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TCC para Depressao-Um Caso Clinico
TCC para Depressao-Um Caso Clinico
Terapia Cognitivo-Comportamental
para depressão: um caso clínico
sua vida. Como Ana mora com os pais, estes a porém, ele não queria namorar, fato que a de-
questionavam sobre não estar em um relaciona- cepcionou e seu humor ficou deprimido. Em
mento sério, pois seus outros irmãos já estavam dezembro de 2010, Ana iniciou tratamento
casados. A paciente dizia estar sendo pressio- com um médico endocrinologista para ema-
nada e não se sentir bem, porém, por não con- grecer, tendo uma dieta balanceada e realizan-
fiar nas pessoas, obrigava-se a ficar sozinha. do atividades físicas frequentemente.
Ao ser questionada a respeito de suas ativi-
dades cotidianas, Ana relatava que tinha per- Avaliação
dido o interesse por muitas atividades e pre-
feria ficar deitada chorando. Ela relatou que O primeiro processo de avaliação pelo qual
continuava trabalhando apenas para ter como a paciente passou foi a Triagem, porta de en-
pagar as contas, mas que sua vontade era de trada do paciente na clínica-escola. Esse pro-
não sair de casa. Ana chegou à terapia em Epi- cesso tem por objetivo buscar informações
sódio Depressivo Maior. acerca do paciente, com o intuito de compre-
Seis meses antes de iniciar terapia, a pa- ender o motivo de sua busca por atendimen-
ciente estava obesa, tendo de buscar atendi- to psicológico e assim lhe encaminhar para o
mento endocrinológico. Ela modificou sua atendimento mais adequado, de acordo com
dieta alimentar e passou a praticar exercícios, sua demanda (Perfeito e Melo, 2004).
conseguindo reduzir sua massa corporal. Po- Durante o processo psicoterápico, Ana foi
rém, no momento do atendimento, não estava avaliada através de múltiplos critérios, sendo
motivada a praticar exercícios e, muitas vezes, eles: (a) entrevista clínica; (b) mensuração atra-
descontrolava-se, comendo muitos chocolates.
vés do Inventário Beck de Depressão (BDI-II);
(c) verificação de humor a partir de escala ana-
História lógica, sendo atribuído, pela paciente, um va-
lor de 0 a 10 para seu humor depressivo; e, (d)
Ana nasceu sem complicações em seu par- verificação da presença de sintomatologia des-
to. Ela foi uma criança tímida, sempre ficava crita no Manual Diagnóstico e Estatístico dos
quieta sem falar com os colegas, tendo vergo- Transtornos Mentais, DSM-IV-TR, para EDM.
nha de conversar. No colégio, tinha poucos A entrevista clínica ocorreu nos primeiros
amigos e se sentia muito sozinha, além disso, encontros. Ao longo do processo, a autoavalia-
sofria bullying (chamavam-na de gorda, ba- ção de seu humor e a presença de sintomato-
leia), fato que a deixava triste. logia se mantiveram. O BDI-II foi utilizado em
O pai não a deixava sair, com isso, ela fi- quatro atendimentos, sendo eles: a triagem, a
cava sozinha, pois tinha vergonha de não po- segunda, a quinta e a décima sessão. Esse ins-
der fazer atividades fora do colégio com seus
trumento, apesar de poder gerar aprendiza-
amigos. A partir dos 14 anos, ela passou a ter
gem em decorrência da sua reaplicação, teve
mais contato interpessoal e afirmou que “[sua
por objetivo verificar a intensidade dos sinto-
adolescência] foi bem melhor que a infância”
mas de uma paciente psicoeducada quanto ao
(sic.). Ela tinha mais amigos e, quando estava
objetivo do instrumento. Apesar disso, no de-
com eles, era espontânea e brincava com to-
correr das sessões, o resultado do instrumento
dos. Foi nessa época que conheceu seu primei-
foi verificado através de relatos da paciente
ro namorado, que foi infiel. Após esse fato, ela
sobre sua semana e seu estado de humor atual.
não estabeleceu outros relacionamentos sérios.
O pai é autoritário e aposentado, ele impõe
regras em casa, tentando controlar o que cada Descrição do tratamento
um faz. Em alguns momentos, ele fala em for- e progresso do caso
ma de brincadeiras, sobre ela não ter casado.
Ana sente que não tem espaço em casa. Tem No processo de triagem, Ana contou so-
dificuldades em estudar, porque o pai liga a bre sua insatisfação com seus relacionamen-
televisão com som alto em diferentes momen- tos interpessoais e o quanto se sentia inferior
tos do dia. Frente a isso, ela evitava falar com às demais pessoas, frente a isso, ela foi enca-
ele, para que não se sentisse “deprimida” (sic.), minhada para atendimento psicoterápico no
pois o pai a “rebaixa e diz que não acredita que referencial Cognitivo-Comportamental, com
eu ainda não saí de casa” (sic.). o intuito de ser auxiliada na identificação de
Recentemente, ela estava “ficando” com suas distorções cognitivas e consequentes alte-
um de seus amigos pelo qual se apaixonou, rações de humor.
Auto-avaliação
Sessão BDI-II Relatos da paciente
de Humor
Triagem 33 Grave - -
“Eu sempre penso o pior, porque eu
1 - - - sempre me frustro mesmo [...] eu me sinto
inferior”
2 36 Grave - “Fiquei me sentindo mal e muito insegura”
3 - - - Ficou angustiada
4 - - 10 “Eu me senti totalmente deprimida”
5 31 Moderado - “Eu me senti mais tranquila”
“Estou menos deprimida que nos outros
8 - - 7
dias”
9 - - 5 Realizou atividades de lazer
“Não me senti muito bem, nada vai dar
10 33 Grave -
certo”
“Fiquei alguns dias meio deprimida, mas
12 - -
eu to me sentindo melhor, bem melhor”
14 - - 5 -
“Eu me senti mal, e não fiquei como antes
18 - - 6 eu ficava, foi mais leve do que era antes,
mas me senti mal”
20 - - 0 “Essa foi uma semana tranquila”
Nota: (-) não há essa medida.
No presente estudo de caso, foram reali- to. Ao final da sessão, como tarefa de casa e
zadas 20 sessões, de 50 minutos de duração extensão da psicoeducação, foi solicitado que
cada. Na sessão inicial, através de entrevistas, ela preenchesse o Modelo ABC. Esse modelo
buscou-se por informações sobre os dados tem por objetivo reforçar para a paciente a
pessoais e história pessoal e clínica da pacien- importância dos pensamentos e o quanto as
te. Para que a avaliação fosse consistente, esta crenças e os esquemas podem influenciar nas
ocorreu em três sessões as quais permitiram emoções (Leahy, 2006). Cada letra do modelo
a identificação do diagnóstico de Transtorno representa algo. A letra A representa o even-
Depressivo Maior, conforme o DSM-IV-TR to causador, ou seja, algo que desencadeia a
(APA, 2000). reação; a letra B representa o processamento
Na segunda sessão, a terapeuta valeu-se de do evento através de crenças, pensamentos e
dados relatados por Ana para realizar a psico- imagens; a letra C são os comportamentos e as
educação, utilizando exemplos para demons- emoções decorrentes da forma que a situação
trar a manifestação do transtorno, bem como (A) foi interpretada (McMullin, 2005).
formas de aplicação da técnica. Por exemplo, A partir do preenchimento do modelo
com o relato: “Eu sei bastante as coisas e sou ABC, na sessão três, foi retomado o quanto
inteligente, mas se as pessoas souberem, eu emoções e pensamentos estão relacionados.
vou estar sendo metida” (sic.), a terapeuta Após esse encontro, a terapeuta e sua super-
questionou se todas as pessoas que sabem algo visora pensaram sobre a possibilidade de
são metidas por demonstrar seu conhecimen- Ana passar a ser medicada para seu humor
deprimido, tendo em vista o número de dis- samento, ela concluiu que estava ativando sua
torções e a desmotivação para suas atividades. crença e relatou que estava conseguindo refle-
Porém, optou-se por esperar mais uma sessão tir sobre o que acontece, porém, ainda queria
e avaliar o quanto a paciente estava respon- aprender a resolver algumas distorções. A pa-
dendo ao tratamento e motivando-se para ciente costumava generalizar e personalizar
realizar as tarefas e focar em sua metacognição. os acontecimentos, culpando-se pelas atitudes
Na quarta sessão, frente às pequenas evolu- dos demais e acreditando que algo que ocor-
ções que a paciente foi demonstrando e tendo reu uma vez ocorreria novamente, por exem-
em vista sua motivação para realizar as ativi- plo, as pessoas traírem sua confiança.
dades propostas e melhorar, não foi indicado Na sessão sete, frente a pensamentos deter-
que a paciente realizasse avaliação psiquiátri- ministas como, por exemplo, “eu sempre me
ca, sendo que a terapeuta continuou monito- decepciono com as pessoas” (sic.), a terapeuta,
rando a sintomatologia e a evolução de Ana, insistentemente questionava a paciente, utili-
não descartando a possível indicação de uma zando, por vezes, intenção paradoxal. A prática
avaliação psiquiátrica. Ela cumpriu a tarefa de de atividades prazerosas com outras pessoas
casa que incluiu o aumento de atividades que continuou sendo indicada, visto que dessa for-
a dessem prazer, e, na sessão cinco, a paciente ma trabalhou-se seus contatos interpessoais.
demonstrava estar pensando sobre suas dis- Na sessão nove, Ana apresentou melhora
torções, empenhando-se em questionar seus subjetiva, declarando que decidiu cuidar de
pensamentos e a perceber quando seus sinto- si, realizando tarefas que há algum tempo
mas estavam ficando mais intensos. não fazia, por exemplo, ir ao shopping e ao
Na sexta sessão, apesar de estar aumen- cinema. Pode-se perceber que a forma como a
tando suas atividades, Ana sentiu-se insegura paciente resolvia seus problemas, a cada ses-
quanto ao seu relacionamento com um rapaz, são, mostrava-se mais efetiva e, aos poucos,
visto que pensou “ele não gosta de mim” (sic.). Ana começou a focar em sua metacognição,
Com questionamentos a respeito de seu pen- questionando-se.
As distorções cognitivas passaram a ser os com o intuito de, aos poucos, flexibilizar as
trabalhadas com maior intensidade na sessão duas crenças mais presentes na paciente, des-
10. A paciente demonstrou progressos e suas valor e incapacidade. Com o tempo, aliando-se
atividades, que anteriormente não realizava, à estratégias cognitivas, intervém-se de forma
passaram a ser praticadas com maior frequên comportamental, visto que, além de conseguir
cia e prazer. Nas sessões seguintes, durante identificar seus pensamentos disfuncionais,
os encontros, a terapeuta buscava estimular é importante que a paciente tenha motivação
seus comportamentos funcionais e acrescentar para as demais atividades, não perdendo o
novas atividades prazerosas, incluindo outras foco da terapia.
pessoas, como amigos e familiares. O atendimento descrito perpassou por al-
Na sessão 15, Ana contou para a terapeu- gumas dificuldades, sendo que, em alguns mo-
ta que teve uma recaída, ficando muito triste, mentos da terapia, Ana apresentou recaídas,
porém, conseguiu questionar-se e encontrou sendo necessários questionamentos e inter-
estratégias para que não aumentasse o senti- venções mais persistentes. Para isso, a terapeu-
mento de tristeza. Ela convidou uma amiga ta utilizou intenção paradoxal como forma de
para sair e concluiu que estava distorcendo a fazer com que a paciente percebesse suas dis-
situação. Ao final da sessão 16, a paciente rela- torções. Essas recaídas ocorreram, principal-
tou o quanto estava feliz por conseguir pensar mente, nas sessões 4, 8 e 10. Na sessão quatro,
em aspectos de seu processamento cognitivo a paciente relatou estar muito desmotivada,
que, até então, não havia se questionado, e o não tendo vontade de sair de casa, nem mes-
quanto isso estava a auxiliando a lidar com mo para trabalhar, além disso, não conseguia
seus sentimentos, visto que, a cada sessão, en- manter a concentração em suas atividades. Na
contrava novas soluções para seus problemas, oitava sessão, sua recaída foi decorrente da ati-
sendo estas mais efetivas que inicialmente. vação da crença de desvalor. Na sessão 10, a
Pode-se notar que a terapeuta foi ficando mais crença de incapacidade foi mais frequente. Po-
passiva no decorrer dos atendimentos, sendo rém, vale destacar o quanto a motivação para
um suporte à Ana, que trazia suas soluções e a mudança dessa paciente contribuiu para o
sua forma de pensar as situações e estas esta- sucesso do plano terapêutico e para a remis-
vam sendo efetivas. são dos sintomas do EDM. Desde o primeiro
Os comportamentos de Ana começaram a contato com a terapeuta, Ana demonstrou o
ser mais discriminados a partir da sessão de- quanto queria mudar, visto que seu estado es-
zoito, sendo que ela iniciava um registro de tava lhe trazendo prejuízos sociais, familiares
seus comportamentos com o intuito de ava- e profissionais.
liar o quanto são funcionais ou disfuncionais. Outra dificuldade presente no processo te-
Na sessão seguinte, a paciente, além de ter rapêutico são as diversas situações pelas quais
registrado seus comportamentos, os avaliava, a paciente passava. Essas situações, principal-
conseguindo determinar se era necessária a mente, quando envolviam seu pai e o julga-
modificação ou a adaptação desses comporta- mento deste, ativavam pensamentos disfun-
mentos. cionais, os quais Ana assumia como verdades
Na sessão vinte, a paciente estava sendo absolutas. Esses episódios a deixavam com o
sua própria terapeuta, e, ao final dessa ses- humor deprimido, visto que, além de a situa-
são, como feedback, Ana relatou que a cada ção em si ter ativado suas crenças, ao não per-
dia conseguia perceber seus pensamentos e ceber essa ativação, ela julgava-se como inca-
comportamentos com maior facilidade, ques- paz de realizar o proposto em terapia.
tionando-os e, quando necessário, encontran- A paciente apresentava dificuldades nos
do estratégias para não sentir-se triste ou com seus relacionamentos interpessoais, não con-
grandes alterações em seu humor. Também, seguindo manter conversações, evitando estar
nessa sessão, através de entrevista clínica, a em contato com seus amigos e colegas, pois
terapeuta constatou que Ana estava sem os via-se como inferior a eles e acreditava que não
sintomas de EDM, tendo remissão completa. gostavam dela. Com o decorrer do processo te-
rapêutico, Ana passou a ter mais contato com
Implicações do caso seus amigos e a perceber o quanto eles gostam
dela e que suas ações é que estavam os afastan-
No caso apresentado, utilizou-se a TCC do. Esse fato demonstra o quanto o terapeuta
em seu modelo clássico, ou seja, verificando tem de insistir com o paciente para que este
pensamentos disfuncionais e questionando- não acabe entrando em um funcionamento
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