Capítulo Onze
Educando os Educadores – Ou, Empoderando* Professores**
* NT. O termo mais comum de tradução seria “capacitação, dar poder a”, porém este neologismo traz mais o “sabor” do texto quando Bhaskar o refere à
Roy Bhaskar é um filósofo
muito conhecido que fundou a
teoria do realismo crítico, uma
teoria aclamada internacional-
mente. Roy Bhaskar escrever seu
primeiro livro quando tinha 20
anos e compartilhará conosco
suas reações naquele primeiro
momento. Há uma longa lista de
livros que ele já escreveu, come-
çando com FILOSOFIA DA CIÊNCIA,
incluindo discursos sobre ciência
social, Marxismo, emancipação e
muitos outros tópicos. No devido
momento, teremos uma chance
de conhecer o Roy de hoje. Acho
que é realmente uma sorte ter-
mos Roy conosco. Num sentido é
bom termos um filósofo bem co-
nhecido, que combinou o ocidente
e o oriente, que desafiou muitas
teorias, celebrando o aniversário
de nossa fundação. Mas, em outro
sentido, também é bom tê-lo co-
mo alguém que compartilha de
nossas preocupações. Convidei-o
não apenas por ser um Professor
Catedrático, que está acostumado
a falar com acadêmicos e a dar
muitas palestras pelo mundo;
mas também porque ele possui
suas próprias visões radicais
sobre educação e experiências
delas que gostaríamos que ele
compartilhasse conosco hoje.
Quando ele me questionou sobre
** Fala no sétimo aniversário da fundação da Academia Rewachand Bhojwani, Pune, 17 de Fevereiro de 2002.
se queria trabalhar com ele, per- sei que não estaria cum-
guntei-lhe se tinha que fazer um prindo meu dever se fizesse
exame antes que ele me indicasse apenas isso.
– e perguntei-lhe quais eram os Suponho que se poderia
critérios para passar no teste. dizer que o que tentarei
Porém, ele me perguntou o que eu fazer agora é falar sobre
achava que ele deveria fazer. Dis- educação e minhas experi-
se-lhe que queríamos teorias mais ências e as suas experiên-
completas, mais pé-no-chão, e em cias. Quero ter em mente
seus famosos conceitos novos tais este pensamento, um pen-
como estado térreoi e envelope samento muito oportuno,
cósmicoii, estamos conseguindo que Marx tinha quando ele
aquela proximidade com questões questionou – em sua ter-
práticas que sinto que precisamos ceira tese em Feuerbach –
agora. quem vai educar os educa-
Primeiramente, devo parabe- dores, quem vai empoderá-
nizar todos vocês pelos setes los, quem vai transformá-
anos de maravilhosas realizações los? E quando vocês olhar
radicais. Conheço Lakshmi por para a prática de dos parti-
quase quinze meses e sei que dos comunistas realmente
esta escola é muito importante existentes, podemos ver
para ela. Sei que ela está emba- que a liderança não os
sada em princípios bem radicais transformou; que os educa-
e eu li a brochura, e conheci al- dores, os assim-chamados
guns dos produtos, e eles são educadores ou os pretensos
adoráveis – os produtos, não a transformadores não ti-
brochura, embora a brochura nham educado, transfor-
também seja adorável! Estou mado e mudados a si mes-
muito honrado em estar aqui mos. Então, de certo modo,
nesta ocasião auspiciosa. Com isto é uma boa deixa para
este grupo adorável aqui, eu gos- minha própria fala hoje
taria de dizer apenas algumas porque aquilo sobre o quê
poucas palavras, na verdade, quero falar é um tipo de
prefiro que tenhamos apenas dialética entre auto-mu-
uma discussão. Contudo, também dança, auto-transformação
que você pode dizer que é
Marx.
uma abordagem típica oci-
dental, se você preferir uma
abordagem tipicamente espi-
ritual, na qual a ênfase é em
auto-mudança, auto-desen-
volvimento e auto-aprimo-
ramento (ou aperfeiçoamen-
to); e a abordagem oriental,
na qual a ênfase é na mudan-
ça fora de si, transformação
no resto do mundo. É tipica-
mente este-mundomente do
que o outro-mundomente1; é,
no máximo, altruísta, dire-
cionada para fora, preocupa-
da com fazer coisas para as
outras pessoas ao invés de
para o eu que permanece
não-examinado e, assim,
inalterado.
Agora, na verdade, acho
que não há inconsistência
entre essas duas abordagens.
Acho que se você for verda-
deiramente espiritual, se
realmente não possuir ego,
1 NT. Aqui, outro-
mundomente, está em lugar
de “other-wordly”, comu-
mente traduzido com sobre-
natural(mente), assim o jogo
de palavras é que se trata
deste mundo e não de outro
mundo, espiritual, sobrena-
tural, etc...
se realmente amar as outras
pessoas, então você deve estar
engajado em atividades de trans-
formação prática no mundo.
Assim, espiritualidade real para
mim é o que chamo de misticis-
mo prático. Isto é muito pé-no-
chão, e isso está inteiramente
engajado em colocar-se à serviço
da causa da emancipação huma-
na, na verdade, da auto-
realização universal. Esta é a
única abordagem espiritual que
posso ver como verdadeiramen-
te espiritual, que, claro, é a abor-
dagem espiritual de todos os
grandes professores espirituais.
Se você olhar para Jesus, Buda,
não importa. No entanto, tam-
bém é bem interessante a abor-
dagem que está implícita nas
teorias ocidentais e seculares de
emancipação. Agora se você
pegar o ideal do Bodhisattva2 do
Budismo Mahayana3, ele pode
2 NT. Bodhisattva é um ter-
mo do budismo que designa
seres de sabedoria elevada que
seguem uma prática espiritual
que visa a remover obstáculos e
beneficiar todos os demais seres.
A expressão significa, em tradu-
ção literal do sânscrito, "ser
(sattva) de sabedoria (bodhi)". .
[WIKIPÉDIA, 2008]
3 NT. Mahayana é a palavra
sânscrita para "Grande Veículo",
e refere-se às escolas budistas
que enfatizam o ideal do Bodi-
satva, supostamente em contras-
te com o caminho Hinayana
(sânscrito para "Pequeno Veícu-
ser o ser humano mais realizado, que, numa sociedade co- mos? A questão é, a coisa
mas ele adiará sua própria ilumi- munista, o desenvolvimen- realmente importante para
nação, sua própria felicidade, seu to livre de cada um seria a se compreender é, que você
próprio nirvana4 até a realização condição do desenvolvi- nunca pode emancipar nin-
de todos os outros seres no mun- mento livre de todos. Em guém. Emancipação não
do. Isto é muito semelhante ao outras palavras, seu bem- pode ser imposta de fora,
ponto de vista de Marx – e Marx estar, seu florescimento era emancipação sempre vem de
era um ateu – quando ele disse a condição para o meu pró- dentro. Então você passa por
prio. Era tão importante uma dialética. Como isto
para mim quanto o meu. funciona exatamente? Come-
lo") que buscaria apenas a Ilumi-
Em outras palavras, não çando, digamos, a partir de
nação do próprio praticante.
importa ser livre, não im- uma inspiração espiritual,
[WIKIPÉDIA, 2008]
4 NT. No Budismo, nirvana
porta ser a pessoa mais você quer ter uma experiên-
fantasticamente aprimora- cia política, quer estar nessa
(do sânscrito -- ***pali: Nibbāna),
da e aperfeiçoada, se você consciência que o levará a se
literalmente "extinção", é a cul-
ainda for miserável e infe- comprometer com a mudan-
minação da busca budista pela
liz. Isto é precisamente o ça social radical. Então,
libertação. De acordo com a con-
ponto de vista do Budismo. quando você estiver com-
cepção Budista, o Nirvana seria
E se você penetrá-lo pro- prometido com a mudança
uma superação do apego aos
fundamente, em algum social radical você se per-
sentidos, da ignorância e a supe-
ponto, este é o ponto de guntará, como mudar as
ração da existência, que é pura
vista de todas as grandes pessoas, e descobrirá que
ilusão. Siddhartha Gautama, o
religiões e também até das qualquer tentativa de forçar
Buda, descreveu o Budismo como
inspirações e aspirações a emancipação a partir do
uma jangada que após atravessar
políticas. Então é daí que eu exterior é falsa, é heterôno-
um rio, permite ao passageiro
parto, de que não há real- ma e não vai funcionar. Ape-
alcançar o nirvana. O Hinduísmo
mente nenhuma contradi- nas os próprios indivíduos
também usa nirvana como um
ção entre espiritualidade e podem libertar a si mesmos,
sinônimo para suas idéias de
mudança social radical. emancipação não pode ser
moksha [(sânscrito: liberação) ou
Nenhuma contradição entre imposta de fora. Todos os
Mukti (sânscrito: soltura) refere-
compromisso com a trans- fracassos de projetos utópi-
se, em termos gerais, à libertação
formação de estruturas cos, projetos seculares de
do ciclo do renascimento e da
sociais e a emancipação de emancipação se resumem em
morte.], e fala-se a respeito em
todos. não levar a sério o suficiente
vários textos hindus tântricos
Uma vez que você che- o princípio de auto-
bem como na Bhagavad Gita ((A
gar ao ponto onde sente referencialidade. Isto é muito
Canção do Senhor) é um texto
que você está orientado em importante para a educação,
religioso Hindu). Os conceitos
sua vida para a emancipa- esboçar esta dialética do
hindus e budistas de nirvana
ção humana coletiva, a desenvolvimento espiritual e
"não devem ser considerados
auto-realização universal da transformação social ra-
equivalentes". É o ápice, ou seja, é
definitiva, então você quer dical.
o ponto mais alto de meditação,
saber, de onde virá esse Voltemos ao ponto onde
diz que o espírito se liberta do
resultado, como o busca- nada acontece sem o indiví-
corpo temporariamente.
duo. Estamos envolvidos em
educação, a maioria de vocês é
professor ou conselheiro, então
como você realmente ensina algo
a alguém? Vocês consideraram
isso? Suponha que eu escreva
uma constatação em lógica ou
matemática no quadro e diga,
bem, você vê que p implica em q
e p portanto q, as pessoas enten-
dem isso? Se você não entende
isso então você precisa invocar
uma meta-teoria e você tem que
deduzir essa teoria de uma outra
teoria.5 Se você não entendo que
estou dizendo então meu esforço
em ensino é perdido, inútil. No
fim do dia, o ensino, que é uma
relação dialógica, sempre de-
pende do sujeito obtendo uma
nova perspectiva, simplesmente
no ponto em que ele/a pega a
coisa, ‘ah agora entendi como
você fez isso.’ Isto é verdade até
para perícias6 aplicadas como
dirigir um carro. Muitas pessoas
que começam a dirigir não sa-
bem como dar a ré, não sabem
para que lado virar o volante. É
difícil, mas repentinamente você
pega o jeito, ou repentinamente
você pega o jeito de falar Fran-
cês. Se você está olhando para
5 Você tem que dizer, por e-
xemplo, que se P implica em Q, e
P então Q; e P portanto (porque
se P implica em Q e P então Q),
Q. Isso ajuda?
6 NT. Normalmente, skill =
habilidade, mas, para evitar con-
gruência na tradução de ability,
uso perícia.
uma pintura, ah, bem, achava que
era um pato, agora posso ver isso
como um coelho. Isto é a gestalt7
envolvida em todos os atos de
aprendizagem e educação. Sem
isso você não consegue ensinar
nada a ninguém. Então é sempre
o eu, o sujeito que tem que com-
preender. Você não pode impor a
compreensão a eles, eles preci-
sam trazê-la de dentro.
Então, qual é a condição para
isso, é uma condição extraordi-
nária. A condição é que isso signi-
fica que eles já devem saber.
Porque se vem de dentro, eles já
devem possuir o conhecimento e
isto é, na verdade, nada além da
teoria de Platão de que a educa-
ção é uma anamnese, que o que
você está fazendo é trazer para
fora algo que está implícito, do-
brado, potencial dentro deles,
você está realizando isso, tor-
nando isso explícito, mas a me-
nos que isso esteja lá, você não
pode ter aquele ‘ah’, aquele ‘en-
tendi’, aquele encaixar as coisas
quando o pupilo compreende o
que o professore está tentando
dizer. Então, a primazia do ponto
de vista da auto-referencialidade
não é importante apenas para a
emancipação, é também impor-
tante para a educação, que é o
nosso tema principal de hoje.
7 NT. Gestalt, palavra alemã,
sem tradução exata em portu-
guês, refere-se ao que é "exposto
ao olhar", "o que é colocado dian-
te dos olhos".
Uma vez que virem o
quanto isso é importante,
então vocês podem dizer
como consigo que estas
pessoas que estão apenas
onde estão, que talvez este-
jam apenas preocupadas
com as coisas pequenas,
nada a ver com emancipa-
ção coletiva, nada a ver com
tornar o mundo um lugar
melhor, como as levamos
até lá. Então chegamos a
um outro nível de nossa
dialética, neste nível você
pode ver que qualquer
objetivo, não importa o
quanto uma pessoa esteja
estagnada na vida, se elas
quiserem realizar aquele
objetivo há apenas uma
rota. A rota única é a unifo-
calização ou clareza, coe-
rência e pureza. A maioria
dos fracassos na vida e em
qualquer nível deriva da
confusão, deriva de não ter
clareza sobre o que se quer.
Então, suponha que um
ladrão quer roubar um
banco, e você é o conselhei-
ro dele. A primeira coisa a
dizer-lhe é para ter certeza
sobre o que ele quer fazer –
diga-me, o que você quer
fazer; roubar um banco,
então se ele estiver decidi-
do sobre isso, beleza; mas
então você pode querer
dizer-lhe, por que você
quer roubar um banco, você
acha que isso realmente o
deixará rico. Então você
pode levá-lo um passo adian-
te, em qualquer ponto que
você leve isto, o critério para
a ação bem-sucedida, o crité-
rio para a aquisição de seu
objetivo na vida é a unifoca-
lização, a clareza, a coerência
e a puraza.
Agora, de onde quer que
você comece, à medida que
você se torna mais coerente,
claro, puro em seu ser men-
tal, emocional e físico, então
você descobrirá que você
começa a manifestar algu-
mas qualidades belas. Estas
são as qualidades a que Lak-
shmi se referia, que eu cha-
mei de qualidades do estado
térreo dos seres humanos.
Estas são as qualidades de
liberdade, qualidades de
criatividade infindável, estas
são as qualidades de amor,
ação correta, estas são as
qualidade que preenchem a
intencionalidade e sem estas
qualidades a coisa extraordi-
nária é que não poderíamos
fazer nada. E você pode di-
zer, isto é muito extraordiná-
rio: você está dizendo que
sob toda esta bagunça, e
confusão tremenda, todo tipo
de conjunto de compromis-
sos em que estamos, não há
nada além de criatividade
pura, energia pura, amor,
liberdade e até consciência?
Sim, é isto que estou dizendo.
Primeiro, vamos tornar
isto consistente com alguns
temas no pensamento secu-
lar e depois voltaremos a olhar
para isso do nosso jeito. Apenas
para dizer que isto não é idéia
minha, se você olhar profunda-
mente toda teoria de emancipa-
ção, toda teoria de realização faz
essa afirmação, de que os seres
humanos estão, no fim das con-
tas, bem, absolutamente bem,
não há nada de errado com eles,
eles são lindos. Mesmo em sua
individualidade, especialmente
em sua individualidade – pois
não há dois seres humanos que
sejam o mesmo. Todos possuí-
mos um dharma8 único, somos
todos muito especiais. Mesmo
assim, estamos todos absoluta-
mente bem. Algumas pessoas
disseram que já estamos todos
iluminados. É apenas esta ba-
gunça que temos em cima disso
que nos impede de perceber
nossa iluminação.
De qualquer modo, vindo do
ocidente, Rousseau disse, nas-
cemos livres, mas estamos em
grilhões por toda parte. O que
ele quis dizer era que a essência
humana é tal sobre estarmos
livres, que nos aprisionamos, ou
melhor que a sociedade que
sustentamos (e pela qual somos
8 O Dharma (Sânscrito) ou
Dhamma (Pali) significa Lei
Natural ou Realidade. Com res-
peito ao seu significado espiritu-
al, pode ser considerado como o
Caminho para a Verdade Su-
perior. O Dharma é a base das
filosofias, crenças e práticas que
se originaram na Índia.
definitivamente responsáveis)
nos aprisiona. Chomsky, o grande
lingüista contemporâneo, diz que
possuímos ao nascer a capacida-
de inata de aprender qualquer
língua, a capacidade de gerar um
número infinito de sentenças,
não importa quão poucas senten-
ças a maioria das pessoas possa
realmente gerar. Possuímos a
capacidade de criatividade infin-
dável. Se estivéssemos aqui sen-
tados no Japão, não estaríamos
falando Inglês, não estaríamos
falando em Hindi, não estaríamos
falando em Marathi, estaríamos
falando em Japonês. Todos terí-
amos esse dote ao nascer. O que
eu diria é que se pega um fenô-
meno social, digamos a labuta no
escritório ou no assoalho da loja
– estes são exemplos masculinos,
chegaremos a exemplos tipica-
mente femininos – no assoalho
da fábrica, como uma linha de
produção, a mais incriativa, a
mais alienante, como isso pode-
ria se manter em movimento sem
a ingenuidade espontânea dos
trabalhadores na linha de produ-
ção? Mesmo um escritório não
poderia se manter funcionando
se você apenas seguisse as re-
gras. Você precisa demonstrar
espontaneidade, ingenuidade
para manter até mesmo os siste-
mas mais mecânicos em funcio-
namento. Como você faz se com-
putador funcionar? Você dá um
pequeno chute: se ele ficar tra-
vesso, então você apenas precisa
colocá-lo no lugar dele.
Ou se você pega um de-
senvolvimento social como
guerra, o quê poderia ser
mais horrendo do que
guerra, mas como uma
guerra é sustentada? No fim
do dia, ela é sustentada pela
solidariedade altruísta de
soldados no fronte, o apoio,
a sustentação e o amor de
suas irmãs, esposas, filhas
em casa. Como é que o ban-
co é roubado: sem a solida-
riedade, essa confiança
entre os ladrões, a ação não
seria bem-sucedida. Porém,
também há um ponto além.
Como você poderia fazer
qualquer coisa na vida a
menos que fizesse alguma
coisa certa? O que quer que
eu esteja fazendo, se estou
convencendo vocês do meu
argumento ou não, estou
pelo menos proferindo
palavras corretamente, isto
é uma ação-correta. Então o
que eu faria é desafiar vo-
cês a encontrar qualquer
situação humana que não
repouse sobre estas quali-
dades de estado térreo de
liberdade, criatividade,
amor, ação-correta ou pre-
enchimento de intenciona-
lidade. Estas são qualidades
fundamentais dos seres
humanos.
O que quero dizer é que
o projeto de educação, o
projeto de iluminação, e o
projeto de auto-realização
universal são todos a mes-
ma coisa, ou todos giram
sobre um mesmo assunto, e
isso gira em torno de se Eli-
minar a heteronomia, elimi-
nar tudo que não seja essen-
cialmente você. E nesse pro-
cesso de se eliminar tudo
que não seja essencialmente
você, você automaticamente
estará trabalhando rumo a
eliminação de tudo que não
seja essencialmente todos os
demais. Isto não é uma abor-
dagem individualista, porque
ela pressupõe o que eu cha-
mo de, e este é um dos pou-
cos conceitos técnicos que
usarei aqui, ser social qua-
dri-planariii. Isso pressupõe
que todo evento em vida
social tem que ser compre-
endido em termos de quatro
dimensões. Em termos de
nossas trocas naturais; nos-
sas transformações materiais
com a natureza; em termos
de nossas interações sociais
com os outros; e depois em
termos de nossos relaciona-
mentos com a estrutura so-
cial. O que é a estrutura soci-
al? Estruturas sociais são
coisas como línguas, econo-
mias, formas políticas. Cla-
ramente não as criamos ao
nascer, as herdamos, mas
assumimos um papel vital na
reprodução delas. Porque o
que fazemos, e sem o que
não poderíamos existir, é
nossa atividade intencional.
E é na virtude de nossa ativi-
dade intencional consciente
que as estruturas sociais, invo-
luntariamente, são mais ou me-
nos reproduzidas ou transfor-
madas. Por exemplo, pegue a
estrutura social do capitalismo,
ou comercialismo, chame como
quiser. Como isso poderia fun-
cionar por um momento sequer
sem ganância, sem desejos. Você
vai para o ocidente, para a Amé-
rica, para a Europa, Inglaterra,
não é suficiente ter um carro,
você tem que ter um carro por
pessoa – não é suficiente ter um
carro, você tem que ter dois ou
três, ou uns quatro, cinco ou
seis! E o resultado é que onde eu
moro, ou moro a maior parte do
tempo, ao redor da Inglaterra e a
sudeste da Inglaterra, as rodovi-
as estão congestionadas. Duas
pessoas, vizinhos de porta, diri-
gem ambos um carro para o
trabalho, ao invés de fazer a
coisa sensata que é comparti-
lhar. Eles podem trabalhar em
escritórios vizinhos, e podem até
estacionar seus carros próximos
uns aos outros – embora tenham
um trabalho enorme para esta-
cionar e isso lhes tomará um
bom tempo.
Agora consideremos o impac-
to da estrutura social na quarta
dimensão do ser social quadri-
planar, que é a estratificação de
nossas personalidades. O que
isso está fazendo, isso nos torna
irritáveis, mal-humorados, essa
reprodução de uma estrutura
que pode apenas produzir mais e
mais do mesmo. Inovação radi-
cal, inovação pela mudança qua-
litativa, inovação que leva em
conta relações internas, econo-
mias externas, considerações
qualitativas, não-quantitativas,
que prestam atenção ao ambien-
te – sobre este tipo de inovação,
nosso sistema social não sabe
nada. Então considere seu impac-
to na segunda dimensão do ser
social quadri-planar, isso está
estragando nossas relações uns
com os outros. Porque depois
que você gastar dez ou doze ho-
ras em seu escritório e no seu
carro e depois volta para casa e lá
está sua esposa ou marido com
quem você imediatamente tem
uma briga e depois suas crianças
ficam tristes e depois você bate
em suas crianças ou coisa pior e
depois se sente horrível, depois
emburra, e depois acorda com
uma dor de cabeça e o ciclo infin-
dável se repete. Assim, todas
essas quatro dimensões da vida
social interagem.
A questão realmente não é
onde começar, porque a maioria
das pessoas que realmente não
compreendem este tipo de abor-
dagem espiritual acha que o ser
espiritual não está fazendo nada.
Bem, isso pode ter sido apropria-
do num período e era diferentes,
e talvez ainda haja um papel para
seres que não estejam em socie-
dade, mas eu argumentaria que
temos de dizer que hoje todo
mundo tem que estar em socie-
dade porque estamos globalmen-
te interconectados, estamos nu-
ma crise global. Estamos atingin-
do rapidamente um ponto sem
volta. Estamos como um
carro que perdeu controle e
rumando em direção a um
penhasco, estamos a dois
metros do penhasco, esta-
mos viajando a 80 km/h e
temos cinco segundos para
virar. É assim. A altitude de
Bangladesh é de 1,22 me-
tros acima do nível do mar.
É uma coisa terrível, pois
em vinte e cinco a trinta
anos ela não estará lá, nem
nenhuma das ilhas no
mundo e a Inglaterra tam-
bém ficará muito diferente.
A razão com que o aqueci-
mento global está prosse-
guindo é tão rápida que
temos que fazer algo sobre
isso agora. Mas não apenas
isso, tomemos nossas inte-
rações uns com os outros, e
o modo como reproduzi-
mos a estrutura superficial.
E sem entrar em certos e
errados, sabemos agora,
depois dos eventos de 11
de setembro, como as ações
de umas poucas pessoas
podem desestabilizar o
todo do mundo. E em se-
guida, umas poucas ações
de políticos e líderes políti-
cos que acentuam essa
desestabilização. Num nível
político, estamos numa
situação terrível. Num nível
econômico, há dívidas crô-
nicas, dívidas de Terceiro
Mundo crônicas, crise crô-
nica, e ainda assim vivemos
num planeta de abundân-
cia. Potencialmente temos
tudo de que precisamos.
Então, quaisquer que sejam
os méritos de se ir para um
retiro, ou entrar para um
monastério antigamente,
hoje, para ser um ser espiri-
tual, estar preocupado com a
realização do divino na terra,
você precisa ser um ser prá-
tico, e tem que participar na
sociedade. E isto significa,
quer queira quer não, que
qualquer coisa que você faça,
você estará agindo sobre
essas quatro frentes simul-
taneamente.
Goste ou não, você estará
engajado num processo de
mudança social. Seja a repe-
tição e a reprodução ou a
transformação e a mudança.
Porque tudo que acontece na
sociedade acontece apenas
em virtude da agência inten-
cional. A intencionalidade é
irredutível; a agênciaiv9 é
irredutível; a agência em
todas estas quatro dimen-
sões de planos e efeitos é
irredutível; então o que quer
que faça vai afetar o mundo
desta maneira multidimensi-
onal. Mas, além disso, você
não pode não agir. Você deve
agir. Se você se abster de
agir, isso também é uma
9 Aqui, no sentido de a-
quilo/aquele que age/atua.
Incorpora a ação ao agente,
ao contrário desses termos
em separado.
ação, não é? Isso é uma ação, isso
é uma escolha. Ademais, no fim
do dia, você terá de agir espon-
taneamente, em algum ponto
você agirá espontaneamente.
Isto é muito importante. Se você
simplesmente imaginar isso,
você está tentando fazer algo.
Suponha que eu tente pegar este
copo de água. Bem, eu poderia
pensar em qual seria o modo
mais elegante de fazer isto. Pos-
so fazer isto desta maneira ou
quem sabe deveria pegá-lo deste
jeito, e daí por diante. Mas em
algum ponto eu terei de pegá-lo.
E depois, acho que, bem, imagino
como deveria continuar o argu-
mento, imagino o que deveria
dizer depois, mas em algum
ponto eu simplesmente terei de
falar. É a mesma coisa quando
cozinhamos uma refeição. Esta é
a espontaneidade da ação hu-
mana. Em algum ponto, sim-
plesmente temos de agir. Quan-
do agimos espontaneamente,
nosso pensamento não entra
nisso, não pensamos. É algo que
flui de nosso ser mais interior,
não planejamos, não premedi-
tamos. Claro que podemos a-
prender e adquirir isso, isso é
uma perícia, mas quando isso
acontece é apenas espontâneo, é
incondicional, é um dom. É um
dom, e não pedimos nada.
Agora passaremos adiante
dos homens rumo às mulheres.
Esta é uma espada de dois gu-
mes. Se olharmos para o traba-
lho doméstico de uma mulher,
ele não é respeitado nem reco-
nhecido pela economia capitalis-
ta, não é pago, não é parte do
papel comoditizado10; com o
trabalho doméstico, a mulher não
assina um contrato com seus
filhos, é um dom incondicional,
não-contratual, espontâneo. De
certo modo isto é uma coisa bela.
Se for para termos esta visão,
esta visão no Budismo, no Mar-
xismo (apenas, o melhor, claro,
isso vale para tudo), se for para
percebermos esta visão, temos
que possuir estas qualidades,
comportamento espontâneo
incondicional, comportamento
impensado, mas comportamento
sem esforço, exaustivo, mas sem
esforço e jubiloso. Não apenas
isso, mas holístico também, por-
que as mulheres tipicamente
saberão como equilibrar os inte-
resses de uma criança contra a
outra, quando o marido está che-
gando em casa, quando os vizi-
nhos aparecerão. Há um relatório
das ONU produzido há alguns
meses que basicamente argu-
mentava que se os homens conti-
nuassem ‘maridando’ esses re-
cursos, estando encarregado dos
recursos, então não haveria futu-
ro para o planeta. Ele estaria
arruinado em quinze ou vinte
anos. Mas se as mulheres pegas-
sem seus modos de economia
doméstica e empregassem-nos
global e nacionalmente, no poder,
então haveria um futuro real.
10 Comoditizar: transformar
em comodity, mercadoria.
Esta assimetria entre o
comportamento espontâ-
neo, incondicional, típico
das mulheres, esta assime-
tria e o mundo reificado
alienado dos homens é,
repetindo, de dois gumes.
Mas a assimetria está aí e
nas características do tra-
balho doméstico das mu-
lheres há o que se pode
chamar de um tipo de pré-
figuração pontuada do que
devemos ter universalmen-
te no futuro. Mas não é
apenas algo que devemos
ter universalmente no futu-
ro, também temos que e
devemos ter, pelo menos
parcialmente, agora. E,
homens para serem ho-
mens devem, com respeito
a isto, serem como as mu-
lheres, e eles são mulheres.
Quando a esposa não está
lá, o homem cuidará das
crianças espontaneamente
e jubilosamente e num
ambiente doméstico bem
equilibrado e compartilha-
do, daí o masculino real-
mente terá júbilo em des-
cobrir as mulheres interio-
res e serem assim.
E, claro, as mulheres, da
parte delas, se engajarão
em longas cadeias de racio-
cínio mental. Vocês podem
achar que vocês não são
boas em aritmética, mas,
vamos lá, tudo bem. Vocês
podem curti-la. Há até es-
paço para xadrez. Quando
você pensa em xadrez (há
espaço para xadrez, e espaço
para aquilo sobre o que es-
tou falando em xadrez – na
verdade, não haveria xadrez
sem isso) ou o trabalho de
Newton em trilhar seu cami-
nho rumo a sua grande des-
coberta da gravidade ou de
Einstein trilhando seu cami-
nho rumo à descoberta do
espaço-tempo. Bem, o que
acontece? Quando ela vem,
vem de lugar nenhum, este
brilho, do nada, é algo que
não pode ser induzido ou
deduzido, vem do transcen-
dente, do além. Pegue os atos
mais refinados, mais excep-
cionais, pegue os mais quoti-
dianos, ordinários. Em qual-
quer um dos casos, são dons.
O dom da descoberta da
gravidade foi um dom da
natureza, que o universo,
deus (chame como quiser), o
cosmo, deu para Newton.
Mas foi um dom dado a uma
mente especialmente prepa-
rada, porque a mente traba-
lhou ardente e ardorosamen-
te, se preparou exaustiva-
mente. Você pode dizer que a
mente, a mente de Newton,
estava tão em unidade com a
área da gravidade, o campo
físico todo que hoje conhe-
cemos como gravidade, que
quando o momento veio, o
momento quando a inspira-
ção criativa veio, ele era a
gravidade, ele era um com
ela, naquele ’eureka’ ele se
tornou a gravidade. Este era um
momento transcendental ou
não-dual.
Antes de retornarmos a isso,
vamos seguir este exemplo da
criança que está aprendendo
algo. Então parece que de certo
modo, a criança já deve saber
para aprender algo. Agora quan-
do ela tem este eureka, este,
‘Entendi, entendi’, isso é muito
semelhante ao que os cientistas
ou os artistas têm quando repen-
tinamente sabem que consegui-
ram. Todo mundo tem isso.
Quando você dominou uma perí-
cia, quando construiu a perícia
em si mesmo e apenas se agar-
rou nela, é uma nova gestalt.
Então, em todos os processos de
aprendizagem ou de criatividade
você descobrirá que há quatro
momentos característicos. Pri-
meiro a emergência de algo do
nada, em algum lugar, de algum
modo a criança repentinamente
enxerga, ou Newton enxerga e
entende. Ou você entende uma
pintura, ou compreende como
interpretar um livro ou compre-
ende o que um filósofo está di-
zendo. Agora entendi o que ele
está fazendo. Essa é a base. De-
pois, com esse entendimento, o
conhecimento ainda é heterô-
nomo e você precisa continua-
mente mantê-lo na mente. Na
verdade, como um filósofo, como
um poeta, ou como um escritor
de qualquer tipo, você freqüen-
temente descobre que teve uma
idéia e depois ela se foi. Então a
questão é que você tem que es-
crever, externalizá-la. Este é o
segundo passo. E depois, claro,
quando uma criança ou qualquer
um está aprendendo algo, eles
precisam gradualmente tornar
isso parte deles mesmos. E isso é
um processo árduo extraordiná-
rio, mas também um processo
que pode ser muito prazeroso.
Este é um processo de formação,
de moldagem, de aplainamento,
você aplica, consegue enxergar
como o computador funciona, o
que você pode fazer com um
carro, com um idioma, e depois
em certo ponto você simples-
mente sabe. Então você incorpo-
rou o conhecimento.
Portanto, isso é uma dialética.
O conhecimento já estava implici-
tamente lá. Depois ele foi desper-
tado por algo externo, veio à
consciência, mas você não estava
no controle dele, então você gra-
dualmente teve de dominá-lo,
torná-lo um consigo mesmo.
Depois, quando ele for um consi-
go, não está mais fora de você.
Neste estágio você pode ser es-
pontâneo. Daí você pode se enga-
jar na objetificação, que é a ação,
ou seja, fazer coisas no mundo.
Assim, cada ciclo de criatividade
possui estes momentos caracte-
rísticos, o brilho relâmpago, a
inspiração; depois a criação em
si, envolvendo externalização;
depois a moldagem, a formação, a
profunda re-internalização gra-
dual; depois a criação, a produ-
ção de objetificação de algo novo.
O quinto componente do ciclo de
criação é ver se o que você criou
reflete sua intencionalida-
de. Isso expressa o impulso
interno que tive, ou não?
Quando isso reflete sua
intencionalidade, então o
ciclo de criação está perfei-
tamente completo.
Bem, agora, este é na
verdade o ciclo da criação
cósmica. Todas as cosmolo-
gias possuem as mesmas
fórmulas características, de
lugar nenhum, do nada,
pode haver sementes, pode
haver algo que vem e vai,
mas algo emerge. Depois há
a fase da criação, isso esta-
biliza. Depois a fase de
moldagem, formação. De-
pois, isso é objetificado. E
depois, isso preenche ou
fracassa em preencher a
intencionalidade do cria-
dor. Todo ato humano espe-
lha estas cinco fases do
ciclo da criação. Então, todo
ato humano, incluindo es-
pecialmente todo ato de
aprendizagem, espelha se
você gosta da criação do
universo. E no fim do dia o
que queremos fazer é es-
tarmos plenos. Encontrar
nosso reflexo no mundo
exterior. Quando isso acon-
tecerá? Isso acontecerá
quando estivermos plenos e
isso só será assim quando
cada ser humano estiver
pleno e daí isso seria final-
mente a plenitude ou a
completude do impulso
inicial.
Assim, correspondendo a
esses cinco estágios do ciclo
de criação, o realismo crítico,
ou a filosofia que Lakshmi
mencionou, se engajou na re-
tematização dentro da filoso-
fia ocidental de ontologia,
que é a teoria do ser. Porque
fui convidado a compartilhar
minhas experiências na esco-
la e na faculdade, e irei se
tivermos tempo, posso dizer-
lhes que quando fui gradu-
ando, você não podia dizer
nada assim sobre o mundo
numa filosofia ocidental, era
um assunto proibido, um
tabu. Esse foi o primeiro
passo no realismo crítico que
estava apenas pensando no
ser. O segundo passo foi
pensar no ser como um pro-
cesso. O terceiro passo foi
pensar no ser como um pro-
cesso e como uma totalidade,
como um todo, holisticamen-
te. O quarto passo, foi pensar
nele como todas essas coisas
e enquanto incorporando
potencialidade transformati-
va, auto-consciente, a agên-
cia e reflexividade humana
transformativa auto-
consciente – que é nossa
capacidade para a unidade
entre teoria e prática. E de-
pois, o quinto estágio foi
pensar o ser de certo modo
pleno, de certo modo livre, e
de certo modo realizado.
Este é o estágio que estou
desenvolvendo agora, no
qual gostaria de trazer novos
conceitos espirituais, ou colocá-
los sob uma luz levemente dife-
rente. Mas, vejamos como po-
demos aplicá-los à educação.
Assim, apenas atravessando
essas cinco fases no ciclo da
criação, se pode ver que elas
correspondem a cinco momen-
tos da ação humana, um momen-
to de vontade, um momento de
pensamento, um momento de
sensação, objetificação e o mo-
mento de encontrar plenitude
em sua objetificação ou não. Eles
correspondem àqueles cinco
domínios do enriquecimento
sucessivo do ser e correspondem
a várias propriedades de estado
térreo. Estas são as característi-
cas fundamentais dos seres hu-
manos. Assim, a primeira seria a
liberdade, a segunda seria a
criatividade, a terceira seria o
amor, a quarta seria a ação cor-
reta e a quinta seria a capacida-
de de preencher a intencionali-
dade. Bem, agora a maioria das
pessoas acha que o espiritual é
algo muito distante da vida ordi-
nária. E elas associariam o espi-
ritual diretamente com conceitos
como transcendência com não-
dualidade. O que quero dizer é
que transcendência e não-
dualidade é a escora, o nível
térreo dos seres humanos e es-
tamos todos familiarizados com
isso, na verdade, isso está acon-
tecendo aqui o tempo todo. Os
filósofos tiveram um conceito
errado de ser e de agência, não
apenas os filósofos materialistas,
mas até mesmo os filósofos espi-
rituais tiveram um conceito er-
rôneo de não-dualidade e trans-
cendência.
Portanto, vamos entrar nisto
um pouco porque quero argu-
mentar que nosso objetivo como
educadores, auto-educadores, é
ser um grupo em um processo de
ser e criar e ajudar os seres a
ajudar a criarem a si mesmos
para serem seres não-duais num
mundo de dualidade. Olhemos
para a transcendência. Algo que
está envolvido é obviamente a
identificação. Há dois termos que
estão separados, assim há eu e
você, ou há um estado de consci-
ência em que você está e um
estado de consciência no qual
você busca entrar. Na verdade,
isso exemplifica dois paradigmas
bem simples de identificação
transcendental. Um é que quando
você perde seu senso de objetivi-
dade, você perde o objeto numa
dualidade sujeito-objeto e se
torna um consigo mesmo, pro-
fundamente no um consigo, e
depois nesse conjunto adorável
de energia criativa ou felicidade
ou contentamento ou paz. Este é
um paradigma. O outro é quando
você perde seu senso de subjeti-
vidade e entra completamente
em algo fora de si. Isso acontece
quando você é engolfado por uma
pintura, inspirado por uma músi-
ca, você perde qualquer sensação
de separação entre o eu e as no-
tas.
Agora, a coisa extraordinária
é que a identificação transcen-
dental é essencial para qualquer
comunicação humana ou
qualquer ato. A menos que
você seja um com minhas
palavras no sentido simples
que você compreende em
algum nível o que estou
dizendo, então não estarei
me comunicando com você.
Se você dizer oi, como você
está, então a outra pessoa
tem que entender ‘oi, como
você está’, e naquele mo-
mento de entendimento, há
uma identificação trans-
cendental. Se você estiver
assistindo a um filme, você
perde seu eu, se você se
concentra, se foca no filme,
você perde seu senso de
separação do filme. Quando
você está lendo um jornal,
como poderia entender
uma sentença a menos que
estivesse um com aquela
sentença? Não poderia. O
momento em que você
cessa de ser um com a sen-
tença você não está lendo,
você não está escutando.
Você se torna completa-
mente um com o ato. Então
esta identificação transcen-
dental, ou transcendência
no sentido de romper com a
dualidade entre sujeito e
objeto, é algo com que es-
tamos familiarizados em
todos os aspectos de nossa
vida social.
Contudo, não é apenas
isso; a não-dualidade não é
apenas uma característica
de estados de consciência; é
uma característica de ação
porque quando você espon-
taneamente sabe como diri-
gir um carro você não pensa
nisso, apenas dirige. Quando
você espontaneamente sabe
como dirigir ou falar, você
apenas dirige ou fala, você
apenas se expressa esponta-
neamente. Quando um bebê
está engatinhando por perto
você apenas o pega, você não
pensa nisso, apenas faz, de
uma maneira não-dual. Tudo
na vida, cada ação que você
realiza possui um elemento,
e é sustentado por aquele
elemento de não-dualidade.
Esse elemento com o qual
você toca algo é seu estado
térreo ou algo que está con-
sistente com isso. Assim,
estamos todos bem familia-
rizados com quem essenci-
almente somos. Depois há
um quarto aspecto para
transcender. Esta quarta
forma de transcendência é
quando duas pessoas traba-
lham tão perfeitamente jun-
tas como um time que não há
senso de separação. Você
pode encontrar duas pessoas
que cozinham juntas, uma
que antecipa o movimento
da outra, ou dois jogadores
de futebol ou dois jogadores
de críquete que estão em
perfeita unidade. Novamen-
te, um grupo de músicos
deve estar neste estado para
produzir qualquer coisa. Já
pensou como é estranho a
maneira que tão poucas pessoas
realmente chocarem umas nas
outras nas ruas na Índia, ou em
qualquer lugar. Há tantas pesso-
as, tão pouco espaço, há tão pou-
co cálculo. Isto é mágico, a sin-
cronicidade que impede as pes-
soas de chocarem umas nas ou-
tras. Assim, este é o quarto tipo
de estado transcendental não-
dual em que devemos estar para
fazer qualquer coisa. Assim, este
estado de não-dualidade do qual
os filósofos espirituais já falaram
tanto é algo com que estamos
bem familiarizados em nossa
experiência cotidiana.
Agora, um monte de filósofos
acha que porque isso é espontâ-
neo, não é estruturado. Bem, isso
não é verdade. Porque quando
você possui unidade com um
todo, uma pintura, então, claro,
essa unidade é estruturada.
Quando você ouve música, a
música possui uma estrutura
holística, você está um com um
todo. Nosso conceito de unidade,
de unicidade, é extremamente
simples, unicidade não é punti-
forme, não é um ponto. Unicida-
de é um todo. Quanto você tem
unicidade com unicidade é um
todo com um todo. São dois to-
dos, combinados. Ter uma iden-
tificação transcendental é con-
sistente com – apenas entre e
todos apenas se unam ao todo –
vêem como a natureza é boa,
como é bela, sincronicituosa,
coerente, precisa porque isso
leva ao meu segundo ponto de
que a unidade transcendental
não apenas é consistente com
todos não-puntiformes, diferen-
ciados, o modo pelo qual uma
linda pintura ou uma seqüência
de música é diferenciada, mas é
consistente com desenvolvimen-
to, pois você pode expandir e
crescer. Suponha que você esteja
perfeitamente realizado, perfei-
tamente iluminado: isso não
significa que você conheça todas
as perícias. Se ninguém lhe ensi-
nou japonês, como você espera
saber isso? Se você decidir a-
prendê-lo, você poderia aprendê-
lo muito mais rapidamente do
que outras pessoas ou não pode-
ria. Então você vai e o adquire e
você construiu aquela perícia em
sua unidade. No processo de
construção dessa perícia que é
externa a você dentro de si, você
permanece todo o tempo todo e
você embute, você recursivamen-
te embute esse novo desenvolvi-
mento em si e então expande.
Então, podemos ser não-duais e
seres crescentes. Pessoas sempre
pensaram que quando você atin-
ge o absoluto então é o fim. Na
verdade, o absoluto é apenas o
começo, todo o resto é desenvol-
vimento, crescimento, expansão
livres.
É importante também apreci-
ar que dizer que estou num esta-
do de não-dualidade não é dizer
que somos o mesmo; podemos
possuir propriedades diferencia-
das únicas, isto é muito impor-
tante para a educação. Na verda-
de, quando você se aproxima da
iluminação, então você não tem
senso de um ego pessoal,
então esse ponto realmente
não importa muito para o
ser iluminado.
Mas é importante per-
ceber que cada avatar11 é o
ser mais unicamente defi-
nido, todo Buda é diferente,
todo ser iluminado é uni-
camente diferente, quanto
mais criativo, mais gênio
você for, mais expansivo
você é, mais único você é.
Mas você não possui uma
sensação de sua exclusivi-
dade porque não atribui
sua exclusividade a um ego,
você não ‘possui’ sua exclu-
sividade assim como nin-
guém pode ‘possuir’ a ver-
dade. Sua exclusividade é
uma manifestação do cos-
mo, você é apenas feliz,
privilegiado a ser um ponto
no qual o cosmo pode ser
pleno. O ponto realmente
importante é que cada um
de nós em nosso estado
térreo é único. E compre-
ender essa exclusividade e
11 No Hinduísmo, um
avatar é uma manifestação
corporal de um ser imortal,
por vezes até do Ser Su-
premo. Deriva do sânscrito
Avatāra, que significa "des-
cida", normalmente deno-
tando uma (religião) encar-
nações de Vishnu (tais co-
mo Krishna), que muitos
hinduístas reverenciam
como divindade.
respeitar a diferença é con-
sistente com a não-dualidade
porque eu posso me tornar
um com você. Supondo que
estejamos discutindo sobre
qual time joga melhor hó-
quei, você pode dizer que é a
Holanda e eu posso dizer que
é a Alemanha. Podemos
compreender o que o outro
está dizendo então possuí-
mos identidade transcenden-
tal como uma condição para
o argumento, mas ele possui
um ponto de vista e eu pos-
suo meu ponto de vista. Este
é um modo no qual duas
pessoas podem ser não-
duais, uma pode ser um ar-
tista talentoso, a outra um
cientista talentoso. Uma
pessoa pode ser e estimar,
amar sua identidade como
Indiana, como mulher, como
uma Maharashtriana, como
uma jogadora de hóquei, e a
outra pode amar sua destre-
za como jogador de basque-
te, como judeu ou qualquer
coisa. E elas podem ser am-
bos seres não-duais. Então
temos que a não-dualidade é
consistente com o holismo, a
diferenciação, com o desen-
volvimento, com a identida-
de-na-diferença.
O último ponto a ser a-
preciado é que não-
dualidade não significa que
você para de lutar. O melhor
guerreiro possui total identi-
dade com o inimigo, compre-
ende completamente o ini-
migo. Sei como um filósofo –
poderíamos entrar (como Lak-
shmi estava sugerindo) em mi-
nhas batalhas na escola e por aí
em diante – mas sei como filóso-
fo que não posso realmente criti-
car um sistema falso e mistifica-
do de crenças até que eu total-
mente o absorva, seja totalmente
um com ele. Nos tornamos um
com o outro, não para necessari-
amente concordar com o outro
ou ser o outro permanentemen-
te; mas para eliminar o outro.
Então temos de compreender
quais são os blocos, as restrições,
as limitações sobre nossa pró-
pria emancipação, quais são os
blocos, as restrições, as limita-
ções sobre a emancipação de
todas as pessoas, todos os seres
em todo lugar. Temos de nos
tornar um com eles. Temos de
compreendê-los totalmente para
eliminá-los, ou seja, esses blocos,
restrições, forças. Isto significa
que o ser espiritual também é
um guerreiro, mas ele é um
guerreiro em paz consigo mes-
mo. Isto é a coisa bela, e quando
Krishna diz para Arjuna – não se
preocupe com seu dharma, o que
você tem que fazer, pois você
tem de entender que a alma é
imortal, e é seu dharma matar
seus inimigos, apenas enfoque
em sua ação, não se preocupe
com a conseqüência – ele estava
lhe dizendo que você pode ser
um homem de deus e lutar. É
isto que temos de fazer. O traço
extraordinário da ação é que
num primeiro nível é ao mesmo
tempo um dom do universo e
uma oferenda ao divino ou à
natureza, para nossos compa-
nheiros seres humanos, o que
quer que seja o que amamos.
Num segundo nível, é uma trans-
formação do mundo. E no tercei-
ro, uma luta, parte de um proces-
so, a prática da emancipação.
Neste ponto, encerrarei di-
zendo que tudo isso é realmente
possível por causa de alguns
traços extremamente belos de
nosso estado térreo e de nossa
conectividade nele. O que quer
dizer que, num sentido real, um
sentido que é muito difícil para a
maioria das pessoas compreen-
derem, você não é realmente
diferente de mim, mas você, na
verdade, sou eu. Claro, você é
diferente de mim enquanto per-
sonalidade incorporada, mas
você também está inserida em
mim, você é parte de mim e eu
sou parte de você e, portanto, sua
dor também é minha dor. Quan-
do eu compreender isto comple-
tamente, elevar minha sensibili-
dade a um nível que possa senti-
la como minha dor então sua
não-liberdade é tanto uma maldi-
ção, uma praga em mim quanto a
minha própria não-liberdade.
Então não posso parar de lutar
até que todos estejam livres. Este
é o ideal. Quanto mais livre eu me
tornar, mais minha ação se mo-
verá na direção certa.
****
Suas palavras são como
música para meus ouvidos.
Roy
Tudo é uma performan-
ce holística; minhas pala-
vras estavam em unidade
com sua resposta.
É realmente um
prazer estar aqui, sin-
to-me extremamente
uma com você e seu
projeto, mas você pode
falar algo mais sobre
experiência?
Roy
Acho que experiência é
uma espada de dois gumes.
De um lado é uma janela
para o mundo, então a-
prendemos a partir dela. E
depois, ao mesmo tempo,
enquanto aprendemos,
temos de deixá-la ir. É algo
muito extraordinário para
se dizer, mas é verdade.
Enquanto você se apegar a
algo, alguém com quem
você teve uma experiência
ruim, isso o aprisionará,
será um obstáculo e o ma-
goará. Então, o que deve-
mos fazer? Imagine que
você possui um porta-jóias
adorável e que esta experi-
ência ruim é algo como uma
pedra vindo em sua dire-
ção, você arranca a jóia da
pedra e a coloca naquele
porta-jóias; isso é o apren-
dizado, o resto você deixa
pra trás.
Suponha que alguém fez
algo terrível pra você, você
apenas deixa isso pra lá.
Claro que ficará desconfia-
do, sensível, com relação
àquela pessoa. Quando digo
que amor é uma qualidade
de estado térreo e que de-
vemos – e (até certo ponto)
já – amamos incondicional-
mente, que isto é não esperar
nada em troca, não estou
dizendo que você deve sair e
abraçar todo mundo. Não,
você não sairia e abraçaria
alguém que ia colocar uma
adaga em seu coração, então
isso é aprendizado, essa é a
jóia daquela pessoa. O que
você joga fora é que você não
sente que todo mundo que
vier até você vai tentar es-
trangular e sufocar ou abu-
sar de você. É muito sensato
as mulheres não saírem nas
ruas de Nova Iorque à noite,
ou às vezes em Londres. É
uma condição terrível, mas é
muito sensata. O que você faz
é aprender com isso, você
não fica com uma sensação
de paranóia assombrando
você o tempo todo, você não
reside nessa sensação. Você
apenas a conhece, constrói
nela, e deixa pra lá, você é
livre, você sente isso e depois
você trabalha para transfor-
mar a situação que torna
aquela ação necessária. En-
tão você se esforça para se
livrar não daquela pedra,
mas da fonte de todas as
pedras.
Isso é o ensino, o diaman-
te, a jóia que você arrancou
daquela pedra, que foi dada a
você. Tudo na vida é como
um dom, você agradece, sim,
agradeço por ter me ensinado,
agora tenho que ser realmente
cuidadoso aonde for em Brixton,
tenho que ser muito cuidadoso e
tenho que me esforçar para dar
segurança para que as mulheres
andem nas ruas em Nova Iorque
e Londres à noite. É terrível, isso
é a aprendizagem, mas você não
a segura dentro de si. Nossas
mentes devem estar completa-
mente livres. Na verdade, não
deve haver nada em nossas men-
que você limpe isso, enquanto
você tem isso dentro de si, você
nunca vai ser livre e você não vai
ser um agente livre da mudança.
Isso é difícil. Eu estava falan-
do sobre guerra e combater e nós
estando em paz, isso é a coisa
realmente importante, que este-
jamos em paz. Mas, na verdade,
todas as histórias de guerra, nas
escrituras, no Bhagavad Gita,
mesmo na concepção islâmica de
jihad13, a guerra santa é uma
guerra interna, quando você está
criatividade, ele não pode-
ria existir por um instante
sequer sem eles. Mas a
opressão é real. Estas são
estruturas reais e sistemas
reais, mas temos a capaci-
dade de cortar suas linhas
de suprimento. É algo difícil
de se fazer, mas podemos
fazer.
i Ground state
ii Cosmic envelope
iii Four-planar social be-

tes. Se há algo em nossas mentes, em paz consigo e apenas quando ing

então não estamos livres para
fazer o que precisamos fazer, o
que é melhor fazer. Você não
consegue aprender. É algo extra-
ordinário, mas se estiver fixado
em sua mente, se há algo de fato
em sua mente, você não conse-
gue aprender; sua mente no
momento do aprendizado deve
ser uma tabula rasa. Se há uma
pré-concepção aí, se há qualquer
fixação, se há um apego, se qual-
quer coisa a qual você se agarre
ou que lhe prenda, então isso o
aprisiona como alguém que po-
deria aprender, e o aprisiona
como um agente porque você
sempre vai agir sob uma idéia
fixa. E mais, isso o prende karmi-
camente12. O prende porque até
12 Karma (do sânscrito kar-
mam; em pali, Kamma) significa
ação. O termo tem uso religioso
dentro das doutrinas budista,
hinduísta e jainista. Foi posteri-
ormente adotado também pela
Teosofia, pelo Espiritismo e por
você está em paz conosco nós iv agency
estaremos em paz uns com os
outros. E essa paz conosco signi-
fica tirar todo o entulho de nós
mesmos. Quando tivermos tirado
o entulho de nós mesmos, corta-
mos as linhas de suprimento para
a opressão, a servidão e a não-
liberdade. Tudo no mundo social
subsiste em nosso amor, nossa
um subgrupo significativo do
movimento New Age.
13 Jihad, às vezes referida co-
mo Jahad, Jehad, Jihaad, Jiaad,
Djihad, ou Cihad, (Língua árabe:
gihād) é um conceito essen-
cial da religião islâmica. Pode ser
entendida como uma luta, medi-
ante vontade pessoal, de se bus-
car e conquistar a fé perfeita. Ao
contrário do que muitos pensam,
jihad não significa "Guerra San-
ta", nome dado pelos Europeus às
lutas religiosas na Idade Média
(por exemplo: Cruzadas). Aquele
que segue a Jihad é conhecido
como Mujahid.