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Literatura Brasileira – Professor Márcio Adriano Moraes

A MORENINHA, de Joaquim Manuel de Macedo


(1844)

por Márcio Adriano Moraes

1. O Autor
Joaquim Manuel de Macedo nasceu em Itaboraí, RJ, em 24 de junho de 1820. Romancista, historiador, poeta e
dramaturgo, além de médico e professor, foi membro do Conselho Diretor da Instrução Pública, fundador e orador oficial do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e deputado em várias legislaturas. Influiu no desenvolvimento da literatura e
produziu ininterruptamente. Escritos numa época em que o gosto do público oscilava entre a pintura de costumes da vida
familiar e as aspirações românticas, seus romances inspiraram-se nessas tendências e por isso não têm perenidade e
universalidade. A obra de Macedo pode ser vista como uma crônica do tempo, que retrata com fidelidade a sociedade
brasileira da segunda metade do século XIX. A temática restringe-se aos costumes da classe pequeno-burguesa do império,
aos saraus familiares, namoros de estudantes, mucamas alcoviteiras, comadres, negociantes, funcionários públicos e caixeiros,
sempre em volta do amor como problema central de uma sociedade cujos interesses giravam em torno do casamento. Seus
romances mais conhecidos são A Moreninha (1844) e O moço loiro (1845). Popular ainda na segunda metade do século XX e
com numerosas edições, os jovens encontravam em A Moreninha a expressão de suas aspirações sentimentais. Escreveu
também diversas peças de teatro, manuais escolares e duas obras de memórias, Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro
(1863) e Memórias da rua do Ouvidor (1878). Macedo morreu esquecido e na pobreza, no Rio de Janeiro RJ, em 11 de abril
de 1882.1

2. Resumo do Enredo
Filipe convida os amigos, Leopoldo, Fabrício e Augusto, a passarem o dia de Sant’Ana na casa de sua avó Ana na
ilha de... Lá estariam as primas e irmã de Filipe. Este desafia Augusto a requestar sua irmã, uma moreninha de 14 anos,
travessa e inteligente. Mas o estudante de medicina é volúvel, inconstante e incapaz de amar três dias a mesma mulher. Fazem
uma aposta. Se Augusto perder escreverá a história de sua derrota, e se ganhar, escreverá Filipe o triunfo da inconstância do
amigo.
Augusto recebe uma carta de Fabrício. Este estava namorando Joana, a prima de Filipe, mas não aguentava mais as
exigências da moça. Fabrício, então, revelou seu plano: Augusto deveria requestá-la, causando ciúmes ao amigo. Assim, no
momento oportuno, Fabrício teria com Joana e lhe falaria da volubilidade das mulheres.
Chega à ilha Augusto, recepcionado pelos amigos. Filipe apresenta o amigo à avó Ana, que celebraria os seus 60
anos. Entre os convivas, havia uma senhora idosa, D. Violante que começou a conversar com Augusto. Ele já estava entediado
com os assuntos da mulher que lhe dissera seus males. O rapaz cansado de tanto ouvir, diagnosticou lhe: hemorroidas. D.
Violante fez-se vermelha como um pimentão. Finalmente Augusto estava livre da senhora. Quando ele se aproximou de
Carolina, o amigo Fabrício quis saber se Augusto iria lhe ajudar como propôs na carta. Augusto nega a ajuda ao amigo.
Para se vingar, durante o jantar, Fabrício denunciou a inconstância de Augusto no amor. As mulheres se assustam.
Augusto confirma. Confessa que sua inconstância é natural, pois vendo uma senhora bela, ama-a, não porque ela seja
senhora... mas porque é bela; logo, ama a beleza. Leopoldo, para por fim a discussão, propôs um brinde no qual os mancebos
deveria pronunciar a inicial do primeiro nome da dama de seus pensamentos.
Durante o passeio no jardim, Augusto é acompanhado por D. Ana. Ele lhe conta sua história. Há sete anos, quando
Augusto contava com 13 anos de idade, encontrou uma menina que não poderia ter ainda 8 anos, deu-lhe uma concha de
presente e brincaram juntos. Apaixonaram-se e se prometeram em casamento. Passaram a chamar um pelo outro de: “meu
marido” e “minha mulher”. Foram interrompidos por um menino que chorava, cujo pai estava morrendo de fome, um ancião
de uns 50 anos. Deram todo o dinheiro que tinham a velha que cuidava dele. Comovido, o velho pediu a sua velha mãe que
descosesse dois breves. Pediu a cada criança uma recordação que haveriam de guardar dentro dos breves. O menino entregou
um lindo alfinete de camafeu, que foi envolto do breve branco. A menina retirou um botão de esmeralda de sua camisa, que
foi cosido dentro do breve verde. Trocaram os breves, fazendo uma promessa de casamento. Prometeram guardar os presentes
trocados para sempre. Em seguida, a garotinha se afastou, pois já era tarde. O velho morrera no dia seguinte. O pai de Augusto
fez todas as despesas do enterro do velho e socorreu sua desgraçada família. Augusto nunca mais viu nem teve notícias de sua
companheira. Não sabe sequer o seu nome. Chegou aos seus 18 anos, sempre sonhando com “sua mulher”. Sua mãe queria
que ele casasse logo, para esquecer essa história pueril. Augusto então amou algumas moças: a primeira era uma bela
moreninha, a segunda era corada, a terceira era uma pálida. Todas o decepcionaram. Por isso, tornou-se inconstante, somente
a “sua mulher” lhe pertencia o coração.
Terminada sua narrativa, Augusto bebeu da água da gruta. D. Ana contou-lhe a história do índio Aoitin e da índia
Ahy, a qual habitava esta gruta. Seu amado nunca a percebera. Então ela cantava e chorava sobre o rochedo, até que suas
lágrimas caíram nos olhos, nos ouvido e no coração de Aoitin. A partir desse dia, ele a percebeu e se amaram. Das suas
lágrimas surgiu a fonte milagrosa. Quem bebe, pois, desta água não sai da ilha sem amar alguém, e adivinha os segredos de
amor. Augusto percebeu que a moreninha estava por perto. Ela embalou sobre o rochedo a canção de Ahy.
Augusto não pode resistir à vivacidade da menina. Carolina, muito travessa, derrubou café em Fabrício e Augusto. O
primeiro conseguiu escapar caindo na relva; o segundo, porém, teve as calças brancas manchadas. Filipe foi ao auxílio do
amigo. Sugeriu que ele se trocasse no gabinete das mulheres para conhecê-lo e apreciá-lo. Assim fez Augusto. Já no gabinete,

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Biografia disponível em MACEDO, 2009, p. 171-172.
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sem camisa, ouviu um barulho. Eram as moças que se aproximavam. Rapidamente, o rapaz lançou-se debaixo da cama.
Começaram a conversar e fofocar. Augusto ouvira tudo, além de ver as pernas de D. Gabriela. Começaram a revelar seus
segredos amorosos. De repente, ouviu-se um grito de Carolina. Saíram para ver. Augusto, após a saída das moças, levantou-se
e foi em direção da voz da Moreninha. D. Paula, a ama de Carolina, estava caída no chão, ébria. Augusto recomendou um
escalda-pés e ajudou Carolina a cuidar de D. Paula.
Os estudantes dormiram juntos. Augusto dá um beijo em Fabrício, acorda espantado e ainda por cima empurra
cruelmente o mesmo a quem acaba de beijar. Ele estava sonhando que beijara D. Carolina. Sonhava com um anjo e acordou
nos braços de Satanás. Pela manhã, uns conversavam, outros jogavam. Paula já estava completamente restabelecida. Carolina
pareceu ter ciúmes de Quinquina que deu uma rosa a Augusto, acabando por desfolhá-la completamente. Organizou-se o júri
que declarou D. Carolina criminosa e a condenou a indenizar o dono da rosa com um beijo. Aproximou-se de Augusto e, com
seu sorriso feiticeiro e irresistível nos lábios, pediu o perdão do mancebo. Tomou Augusto a mão direita de Carolina e fez
estalar sobre ela o beijo mais gostoso que tinham até então dado seus lábios.
À noite houve o sarau. Depois de dançar com Carolina, Augusto dançara com mais seis senhoras, fazendo
declarações amorosas a elas. Decidiram então se vingar do rapaz inconstante. Iriam todas juntas à gruta para zombar dele. D.
Clementina escreveu este bilhete: “Senhor: – Uma jovem que vos ama e que de vós escutou palavras de ternura tem um
segredo a confiar-vos. Ao raiar da aurora a encontrareis no banco de relva da gruta; sede circunspecto e vereis a quem, por
meia hora ainda, quer se apenas – Uma incógnita”. Notaram as moças que Carolina dormia numa cadeira. D. Quinquina
colocou a carta anônima no bolso da jaqueta de Augusto. Indo tirar o lenço para assoar-se, achou o interessante escritinho.
Procurando uma boa pitada de rapé, no segundo bolso de sua jaqueta encontrou este outro bilhete: “Senhor: – Uma moça, que
nem é bonita nem namorada, mas que quer interessar-se por vós, entende dever prevenir-vos que no banco de relva da gruta
não achareis ao amanhecer uma incógnita, porém conhecidas, que pretendem zombar de vós, porque esta mesma noite juraste
amar a cada uma delas em particular. Não procureis adivinhar quem vos escreve, porque, apesar de vossa amiga, será por
agora – Uma incógnita”. Correu para a gruta. Lá encontrou as senhoras. Bebeu da água da gruta e aludindo a uma fada,
revelou a cada uma seus segredos. Todos, logicamente, ouvidos durante o tempo em que ele ficou debaixo da cama no
gabinete feminino. Todas, então, foram surpreendidas e tiveram seu plano fracassado. Depois de se encontrar só e rindo-se,
ouviu Augusto uma voz: “Agora, Sr. Augusto, é chegada a sua vez...”. A Moreninha encheu o copo de prata e bebeu da água.
Fazendo da mesma forma que Augusto, aludindo à fada, revelou a ele tudo o que disse a D. Ana, ou seja, sua promessa de
amor a garotinha na praia.
As festas acabaram. Os estudantes voltaram a seus livros. Augusto estava impaciente. Da mesma forma, Carolina
estava diferente, abandonou seu piano e bonecas, entregando-se a olhar a vastidão do mar, ou sentada no banco da relva da
gruta em profundos pensamentos. Augusto retorna a ilha para a alegria de D. Carolina que estava a marcar (bordar) um lenço.
Augusto se torna seu discípulo. Ela lhe passa uma lição: ele deveria bordar o nome mais bonito num lenço e levar no próximo
domingo. Augusto volta à ilha, levando a sua lição de casa. Carolina vê a perfeição do bordado e conclui que ele tem outra
mestra. Confessou, então, o rapaz que comprara o lenço de uma senhora idosa que vivia destes trabalhos. Carolina, então, se
acalma. Por ter chorado diante de seu “aluno” decidiu abandonar o “magistério”. Agora levou Augusto para conhecer suas
bonecas. Augusto perguntou se ela amava. Disse a moça que talvez. Augusto então lhe confessou o seu amor. Carolina fez-se
cor-de-rosa, mas depois emendou: “Por quantos dias?”. Ao que Augusto respondeu “para sempre!”.
O pai de Augusto soube que ele estava relapso nos estudos e o proibiu de ir à ilha de... Augusto passou noites em
claro, cai num profundo abatimento. Revela ao médico que lhe consultou que sofre de amor. Na ilha de... Carolina também
padecia. Esperou Augusto durante todo o domingo. Coitadinha! Vai passando uma semana de ciúmes e amarguras.
Percebendo o padecimento de Augusto, seu pai toma uma decisão, voltariam à ilha. Carolina vestiu-se de branco e foi para o
rochedo esperá-lo, cantava a canção de Ahy. A Sra. D. Ana recebeu o pai e Augusto. O pai de Augusto e a Sra. D. Ana
conferenciavam a sós. D. Ana, então, disse aos jovens que o pai de Augusto acabara de pedir a mão de sua neta para o seu
filho Augusto. Carolina não respondeu de imediato, pediu que Augusto fosse ter com ela na gruta. Aí disse a Augusto que ele
deveria seguir a promessa que fez para a menina na praia. Ele argumenta dizendo que fora um juramento de criança. Para
Augusto a lembrança do seu passado é a sua desgraça. Já não haverá mais futuro para ele, despede-se de Carolina com intuito
de ir-se embora. Ele deve procurar a garotinha a quem jurou amor eterno e pedir o seu perdão, por não poder ser mais o seu
esposo. E o infeliz amante arrancou debaixo da camisa um breve, que convulsivamente apertou na mão. Mas onde Augusto
poderia encontrar a “sua mulher”? Quando ele estava saindo da gruta, Carolina lhe disse que também, quando sua mãe era
viva, também socorreu um velho moribundo. Coseu uma relíquia dentro de um breve também. A menina, com efeito, entregou
o breve ao estudante, que começou a descosê-lo precipitadamente. Era o seu camafeu. A senhora D. Ana e o pai de Augusto
entraram nesse instante na gruta e encontraram o feliz e fervoroso amante de joelhos e a dar mil beijos nos pés da linda
menina, que também por sua parte chorava de prazer. “Achei minha mulher!” dizia Augusto. “Ah! minha boa avó!... nós
éramos conhecidos antigos”, disse Carolina à sua avó. A chegada de Filipe, Fabrício e Leopoldo veio dar ainda mais viveza ao
prazer que reinava na gruta. Estavam no dia 20 de agosto: um mês! Augusto perdeu a aposta, deve um romance. Todos se
surpreendem quando Augusto diz que o romance já está pronto. Intitula-se A Moreninha.

3. Personagens
Os personagens são planos. Mesmo Augusto que ao final parece mudar sua postura de homem inconstante para
constante, na verdade manteve-se constante ao seu amor por Carolina, ainda que inconsciente. Os protagonistas são Augusto e
Carolina, cujas características se apresentaram no enredo. Destaque também para Filipe, irmão de Carolina, e os amigos
Leopoldo e Fabrício; as primas Joana, de 17 anos, cabelos negros, belos olhos da mesma cor e pálida; e Joaquina, de

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dezesseis, loira, de olhos azuis, faces cor-de-rosa estariam na ilha; D. Ana, avó de Filipe e Carolina, mulher bondosa de
histórias.

4. Tempo
O tempo da história segue uma cronologia muito bem delineada, linear, de trinta dias, como podemos atestar pelas
datas que aparecem no texto. Logo no primeiro capítulo na redação da aposta temos “20 de julho de 18...” e no epílogo, a data
de “20 de agosto de 18...”, representando justamente o prazo dado a Augusto por Filipe. Entretanto, há o uso do flash back,
marca do tempo psicológico presente principalmente quando Augusto relata a D. Ana a história da sua infância e juventude.

5. Espaço
O espaço da narrativa é físico, ou seja, pode ser situado no espaço. Temos o Rio de Janeiro, ambiente da corte, do
burguês. Os acontecimentos se dão numa ilha não nomeada pelo narrador, “ilha de...”. É importante se ater a isso, embora
historicamente e pelas características apresentadas pela própria obra, a ilha seja de fato Paquetá, o narrador não traz o nome da
ilha. O espaço, assim, é a “ilha de...”. Aliás, o narrador não nomeia nem mesmo as ruas, embora apareçam nomes de alguns
espaços cariocas como o restaurante Pharoux, ao Campo de Sant’Ana, hoje a Praça da República, Desmarais, famosa
perfumaria na Rua do Ouvidor, Largo do Paço, atual praça Quinze de Novembro.

6. Foco narrativo
O narrador se apresenta em terceira pessoa. Entretanto, ao final da narrativa, ficamos sabendo que é, na verdade, o
próprio Augusto, sendo o romance o resultado da aposta perdida.

7. Estilo
Quanto à linguagem, vale acrescentar o tom cômico e irônico de Joaquim Manuel de Macedo. Muitos termos latinos
e franceses são citados, por fazerem parte da cultura da época. O uso do discurso é direto predomina, pois boa parte das ações
é nos passada através da fala das personagens, sobretudo as narrativas secundárias, como a lenda de Ahy e Aiotin e a
promessa feita da infância de Augusto, bem como seus amores anteriores. Nessa linha, o recurso narrativo utilizado é o do
flash back. O narrador dirige a narrativa como bem entende. As suas observações são precisas e muito bem direcionadas.
Bastante complacente, ele chama a atenção do leitor para um ou outro detalhe. Em um trecho, no capítulo III, quando fala das
pessoas que estavam na ilha, não se interessa em descrever o público masculino “Quanto aos homens... Não vale a pena!...
vamos adiante” (MACEDO, 2009, p. 34), mostrando o seu caráter masculino. O uso da primeira pessoa do plural como no
trecho: “Faremos uma visita à nossa linda Moreninha” (MACEDO, 2009, p. 139), revela um narrador intruso, ou melhor, que
se insere em determinados momentos na narrativa para se aproximar do leitor. Recurso esse muito utilizado por Machado de
Assis. Disso, podemos perceber certo intuito metalinguístico. Apesar de o narrador transmitir os pensamentos dos
protagonistas, não há uma forte penetração psicológica, em que teríamos uma reflexão existencial. Frases enfáticas e
metafóricas ilustram o caráter intelectual do seu autor como nos trechos: “Para viver-se vida boa e livre, é preciso andar com o
olho aberto e o pé ligeiro” (MACEDO, 2009, p. 41); “O amor é um anzol que, quando se engole, agadanha-se logo no coração
da gente, donde, se não é com jeito, o maldito rasga, esburaca e se aprofunda” (MACEDO, 2009, p. 156).

8. Verossimilhança
O amor e a mulher apresentam-se idealizados. O curioso é que mesmo tendo contato com a feição da menina,
Augusto não conseguiu se lembrar do seu semblante. Ainda que se tenham passados 7 anos, normalmente a memória visual
humana acusa recordações. Mas esse esquecimento contribuiu para o clímax e mistério da obra. Outro fato fantástico contado
é a lenda de Aiotim e Ahy, que simboliza o despertar do amor entre Carolina e Augusto a partir da lenda da água da gruta.

9. Movimento Literário
No Brasil, o Romantismo se volta para a história nacional. Com a invasão de Napoleão em Portugal, a Coroa
portuguesa não teve outra escolha a não ser vir se refugiar no Brasil, em 1808. A colônia foi elevada à categoria de Reino
Unido. Em decorrência disso, muitas foram as transformações pelas quais sofreu o Brasil, criação de escolas de nível superior,
museus, bibliotecas públicas, jardins, imprensa. A vida cultural foi alavancada. Os jornais começaram a inserir textos literários
– os folhetins – proporcionando a formação de novos leitores. Isso, logicamente, incentivou muitos escritores da época que
viram no novo público um terreno fértil para lançar suas narrativas. É a era do romance nacional. Com a proclamação da
independência em 1822, o senso de nacionalismo cresceu nos intelectuais e escritores da época. Logo o projeto literário
passou a deixar um pouco de lado a mimese europeia, destinando um olhar para as terras brasileiras, com identificação das
raízes históricas, regionais, urbanas, indianistas, linguísticas e culturais do país. Assumindo, portanto, uma reação à tradição
clássica apregoada pelo Arcadismo, o Romantismo assume uma postura anticolonialista e antilusitana. O nacionalismo é,
dessa forma, uma das grandes marcas dessa escola literária. Temas como o índio, a língua, a vida na corte passam a ser
explorados. É claro que nessas abordagens vislumbramos pessoas marcadas ainda pela forte influência europeia em seus
costumes. Entretanto, os personagens brasileiros de nossa história terão destaque salutar nas narrativas. Com isso, os temas
ligados à antiguidade, relacionados aos gregos e romanos e suas mitologias foram renegados, abrindo as portas para o dia a dia
brasileiro. Problemas e valores vividos pelos moradores das cidades são agora colocados em destaque e discussão. A
burguesia que passa por um forte processo de ascensão tem a oportunidade de ver os seus valores e vida ilustrados através da
literatura. Como o maior público leitor da época eram as moças burguesas, o romance urbano ou de costume ganha grande
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notoriedade entre a população. Os romances indianistas e regionalistas tiveram, sim, sua importância; entretanto tanto na
Europa quanto no Brasil do século XIX, o romance urbano foi o mais lido. Inclusive, até hoje, no círculo de leituras, as obras
de Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar têm público garantido. Não são poucos os estudantes que testemunham
serem Senhora, Lucíola, Cinco Minutos, A Moreninha, Memórias de um sargento de milícias, os romances dos quais mais
gostaram.

10. Conclusões
A Moreninha é considerada a obra inaugural da prosa romântica brasileira. Nela, Macedo traça as principais
pinceladas que utilizará ao longo de seus dezessete romances seguintes. Ciente do gosto burguês de sua época, o autor lançou
mão da comicidade, do namoro difícil de ser realizado, da dúvida entre o desejo e o dever, da surpresa, ou seja, da revelação
de segredos, das brincadeiras entre estudantes, das fofocas femininas e de seus anseios amorosos. Tudo isso com uma
linguagem mais livre, com tendências para a coloquialidade, sem ainda ser de todo coloquial.
Sem aprofundamentos psicológicos, a intriga predomina sobre a análise, marcada pelo suspense, tipicamente
folhetinesco. No caso de A Moreninha, percebemos que o seu enredo é construído através da coincidência. Augusto e Carolina
se encontram na praia quando jovens e coincidentemente a jovem moreninha, grande paixão do mancebo, era a irmã de seu
amigo Filipe. É claro que tudo nos é revelado gradativamente, pois entreter era o principal propósito dos romances
macedianos. Para isso, a história era permeada de mistério, atendendo, dessa forma, às expectativas de uma sociedade
burguesa sedenta de compensação imaginária. No romance, encontravam o retrato idealizado de suas próprias vidas, por
conseguinte uma forma de espelhamento para suas ações.
O final feliz predomina nas obras românticas, inclusive nesta A Moreninha. Poucas são as narrativas que terminam de
forma trágica. As mais notórias seriam Lucíola e O Gaúcho, de Alencar; Inocência, de Taunay; e Helena, de Machado de
Assis. Com o encontro harmonioso entre Augusto e Carolina, após várias peripécias, vislumbramos uma contiguidade
amorosa que se desencadeará no enlace matrimonial futuro.
Por fim, é salutar destacar que o ambiente predominante dos romances urbanos ou de costume é a corte carioca.
Quanto a Moreninha, o espaço predominante é a Ilha de... O autor, Joaquim Manuel de Macedo, preferiu deixar implícito o
espaço em seu romance. Até mesmo o nome das ruas foram ocultadas. Isso talvez para não coincidir com alguma pessoa da
época. Entretanto, sabe-se que pelas características apresentadas na obra, a ilha dos acontecimentos descritos é Paquetá,
localizada na Baía de Guanabara, no litoral do Rio de Janeiro. Márcio Paula, em seus estudos sobre a ilha de Paquetá,
menciona o romance A Moreninha, além de particularidades envolvendo o escritor:

Entre as lendas de Paquetá, a mais famosa e que influenciou bastante na ocupação humana da Ilha, foi, sem
dúvida, a lenda da Moreninha, escrita por Joaquim Manoel de Macedo em 1844. Segundo algumas pessoas,
o romance entre Augusto e Carolina ocorreu na Ilha de Paquetá, e o autor teria escrito o romance na
própria Ilha, numa pensão situada na Rua Padre Juvenal nº 44, que pertencera à Sra. Maria da Cunha
Marques e seu esposo. Atualmente, pertence por herança a um de seus filhos. O prédio onde funcionava a
velha pensão foi tombado muito antes do tombamento da Ilha. Há quem afirme que Augusto era o nome
sob o qual se escondia Joaquim Manoel de Macedo, talvez para ocultar a história real acontecida com ele
(se apaixonara por uma Carolina Ceva).

Assim, segundo Márcio Paula, a obra A Moreninha traria traços autobiográficos de Joaquim Manuel de Macedo.
Inspiração ou expiração, o fato é que A Moreninha é um dos romances mais lidos e queridos do público brasileiro de todas as
épocas.

11. Referências
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira: em diálogo com outras literaturas e
linguagens. 4.ed. reform. São Paulo: Atual, 2009.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Martin Claret, 2009.
MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira: das origens ao Romantismo. Vol. I. São Paulo: Cultrix, 2011.
PAULA, Márcio Saavedra Baptista de. Ilha de Paquetá: passado e presente. Rio de Janeiro, 2005. Pedagogia em Foco.
Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/hispaq.html>. Acesso em: 5 nov. 11.
ROMERO, Alex. Estudo da obra A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. Disponível em:
<http://www.literapiaui.com.br/aulas/obras/a-moreninha.pdf>. Acesso: 5 nov. 2011.

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