
acréscimos na produtividade, as invenções transformariam as cidades e a produção.

O desenvolvimento científico também era notável e as sociedades destinadas ao culto e transmissão


do saber se espalhavam por toda a Europa. Embora, durante muito tempo, tenha prevalecido na história
econômica geral certa “leitura” que manteve indústria e universidade em esferas distintas, algumas evidências
apontam para a existência de uma estreita relação entre elas, em especial na Inglaterra, “local de um
entusiasmo peculiar pela ciência e engenharia” (idem, p. 83): será lá, por exemplo, que surgirão a Royal
Society (presidida por Isaac Newton) e a Philosophical Society of Edinburgh, inaugurada em 1737, e que tinha
entre seus mantenedores e membros vários grandes proprietários de terra. Afinal, “não menos importante foi
o entusiasmo da aristocracia inglesa da terra pela agricultura científica: os donos de terra ingleses deixaram
claro um interesse em questões como rotatividade das colheitas e fertilizantes” (ibidem).

Quanto ao perfil das instituições bancárias naquele instante, temos duas interpretações distintas:
uma, que privilegia o papel da atividade bancária comercial; outra, que reconhece a importância das

50
ECONOMIA E NEGÓCIOS

operações financeiras dos bancos, especialmente no tocante às operações de crédito para industriais
e empresários. De qualquer forma, deve‑se reconhecer: não havia ainda o conceito dos bancos como
agentes para captação de poupança e recursos com o objetivo explícito de agenciar fundos para
investimentos. O capital era acumulado e as indústrias cresciam, mas isso ocorria porque os salários
eram mantidos em patamares extremamente baixos e porque “agricultores donos de terra e fabricantes
prósperos (apesar de toda sua ostentação) foram, sem dúvida, poupadores importantes, que abriram
caminho para que quantias substanciais fossem colocadas em mais e novos investimentos de capital”
(idem, p. 95).

Entre 1775 e 1875, o mundo experimentou um “vasto boom secular”, caracterizado por progresso
econômico, embora desigual se comparados países ou mesmo diferentes setores industriais. Os
trabalhadores passaram a se concentrar num só lugar, a fábrica; o processo de produção transformou‑se
em coletivo; o trabalho passou a ser meio mecânico, meio humano. Do operário não era mais esperada
vontade própria ou aptidão especial (como nos velhos tempos, em que a ferramenta era passiva nas
mãos do trabalhador), mas tão somente a destreza e obediência às exigências das máquinas. Também,
segundo Dobb (1987, p. 262),

era agora necessário capital para financiar o equipamento complexo


requerido pelo novo tipo de unidade de produção; e criara‑se um papel para
um tipo novo de capitalista, não mais apenas como usuário ou comerciante
em sua loja ou armazém, mas como capitão de indústria, organizador e
planejador das operações da unidade de produção, corporificação de uma
disciplina autoritária sobre um exército de trabalhadores que, destituídos
de sua cidadania econômica, tinham de ser coagidos ao cumprimento de
seus deveres onerosos a serviço alheio pelo açoite alternado da fome e do
supervisor do patrão.

Saiba mais

Sobre o assunto, veja o filme Tempos modernos. Dir. Charles Chaplin,


87 minutos, 1936. Obra-prima de Chaplin, o filme mostra, com humor e
elegância, a submissão do homem à máquina por causa do processo de
industrialização. É um clássico imperdível!

As invenções se entrelaçavam com as necessidades prementes das indústrias e, impulsionadas pelo


espírito prático e comercial dos capitalistas, mudavam a feição da economia e das estruturas sociais.
O aumento populacional e a crescente proletarização tornariam a força de trabalho não apenas uma
mercadoria, mas uma mercadoria disponível e disposta a se empregar em troca de salários que permitissem
a sobrevivência, mesmo que em condições não exatamente favoráveis. Os cercamentos de terra e o êxodo
da população rural também engrossariam as fileiras de trabalhadores dispostos a se empregar nas grandes
indústrias e, posteriormente, as invenções que economizam tempo e trabalho já superavam a expansão do
exército proletário. A acumulação do capital, portanto, excedia o crescimento da oferta de trabalho.

51
Unidade I

O uso intensivo nas fábricas de maquinário – resultado de um incessante processo de inovação


tecnológica – e a expansão de uma classe trabalhadora, explorada e assalariada, configuravam uma
crescente atividade econômica já bem distante da economia comercial e mercantil dos séculos XVII e
XVIII. Nada nesse novo mundo parecia justificar algo além de um profundo e imenso pessimismo em
relação ao “progresso” da sociedade e à “evolução” da humanidade (pessimismo esse visível nas obras
de Malthus e Ricardo), mas alguns viam no cenário oitocentista motivos para otimismo e esperança de
dias melhores e de um futuro mais promissor.

Saiba mais

Sugerimos a leitura das obras de Charles Dickens. O autor, de forma


magnífica, soube mostrar a Inglaterra pobre e miserável do século XIX.
Entre seus livros recomendamos Tempos difíceis e Oliver Twist. Este último,
com o mesmo nome, foi transformado em filme. Dir. Roman Polanski, 130
minutos, 2005.

Ao mesmo tempo em que as degradadas e imundas cidades inglesas viam circular trabalhadores
esfomeados e que viviam em condições totalmente insalubres, ao mesmo tempo em que pensadores
e a elite empresarial discutiam o terrível futuro que aguardava a humanidade (em especial, a fome
resultante da explosão populacional e da escassez de terras aráveis e produtivas), outros pensadores e
capitalistas buscavam alternativas que confirmassem a possível existência de um sistema social justo
dentro (e a partir do) contexto de industrialização e da economia de mercado.

Numa época em que se transpirava a crença na ideia do progresso, essas alternativas podiam tanto
incluir sonhos extravagantes quanto projetos – às vezes mais, outras menos – mirabolantes. Saint‑Simon
e seus seguidores pregariam a construção de uma pirâmide social em que se ganharia em função do
trabalho útil para a sociedade. Fourier escreveria sobre as falanges, locais parecidos com hotéis, onde todos
viveriam e “todos teriam que trabalhar, é claro, porém poucas horas por dia. Mas ninguém tentaria escapar
do trabalho, porque cada qual estaria fazendo o que mais gostava” (HEILBRONER, 1996, p. 118).

Exemplos de iniciativas mais “pragmáticas” incluiriam, por exemplo, a fábrica de Nova Lanark,
localizada nas redondezas de Glasgow, de propriedade de Robert Owen (1771‑1858). Capitalista, Owen
mostrava ojeriza ao uso do dinheiro e à propriedade privada (e esse ódio à propriedade privada também
seria visível entre os seguidores de Saint‑Simon) e, posteriormente, também proporia a criação das
aldeias de cooperação, comunidades de pobres onde estes poderiam se tornar “produtores de riqueza se
tivessem chance de trabalhar e seus hábitos sociais deploráveis podiam se transformar com facilidade
em hábitos virtuosos sob a influência de um ambiente decente” (ibidem).

Finalmente, o pensamento econômico (entendido como a maneira pela qual o homem tenta
compreender as relações de produção dentro dos processos de geração, distribuição e circulação de
riqueza) refletiria essas transformações. Ou melhor, procuraria compreender e analisar a renda da terra,
os salários, os lucros, as taxas de juros, as melhores formas de administrar a riqueza de uma nação.

52
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Não à toa, nasce nesse instante a economia política. Formada a partir das elucubrações dos filósofos
europeus imersos no ambiente do Iluminismo, essa área do saber ganha status de ciência com as obras
de Cantillon (Ensaio sobre a natureza do comércio, 1763) e Adam Smith (A riqueza das nações, 1776).

Os primeiros modelos econômicos dignos de tal nome apareceram na França a partir de 1758, nas
obras dos fisiocratas. O Quadro econômico, de Quesnay, é considerado o primeiro modelo de fluxo
de renda da história do pensamento econômico. O autor, curiosamente, era médico: sua teoria sobre
fluxo da moeda trazia para o campo da atividade econômica as regras da circulação do sangue no
corpo humano. O que acontecia no macrocosmo repetia‑se no microcosmo, e a mesma ordem natural
responsável por manter os planetas no céu também cuidaria da harmonia econômica terrestre. Até
mesmo por inspiração dessas obras, e para com elas dialogar e se opor, Adam Smith (1723‑1790) buscou
sistematizar o conhecimento até então desenvolvido a respeito da riqueza.

Observação

Smith transformou A riqueza das nações no primeiro manual de


economia política que reunia desde a teoria do valor até os mais sofisticados
conceitos de política comercial externa à época.

Saiba mais

Se você quiser se aprofundar no assunto, sugerimos a leitura do texto


A mão invisível de Júpiter e o método newtoniano de Smith, de Hugo E.
A. da Gama Cerqueira. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ee/v36n4/
a01v36n4.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2011.

Ainda que valorizado pela capacidade de sintetizar conceitos de outros autores, faltou originalidade
a Smith em conceitos como o da divisão do trabalho e o das vantagens absolutas do comércio exterior.

É importante salientar que essas primeiras obras, ou da fisiocracia ou dos clássicos, surgem em
oposição ao pensamento mercantilista então vigente. O mercantilismo dizia respeito às doutrinas
preconizadas pelos Estados nacionais em relação à origem da riqueza, bem como às melhores condutas
para a expansão econômica e militar. Para os mercantilistas, a origem da riqueza estava no acúmulo
de ouro e prata. Com as exportações, conseguia‑se metal; as importações, ao contrário, significavam o
envio de metal para outras nações. Como uma determinada nação poderia conseguir esse superávit?
Quanto mais poderosa ela fosse, quanto mais rotas comerciais estivessem sob o seu domínio, quanto
maior a dependência de suas colônias em relação à metrópole, tanto maiores seriam as possibilidades
de acumular ouro e prata (BRUE, 2006).

É claro que essa política requeria um Estado forte. Também necessitava do espírito nacionalista e de um
conjunto de instituições militares capazes de dar conta da ação expansionista. Segundo Brue (2006, p. 14),

53
Unidade I

“armadas poderosas e frotas mercantes eram um requisito absoluto”. Um governo centralizado bastante
forte era outra exigência: fazia‑se necessário um controle governamental rigoroso para dar conta das
políticas e das metas mercantilistas, esse controle tornando‑se visível através da concessão de monopólios,
da edição de leis protecionistas e da elaboração e fiscalização de normas que regulamentassem a produção
e a distribuição de mercadorias. As importações eram rigorosamente controladas, quando não proibidas,
e a fixação de preços dos produtos nacionais no mercado interno obedecia às exigências da política
mercantilista. Pedágios, impostos e regulamentações eram instrumentos de ação do Estado, tendo em vista
o acúmulo de metal. “Os mercantilistas não eram a favor do livre‑comércio interno, no sentido de permitir
às pessoas se envolverem em qualquer comércio que desejassem. Pelo contrário, preferiam concessões de
monopólio e privilégios comerciais exclusivos, sempre que pudessem obtê‑los” (idem, p. 15).

Em oposição ao mercantilismo, os fisiocratas combaterão as práticas mercantilistas. A oposição


ocorre principalmente em relação ao excesso de regulamentação e de normatização representado pela
ação governamental, tão necessário para pôr em prática a política expansionista e acumuladora de
metal precioso. São os fisiocratas que introduzirão (ao menos no campo econômico) a ideia de ordem
natural. Até por influência da mecânica newtoniana, acreditava‑se numa ordem da natureza que se
responsabilizaria por manter tudo em equilíbrio. A oposição ardorosa à regulamentação e intervenção
do Estado na economia explica o lema fisiocrata: laissez‑faire, laissez‑passer (deixe fazer, deixe passar).
Portanto,

os governos nunca deveriam estender sua interferência nos assuntos


econômicos além do mínimo absolutamente essencial para proteger a
vida e a propriedade e para manter a liberdade de adquirir. Assim, os
fisiocratas se opunham a quase todas as restrições feudais, mercantilistas e
governamentais, favorecendo a liberdade do comércio interno, bem como o
livre‑comércio exterior (idem, p. 35).

Finalmente, é importante salientar a importância que a agricultura tem no pensamento fisiocrático:


é ela a responsável pela produção de riqueza através da geração de excedente, sendo o comércio e a
indústrias estéreis, apesar de úteis.

São os pensadores clássicos que irão consagrar uma forma de “ler” economia diferente da de seus
antecessores. As preocupações desses primeiros glosadores podem, de acordo com os historiadores do
pensamento econômico, resumir‑se a três categorias: produção, distribuição e circulação de riqueza.
Consolidou‑se, também a partir da escola clássica, a concepção de uma riqueza nacional como
decorrência evidente da própria consolidação do Estado burguês na Europa oitocentista. O debate sobre
a origem e a natureza do valor, por outro lado, fechou questão na tese ricardiana do valor‑trabalho
incorporado. Os principais pensadores dessa escola foram, além do já citado Ricardo, Jean‑Baptiste Say
e Thomas Malthus. Segundo Brue (idem, p. 49),

a doutrina clássica é geralmente chamada de liberalismo econômico. Suas


bases são liberdade pessoal, propriedade privada, iniciativa individual,
empresa privada e interferência mínima do governo. O termo liberalismo
deve ser considerado em seu contexto histórico: as ideias clássicas eram
54
ECONOMIA E NEGÓCIOS

liberais, em contraste com as restrições feudais e mercantilistas sobre a


escolha de profissões, transferências de terra, comércio e assim por diante.

Entre os principais pressupostos clássicos, destacam‑se a interferência mínima do Estado na


economia, o comportamento econômico individual baseado no autointeresse (e as ideias de Smith
contidas em Teoria dos sentimentos morais são modelares dessa forma de pensar) e a busca por leis
explicativas que pudessem dar conta dos fatos econômicos. Também é importante ressaltar que, para
os clássicos, não é apenas a agricultura que pode criar riqueza: a origem desta se encontra em todos os
ramos da atividade econômica.

Adam Smith (1723‑1790) é o precursor dos autores clássicos, inclusive por estabelecer um padrão
de análise que seria reproduzido por seus sucessores (o sumário de A riqueza das nações, sua principal
obra, é seguido quase à risca nos escritos de Malthus e Ricardo). Para ele, a riqueza de uma nação é
medida pela produção total anual de um país que será consumida por um determinado número de
pessoas. Portanto, a riqueza é dada pela relação entre a produção anual e a população. O que gera a
riqueza é a divisão do trabalho, e o processo gerador da riqueza só encontra limites no tamanho do
mercado; quer dizer, a divisão do trabalho continuará ocorrendo até o limite das possibilidades do
tamanho do mercado. Para Smith, outra característica é fundamental para a compreensão do sistema
econômico: a tendência ao equilíbrio natural, tal como pode ser observado na natureza física. Ele resulta
do comportamento egoísta que, voltado para o bem‑estar individual, acaba por gerar o bem‑estar
social. Como isso ocorre?

Saiba mais

Sobre a questão do autointeresse, sugerimos a leitura do texto A


fábula das abelhas: vícios privados, benefícios públicos, de Eduardo
Gianetti da Fonseca, disponível em: <http://pt.braudel.org.br/publicacoes/
braudel‑papers/05.php>. Acesso em: 23 mar. 2011.

Para Smith, se cada agente buscar seu próprio interesse, terá que considerar o interesse do outro:
seria o exemplo de um comerciante que acaba por diminuir o preço de sua mercadoria se os clientes
optam por outro comerciante que venda mais barato. Ainda, a busca do progresso individual, motivada
pelo autointeresse, traria o crescimento das cidades, o aumento da eficiência econômica e o acúmulo
da riqueza material.

Smith seria, então, responsável pela tentativa de compreensão do sistema econômico como um
todo, particularmente no que diz respeito à alocação de recursos para os fatores de produção, aos
mecanismos de autorregulação do mercado e ao modelo de crescimento. Segundo Heilbroner e Milberg
(2008, p. 75),

Smith mostrou que o sistema de mercado é um processo autorregulador.


A bela consequência de um mercado competitivo é que ele é seu próprio

55
Unidade I

guardião. Se preços ou lucros saírem de seus níveis “naturais”, determinados


pelos custos, haverá forças que os reconduzirão à linha. Surge, então,
um paradoxo curioso. O mercado competitivo, que tem em seu ápice a
liberdade econômica individual, é ao mesmo tempo o mais rígido supervisor
econômico.

Alguns anos mais tarde, Jean Baptiste Say (1767‑1832) desenvolveria algumas dessas ideias precursoras,
porém, agregando à fundadora teoria do valor a questão do valor de uso e da utilidade. Considerando‑se
discípulo de Smith, levaria o conceito de equilíbrio natural do mercado a um patamar superior.

Lembrete

Para Say, jamais haveria superprodução ou depressão. A economia de


mercado tinha como característica o fato de a oferta criar sempre uma
demanda da mesma magnitude.

Se o produtor, tomado individualmente, apenas produzia o que pudesse ser trocado pela produção
de outro, isso “teria de ser verdade para os agregados da oferta e da demanda, quer dizer, a oferta
agregada teria de ser igual à demanda agregada” (HUNT, 2005, p. 130). O mercado se equilibraria
automaticamente, e esse mecanismo passou a ser chamado Lei de Say; contra essa lei, manifestaram‑se
alguns economistas: Bentham, Marx, Keynes e, antes deles, Malthus.

O foco de Thomas Malthus (1766‑1834) é outro: o que o preocupa é a fome e a imensa miséria dos
trabalhadores. Como consequência dos desenvolvimentos da Revolução Industrial, a acumulação do
capital e da renda da terra se fazem a partir da apropriação do salário dos trabalhadores; assim, Malthus
escreve sobre o momento do confronto dentro da elite econômica entre os interesses do capital agrário
e do capital industrial, ainda nascente. Os proprietários de terra querem impostos altos de importação
para os cereais para que possam praticar elevados preços internos. Os capitães de indústrias querem
os cereais vendidos a preços menores para que não tenham que recompor os salários. Os pobres e
miseráveis perdem, aos poucos, a parca ajuda financeira das paróquias.

Malthus analisa o crescimento populacional e o aumento da produção de alimentos e chega à


seguinte conclusão: “não há como essa conta ’bater’. A população cresce a taxas geométricas, enquanto
a produção de alimentos cresce a uma taxa aritmética”.

Observação

Ideias não nascem sós: evidência disso é a série de estudos que vem sendo
feita para investigar a relação entre as ideias de Malthus e as de Charles
Darwin. Ambos partiram de uma mesma realidade e suas obras apresentam
aproximações interessantes. Afinal, ambos buscaram compreender os
processos de seleção natural e de sobrevivência da espécie humana.
56
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Saiba mais

Se você quiser ler mais sobre o assunto levantado na Observação, sugerimos


O conceito da natureza em a origem das espécies, de Anna Carolina K. P. Regner.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104‑59702001000400
010&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 23 mar. 2011.

Os estudos de Malthus indicavam: em pouco tempo haveria milhões de esfomeados, a não ser que
se pudesse contar com o providencial auxílio das guerras, das pragas e das pestes. Para Malthus, essa era
a tendência natural da humanidade: “independentemente do êxito conseguido pelos reformadores, em
suas tentativas de modificar o capitalismo, a atual estrutura de proprietários ricos e trabalhadores pobres
reapareceria inevitavelmente” (HUNT, 2005, p. 69). Essa divisão de classes era, segundo Malthus, uma
consequência inevitável da lei natural. Hunt (ibidem) cita Malthus: “parecia que, pelas leis inevitáveis da
natureza, alguns seres humanos teriam de passar necessidade. Essas eram as pessoas infelizes que, na
grande loteria da vida, tinham tirado um bilhete em branco”.

David Ricardo (1772‑1823) compartilhava com Malthus essa visão de mundo. Discordava, porém,
no restante: embora houvesse uma enorme amizade pessoal entre os dois, eram inimigos intelectuais.
Ricardo concordava com a ideia de o crescimento populacional ser responsável pela “corrosão” salarial
do trabalhador, sempre levando esse salário ao nível de subsistência. No entanto, Ricardo complementou
a teoria de renda da terra malthusiana.

Para Ricardo, “o preço dos cereais, em relação ao preço das mercadorias industrializadas, era regulado
pela tendência do trabalho e do capital, quando empregados em terras cada vez menos férteis, a produzir
cada vez menos cereais” (idem, p. 87). Quer dizer, eram as terras menos férteis que determinavam a
renda das terras mais férteis.

As ideias desses fundadores das ciências econômicas são ainda debatidas e analisadas à exaustão: do
tempo em que a economia política buscava por um estatuto de ciência que a diferenciasse da filosofia
moral, as obras desses autores ainda trazem as marcas – indeléveis – de um período em que juízo moral
e ciência podiam – e deviam – estar próximos.

Você sabia?

A seguir, citamos três trechos pinçados de obras de três estudiosos e escritores de peso.

Ao contrário do que se imagina, a Revolução Industrial não correspondeu a invenções técnicas que
fossem fruto de desenvolvimentos científicos notáveis. Na verdade, segundo Hobsbawm, em A era das
revoluções (p. 22),

suas invenções técnicas foram bastante modestas, e sob hipótese


alguma estavam além dos limites de artesãos que trabalhavam em suas

57
Unidade I

oficinas ou das capacidades construtivas de carpinteiros, moleiros e


serralheiros: a lançadeira, o tear, a fiadeira automática. Nem mesmo
sua máquina cientificamente mais sofisticada, a máquina a vapor
rotativa de James Watt (1784), necessitava de mais conhecimentos de
física do que os disponíveis então havia quase um século (...) e podia
contar com várias gerações de utilização prática de máquinas a vapor,
principalmente nas minas.

Já Adam Smith, usando o exemplo de uma fábrica de alfinetes, mostrou, em A riqueza das nações,
como a divisão de trabalho gerava riqueza por meio do aumento da produtividade:

Um operário desenrola o arame, outro o endireita, um terceiro o corta, um


quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça
do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem‑se três ou quatro
operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar
os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui
uma atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um
alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas, as quais,
em algumas manufaturas, são executadas por pessoas diferentes, ao passo
que, em outras, o mesmo operário às vezes executa duas ou três delas. (...)
Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que
nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente
cada um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez
nem mesmo 1.

A substituição crescente da mão de obra por maquinário gerava desemprego, e a revolta era de tal
monta que, ao final do século XVIII e nos primeiros anos do século XIX era comum ocorrerem invasões de
fábricas por hordas de trabalhadores. Conforme afirma Heilbroner (1996, p. 102‑3), “fábricas destruídas
espalhavam‑se pelo campo, e a cada uma o comentário era ‘Ned Ludd passou por aqui’. O boato era
que um rei Ludd ou um general Ludd estava dirigindo as atividades da turba. Não era verdade, claro. Os
luddites, como eles eram chamados, inflamavam‑se pelo puro e espontâneo ódio às fábricas, que viam
como prisões, e ao trabalho assalariado, que desprezavam. (...) Para a maior parte dos observadores (...),
as classes baixas estavam escapando do controle e era preciso agir severamente para acabar com a
situação. E, para as classes altas, aqueles acontecimentos pareciam indicar que um violento e terrificante
Armageddon se aproximava”.

Resumo

Antes que você faça os exercícios, vamos relembrar os pontos mais


importantes já discutidos até agora.

Como área do conhecimento, a economia surge simultaneamente à


formação da economia de mercado e à formação dos Estados nacionais.
58
ECONOMIA E NEGÓCIOS

A economia estuda as formas por meio das quais a sociedade utiliza


recursos escassos e finitos para atender às necessidades ilimitadas.

Chamamos de fatores de produção os recursos terra, trabalho,


capital, tecnologia e capacidade empresarial. A terra é remunerada
pelo aluguel, o trabalho pelo salário, o capital pelos juros, a
tecnologia pelos direitos de propriedade e a capacidade empresarial
pelos lucros.

Aos economistas são atribuídas as respostas às perguntas o quê e


quanto, como e para quem produzir os bens e serviços necessitados pela
sociedade.

Os serviços são intangíveis e os bens são tangíveis. Os bens (livres ou


econômicos) podem ser classificados em bens de consumo (duráveis ou
não duráveis), intermediários e de capital.

Bens e serviços são produzidos no fluxo circular do produto, que tem


correspondente no fluxo circular de renda.

A atividade econômica se organiza sob a forma da livre iniciativa, sob a


forma centralizada ou, o que é mais comum, sob a forma mista.

A economia de mercado surge como resultado da degradação do


feudalismo; assim, são importantes os aspectos relacionados às Cruzadas,
ao processo de urbanização, à formação dos Estados nacionais e às
explorações marítimas.

No mundo em que vivemos, o empreendedorismo é vital para o sucesso


no mundo dos negócios. No entanto, não nascemos empreendedores:
essa competência se torna importante a partir de determinadas condições
históricas.

A Reforma Protestante trouxe o código de ética necessário para o


mundo surgido a partir da degradação do feudalismo. Assim, trouxe a ética
que resultaria das transformações ocorridas com a Revolução Industrial.

A respeito desse novo mundo, Adam Smith, J. Baptiste Say, David


Ricardo e Thomas Malthus escreveriam suas obras fundadoras: os textos
clássicos da economia.

59
Unidade I

Exercícios

Questão 1. “O que levou as panificadoras a funcionarem por 24 horas? O que levou postos de
combustíveis a oferecerem serviços de conveniência? O que levou uma empresa a criar pizzas refrigeradas
para serem aquecidas no aparelho de micro-ondas? O que será que levou uma empresa de chocolate a
colocar um brinquedo dentro de um doce em formato de ovo?” (SANT’ANNA, s. d.).

As características empreendedoras imprescindíveis para a concretização dessas iniciativas inovadoras foram:

I - Habilidade em buscar informações e conhecimentos.

II - Propriedade de capital próprio, suficiente para o empreendimento.

III - Propensão à iniciativa.

IV - Sensibilidade para correr riscos calculados.

V - Ser jovem, forte e cheio de energia.

Assinale a alternativa que contém as afirmativas corretas:

A) I, III e IV.

B) III e V.

C) Todas as afirmativas estão corretas.

D) I e III.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas:

Afirmativa I: correta.

Justificativa: as atitudes que estão relacionadas ao empreendedorismo e, mais especificamente, à


habilidade em buscar informações, são aquelas que dizem respeito ao bom acompanhamento de mercado,
à proximidade com o cliente, ao conhecimento do seu negócio e à prontidão para investigar novas
oportunidades. Também é fundamental pedir, quando necessário, orientação junto aos especialistas
sobre o seu negócio e o seu mercado.

60
ECONOMIA E NEGÓCIOS

Afirmativa II: incorreta.

Justificativa: ter o dinheiro como o fator mais importante para montar uma empresa é um mito,
pois, se as outras peças e o talento estão no lugar, o dinheiro virá. O dinheiro é como o pincel e a tinta
para um pintor: nas mãos certas produzem maravilhas.

Afirmativa III: correta.

Justificativa: a propensão à iniciativa permite agir proativamente, buscar novas oportunidades e


aproveitar outras que sejam fora do comum, com um comportamento de aceitação de riscos.

Afirmativa IV: correta.

Justificativa: sensibilidade para correr riscos calculados inclui avaliar alternativas e oportunidades.
Também inclui uma boa gestão de resultados e a aceitação de desafios desde que, claro, sejam avaliados
os riscos.

Afirmativa V: incorreta.

Justificativa: a afirmativa de que empreendedores devem ser jovens e cheios de energia é


um grande mito. Essas qualidades podem ajudar, mas idade não é barreira. O que é essencial é
possuir conhecimento relevante, experiência e contatos que facilitem reconhecer e agarrar uma
oportunidade.

Questão 2. “Quase 44% da renda dos brasileiros da classe D são gastos com despesas básicas, como
alimentação, transporte e contas de consumo. Os números são da pesquisa feita pela Quorum Brasil
com 400 paulistanos com renda familiar de até R$ 1.020. A alimentação é o tipo de gasto que possui
maior peso nas despesas dessas famílias, representando 15,5% da renda. Em segundo lugar, aparecem
as contas de água, luz, telefone e gás, que consomem 14,7% do salário. Ainda no primeiro grupo de
prioridades no direcionamento dos recursos da família estão as despesas com transporte, para onde vão
13,3% do dinheiro.

Outras prioridades, depois dos gastos de primeira necessidade, são os gastos com cartão de crédito,
que consomem 12,4% de sua renda, seguidos por moradia, aluguel e financiamento (11,9%), prestações
em lojas (11,6%) e despesas com saúde e remédios (11,3%). Ao todo, esses gastos secundários somam
47,2% da renda das famílias da classe D.

As despesas com lazer e passeio aparecem apenas no terceiro grau de prioridade, consumindo,
segundo os entrevistados, 9,2% do orçamento mensal.

A pesquisa “A Classe D e seus Desejos e Despesas” foi feita na cidade de São Paulo, em setembro
de 2010, com homens e mulheres entre 25 e 50 anos de idade que trabalham e têm renda de até dois
salários mínimos” (adaptado de RIBEIRO, 2010).

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Unidade I

Ao analisar a situação apresentada, pode-se relacioná-la, diretamente, com as afirmativas:

I - As empresas, em regimes capitalistas de produção, existem para satisfazer as necessidades de


consumo da sociedade e, em segundo plano, para valorizar o capital investido.

II - Os consumidores precisam, dada sua renda escassa ou limitada, alocar de forma eficiente as suas
categorias de despesas.

III - A Teoria da Firma procura estudar e responder como as empresas combinam a utilização dos
fatores de produção necessários à criação de coisas úteis e o quanto gastam para produzir bens
e serviços.

IV - A sociedade nem sempre obtém êxito na alocação adequada de seus esforços. Pode produzir
carros e artigos de luxo, enquanto uma grande quantidade de pessoas necessita de produtos mais
urgentes e socialmente prioritários.

V - A tecnologia tem aumentado a independência do homem em relação à satisfação de suas


necessidades.

Assinale a alternativa que contém as afirmativas corretas:

A) I, II e III.

B) II e IV.

C) III e V.

D) I, II, III e V.

E) I, II, IV e V.

Resolução desta questão na Plataforma.

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