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Debate sobre os

conceitos de proteção
internacional da
pessoa humana
Zolotar, Márcia
SST Debate sobre os conceitos de proteção internacional da
pessoa humana / Márcia Zolotar
Ano: 2020
nº de p.: 12

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Debate sobre os conceitos
de proteção internacional
da pessoa humana

APRESENTAÇÃO
Nesta unidade, estudaremos a importância da organização de normas
internacionais que protejam os direitos humanos. Veremos que, ao longo da
histórica, buscou-se criar normas de proteção ao indivíduo que o resguardassem
dentro e fora do seu Estado nacional. A construção de uma tutela que garantisse, ao
menos, o mínimo de garantias protetivas a ele foi possível por meio da construção
de Acordos e Convenções entre países.

Também será possível verificar que os sistemas normativos internacionais não


surgem com o objetivo de superar os ordenamentos jurídicos nacionais, mas para
complementá-los, agregando valores à proteção da dignidade humana pelos poderes
estatais. Por fim, faremos uma discussão sobre a participação do Brasil em alguns
acordos internacionais, verificando o reflexo de tais normas no atual cenário brasileiro.

NOÇÕES SOBRE DIREITOS HUMANOS


Os direitos humanos correspondem a um amplo conjunto de direitos direcionados
ao ser humano e sua essência se baseia na existência da própria subsistência
da vida humana. Logo, basta ser humano para possuir tais direitos. Assim, eles
assumem a finalidade de salvaguardar a pessoa, nas diversas situações, da forma
mais ampla possível.

De forma histórica, a reflexão da construção de um ordenamento jurídico


internacional ocorre no pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e intensificam-
se no contexto do término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Outro
marco histórico é o julgamento do alto escalão do partido Nazista no Tribunal de
Nuremberg pelos atos praticados durante os conflitos.

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Saiba mais
Filme: O Tribunal de Nuremberg

Sinopse: retrata o julgamento do staff do Partido Nazista e suas


justificativas quando da violação de direitos humanos.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qRw1gIp8J_s

Buscando estabelecer um conceito para os Direitos Humanos, Peres Luño (1995)


leciona que:

É o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico,


concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas,
as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos
jurídicos em nível nacional e internacional. (PERES LUÑO, 1995, p. 38
[tradução nossa])

Conforme enfatizamos, o conceito de direitos humanos é resultado de um processo


histórico e de constante evolução, aplicado a sua sistematização e aos demais
ramos: direito humanitário e direito dos refugiados. Ou seja, enquanto existir a
necessidade de proteção em um mundo globalizado e de constantes mudanças,
haverá, em contrapartida, uma obrigação de atualização dos sistemas e da
normatização.

A figura a seguir nos faz refletir sobre a necessidade de proteger os direitos


humanos, independentemente, do Estado Nacional a que a pessoa pertença. Assim,
o objetivo final das três vertentes da proteção internacional da pessoa humana é
um só: salvaguardar os direitos humanos.

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Proteção internacional da pessoa humana
#PraCegoVer: ilustração em tons de amarelo, laranja e verme-
lho com inúmeras mãos abertas.

Fonte: Deduca (2020).

No Brasil, o primeiro texto constitucional a trazer a tutela da dignidade humana foi


a Constituição Federal da República Brasileira de 1988 (CFRB/88), que já em seu
art. 1º, estabelece a dignidade humana como um dos fundamentos da república
brasileira (BRASIL, 1988).

VERTENTES PROTETIVAS DO SER


HUMANO
Thomas Buergenthal (2000) compreende que o direito humano é aquele que se aplica
na hipótese de guerra, no intuito de fixar limites à atuação do Estado e assegurar a
observância de direitos fundamentais. Ou seja, para o autor, corresponde ao conjunto
de direitos que são oponíveis aos Estados, enquanto os direitos humanitários, para
esse autor, são definidos como o ramo do Direito dos Direitos Humanos que se aplica
aos conflitos armados internacionais e, em determinadas circunstâncias, aos conflitos
armados nacionais (BUERGENTHAL, 2000 [tradução nossa]). Essas áreas devem ser
vistas a partir de um aspecto de convergência.

Ainda para parcela da doutrina, considera-se que haveria uma terceira vertente de
proteção e a próxima figura demonstra a sistematização desse pensamento.

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Vertentes dos Direitos Humanos

Proteção Internacional da
Pessoa Humana

Direitos Humanos Direitos Direitos dos


Humanitários Refugiados
Fonte: Elaborada pela autora (2020).

As três vertentes da proteção internacional dos direitos humanos devem ser entendidas
como complementares e convergentes, visto que a maioria dos instrumentos
internacionais existentes se aplicam, de forma acessória, aos direitos mencionados.

Essa íntima relação entre essas vertentes do direito é da seguinte forma entendida
por Piovesan (2013):

Hoje é amplamente reconhecida a inter-relação entre o problema dos


refugiados, a partir de suas causas principais (as violações de direitos
humanos) e, em etapas sucessivas, os direitos humanos. Assim, devem
os direitos humanos ser respeitados antes do processo de solicitação
de asilo ou refúgio, durante ele e depois dele (na fase final das soluções
duráveis). (PIOVESAN, 2013, p. 257)

Levando em consideração a classificação anterior, Piovesan (2013) conceitua o


termo refugiados como aquele que sofre perseguição, entre outras coisas, por
motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social
ou opiniões públicas. Percebe-se que a intolerância ocorre por características
individuais ou exercício do que deveria ser considerado direitos individuais. Outro
ponto é que o refugiado não pode ou não quer ser protegido ou se submeter às
normas do seu país de origem.

Ou seja, refugiados são indivíduos que, por algum motivo, são perseguidos e têm
como única opção, para resguardar sua vida, deixar seu Estado nacional e buscar
proteção de outra nação.

A origem de todos esses direitos é a violação a direitos e garantias fundamentais do


ser humano e a incapacidade do Estado de servir como garantidor desses direitos.

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A princípio, os direitos dos refugiados surgem na forma de direito ao asilo.
Posteriormente, esse direito é ampliado e passa a figurar como uma obrigação
dentro da Liga das Nações Unidas. Com o tempo, ao passo que vão surgindo novas
necessidades de tutela para os refugiados, percebe-se que é preciso um órgão
direcionado para cuidar dessa demanda. Assim, a Organização das Nações Unidas
(ONU) cria um conjunto de comissões como o Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados (ACNUR).

O Brasil, apesar de não ser um membro permanente do Conselho, é signatário desde


a constituição da Organização. Todavia, a garantia de asilo sempre é uma matéria
controvérsia quando do exame dos Textos Constitucionais, visto que, ora o constituinte
opta por resguardar direitos aos refugiados, ora é omisso no tratamento da matéria.
Nesse sentido, vejamos os exames dos documentos normativos:

• Constituição de 1824 – a primeira carta brasileira foi redigida pelo Conselho


do Estado e não contemplava o direito de asilo. O objetivo principal, naque-
le momento, era estabelecer uma nação soberana e seu reconhecimento no
plano internacional;
• Constituição de 1891 – à semelhança da Constituição anterior, não previa ex-
pressamente o direito de asilo. Tal fato, contudo, não impediu sua aplicação
no episódio da Revolta da Armada, em 1894, quando corvetas portuguesas
concederam asilo a 493 revoltosos;
• Constituição de 1934 – marcou o início de uma nova ordem política no país,
com a derrota da Revolução Constitucionalista, de 1932. Previa expressa-
mente o direito de asilo, em seu Capítulo II, Art. 113, § 31 (BRASIL, 1934);
• Constituição de 1937 – foi considerada um verdadeiro retrocesso na histó-
ria constitucional e política brasileira. O direito de asilo foi retirado do texto
constitucional (BRASIL, 1937);
• Constituição de 1946 – o direito de asilo voltou a figurar na Carta Magna, no
Art. 141, § 33, em face das retomadas dos princípios contemplados na Cons-
tituição de 1934 (BRASIL, 1946);
• Constituição de 1967 – muito embora o cenário político não fosse favorável à
democracia, o direito de asilo foi mantido na forma determinada no Art. 150,
§ 19 (BRASIL, 1967);
• Constituição de 1969 – manteve-se a redação dada pela Constituição de 1967;
• Constituição de 1988 – 1ª constituição democrática, promulgada após 20
anos de ditadura militar. O direito de asilo vem previsto, expressamente, no
Art. 4º, X da CF/88 (BRASIL, 1988).

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Saiba mais
A Revolta Armada (1891-1894) ocorreu no Rio de Janeiro e foi
deflagrada pela Marinha do Brasil, que bombardeou a capital com
navios de guerra – encouraçados. A revolta teve início com a
renúncia de Deodoro da Fonseca, em 1891.

POLÍTICAS INTERNACIONAIS E
INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS NA
CONTEMPORANEIDADE E O QUADRO
BRASILEIRO
As políticas internacionais e intervenções humanitárias adquirem uma maior
relevância durante o período da chamada Guerra Fria. Após o fim da 2ª Guerra
Mundial, ficou claro que os esforços das Organizações das Nações Unidas não
estavam sendo suficientes para tratar da massiva violação de direitos humanos.

Muitos foram os casos de violação a tais direitos, por parte das autoridades
estatais, que ocorreram nesse período. Destaque para os casos ocorridos em
Bósnia-Herzegovina (1990-1992), Somália (1992), Ruanda (1994) e Haiti (1994 e
2004), que são exemplos de violações diretas por parte da autoridade estatal.

Saiba mais
Filme: Hotel Ruanda

Sinopse: o enredo aborda os conflitos políticos entre os hutus e


tutsis, quando mais de 1 milhão de ruandeses perderam suas vidas.

Trailer disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=3wf8prFBpIM.

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O Conselho de Segurança das Nações Unidas surge com o objetivo de manter a paz
e tem o papel decisório diante da possibilidade de intervenções humanitárias nos
países. Compondo o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, recebe críticas
de autoridades nacionais locais por possivelmente violar direitos à soberania, não
intervenção e autodeterminação dos povos quando de suas ações nesses locais.

Assim, merece destaque o art. 1 da Carta da ONU que, em seu art. 1º, estabelece os
propósitos das Nações Unidas:

Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar,


coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os
atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios
pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito
internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que
possam levar a uma perturbação da paz [...]. (ONU, 1945)

A responsabilidade do Conselho de Segurança é determinada no art. 24 da Carta da


ONU, in verbis:

A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus
Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade
na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam que no
cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho
de Segurança aja em nome deles [...]. (ONU, 1945)

O Brasil mantém sua participação em intervenções humanitárias desde 1957. De


1989 a 2006, contribuiu com 20 dessas operações, com contingentes militares,
com apoio à população civil e como facilitador do diálogo político. Sua atuação no
Timor Leste, Moçambique e Angola foi marcante, assim como merece destaque a
intervenção no Haiti, ao assumir o controle das tropas da ONU (2004-2006).

Em 13 anos de trabalho no Haiti, o Brasil enviou 37 mil militares e encerrou sua


missão humanitária apenas em 2017.

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FECHAMENTO
Os direitos humanos devem ser compreendidos como a proteção das garantias
mais essenciais de um indivíduo, englobando um conjunto de direitos que são
ampliados, ao longo do tempo, conforme as novas necessidades humanas.
Atualmente, há um conjunto de Acordos e Convenções Internacionais que visam a
proteção desses direitos, para além do Estado nacional de uma pessoa.

Em nossos estudos, averiguamos que os direitos humanos, o direito humanitário


e o direito dos refugiados, bem como toda a sua sistemática de proteção e os
respectivos órgãos, foram criados logo após a 1ª Guerra Mundial e, de forma mais
permanente, no fim da 2ª Guerra Mundial.

Ao analisar a segunda metade do século XX, vimos que foi nesse momento que
se iniciaram os debates sobre as intervenções humanitárias e seus principais
objetivos. Apesar das duas grandes guerras mundiais terem devastado territórios
e ocasionarem a perda de milhões de vidas, suas consequências foram essenciais
para repensar o limite de poder estatal face ao indivíduo.

Ainda vimos que a Organização das Nações Unida foi fundamental para a
sistematização e construção de documentos, em nível internacional, de preservação
dos direitos humanos. Mais do que apenas uma entidade que dispõe de poder
normativo, a ONU atua diretamente com a assistência a países que passam por
situações de conflitos, embora, alguns desses atos sejam criticados por aqueles
países que sofrem intervenções.

Por fim, foi possível aprender que a proteção mínima dos refugiados aconteceu de
forma gradual, sendo importante lembrar que os sujeitos que estão nessa condição
não é por ato voluntário, mas buscando garantir apenas sua sobrevivência, com
destaque para o Brasil que, ao longo da história, deu asilo a inúmeras pessoas.
Atualmente, a CFRB/88 estabelece o princípio da dignidade humana como um de
seus fundamentos, o que ratifica, ainda mais, seu compromisso com as pessoas em
situação de refúgio.

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Referências
BRASIL. Constituições Brasileiras [1824] – Volume I. 3. ed. Brasília : Senado
Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. 105 p. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/137569/Constituicoes_
Brasileiras_v1_1824.pdf?sequence=5. Acesso em: 10 set. 2020.

______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891).
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm.
Acesso em: 11 set. 2020.

______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 15
set. 2020.

_____. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em: 15
set. 2020.

_____. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 15
set. 2020.

______. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm.
Acesso em: 15 set. 2020.

______. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm.
Acesso em: 11 set. 2020.

_____. Constituição Federal da República Brasileira de 1988. Brasil: Senado Federal,


Gráfica do Senado Federal, 2020.

BUERGENTHAL, T. International human rights. 2. ed. Minnesota: West Publishing, 2000.

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PERES LUÑO, Antônio. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 5. ed.
Madrid: Editora Tecnos, 1995.

ONU. Organização das Nações Unidas. Carta das Nações Unidas de 1945.
Disponível em: https://nacoesunidas.org/carta/cap1/. Acesso em: 19 set. 2020.

PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. São


Paulo, Saraiva, 2013.

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