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Intervenção Psicológica em
uma Unidade de Transplante
Renal de um Hospital
Universitário
Maria Lúcia
Pinheiro Garcia,
Universidade Estadual do Ceará
Ângela Maria
Alves e Souza
Universidade Federal do Ceará
das intervenções para que, à condição do padronização e organização circular indica que
paciente, não sejam acrescentados medos e nenhum evento ou parte de um
ansiedades. comportamento causa outro, e, sim, que cada
um está ligado, de maneira circular, a muitos
Os recursos teóricos utilizados podem ser outros eventos e partes de comportamentos.
determinantes para a condução do processo Ao longo do tempo, os padrões constantes
terapêutico, visto ter o contexto hospitalar suas funcionam para equilibrar a família. O papel
peculiaridades. O psicólogo hospitalar se do terapeuta é identificar esses
diferencia muito do psicólogo clínico, porque comportamentos, inclusive o sintoma e sua
atuar nesse contexto é estar atento a todas as função dentro do sistema (Papp, 1992).
relações que o paciente desenvolve com a
equipe multiprofissional, com ele mesmo e Satir (1988) enfatiza a importância da
comunicação no comportamento interacional
com a família, dentro de uma fragilidade física.
e postula a idéia de que a doença familiar é
É nessa teia relacional que as intervenções são
derivada de métodos inadequados de
realizadas e acontecem em um espaço de
comunicação entre os membros da família.
tempo muito breve, enquanto o paciente está
Os membros de famílias funcionais se
no contexto hospitalar.
manifestam com clareza, deixando aparecer
abertamente o que pensam e sentem; tratam
Recursos utilizados para as a presença das diferenças mais como As famílias
intervenções - abordagem oportunidades de aprender e crescer do que
funcionais
empregam
sistêmica familiar, teoria de como ameaça ou sinal de conflito. efetivamente seus
recursos para
crise e técnica de psicoterapia As famílias funcionais empregam efetivamente solucionar os
breve de apoio seus recursos para solucionar os problemas do problemas do
grupo familiar; ao
grupo familiar; ao mesmo tempo, preocupam- mesmo tempo,
Para a leitura e o manejo dos conflitos que se com as necessidades emocionais de cada preocupam-se
emergiram nesse caso, foi buscado apoio na membro. com as
necessidades
literatura, por intermédio dos autores Minuchin emocionais de
(1982), Papp (1992) e Satir (1988), que Para Minuchin (1982), a estrutura familiar é cada membro.
desvelam as relações na abordagem sistêmica um conjunto invisível de exigências funcionais
familiar. Foram utilizadas, também, a teoria que organiza as maneiras pelas quais os
de crise de Caplan (1960) e a técnica de membros da família interagem. A origem
dessas expectativas está mergulhada em anos
psicoterapia breve de apoio (PBA).
de negociação explícita e implícita entre os
membros da família, freqüentemente, em
Para Papp (1992), “...o que é assinalado por
torno de pequenos eventos do cotidiano.
teoria dos sistemas, em terapia familiar, é uma
Assim, o sistema oferece resistência à
imprecisa série interligada de conceitos
mudança. Quando surgem situações de
enraizados na teoria geral dos sistemas e na desequilíbrio no sistema, é comum que os
cibernética” (p. 22). membros da família façam reivindicações de
lealdade familiar e manobras que induzem
Os conceitos-chave do pensamento sistêmico culpa. O que se espera de normalidade é que
têm estreita relação com a totalidade, a a família se adeque às mudanças internas e
organização e a padronização. As idéias centrais externas, adaptando-se às novas circunstâncias
dessa teoria são as de que o todo é sem perder a continuidade.
considerado maior do que a soma de suas
partes. Uma mudança em qualquer uma das Caplan (1960) define crise como um estado
partes altera as outras e o todo se regula para de perturbação, usualmente associado a
manter o sistema equilibrado. O conceito da sentimentos de desconforto, tais como
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angústia, medo, culpa ou vergonha, que ocorre Algumas das principais intervenções empregadas
quando o indivíduo é exposto a um problema na técnica da PBA são: sugestão, controle ativo,
insuperável pelos seus meios habituais de reasseguramento, aconselhamento, ventilação
solução, durante um certo tempo, e outros (desabafo), educação, clarificação, confrontação
métodos não lhe parecem disponíveis. (Cordioli, 1993).
A entrevista psicológica com o doador tem o paciente renal, possibilitar apreender suas
objetivo de investigar os sentimentos e as vivências, facilitar a elaboração do seu
fantasias quanto à doação, esclarecer quanto momento atual.
ao processo cirúrgico e recuperação e prepará-
lo para uma possível rejeição do rim por parte Na entrevista psicológica com a família, é
do receptor. observado se há alguma alteração na sua
dinâmica frente à deficiência do paciente, pois
A primeira entrevista psicológica com o isso pode ser fator de apoio ou de dificuldade
receptor tem por objetivo conhecer a na reabilitação deste. No estudo de caso a
motivação do paciente e suas expectativas seguir, foi observado que a comunidade se
relacionadas ao transplante, auxiliando-o a mobilizou emocionalmente e que isso
clarificar as fantasias relativas ao transplante e repercutiu nos conflitos do paciente diante da
a sua deficiência renal. Analisa também suas doação.
emoções e a percepção que tem de si após o
diagnóstico da deficiência; examina, ainda, os Segundo Angerami (1996), quando a família
esclarecimentos procedidos, tanto pelo médico tem ganhos secundários com a patologia,
como pela enfermeira, relativos ao processo poderá querer manter o status quo da doença,
cirúrgico e cuidado pós-transplante, checando, dificultando a reabilitação do paciente. Outra
a partir do seu discurso e suas manifestações possibilidade é se estruturar de forma que
emocionais, se as informações e orientações apóie o paciente na sua reabilitação. A
foram efetivamente compreendidas. O ocorrência de uma ou de outra situação vai
objetivo é possibilitar a diminuição da depender da forma como a família se
ansiedade diante do processo cirúrgico, mas estruturou em suas relações. A atitude que o
o que acontece, muitas vezes, é a paciente tem diante da doença e dos que o
manifestação de sentimentos e fantasias rodeiam também influencia. Fongaro &
latentes relativos à rejeição da deficiência renal Angerami (1996) citam dois tipos de
e ao tratamento de hemodiálise. É a primeira tendências nas quais o indivíduo se posiciona
oportunidade que o paciente está tendo para em relação à valoração da própria vida: postura
entrar em contato com a carga de sofrimento de necrofilia (morte) ou biofilia (vida), que
diante de todo o seu tratamento. Faz-se mister dificultam ou potencializam a recuperação
oferecer a possibilidade de confronto do quando associadas à estrutura egóica.
paciente com sua angústia e seu sofrimento
diante de sua deficiência, buscando superá- A entrevista psicológica com a família (mãe e
la, para que ele possa integrar as fantasias a irmã) tem como objetivos: investigar as
atribuídas ao transplante renal com a realidade mudanças ocorridas no cotidiano após o
do tratamento. problema renal, tomar conhecimento das
reações da família ante o problema renal e o
O psicólogo hospitalar, junto ao paciente transplante, saber quais restrições o paciente
crônico, procurará compreender o indivíduo sofreu com o problema renal e quais as
na sua dinâmica existencial, pois, segundo vantagens (se houver) em tê-las; saber se existe
Santos e Sebastiani (1996), ser portador de conhecimento e fantasias a respeito do
doença crônica ocasiona problemas, angústia processo cirúrgico e cuidados pós-operatórios;
em nível existencial, tanto para o paciente observar o interesse da família na realização
como para seus componentes familiares. do transplante.
Dependendo dos procedimentos e contatos
com a equipe multiprofissional, é modificada A intervenção psicológica na enfermaria, de
toda uma estrutura de vida pessoal e familiar. uma forma geral, ocorre diante de solicitação
A atuação do psicólogo, no HUWC, visa a médica ou por necessidade observada pelo
aprofundar o significado da experiência do próprio psicólogo. Os focos das intervenções
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são bastante diferenciados, pois, nesse local, As intervenções com a equipe multiprofissional
estão os pacientes em recuperação pós-cirúrgica, têm como objetivo a discussão de casos de
os pós - transplantados que apresentam alguma acordo com a necessidade da equipe, discussão
intercorrência e os que ainda não realizaram o de atitudes na relação médico-paciente se o
transplante, mas necessitam de algum cuidado foco for a doença. Independentemente do foco
médico. – alta, óbito – internação, a atuação se dá na
facilitação do vínculo médico-família, para
Com os pacientes pós-cirúrgicos, a intervenção esclarecimento à família acerca de
procedimentos relacionados ao paciente.
psicológica tem objetivos diferentes, de
acordo com o foco. Se este for a alta
hospitalar, é dado apoio para a reabilitação do
Estudo de caso
paciente e retorno ao ambiente familiar,
Dados de identificação
possibilitando o afloramento de conteúdos
emocionais, com o objetivo de reduzir a
L.A.S, do sexo feminino, procedente de
ansiedade gerada diante de possíveis perdas; Mossoró/RN, é o 5ª rebento de uma prole de
no caso do foco na doença deficiência renal, oito (idades: 30 , 29, 28, 24, 22, 21, 20, 18
deve-se clarificar alguma fantasia relacionada anos). Nasceu em 23.08.78. Fez transplante
à deficiência e recuperação, auxiliar na com doador vivo, o irmão, dois anos mais novo.
desvinculação da hemodiálise praticada
regularmente antes do transplante, Metodologia
estimulando a continuidade do tratamento;
se houver óbito, é favorecido o apoio à família O foco para esse estudo de caso foi o processo
diante da perda do ente querido e o apoio à emocional pelo qual passou o paciente renal
equipe de saúde diante desse momento. crônico diante do transplante: ela, o doador e
Quando o foco está em torno da internação, a família.
o psicólogo estuda a implicação emocional,
na família, decorrente da hospitalização do Para descrição do caso, são utilizados nomes
paciente, esclarecendo sobre a sua situação , fictícios para o doador, o receptor e seus
suas possibilidades e limitações. familiares, respeitando o anonimato: Maria é
a receptora, José é o doador, a mãe de Maria
As intervenções com a família, focalizando a é Clara, e sua irmã é Júlia.
alta parcial, acontecem com a investigação de
O acompanhamento psicológico foi iniciado
medos, fantasias, concepções errôneas da
no ambulatório de pré-transplante, ou seja,
deficiência, relação de dependência e
antes da cirurgia, e continuado na enfermaria,
sofrimento que envolvem o doente e a família,
após o transplante.
com esclarecimento sobre as condições
necessárias para o restabelecimento físico e Os atendimentos ocorreram da seguinte
emocional do paciente. forma:
passou pela dinâmica individual do doador, das limitações impostas pela deficiência e a
do receptor e da família, ativando conflitos descoberta de opções para conviver com ela.
até então inconscientes, mas que O apoio, através do espaço psicológico
influenciavam na decisão e no equilíbrio acolhedor e seguro, permitiu à paciente
emocional do paciente, que queria submeter- perceber que ela tem uma deficiência renal e
se ao transplante. Ainda foram ativados que sua história existencial não se limita a ela.
conflitos naqueles que, de forma direta, A elaboração de fantasias, as informações
estavam envolvidos com o decurso da cirurgia sobre a deficiência renal, sobre o transplante,
e seu período anterior e posterior. viabilizados pelas intervenções da PBA,
possibilitaram um descobrir-se emocional-
Fazendo um caminho do processo emocional mente em suas várias relações.
de Maria, pode-se observar o alívio da pressão
emocional interna, abertura para o diálogo Essa experiência como extensionista trouxe
franco e esclarecedor das suas emoções com uma percepção clara da fronteira que
seu irmão, gerando espaço para confiança diferencia a atuação do psicólogo clínico e a
mútua e cumplicidade. Isso permitiu uma do psicólogo hospitalar. A abordagem teórica
decisão mais madura pela recepção do rim do psicólogo clínico, que o auxilia na
interpretação da dinâmica do paciente e nas
do irmão, culminando com o sentimento de
suas intervenções, se torna insuficiente para o
esperança no sucesso do transplante.
contexto hospitalar. É necessário o acréscimo
Possibilitou também, ao doador, alívio dos
de informações sobre a dinâmica da própria
conflitos internos da relação fraternal da
instituição hospitalar, pois esta, através de suas
infância e adolescência, levando-o a uma
normas, define, de forma direta, os settings
opção consciente da doação. O doador foi
terapêuticos nos quais se dá a atuação do
capaz de reconhecer a influência psicológica
psicólogo. O profissional precisa, então, ser
que a família e a comunidade exerciam sobre
flexível e ter recursos técnicos (como a PBA)
ele.
para desenvolver seu trabalho. A supervisão
com a psicóloga, também hospitalar, se fez
O espaço psicológico criado para responder
necessária para iluminar a cultura da instituição,
à demanda de preparação para o transplante clarear possíveis obstruções nos canais de
evolui para um processo existencial, no qual comunicação entre os membros da equipe,
afloram conflitos intra e inter-relacionais. Com entre a equipe e o paciente e entre o paciente
a elaboração desses conflitos, o objetivo e sua família, além de possibilitar ao psicólogo
inicial, o transplante, transcende para o perceber possíveis fatores que podem
autoconhecimento. A deficiência renal pode sobrecarregá-lo psiquicamente e impedi-lo de
significar, portanto, uma ponte para o realizar uma atuação eficaz.
enfrentamento da própria vida ao lidar com
fragilidades e medos. Também possibilita O projeto de extensão em capacitação
descobrir fortalezas, coragem e perseverança, hospitalar no serviço de transplante renal do
notando que é ele, paciente, o grande HUWC foi avaliado como satisfatório e
condutor da sua história. resultou na criação de uma vaga para psicólogo
concursado nesse serviço. Isso demonstra a
A utilização da técnica de psicoterapia breve seriedade do trabalho desenvolvido e o
de apoio e o conhecimento da dinâmica da respeito pela pessoa portadora de deficiência
instituição hospitalar foram determinantes na renal, que traz um sofrimento psíquico
condução do processo, possibilitando a prática sobreposto ao sofrimento físico. Além disso,
interdisciplinar e a realização de intervenções demonstra que o psicólogo tem instrumentos
que resultaram em redução de sofrimento teóricos e práticos para desenvolver assistência
psíquico na paciente. Houve o enfrentamento no âmbito hospitalar.
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