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Monólogo sobre o desamor.

Daniel Bovolento30 de setembro de 2012

Sabe, eu passei uma vida toda tentando encontrar a resposta pra aquele tal probleminha que todo mundo
disse que eu tinha. Fui na tal da psicóloga, bati papo por horas, dei uma ou outra olhada no telefone pra
ver se alguém ligava e nada. Só agonia. Achei que era falta de homem e lá fui eu tentar me relacionar.

Vocês já viram como é difícil se relacionar com alguém? Credo! Quebra as unhas. A TPM vem redobrada.
Eu já acordava irritada e com vontade de socar a cara do romântico que cismava com a porra da
conchinha. Daí desisti. Achei que o problema era insatisfação crônica – aquele problema que a gente
sabe que tem, mas nunca admite. Estudei muito, viajei muito e essa coisa continuava ali. Angústia.
Vontade de chorar do nada, sabe? Aperto no peito – como se fosse uma mão fria. Falta de ar mesmo.
Um dia desses a gente levanta da cama e liga a televisão de novo – faz parte da rotina. Tem nada de
bom passando e o cobertor parece te convidar pra voltar pra cama. Acho que vocês me entendem. Uma
ligação pro trabalho, uma mentirinha de leve e folga dada. Até que ser profissional exemplar tem lá suas
vantagens – anotem isso. Chuva me dá preguiça e me faz pensar. Se bem que eu sempre fui dessas que
pensam demais – de roer as unhas.

Foda-se o que vocês vão dizer, mas eu tô usando meu moletom surrado e maquiagem pesada no rosto.
Porque se for pra chorar, eu quero borrar o rosto todo. Sentir só o gosto não dá pra mim. É salgado – e eu
prefiro esse sabor por conta da diabetes. Eu preciso me olhar no espelho e me ver desesperada pra
entender se é isso mesmo. Se é essa coisa aturdida dentro do peito que tá saindo e manchando a minha
cara toda – como se alguém tivesse me esbofeteado. Depois eu tomo um banho quente e coloco um
pijama velho sem roupa de baixo. Que é pra me tocar com mais facilidade durante a noite e dormir com
arrepios. Depravada nada. Vocês devem fazer isso e não devem contar pra ninguém. Eu pelo menos
conto isso e mais um pouco. Conto logo o que me sufoca e o que me dá um nó na garganta. Senão eu
vomito. Não tem jeito. Tento engolir e volta tudo.

Boto pra fora: não sei por que vocês choram tanto por amor. Se vocês soubessem da mágoa que é viver
com a sensação de que nunca se amou ninguém – e que nunca vou amar ninguém… Eu tenho plena
certeza disso. E demorei muito pra entender isso entre um trago e outro. Não, gente, ele não vai chegar.
Não tem aquela história de homem dos sonhos, príncipe encantado e o que mais vocês inventarem que
vai chegar. Mas calma… Isso não é revolta. É constatação, sabe? Chega uma hora que você olha pra
fora de casa e vê que ninguém mais vai bater na porta. Não é desesperança, é que não tem ninguém que
me traga conforto. Ninguém que decida que a minha cólera implacável não passava de medo de ficar com
alguém de vez.

O meu problema é a impessoalidade amorosa.

Vocês aí… Vocês ainda têm por quem chorar e por quem sentir saudades. E eu? Eu vou sentir saudades
de quem? Não tem “ele” nenhum na minha vida. Não tem ninguém com quem eu tenha escrito alguma
história – pra bem ou pra mal. Não tem beijo na chuva ou porta batida. Não tem – e nunca vai ter – aquele
sexo de reconciliação gostoso ou aquela gritaria de doer as cordas vocais. Não tem roxo na perna, nem
vai ter arranhão de raiva. É por isso que eu gosto de roer as unhas. Pra achar que foi por um motivo
corriqueiro de nervosismo. Pra tremer com a imaginação de que alguém vai ligar e me pedir desculpas
por ter sido grosso comigo. Pra me desestabilizar dessa falta de tempestade – dessa maresia leve e
poética – que enoja.
Essa imagem de que sempre tá tudo bem… Não é que seja ruim. Mas é falsa. O mundo inteiro com seus
conflitos por aí, e eu explodindo pra dentro de mim. O chato disso tudo é que eu sofro implosões
cotidianas e vou dividir com quem? Como é que é essa parte do tal do amor? A parte voraz e selvagem,
palpável, crua e feia – como o órgão. Não tem. A parte de encarar nos olhos e arrebentar as entranhas;
dos toques esbaforidos enquanto desce o choro misturado com o sal da pele; do cuidado pretensioso que
cerca o carinho. Não tem pró, nem contra. No final, sou só eu e mais um dia de chuva. De temporal bem
no meio da minha cara de quem chora por ninguém, e deixa pra lá. Que a maquiagem já borrou. Que eu
já me esgotei. Que os gritos já ecoaram e não tem ninguém em casa mesmo. Deixa pra lá que é solitude,
e solidão é um papo pra outro dia. Deixa pra lá que eu fecho a cortina de novo, e me jogo na cama, e
brinco sozinha comigo mesma. Rindo de como pode ser estúpida a dor de sofrer por um desamor.

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