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ALBERTO CAEIRO
Entre os heterónimos de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro é tido como o mestre. Homem
simples, despiu-se de toda a subjetividade e introspeção. Utilizava uma linguagem
simples e direta, negando questões metafísicas, a subjetividade e a introspeção, elementos
tão comuns para tantos poetas.
“(...) A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nela de que
narrar. Os seus poemas são o que houve nele de vida. Em tudo mais não
houve incidentes, nem há história. […] Ignorante da vida e quase
ignorante das letras, sem convívio nem cultura, fez Caeiro a sua obra um
progresso impercetível e profundo, como aquele que dirige, através das
consciências inconscientes dos homens, o desenvolvimento lógico das
civilizações. […] Por uma intuição sobre-humana, como aquelas que
fundam religiões, porém a que não assenta o título de religiosa, por isso
que repugna toda a religião e toda a metafísica, este homem descreveu o
mundo sem pensar nele, e criou um conceito do universo que não contém
uma interpretação (...)”.
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
de todo o céu,
Ricardo Reis foi um dos heterónimos mais importantes de Fernando Pessoa, tendo
assinado cerca de 250 odes, e a sua poesia apresenta características neoclássicas.
Criado em 1913, Ricardo Reis deu voz aos poemas de índole pagã inspirados na cultura
greco-latina. O estilo influenciado pela tradição greco-latina aproximou os escritos de
Ricardo Reis aos escritos do poeta latino Horácio. Nos seus poemas, podemos notar o uso
de gerúndios, imperativos e inversões de sintaxe.
Outros aspetos formais que também podem ser notados são o emprego de vocabulário
erudito e arcaico, formas estróficas e métricas de influência clássica (“ode”) e o diálogo
permanente com o “tu”, evidenciando assim uma certa coloquialidade.
Um facto curioso da sua biografia é a indefinição do ano de sua morte: embora tivesse
definido a data de falecimento dos seus outros heterónimos, Fernando Pessoa não o fez
com Ricardo Reis. Esta peculiaridade terá inspirado José Saramago a escrever O ano da
morte de Ricardo Reis, em que se aventurou a terminar a história de Ricardo Reis, o
protagonista do romance, situando a sua morte no ano de 1936.
Sê Rei de Ti Próprio
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.
O espírito clássico greco-latino de Ricardo Reis definiu o tom da sua obra, sendo nela
predominantes temas como as boas formas de viver, o prazer, a serenidade e o equilíbrio.
Influenciado pelo epicurismo, sistema filosófico definido pelo filósofo Epicuro, que prega
a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação
do medo, Ricardo Reis defendia o preceito grego do “carpe diem” (viver o “aqui e
agora”). Além do epicurismo, o escritor foi influenciado também pelo estoicismo, escola
de filosofia helenística que rejeitava as emoções e os sentimentos exacerbados.
ÁLVARO DE CAMPOS
Não bastasse serem dotados de estilo próprio, os heterónimos de Pessoa ganharam do seu
criador biografias recheadas de acontecimentos que quase nos fazem acreditar que eles
de facto existiram fora do escritor. Álvaro de Campos está entre os principais excessos
do poeta; isto porque os versos a ele atribuídos ocorriam em momentos em que Pessoa
sentia um incontrolável impulso para escrever, daí a urgência e os versos tidos como
febris.
“(...) Como escrevo em nome desses três?...
Caeiro por pura e inesperada inspiração,
sem saber ou sequer calcular que iria
escrever. Ricardo Reis, depois de uma
deliberação abstracta, que subitamente
se concretiza numa ode. Campos, quando
sinto um súbito impulso para escrever e
não sei o quê.
Durante esta fase, os poemas de Álvaro de Campos foram influenciados pelo futurismo,
estética também encontrada na obra dos escritores Walt Whitman e Marinetti
(responsável pelo Manifesto Futurista).
É possível perceber o fascínio pelas máquinas e pelo progresso nos poemas futuristas de
Campos, fase que pode ser ilustrada a partir da leitura dos poemas Ode Triunfal e Ode
Marítima.
Segundo Pessoa, “quando calhava jantar pelas sete horas, quase sempre encontrava um
indivíduo cujo aspeto, não me interessando a princípio, pouco a pouco passou a interessar-
me”. Ele referia-se a Bernardo Soares como “um homem que aparentava trinta anos,
magro, mais alto que baixo, curvado exageradamente quando sentado, mas menos quando
de pé”.
O escritor Bernardo Soares, órfão de mãe quando tinha um ano de idade, era solitário e
vestia-se com certo “desleixo não inteiramente desleixado”. No rosto pálido, havia um ar
de sofrimento. De acordo com Pessoa, esse “ar de sofrimento” parecia indicar
“privações, angústias, e aquele sofrimento que nasce da indiferença que provém de ter
sofrido muito”.|2|
Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido,
sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão
pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de
dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas
como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem
vestígios. Nestes momentos o meu coração pulsa mais alto pela minha
consciência dele. Vivo mais porque vivo maior.
Ele reflete sobre a sensação de ser menos do que humano ou ser tão pouco sendo humano:
Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia
desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a
sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua
para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos
de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se
esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.
Apesar disso, ele revela o seu interesse pelo outro, o seu desejo de ser outra pessoa:
● “Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue
a diligência do abismo.”
Notas
|1| PESSOA, Fernando. Escritos íntimos, cartas e páginas autobiográficas. Introdução, organização
e notas de António Quadros. Lisboa: Publicações Europa-América, 1986.
|2| PESSOA, Fernando. Livro do desassossego por Bernardo Soares. Lisboa: Ática, 1982.
|3| PESSOA, Fernando. Livro do desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de
guarda-livros na cidade de Lisboa. Richard Zenith (Org.). 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2011.