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Coleção Aventuras Grandiosas

Jack London

A EXPEDIÇÃO DO PIRATA

Adaptação de Rodrigo Espinosa Cabral

2ª edição

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Capítulo 1

Cruzaram correndo a areia luminosa, deixando atrás deles o Pacífico com


o estrondo enlouquecido da RESSACA. Chegaram à calçada, pegaram suas
bicicletas e, com extraordinária rapidez, fundiram-se no verde das avenidas
do parque. Eram três garotos vestidos com abrigos coloridos e pedalando
próximos da velocidade máxima permitida. Sob o olhar confuso de um
guarda ambiental, saíram do parque GOLDEN GATE e seguiram na direção
de São Francisco. Os pedestres chegavam a se assustar com o movimento e o
colorido dos ciclistas que voavam pelas ruas, numa rota ALQUEBRADA, que
os mantivesse longe das colinas mais acentuadas.
Joe era o guia da turma. Quase sempre andava na frente, decidindo os
caminhos, o ritmo, quando parar, quando reiniciar. Era uma espécie de guia que
mostrava o caminho com alegria e AUDÁCIA. Quando passavam por Western
Addition, em meio a várias mansões esplêndidas, Joe reduziu a velocidade
(sem se dar conta disso) e seus amigos o passaram. No cruzamento da Laguna
com a Vallejo eles torceram seus guidões para direita.
— Até a vista, Fred — disse Joe, virando para esquerda. — Tchau,
Charley!
— Vamos nos ver de noite? — Charley quis saber.
— Não posso, tenho que trabalhar. Até outra hora!
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Pedalando mais calmo, já não tinha o sorriso na boca, mas assobiava uma
melodia popular, cujo volume foi baixando à medida que se aproximava de
um prédio de dois pisos numa larga avenida. Parou indeciso em frente à porta
da biblioteca. Lá dentro estava Bessie, estudando. Era sua irmã dois anos mais
nova, porém insuportavelmente inteligente e alta (mesmo mais nova, já tinha

2 RESSACA: forte movimento das ondas do mar quebrando na praia


2 GOLDEN GATE: portão dourado
2 ALQUEBRADA: curva, com dobras, que não é reta
2 AUDÁCIA: ousadia, coragem, bravura

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a mesma altura dele). Entrou no prédio e a viu sentada numa mesa, atrás de
uma pequena montanha de livros. Ela o olhava fixamente.
— Que foi, SIS? — perguntou com doçura, sentindo que ela não estava
muito bem.
Ele sentou ao seu lado e ela pegou na sua mão.
— O que aconteceu contigo, Joe, querido? Pode falar para mim —
havia TERNURA na voz dela e ele entendeu que, se ela estava preocupa
com algo, era com ele. Mas não iria falar nada para uma irmã dois anos
mais nova.
— Não tenho nada — disse, procurando não magoar a irmã, que de-
monstrava um interesse sincero. Mas ela beijou a palma da mão dele num
carinho que parecia o toque de uma pétala de rosa e ele disse:
— É o papai.
— Mas, Joe, o papai é tão bom e carinhoso... Você deveria dar uma
chance para ele.
Joe soltou sua mão das mãos dela e falou de um jeito mais firme:
— Não quero ouvir um SERMÃO, Sis. Todo mundo tem um conselho e
um sermão para me dar. Daqui a pouco o cozinheiro vai passar por aqui...
Colocou as mãos no bolso, respirou fundo e disse:
— Mas não foi por isso que você me chamou aqui, né?
— Não, não — disse ela, com sua voz calma. — É que o achei tão
tristinho que... Bom, mas o que eu quero dizer é que estamos organizando
uma excursão para o outro lado da baía. Vamos para as colinas de Oakland,
sábado que vem.
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— Quem vai?
— Myrtle Hayes,...
— Aquela bobalhona? — interrompeu Joe.

2 SIS: diminutivo de “Sister”, irmã


2 TERNURA: carinho, afeição
2 SERMÃO: advertência, aviso, geralmente formal e longo

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— Ela não é bobalhona, é uma das garotas mais legais que eu conheço
— falou Bessie com seriedade na voz.
— Bem, considerando as garotas que você conhece, isso não quer dizer
muita coisa — disse Joe, sorrindo. — Quem mais vai?
— Peter Sayther e sua irmã Alice, Jessie Hilbom, Sadie French e Edna
Crothers. Essas são as garotas, mas convidamos também alguns rapazes.
— Quem?
— Maurice e Félix Clement, Dick Schofield, Burt Layton e...
— Já chega! São uns gurizinhos que não vão a lugar nenhum!
— Quero pedir que você vá. Você, o Fred e o Charley — ela disse com
uma voz um pouco nervosa. — Por isso o chamei aqui, quero que vocês vão.
— Tá, mas pra fazer o que lá?
— Ah, vamos passear, colher flores do campo, fazer um lanche em algum
lugar legal, conversar e, e... voltar pra casa — ela concluiu com sua simpatia
natural.
— Ah, mas que programa estúpido! Muito obrigado, mas não conte
comigo.
— Certo, SABICHÃO. Mas, por favor, diga para mim, o que você faria
para o programa não ser estúpido?
— Eu chamaria Fred e Charley para ir a algum lugar legal e fazer alguma
coisa... boa. Alguma coisa... — ele ficou olhando para ela, sem ideias, ela
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esperava uma resposta com seus grandes olhos curiosos, mas ele não conseguiu
expressar com palavras seus desejos e sentimentos.
Ela continuou olhando para ele, esperando uma resposta. Então ele
completou:
— Você não entende, porque é uma menina. Você gosta de andar
limpinha e arrumadinha. Você quer sempre ser bem comportada e ir bem
na escola. Sis, você é uma menina, então é normal que não ame o perigo, a
aventura e todas as coisas que os garotos rebeldes gostam. Você prefere os

2 SABICHÃO: que é (ou se diz ser) um grande sábio

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garotos de pescoço branco, sempre limpinhos e bem penteados, os meninos
estudiosos, que não façam diabruras. Que gostem apenas de passear, colher
flores e merendar, sem querer algo mais. Eu conheço esses moleques! Eles se
assustam com a própria sombra! São como ovelhas! Mas eu não sou uma ovelha.
Olha, não quero participar, tá? Não é minha ideia de diversão.
As lágrimas encheram os olhos negros de Bessie e seus lábios
tremeram.
— Sis, eu não queria magoar você! Mas parece que não se pode falar
nada para uma moça sem que ela comece a chorar!
Joe saiu da biblioteca irritado, enquanto sua irmã soluçava baixinho.

Capítulo 2

Poucas horas depois, em casa, Bessie sorria animada, conversando com


os pais. Joe ficou irritado, pois ele não era assim. Se algo o fizesse chorar, ele
ficaria aborrecido o dia inteiro, mas sua irmã conseguia controlar o humor e as
emoções de uma forma incrível.
O pai de Joe o olhava de um jeito doce e inquieto, mas o rapaz não
percebia, tratando de comer a generosa quantidade de alimento em seu prato,
pois era preciso energia para se movimentar e pedalar pelo mundo como
fazia. Joe não percebia os olhares do pai. O senhor Bronson era um homem
de meia-idade, baixo e encorpado. Tinha um rosto com feições duras, mas o
olhar era benévolo. Joe era uma cópia mais nova de seu pai, sobretudo nos
olhos verdes que pareciam ervilhas de uma mesma vagem e no maxilar forte
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que marcava bem o rosto. Já Bessie tinha os belos olhos castanhos da mãe.
Após o jantar Joe foi para o quarto estudar para a prova de História que
teria no dia seguinte. Mas não conseguia se concentrar na história dos gregos
e nas leis de DRÁCON. Lembrava do jogo de beisebol que haviam perdido

2 DRÁCON: Drácon foi um legislador de Atenas 700 anos antes de


Cristo. Ele ficou famoso pelo rigor e crueldade de suas leis

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por uma falha de Fred. Era interrompido por Bessie, distraía-se com um barco
cruzando a baía ao longe, pensava em ser um MARUJO: Joe Bronson, o
navegador. Lia três vezes a mesma frase, mas sem fixar sua atenção nela. Teve
sono, cochilou, acordou, tentou ler mais um pouco, ouviu o assobio de Fred
e de Charley chamando-o na esquina. Não vou! Disse para si mesmo, preciso
estudar. O sol já tinha se posto há algum tempo e as primeiras estrelas surgiam
na noite limpa.
Eles continuavam assobiando e Joe Bronson decidiu sair um pouco.
Desceu correndo as escadarias. Falaria com os amigos e depois voltaria ao
estudo.
— O que foi?
— As pipas! — respondeu Charley. — Venha, estamos cansados de
esperar.
Os três subiram a rua até chegar ao alto da colina. Lá de cima viam a
Union Street, LITERALMENTE, debaixo de seus pés. Chamavam a parte baixa
da cidade de Abismo. Os garotos se autodenominavam Habitantes da Colina.
Descer até o Abismo era uma grande aventura para aqueles três integrantes
do povo da Colina.
Fazer as pipas voar era um prazer científico para os três Habitantes
da Colina. Era comum para eles terem cinco ou seis pipas revolvendo em
centenas de metros de linha, acima das nuvens baixas. Mas, às vezes, quando
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o vento cessava subitamente, quando a linha se rompia ou quando uma


pipa se enroscava nas outras, elas caíam no Abismo, de onde era impossível
recuperá-las. A impossibilidade se devia ao fato de que a molecada do Abismo
pertencia a uma raça de piratas e ladrões, com ideias diferenciadas a respeito
do direito de propriedade.
Após um acidente com alguma pipa da colina, era comum revê-la no
mesmo dia ou no dia seguinte ganhando o céu, numa altitude mais baixa. Agora

2 MARUJO: marinheiro
2 LITERALMENTE: conforme à regra

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nas mãos de um Habitante do Abismo. Isso acontecia porque, como eram
mais pobres, os garotos da parte baixa da cidade não tinham recursos para
voar cientificamente com suas próprias pipas. Quando um brinquedo voador
dos garotos mais ricos caía no território deles, ele passava automaticamente a
pertencer a quem o tivesse achado.
Havia também no Abismo um velho marinheiro muito habilidoso com
cordas. Ele morava numa casa antiga, junto ao mar, e tinha prazer em preparar
as pipas para a molecada. Algumas vezes os três rapazes iam até o Abismo
para resgatar suas pipas, quando elas caíam em algum descampado ou na
praia. Mas sempre durante o dia. Aquela era a primeira vez que tentariam
resgatar uma pipa à noite e aquilo mexia com seus estômagos! Era uma aventura
perigosa. Nas INTRINCADAS ruas e ruelas da cidade baixa viviam os pobres da
cidade. Havia sujeira nas ruas, em alguns locais havia bares frequentados por
bandidos, marinheiros bêbados, mulheres da vida. No Abismo viviam pessoas
de diversas nacionalidades, que chegavam a São Francisco com o sonho de
trabalhar nos Estados Unidos, mas que eram exploradas e não conseguiam
progredir economicamente.
Percorreram as ruelas com rapidez, caminhando por entre a enorme
quantidade de gente que circulava naquelas ruas apertadas e tortuosas.
Chegaram à casa do velho e compraram várias pipas. Ele fabricava as melhores,
capazes das piruetas mais legais. Andavam sempre juntos, como se assim fosse
mais fácil e seguro atravessar aquele universo tão diferente.
Havia muitas crianças pelas ruas e a maioria das mulheres não usava
chapéus, enquanto conversavam em línguas estranhas na rua ou na porta de
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suas casas. Nos bairros ricos, sair à rua sem chapéu era indecente para um
adulto. Havia cheiro de peixe podre na ruas. A prefeitura não realizava um
bom serviço de coleta de lixo naquela região pobre. A colina era ali perto e
recebia a coleta do lixo regularmente. Caminhar por ali era sentir o fervilhar de
uma colmeia humana.

2 INTRINCADAS: confusas

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— Não vejo a hora de sair daqui — sussurrou Fred.
Seus amigos concordaram com gestos silenciosos, enquanto caminhavam
depressa, segurando pacotes com as pipas e se desviando da multidão que
ZANZAVA pelas ruelas. Algumas pessoas olhavam com desgosto para eles.
Pelas roupas e até pela cor da pele era possível saber que se tratava de garotos
da classe rica. Até que foram provocados e insultados por outros garotos, que
queriam puxar briga.
— Olha só os riquinhos passeando na favela!
— Não respondam nada — sussurrou Joe. — Continuem andando.
Já estavam quase saindo do Abismo, quando Fred notou que na esquina
havia cinco rapazes da idade deles. A cabeleira ruiva do maior não deixava
dúvidas, era o Tijolo. Simpson Tijolo, o chefe da gangue mais terrível do Abismo.
Ele já havia visitado a Colina duas vezes com seus amigos DELINQUENTES
juvenis e só saíram de lá quando os moradores chamaram a polícia.
O ruivo se aproximou intimando os garotos:
— O que vocês fazem aqui? Este bairro é nosso!
— Sim, estamos de passagem, já estamos voltando para casa —
respondeu Fred.
— Que tem nesse pacote embaixo do braço? — quis saber o ruivo.
Mas Joe fez um gesto para que não respondessem e seguissem andando.
Pressentindo que os rapazes tentariam fugir, Tijolo correu e acertou um soco em
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Joe e aproveitou para roubar-lhe o pacote com as pipas. A raiva fez o rapaz
abandonar a prudência e partir para cima de seu agressor. O contra-ataque
pegou o ruivo de surpresa, pois ele não imaginava que Joe tivesse coragem
de atacá-lo em seu próprio território.
Agora Tijolo estava indeciso entre seguir lutando ou sair dali com o
pacote nas mãos. Resolveu ficar com o produto do roubo e se ESGUEIROU

2 ZANZAVA: vagueava
2 DELINQUENTES: que delinquiram, cometeram um crime, marginais
2 ESGUEIROU: saiu sorrateiramente, escapou

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por um beco escuro. Fora de si e com o orgulho ferido, Joe correu atrás do
LARÁPIO.
Fred e Charley correram atrás do amigo, mais para tentar protegê-lo do
que para brigar com o líder da gangue do Abismo. Joe era excelente corredor
e suas passadas iam aumentando a distância entre ele e seus amigos. Atrás
de Fred e Charley vinham os três amigos do ruivo e corriam soltando assovios
padronizados. Um sinal para chamar membros de sua gangue, enquanto os três
jovens da Colina se enfiavam nas entranhas do Abismo. E dava medo ouvir que
os assovios eram respondidos e nas esquinas escuras daquelas ruas estreitas
um pequeno exército se armava contra os três.
Fred olhou para trás e viu que eram uns vinte caras que os perseguiam.
Agora ele e Charley tinham que tirar o máximo que pudessem de seus músculos,
enquanto o incansável Joe continuava abrindo distância deles até que alcançou
o Tijolo e os dois rolaram ENGALFINHADOS trocando socos. Quando Fred e
Charley os alcançaram, os brigões já estavam de pé:
— O que você quer? — gritou o chefe ruivo.
— As pipas! — disse apontando para o pacote.
Os olhos do Tijolo se iluminaram e ele disse:
— Pois vai ter que lutar para recuperá-las.
— Por que vou ter que lutar? Não, senhor. Essas pipas são minhas! —
reclamou Joe.
Os dois jovens suavam e falavam com a respiração ofegante.
— Escuta aqui, riquinho, se eu digo que é pra lutar, é pra lutar! Eu
mando aqui.
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Mas Joe não entendia que a palavra de Tijolo Simpson pudesse ser lei
em São Francisco. Ele tinha sido roubado e aquilo era errado e seu sangue
de lutador estava esquentado demais para que pudesse avaliar os riscos
que corria.

2 LARÁPIO: ladrão
2 ENGALFINHADOS: agarrados

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— Me dá as pipas agora mesmo — falou avançando a mão em direção
ao pacote.
Mas Tijolo jogou o pacote longe e disse:
— Não sei se você me conhece, riquinho. Sou Simpson, o Tijolo, e não
admito que falem comigo nesse tom.
Os cerca de vinte membros da gangue circundavam Tijolo e os três
rapazes da Colina, que estavam no centro do círculo. Fred sugeriu, falando
baixinho no ouvido de Joe, que ele deixasse por isso mesmo, pois não tinham
como lutar contra vinte caras.
Os membros da gangue começaram a soltar piadinhas e a dizer
que Joe estava com medo de lutar. Mas Tijolo mandou que se calassem e
depois disse:
— Se você quiser o pacote, vai ter que lutar. Vai lutar?
— Sim! — disse Joe fechando os punhos.
Os cerca de vinte bandoleiros começaram a gritar:
— Luta! Luta! Luta!
Um homem de descendência chinesa se aproximou e disse:
— Parece que vamos ter um belo espetáculo.
Tijolo tomou a iniciativa e foi para cima de Joe, mas o garoto da Colina
conseguiu se esquivar, deixando o ruivo surpreso com sua rapidez e habilidade.
Alternaram-se no ataque e na defesa. Ambos se esquivavam, mas também
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recebiam muitos golpes. A TURBA ofendia Joe e incitava Tijolo, mas não foram
desonestos, talvez pela presença do chinês entre eles.
Com quinze minutos de luta, o chefe da gangue estava mais cansado.
Era o resultado do uso de tabaco, bebedeiras e má alimentação. Joe tinha um
preparo físico melhor. Tijolo ARFAVA e já não conseguia castigar Joe como no
começo da luta. Para ganhar tempo, tentava recuar e, quando atacava, fingia se
desequilibrar para recuperar oxigênio. Como era uma luta, havia certas regras

2 TURBA: pequena multidão


2 ARFAVA: ofegava, respirava com dificuldade

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implícitas e todos sabiam que não se deve chutar um oponente caído. Numa
briga vale tudo, mas numa luta há regras a cumprir.
Cansado da estratégia de Tijolo, Joe resolver contra-atacar no momento
em que o ruivo se preparava para tentar seu golpe e cair no chão. Foi assim
que Joe enfiou um cruzado no líder da gangue e o fez beijar o paralelepípedo
duro, sem que isso fosse uma opção.
O rapaz permaneceu caído alguns segundos e depois disse, sem ar:
— Pra mim chega, perdi.
Os membros da gangue estavam calados e envergonhados. Joe foi pegar
as pipas mas outro rapaz se interpôs entre ele e o pacote.
— Você não vai pegar. Sou o ALAZÃO Simpson, irmão do Tijolo, e você
vai ter que lutar comigo pra conseguir as pipas.
Joe não perdeu tempo discutindo, pois sua raiva e sua veia de lutador
estavam no auge. Alazão era um ano mais novo que Tijolo, mas estava
descansado. O chinês com seus músculos de FOGUISTA em vapores mercantes
mais uma vez garantiu que a luta fosse limpa. Em dez minutos Joe levou o
adversário ao chão.
Mas, quando foi pegar o pacote, ouviu:
— Sou Vermelhinho Simpson e você não vai a lugar nenhum.
Joe quase sorriu, mas preferiu perguntar:
— Sua família é grande? Se tiver mais irmãos, vamos ficar a noite
toda aqui...
— Eu sou o último e o melhor. Se você me vencer, pode levar as pipas.
Tem a minha palavra.
A Expedição do Pirata

Embora fosse rápido e valente, Vermelhinho não tinha tanta experiência


e não era melhor que Joe e também perdeu a luta. Aquela noite entrou para
a história do Abismo e da Colina como a noite em que a família Simpson
perdeu. Joe estava com um olho roxo, o nariz sangrando, o lábio cortado, a

2 ALAZÃO: cavalo com pelo alaranjado, cor de canela


2 FOGUISTA: homem que alimenta o fogo de máquinas a vapor

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cabeça dolorida, com hematonas nos braços, a camisa rasgada e os músculos
demolidos, mas uma alegria intensa tomou conta dele, quando pegou o pacote
e rumou com seus dois amigos de volta à sua vizinhança.

Capítulo 3

Mas a tão sonhada e vitoriosa volta para casa teve de esperar quando
surgiu no beco a Gangue dos Peixes, fazendo os cerca de vinte membros
da gangue do ruivo e mais o foguista saírem correndo. Fred e Charley, por
precaução, também quiseram sair correndo, mas Joe não tinha mais forças
para fugir. Para não deixar o amigo na mão, resolveram, sem falar nada, ficar
por ali e aguentar a visita daqueles que tinham posto a gangue do Tijolo
para correr.
Bem, Simpson Tijolo não tinha corrido também, por se encontrar
esgotado. Os membros da Gangue do Peixe eram mais velhos, tinham de 18
a 23 anos. Eram bandidos adultos. Chegaram e imobilizaram os rapazes da
Colina. O chefe dos malandros então interrogou o ruivo.
— Que te aconteceu, Tijolo. Caiu do céu, anjinho?
Com a boca inchada, o ruivo primeiro negou, mas depois, para não
apanhar mais, resolveu falar a verdade.
— Que pacote é esse?
A cada resposta de Tijolo, o líder dos Peixes fazia mais perguntas, de
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um modo debochado.
— Vocês roubaram! Já disse que não quero roubos aqui no bairro. A
nossa gangue manda aqui e decide quem pode ou não pode ser roubado.
Tijolo resolveu ficar calado e o líder dos Peixes voltou sua atenção para
Joe e os rapazes da Colina. Pressentindo o pior, Tijolo deu um jeito de sair
correndo e se enfiou nas vielas estreitas daquele lugar que conhecia tão bem.
A maior parte da gangue partiu atrás dele. Joe e seus amigos aproveitaram
para fugir também, novamente se enfiando no labirinto de casebres, cercas,
galinheiros, galpões, becos e vielas escuras.
Por uma ironia do desespero, minutos depois, Joe e Tijolo se encontraram
no escuro, nos fundos de um galpão. Um se assustou com o outro, mas agora

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estavam unidos pelo perigo. Junto com Fred e Charley, esperavam que os
marginais da gangue do Peixe desistissem deles ou tomassem outro rumo.
Quando a situação se acalmou, Tijolo ensinou o caminho de volta para os
rapazes. Quando se despediram aliviados, Tijolo Simpson disse:
— Da próxima vez que passarem por aqui, não tragam esses raios
de pipas!
Seria engraçado, mas estavam tão cansados e demolidos, que rir doía
nas carnes mais imperceptíveis do corpo.
— Por mais que eu viva, nunca mais vou pisar no Abismo — disse Fred,
quando já se encontravam na segurança do alto da Colina, olhando para o
mar de luzes, fumaça e BURBURINHO que subia daquele bairro DENSAMENTE
povoado.
— É, tivemos sorte em sair inteiros de lá — disse Joe.
— Parece que um de nós não tá tão inteiro assim, né? — disse Fred,
brincando com Joe.
— É, e quero ver quando eu chegar em casa neste estado! Vai piorar
minha situação!
Os garotos se despediram e, por mais cuidadoso que fosse, Joe acabou
ficando frente a frente com seu pai. O senhor Bronson levou um susto, pois o
filho estava todo ESCALAVRADO.
Mesmo vendo o filho todo machucado, o senhor Bronson procurou não
dar bronca nele. Com calma, quis saber o que tinha acontecido e olhava para
o filho com olhos de adolescente, de alguém que já havia passado por algo
semelhante. Joe percebeu esta espécie simples de carinho e se sentiu seguro
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para resumir os acontecimentos a seu pai.

2 BURBURINHO: ruído confuso e prolongado


2 DENSAMENTE: maciçamente, muito. Densidade demográfica
é a quantidade de habitantes por área (geralmente metro ou
quilômetro quadrado) em uma cidade, país...
2 ESCALAVRADO: golpeado, machucado

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— Onde fica esse Abismo?
— Ali na orla, Union Street... — disse o garoto quase gaguejando.
— É um nome apropriado. Quem inventou?
— Fui eu que apelidei — explicou Joe.
— Espero que tanta criatividade assim seja vista também na aula de
Redação.
Joe não falou nada, pois ia mal na escola, inclusive em Redação. O senhor
Bronson, com pena do filho, disse-lhe então que não daria nenhum sermão.
— Agora você precisa de um belo banho. Limpe bem os machucados.
E depois vá dormir. Você precisa repousar. Amanhã conversamos direito.
Acordou com a força da claridade do dia espetando seus olhos e as
pancadas de Bessie.
— Já são oito horas! Você vai se atrasar para a escola!
Seus músculos pareciam ter quinhentos anos de idade e a dor galopava
por eles.
— Por que não me chamou mais cedo? — ele reclamou sentindo a
boca inchada.
— Papai disse que você precisava dormir um pouco mais... — respondeu
a irmã do outro lado da porta.
Sua mãe, advertida por seu pai, não incomodou o rapaz durante o café
da manhã, mas Joe notou que ela estava especialmente carinhosa e cuidadosa
com ele. No caminho da escola, Joe foi se acostumando com o preço que o
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corpo cobrava pelos esforços da noite anterior e na escola todos os olhares se


dirigiam a ele. Fred e Charley tinham contado tudo sobre o combate com a tribo
dos Simpsons e a fuga emocionante que conseguiram diante dos Peixes.
Olhava as questões da prova e o espaço em branco para as respostas
parecia um deserto gelado:
— Quais eram as leis de Drácon?
— Por que um orador de Atenas afirmou que as leis estavam escritas
com sangue, e não com tinta?
Estava sem saber o que fazer. Começou a apontar o lápis, para ganhar
tempo, para pensar em alguma resposta possível. O ruído do grafite atrapalhava
a concentração dos colegas. A professora então lembrou a todos, mas olhando

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para Joe, que a prova era para ser realizada usando caneta. Além de não ter
estudado, sua cabeça LATEJAVA e parecia dar voltas. As lembranças da noite
anterior carregavam qualquer chance de concentração.
Quando o sinal indicou que eram doze horas, entregou a prova em
branco e saiu junto com seus colegas. Pensou que teria paz no almoço, mas
o canto que gostava de ocupar agora tinha uns vinte colegas em volta. Ficou
chateado com Fred e Charley por terem espalhado a notícia. Não se sentia um
herói, ainda mais depois de fracassar naquela prova.
Quando alguém lhe perguntava algo, Joe só respondia com secos “sim”,
“não”. Estava irritado com a badalação. Tudo o que queria era fugir dali e se
jogar em algum gramado para descansar. De repente, essa ideia, que era absurda
no começo, pareceu algo bom e ele simplesmente caminhou até o portão da
escola e foi para a rua, dobrando uma esquina e desaparecendo da vista e da
falação dos colegas que o rodeavam.
Caminhou sem rumo até achar o trilho do BONDE. Quando este passou,
subiu no veículo. Cruzou a Cidade Baixa e passou pelo coração do centro de
São Francisco. Na torre da igreja, viu que era 1h10min. O bonde se aproximava
do cais e Joe teve a ideia de pegar o barco da 1h15min. Pagou os dez centavos
da passagem e logo estava navegando rumo à cidade de Oakland.
Ficou admirando os marinheiros nos barcos vizinhos. Tinham a pele
bronzeada e os braços fortes. Viviam uma vida cheia de aventuras, sol, chuva,
vento, tempestades em alto-mar. Muitos comiam o que pescavam. Aquilo era
fascinante para o garoto. Chegou a suspirar, pensava que tinha nascido para
ser marinheiro, não para passar os dias sentado numa sala de aula. Sabia que
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muitos homens sem estudo tinham ficado ricos com a vida no mar e hoje eram
donos de frotas inteiras dos mais diferentes e belos barcos.
— Joe Bronson, o que o impede de ser assim? — ele se perguntava
deixando a imaginação navegar além da própria viagem náutica até Oakland.

2 LATEJAVA: pulsava, palpitava


2 BONDE: veículo elétrico usado para transporte coletivo

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Com a mente distraída, acabou dormindo com a cabeça encostada na
vidraça do navio. Foi um sono profundo do qual só acordou quando
o barco atracou novamente no porto de São Francisco já no retorno de
Oakland. Chegou em casa à noite e foi direto para seu quarto, sem encontrar
nenhum familiar.
No dia seguinte seu pai o chamou na biblioteca. O senhor Bronson
estava preocupado. Falou com calma para o filho que não via com bons olhos
o desinteresse que Joe mostrava pelos estudos e a quantidade de horas que
ele passava fora de casa, sem estudar, buscando toda a sorte de aventuras.
Joe permanecia quieto e seu pai falava:
— Filho, eu lhe dei liberdade completa porque acredito na liberdade.
Acho que a alma se desenvolve melhor com a liberdade. Nunca quis COIBIR
você com centenas de regras. Sempre quis que você fosse o dono dos seus
atos e responsável por suas ações. Sempre deixei para você mesmo a tarefa
de confiar no seu sentido de justiça e escolher o que é mais certo para você,
assumindo as consequências de sua escolha. Mas isso não está dando certo.
Joe permanecia quieto. Seu pai continuava:
— O que devo fazer? Será que tenho que colocá-lo no trabalho? Será
que devo vigiar você? Preciso obrigá-lo a estudar? Será que o castigo é a
solução?
Joe nada falou e seu pai então leu um bilhete enviado pela Srª. Wilson.
A professora reclamava do desinteresse de Joe, do fato de ele, pela manhã,
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ter deixado a prova em branco e ter faltado às aulas pela parte da tarde.
— Aonde você foi ontem à tarde, filho?
— Cruzei a baía e fui até Oakland.
O senhor Bronson admirava o fato de o rapaz estar falando a verdade,
mas não se conformava com ela. Lembrou que na véspera da prova o garoto
havia entrado numa briga com marginais do Abismo. E no dia seguinte tinha
matado a aula. Isso era algo terrível. O senhor Bronson precisava saber o que
de fato estava acontecendo.

2 COIBIR: limitar, proibir, reprimir

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Joe então lhe disse que não gostava de estudar e também não queria
uma carreira militar.
— Eu quero viver, trabalhar EMBARCADO, pai!
O pai olhou o filho com benevolência e disse:
— Quer ser um marinheiro! Mas é uma vida difícil, cheia de perigos,
os salários não são bons! Só com o estudo você vai conseguir alguma coisa
neste mundo.
Joe novamente ficou quieto. Seu pai sugeriu então que ele se matricu-
lasse na escola militar, mas para Joe era o mesmo que pedir a um animal
que entrasse por vontade própria em uma armadilha. Como a conversa não
chegava a uma conclusão, o senhor Bronson pediu que Joe pensasse no
assunto e tomasse uma decisão até a noite.
O garoto foi para a escola, e no caminho já estava resolvido. Iria fazer
o que seu desejo mandava. De tarde pegou algumas roupas, o dinheiro que
tinha guardado durante vários meses e escreveu um bilhete que deixou bem
visível, sobre a mesa, antes de deixar seu lar:
Não se preocupem comigo. Sou um fracassado e vou trabalhar num
navio. Não fiquem atormentados. Estou bem, posso cuidar de mim mesmo.
Algum dia eu voltarei e então vocês ficarão orgulhosos de mim. Adeus, papai,
mamãe e Bessie! Joe

Capítulo 4

FRISCO KID estava bem chateado. Enquanto trabalhava no CONVÉS


do DAZZLER, ancorado no porto de São Francisco, ele pensava na vida. Se
A Expedição do Pirata

algum garoto como Joe o observasse ali desde o porto, talvez tivesse inveja

2 EMBARCADO: em uma embarcação


2 FRISCO KID: Garoto de Frisco (São Francisco)
2 CONVÉS: piso do navio
2 DAZZLER: palavra inglesa que significa algo que deslumbra,
deslumbrante, deslumbrador

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de Frisco. Afinal, ele era livre, trabalhava com os adultos, viajava pelo mar, não
ia à escola... Por sua vez, se Frisco Kid se detivesse nos moleques que tinham
família, ele gostaria de ter algo que para eles era tão comum que nem tinha
importância.
Enquanto lavava o convés, Frisco sonhava em ter um irmão, uma irmã.
Sonhava em ouvir um conselho de seu pai ou ganhar um beijo de sua mãe.
Mas não tinha nada disso. Para moleques que observassem Frisco trabalhando
no verão com botas à prova d’água cujos canos iam até os joelhos, poderiam
dizer “esse cara é feliz”, mas ignoravam o calor e o desconforto de usar as botas
velhas de Pete Le Maire, o Pete Francês, que eram três números maiores.
Foi Pete que apresentou Frisco a Joe:
— Este é Joe Bronson, o novo marinheiro.
Os dois jovens se olharam e se deram bem de início, embora Joe
conhecesse um navio mais pelo que tinha lido do que pela prática. Gostou da
cabine do navio, porque o espaço era muito bem aproveitado com armários
suspensos e móveis desenhados para preencher os espaços deixando a
circulação livre. Havia dois rifles enfeitando uma parede. Joe gostou da comida
tosca que serviam e foi se acostumando com os cheiros e as tarefas. Era como
se estivesse vivendo um sonho, uma nova vida que se abria para ele.
Frisco ia lhe dando dicas sobre o trabalho de marinheiro e explicando
as regras do navio. Joe desejava que Fred e Charley pudessem lhe ver ali,
Coleção Aventuras Grandiosas

trabalhando no navio. Em seu primeiro dia, antes que zarpassem, Joe conheceu
outros dois MARUJOS, Bill e um sujeito barbudo e beberrão, apelidado de
Londrino, que foi logo perguntando para Francês quem era o novato.
— É Joe Bronson, um bom garoto, marinheiro de primeira viagem.
— Bom ou mau, vai ter que ficar de bico calado — falou o homem com
um olhar feroz.
A princípio Joe não entendeu por que o homem fazia aquela exigência
em tom ameaçador. Depois o marujo começou a tratar de negócios com Pete.

2 MARUJOS: marinheiros

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Falavam sobre a divisão de lucros, mas Joe não tinha como entender exatamente
o que era. Frisco chamou Joe e foi ensiná-lo a manejar o CORDAME.
Partiram à noite e foi uma emoção para Joe sentir o Dazzler cruzar a baía,
impulsionado pelo vento, deixando as luzes de Oakland para trás. Londrino
disse que iriam pegar um carregamento na fábrica de Bill. Para Joe, Bill não
parecia um homem de negócios ou proprietário de uma fábrica, mas, para
não parecer preconceituoso, resolveu ficar calado. Em duas horas estavam
ancorando e Joe se viu em um bote, remando na madrugada na companhia de
Frisco Kid. Pete Francês ia no leme do bote. Tudo era feito com muito silêncio,
cuidado e precaução, mas ninguém explicava para Joe o porquê de tanta
reserva. Quando chegaram perto da praia, Joe viu que o comportamento das
pessoas também era SIGILOSO e começou a desconfiar de que algo estivesse
errado. Bill e Londrino vinham em outro bote.
Mas, tão logo encostaram no trapiche (tinham acabado de carregar o
bote), ouviram tiros. Era a polícia que disparava contra os que estavam ali
para entregar o carregamento que iria para o Dazzler. Por um momento Joe
não sabia o que fazer, mas decidiu ajudar na fuga. Pete e Frisco assumiram
os remos, mas o bote havia sido atingido por um ou mais tiros e começava a
encher de água. Além disso, o carregamento era muito pesado e dificultava
o deslocamento da embarcação. Frisco forcejava num remo e Pete no outro,
enquanto Joe, com uma lata, tirava a água do fundo do bote e jogava no mar.
A operação garantiu que chegassem até o navio, mas na manobra para içar
a carga, o bote ADERNOU e foi engolido pelo mar, que levou a carga para o
fundo. Joe e Frisco chegaram a afundar juntos, mas conseguiram emergir e
A Expedição do Pirata

nadar até a corda que Francês (que tinha conseguido deixar o bote a tempo)
jogou para eles. Em minutos aqueles homens recolheram as âncoras, içaram
as velas e colocaram o Dazzler em movimento. Por escolha própria, com

2 CORDAME: conjunto de cordas e cabos de um navio ou veleiro


2 SIGILOSO: secreto, feito com segredo
2 ADERNOU: inclinou (usado para embarcações)

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outro bote, Bill e seu sócio Londrino fugiram por um rio que adentrava uma
região pantanosa.
Em pouco tempo não viam mais o continente. Frisco estava no TIMÃO
e o capitão Pete Francês estava trancado em sua cabine, xingando a má sorte
em pelo menos três idiomas. Mais calmo Joe pensava sobre a fuga, os tiros, o
comportamento de todos. Não havia dúvida, aquela carga era ilegal. Devia ou ser
roubada ou não estar pagando impostos ao governo. De qualquer forma era algo
grave, tinha havido até tiroteio! Se a polícia o tivesse pegado, ele iria para uma
Penitenciária Estadual, seria terrível para ele e sua família. Decidiu fugir quando
tivesse a primeira oportunidade, mas sabia que Pete estaria de olho nele.

Capítulo 5

Perto do amanhecer seus pensamentos foram interrompidos por uma


BORRASCA que se aproximava. O convés ficou liso demais e as velas sacudiam
como se fossem se partir a qualquer momento. O mar foi se agitando e
sacudindo o Dazzler que rangia. Frisco dava ordens e ajudava Joe na execução
das manobras. Agora não importava se aquele jovem marinheiro era um pirata
ou um ladrão, pois tinham que comandar o navio no meio da tormenta.
Passaram muito tempo guiando o barco até um refúgio na ilha Anjo. A
aurora trazia o dia e de onde estavam, subindo no mastro do navio, Joe po-
Coleção Aventuras Grandiosas

dia ver o horizonte da cidade de São Francisco. Pensou em Bessie, em alguns


minutos ela acordaria e perguntaria por ele. Imaginou que sua família estava
sofrendo com sua ausência e não se sentiu bem com isso. Na ilha Anjo funcio-
nava uma Estação de Quarentena. Os asiáticos que quisessem desembarcar
em São Francisco eram obrigados a passar por ali para ser inspecionados por
médicos norte-americanos. Caso tivessem alguma doença contagiosa, eram
proibidos de entrar no país.

2 TIMÃO: leme, direção do navio


2 BORRASCA: vento forte com chuva

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Frisco Kid sugeriu que dormissem um pouco e depois preparassem algo
para comer, talvez pudessem pescar ali mesmo.
Para Joe era legal pescar e comer aquele peixe, mas os episódios da
noite anterior o preocupavam muito e ele tentou escapar. Pegou então outro
bote do Dazzler e se foi. Conseguiu sair sem que ninguém percebesse, mas na
praia havia um soldado do exército dos EUA que não deixava ninguém pisar
naquela ilha reservada ao confinamento de estrangeiros [geralmente pobres]
com suspeita de alguma doença.
— Por favor, deixe-me entrar! — gritava Joe do bote, sob a mira do
soldado.
— Ninguém entra aqui sem autorização. Se você se aproximar, leva
chumbo.
Joe tentou argumentar, mas não poderia falar a verdade, de que estava
acompanhado de piratas modernos, senão poderia ser preso. Do convés o
capitão Pete gritava de raiva:
— Volta pra cá, moleque! Volta ou eu te mato, seu ladrão de bote.
Com a distância, não havia como Joe escutar seus gritos. Pete
gostaria mesmo de meter uma bala no ladrãozinho, mas não poderia fazer
isso na presença do soldado. Resignado, Joe resolveu voltar, remando
devagar.
— Vou te encher de porrada, moleque, e depois vou te matar! —
gritava o capitão.
— Isso, mate o garoto que você vai acabar numa forca — disse Fris-
co Kid.
A Expedição do Pirata

— Mas o que é isso agora? Uma rebelião? Um motim? Fique quie-


to, Kid.
Kid foi ajudar Joe a subir no Dazzler e aconselhou:
— Rapaz, ele está possuído, meu conselho é que ouça tudo ca lado.
Não responda. Deixe que ele ESBRAVEJE e xingue. Se você responder,
vai ser pior.

2 ESBRAVEJE: grite, vocifere

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Mas Joe não era do tipo que se cala quando deve falar e assim que
colocou os pés no navio foi logo dizendo:
— Escute, senhor Pete Francês, não é assim que lhe chamam? Há
algo muito errado acontecendo neste barco para a polícia atirar na gente
ontem de noite. Por isso eu lhe aviso que vou embora e irei embora! Se
você me impedir eu vou lhe mandar para a cadeia, tão certo como meu
nome é Joe Bronson.
Espantado com a coragem de Joe, Frisco Kid esperava ansioso pela
reação do capitão Pete. Era a primeira vez que alguém o desafiava dentro
de seu próprio barco e o sujeito não passava de um moleque! Isso deixava
o capitão COLÉRICO.
— Vai me mandar pra cadeia como? Se ontem você também roubou
ferro e fugiu e hoje roubou o meu bote! Hein, FEDELHO? Vai me mandar
como para a cadeia? — gritava como um louco o capitão e saía fiapos de
cuspe de sua boca.
— Mas eu não sabia!
— Hahaha, que divertido! O juiz vai rir muito no tribunal. Eu não sabia!
— na última frase o Francês fez uma voz mais fina para desmoralizar Joe.
— Eu não sabia! — reafirmou o garoto com valentia. — Eu não sabia que
navegava com uma quadrilha de ladrões!
Frisco Kid fechou os olhos assustado com o que poderia acontecer com
Coleção Aventuras Grandiosas

tanta sinceridade voando dentro das palavras no convés do Dazzler.


— Mas agora que eu sei, vou sair deste navio. E se eu tiver que ir a
julgamento eu vou, e vou falar a verdade para qualquer juiz dos Estados Unidos.
Já o senhor não vai poder falar a verdade, não é?
— Você diz isso, mas não passa de um ladrãozinho!
— Isso é mentira! — reclamou Joe.

2 COLÉRICO: com muita raiva


2 FEDELHO: criança de pouca idade (aqui usado no sentido de
ofender ou menosprezar, já que Joe era adolescente)

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E o capitão, movido pela raiva, acertou-lhe um soco na cara.
— Não sou ladrão. Você mente quando diz que sou ladrão, porque não
sou! Pode me matar, mas vou seguir dizendo a verdade.
— Ele não vai te matar — gritou Frisco Kid se colocando entre o capitão
e Joe, antes que este acertasse mais um soco no jovem marujo.
Kid tinha uma barra de ferro na mão e falou:
— Chega! Isso já foi longe demais. Capitão, o garoto está falando a
verdade, o senhor não percebe de que madeira ele é feito?
— Ahhhh, está bem! Siga para a Ponta do Caçador. Somos homens
do mar, vamos fazer as pazes. Mas não espere uma palavra de carinho de
minha parte.
O capitão esticou o braço, mas Joe se negou a cumprimentá-lo. Kid
disse que estava tudo bem e o capitão foi para a cozinha:
— Preparem-se, hoje vocês vão comer bem, o Francês aqui é ótimo
cozinheiro.
Quando estavam a sós, Kid disse que Pete, sempre que queria uma
reconciliação, preparava uma refeição, mas que Joe não deveria confiar nele,
pois estava ofendido e poderia estar armando algo.
Quando o barco cruzou a baía, entre São Francisco e Oakland, Frisco
Kid reparou no olhar de Joe para o continente. Estava quase gritando
socorro e chegou a pensar em se jogar no mar e tentar a sorte a nado, mas
era uma loucura.
— Você mora aí, Joe?
— Sim, Kid.
A Expedição do Pirata

Os dois conversaram um bom tempo, Joe contou sobre sua casa, seus
pais, seus amigos e sua irmã. Havia saudade e amor na voz de Joe. Frisco lhe
disse que não tinha casa, disse que sua mãe tinha falecido quando ele era tão
pequeno que nem lembrava dela e o pai, tinha visto poucas vezes. Joe não
soube o que dizer e preferiu ficar quieto, enquanto o Dazzler abria caminho
no oceano Pacífico.
Nos dias seguintes, Joe e Kid ficaram amigos e tiveram longas conversas
sobre a vida, o mar, a liberdade, as diferenças que tinham. Frisco queria
estudar, ter uma chance em terra firme, ter amigos e um lar. Joe prometeu

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que quando saíssem daquela situação ele falaria com seu pai e conseguiriam
mudar a vida de Kid.
Joe decidiu então ficar mais algum tempo no navio, até ter uma chance
de levar Frisco com ele. Sob o comando do Francês, rumaram para os bancos
de ostras. Uma região de perigosos recifes submersos crivados de ostras,
onde Kid tinha que mergulhar para verificar a profundidade do mar, evitando
que o navio encalhasse.
No terceiro dia o capitão foi para terra firme numa ilha deserta, Joe
cogitou de zarparem com o Dazzler, abandonando Pete, mas Frisco foi
contra. Seria muito desonroso. Afinal, mesmo no tiroteio, ninguém havia sido
deixado para trás. Se fizessem algo assim, ficariam arrependidos. Quando
Pete resolveu parar num povoado distante, reduto de ladrões e piratas, os
garotos resolveram agir.
Pete ficou sabendo que piratas conhecidos dele haviam roubado um
cofre de uma empresa em San Andréas e queria dar um jeito de roubá-la
deles. Joe e Kid acharam a ideia arriscada demais. Além disso, era mais uma
coisa de ladrões que teriam que fazer.
O cofre estava com um homem chamado Red Nelson, amigo de Pete.
Ele os levou até o local e Pete o convenceu a levar a arca para o Dazzler, uma
vez que o veleiro Rena, que pilotavam, estava sendo procurado pela polícia
e havia até recompensa por quem interceptasse os piratas.
Pete levaria parte do dinheiro do cofre por se arriscar. O tempo
Coleção Aventuras Grandiosas

estava ruim quando fizeram a troca, mas emocionado pelo enriquecimento


súbito Pete quis comemorar. Começou a beber e a dizer que iria até o
México, “onde sempre é primavera”, para passar o resto da vida lá, mas
Joe e Kid tinham outros planos, queriam navegar e estudar e construir
uma vida nos EUA.
O Rena era um veleiro mais moderno e confortável, por isso Pete foi
comemorar a negociação no navio dos piratas. E o tempo encrespou a ponto
de as ondas virarem montanhas de água. As âncoras do Dazzler se romperam
e ele começou a se afastar do Rena. Na noite chuvosa, ninguém enxergava
nada. Joe e Kid trataram de ser proteger, na cabine do Dazzler, pois não havia
como navegá-lo após um vagalhão partir seu mastro.

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Quando amanheceu, viram-se sozinhos no barco e à deriva. Por sorte a
correnteza os levou ao litoral de San Andréas, onde, com o dinheiro do cofre,
compraram um pequeno veleiro. Para a surpresa deles, descobriram que o
cofre pertencia à empresa do pai de Joe.
No outro dia seguiram viagem para São Francisco.

Capítulo 6

Assim que o capitão Kid aportou em São Francisco, Joe disse:


— Não saia do barco, Kid! E deixe o cofre dentro da cabine, com a porta
trancada. Eu volto amanhã de manhã, certo?
— Pode contar comigo, Joe!
O capitão Joe pegou o trem e foi até o centro. Precisava ver seu pai.
No caminho comprou um jornal e descobriu que o Rena havia naufragado, na
passagem de uma violenta tempestade. Segundo o jornal o cofre com dez mil
dólares e muitos documentos importantes teria se perdido no naufrágio.
— Por onde você andou? — disse o senhor Bronson com SERENIDADE
ao ver o filho.
— Estava embarcado — respondeu Joe TITUBEANDO, pois não sabia
qual seria a reação de seu pai.
— Pelo jeito foi uma viagem curta. Como você se saiu?
Havia amizade no olhar de seu pai, então Joe se sentiu seguro para
falar mais:
— Não fui tão mal assim, se considerar as circunstâncias...
A Expedição do Pirata

— Que circunstâncias? — quis saber o senhor Bronson.


— Acho que poderia ter sido muito pior, mas não sei se poderia ter
sido melhor.
— Sente-se, filho, o que você fala me interessa muito.

2 SERENIDADE: calma, tranquilidade


2 TITUBEANDO: falando ou demonstrando insegurança

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Joe teve que segurar as lágrimas, pois estava emocionado com a ter-
nura nos gestos, nas palavras e no olhar de seu pai. Ele não o reprimia. Era
como se Joe tivesse voltado de férias ou como se fosse um adulto voltando
de uma viagem de negócios.
Joe sentou e contou tudo. Abriu seu coração e falou sobre todos os
acontecimentos desde o momento em que saíra de casa, até aquele instante
no escritório. Falou sobre os piratas, sobre as coisas que aprendeu, sobre
Frisco Kid e os projetos que tinha e sobre o cofre que, veio a descobrir depois,
tinha sido roubado do sócio de seu pai. O senhor Bronson escutava tudo
emocionado, mas sem interromper o garoto. Mas, quando Joe terminou, o
senhor Bronson falou:
— Filho, realmente poderia ter sido bem pior! Mas pelo menos você teve
vários ensinamentos nessa jornada. Quanto ao assunto do cofre, sua conduta
merece todos os meus elogios e confiança. O senhor Willi Tate e eu já gastamos
quase quinhentos dólares para recuperá-lo. Era tão importante que oferecemos
uma recompensa de cinco mil dólares por ele! Até pensamos em aumentar
essa recompensa, mas há coisas mais valiosas do que ouro e documentos
importantes. O que você acha? Você venderia as melhores oportunidades de
sua vida por um milhão de dólares?
O rapaz sacudiu a cabeça, negando.
— Isso é o mais importante. Nem todo o dinheiro do mundo pode
comprar uma vida, pelo menos não uma vida humana. O dinheiro também não
Coleção Aventuras Grandiosas

pode REDIMIR quem está completamente perdido, nem completar, embelezar


ou preencher uma vida depreciável e mal dirigida. O que você me diz de você
mesmo? Que efeitos essas aventuras produziram em você? Você voltaria amanhã
para o mar em busca de outras aventuras? Será que você entende o que quero
dizer, filho? Nem por um momento sequer eu arriscaria a minha vida e a vida do
meu filho pelo mesquinho valor trancado num cofre. Um dólar é igual a outro
dólar e há bilhões deles no mundo, mas só há um Joe como o meu Joe e não há
ninguém no mundo que possa substituir você. Consegue perceber isso, filho?

2 REDIMIR: livrar das penas, libertar

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Por um instante a voz do senhor Bronson se partiu e fraquejou, forçada
pela emoção, e Joe soluçava como se o coração fosse ESTALAR. Até aquele
momento, até aquela conversa ele nunca tinha entendido seu pai. Mas via
agora que o tinha feito sofrer muito durante sua ausência. Aqueles quatro
dias de aventura tinham passado para Joe uma visão mais clara do mundo
e da humanidade.
Conversaram sobre Frisco Kid. Joe explicou que era o capitão em terra e
Kid no mar. Então tinha CARTA BRANCA para representá-lo. O senhor Bronson
então decidiu dar uma oportunidade para Kid no escritório da empresa, como
um teste. Se fosse bem, iria receber uma bolsa para estudar por conta do
senhor Bronson. Joe concordou com os termos propostos.
— Só depende dele agora!
Depois o senhor Bronson ligou para Willis e informou sobre a
recuperação do cofre e resolveu comemorar, dando o resto do dia de folga
para os funcionários. Assim, pai e filho poderiam voltar para casa e ficar mais
tempo juntos.

A Expedição do Pirata

2 ESTALAR: partir, quebrar


2 CARTA BRANCA: autorização

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Roteiro de leitura
1) Onde se passa a história?
2) Quem é o narrador?
3) Quem é o personagem principal?
4) Joe explicou para sua irmã Bessie várias diferenças entre meninos e meninas.
A história original foi escrita cem anos atrás, você acredita que tais diferenças
ainda existam?
5) Faça uma lista das dez coisas que mais você gosta de fazer para se divertir.
Depois, com ajuda da professora, monte um ranking das preferências da
turma no geral e das preferências de meninos e meninas.
6) Quem eram os moradores do Abismo?
7) Na sua cidade há um local que possa ser chamado de Abismo? Quem
vive lá?
8) Cite três diferenças entre as pessoas que moravam no Abismo e as pessoas
que moravam na Colina.
9) Como você descreveria as pessoas no lugar em que você mora?
10) Joe fez bem ao lutar contra Tijolo? Por quê? Qual teria sido sua decisão?
11) Como o senhor Bronson criava seu filho Joe?
12) Em sua opinião, por que Jack London deu ao navio o nome Dazzler? Quem
se deslumbrava com a embarcação?
13) Quando Kid sugeriu que Joe ficasse quieto, após roubar o bote, o que o
Coleção Aventuras Grandiosas

jovem fez? Por quê?


14) Joe tinha família e queria liberdade, Kid tinha liberdade e queria uma família.
Com qual desses personagens você se identifica mais?
15) No final da história, o senhor Bronson faz uma comparação interessante entre
Joe e o dinheiro. Encontre essa passagem no texto e a transcreva aqui.
16) Para você o que é mais importante, ter muito dinheiro ou ter pessoas que
você ama convivendo com você? Por quê?
17) Em sua opinião, quais foram as coisas mais importantes que Joe descobriu
e aprendeu em sua aventura?
18) De qual cena do livro você mais gostou? Por quê?
19) A que você menos gostou, qual foi?
20) Escreva uma redação contando uma aventura sua (imaginária ou real).

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A EXPEDIÇÃO DO PIRATA
Jack London

Biografia do autor

John Griffith, mais conhecido como Jack London, nasceu no dia 12 de


janeiro de 1876 em São Francisco, na Califórnia, filho de Flora Wellman. Seu pai era,
provavelmente, William Chaney, companheiro de Flora na época. Contudo, eles
não eram oficialmente casados e Chaney exigiu que ela fizesse um aborto. Com
a recusa da mulher, Chaney a abandonou, negando-se a reconhecer John Griffith
como filho. Flora logo se casou com John London, um veterano da Guerra Civil,
de quem Jack London adotou o sobrenome. Quando Jack tinha 13 anos, John
London morreu e o menino precisou ir trabalhar em uma fábrica de conservas.
Acordava às 5 e meia da manhã e ia dormir à meia-noite para ajudar no sustento
da família.
Mesmo com tanto trabalho, Jack era apaixonado por livros. Lia qualquer
coisa que lhe caísse nas mãos. Entre uma leitura e outra, Jack deixou a fábrica de
conservas e virou ladrão de ostras no porto de Oakland. Depois se cansou da
pirataria e inverteu os papéis, indo trabalhar como policial. Ele era responsável
por prender os ladrões de ostras, os chineses que contrabandeavam camarões
e os gregos, que roubavam salmão naquela área.
Finalmente, resolveu virar marinheiro, influenciado pela grande obra de
Herman Melville, Moby Dick, que ele adorava. Passou três meses trabalhando
no veleiro Sophie Sutherland. Nessa viagem, conheceu a Coreia, o Japão e a
Sibéria. Depois voltou para São Francisco e conseguiu trabalho numa fábrica de
A Expedição do Pirata

juta. Nessa época, sua mãe insistiu para que ele se inscrevesse em um concurso
literário, para o qual enviou um relato de suas aventuras a bordo do veleiro. Jack
venceu o concurso e ganhou 25 dólares pelo primeiro lugar.
Ele tentou publicar alguns contos, mas nenhum foi aceito. Largou a fábrica
de juta e voltou à vida de ladrão e desocupado. Acabou preso nas Cachoeiras
do Niágara, no Canadá, de onde retornou aos Estados Unidos. Estava com 19
anos, sem dinheiro, sem emprego e, ainda por cima, virara alcoólatra. Entrou para
a Universidade da Califórnia, onde permaneceu apenas um semestre porque não
tinha condições de pagar a mensalidade. Foi então que Jack London retornou ao

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Canadá, dessa vez para Klondike, impulsionado pela corrida do ouro. Essa viagem
serviu de inspiração para o livro O Chamado da Selva.
Não conseguiu ouro e ainda por cima ficou doente na viagem. Voltou para
São Francisco e finalmente virou escritor profissional, escrevendo para a revista
Overland Monthly. Estava casado com Bessie Maddern, com quem teve duas
filhas. Trabalhou duro como escritor para manter a casa e a família, publicando
diversos contos. Viajou ainda para a Coreia como repórter para cobrir a guerra
entre a Rússia e o Japão.
Seu primeiro romance, O Filho do Lobo, foi publicado na virada do século.
Outros livros vieram em seguida: O Chamado da Selva, Martin Eden, O Lobo do
Mar, Antes de Adão, Caninos Brancos etc.
Mais tarde, Jack se separou de sua esposa e apaixonou-se por Charmian
Kittredge, sua editora, e viveu com ela durante onze anos, até sua morte, em 22
de novembro de 1916. Enquanto faziam viagens de navio, Jack e Charmian se
divertiam muito treinando boxe. Jack ficava mais na defesa, porque um golpe
seu poderia machucar a esposa. Ele adorava esse esporte porque o considerava
justo. Mas detestava a covardia das touradas e das caçadas com rifle, pois são
atividades que não dão chance ao oponente. O esporte aparece nesta e em outras
histórias de London. A Expedição do Pirata foi escrita em 1902.
Ele é considerado um dos maiores escritores norte-americanos. Influenciado
por grandes pensadores como Darwin, Marx, Milton e Nietzsche, sua obra é vasta
e de qualidade. Seus livros contam com muita ação e também com descrições
precisas, suas experiências de vida e suas viagens.
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