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Diretora

Rosely Boschini

Gerente Editorial Marília Chaves

Editora
Única é um selo da Editora Gente.
Carla Fortino
Título original: THE FINEST HOURS. The
Estagiária true story of the U. S. Coast Guard’s most
daring sea rescue, by Michael J. Tougias and
Natália Domene Alcaide Editora Casey Sherman.
de Produção Editorial Rosângela
de Araujo Pinheiro Barbosa Copyright © 2009 by Casey Sherman and
Controle de Produção Karina Michael Tougias Este livro foi negociado
Groschitz através de Ute Körner Literary Agent,
Barcelona – www.uklitag.com e Books
Tradução Crossing Borders, Inc.
Sandra Martha Dolinsky Todos os direitos desta edição são reservados
Preparação à Editora Gente.
Geisa Mathias de Oliveira Rua Pedro Soares de Almeida, 114, São
Projeto Gráfico e Diagramação Paulo, SP – CEP 05029-030
Osmane Garcia Filho Revisão
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Thiago de Barros E-mail: gente@editoragente.com.br

Imagem de Capa

U.S. Coast Guard

Produção do e-book Schäffer


Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Tougias, Michael J.

Horas decisivas : A história real do mais ousado resgate marítimo / Michael J.


Tougias e Casey Sherman ; tradução de Sandra Martha Dolinsky. – São Paulo :
Única, 2016.

"MEB"

Bibliografia

ISBN 978-85-67028-82-8

Título original: The finest hours

1. Naufrágios 2. Pendleton - Navios-tanques 3. Barcos salva-vidas I. Título II.


Sherman, Casey III. Dolinsky, Sandra Martha

15-1071 CDD 910.452

Índice para catálogo sistemático:

1. Naufrágios 910.452
À equipe de resgate, aos
sobreviventes e àqueles que não
conseguiram voltar a terra.

sumário

prólogo
partes dos petroleiros e seus barcos de resgate

parte i
capítulo 1 Estação de Resgate de Chatham
capítulo 2 O Pendleton
capítulo 3 O Fort Mercer
capítulo 4 “Não pode ser verdade”
capítulo 5 “Você tem de pegar a 36500”
capítulo 6 Chatham Bar
capítulo 7 Mobilização em Chatham
capítulo 8 “Ele veio à tona, boiando”
capítulo 9 Perdendo as esperanças: na popa do Pendleton
capítulo 10 Todos menos um: o resgate à popa do Pendleton
capítulo 11 Trinta e seis homens em um barco de 36 pés
capítulo 12 Pandemônio em Chatham

parte ii
capítulo 13 Emborca a proa do Mercer
capítulo 14 Uma manobra memorável
capítulo 15 Terça-feira na Estação de Chatham
capítulo 16 Treze homens ainda a bordo
capítulo 17 Buscas na proa do Pendleton

parte iii
capítulo 18 A investigação
capítulo 19 Ser rotulado de herói pode ser um fardo
capítulo 20 Problemas no petroleiro
capítulo 21 Além do resgate
capítulo 22 A restauração
epílogo Eles já foram jovens
apêndice
agradecimentos
bibliografia

prólogo

Orleans, Massachusetts

Ela está situada no final de um longo píer de madeira, no porto de Harbor.


Guerreiros de fim de semana conduzem reluzentes barcos de recreio com as
geladeiras abastecidas, a caminho da baía de Cape Cod, sem lhe dirigir mais que
um breve olhar. Quando você se aproxima do estacionamento, nota a grande
placa do Registro Nacional de Lugares Históricos aparafusada a um poste de
madeira, acima da doca. A placa oferece um indício sobre o passado dela e, em
seguida, gentilmente, pede-lhe um pequeno tributo monetário. Você coloca um
dólar ou dois em uma caixa de doação, segue até o fim do cais e desce uma
prancha de metal. Enquanto desce, você pensa no que o levou até ali: uma
história que parece maior que a vida. A expectativa aumenta à medida que você
navega cuidadosamente a encosta íngreme, rumo à plataforma flutuante abaixo.
De repente, você capta sua visão com o olho esquerdo. Para os desinformados, é
uma visão impressionante. Ela tem apenas 36 pés de comprimento e parece
quase um brinquedo em comparação com os barcos maiores no porto.
A lancha é branca, reluzente, depois de ter sido cuidadosamente restaurada por
uma competente equipe de voluntários. Perto da proa se lê seu nome em grandes
letras pretas. Ela não carrega um apelido memorável, como o Can Do ou o
Andrea Gail; de fato, ela nem tem nome. É chamada por sua classificação:
cg36500. O cg significa que é um barco da Guarda Costeira; o 36 se refere a seu
comprimento em pés, e 500 é o número de identificação atribuído a essa
particular lancha de salvamento de 36 pés.
Você pisa a bordo e, de repente, o barco parece ainda menor; atravessa a porta
estreita, colocando um pé na frente do outro, com a mão firme no corrimão de
madeira, para se equilibrar. Segue em direção ao abrigo do timoneiro e põe as
mãos no leme, olhando fixamente através do para-brisa, e imagina como deve ter
sido naquela noite fatídica. Contudo, por mais que tente, você não pode
reproduzir as condições horríveis que fizeram dessa embarcação uma lenda. A
brisa que você sente é leve; não é um vento feroz que bate em seu rosto e morde
sua carne. O mar está calmo agora, não como naquela noite, tantos anos atrás,
quando a água subiu, formando um muro de mar e sal de sete andares de altura.
Seu devaneio é interrompido pela dura voz do novo capitão do barco. O
timoneiro Peter Kennedy o chama para a cabine do sobrevivente, perto da proa
da embarcação. Ele abre uma pequena escotilha e acena para que entre. Você
desce uma escada curta e adentra suas catacumbas escuras. Tenta se ajustar ao
pequeno espaço. Kennedy, um homem alto e em forma, de 1,90 metro, segue-o
escada abaixo, rumo ao porão. A cabine foi construída para acomodar doze
homens, mas com apenas duas pessoas já parece apertada e claustrofóbica. Você
se senta e olha para todos os coletes salva-vidas preservados ali, pregados ao
longo das paredes, e é quando se dá conta. Você se pergunta: Como este pequeno
barco foi capaz de salvar tantas vidas? A resposta repousa não só no design da
embarcação, mas também nos quatro corajosos jovens que o guiaram.

partes dos petroleiros


e seus barcos de resgate Popa do Pendleton Lancha de salvamento
36500 de 36 pés
comandada por Bernie Webber Proa do Pendleton Guarda-costas McCulloch
Lancha de salvamento 36383 de 36 pés
comandada por Donald Bangs Proa do Fort Mercer Guarda-costas Yakutat
Guarda-costas Unimak
Lancha de salvamento de 36 pés (de Nantucket)
comandada por Ralph Ormsby Popa do Fort Mercer Guarda-costas Acushnet
Guarda-costas Eastwind Navio mercante Short Splice
Caminho do resgate da cg36500.
Os caminhos do Fort Mercer e do Pendleton, dos pontos onde os navios se partiram até
os locais de resgate.
p a r t e i
capítulo 1
Estação de Resgate de Chatham

O mar é mestre aqui — um tirano, até —, e nenhum povo


além do nosso, que desceu para o mar em navios tantas
vezes em tantas gerações, entende melhor o sutil ditado:
“Nós conquistamos a natureza somente quando lhe
obedecemos”.
e. g. perry, 1898
Chatham, Massachusetts

18 de fevereiro de 1952
Bernie Webber, contramestre, segurava uma caneca de café quente em suas mãos
grandes, enquanto olhava pela janela enevoada do refeitório. Aquele café não era
tão ruim. Saíra de uma panela de três galões e fora feito da mistura de café com
duas cascas de ovos, para ajudar a borra a se depositar no fundo. O filho do
pastor protestante de Milton, Massachusetts, observava com crescente
curiosidade e preocupação a tempestade que continuava a se fortalecer, do lado
de fora. A tempestade Nor’easter do solstício de inverno havia parado a Nova
Inglaterra nos últimos dois dias e Webber se perguntava se o pior ainda estaria
por vir. Ele observava a neve varrida pelo vento dançando sobre as areias
movediças e os grandes montes que se formavam ao lado da torre do farol, no
jardim da frente da Estação de Resgate de Chatham. Ao mesmo tempo, dois
faróis haviam sido erguidos ali; juntos, eram conhecidos como os Twin Lights de
Chatham. Tudo que restava do segundo farol era a velha fundação, e, nessa
manhã, estava completamente coberta de neve.
Tomando um gole de café, Webber pensou em sua jovem esposa, Miriam,
acamada com uma forte gripe, em sua casa de campo, em Sea View Street. E se
houvesse uma emergência? E se ela precisasse de ajuda? O médico conseguiria
chegar até ela nesse clima? As perguntas foram desgastando seus nervos e
Webber lutava para tirá-las da cabeça. Tentou pensar nos pescadores locais,
todos reunidos em volta do velho fogão a lenha, no píer de pesca de Chatham.
Logo estariam pedindo sua ajuda, quando seus navios começassem a subir e
descer sobre as ondas em Old Harbor, retesando suas linhas. Se a tempestade
está tão ruim agora, como vai ser daqui a algumas horas, quando realmente
começar?, pensou.
Webber, contudo, não reclamaria do dia difícil que estava enfrentando. O
contramestre tinha apenas 24 anos, mas já trabalhava no mar havia quase uma
década, depois de ter servido no U.S. Maritime Service [Serviço Marítimo dos
Estados Unidos] durante a Segunda Guerra Mundial. Três irmãos mais velhos de
Webber também haviam servido na guerra. Paul, o mais velho, servira na 26ª
Divisão do Exército, na Alemanha. A chamada Divisão Yankee lutara na Batalha
do Bulge, junto com o Terceiro Exército do general George S. Patton, na captura
da cidade fortificada de Metz. Bob, o segundo mais velho, ajudara a proteger a
pátria na Guarda Costeira dos Estados Unidos. O terceiro, Bill, ajudara a
construir a Alaska Highway como membro do Corpo de Transporte do Exército.
Bernie havia seguido seu irmão Bob na Guarda Costeira, mas esse não era o
tipo de vida que seus pais haviam planejado para ele. Desde a infância, o pai de
Webber, pastor associado da Tremont Temple Church, em Boston, dirigira-o para
uma vida no ministério. O diácono da igreja, inclusive, pagara para que Bernie
cursasse a escola para meninos Mount Hermon, localizada a 170 quilômetros de
distância, em Gill, Massachusetts — uma cidade pequena, que abraça o rio
Connecticut. Fundada em 1879, a escola se vangloriava de ter tido alunos de
prestígio, como DeWitt Wallace, fundador da Reader’s Digest, e James W.
McLamore, criador do Burger King. Desnecessário dizer que Bernie era como
um pária econômico entre a população da escola preparatória. Ele chegara a
Mount Hermon carregando sérias dúvidas e usando roupas de segunda mão de
seu irmão. Não era um bom aluno e questionava, em particular, por que estava
ali. No fundo do coração, Webber sabia que não queria seguir os passos do pai.
Pensava em fugir da escola quando o destino interveio: um amigo de infância
que havia batido o carro do pai apareceu, à procura de um lugar para se
esconder. Webber atendeu ao pedido de seu amigo, acolhendo-o em um dos
dormitórios de estudantes e roubando comida do refeitório da escola para ele
comer. Os dois foram pegos depois de alguns dias, mas não ficaram por ali
tempo suficiente para enfrentar as consequências. Fugiram para as colinas e os
campos de milho ao redor da escola e acabaram conseguindo voltar para Milton.
O reverendo Bernard A. Webber se esforçou para compreender a atitude de
seu tão jovem filho rebelde, Bernie, de sair da escola e continuar à deriva. Um
ano depois, aos 16 anos, Bernie teve uma ideia que mudaria o curso de sua vida
sem rumo. Ouvira dizer que o U.S. Maritime Service estava à procura de jovens
como ele para treinamento, em Nova York. Se Bernie conseguisse completar o
árduo treinamento de campo, poderia servir ao esforço de guerra em um navio
mercante. Logo que seu pai, com relutância, assinou a papelada para o
alistamento, Bernie rapidamente ingressou e foi educado nos fundamentos da
marinharia na U.S. Maritime Service Training Station [Estação de Treinamento
do Serviço Marítimo dos Estados Unidos], em Sheepshead Bay, Nova York,
onde também recebeu treinamento do ex-campeão mundial de peso-pesado, Jack
Dempsey, que então servia como comandante da Guarda Costeira e também
como instrutor atlético na estação de treinamento. Quando concluiu o
treinamento, Webber partiu no ss Sinclair Rubiline, um petroleiro t-2 que
transportava gasolina dos portos em Aruba e Curaçao para os navios de guerra
norte-americanos da Terceira Frota dos Estados Unidos, no Pacífico Sul. Durante
esse tempo, o rapaz percebera que não passaria a vida no ministério ou em
nenhum outro trabalho em terra. Bernie Webber havia nascido para o mar.
Alistou-se na Guarda Costeira dos Estados Unidos em 26 de fevereiro de 1946 e
foi enviado para sua estação de treinamento em Curtis Bay, Maryland. Em cartas
aos recrutas da época, o comandante da estação de treinamento da Guarda
Costeira resumiria a vida e o dever de um guarda costeiro da seguinte forma:
Trabalhos difíceis são rotina neste serviço. De certa forma, a Guarda Costeira está sempre em
guerra. Em tempos de guerra, contra os inimigos armados da nação; e em tempo de paz, contra
todos os inimigos da humanidade no mar: fogo, abalroamento, ilegalidade, vendaval, gelo,
naufrágio e muitos mais. A Guarda Costeira, portanto, não é lugar para desistentes, para um
bebê chorão, para um trapaceiro ou para qualquer pessoa que não possa se concentrar no que
está fazendo. O período de treinamento dos recrutas é um momento de teste, hora após hora e
dia após dia, para determinar se são ou não feitos do material certo. Cabe a vocês, como
indivíduos, provar seu valor.

Webber servia então em Chatham, um pequeno posto avançado no cotovelo de


Cape Cod. Seu valor e sua coragem já haviam sido testados várias vezes nas
implacáveis águas dali. Era um dos lugares mais movimentados e mais perigosos
para os que ganhavam a vida no mar. O diretor da U.S. Coast and Geodetic
Survey [Centro de Pesquisas Geodésicas dos Estados Unidos] escreveu sobre
esse lugar, em 1869: “Talvez não haja outro lugar no mundo onde marés de tão
pequena elevação e queda sejam acompanhadas por correntes tão fortes”. De
fato, marinheiros se referiam à área como “Cemitério do Atlântico”, e por um
bom motivo. Os esqueletos submersos de mais de três mil embarcações estavam
espalhados pelo fundo do oceano, de Chatham a Provincetown. O primeiro
naufrágio conhecido foi o do Sparrowhawk, que encalhou em 17 de dezembro de
1626, em Orleans. A tripulação, junto com colonos com destino a Virgínia,
conseguiu chegar à praia em segurança e o navio foi reparado. Contudo, antes
que pudesse içar velas de novo, outra devastadora tempestade oceânica afundou
o Sparrowhawk, definitivamente. O episódio foi detalhado pelo governador
William Bradford, em seu diário de Plymouth Colony. Duzentos anos depois, a
erosão trouxe os destroços à vista, em um banco de lama na costa de Orleans. O
famoso hms Somerset também encontrou seu destino nas águas traiçoeiras de
Cape Cod. O navio, imortalizado no poema de Longfellow, A cavalgada à meia-
noite de Paul Revere, naufragou nos baixios de Truro durante um violento
vendaval, em 3 de novembro de 1778. Vinte e um oficiais britânicos e
marinheiros se afogaram quando o bote salva-vidas virou a caminho da costa. O
capitão do navio, George Ourry, rendeu-se ao membro do conselho municipal de
Truro, Isaiah Atkins, em nome de seus 480 tripulantes. Os sobreviventes foram
levados como prisioneiros de guerra e, em seguida, marcharam até Boston,
escoltados por milícias da cidade. (Paul Revere, que certa vez remara
furtivamente à frente do Somerset para alertar Lexington e Concord da invasão
britânica, mais tarde recebeu as 64 armas do navio para ajudar a fortificar Castle
Island, no porto de Boston.) Como o escritor Henry C. Kittredge observou em
Cape Cod: Its People & Their History (1930): “Se todos os destroços
empilhados no fundo de Cape Cod fossem alinhados de proa a popa, formariam
uma parede contínua de Chatham até Provincetown”.
O batismo de fogo de Bernie Webber chegou durante uma noite de 1949,
quando ele atendeu a seu primeiro chamado de socorro na Estação de Resgate de
Chatham. O contratorpedeiro da Classe Gleaves uss Livermore havia encalhado
no banco de areia de Bearse, além da ilha de Monomoy. A sorte navegara com o
Livermore até esse ponto. Sua tripulação conseguira evitar as alcateias de
submarinos nazistas, enquanto escoltava comboios para a Islândia com destino à
Inglaterra, nos meses antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra
Mundial. Em 9 de novembro de 1942, o contratorpedeiro participara da invasão
aliada ao norte da África, fornecendo apoio antissubmarino, antiaéreo e poder de
fogo fora de Mehdia, no Marrocos francês. O Livermore havia sobrevivido à
guerra relativamente incólume, coisa que alguns membros de sua tripulação
atribuíam ao fato de ter sido o primeiro navio de guerra norte-americano a
receber o nome de um capelão da Marinha, Samuel Livermore.
O contramestre Leo Gracie levara Webber e a tripulação em um barco
patrulha de 36 pés sobre o traiçoeiro Chatham Bar, onde esperava encalhado o
Livermore, com a tripulação da Reserva Naval a bordo. O navio descansava no
alto do banco de areia e se inclinava perigosamente para o lado. Webber e os
homens ficaram com o contratorpedeiro a noite toda, enquanto rebocadores de
resgate eram chamados. Na manhã seguinte, os homens da Guarda Costeira
ajudaram nas várias tentativas frustradas para libertar o navio de guerra, até que
finalmente obtiveram sucesso e o Livermore seguiu caminho com segurança.
Webber sorria enquanto a tripulação do Livermore aplaudia a ele e a sua equipe.
Os marinheiros haviam lhes dado uma recepção bastante diferente horas antes,
quando lhes atiraram maçãs, laranjas e até pesadas correntes de aço, porque, a
seus olhos, a missão de resgate estava demorando demais.
Isso tudo era parte de uma rivalidade amigável entre a Marinha e a Guarda
Costeira. A tripulação da Reserva Naval ficara, sem dúvida, meio envergonhada
quando o resgate chegou pelas mãos da Guarda Costeira — ou Hooligan’s Navy,
como a chamavam.
Sim, a vida de um membro da Guarda Costeira muitas vezes era ingrata, mas
Webber não a trocaria por nenhum outro trabalho no mundo. E, nesse momento,
logo após o amanhecer, ele olhava pela janela do refeitório, ouvia o uivo do
vento e se perguntava o que o dia lhe reservava.
capítulo 2
O Pendleton

O Atlântico Norte era uma convulsão de fúria dos elementos


açoitada pelo vento e pelo granizo; as grandes ondas batiam
todas juntas e se combinavam em uma fervilhante e imensa
confusão. O som dessa arrebentação de quilômetros era um
rugido em expansão infinita, um fragor raivoso e terrível,
tudo interligado com o alto grito do vento.
henry beston

O capitão John J. Fitzgerald Jr. era novo no ss Pendleton, mas conhecia a


imprevisibilidade do tempo da Nova Inglaterra. Fitzgerald havia assumido o
comando do petroleiro t-2 de 503 pés e 10 448 toneladas só um mês antes.
Contudo, o homem de queixo protuberante, residente de Roslindale,
Massachusetts, estava familiarizado com essas águas e tinha um respeito salutar
pelos perigos do Atlântico Norte. Fitzgerald nascera no Brooklyn, Nova York, e
era filho de um capitão do mar de Nova Escócia. O capitão do Pendleton havia
seguido seu pai na Marinha Mercante e servira como capitão de petroleiro
durante a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, pai e filho foram trabalhar
na National Bulk, uma empresa de transporte marítimo fora de Nova York.
O Pendleton havia partido de Baton Rouge, Louisiana, em 12 de fevereiro de
1952, com destino a Boston. O petroleiro transportava, do Texas, 122 mil barris
de querosene e óleo para aquecimento doméstico; seus nove tanques de carga
estavam totalmente cheios. Como a maioria das tripulações de petroleiros, os
homens a bordo do Pendleton eram uma mistura de velhos amigos e totais
estranhos. Era também um clássico caldeirão de raças, credos e cores. Alguns
homens aproveitavam o tempo de inatividade para conhecer uns aos outros
jogando baralho, enquanto outros não se interessavam em estabelecer laços
estreitos com seus colegas de tripulação e se ofereciam para o máximo de turnos
extras que pudessem, na esperança de ter a carteira cheia quando deixassem o
navio.
Havia sido uma viagem difícil para Fitzgerald e sua tripulação de quarenta
homens, desde o início. O Pendleton havia atravessado forte tempestade em
Cape Hatteras, Carolina do Norte, e o mau tempo o acompanhava como um
presságio obscuro na viagem, subindo a costa. Nesse momento, cinco dias após a
partida, a tripulação enfrentava seu maior desafio: uma nevasca que não dava
nenhum sinal de enfraquecimento. Mais de vinte metros de neve já haviam caído
na área de Boston, onde um exército de quinhentos trabalhadores da cidade
utilizava duzentos caminhões e 35 carregadores de neve para limpar o centro da
cidade e as estreitas ruas de Beacon Hill. South Shoré também estava levando
uma surra de ondas enormes, que rasgavam um quebra-mar de quase nove
metros de altura na cidade costeira de Scituate. Mais ao sul, em Cape Cod, mais
de quatro mil telefones haviam sido nocauteados pelo gelo espesso e pela neve,
que derrubara uma linha após a outra. Em Maine, fora ainda pior. Grande parte
do norte da Nova Inglaterra estava enterrada debaixo de sessenta centímetros de
neve molhada e pesada. Era a mais perigosa tempestade de inverno dos últimos
anos. Mais de mil motoristas do Maine viram-se ilhados em estradas cobertas de
neve, sob montes de mais de três metros de altura. Muitos ficaram presos dentro
de seus veículos cerca de 36 horas, até que a ajuda chegasse. Uma corrida de
raquete de neve tivera de ser cancelada em Lewiston, Maine, por causa de tanta
precipitação!
O Pendleton chegou aos arredores do porto de Boston no final da noite de
domingo, 17 de fevereiro, e seu capitão, de 41 anos, estava ansioso para
reencontrar a esposa, Margaret, e os quatro filhos; vários membros da tripulação
também viviam na Nova Inglaterra e desejavam rever suas famílias. Contudo, os
reencontros teriam de esperar, porque a visibilidade era fraca e o capitão
Fitzgerald não podia ver a luz do farol de Boston através da neve ofuscante. Sem
o farol para guiá-los, ele jamais arriscaria a vida de seus tripulantes entrando
com o enorme petroleiro no porto de Boston e contornando as 34 ilhas que
pontilhavam a área. De modo que Fitzgerald, sensatamente, ordenou que o
Pendleton voltasse ao mar, onde o navio poderia enfrentar a tempestade
esperando melhor visibilidade, antes de aportar.
Perto da meia-noite, o Pendleton viu-se preso no meio de um verdadeiro
vendaval, com ventos árticos que sopravam em todas as direções. Oliver
Gendron havia acabado de jogar baralho com os rapazes da tripulação do motor.
O intendente de navio, de 47 anos, de Chester, Pensilvânia, havia recolhido seus
ganhos e estava prestes a voltar para seus aposentos, na proa do navio, quando
seus amigos lhe imploraram que ficasse. As águas já atingiam a altura de
pequenos edifícios, e aventurar-se lá fora podia significar ser varrido do navio
para o mar gelado. Para retornar aos aposentos, Gendron teria de sair da popa e
atravessar a passarela, que, nessa noite, seria especialmente traiçoeira. Ele
concordou com os companheiros; era perigoso demais deixar a popa. De modo
que subiu em um beliche e tentou dormir um pouco.
Às quatro da manhã, o Pendleton, apesar de tentar manter sua posição na baía
de Cape Cod, foi empurrado pelos ventos para a ponta de Provincetown, oceano
adentro a leste de Cape Cod. Ondas monstruosas caíam sobre a popa, mas o
navio estava navegando bem, e o capitão Fitzgerald não demonstrava medo
nenhum pela segurança de seus homens. Nas duas horas seguintes isso mudaria.
Por volta das 5h30, o engenheiro-chefe Raymond L. Sybert, de Norfolk,
Virgínia, ordenou ao oficial que não permitisse que nenhum membro da
tripulação atravessasse a passarela da proa à popa. Também diminuiu a
velocidade do navio para apenas sete nós.
Minutos depois, por volta das 5h50, um rugido estrepitoso ecoou pelas
entranhas do navio. A tripulação sentiu o gigantesco petroleiro se erguer sobre o
oceano turbulento. Seguiu-se um tremor e um estrondo ensurdecedor quando o
Pendleton mergulhou de bico, segundos depois.
Charles Bridges, um marinheiro de 18 anos, de Palm Beach, Flórida, estava
dormindo em sua cama antes de o navio balançar e rachar, mas o som terrível o
fez se levantar de um pulo. “Peguei minha calça, meus sapatos e um colete
salva-vidas e corri para cima”, recorda Bridges. “Cheguei ao refeitório, onde
alguns outros homens estavam reunidos. Não havia eletricidade e ainda estava
escuro lá fora, de modo que era difícil saber o que estava acontecendo. Antes
que alguém pudesse me deter, peguei uma lanterna e corri até a passarela para
ver o que o pessoal estava fazendo na proa do navio. Apontei a lanterna para o
piso de aço da passarela e rapidamente segui a luz até a meia-nau. As ondas
eram enormes e seus respingos chicoteavam o convés, misturando-se com o frio
granizo que caía. Subitamente, parei, porque o piso da passarela havia
desaparecido, e percebi que, com mais dois passos, eu cairia direto no oceano.”
Bridges deu meia-volta e correu para o refeitório, gritando: “Estamos em
apuros! O navio se partiu ao meio!”. Alguns homens sugeriram imediatamente
baixar os botes salva-vidas, mas Bridges disse que estavam loucos, que os botes
não teriam a menor chance naquelas ondas enormes.
Embaixo, no convés mais baixo do navio, onde ficava a sala das caldeiras,
ninguém sabia o que havia acontecido, mas o bombeiro Frank Fauteux, de
Attleboro, Massachusetts, temia o pior. Fauteux, um veterano com nove anos de
mar, era um homem grande com grossas costeletas que desciam até seu queixo
quadrado, dando-lhe a aparência de um capitão Ahab moderno. Ele sobrevivera
ao torpedeamento de seu contratorpedeiro no Mediterrâneo, durante a Segunda
Guerra Mundial, bem como à explosão do ss Grandcamp, em 1947, que
desencadearia uma maré de mais de quatro metros de altura, matando centenas
de pessoas em Texas City, no Texas.
Fauteux sentiu o Pendleton dar uma guinada e ouviu a forte explosão que se
seguiu. Lutou para se segurar quando um solavanco mais violento sacudiu o
navio ferido. Imediatamente, pensou nos desastres de que havia escapado no
passado e achou que sua sorte finalmente acabara. Momentos depois, Sybert, o
engenheiro-chefe, chegou correndo à sala das caldeiras. “O navio se partiu ao
meio!”, gritou.

Assim que o navio foi dividido em dois, o primeiro assistente engenheiro,


David Brown, que estava de plantão na sala de sentinelas, na popa do Pendleton,
diminuiu a marcha dos motores ao mínimo. Logo depois, o engenheiro-chefe
Sybert ordenou a Brown que os desligasse. A essa altura, toda a tripulação
acordara com o estrondo e lutava para sair de seus aposentos para descobrir o
que acontecera. Todos haviam sentido o navio chacoalhar, e muitos observaram
uma enorme bola de fogo. Henry Anderson, que trabalhava na manutenção
(conhecido como “limpador”), de New Orleans, estava deitado em seu saco de
dormir quando sentiu o que descreveu mais tarde como um “grande impacto”.
Anderson pegou seu colete salva-vidas e correu para o refeitório, onde pôde ver
o dano em primeira mão. “Um colega e eu pegamos um martelo, fechamos a
porta e a pregamos, porque a água estava entrando”, lembrou.
Outro limpador, Fred Brown (nenhuma relação com David Brown), de 35
anos, acordara com o chacoalhão em sua cama. Ele havia arrumado um emprego
a bordo do Pendleton depois de trabalhar muitos anos como pescador comercial
na acidentada Casco Bay, no Maine. Mais de quarenta navios encontraram seu
destino ao longo da costa do Maine, uma estatística de que o antigo pescador não
se esquecia. Fred Brown tinha uma esposa e quatro filhos para sustentar em
Portland, e acreditava que trabalhar em um petroleiro seria mais seguro que em
uma traineira. Quando ouviu um barulho de abalar a terra, Brown pensou que o
Pendleton havia batido em uma rocha. “Eu ouvi um barulho alto de algo
rachando”, disse ele, mais tarde. “Foi como se um grande pedaço de estanho
tivesse sido rasgado.” Ele vestiu suas roupas e correu até a plataforma, onde se
reuniu com vários colegas marinheiros, formando um escudo humano contra a
arrebentação que tomara conta da popa. Brown era atormentado por explosões
de respingos de mar congelante, enquanto estava ali com os outros homens,
atordoado pela visão da proa do navio que flutuava para longe e desaparecia na
neve. No momento da quebra, o capitão Fitzgerald e vários oficiais estavam na
casa do leme na proa. Agora, haviam desaparecido.
Joseph Zeptarski, de 46 anos, trabalhava no mar desde 1926 e nunca caíra do
beliche antes. Nativo de Central Falls, Rhode Island, havia acabado de terminar
seu turno no refeitório dos oficiais e estava dormindo quando o petroleiro se
partiu. Zeptarski foi arremessado de seu beliche para a plataforma das cabines,
onde acordou, atordoado. Lutou para ficar em pé, pegou seu colete salva-vidas e
subiu, sendo recebido pelas maiores ondas a que já assistira.
Wallace Quirey, de 49 anos, terceiro assistente engenheiro do navio,
presenciara muita coisa em seus 25 anos de mar, mas nunca vira ou sentira nada
assim. Após a explosão, Quirey pegou o colete salva-vidas e a Bíblia que sua
mãe lhe dera, oito anos antes. Ele a levava em todas as viagens, desde então, o
que lhe servia como colete salva-vidas espiritual. Enquanto ele e os outros
corriam de seus aposentos e subiam a escada, com o pânico a Bíblia foi
arrancada de suas mãos. Quirey a viu cair escada abaixo, enquanto era
empurrado para a frente por uma maré de colegas da tripulação que tentavam
chegar à parte de cima. Não houve tempo para voltar e recuperá-la. “Cheguei à
popa, e as ondas deviam ter mais de quinze metros de altura”, lembrou. “Elas
varriam o convés dos botes salva-vidas, o mais alto, e se estendiam por um
metro e meio, depois de quebrar bem no topo do mastro.” Alguns a bordo do
navio calcularam a altura das ondas em mais de vinte metros.
Quirey localizou o mais novo membro da tripulação do navio, Carroll Kilgore,
de 16 anos, e se abraçou firme a ele, enquanto continuavam sendo surrados pelo
vento e pelas ondas. Quirey e os demais tinham ficado de olho no adolescente de
Portland, Maine, durante toda a viagem. Kilgore havia assinado os papéis do
alistamento quatro semanas antes. Como Bernie Webber fizera havia quase uma
década, o banguela de cabelos rebeldes ingressara na Marinha Mercante em
busca de uma vida de emoção e aventura. Um mês depois, estava agachado na
popa, surrado por ondas, assustado como uma criança naquela que era sua
primeira — e possivelmente última — viagem.
Os marinheiros, trêmulos, viram com um brilho de esperança a proa do
Pendleton ressurgir, rapidamente, à vista. A proa roçou a popa e, depois, ambas
se afastaram como uma aparição, a primeira mantendo o capitão Fitzgerald e
sete membros de sua equipe — o chefe dos suboficiais Martin Moe, o segundo
suboficial Joseph W. Colgan, o terceiro suboficial Harold Bancus, o operador de
rádio James G. Greer, os marinheiros de primeira classe Joseph L. Landry e
Herman G. Gatlin, e o também marinheiro Billy Roy Morgan — presos a bordo.
Quase todos os membros da equipe de comando do navio estavam separados do
resto da tripulação. Os sobreviventes, açoitados na popa, sussurraram uma
oração pela segurança de seus companheiros e, em seguida, voltaram-se para o
oficial de grau superior, em busca de orientação e esperança.
Com apenas 33 anos, o engenheiro-chefe Raymond Sybert viu-se no comando
da popa do Pendleton. Ele reuniu a tripulação, que agora consistia de 32 homens,
e ordenou que todas as portas estanques fossem fechadas, exceto as que ligavam
a sala das caldeiras à sala de máquinas. Sybert também definiu detalhes de
turnos, incluindo plantões de sentinela nas duas extremidades do convés dos
botes salva-vidas. E, então, foi avaliar os danos e viu que o Pendleton estava
derramando sua carga de querosene e óleo para aquecimento doméstico no mar;
o grosso líquido preto cobria as cristas espumantes das ondas iradas que subiam
e desciam em volta do navio. O petroleiro havia se partido ao meio no tabique
entre os tanques de carga de números 7 e 8.
O Pendleton era um t-2-se-a1, comumente conhecido como petroleiro t-2. No
entanto, esses navios tinham ganhado um apelido mais duvidoso, e alguns
críticos se referiam a eles como “afundadores em série” e “caixões do Kaiser”. O
problema com os petroleiros t-2 remontava a quase uma década antes,
começando em 17 de janeiro de 1943, quando o Schenectady se quebrara ao
meio ainda na doca! O navio acabara de completar seus testes no mar e voltara
ao porto em Swan Island, Oregon, quando, subitamente, rachou logo atrás da
superestrutura da ponte. A parte central do navio se dobrou e se ergueu acima
d’água, deixando a proa e a popa pousarem no fundo do rio. Como o
Schenectady, o Pendleton fora construído às pressas para o esforço de guerra.
Estruturado em Oregon pela Kaiser Company em 1944, o lar do Pendleton
passara a ser Wilmington, em Delaware. Ao que tudo indicava, ele parecia
suficientemente resistente. Tinha 503 pés de comprimento, com uma boca
máxima de 68 pés de largura e um calado de 39 pés e três polegadas. Era
alimentado por um motor turboelétrico de 6 600 cavalos de potência, com uma
única hélice de onze pés de diâmetro. Contudo, a forte aparência externa do
navio escondia os métodos inferiores de soldagem utilizados em sua construção.
Como acontecia com muitos petroleiros t-2 construídos nessa época, o casco do
Pendleton deve ter sido montado com “aço sujo” ou “ferro cansado”; em outras
palavras, aço enfraquecido pelo excessivo teor de enxofre. Isso colocava o navio
em grande risco diante de ondas altas no frígido oceano. O construtor tentara
compensar a falha dotando o Pendleton com um sistema obstrutor de trinca.
Eram cintas de aço de melhor qualidade colocadas em volta do casco do navio.
Esse obstrutor de trinca fora concebido para evitar que qualquer fratura em uma
parte soldada do casco se espalhasse para o resto do navio. Não era a primeira
vez que o sistema não conseguia fazer seu trabalho. O navio havia sofrido uma
fratura tripla no tabique entre os tanques número 4 a estibordo e o central,
apenas um ano antes, em janeiro de 1951. A fratura tripla nunca tinha sido
reparada. Surpreendentemente, o Pendleton passara com facilidade em sua
última inspeção da Guarda Costeira, em 9 de janeiro de 1952, em Jacksonville,
Flórida.

Com o Pendleton rasgado ao meio, as fortes ondas começaram a levar a popa


do navio de Provincetown para o Sul, descendo o braço recortado de Cape Cod.
A proa estava à deriva em um caminho quase idêntico, mas a uma velocidade
maior e mais distante da costa. A sala de rádio ficava na proa, mas o capitão
Fitzgerald não tinha como enviar um sinal de sos. Quando o navio se dividiu ao
meio, os disjuntores de todos os circuitos caíram, deixando a proa sem energia,
calor ou luz. O engenheiro-chefe Sybert e seus homens conseguiram manter a
eletricidade na popa, mas não dispunham de um equipamento de rádio para
enviar uma mensagem de socorro. A popa, porém, trazia um receptor de rádio
portátil, pequeno, e, à medida que a manhã turbulenta avançava, os marinheiros
se reuniram ao redor do aparelho e ouviram relatos de que o Fort Mercer, um
petroleiro t-2 quase idêntico, também estava em grave perigo em algum lugar
além de Cape Cod. Equipes da Guarda Costeira já haviam sido despachadas para
ajudar o Mercer, e nada era dito sobre o Pendleton. Possivelmente, os membros
da tripulação trocaram olhares com a mesma pergunta na cabeça: Quem virá nos
salvar?
capítulo 3
O Fort Mercer

As ondas eram selvagens, arfantes, íngremes. Rolavam em


nossa direção de forma imprevisível e sem trégua. E,
conforme se aproximavam, pareciam mais cadeias de
montanhas que ondas do mar. Arremessavam nosso navio
como se fosse irrelevante, e nós lutávamos para manter o
equilíbrio, enquanto as verdes encostas íngremes do
tamanho de um cânion nos açoitavam por todos os lados.
spike walker

Mais ou menos ao mesmo tempo em que o Pendleton se partia ao meio, o ss Fort


Mercer ficava preso em sua batalha com os mares, ao largo do Cape Cod. O
capitão Frederick Paetzel não queria se arriscar na tempestade que havia atingido
seu petroleiro de 503 pés. Paetzel permanecia com a proa do Mercer apontando
para os mares que subiam, mantendo a posição, preparado para enfrentar a
tempestade. O capitão havia guiado o navio em segurança desde que deixara
Norco, Louisiana e, nesse momento, apenas 48 quilômetros a sudeste de
Chatham, não estava muito longe de seu destino final, Portland, no Maine. Ele
poderia se atrasar pela tempestade, porém mares agitados no Atlântico Norte
durante o mês de fevereiro não eram surpresa, e esperaria até o momento certo,
quando a tempestade se consumisse.
No entanto, a tempestade Nor’easter não mostrava sinais de enfraquecimento.
Ao contrário, intensificava-se a cada hora que passava. Uma insinuação pálida
da luz indicava a chegada do amanhecer e, a essa altura, ondas gigantescas
haviam crescido até chegar aos dezoito metros de altura e a força do vento se
aproximava à de um furacão, lançando contra o navio uma mistura congelante de
granizo e neve. O Mercer levou uma pancada terrível, mas cavalgou os mares
tão bem quanto era de esperar, sem muita inclinação ou rolagem.
E então, às oito da manhã, o capitão Paetzel ouviu um estalo que ecoou das
entranhas de seu navio. Ele não teve certeza imediata do que havia acontecido.
Logo, o capitão, assim como vários membros da tripulação, viram óleo sendo
vomitado a estibordo do Mercer sobre o oceano, e souberam que o casco do
navio havia rachado.
O homem, de 48 anos, imediatamente abrandou a velocidade do navio para
um terço e posicionou-o de modo que as ondas dessem a bombordo da proa, para
evitar que a fratura aumentasse. A seguir, Paetzel alertou o resto de sua equipe
sobre a situação de emergência e passou uma mensagem de rádio à Guarda
Costeira, para pedir ajuda e relatando que as costuras de seu navio se haviam
aberto nas imediações do tanque número 5 e que sua carga de combustível estava
sangrando no mar.
Depois de notificar a Guarda Costeira, Paetzel e sua tripulação de 42 homens
só podiam rezar para que o navio não se partisse até que os barcos guarda-costas
chegassem. O capitão, nascido na Alemanha, trabalhava no mar desde os 14
anos e nunca vira uma tempestade como aquela no meio da qual se encontrava,
nem jamais ouvira o estalo forte de metal abrindo caminho para o mar.
A aproximadamente 150 milhas de distância, a bordo da embarcação guarda-
costas Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore fazia seu melhor para
ignorar o movimento de rolagem da embarcação e se concentrar no rádio. Um
navio de pesca, o Paolina, de New Bedford, Massachusetts, estava atrasado, e o
Eastwind participava da busca. Ele estava nos arredores da última localização
conhecida do navio de pesca e transmitia repetidamente pelo rádio, na esperança
de fazer contato. A comunicação de voz, na época, era rudimentar, e só
conseguia alcançar cerca de quarenta, cinquenta milhas. Além desse intervalo, o
único método de comunicação era o código Morse, também conhecido como cw,
de Continuous Wave. Len estava usando sua voz no rádio, na expectativa de que
o Paolina ainda estivesse flutuando nas proximidades, mas seu instinto lhe dizia
que as chances de encontrar a embarcação diminuíam à medida que a tempestade
se fortalecia.
Len havia aprendido Morse quando frequentava a escola de radiocomunicação
da Guarda Costeira em Groton, Connecticut. Seu ingresso na Guarda Costeira
fora tortuoso, quando ele tinha apenas 17 anos. Em um impulso, Len, seu irmão
Bob e um amigo, Frank Gendreau Jr., decidiram que era hora de ver o mundo
além de sua cidade natal, Lynn, em Massachusetts. Os três jovens inicialmente
fixaram os olhos na Marinha e foram até o gabinete de recrutamento local para
se alistar. Len passara no exame físico, mas os outros dois rapazes, não, e os três
deixaram o gabinete ainda na condição de civis. Eles discutiram a próxima
opção; o amigo e o irmão de Len decidiram que se a Marinha não os queria,
talvez a Guarda Costeira quisesse, e os três jovens tentaram se alistar. Mais uma
vez, no entanto, Bob e Frank não passaram no exame físico, ao passo que Len,
sim. Pensando que a terceira vez seria a da sorte, Bob e Frank foram ao gabinete
de recrutamento da Força Aérea, sendo aceitos. Len, no entanto, tinha seus olhos
no mar, não nos céus, e decidiu que iria sozinho, ingressando na Guarda
Costeira.
Depois do campo de treinamento de recrutas, em Cape May, Nova Jersey, o
jovem marinheiro fora mandado para a Estação de Resgate de Chatham, onde
desempenhara tarefas na radiocomunicação, bem como diversas outras, que
incluía a pintura da lancha de salvamento da estação, de 36 pés — a 36500 —,
sob o olhar atento do timoneiro Bernie Webber. “Mas não era só trabalho”,
lembra Len. “Foi em Chatham que aprendi a me divertir depois do expediente.
Tínhamos alguns grandes sujeitos lá, e eu sabia que havia encontrado um lar na
Guarda Costeira.”
Com seis meses em Chatham, Len frequentara a escola de radiocomunicação
e, logo após sua graduação, sua primeira missão de longo prazo fora no
Eastwind, um navio quebra-gelo de 280 pés. Naquela ocasião, o Eastwind
participou da missão secreta de construir a Base Aérea de Thule, na Groenlândia,
atuando na escolta e na quebra de gelo para navios de abastecimento. O trabalho
foi feito durante a primavera e o verão de 1951 e, no final de setembro, o
Eastwind retornou a seu porto de origem, Boston, e era enviado a missões mais
curtas, de trinta dias.
No final de janeiro e no início de fevereiro de 1952, Len, já com 20 anos, e
outros membros da tripulação a bordo do navio quebra-gelo foram despachados
para o rio Hudson, em Nova York. “Quebramos gelo de West Point a Albany”,
diz Len. “Quando o trabalho terminasse, o Eastwind estava programado para
voltar a Boston, e alguns membros da tripulação foram autorizados a
desembarcar em Nova York por algum tempo e, a seguir, dirigir-se a Boston e
nos encontrar.” Consequentemente, a tripulação do Eastwind estava desfalcada
quando foi açoitada pela tempestade ao sul de Nantucket e saiu para procurar o
navio de pesca Paolina e seus sete tripulantes.
Len jamais esquecerá a manhã de 18 de fevereiro. “Eu havia acabado de
chegar para meu turno na sala de rádio, às oito da manhã, e estava chamando o
Paolina quando, de repente, ouvi um forte sos em cw [código Morse] em meu
fone de ouvido. Era o Fort Mercer.” Len se endireitou na cadeira, surpreso com o
pedido de socorro que saíra do nada. Rapidamente, confirmou a mensagem do
Mercer, enquanto acenava para outro colega na sala de rádio para que corresse e
chamasse o chefe dos operadores de rádio, John Hartnett. A seguir, alertou a
estação regional de comunicações da Guarda Costeira, que na época se
localizava em Marshfield, Massachusetts.
“Eu transmiti uma mensagem para todos os navios e todas as estações para
que parassem de enviar sinais na frequência 500 kc, porque tínhamos um pedido
de socorro. Normalmente, essa frequência é uma cacofonia de sinais, pois é a
frequência internacional de chamados e socorro, monitorada constantemente por
todos os navios em estações de mar e terra. Contudo, quando informamos que
tínhamos um sos, a frequência ficou sinistramente silenciosa.”
Len continuou falando com o Fort Mercer em cw, tentando obter a posição do
navio e determinar a natureza da emergência. O operador de rádio do petroleiro,
John O’Reilly, informou que havia uma rachadura no casco. Deu sua posição
aproximada, e o Eastwind também usou a triangulação de antenas (rdf, de Radio
Directional Finder) para tentar identificar a localização do Mercer. A essa altura,
Len já notificara outras embarcações da Guarda Costeira na vizinhança acerca da
emergência, e elas também usaram rdf para estabelecer a posição do petroleiro.
“Chefe Hartnett”, diz Len, “estava em posição com rdf na ponte e eu com o
Fort Mercer, que começou a enviar uma série de ‘Vs’ como sinal. [O envio de
uma série de ‘Vs’ era a maneira comum de o navio em perigo continuar
transmitindo um padrão estável e uniforme para os barcos de busca, para ajudar
em seus esforços de estabelecer a localização da embarcação em apuros.]
Rapidamente, conseguimos um rumo, como as outras embarcações, e
coordenamos os rumos e estabelecemos uma posição em poucos minutos.”
Infelizmente, Len descobriu que o Eastwind estava bastante longe do
petroleiro, e sabia que levaria várias horas para chegar a eles. “Soprava um
verdadeiro vendaval, e as ondas eram enormes [...] Muitos de nossos homens
estavam mareados, mas ainda trabalhando. Com o mar daquele jeito, achei que
poderíamos levar um dia inteiro para chegar ao Mercer e, então, poderia ser
tarde demais.”
Apesar das 150 milhas (241 quilômetros) de distância entre o guarda-costas e
o Mercer, o Eastwind partiu imediatamente em direção ao petroleiro danificado,
abandonando a busca do Paolina. (Somente destroços do Paolina foram
encontrados.) Oliver Peterson, de Winchester, Massachusetts, capitão do
Eastwind, foi encarregado da operação de resgate. Outro navio da Guarda
Costeira, o Unimak, que também estava ao sul de Nantucket, procurando o
Paolina, foi desviado da busca e começou a atravessar a tempestade em direção
ao Mercer. Em Provincetown, Massachusetts, o guarda-costas Yakutat foi
despachado para o local, como também o McCulloch, de Boston. Outros guarda-
costas — incluindo o Acushnet, em Portland, Maine — foram colocados em
alerta. Um navio militar do serviço de transporte, o Short Splice, também correu
em auxílio do petroleiro. O mar, no entanto, não ajudava os barcos de resgate, e
a velocidade deles era de lentos três nós. As ondas de cerca de quinze metros de
altura e os ventos de 130 quilômetros por hora provinham diretamente do norte,
e o ar estava cheio de uma mistura de neve, água do mar e espuma.

A bordo do Fort Mercer, o capitão Paetzel se retesava cada vez que uma onda
particularmente grande, chicoteada pelo vento, atingia a embarcação. O óleo
continuava a manchar o oceano, e o intendente do navio se esforçava como
podia para manter a proa naquelas águas que se aproximavam. Paetzel fez seus
tripulantes vestirem os coletes salva-vidas, mas além dessa medida de segurança
pouco podiam fazer senão esperar que a Guarda Costeira chegasse.
De modo notável, às dez da manhã o Boston Globe conseguiu uma conexão
telefônica da costa com o capitão do navio. Paetzel disse que as condições eram
muito difíceis e que as ondas haviam alcançado vinte metros, elevando-se até o
cordame, mas que acreditava que seu navio “não corria nenhum perigo
imediato”. Ainda assim, reconheceu que não podia ter certeza, porque avaliar o
dano mais de perto no convés seria suicídio. “Estamos apenas parados”,
acrescentou. Para concluir, pensou nos entes queridos na costa e expressou a
esperança de que “a esposa de nenhum de nós ouça falar sobre isso”. O Mercer
não estava inclinado, e visto que o anterior som do metal rachando não causara
mais graves eventos, Paetzel mantinha a esperança de que o pior já havia
passado.
Embora Paetzel sentisse que o Mercer não estava em perigo imediato, ele
também conhecia a história dos petroleiros t-2 parcialmente pré-fabricados e
soldados, o que não era reconfortante. Até aquele momento, oito desses
petroleiros haviam sido perdidos em decorrência de fraturas no casco, e eles
eram particularmente suscetíveis a rachaduras quando grandes ondas eram
acompanhadas por temperaturas frias — a exata situação que o Mercer
enfrentava. O capitão respiraria mais aliviado quando avistasse os barcos da
Guarda Costeira.
Subitamente, às 10h30, ouviu-se o som de outra rachadura aterrorizante, e o
navio deu uma guinada. Paetzel instantaneamente enviou outra mensagem à
Guarda Costeira, que explicava que a situação estava piorando. Uma fria
sensação de medo atravessou o capitão; ele sabia que seu navio poderia se tornar
o nono petroleiro t-2 a ser levado pelo mar.
O estresse no navio crescia, em especial quando uma onda levantou a proa e
outra, a popa, deixando o meio sem nenhum apoio. A tempestade havia quebrado
o casco soldado do tanque, e o mar parecia ter a intenção de estender a
rachadura. O capitão Paetzel e sua equipe não podiam fazer nada além de esperar
os socorristas.
Outra longa hora se passou, sem incidentes. E então, às 11h40, houve um
terceiro anúncio, alto, quando mais metal rachou. Paetzel já podia ver a fratura,
que se estendia do tanque de carga 5, a estibordo, até vários metros acima da
linha d’água, e o óleo jorrava no mar furioso. Às 11h58, Paetzel enviou outro
sos, dessa vez acompanhado da mensagem: “Nosso casco está se partindo”.
Dois minutos depois, uma onda açoitou o petroleiro com tanta força que os
tripulantes foram atirados ao chão. Quando conseguiram se levantar, não podiam
acreditar no que viam: o navio estava dividido em dois!
O tripulante Alanson Winn disse que quando a fratura final e a separação
ocorreram, o barulho foi tão alto e violento que ele pensou que o navio havia
sido abalroado. “Então, ele se ergueu para fora da água como um elevador. Deu
dois saltos. E, quando parou, rasgou-se ao meio.”
Paetzel estava preso na proa com mais oito homens, enquanto na popa ficaram
34 tripulantes, e cada ponta navegava à deriva para longe uma da outra. O mar
jogava a proa descontroladamente sobre suas águas como se fosse um brinquedo
quebrado, primeiro balançando de forma brusca para estibordo. A extremidade
da frente da proa empinou alto, mas a de trás se inclinou para baixo,
submergindo uma parte do convés e levando os barcos salva-vidas. Igualmente
devastador, o acidente inutilizou o rádio, e Paetzel não podia mais falar com a
Guarda Costeira e pedir resgate; nem dar instruções aos tripulantes na popa.
Paetzel e seus homens estavam impotentes, presos na ponte; sair podia significar
morte instantânea. A proa chafurdava no mar monstruoso, e, sem a força do
motor, ficou de costado para as ondas, sofrendo impactos diretos.
A popa, onde ficava o motor, estava em melhores condições, totalmente acima
da água. Logo após a divisão, os engenheiros imediatamente desligaram o motor,
mas sua tripulação já podia ver as ondas empurrando a proa na direção deles
como um aríete. Milagrosamente, os engenheiros conseguiram religar o motor.
Colocaram a hélice no sentido inverso e conseguiram virar a popa para longe,
antes que a proa os acertasse, mas seus problemas estavam só começando.
capítulo 4
“Não pode ser verdade”

Navegue adiante, orientado apenas para águas profundas.


walt whitman

A bordo do Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore mantinha comunicação


regular com o operador John O’Reilly, do Mercer. Len tentava conservar a
tripulação do Mercer animada dizendo-lhe que o Eastwind, o Unimak, o
McCulloch e a Yakutat estavam a caminho e que barcos de resgate a motor,
aviões e um guarda-costas adicional haviam acabado de ser despachados. O
avanço do Eastwind nas garras da ventania uivante, no entanto, era
extremamente lento, e Len se sentia frustrado, porque horas se passariam antes
que eles pudessem chegar ao petroleiro.
Com 43 tripulantes do Mercer em risco de perder a vida a qualquer minuto, os
comandantes da Guarda Costeira sabiam que precisavam de barcos no local o
mais depressa possível e reagiram, enviando lanchas salva-vidas de Chatham e
Nantucket. Enviar lanchas salva-vidas de 36 pés ao mar contra ondas duas vezes
seu tamanho era uma decisão difícil; os oficiais sabiam que os botes e sua
tripulação poderiam ser as próximas vítimas do oceano.
A primeira embarcação de resgate a motor enviada para o turbilhão partiu da
Estação Brant Point, Nantucket. Em seu comando estava o chefe dos
contramestres Ralph Ormsby, com três tripulantes: Alfred Roy, Donald Pitts e
John Dunn. Os quatro homens percorreram cinquenta perigosas milhas (cerca de
oitenta quilômetros) para chegar às metades do Mercer, e seu barco navegava a
somente duas milhas por hora em ondas tão grandes que muitas vezes ensoparam
a tripulação.
Depois de deixar Nantucket, o barco teve a difícil tarefa de navegar através do
perigoso canal Pollock Rip, cujas boias orientadoras haviam sido arrancadas
pelo mar. Quase imediatamente, a embarcação se viu em apuros. “Roy, que
estava ao leme”, disse Ormsby, “foi jogado dali. Eu o segurei. O barco estava
quase condenado pelas ondas que quebravam sobre sua proa. Observávamos as
ondas antes de bater para guiar seu curso.”
Uma segunda lancha de salvamento, de 36 pés, foi mandada de Chatham. O
comandante da estação, suboficial contramestre Daniel Cluff, recebeu ordens
para enviar o barco, e ele, por sua vez, disse ao imediato Donald Bangs, de
Scituate, que selecionasse uma equipe e rumasse para o Mercer. Bangs
rapidamente escolheu uma tripulação, composta pelo engenheiro de primeira
classe Emory Haynes, pelo contramestre de terceira classe Antonio Ballerini e
pelo marinheiro Richard Ciccone. Quando Bernie Webber ouviu as ordens,
pensou consigo: Meu Deus, eles acham mesmo que uma lancha de salvamento e
sua tripulação podem adentrar o mar nesta tempestade e encontrar o navio
quebrado em meio a neve ofuscante e ondas furiosas, só com uma bússola para
orientá-los?. Webber percebeu que, ainda que a tripulação não congelasse até a
morte, ela nunca conseguiria tirar os homens das partes do Mercer arrasadas pela
tempestade. Bernie era amigo daqueles homens e se perguntava se os veria vivos
novamente.
A preocupação de Webber de que os homens morressem congelados era muito
realista, assim como o potencial efeito do frio sobre a capacidade deles de
manobrar o barco e reagir aos problemas. Uma das primeiras respostas do corpo
ao lutar contra a hipotermia é diminuir o fluxo de sangue para os membros,
reduzindo a perda de calor pelas extremidades do corpo, principalmente os pés e
as mãos, que têm uma elevada concentração de vasos sanguíneos. A tripulação
das embarcações de resgate teria o fluxo sanguíneo periférico para os membros
reduzido nas primeiras horas no mar, por causa do esforço do corpo para manter
o calor interno, essencial para os órgãos principais, em especial o coração.
Contudo, a diminuição do fluxo sanguíneo para mãos, braços e pés tem um
custo: compromete a capacidade de realizar tarefas. Se o motor da lancha de
salvamento pifasse, os homens a bordo não teriam a destreza dos dedos para
resolver o problema. Mãos e pés também sofreriam queimaduras quando a
temperatura da pele despencasse, e o próprio sangue engrossaria como óleo de
motor em uma manhã fria, tornando as pernas e os braços dos homens rígidos e
lentos. E, em 1952, antes da época das luvas de neoprene e das roupas de baixo
de polipropileno, os tripulantes não tinham nada para proteger a pele, além de
roupas emborrachadas.
As equipes de Bang e de Ormsby seriam testadas pelo mar e pelo ar gelados
muito além dos limites de sua resistência — se seus barcos não virassem
primeiro, matando-os antes.

A primeira embarcação a chegar ao local do acidente do Mercer foi o


cargueiro Short Splice. A essa altura, a proa e a popa do Mercer já haviam se
afastado. O Short Splice manobrou o mais perto que se atreveu da popa do
Mercer, na esperança de conseguir jogar um cabo. As ondas, porém, eram
grandes demais, e o capitão do Short Splice teve de abandonar a ideia e esperar,
pronto para tentar tirar os homens da água, se fosse preciso.
Os aviões partiram para o céu tempestuoso da Estação Aérea da Guarda
Costeira, em Salem, Massachusetts, e da base aérea naval de Quonset Point,
Rhode Island. Um dos aviões chegou antes dos guarda-costas, aproximadamente
às catorze horas. O piloto George Wagner comunicou pelo rádio: “O navio está
definitivamente nas últimas. Sua popa está contra o vento e quase inundada”.
Também informou que os botes salva-vidas do Mercer não estavam ali e que o
mecanismo para descê-los estava abaixado, o que o fez pensar que alguns
tripulantes haviam abandonado o navio. O piloto guiou seu avião seguindo a
direção do vento, procurando os botes salva-vidas, mas não encontrou nenhum.
Mais ou menos ao mesmo tempo em que os aviões chegavam ao local, o
comandante da estação, Cluff, e o contramestre de primeira classe, “Chick”
Chase, estavam na torre de vigia de Chatham, onde ficava a tela do radar. De
manhã cedo, o equipamento apresentara problemas, mas já havia sido
consertado, e a primeira coisa que eles viram na tela foram dois objetos
estranhos. “Os objetos”, recordou Chase, “estavam a apenas cinco milhas (oito
quilômetros) da costa, longe de onde o Mercer deveria estar. Eu me perguntava
como o Mercer poderia ter ido para tão longe, e percebemos que alguma coisa
estava errada.” Cluff e Chase sabiam que o vento soprava em direção sul, e que
se os objetos fossem o Mercer, ele havia ido em direção noroeste. Nada disso
fazia sentido, e Cluff imediatamente chamou a sede. Eles, por sua vez, alertaram
Wagner, que já estava sobrevoando a popa do Mercer.
Wagner, lutando para controlar seu avião na tempestade, ficou imaginando
que diabos significava aquela mensagem desconcertante. Ele estava olhando
para a popa do Mercer e pensava que era impossível que a proa houvesse
derivado mais de 25 milhas (quarenta quilômetros) em direção a Chatham. E o
que significava o fato de Chatham ter captado dois alvos no radar? Tudo o que
Wagner podia fazer era virar seu avião e seguir para oeste para dar uma olhada.
Felizmente, a neve havia se transformado em chuva e granizo, e a visibilidade
melhorara um pouco.
Ele voou a baixa altitude, fustigado pelo vento, mas logo chegou ao conhecido
farol flutuante Pollock Rip. Incrivelmente, não muito longe dali estava a metade
partida da proa de um petroleiro. Wagner notou que a superestrutura abaixo da
proa era marrom, diferente da branca da popa que ele havia visto. Balançou a
cabeça, incrédulo, e sobrevoou para olhar de novo. E, então, ficou de queixo
caído. Na proa, em grandes letras brancas, estava o nome pendleton! Quando
comunicou pelo rádio o que havia visto, todos na Guarda Costeira ficaram
atordoados. Era demais acreditar que um segundo navio, a apenas trinta milhas
(48 quilômetros) do Mercer, também havia se partido ao meio.
O operador de rádio do Eastwind, Len Whitmore, ficou atônito, perguntando-
se se havia ouvido corretamente as palavras do piloto. Outro petroleiro? Até
aquele momento, ninguém sequer mencionara o Pendleton. Len pensou: Isso não
pode ser verdade. Deve have algum engano.
capítulo 5
“Você tem de pegar a 36500”

Ah, Senhor, tem misericórdia, Teu mar é tão grande, e meu


barco é tão pequeno.
oração de breton fisherman

Antes de o Pendleton ser avistado, Bernie Webber já estava tendo uma manhã
agitada. Vários barcos de pesca tiveram a amarração quebrada e se espalharam
pela costa de Old Harbor, e Webber e sua equipe usaram a lancha de salvamento
36500 para ajudar os pescadores a puxar os barcos para a praia e prendê-los,
antes que a arrebentação os danificasse. Era a versão marinheira de arrebanhar
gado, mas, em vez de trabalhar sob o sol quente do Texas, os homens tinham de
exercer sua função na neve ofuscante e a temperaturas congelantes. Webber,
porém, sabia da importância do trabalho, pois sem seus navios de pesca os
pescadores não podiam sustentar suas famílias durante o rigoroso inverno de
Cape Cod.
Ele foi auxiliado na tarefa pelo marinheiro Richard Livesey e pelo amigo de
longa data, o técnico de máquinas de primeira classe Mel Gouthro, que, além de
lutar contra o clima, estava lutando contra a gripe. A tempestade Nor’easter fez
Livesey se lembrar dos catorze meses que passara em um quebra-gelo, no
Atlântico Norte. Aos 22 anos, era dois anos mais novo que Webber, e, assim
como acontecia com seu chefe, o que faltava a Livesey em idade ele compensava
com experiência. Richard Livesey nascera em South Boston, em 1930, e fora
criado a noventa quilômetros ao sul, em Fairhaven, uma vila de pescadores na
costa de Buzzards Bay, em frente ao porto de New Bedford. Livesey foi
direcionado a uma vida no mar desde cedo, graças às inúmeras histórias
contadas por seu pai, Oswald, durante 22 anos suboficial de caldeira na Marinha
dos Estados Unidos. As ruas de paralelepípedos de sua cidade natal sem dúvida
inspiraram Richard Livesey a uma carreira marítima. Fairhaven tinha uma
história rica. A cidade havia sido o local da primeira batalha naval da Revolução
Americana, em maio de 1775, quando Nathaniel Pope e Daniel Egery lideraram
milicianos locais na captura de duas corvetas britânicas, em Buzzards Bay. Nos
dois anos seguintes, os fundadores da cidade erigiram uma fortaleza em Nobscot
Point, equipada com onze canhões, alguns dos quais capturados nas Bahamas
pelo herói naval norte-americano John Paul Jones. O forte foi destruído em
1778, quando os britânicos invadiram o porto e levaram quatro mil tropas a New
Bedford. Contudo, foi reconstruído, e recebeu o nome de Fort Phoenix, por
causa do pássaro mítico que renasce das próprias cinzas. A cidade se expandiu,
ao longo do tempo, colaborando com a prosperidade baleeira de New Bedford.
Richard Livesey era um daqueles jovens que pareciam ter água salgada nas
veias. Desde que podia se lembrar, queria ingressar na Marinha norte-americana,
e quando teve idade suficiente, pediu ao pai que o acompanhasse ao gabinete de
recrutamento naval. “Claro”, dissera o velho Livesey, radiante porque o filho
estava seguindo a tradição marinheira. No entanto, seu entusiasmo se apagou
momentaneamente quando o recrutador informara que havia uma espera de dez
meses para o alistamento. Era 1947, e Richard Livesey tinha 17 anos. Dez meses
parecia uma vida para o adolescente ansioso. Ele queria ação e aventura.
Enquanto saíam do gabinete de recrutamento, Richard disse a seu pai que, então,
entraria na Força Aérea dos Estados Unidos. Naquele momento, pai e filho
notaram uma placa que indicava o gabinete de recrutamento da Guarda Costeira,
poucas portas abaixo. As esperanças do adolescente de viver aventuras no mar
não foram frustradas, afinal. Livesey fez apenas uma pergunta ao recrutador:
“Quando serei enviado em missão?” “Amanhã!”, vociferou o homem. Livesey se
alistou no local, mas não foi enviado em missão no dia seguinte como
prometido. Precisou esperar uma semana até ir para o campo de treinamento de
recrutas em Mayport, Flórida, que era o lar de uma das maiores concentrações da
frota naval dos Estados Unidos. Livesey seguira a rotina no campo de
treinamento de recrutas contando os dias, até que saíra ao mar. Passara os quatro
anos seguintes servindo em guarda-costas e quebra-gelos da Guarda Costeira ao
redor dos Estados Unidos e em Newfoundland, antes de encontrar seu caminho
em um barco de patrulha na estação de New Bedford, em frente ao porto de sua
cidade natal. Ele deixaria a Guarda Costeira brevemente, em 1951, depois que
seu período de alistamento acabou, e tentaria primeiro trabalhar na construção de
estradas e também em algumas indústrias de peixe. O salário era melhor, mas o
trabalho não tinha a emoção que ele havia experimentado na Guarda Costeira, de
modo que se alistou novamente. Assim, lá estava ele, mais uma vez, puxando
barcos de pesca para suas amarras naquela manhã brutal de segunda-feira, em
meados de fevereiro.
Quando concluíram o trabalho, Webber, Livesey e Gouthro amarraram a
lancha de salvamento e, em seguida, pularam na canoa e voltaram para a costa.
Os homens estavam exaustos, com fome e frio, e mal podiam esperar para voltar
à Estação de Resgate de Chatham, fazer uma refeição quente e trocar de roupa. A
água gelada do mar havia passado através das roupas de chuva diretamente para
seus ossos doloridos. Livesey e Gouthro usavam finos macacões de lona
emborrachada e jaquetas até a cintura do mesmo material. Webber vestia uma
calça de algodão até os joelhos e uma parca com capuz de pele. Eram todas
remanescentes da Segunda Guerra Mundial e não ofereciam mais proteção
contra o clima implacável do inverno. Gouthro tremia por causa do frio e da
gripe. Ele e Livesey tentavam manter as mãos quentes em luvas de lã que
haviam mergulhado em água salgada e torcido antes de colocá-las, na tentativa
de ajudar na circulação e evitar a fadiga. Era uma prática comum entre os
marinheiros: o calor do corpo propiciava mais calor. Webber simplesmente
enfiava as mãos nuas e geladas nos bolsos de seu casaco. Ele não podia usar
luvas em um dia como esse, porque precisava sentir o leme, a alavanca da
embreagem e o acelerador dos barcos que ajudara a guiar de volta às amarras.
Quando os homens cansados pararam no píer de pesca de Chatham para analisar
seu trabalho, um caminhão da Guarda Costeira estacionou ao lado.
“Voltem para Orleans e Nauset Beach”, gritou o motorista. “Houve um
naufrágio no mar e eles precisam de ajuda.” A confirmação em terra da situação
do Pendleton havia sido dada por uma mulher que vivia na entrada de Nauset.
Ela ouvira a buzina do navio tocar sete vezes mar adentro e imediatamente ligara
para o chefe de polícia de Orleans, John Higgins, que, em seguida, informara a
Estação de Resgate de Nauset sobre o problema.
Webber e equipe foram instruídos a se juntar ao grupo da Estação Nauset em
seu veículo anfíbio (dukw) para tentar localizar o petroleiro e prestar socorro, se
possível. O Duck, como era chamado, era um caminhão anfíbio com tração nas
seis rodas, desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente
usado durante a invasão aliada da Normandia, no Dia D. dukw é o código do
equipamento militar que representa as características do veículo: D significa
1942, ano em que o veículo foi fabricado, U reflete suas qualidades anfíbias, K
se refere à capacidade de tração dianteira, e W à tração traseira dupla. E agora,
usado pela Guarda Costeira em Nauset Beach, o Duck era o veículo perfeito para
transportar os guardas costeiros sobre a areia e a água, enquanto caçavam o
Pendleton à deriva. Contudo, primeiro, Webber e sua equipe tinham de chegar a
Orleans.
Por estradas acidentadas cobertas de neve grossa, o caminho pelo braço de
Cape Cod na Route 28 rumo a Orleans foi tensa para os três guardas costeiros.
Sob a neve descansava uma camada de gelo; o caminhão Dodge era forçado a
avançar devagar pela estrada sinuosa. Felizmente, o aquecimento interno
funcionava; mas o conforto só fez Webber pensar em seu amigo, Donald Bangs,
que estava ali fora, no oceano gelado, esperançosamente ainda vivo.
Webber, Livesey e Gouthro, por fim, chegaram a Orleans e foram recebidos
por Roy Piggott e o resto da equipe da Estação de Resgate de Nauset. Os homens
se amontoaram em um dukw e seguiram para Nauset Beach, onde estacionaram
em uma colina, perto de Mayo’s Duck Farm, na época a principal fornecedora de
aves para os seis estados da Nova Inglaterra. As aves se esconderam em
segurança em suas casinhas, enquanto os guardas costeiros ocuparam a colina
em busca de algum sinal de um navio na tempestade ofuscante. Em qualquer
outro momento, a colina teria servido como o local perfeito para escrutar os
quilômetros de costa. Contudo, o alto poleiro não oferecia nenhuma ajuda nesse
dia, porque a linha litorânea havia praticamente desaparecido. O mar corria para
a praia, em frente ao estacionamento e até o meio da colina. No entanto, depois
de alguns instantes a neve diminuiu brevemente e os homens conseguiram
detectar um volume cinzento, um objeto mais escuro que o oceano, rolando pelas
ondas gigantescas. Era metade de um navio, derivando rapidamente em direção
ao sul, para Chatham. Eles sabiam que não havia nenhuma maneira de o dukw
conseguir pegá-lo naquele momento.
A Guarda Costeira emitiu uma diretriz para todos os navios que participavam
da operação de resgate do Fort Mercer. O alerta foi classificado como
imediatamente operacional e impresso em negrito.
Indicação definitiva de que petroleiro pendleton partiu-se ao meio — popa nas ondas para
chatham; proa derivando perto farol pollock rip — nenhuma indicação prévia relativa a
acidente para pendleton — pendleton devia estar em boston ontem e não chegou — isso
somado ao fort mercer.

Na Estação de Resgate de Chatham, o clima desagradável havia mantido o


engenheiro Andy “Fitz” Fitzgerald dentro do calor relativo do “barracão do
motor Mack”. O engenheiro, de 20 anos, era o mais jovem membro da Guarda
Costeira na estação. Fitz não nascera para o mar, e, na verdade, não sabia nadar
muito bem até entrar na Corporação. Havia nascido em 1931, na então chamada
capital mundial de calçados, Brockton, Massachusetts. A cidade ganhara esse
apelido durante a Guerra Civil, quando as encomendas, feitas pelo governo, de
calçados para o exército transformaram Brockton na maior produtora do artigo
do país. Em 1929, Brockton abrigava sessenta fábricas de calçados, que
empregavam mais de trinta mil trabalhadores. Um desses empregados era o pai
de Fitzgerald, que trabalhara em duas fábricas de calçados antes de desarraigar
sua família e se mudar para Blackstone Valley e arranjar um trabalho melhor em
uma fábrica têxtil, em Whitinsville. Ao contrário de seu colega, Richard Livesey,
Fitz não vivera cercado pelos fantasmas da Revolução Americana durante a
infância. A cidade de Whitinsville havia sido estabelecida por quacres, cujas
influências pacifistas os impediam de participar ativamente na luta pela
independência. Contudo, houve muita luta para o jovem Andy Fitzgerald. Como
defensor abaixo do tamanho ideal, o adolescente de 63 quilos se iniciou no
futebol na Northbridge High School, onde também jogou basquete e beisebol. O
final dos anos 1940 foi uma época sombria em Blackstone Valley. As poderosas
usinas ao longo do rio Blackstone, que haviam dado sangue vital para a
Revolução Industrial no século xix, estavam morrendo. Quando Fitzgerald
terminou o Ensino Médio, não tinha dinheiro para a faculdade nem perspectivas
de futuro em Whitinsville, por isso ele e um amigo foram de carona até a estação
de trem local, seguiram até Boston e ingressaram na Guarda Costeira.
Parte do dever de Fitzgerald, pelas manhãs, em Chatham era conduzir para
fora da estação três embarcações: o barco patrulha de 38 pés e as duas lanchas
salva-vidas de 36 pés, a cg36383 e a cg36500, as “velhas 36”, como as
chamavam. Fitz devia se certificar de que cada barco estava abastecido de
combustível e também ligar os motores e dar uma boa corrida antes de retornar à
costa. Nessa manhã, o novo comandante da Estação de Chatham, Daniel W.
Cluff, ordenara a Fitzgerald que não saísse. A tempestade estava forte demais
para arriscar-se enviando ao mar o jovem engenheiro em um minúsculo barco a
remo.

O final da tarde foi dando lugar à escuridão da noite, enquanto Bernie Webber
e sua equipe, exaustos, dirigiam o caminhão Dodge do sul de Nauset Beach para
a Estação de Chatham. Webber precisava informar ao contramestre Cluff que a
popa do Pendleton estava se deslocando depressa. Ele encontrou seu chefe
andando de um lado para o outro, tentando decidir o melhor modo de agir. Essa
era a primeira grande emergência de Cluff como subtenente na estação de
Chatham, e alguns guardas costeiros se perguntavam se ele estaria à altura do
desafio. Daniel Cluff era natural de Chincoteague, uma pequena vila de
pescadores na costa oriental da Virgínia e lar do famoso evento Chincoteague
Pony Swim. O comandante não participava muito do trabalho com os barcos na
estação; achava que primeiro precisava conhecer os líderes empresariais da
cidade.
Cluff chamou Webber com seu sotaque sulista e disse: “Webber, escolha uma
tripulação. Você tem de pegar a 36500, atravessar aquela barra arenosa e ajudar
aquele navio, está me ouvindo?”.
Webber sentiu um nó no estômago. Ele podia se imaginar atravessando com o
pequeno barco de resgate de madeira o perigoso Chatham Bar e avançando em
alto-mar; era o pior pesadelo de um marinheiro. O Chatham Bar é uma ilha-
barreira, uma coleção de barras de areia em constante mudança, com correntes
transbordantes que transportam ondas que podem destroçar pequenas
embarcações em segundos. Formadas nas profundezas do oceano, as ondas
acabam correndo em direção à barra, ganhando força, velocidade e tamanho em
águas mais rasas, onde se enrolam formando vagas assustadoras. Isso quando o
tempo está bom. Naquela situação, o perigo era dez vezes maior. Webber já
havia visto barcos de pesca com para-brisas estilhaçados e cabines rasgadas
como resultado de um encontro violento com o Chatham Bar. E também coisa
pior. Da primeira vez que Webber vira a morte no Chatham Bar fora em um
acidente com o Cachalot, um barco de pesca para dois homens, de quarenta pés,
que tentara atravessar a ilha-barreira em uma tarde ensolarada de outono, em
1950. Escondida nesses belos cenários havia uma onda irada que continuava
batendo na costa. Quando o barco de pesca bateu na barra de areia, foi pego por
uma onda de quebra que o fez dobrar ao meio. Quando, por fim, o barco deu em
uma praia nas proximidades, de cabeça para baixo, não havia sobreviventes.
Webber conseguiu recuperar o corpo de um pescador, Elroy Larkin; o corpo de
seu parceiro, Archie Nickerson, nunca foi encontrado. Richard Livesey também
participou da busca. Ele não sabia disso na época, mas estava à procura do pai de
sua futura esposa. Quatro anos mais tarde, Livesey se casaria com a filha de
Archie Nickerson, Beverly.
As imagens daquele dia fatídico queimavam na memória de Bernie quando ele
recebeu as ordens de Cluff; imediatamente ele pensou no lema oficial da Guarda
Costeira: Semper Paratus, sempre pronto, em latim. Contudo, era o lema não
oficial da Guarda Costeira que pesava em sua mente: Você tem de ir, mas não
tem de voltar. “Certo, Mr. Cluff”, respondeu Webber. “Vou me preparar.” Em
particular, ele se perguntava por que fora escolhido para essa missão perigosa se
havia oficiais igualmente experientes de plantão. No entanto, aceitou o desafio
sem hesitação. Ele precisava de alguns homens de pensamento similar para
seguir sua liderança. “Quem vai comigo?”, perguntou, em voz alta. O convite era
apenas uma cortesia. “Na Guarda Costeira, você pode perguntar primeiro, mas se
a resposta não for imediata, diga: ‘Você, você e você!’”, recordaria Webber, mais
tarde.
Richard Livesey estava mais que um pouco preocupado. Ele vira as poderosas
ondas que quebravam sobre North Beach e sabia que seria uma missão horrenda.
Ainda assim, lutou contra o medo, a fadiga e o frio que atravessava seu corpo e
levantou a mão. “Bernie, eu vou com você”, disse. Em seguida, Webber voltou-
se para seu velho amigo, Mel Gouthro, um dos engenheiros da estação, que
estava deitado em uma cama dobrável, queimando de febre, em decorrência da
mesma cepa de gripe que mantinha a esposa de Webber na cama. Andy
Fitzgerald também estava na sala e disse: “Mel está doente, eu vou”. Fitz andara
lutando contra o tédio durante o dia todo e estava ansioso para ser voluntário. A
tripulação ainda precisava de um quarto homem. Ervin Maske estava à toa no
refeitório quando ouviu o chamado de Webber. Ele era convidado na estação e
poderia facilmente ter dito não. Maske, de 23 anos, nativo de Marinette,
Wisconsin, uma cidade madeireira às margens de Green Bay, era membro do
navio-farol Stonehorse e havia acabado de voltar de licença. Estava esperando o
transporte para voltar a seu navio, atracado a cerca de uma hora da ponta sudeste
de Monomoy Point. Ervin era o mais novo de treze filhos nascidos de Albert e
Bertha Maske, que administravam uma grande fazenda de cavalos e gado, em
Marinette. Seus irmãos mais velhos foram para o serviço militar em um
momento ou outro, mas Ervin decidira seguir seu irmão Clarence — chamado de
“Honey Boy” pela família — para a Guarda Costeira. Como Webber, Maske
também tinha uma esposa que esperava por ele em casa. Ele era recém-casado
com Florence Silverman, que conhecera em um salão de dança, no Brooklyn.
Ervin Maske tinha muito a perder e pouco a ganhar nessa operação, com uma
tripulação que ele nunca havia visto antes, mas se ofereceu para a missão de
resgate sem hesitar um segundo sequer. Webber apertou a mão de Maske e
mandou-o se preparar.
A tripulação de quatro pessoas estava pronta e disposta, porém ela seria
capaz? Webber, com apenas 24 anos, era o mais velho do grupo e o mais
experiente. Os outros tinham 20 e poucos anos, e Andy, aos 20 anos, estava na
Guarda Costeira havia dois anos e acabara de se formar técnico de motores. Ele
nunca participara de um resgate, mas ouvira falar das dificuldades de atravessar
o Chatham Bar em alto-mar. O maior susto na carreira de Fitzgerald havia
acontecido logo após o campo de treinamento de recrutas, quando ele fora
designado a um navio-farol ancorado na ilha de Cuttyhunk. Andy acordou com o
barulho assustador das correntes da âncora estalando e se partindo. Enquanto a
tripulação corria, o navio-farol começou a derivar perigosamente próximo às
rochas. Depois de alguns minutos frenéticos, a tripulação conseguiu ligar os
motores antes que batessem na costa rochosa. O técnico esperava que sua falta
de experiência não fosse prejudicial para a tripulação. Embora não conhecesse
Bernie muito bem pessoalmente — Bernie era mais velho e casado —, Andy
havia saído na 36500 com ele durante o trabalho de rotina e notado como o
capitão levara o barco habilmente sobre o Chatham Bar. Se Andy precisasse
escolher qualquer homem da estação para atravessar com o barco de salvamento
a barra de areia e as águas circundantes durante uma tempestade, teria escolhido
Bernie. Contudo, aquela não era uma tempestade comum. Andy ouvira os
diversos relatórios da rádio marinha que falavam de ondas inimagináveis de
mais de dezoito metros.
Maske, Webber, Fitzgerald e Livesey nunca haviam treinado juntos e, de fato,
os três homens de Chatham sequer conheciam Maske até aquele dia. No entanto,
o quarteto tinha tantas semelhanças quanto diferenças. Todos estavam em ótima
forma física e haviam entrado na Guarda Costeira para salvar vidas, e agora
tinham uma chance. Webber era o mais alto dos homens, com 1,89 metro,
compleição esguia e uma atitude reservada. Livesey, com cerca de dez
centímetros a menos de altura, era animado e tinha senso de humor. Sua calma,
porém, só ia até aí. Livesey havia ganhado o apelido de “Touro da Manada”, por
sua capacidade de assumir a liderança e distribuir ordens aos outros homens.
Andy, com 1,83 metro, tinha um sorriso pronto e fazia amigos por onde passava.
Maske, o menor do grupo, era um jovem modesto, relativamente calmo, mas
com energia — poucos homens colocam sua vida em risco se oferecendo para
entrar em um turbilhão com três estranhos. Os quatro se sentiam dominados pelo
medo ao pensar no mar tempestuoso, embora carregassem a determinação de
manter a ansiedade sob controle e fazer o que tinha de ser feito.
capítulo 6
Chatham Bar

Com grande trepidação, Webber, Livesey, Fitzgerald e Maske partiram da


Estação de Resgate de Chatham e se dirigiram ao Fish Pier. Webber estacionou o
caminhão Dodge e desceu na neve. Através dos flocos de neve espessa a equipe
mal podia ver o pequeno bote salva-vidas de madeira que ia pegar para a
jornada, balançando violentamente para a frente e para trás, a distância. Os
guardas costeiros foram até a lateral do cais e desceram uma escada para um
pequeno douro. Estavam preparando-o para sair quando Webber ouviu uma voz
chamar no cais acima. “É melhor vocês se perderem antes de chegarem muito
longe”, gritou um pescador local, John Stello. Era sua maneira de dizer:
“Desistam enquanto ainda é tempo”. Stello era capitão do Jeanie S. —
homenagem a sua esposa — e conhecido no negócio como high-liner, termo que
se refere a um barco tão bem-sucedido que fica pesado de tanto peixe, tornando
sua linha d’água alta. Ele havia sido um dos muitos pescadores de Chatham
forçados a permanecer em terra até que a feroz tempestade se afastasse. Stello e
Webber haviam se tornado amigos íntimos, nos últimos dois anos. Eles moravam
um em frente ao outro, em Sea View Street. “Ligue para Miriam e siga a ela o
que está acontecendo”, gritou Webber, de volta. Bernie não falava com a esposa
havia dois dias. Pensou nela em sua casa, na cama, doente, e sentiu o coração se
apertar. Webber olhou para os outros três homens no douro e se perguntou como
se sairiam nas horas seguintes. Tornou a lembrar-se da esposa e se questionou
como seria para ela se ele não voltasse. Bernie pôde encarar arriscar a própria
vida em uma missão que parecia ser suicida, mas uma onda de emoção o
dominou quando pensou na vida que havia começado a construir com Miriam.
O relacionamento de Bernie e Miriam exigira grande persistência,
especialmente da parte dela. Era um caso de amor que havia começado por
telefone, dois anos antes, em 1950. Webber e dois amigos tinham ido até
Provincetown em seu Plymouth sedã 1939, de duas portas, para um encontro
com três meninas de lá. Webber chegou até Orleans quando o carro de repente
quebrou. Precisou andar até encontrar um telefone público e ligar para a moça
com quem ia se encontrar para explicar o ocorrido. Era o fim de sua noite na
cidade e Webber teve de rebocar o velho Plymouth de volta para Chatham. A
possibilidade de romance parecia fora de alcance, então. Algumas noites depois,
uma jovem ligaria para a Estação de Resgate de Chatham procurando um
cavalheiro chamado Webb. A mulher tinha o nome errado, mas encontrou o
homem certo. Bernie pegou o telefone e começou a conversar com a jovem
misteriosa, que não lhe dissera seu nome nem nada sobre si mesma. Ela
alegremente contara que já o havia visto antes e que sabia quem ele era. O jogo
duraria por várias conversas telefônicas mais, e a curiosidade de Webber só
crescia. Durante suas longas conversas ao telefone, ele achava estranho que ela o
interrompia constantemente. “Espere um segundo”, dizia ela, antes de abandonar
a linha por alguns momentos. O mistério foi resolvido quando a mulher
finalmente disse a Webber que era operadora de telefonia na cidade vizinha de
Wellfleet. Na verdade, ela havia sido a operadora que completara o telefonema
de Webber a sua namorada na noite em que seu carro quebrara a caminho de
Provincetown. “Com o passar do tempo, descobri que ela também era loira e,
aparentemente, tinha outras características que despertaram meu interesse”,
escreveu Webber em sua autobiografia, em 1985, Chatham: the lifeboatmen.
Bernie pediu o telefone da garota, mas, para sua surpresa, ela negou. Isso
aconteceria diversas vezes, até que Webber, frustrado, deu-lhe um ultimato: “Ou
nós nos encontramos”, disse, “ou não me ligue mais”.
A mulher misteriosa finalmente cederia, sob a condição de que fosse um
encontro duplo. Webber e seu amigo, Mel Gouthro, foram com o Plymouth até a
farmácia de Bob Murray, em Main Street, Wellfleet. Era uma noite fria de
janeiro, mas Bernie suava de ansiedade. Ele entrou na farmácia e viu duas
moças, uma atrás do balcão e outra sentada em um banquinho. Nenhuma das
duas se encaixava na descrição de sua mulher misteriosa. Perguntou à moça atrás
do balcão se havia visto uma garota chamada Miriam. A mulher apontou para
uma cabine telefônica na extremidade da loja. Webber ficou em silêncio,
enquanto a porta da cabine se abria para dentro e de lá saía a desconhecida com
quem teria seu encontro às escuras. Miriam usava um grande casaco de pele que
podia esconder seu corpo, mas não sua beleza. O robusto Webber ficaria
maravilhado. O primeiro encontro levou a alguns beijos, e o segundo a conhecer
os pais dela, Otto e Olga Pentinen, cordiais finlandeses que imigraram para os
Estados Unidos, alguns anos antes. O romance-relâmpago daria um grande passo
à frente apenas dois meses depois, quando o casal estava no velho Plymouth,
estacionado em Nauset Beach. “Quer se casar comigo?”, perguntaria Miriam a
um Bernie assustado. Webber claramente foi pego de surpresa. A única resposta
que lhe veio à cabeça foi “Não”, exatamente o que acabou deixando escapar.
Destemida, Miriam disse: “Muito bem, então me leve para casa”. Atordoado,
Webber começou a voltar para a casa dos pais dela. Ele parou na calçada da casa
de estilo Cape Cod e clareou as ideias. Sabia que a amava e que não queria
perdê-la. Webber estacionou o carro e se voltou para Miriam: “Tudo bem”, disse.
“Tudo bem?”, ela perguntou. “Tudo bem, vou me casar com você.” Ele fez uma
pausa, esperando que ela pulasse em seus braços. Em vez disso, ela perguntou:
“Quando?”. Webber, realmente confuso, disse a Miriam que marcasse a data.
“Em 16 de julho”, responderia ela de pronto.
O casamento ocorreria em 16 de julho de 1950, na casa da família Webber, em
Milton, Massachusetts. O pai de Bernie, reverendo A. Bernard Webber, realizou
a cerimônia. Os recém-casados se mudaram para um pequeno apartamento no
último andar de um edifício, ao lado de uma fábrica de cortinas, em Wellfleet.
Bernie mal veria sua esposa durante os primeiros meses de casados. Ele passava
dez dias seguidos na estação de salvamento e só dois em casa. O casal percebeu
quase de imediato que isso teria de mudar. Mais tarde, eles se mudaram para
uma casa espaçosa, perto da Estação de Resgate Chatham, pois Bernie poderia se
esgueirar para casa com mais frequência e passar mais tempo com Miriam. A
Guarda Costeira não pagava o suficiente para que o jovem casal pudesse viver,
de modo que Miriam arranjou um emprego na First National Store para ajudar a
pagar as contas. O casal havia construído uma vida juntos em Chatham e Bernie
Webber tinha muito a agradecer. Contudo, sua felicidade conjugal estava ligada a
um trabalho perigoso, e isso tinha um preço.
Enquanto a tripulação remava para o porto, Webber avaliou a cg36500, que
parecia olhar para ele na distância. Muito se esperava daquele barco de
salvamento de madeira. A vida de seus três tripulantes, a de quem ainda
estivesse vivo na popa do Pendleton e a dos futuros filhos que pretendia ter com
Miriam dependiam da cg36500. Está pronta para o desafio, minha velha?,
pensou. Igual a todos os barcos de salvamento em forma e tamanho, a 36500
havia sido construída no estaleiro da Guarda Costeira em Curtis Bay, Maryland.
O estaleiro produzira 138 barcos de 1937 a 1956. A lancha estacionada em
Chatham fora construída em 1946; tinha apenas cinco anos e estava no auge.
Tinha 36 pés e oito polegadas de comprimento, boca máxima de dez pés e calado
de três pés. O barco pesava sólidas nove toneladas e podia se desvirar e drenar a
água sozinha, graças a sua quilha de bronze de uma tonelada. A embarcação de
duas extremidades havia sido projetada para suportar praticamente qualquer
coisa que a Mãe Natureza pusesse em seu caminho, mas Bernie imaginava se
seus construtores haviam contemplado a possibilidade de um furacão de inverno
como o que agora açoitava a costa da Nova Inglaterra.

As embarcações de salvamento haviam evoluído muito desde sua criação, em


1790, em South Shields, Inglaterra. Um ex-aprendiz de carpintaria e construção
naval, chamado Henry Greathead, projetara o primeiro barco de salvamento de
trinta pés com seis pares de remos, o que exigia doze remadores. A embarcação
não tinha leme; em vez disso, trazia um longo remo direcional que podia ser
acionado da direita para a esquerda. A invenção de Greathead nascera de uma
grande tragédia. Em 1789, o navio Adventure encalhara em Herd Sands, um
perigoso banco de areia além de Tynermouth, Inglaterra, perto da casa de
Greathead, em South Shields. Embora o navio pudesse ser visto da praia, todos
os tripulantes morreram, porque não havia barcos adequados para fazer um
resgate bem-sucedido na arrebentação. Após o desastre, as autoridades britânicas
ofereceram uma recompensa para o melhor design de bote salva-vidas, e a
invenção de Greathead venceu a competição. O design do barco continuou
evoluindo ao longo do tempo e, cem anos depois, a embarcação salva-vidas
padrão era uma Ryder de 35 pés que carregava uma tripulação de três homens e
dez remadores. As embarcações de salvamento começaram a aparecer nos
Estados Unidos por volta de 1851, quando voluntários remaram surfboats de 26
a trinta pés em missões de salvamento de marinheiros encalhados. A primeira
embarcação motorizada chegou em 1899, quando os homens da estação da
Marquette Life Saving, no lago Superior, acoplaram um motor a gás em um
barco de salvamento de 34 pés. Em 1908, botes salva-vidas de 36 pés estavam a
serviço em postos de todos os Estados Unidos, incluindo cinco em
Massachusetts: em Gloucester, Hull, Provincetown, Cuttyhunk e Monomoy, em
Chatham. Em 1952, o design do barco havia sido aprimorado, mais uma vez. A
versão mais recente era a do barco de salvamento motorizado h-Series, projetado
com um casco duplo e o compartimento do motor fechado a meia-nau, chamado
Modelo t.
Webber e sua tripulação finalmente chegaram à cg36500 e subiram a bordo.
Amarraram na boia o douro, um barquinho usado para transportar tripulantes ao
navio maior, e seguiram rumo à árdua jornada pela frente. Webber, Fitzgerald e
Livesey estavam familiarizados com a cg36500. Livesey a havia conduzido ida e
volta algumas vezes para abastecer os navios-faróis Pollock Rip e Stonehorse, a
cerca de uma milha (1,6 quilômetro) da costa. Ainda assim, Livesey sabia quem
era o chefe, e pôs-se de lado quando Webber assumiu sua posição na cabine do
timoneiro. A tripulação partiu do píer de pesca de Chatham, às 17h55. O céu
havia ido de cinza-carvão a preto-piche. As luzes em terra iam diminuindo,
conforme os quatro homens seguiam caminho, atravessando o porto de Chatham.
A tripulação podia ver as ondas que quebravam em North Beach. Cada homem
avaliava as possibilidades que tinham de passar pelo Chatham Bar. Webber
amarrou uma longa cinta de couro em sua cintura e a prendeu à cabine. A
cg36500 virou no canal, onde os homens encontraram o feixe de varredura do
Farol de Chatham. A distância, Webber podia ver as luzes brilhantes e ofuscantes
do edifício principal. O que está acontecendo lá dentro?, pensou. Por um
momento, rezou para receber uma chamada pelo rádio ordenando-lhe que
voltasse atrás. Webber pegou o rádio e chamou a estação, dando informações
atualizadas a Cluff e esperando uma mudança nas ordens. “Prosseguir conforme
instruções”, respondeu Cluff, com seu sotaque da Virgínia. Webber e sua equipe
seguiram em frente. Já estavam lutando contra o frio intenso; seus pés cansados
pareciam blocos de gelo dentro de suas galochas de borracha afiveladas.
Chegando ao fim do porto de Chatham, os homens ouviram os rugidos na barra
de areia, onde as ondas que quebravam criavam hectares de espuma branco-
amarelada. Não vai ser uma boa viagem, pensou Richard Livesey consigo. À
medida que o barulho tumultuoso na barra de areia ia ficando mais alto, Livesey
tinha a nítida sensação de que estava passando seus últimos minutos na Terra e
esperava morrer quando a 36500 batesse no Chatham Bar. Andy Fitzgerald, que
controlava o holofote montado na frente do compartimento em forma de casco
de tartaruga, também sentiu medo quando o bramido torturante das ondas se
tornou maior. Ele depositava sua fé na experiência de Bernie e na construção da
36500, que sempre lhe parecera como um tanque flutuante: lento, mas muito
navegável, em qualquer tempo. Nesse momento, o pequeno tanque era a única
coisa que se interpunha entre ele e o oceano gelado.
Quando foram se aproximando, o holofote iluminou parcialmente os baixios
da barra de areia e os quatro homens tiveram um vislumbre do que tinham à
frente. Webber não podia acreditar na altura das ondas e em como seu barco
parecia menor que nunca. Assustado e quase morrendo de frio, viu-se forçado a
tomar uma decisão que poderia muito bem custar a vida de seus tripulantes.
Volto? Sigo em frente? O que faço agora? Bernie sabia que não seria criticado
por voltar atrás. Por que aumentar a tragédia enviando mais quatro homens para
a morte, no Chatham Bar? Em conflito, voltou seus pensamentos para os homens
que estava tentando salvar. Em sua mente, Bernie imaginou a tripulação do
Pendleton presa dentro do caixão de aço gigante. Webber compreendeu que ele e
sua equipe eram sua única esperança.

Os pensamentos de Webber voltaram para dois anos antes e outra tentativa de


resgate feita em condições igualmente perigosas. Ficara tão assombrado pela
tragédia que quase podia ver o rosto daqueles homens esquecidos na crista de
cada onda crescente. Como a tripulação do Pendleton, a equipe do pesqueiro
William J. Landry, de New Bedford, também havia ficado presa em uma terrível
tempestade Nor’easter que ocorrera no início da primavera de 1950, mostrando
que o inverno não tinha a intenção de liberar a Nova Inglaterra de suas garras. A
neve pesada caía como uma cortina sobre Cape Cod, acumulando-se até a altura
de vinte centímetros em algumas áreas, e a ira da tempestade era agravada ainda
mais por ventos de mais de cem quilômetros por hora e o mar agitado. O
William J. Landry, que recentemente havia gastado 40 mil dólares em reparos,
fora inundado pelas águas quando tentava contornar Monomoy, em direção a
Nantucket Sound. A tripulação trabalhara febrilmente, tirando baldes de água do
mar pela amurada do pesqueiro de arrasto de casco de madeira. Durante a
tormenta, o capitão Arne Hansen conseguira enviar um pedido de socorro, que
fora recebido pelo navio-farol Pollock Rip e retransmitido para a Estação de
Resgate de Chatham.
Um plano de resgate foi rapidamente traçado; exigiria as habilidades e a
coragem da tripulação do navio-farol e dos guardas costeiros em terra. A
estratégia contemplava dois cenários prováveis. Se o pesqueiro de arrasto que
estava naufragando conseguisse chegar ao navio-farol, a tripulação do Pollock
Rip mandaria uma sirga para amarrar o navio, prendendo o cabo nas duas proas.
Em seguida, a equipe lançaria bombas portáteis na esperança de controlar a
inundação. Ao mesmo tempo, a Estação de Chatham enviaria uma equipe na
lancha de salvamento para levar os homens de volta à costa ou para ajudar o
Landry, se o pesqueiro de arrasto não conseguisse chegar ao farol. O plano
parecia simples, até que o destino interveio. A tripulação do Pollock Rip estava
com muita dificuldade de realizar sua tarefa, visto que o navio-farol rolava e
puxava constantemente no vendaval furioso. Um homem quase fora jogado ao
mar durante a tentativa de tirar a sirga no convés externo do navio-farol. O
desafio era o mesmo para os homens em Chatham. Bernie Webber fazia parte de
uma equipe de quatro homens liderados pelo marinheiro veterano Frank
Masachi, então contramestre chefe da Estação de Chatham. Eles receberam a
ordem de pegar a lancha de salvamento 36383, que estava atracada no porto de
Stage, mas só chegar até a embarcação mostrara-se uma luta de vida ou morte. O
normalmente tranquilo porto de Stage estava coberto por um manto de espuma
ameaçadora, nítido aviso para que os homens sensatos ficassem em terra.
Webber e os outros dotaram o pequeno douro de cavilhas para fixar os remos
e o arrastaram para a beira d’água. Empurraram o barco e, em seguida,
ajudaram-se a entrar a bordo. Webber e Gouthro pegaram os remos e começaram
a batalha contra o mar turbulento, enquanto Masachi e Ballerini tentavam se
acalmar no barco. O pequeno douro começara a encher quase imediatamente,
conforme se esforçava para chegar à cg36383. Teria sido muito mais fácil se
houvessem escolhido a cg36500 para a missão, porque o barco estava atracado
no porto velho e mais perto de seu destino final, mas os superiores de Webber
achavam que a 36383 teria mais condições de navegar naquela poderosa
tempestade. No entanto, a cg36383 não teria chance de provar sua suposta
superioridade sobre a cg36500. O douro viraria, jogando Webber e os outros na
água de gelar os ossos antes que pudessem alcançar a lancha de salvamento. Os
homens foram atingidos pelo choque repentino do oceano gelado, mas o pânico
inicial logo diminuiu quando seu treinamento instintivamente falou mais alto. Os
guardas costeiros se livraram de suas botas pesadas e se seguraram na parte
inferior do barco virado. Graças ao treinamento, sabiam que nadar seria inútil
naquelas condições brutais, porque esse tipo de esforço físico faria o corpo
perder calor com muito mais rapidez que ficando parado. A equipe montara as
ondas de volta à costa quando o douro encalhara na ilha de Morris, em frente ao
porto de Stage. Webber e outros homens esperavam encontrar refúgio em uma
velha garagem de barcos, mas, lutando contra a dormência e o frio que lhe subia
pelas pernas, Frank Masachi se recusara a desistir da missão. Masachi era um
homem que inspirava o respeito de Bernie Webber, o mais jovem guarda
costeiro. Ele ordenara a seus homens que voltassem ao douro de dezenove pés,
encontrassem os remos e retomassem a viagem rumo à cg36383. Seu valente
esforço fora em vão novamente; dessa vez, as cavilhas dos remos estouraram, o
barco emborcou e, de novo, lançou os homens à água gelada. Mais uma vez, os
homens conseguiram voltar à ilha de Morris, onde, por fim, optaram por ficar
aquecidos dentro da garagem de barcos.
A tripulação esfregava braços e pernas doloridos, ligando o velho gerador
Kohler movido a gasolina, enquanto Frank Masachi girava o magneto do
telefone antiquado, conectando-se com o pessoal da Estação de Chatham.
Masachi comunicou sua situação terrível, e foi então que lhe disseram que o
William J. Landry ainda estava à tona, mas com muita água dentro,
aproximando-se do navio-farol Pollock Rip. Dois outros barcos da Guarda
Costeira também se juntavam à operação de resgate: a embarcação guarda-costas
Legare, de 125 pés, e o Hornbeam, navio-balizador de 180 pés. Os barcos
provinham de Buzzards Bay e Woods Hole, respectivamente, a cerca de
cinquenta milhas (oitenta quilômetros) de distância. Naquelas condições brutais,
levaria horas até que qualquer barco chegasse perto do Landry. Contudo, Arne
Hansen e sua tripulação ainda estavam vivos, e essa pontinha de esperança
pareceu energizar Frank Masachi; ele disse a seus homens que fariam uma
terceira tentativa de chegar ao bote salva-vidas. Webber e os demais homens
arranjaram alguns cabos de vassoura e os cortaram para substituir as cavilhas
quebradas. Os homens cansados e congelados andaram com suas pernas
doloridas de volta para a praia e a água gelada. Foram virados de ponta-cabeça
uma terceira vez quando os remos quebraram e a embarcação emborcou,
lançando-os de novo no mar escuro. Eles lutaram mais uma vez para voltar à ilha
de Morris, cientes da dura realidade de que não estariam por muito mais tempo
em condições de ajudar a resgatar a tripulação do Landry. Naquele momento, os
homens de Chatham precisaram resgatar a si mesmos dos elementos naturais que
quase os mataram três vezes.
Masachi guiou seus homens por um canal entre a ilha de Morris e Chatham,
onde a maré estava baixa; pelo menos era o que acreditavam. A água parecia
quente quando a equipe começou sua longa caminhada para atravessar o canal,
mas a forte corrente que pressionava contra suas pernas dormentes quase os
derrubava a cada passo. Os homens prosseguiram; a água foi ficando mais
profunda — muito mais profunda do que eles poderiam ter imaginado. Já cobria
o pescoço de Webber, contornando seu queixo. Ele e Mel Gouthro eram os mais
altos da equipe, de modo que tiveram de enfrentar a tarefa de atravessar Frank
Masachi e Antonio Ballerini. Durante a volta à estação, Masachi ainda se
recusava a admitir a derrota. Para grande desânimo de Webber e dos outros
jovens, Masachi e Alvin E. Newcomb, na época oficial encarregado da Estação
de Chatham, discutiram possíveis planos de usar a cg36500 para chegar ao
Landry. A equipe, exausta, voltara para a estação e se arrastara para a sala de
sentinela, onde foram imediatamente atualizados sobre a situação do Landry. O
rádio captara uma transmissão entre o pesqueiro de arrasto e o navio-farol
Pollock Rip. O capitão do Landry, Arne Hansen, informara que seu navio estava
a aproximadamente meia milha (oitocentos metros) de distância do farol, mas
que a água estava subindo e tomava o navio, apesar dos melhores esforços de
sua equipe. O capitão do navio-farol, Guy Emro, dissera ao capitão do Landry
que sua equipe estaria pronta com a sirga quando o pesqueiro de arrasto chegasse
mais perto. Hansen, que temia que o uso de um cabo de reboque em mar tão
bravio pudesse rasgar seu navio ao meio, percebeu que não tinha mais escolha e
seguira em direção ao navio-farol.
Ainda havia uma chance de salvar os homens. Depois de dar a seus homens
alguns minutos para se aquecer e trocar de roupa, Masachi os enviou a Old
Harbor, onde a cg36500 estava à espera daquela que seria uma quarta tentativa
de resgate. Nesse momento, a tripulação a bordo do navio-farol Pollock Rip
finalmente avistava o Landry. Essa era a boa notícia. A ruim era que a
tempestade estava se intensificando e as ondas ficavam cada vez mais altas.
Enquanto a tripulação do Landry tentava pegar a sirga do navio-farol, uma
poderosa onda fez as embarcações se abalroarem, danificando ainda mais o
pesqueiro de arrasto. Depois de 24 horas lutando pela vida, a tripulação do
Landry estava física e emocionalmente acabada. O capitão anunciou que não
haveria mais tentativas de amarrar o barco ao farol Pollock Rip. Em vez disso, a
tripulação do Landry depositaria suas fracas esperanças nos homens de resgate
marítimo de Chatham. O capitão Emro, do navio-farol, confirmou a escuta da
decisão do capitão Hansen pelo rádio e recebeu uma resposta preocupante. Emro
ouviu as palavras “Ah, meu Deus” e em seguida, mais nada. Uma fração de
segundo depois, o mundo de Emro viraria de cabeça para baixo com a força de
uma onda monstruosa que fez o navio-farol girar completamente. Enquanto
tentava recuperar o rumo, Emro recebeu uma última mensagem do Landry. O
capitão lhe informava que a sala de máquinas estava inundando e que haviam
desistido de lutar. A última onda havia sido um punhal no coração da tripulação.
“Vamos descer para rezar e comer alguma coisa”, relatou o capitão, esgotado.
“Se morrermos aqui, será de estômago cheio. Adeus, e obrigado. Deus abençoe a
todos vocês.” Guy Emro reportaria a notícia à estação de Chatham e depois
observaria as ondas engolirem o William J. Landry inteiro. Os corpos da
tripulação nunca foram encontrados, mas os destroços do pesqueiro condenado,
posteriormente, chegaram à costa de Nantucket.
A tragédia deixara um gosto amargo na boca de Bernie Webber, assim como a
loucura que se seguiu. Oficiais da Guarda Costeira chegaram de Boston para
questionar e criticar todos os envolvidos no resgate fracassado. Se pudessem ter
visto o olhar determinado de Frank Masachi naquela noite, os superiores da
Guarda Costeira teriam sabido que todo o esforço possível fora feito para salvar
os homens do Landry. Frank Masachi havia sido movido por algo além do valor
da coragem humana durante as horas escuras de 7 de abril de 1950.
Nesse momento, menos de dois anos depois, seu protegido enfrentava um
desafio similar, desesperador. Estaria Bernie Webber preparado para levar sua
tripulação ao limite e além, até os homens presos no Pendleton?

Quando olhou para o sinistro Chatham Bar, Bernie Webber teve uma epifania.
Acreditou que a Providência o havia colocado nesse tempo e nesse lugar. Pensou
na vontade de ferro de Frank Masachi e também relembrou os milhares de
sermões que havia ouvido seu pai proferir durante a infância. Todos haviam
servido para prepará-lo para isso. Imaginou a decepção nos olhos de seu pai
quando ele deu as costas para o ministério, em sua juventude sem rumo. O
reverendo Webber queria que seu filho mais novo servisse a Deus. E Bernie
acreditava que estava servindo a Deus nessa noite de tempestade. Mais tarde, ele
recordou a sensação. “Você recebe a força e a coragem e entende qual é seu
dever. Você percebe que tem de tentar um resgate. Isso nasceu em você; é parte
de seu trabalho.”
À medida que o barco de salvamento se dirigia ao desfiladeiro de ondas,
Webber e sua equipe começaram espontaneamente a cantar. Cantavam com uma
combinação de determinação e medo, atravessando a neve e as geladas águas
que espirravam do mar. A voz dos quatro formou uma harmonia que foi
crescendo através dos ventos uivantes. Bernie não poderia imaginar nenhum
hino mais pungente para a situação em que se encontravam.
Rock of Ages, cleft for me,
Let me hide myself in Thee;
Let the water and the blood,
From Thy wounded side which flowed,
Be of Sin the double cure;
Save from wrath and make me pure.

Not the labor of my hands,


Can fulfill Thy law’s demands;
Could my zeal no respite flow;
All for sin could not atone;
Thou must save, and Thou alone.

Nothing in my hand I bring,


Simply to the cross I cling;
Naked, come to Thee I dress;
Helpless look to Thee for grace;
Foul to the fountain fly;
Wash me, Savior, or I die.[a]

O canto foi diminuindo e os homens ficaram em silêncio, enquanto Webber


pilotava a cg36500 rumo ao Chatham Bar. O holofote cortava a neve e as trevas,
e Andy podia ver — e sentir — que as ondas provinham de todas as direções.
Ele se preparou para o abalroamento, que sabia que viria.
Quando chegaram à barra de areia, a pequena embarcação cortou uma
gigantesca onda de quase dezoito metros de altura. Os tripulantes sentiram como
se estivessem dirigindo em alta velocidade para uma imponente parede de
concreto. Uma montanha de água brutalmente fria levantou a cápsula de
madeira, lançando-a no ar como se fosse um brinquedo. Todos os homens
voaram temporariamente.
O barco e os homens desabaram de volta sobre a dura superfície do mar, mas,
de repente, outra onda enorme os atingiu. Dessa vez, uma torrente de água caiu
sobre a tripulação, derrubando-os no convés. A onda violenta quebrou o para-
brisa, lançando fragmentos afiados de vidro no rosto e no cabelo de Webber
quando ele caiu para trás.
A onda havia feito a cg36500 girar completamente e sua proa estava de frente
para a costa. Era a posição mais perigosa para o barco e a tripulação. Webber se
levantou e tentou guiar de volta rumo ao mar antes que novas ondas os pegassem
e os matassem. Tirou cacos de vidro do rosto com uma das mãos e com a outra
segurou firme o volante. Com o para-brisa quebrado, os respingos de água do
mar atravessavam a cabine do timoneiro, bombardeando a carne de Webber e
fazendo arder suas feridas abertas. A neve açoitava seu rosto com tanta força que
ele mal conseguia abrir os olhos. Tentando se orientar, ele olhou para baixo,
onde deveria estar a bússola do barco. No entanto, a bússola — seu único meio
de navegação — havia desaparecido, arrancada de sua estrutura. Bernie teria de
confiar somente em seu instinto agora.
Às cegas, Webber apontou o barco para a próxima onda que se aproximava.
Quando ele foi atingido, Livesey teve a sensação de que o pequeno bote salva-
vidas estava sendo consumido pela parede de água salgada. Podia sentir que o
barco estava inclinado de lado, e, por um segundo nauseante, perguntou-se se ele
conseguiria se endireitar.
A onda libertou o barco de suas garras e Webber, usando toda a sua força,
mais uma vez o endireitou e acelerou, avançando alguns metros preciosos.
Poucos segundos depois, outra onda bateu na embarcação, de novo fazendo-a
inclinar em um ângulo de 45 graus.
Webber conseguiu retomar o controle do barco de salvamento. E então, apesar
do barulho do oceano, todos perceberam que faltava um ruído. O motor havia
morrido, e a próxima onda estava caindo sobre eles.
capítulo 7
Mobilização em Chatham

Onde, afinal, estaria a poesia do mar, se não houvesse ondas


selvagens?
joshua slocum, 1900

Em uma estranha coincidência, a primeira página do jornal The New York Times
de 18 de fevereiro de 1952 trazia um artigo sobre os navios da Segunda Guerra
Mundial, sem nenhuma relação com o drama que se desenrolava na costa de
Chatham. A matéria descrevia como “indivíduos nacionalmente conhecidos”
transformaram um investimento de 100 mil dólares em um lucro de 2,8 milhões
de dólares, comprando e fretando cinco navios da Segunda Guerra Mundial. O
subcomitê de investigações do Senado daria início a audiências públicas
referentes aos petroleiros e à corrupção no governo. No entanto, as maiores
notícias do dia centravam-se na Guerra Fria, nas tensões políticas ao redor do
mundo e na crescente corrida armamentista. A Grã-Bretanha acabara de anunciar
que testaria uma arma atômica em um lugar na Austrália, enquanto comunistas
coreanos que participavam de negociações de trégua exigiam que a União
Soviética fosse uma das partes a policiar o acordo. O general Dwight D.
Eisenhower recebia mais poder da Otan, enquanto França, Inglaterra e Estados
Unidos consideravam um papel para a Alemanha Ocidental na Organização.
Enterrado no fundo do jornal, entre anúncios de cursos de idiomas do Dale
Carnegie e de um novo filme chamado Uma aventura na África, estrelado por
Humphrey Bogart e Katharine Hepburn, havia uma breve menção de uma
tempestade de neve que assolava a Nova Inglaterra. Os dias de mensagens
instantâneas ainda não haviam chegado e, até então, as únicas pessoas bem
informadas acerca do duplo desastre com os petroleiros eram a Guarda Costeira
e os cidadãos de Chatham.
Ed Semprini havia acabado de encerrar um longo dia na cabine de transmissão
da estação de rádio wocb, em Cape Cod. O teletipo havia transmitido em tempo
real uma grande história de Nova York: Willie “The Actor” Sutton havia sido
capturado a poucos quarteirões da sede da polícia no Brooklyn, terminando,
assim, uma caçada de cinco anos ao mais procurado assaltante de bancos dos
Estados Unidos. Sutton havia ganhado seu apelido por causa de sua tendência a
usar disfarces elaborados em muitos de seus roubos. O que fez dessa uma
importante história, na Nova Inglaterra, foi o fato de que o fbi queria interrogar
Sutton sobre o grande assalto ao edifício da Brinks, em Boston, que ainda estava
por resolver. A prisão de Sutton foi uma grande história, mas não maior que a
nevasca que estava causando estragos na região. Semprini passou a maior parte
do dia transmitindo cancelamentos de aulas e as últimas destruições da neve.
Quando, por fim, voltou para casa, naquela noite, recebeu um telefonema de seu
colega jornalista Lou Howes, que trabalhava como correspondente para o Boston
Post. “Nem se dê o trabalho de se sentar para jantar”, aconselhou Howes.
“Temos um petroleiro que afundou em Chatham.” Antes que Semprini pudesse
responder, Howes acrescentou à gravidade da situação: “Não é um petroleiro”,
disse ele, “são dois!”.
Howes disse a Semprini que ia para a Estação de Resgate de Chatham. “Pode
me dar uma carona?”, perguntou Semprini, “eu vou com você”. Semprini
desligou o telefone e, em seguida, ligou para seu engenheiro, Wes Stidstone.
“Pegue seu equipamento e me encontre em Chatham”, disse Semprini. “Acho
que temos uma grande história nas mãos.”
A esposa de Semprini, Bette, ouvira a conversa e viu pela janela a neve forte
iluminada pelas luzes da rua. “Você tem de sair em uma noite dessas?”,
perguntou, com preocupação na voz. Semprini assentiu, cansado, e, em seguida,
colocou o casaco de lã e o chapéu, e se perguntou o que a noite lhe reservaria.
Semprini crescera em Allentown, Pensilvânia, onde trabalhara para um
pequeno jornal semanal, antes de conseguir um emprego de repórter no Cape
Cod Standard Times, em 1940. “Parecia que estava em outro planeta”, disse ele,
sobre a mudança das usinas de aço de Allentown para os pântanos de oxicoco de
Cape Cod. Hotéis exóticos se alinhavam nas estradas cercadas de dunas ao redor
de Cape Cod, enquanto lojas bregas chamavam a atenção dos turistas que
passavam pela movimentada Route 28, a principal estrada de Bourne, na ponta
de Provincetown. Cape Cod era o playground de verão para os trabalhadores,
bem como para a nata da sociedade. Em nenhum lugar isso era mais aparente
que em Chatham, onde pequenos hotéis à beira-mar partilhavam a vista para o
mar com uma joia dourada, chamada Chatham Bar Inn. Inaugurado em 1914, o
hotel, com seu longo pórtico que oferecia uma vista panorâmica de Pleasant Bay,
atendia a algumas das famílias mais proeminentes dos Estados Unidos: famílias
de nomes como Rockefeller, Morgenthau e Ford. O luxuoso hotel também
servira como refúgio para a família real holandesa, enquanto estava no exílio,
durante a Segunda Guerra Mundial.
Ed Semprini mal tivera tempo de molhar os pés em Cape Cod quando, em
março de 1941, fora convocado para lutar na Segunda Guerra Mundial. Ele
serviria no Exército dos Estados Unidos por cinco anos, no China-Burma-India
Theater, antes de retornar a seu lar adotivo. Durante os anos seguintes, Semprini
ficaria indo e vindo entre Cape Cod e Pensilvânia, onde trabalharia brevemente
em um jornal diário, até se estabelecer definitivamente em Cape Cod com Bette,
a quem conhecera no tempo de Exército. Enquanto trabalhava na Pensilvânia, Ed
recebeu um telefonema de um amigo que estava na rádio wocb. “Estou me
mudando para a Califórnia”, ouviu. “Eles querem construir a estação de rádio, e
você conhece Cape Cod e as notícias. Ligue para eles, se estiver interessado.”
Semprini ligou e ali nasceu sua carreira no rádio.

Lou Howes parou em frente à casa de Semprini e tocou a buzina — ela e o


motor pareciam ser os únicos instrumentos em bom estado de funcionamento no
velho Chevrolet surrado. Semprini ouviu o barulho e atravessou a neve em
direção a sua carona. Sentou-se no lado do passageiro e esfregou as mãos frias
na frente do aquecedor. Rapidamente, percebeu que estava quebrado. Melhor
que a viagem valha a pena, pensou o jornalista, enquanto a lata-velha se afastava
de sua casa pela neve ofuscante.
Enquanto a nevasca chorava lá fora, Cape Cod inteira ficava em casa,
aquecida e reunida em volta do rádio, pois a notícia da missão de resgate havia
começado a se espalhar. Quem tinha rádio de ondas curtas podia ouvir em tempo
real a comunicação dramática entre a estação da Guarda Costeira e as equipes de
resgate. Os líderes da cidade de Chatham foram notificados primeiro acerca do
drama que se desenrolava além de sua costa, durante a reunião de orçamento
anual. Lentamente, eles foram guardando as coisas e chacoalhando a neve de
seus casacos, quando foram informados da situação calamitosa em que estavam
os marinheiros. Os negócios da cidade teriam de esperar. O fotógrafo
profissional Dick Kelsey percebeu imediatamente a importância do que estava
acontecendo. Correu para casa e pegou sua velha câmera Speed Graphic 4 × 5,
dois flashes, vários filmes e se dirigiu ao Fish Pier.
Se as equipes de resgate conseguissem voltar vivas, estariam geladas, famintas
e, possivelmente, muito doentes. Pediram ao alfaiate da cidade que arrecadasse
roupas quentes. O representante local da Cruz Vermelha também foi alertado.
Homens e mulheres comuns foram para suas casas e começaram a preparar
refeições quentes para os marinheiros, na esperança de que conseguissem voltar.
A população de Chatham tinha sido criada no mar e sabia o que devia ser feito
para ajudar não apenas os marinheiros presos, mas também os homens que
estavam arriscando a própria vida para salvá-los.

Chatham dependia do mar, e esse fato remontava a seu fundador, que havia
comprado a terra com um barco. William Nickerson, um tecelão de Norfolk,
Inglaterra, fora o primeiro a se estabelecer ali. Em 1656, Nickerson oferecera
uma chalupa ao cacique monomoyick, Mattaquason, em troca de 6,5 quilômetros
quadrados de terra acidentada onde o inglês construiria sua propriedade. Para
fechar o acordo, Nickerson também desembolsou doze machados, doze enxadas,
doze facas e quarenta xelins em miçangas. Durante séculos, os monomoyicks
compartilhavam o baixo Cape, do rio Bass até Provincetown, com duas outras
tribos, os nausets e os sauquatuckets. As fronteiras da tribo dos monomoyicks
corriam ao longo do cotovelo de Cape Cod, começando no Porto de Allen, em
Harwichport, e estendendo-se ao redor de Monomoy até o lado norte de Pochet
Highlands, em East Orleans. Os índios nausets controlavam tudo ao norte desse
ponto, ao passo que os sauquatuckets tinham sua principal aldeia em Brewster e
possuíam tudo do lado oeste. Mattaquason era o cacique mais poderoso na área e
permitira que Nickerson construísse sua cabana perto da dele.
Nickerson, sem dúvida, aprendera com os erros cometidos por outro homem
branco, cinquenta anos antes. O explorador francês Samuel de Champlain havia
sido o primeiro europeu a visitar a área próxima ao porto de Stage, em outubro
de 1606. (O navegador britânico, capitão Bartholomew Gosnold, baixara âncora
brevemente nas águas de North Chatham quatro anos antes, em 1602.) Para
Champlain, a área oferecia possibilidades ilimitadas, tanto que ele a chamou de
Port Fortune. “Ao longo da costa, observamos a fumaça que os índios
produziam, e isso nos fez decidir visitá-los”, escreveu Champlain em seu diário
de bordo:
Aqui, há muita terra desmatada e pequenas colinas, onde os índios cultivam milho e outros
grãos, dos quais vivem. Também há vinhas muito finas, muitas árvores de castanhas e nozes,
carvalhos, ciprestes e alguns pinheiros [...] Seria um lugar muito bom para situar e construir as
bases de um Estado, se o porto fosse um pouco mais profundo e sua entrada mais segura.

Champlain estava descrevendo o que mais tarde ficou conhecido como barras
de areia de Pollock Rip. As ondas que quebravam nas barras de areia haviam
danificado o leme de seu navio na entrada. Os monomoyicks viram o grande
navio à deriva no mar, pegaram suas canoas a remo e foram até a embarcação de
Champlain, instruindo a tripulação francesa sobre como passar pelas perigosas
barras de areia no porto de Stage. Como escreveu Warren Sears Nickerson,
historiador de Cape Cod: “Os monomoyicks acolheram os franceses na costa e
lhes permitiram montar uma tenda para panificação [para abastecer de pão os
armários vazios do navio] e uma forja para consertar o ferro do leme quebrado
da embarcação”. Champlain ficara impressionado com a hospitalidade e passara
a admirar seus anfitriões, descrevendo-os como “bem-proporcionados, de pele
cor de oliva”. Os homens, bem como as mulheres, usavam penas e colares de
contas e andavam impecavelmente vestidos com tangas de pele de cervo ou de
foca. Suas tendas tinham um grande formato circular e eram cobertas com grama
densa ou grandes palhas de milho. Os homens da tribo armazenavam suas
provisões de inverno em buracos cavados nas laterais de grandes dunas de areia.
Os dois lados fizeram permutas em termos amigáveis durante duas semanas.
Os índios ofereceram milho, feijão e peixe para trocar pelo que houvesse a bordo
do navio. Um dia, porém, uma provocação fez com que a tripulação de
Champlain abrisse fogo contra os monomoyicks, dando início, assim, à batalha
que os franceses chamam de luta em Fortune. Quando a fumaça dos mosquetes
por fim abaixou, três franceses estavam mortos e vários outros gravemente
feridos. Sete monomoyicks também haviam tombado, tendo seu escalpo retirado
por Secondon, índio tarrantine e guia de Champlain. Sangrando, mas ereto, um
dia depois, Champlain fez um contra-ataque e tentou, sem sucesso, capturar os
índios e vendê-los como escravos. Os monomoyicks lutaram bravamente e
Champlain, enfim, capitulou, levantando âncora e navegando para longe para
continuar a explorar a costa atlântica.
Os índios do baixo Cape travaram escaramuças com tripulações europeias nas
décadas seguintes, até que William Nickerson construiu sua extensa propriedade,
perto da cabeça de Ryder’s Cove. Ele havia comprado a terra diretamente dos
monomoyicks, sem a aprovação das autoridades da colônia de Plymouth. A
compra de Nickerson foi contestada e só foi resolvida no tribunal dezesseis anos
depois. O colono inglês foi obrigado a pagar uma multa de 90 libras e teve de
obter as escrituras do cacique Mattaquason e de seu filho, John Quason.
Nickerson já possuía, então, mais de quatro mil hectares de terra; os nativos
norte-americanos tinham o restante. Imediatamente, ele recorreu ao tribunal para
incorporar Monomoit, como era então conhecida, como cidade. O tribunal
indeferiu o pedido, com o fundamento de que ali não havia nenhum pastor
residente. Monomoit seria conhecido como um distrito com poder limitado até
que tivesse residentes suficientes para dar suporte a uma igreja. Nickerson
dividiu a terra entre seus filhos e, logo, outros colonos se juntaram a eles. A terra
era abundante, oferecia todos os benefícios agrícolas que Champlain listara em
seu diário de bordo. No entanto, também era inclemente. Os fortes ventos
costeiros eram um companheiro uivante constante para os resistentes colonos,
que isolavam suas pequenas casas com algas secas. Eles construíam suas
moradias com telhados baixos, para resistir a furacões e tempestades de neve, e
voltadas para o sul, para obter o máximo de exposição ao sol. Em 1711, o
assentamento receberia seu primeiro pastor residente, o reverendo Hugh Adams.
As vinte famílias que o habitavam apresentaram uma segunda petição de
incorporação. O pedido foi carimbado para aprovação de Joseph Dudley,
governador da colônia de Massachusetts, sob a condição de que trocasse seu
nome de estilo indígena por um de sonoridade mais inglesa. Assim, Monomoit
foi rebatizada como Chatham, homenagem à cidade portuária da Inglaterra.
Em meados do século xviii, os colonos de Chatham ainda priorizavam sua
colheita na terra, não no mar. Os agricultores plantavam tabaco, centeio e trigo,
embora, como para os monomoyicks antes, seu principal alimento fosse o milho.
A cultura do milho era tão vital para a cidade que se aprovou uma lei que
declarava que todos os proprietários de terra tinham de matar os pássaros que
comessem o grão, três corvos ou doze melros por ano, e que suas cabeças
deviam ser entregues como prova aos membros do conselho municipal. Quem
não o fizesse era multado em cerca de seis shillings. Na época da Revolução
Americana, porém, a maré econômica de Chatham havia virado da agricultura
para a pesca. Os agricultores já plantavam menos milho, porque a plantação
contínua fora esgotando de nutrientes o solo outrora fértil. Os homens de
Chatham começaram a pescar peixes de águas profundas, tão abundantes que
pareciam saltar nas redes e nas linhas de pesca. As águas além da costa de Cape
Cod viriam a se tornar das mais movimentadas rotas marítimas do mundo,
perdendo apenas para o Canal da Mancha.
Com a pesca chegaram os naufrágios. A Humane Society of the
Commonwealth of Massachusetts foi o primeiro grupo organizado a oferecer
ajuda aos homens náufragos, construindo cabanas em áreas remotas da costa
para servir de abrigo aos sobreviventes que chegassem à praia. A primeira
cabana de sobrevivência foi construída em 1807, na ilha de Lovell, no porto de
Boston. Mais tarde, o grupo ergueria a primeira estação de salvamento da
comunidade, em Cohasset, e continuaria construindo estações de voluntários por
toda a costa sul e, por fim, em Cape Cod. A primeira cabana de Cape Cod,
construída em Stout’s Creek, em Truro, era mais adequada para o deserto que
para a praia. Estava equipada com uma chaminé e fora erguida em um local onde
a grama da praia não crescia. Não demorou muito para um vento forte soprar a
areia da fundação, fazendo a chaminé desmoronar e até a própria cabana.
Em 1845, a sociedade tinha cerca de vinte estações salva-vidas equipadas com
barcos que pontilhavam a costa de Massachusetts. Quatro anos depois, os
voluntários membros de uma estação de Wellfleet ajudaram a salvar a vida de
dezenas de passageiros a bordo do amaldiçoado navio Franklin. O navio de
imigrantes havia partido de Deal, Inglaterra, com destino a Boston, no final do
inverno. Encalhara perto da estação de Cahoon’s Hollow, onde o capitão
Mulford Rich e seu filho Benjamin estavam prontos para oferecer assistência.
Eles lançaram um bote salva-vidas e fizeram várias viagens até o navio
danificado. O jovem Ben conseguiu inclusive salvar um bebê, cuja mãe havia
perecido — ela foi um dos dez passageiros e vários tripulantes que morreram
naquele dia de frio intenso, no início de março de 1849. Nem o mau tempo nem
a pobre marinharia poderiam ser responsabilizados pela tragédia. O destino
daqueles que morreram fora decidido na Inglaterra, semanas antes. Além de
salvar um bebê, Ben Rich também recuperou a valise do capitão, que havia
chegado a terra. Nela, encontrava-se uma carta dos proprietários do navio
aconselhando o capitão a destruir a embarcação antes de chegar à América. O
Franklin havia sido segurado por duas vezes seu valor. Posteriormente, os
proprietários foram acusados por seu esquema homicida, mas nunca foram
presos.
Em 1847, o Congresso finalmente tomou medidas para melhor proteger os
marinheiros, apropriando-se de milhares de dólares dos contribuintes para
construir estações salva-vidas ao longo de vastas zonas costeiras dos Estados
Unidos. Seriam necessários mais 27 anos antes que as primeiras estações de
salvamento autorizadas pelo governo fossem erguidas em Cape Cod. Ao todo,
nove estações foram construídas, de Race Point, em Provincetown, à ilha de
Monomoy, em Chatham. Eram estruturas de madeira de dois andares, erguidas
nas dunas assoladas pelo sol, longe do alcance da maré alta e protegidas de
cheias. Pintadas de vermelho-escuro, tinham bandeiras de 18 metros para torná-
las facilmente reconhecíveis do oceano. As estações eram providas de até sete
guardas costeiros, de 1º de agosto a 1º de junho do ano seguinte. O guardião da
estação mantinha-se atento nos restantes dois meses. Esse guardião ganhava 200
dólares por ano por seu trabalho, ao passo que os guardas costeiros recebiam 65
dólares por mês. Cada um deles, independentemente dos anos que já houvessem
servido, era obrigado a passar por um exame físico extenuante, no início de cada
nova temporada. O escritor J. W. Dalton descreveu a rotina semanal dos guardas
costeiros em seu livro, lançado em 1902, The life savers of Cape Cod:
Na segunda-feira, a equipe deixava a estação em ordem. Na terça-feira, se o tempo permitisse,
a equipe treinava nas águas com o barco de resgate. Na quarta-feira, os homens treinavam os
códigos internacional e geral de sinais. Na quinta-feira, treinavam com o aparato de praia e o
breeches-buoy.[b] Sexta-feira, a equipe treinava a reanimação de pessoas aparentemente
afogadas. Sábado era dia de limpeza, e domingo, dedicado a práticas religiosas.

A Estação de Chatham foi uma das nove estações de salvamento originais


construídas em Cape Cod, e sua patrulha cobria mais de quatro milhas (seis
quilômetros) de norte a sul. A estação era equipada com quatro surfboats, um
douro, dois carrinhos de carga e um cavalo, chamado Baby, usado para
transportar equipamento de salvamento da praia para o navio com problemas.
A costa de Chatham era tão movimentada quanto perigosa. Os marinheiros
tinham de se preocupar não só com barras de areia mortais, mas também com as
armações de homens que tentavam roubar seus pertences. Esses homens eram
chamados de mooncussers e tentavam desorientar os capitães e encalhar seus
navios, acenando agressivamente com uma lanterna nas dunas. Os bandidos das
dunas, então, resgatavam os marinheiros, mas tomavam seus bens. Os
mooncussers tinham esse apelido porque “amaldiçoavam” a Lua em noites de
luar; eles só podiam pôr em prática sua perigosa traição quando o céu estava
feito breu. Henry David Thoreau ficara fascinado com os misteriosos
mooncussers durante várias viagens que fizera para Cape Cod, entre 1849 e
1857. “Logo conhecemos um desses vigaristas; um homem normal de Cape Cod
[...] de rosto descolorido e surrado pelo clima; dentre suas rugas, não distingui
nenhuma característica especial”, escreveu Thoreau:
Era como uma vela velha dotada de vida [...] sombrio demais para rir, duro demais para
chorar; indiferente como um molusco [...] ele estava à procura de destroços, registros antigos
[...] pedaços de tábuas e vigas [...] quando o diário de bordo era grande demais para
transportar, ele o cortava ali, onde a última onda o deixara, ou o fazia rolar por alguns metros,
indicando que era sua propriedade, fincando duas varas no solo e cruzando-as acima do diário.

A tradição de rapina dos mooncussers prosseguiria por mais cem anos. Na


década de 1950, os restos de madeira de naufrágios antigos ainda podiam ser
encontrados nas praias de Chatham, desaparecendo e reaparecendo nas areias
movediças. Um morador local, de 82 anos, o “Bom” Walter Eldridge, construíra
uma casa com madeira retirada dos destroços de dezessete navios diferentes que
encontraram seu destino no Chatham Bar.
Agora, os cidadãos de Chatham esperavam e rezavam para que a 36500
guiada por Bernie Webber e sua equipe não somasse suas costelas de madeira e
pranchas aos destroços causados pelas águas rugientes do Chatham Bar.
capítulo 8
“Ele veio à tona, boiando”

Visto que cada morte nos diminui um pouco, sofremos a


perda não tanto pela morte, mas por nós mesmos.
lynn caine

Enquanto Chatham se mobilizava e Bernie e sua tripulação eram açoitados no


Chatham Bar, a Eastwind lutava ao norte, em direção às metades partidas do Fort
Mercer. A escuridão se fechava e o movimento violento a bordo do barco era
diferente de tudo o que o operador de rádio Len Whitmore já experimentara.
Contudo, nenhum tripulante sentia a menor ansiedade em relação à própria
situação. Anos de treinamento davam frutos agora.
Embora o medo não fosse um fator na Eastwind, havia muita tensão; a
tripulação sabia que as tentativas de resgate do Short Splice até então tinham
sido frustradas. Len se perguntava se as duas metades do Mercer permaneceriam
direitas ou se continuariam na superfície até que a lancha guarda-costas
chegasse. Ele não abandonara os limites apertados da sala de rádio desde as oito
horas, e a tensão aumentava a cada hora. No entanto, apesar dessa situação de
ansiedade, houve um momento mais leve. O capitão da embarcação guarda-
costas estava na sala de rádio, tentando entrar em contato com os donos do
Mercer, quando, de repente, um pombo saiu de trás de um dos transmissores e
caminhou casualmente pelo incrédulo capitão. Len não sabia onde se enfiar —
era seu pombo. Enquanto o barco estivera em Nova York, Len encontrara o
pombo com a asa quebrada e o levara discretamente a bordo, onde planejava
cuidar dele. O capitão olhou para cada homem ali na sala; todos ficaram em
silêncio. Len se preparou para ouvir o capitão exigir saber quem havia levado o
pássaro a bordo; mas, em vez disso, este voltou para sua tentativa de entrar em
contato com os proprietários do Mercer, e Len suspirou, aliviado.
Len imaginava como os homens da metade partida do Mercer estavam.
Acreditava que se sentiam encorajados por saberem que a Guarda Costeira
ouvira seu Mayday e estava respondendo, o que, por si só, não significava
salvação. Apenas algumas semanas antes, em 9 de janeiro de 1952, a tripulação
do ss Pennsylvania, um navio cargueiro de 7 600 toneladas brutas, construído em
1944, aprendera essa verdade amarga. Quarenta e seis tripulantes acordaram
naquela manhã e se encontraram em uma tempestade semelhante àquela pela
qual o Mercer e o Pendleton passavam. Em frente à costa de Washington, o
navio naufragou quando ondas de mais de treze metros de altura o açoitaram,
fazendo seu casco se dividir. Às 6h45, o capitão George Plover falou por rádio
com a Guarda Costeira, explicando que uma rachadura de cerca de quatro metros
havia surgido a bombordo do Pennsylvania e que a água inundara a sala de
máquinas. A plataforma de carga, que carregava caminhões do Exército, soltara-
se e batera no convés, rasgando as lonas do postigo dianteiro. Plover chamaria a
Guarda Costeira novamente, dizendo que daria meia-volta e rumaria para
Seattle. Outra comunicação foi feita logo em seguida, dessa vez dizendo que
estavam com problemas na direção, aparentemente porque havia tanta água nos
compartimentos dianteiros que o leme saíra acima d’água. O navio estava em
situação Mayday. O Pennsylvania se manteve na superfície durante todo o dia e
à noite. A tripulação rezava para que o navio ficasse inteiro até o dia seguinte,
quando esperavam que a Guarda Costeira chegasse. Contudo, às dez da noite,
algo devastador aconteceria e o capitão Plover enviaria uma última mensagem
para dizer que toda a tripulação estava abandonando o navio.
Nunca se soube exatamente o que aconteceu nos minutos seguintes à última
mensagem. Embarcações da Guarda Costeira, navios da Marinha e aviões, mais
tarde, chegaram à última localização conhecida do Pennsylvania e, embora
tenham procurado por dias, nem um único membro da tripulação foi encontrado.
Além disso, o próprio Pennsylvania desaparecera. Somente um bote salva-vidas
do navio foi encontrado, emborcado. A Guarda Costeira concluíra, mais tarde,
que “em função das condições de vento, mar, casco fraturado e inundação, o
navio afundou antes que os botes salva-vidas pudessem ser lançados, de modo
que a tripulação não pôde abandoná-lo com sucesso”. Se isso for verdade, é
provável que enquanto os tripulantes embarcavam nos botes salva-vidas, o
Pennsylvania tenha rolado de lado e virado, jogando os marinheiros no turbilhão
do mar revolto. Talvez tenham estado a poucos minutos de escapar da morte.
O relatório do inquérito da Guarda Costeira também concluiu:
Parece que o clima violento se somou à plataforma de carga à deriva, à inundação dos
compartimentos 1 e 2, à falha do sistema de direção e à consequente incapacidade de governar
o navio no mar revolto, e tudo isso contribuiu em maior medida para o naufrágio do
Pennsylvania que a falha estrutural.

Embora os eventos listados certamente tenham levado ao desaparecimento da


embarcação, é provável que nada disso ocorresse se o casco não se houvesse
rachado. O metal frágil foi o catalisador que preparou o palco para o
Pennsylvania afundar. Em muitos aspectos, a tragédia do Pennsylvania
espelhava a situação em Cape Cod. O Pennsylvania era um Classe Liberty Ship
convertido construído apressadamente durante a Segunda Guerra Mundial para
transporte de carga para o front de guerra. Um suprimento constante de navios
era essencial para o esforço de guerra, especialmente no início da deflagração,
quando submarinos alemães afundavam navios norte-americanos tão depressa
quanto os Estados Unidos os podiam construir. Assim, os Liberty Ships, como os
petroleiros t-2, foram construídos da maneira mais rápida possível. Isso significa
que os cascos, feitos de aço inferior, foram soldados em vez de rebitados,
enfraquecendo-os ainda mais.
O Pennsylvania fora, literalmente, uma morte anunciada, e tudo o que se
necessitava era o poder de uma tempestade oceânica para provocar seu fim,
assim como o do Pendleton e do Mercer.

Às 18h30 a embarcação guarda-costas Yakutat, comandada por J. W. Naab, de


Yarmouth, Maine, chegou à proa do Mercer. Além das ondas, do vento e da
neve, a escuridão também atrapalhava Naab. Nos céus, um avião da estação
aérea naval de Floyd Bennett Field, no Brooklyn, Nova York, lançava sinais
luminosos, fazendo o melhor possível para fornecer um pouco de luz aos
homens que trabalhavam embaixo.
Os homens do capitão Naab tentaram lançar cabos para o petroleiro, mas o
vento tornava a tarefa quase impossível. O tripulante da Yakutat, Gil Carmichael,
lembra como estava frio quando ele ajudou a lançar os cabos:
O capuz de minha parca ficava voando de minha cabeça, enquanto eu tentava atirar os cabos
até o Mercer. A certa altura, minha cabeça estava tão adormecida que esfreguei a mão nela e
senti algo. Era um grande amontoado de gelo, e, quando o puxei, uma grande mecha de cabelo
saiu junto. Contudo, estava tão gelado que eu nem senti.

Como os cabos ficaram aquém de seu alvo, o capitão Naab e sua equipe
deram início a uma dança perigosa, tentando aproximar mais a embarcação
guarda-costas da proa do Mercer. Enquanto manobravam mais para perto, no
entanto, Naab percebeu que a proa do Mercer subia tão violentamente que as
duas embarcações poderiam colidir; todos poderiam morrer. O capitão decidiu se
afastar, torcendo para que a tempestade em breve diminuísse um pouco para
tentar um novo resgate. Durante cinco horas e meia a Yakutat ficou junto à proa
do Mercer, atenta a qualquer sinal de mudança.

Enquanto a Yakutat chegava ao local onde esperavam fazer um resgate, a


lancha de salvamento de 36 pés comandada por Ralph Ormsby, que havia
deixado Nantucket ao meio-dia, não estava tendo tanta sorte. Ormsby e sua
tripulação — Alfred Roy, Donald Pitts e John Dunn — haviam passado as
primeiras quatro horas da missão tentando chegar ao Mercer, mas foram
desviados em direção ao Pendleton quando este foi descoberto. “Não
conseguíamos ver nada”, disse Ormsby. “Havia rajadas de neve e as ondas eram
enormes.”
Quando a noite caiu, suas ordens mudaram mais uma vez, sendo orientados a
buscar segurança, provavelmente porque os oficiais superiores perceberam que
uma embarcação tão pequena montando ondas em mar aberto por horas a fio
poderia se tornar uma vítima. Ormsby direcionou seu barco e sua tripulação
congelada para o Pollock Rip, uma embarcação estacionária utilizada como farol
flutuante. Estava entrando em uma das águas mais traiçoeiras da Costa Leste: o
labirinto de barras de areia em constante mudança entre Nantucket e o cotovelo
de Cape Cod. As marés causavam estragos nas águas rasas dali; a água se movia
para trás e para a frente entre Nantucket Sound e o mar aberto, criando fortes
correntes de retorno, ondas cheias de areia assustadoras, mesmo em dias calmos.
E agora, com ondas monstruosas, vento e correntes, o pequeno barco de
salvamento de Ormsby era jogado como restos de um naufrágio. Se o barco
virasse no meio das ondas, ele e sua equipe morreriam em minutos — nenhum
barco da Guarda Costeira conseguiria alcançá-lo a tempo.
De alguma forma, Ormsby conseguiu conduzir sua embarcação através do
labirinto de barras de areia, e o capitão parou ao lado do navio-farol. Alfred Roy
posicionou-se na proa do barco de salvamento e tentou lançar um cabo com um
peso na ponta — chamado “punho de macaco” — para a tripulação do farol.
Assim que Roy lançou o cabo, a lancha foi atingida por uma onda e Roy foi
lançado pelos ares, batendo o rosto nas tábuas de carvalho da proa. Ormsby
tentou firmar o barco atingido; Roy se levantou e jogou o cabo de novo. Dessa
vez, a tripulação do navio-farol pegou a outra ponta e a lancha ficou presa ao
navio maior. Os homens subiram a bordo, onde trataram da ferida no supercílio
de Roy.
A segunda lancha de 36 pés enviada mais cedo, comandada por Donald
Bangs, cumpria uma missão igualmente angustiante. Bangs e sua tripulação
quase não sobreviveram aos primeiros minutos de sua jornada quando
contornaram Monomoy Point e foram acertados por uma enorme onda. O
capitão pensou que se tentasse manobrar o barco sobre as ondas, teria uma boa
chance de que a proa subisse e, a seguir, a popa, emborcando o barco de
salvamento. Ele tinha só um minuto para tomar uma decisão: ligou o motor e
forçou sua pequena embarcação a atravessar as ondas. Quando ele e seus
homens saíram do outro lado, estavam completamente no ar, e em seguida, em
queda livre, bateram na água abaixo.
Bangs tinha as ondas e os ventos contra si, mas havia uma coisa que
trabalhava a seu favor: a experiência. Embora houvesse nascido em Somerville,
uma comunidade sem litoral a apenas cinco quilômetros ao norte de Boston,
mudara-se ainda pequeno para Scituate, na costa sul. Lá, passara tempo
considerável no oceano e decidira, como havia feito seu pai antes dele, ingressar
na Guarda Costeira. Um ano depois de concluir o Ensino Médio, em 1936,
alistou-se na Guarda Costeira, e ainda estava a serviço quando a Segunda Guerra
Mundial estourou. A Marinha dera bom uso aos guardas costeiros. Bangs passara
a trabalhar a bordo de um pequeno navio-tanque da Marinha, entregando diesel
para o Pacífico Sul. Enquanto esteve no Pacífico, sofreu dois tufões e viu ondas
com alturas que a maioria das pessoas nem poderia imaginar.
Contudo, nessa tempestade de fevereiro, ele não estava só tentando salvar a
vida dos homens no petroleiro partido; também estava preocupado com a vida de
sua equipe. Até então, sua missão fora não só perigosa, como também frustrante.
Ele e sua equipe haviam sido originalmente enviados para ajudar o Mercer, mas
quando chegaram ao Pollock Rip, cerca de quatro horas antes, os homens do
navio-farol lhes disseram para virar e voltar para Chatham — dois objetos
haviam sido detectados no radar. Os homens do navio-farol não sabiam que estes
eram as metades do Pendleton; acharam que era o Mercer e, aos gritos, disseram
a Bangs que alguém deveria fazer um trabalho melhor de navegação, deixando
implícito que a Estação de Chatham o havia enviado para o lado errado.
Donald Bangs era um homem calado, austero, mas até ele deve ter expressado
sua frustração por passar duas horas combatendo as águas em direção ao Mercer,
para depois ser informado de que precisavam ir para um novo local. Como
Ormsby e sua equipe, os homens de Bangs já haviam sofrido muito. A cabine
aberta de sua lancha não tinha aquecimento, e os homens repetidamente se
molhavam com a água e a espuma das ondas. Ainda caíam neve e granizo, e as
orelhas, os dedos, as mãos e os pés da tripulação estavam dormentes de frio. As
botas dos homens estavam cheias de água, e o movimento do barco era tão
violento que eles não conseguiam esvaziá-las. Sua única proteção contra a neve,
a água e o vento eram suas capas, que estavam encharcadas.
A certa altura, um dos tripulantes gritou para seu capitão: “Será que vamos
conseguir?”. Bangs, atento à próxima onda, gritou em resposta: “Como diabos
vou saber? Eu nunca vi nada parecido com isso!”.
Lutando através do mar em direção a Chatham, Bangs soube pelo rádio que os
objetos no radar não eram o Mercer, e sim o Pendleton, e que metade deste
último estava bem próxima à posição de Bangs, perto do navio-farol. Já era
quase noite e o capitão diminuiu a velocidade do barco de salvamento, ciente de
que, na escuridão, poderia navegar direto para o casco preto do Pendleton e
morrer.
Em poucos minutos, ele viu a proa do Pendleton montando assustadoramente
as ondas, com a extremidade dianteira apontando para cima na noite escura. A
superestrutura e a ponte na parte traseira do navio partido estavam inundadas
pelo mar agitado, e a rampa coberta de gelo da plataforma, desde essa
extremidade até a ponta da proa, formava um ângulo de 45 graus, aparentemente
íngreme demais para alguém escalar.
Bangs notou cabos que pendiam para fora do navio e temeu que suas hélices
se enroscassem. A proa estava inclinada a bombordo; Bangs contornou
lentamente o casco, à procura de algum sinal de movimento ou brilho de uma
lanterna. Acionou um sinal sonoro a intervalos curtos, na esperança de que
alguém aparecesse no convés. Tentou manter seu barco parado, a favor do vento,
e o capitão e sua tripulação ficaram atentos a gritos dos marinheiros presos, mas
era apenas o vento; a proa parecia deserta.
Onde estão os tripulantes, perguntou-se Bangs. Foram lançados para fora do
navio? Pegaram os botes salva-vidas? Não havia absolutamente nenhuma pista.
A proa fraturada parecia um navio fantasma chafurdando no mar violento, pronta
para descer às profundezas a qualquer momento.
E assim a tripulação congelada de Bangs — Ballerini, Haynes e Ciccone —
virou o barco em direção a Chatham, pensando que poderia ajudar a localizar a
popa do Pendleton. Estavam a mais de meio caminho da popa quando o rádio
estalou. O capitão do McCulloch gritou que estava na proa do Pendleton e que
acabara de ver uma luz piscar — havia sobreviventes a bordo, afinal!
Pela terceira vez, Bangs estabeleceu um novo rumo, correndo o mais que pôde
em meio a ondas de pelo menos doze metros de altura, de volta para a proa.
Dessa vez, ele se aproximou ainda mais do casco, e quando as cristas das ondas
levantavam sua pequena embarcação, ele e seus homens ficavam com o convés
do navio avariado quase ao nível dos olhos. Foi quando viram um homem
solitário na ala estibordo da ponte.
“Vimos um homem em pé sobre a ponte”, lembrou Bangs. “Ele estava
gritando para nós, mas não conseguíamos ouvir uma palavra. Aproximamo-nos e
vimos que ele estava em pé na asa da ponte. O vento e as ondas balançavam o
navio em graus absurdos. Tentamos jogar um cabo a bordo, mas tivemos de
desistir. Então, vimos o homem pular ou cair no mar. Ele veio à tona, boiando a
uma distância de um barco e meio de nós. E quando estávamos prestes a tirá-lo
da água, a maior onda da noite quebrou sobre nosso convés.”
Recuperando-se do golpe, o capitão usou seu holofote para tentar encontrar o
homem no mar agitado. No feixe da luz, Bangs o viu a metros de distância,
flutuando imóvel de costas. Em seguida, o homem desapareceu. O mar
simplesmente o engolfou, e sua luta pela vida terminou. Bangs e sua equipe
procuraram, circularam a noite toda, mas não viram o homem de novo. De uma
maneira inacreditável, os quatro homens congelados da Guarda Costeira ficaram
procurando sobreviventes durante mais algumas horas, passando um total de 22
horas em mar tempestuoso.
Nenhum dos outros sete homens que se sabia estarem na proa do Pendleton,
incluindo o capitão Fitzgerald, jamais apareceu na borda do navio, jamais
disparou um sinalizador ou piscou uma luz; e concluiu-se que haviam sido
jogados para fora do navio muito antes de Bangs fazer sua heroica tentativa de
resgatar o homem que havia pulado.

Na proa do Mercer, o capitão Paetzel e sua equipe se desesperavam. A frente


da proa já estava completamente levantada para fora da água, mas a parte
traseira do casco, onde ele e sua tripulação se viam presos na sala de mapas, sem
aquecimento, afundava cada vez mais. Eles não tinham luzes nem outro meio de
responder aos sinais da Yakutat e, lentamente, a sala se enchia de água. Pouco
antes da meia-noite, eles decidiram tentar passar da sala de mapas para o castelo
de proa, onde esperavam escapar da água que subia e encontrar equipamento de
sinalização. Para isso, no entanto, primeiro teriam de sair da sala de mapas e
seguir para o convés exposto, lavado de respingos, de neve e, às vezes, do
próprio mar. A portinhola da sala de mapas para o convés ficava muito perto da
extremidade afundada do casco, e o salto para fora seria grande demais para
arriscar pular. Assim, a equipe improvisou, pegando várias bandeiras
sinalizadoras e amarrando-as para criar uma corda, que eles baixaram pela
portinhola da frente da sala de mapas. Um a um, os homens foram saindo,
primeiro descendo pela corda feita de bandeiras sinalizadoras e, depois, dando os
passos mais angustiantes da vida deles ao seguirem para a frente pela passarela
gelada e ascendente.
O navio balançou e inclinou, e os homens correram para o castelo de proa,
enquanto a água branca espumante subia ao redor de seus pés. O operador de
rádio John O’Reilly — que havia se comunicado com Len Whitmore pela manhã
— escorregou, perdeu o equilíbrio e foi lançado ao mar, desaparecendo no
abismo revolto. Os outros oito tripulantes conseguiram chegar com segurança ao
castelo de proa; inclusive o capitão Paetzel, que fora pego de chinelos quando o
petroleiro se dividira ao meio e fez a travessia com os pés descalços.
O capitão Naab, na Yakutat, havia visto os homens atravessarem a passarela e
sabia que os tripulantes do petroleiro estavam desesperados a ponto de fazer
qualquer coisa, de modo que decidiu que era melhor fazer outra tentativa de
retirá-los de lá. Manobrou seu barco a barlavento do Mercer. Em seguida, seus
homens amarraram vários botes salva-vidas em fileira e os lançaram ao mar,
deixando que o vento os levasse para o petroleiro. Havia luzes e coletes salva-
vidas em cada bote.
Na proa do Mercer, os sobreviventes viram os botes vindo em sua direção. Era
hora de tomar uma decisão — uma decisão terrível. Cada homem tinha de fazer
sua escolha imediatamente, o que poderia significar a diferença entre a vida e a
morte. Não havia ninguém para dar-lhes orientação, garantia ou explicação sobre
as chances que tinham, porque ninguém sabia o que aconteceria. Se ficassem no
navio fraturado, corriam o risco de ele emborcar a qualquer momento, levando-
os para o fundo, prendendo-os na negra água gelada abaixo. Contudo, saltar do
navio tinha seus perigos, e um deles era a possibilidade de que não caíssem
dentro dos botes. E, se isso acontecesse, simplesmente não sabiam o que o
oceano faria com eles. Talvez tivessem força para nadar até os botes e se salvar,
ou talvez o mar frígido os enfraquecesse de tal modo que eles não conseguiriam
sequer chegar perto dos botes, muito menos subir a bordo.
Três tripulantes julgaram que pular nos botes era sua melhor chance de
escapar vivos da tempestade. Arrastaram-se para a lateral do convés e, um a um,
atiraram-se ao mar em direção aos botes. Os três erraram os alvos. O choque da
água gelada tornou nadar uma tarefa quase impossível e, embora eles tentassem
chegar aos botes, ondas montanhosas os venceram e eles desapareceram de vista.
O capitão Naab assistiu com horror aos vagalhões engolindo os homens.
Subitamente, um dos tripulantes do petroleiro, Jerome Higgins, ainda a bordo
do Mercer, viu que a Yakutat estava perto e fez uma escolha fatal. Saltou pela
borda, caiu na água e tentou nadar até o guarda-costas. Na escuridão uivante, as
ondas o arrastaram para longe e em um curto instante ele desapareceu. Naab, não
querendo testemunhar mais afogamentos, afastou a lancha e desistiu, entendendo
que uma tentativa de resgate noturno seria suicida para a tripulação do
petroleiro. A melhor opção era esperar o amanhecer.
Mais tarde, Naab diria que ver os tripulantes pulando do navio e ser engolidos
pelo mar havia sido “o pior momento de minha vida”.
Apenas quatro homens permaneceram na proa fraturada do Mercer: o capitão
Paetzel, o comissário Edward Turner, o terceiro imediato Vincent Guldin e o
primeiro imediato Willard Fahrner. Amontoados para se aquecer, os quatro
ficaram ali em estado de choque, sem poder acreditar que cinco companheiros
estavam mortos ou morrendo sozinhos no oceano congelante.
Os sobreviventes estavam molhados, por causa da travessia da passarela, e a
hipotermia e as queimaduras eram preocupações reais. Eles rezaram e ajudaram
o capitão Paetzel a esfregar seus pés congelados. As ondas açoitavam o pedaço
de metal onde navegavam e, várias vezes, pareceu que a proa ia emborcar. Os
homens estavam presos ali — haviam visto o que acontecera com seus amigos
que tentaram abandonar o navio. Naab, na Yakutat, sentia-se impotente: “Não
havia nada mais que pudéssemos fazer, de modo que a operação foi abandonada
até que chegasse a luz do dia. Ficamos só rezando para que o casco aguentasse”.
capítulo 9
Perdendo as esperanças:
na popa do Pendleton

Medo. Enquanto não tiver coragem de perder de vista a


costa, ninguém nunca vai sentir o terror de ficar perdido no
mar para sempre.
larry kersten

À deriva por quase catorze horas, os homens a bordo da popa do Pendleton ainda
tinham comida, água e aquecimento, e também poucas esperanças. A tentativa de
resgate do Fort Mercer estava em andamento, mas a tripulação do Pendleton
ainda não ouvira nada no rádio sobre a própria situação. O engenheiro-chefe Ray
Sybert havia assumido como capitão da popa e estava apavorado. Sentia-se
assustado com a enorme responsabilidade que lhe fora imposta e pela sensação
crescente de que ele e seus homens não voltariam para casa vivos. Apesar de
Sybert já ter navegado pelos sete mares do mundo, nesse momento ele se
encontrava em águas estrangeiras, em uma terra estranha. Mantendo a
compostura e escondendo o medo de seus homens, Sybert ordenou à tripulação
que apertasse os parafusos a ré para proteger o máximo possível os fracos
tabiques da extremidade posterior, e para manter a embarcação avariada o mais
longe da costa. A tripulação também passava dia e noite de plantão no apito do
navio, visto que a popa mantinha um pouco de eletricidade. Os sobreviventes
acionaram o apito durante doze horas seguidas, sem nenhuma resposta.
Os homens, sem dúvida, haviam se aproximado muito mais uns dos outros
durante a provação, embora a imensa pressão começasse a afetar todos. Wallace
Quirey desejava ter sua Bíblia. Ele podia ouvir a voz suave da mãe ecoando em
sua mente. “Mantenha-a sempre com você”, dissera-lhe. “Ela vai protegê-lo.”
Quirey não era o único homem que orava para que Deus os tirasse do inferno em
que estavam. Fred Brown também rezava para ser resgatado, mas o nativo de
Portland, Maine, também era um homem prático. Ele observava o entardecer na
popa que balançava. O céu estava ficando mais preto e era impossível ver onde a
água encontrava o horizonte. Tudo lhe parecia uma coisa só. O respingo das
ondas caía como chuva de balas de chumbo e Brown não podia imaginar que
alguém ou alguma coisa pudesse penetrar as ondas violentas para resgatá-los. O
ex-pescador havia passado por vendavais ferozes em Casco Bay, tempestades
que podiam levantar um navio fora d’água, mas nunca havia imaginado que
testemunharia ondas tão altas de novo. Fred Brown sabia, no fundo do coração,
que estava tudo perdido. Em vez de encontrar a morte no convés do Pendleton,
ele decidiu ir para o convés inferior, no relativo conforto de seu beliche, dizer
adeus a sua família e esperar pelo fim.
Como a tripulação do William J. Landry, os homens do Pendleton que haviam
lutado com a tempestade não aguentavam mais. Homens como Fred Brown se
conformaram com o fato de que a morte poderia estar a uma monstruosa onda de
distância. Todos estavam sob enorme estresse psicológico desde que o Pendleton
se dividira em dois. Em momentos assim, o corpo humano libera o combustível
armazenado, incluindo gorduras e açúcares, para obter uma explosão rápida de
energia. A frequência cardíaca e a pressão arterial de cada tripulante haviam
subido para levar mais sangue aos músculos. A reação fisiológica do organismo
ao estresse inclui a intensificação dos sentidos. A audição dos tripulantes se
tornara mais sensível e até o olfato mais apurado. Os psicólogos chamam isso de
“postura de proteção”, que permite que uma pessoa comum enfrente perigos
potenciais. No entanto, as pessoas não podem manter esse elevado nível de alerta
por longo tempo. Estresse e ansiedade não liberados degeneram em desânimo e
cansaço. E isso era o que a tripulação do Pendleton devia estar enfrentando.
Um dos tripulantes manteve sua confiança, pelo menos externamente. George
Myers havia passado boa parte do dia disparando foguetes para fornecer à costa
a posição da popa. Myers era nativo de Avella, Pensilvânia, cidade cuja principal
atividade era a mineração de carvão, a menos de uma hora de Pittsburgh. Myers
era lubrificador e cozinheiro de meio período, e, sem dúvida, curtia o sabor da
comida que ajudava a preparar. Pesava quase 140 quilos e era carinhosamente
conhecido pela tripulação como “Tiny”. Era um sujeito tão afável que outro
tripulante, um dia, havia dito que Tiny Myers era “o maior homem da Terra”.
Esse elogio havia sido feito por Rollo Kennison, de 23 anos, nascido em
Kalamazoo, Michigan. Ele havia observado seu volumoso amigo levantar o
ânimo da tripulação durante grande parte do dia e, agora, via Myers apontar seu
sinalizador nos ventos escuros e agitados. Myers lançou outro sinalizador e
entregou a arma a Kennison. “Guarde isto, garoto”, disse ele, com um sorriso.
“Quero guardá-lo de lembrança quando chegarmos à costa.”
Charles Bridges, de 18 anos, ia periodicamente para o convés, na esperança de
ver uma embarcação de salvamento se aproximar. Uma dessas incursões quase
lhe custou a vida.
A água havia congelado nas plataformas e, quando uma grande onda atingiu o navio, perdi o
equilíbrio e comecei a deslizar pelo convés. Não havia como parar. Vi que minha última
chance era me agarrar à borda do navio e que, se eu não conseguisse, passaria por baixo dela,
direto para o mar. Felizmente, consegui me segurar. Se houvesse deslizado mais à frente, teria
caído direto no mar onde o navio havia rachado.

Bridges lembra que se juntava periodicamente aos outros em volta do pequeno


rádio portátil no refeitório, ouvindo as comunicações da Guarda Costeira:
De manhã e de tarde toda a conversa era sobre o Mercer; não havia menção ao nosso navio.
Por isso, entendemos que ninguém sabia de nossa situação. Tínhamos esperanças de que a
Guarda Costeira nos captasse no radar, mas, à medida que as horas passavam, comecei a achar
que todos estaríamos mortos antes que isso acontecesse.
Ele disse que seu ânimo estava no fim, por volta do meio da tarde.
Foi quando batemos em um banco de areia e paramos de derivar. Toda vez que uma onda batia
no navio, empurrava-nos mais alguns centímetros. Logo, o navio ficou inclinado de um jeito
bem ruim e os homens começaram a falar de baixar os botes salva-vidas. Seguiu-se uma
grande discussão sobre isso. Eu disse: ‘Vocês estão loucos se pensam que eu vou entrar em um
desses. Enquanto este navio flutuar, vou ficar aqui mesmo’. Eu sabia que, se embarcássemos
nos botes salva-vidas, provavelmente não conseguiríamos nem nos afastar do navio. As ondas
nos esmagariam contra o casco. E, ainda que os botes saíssem de baixo do navio, onde estava
a costa? Ninguém sabia a que distância estava, nem sequer se a costa ofereceria algum lugar a
que a água pudesse nos levar. Mesmo com o convés inclinado, ninguém baixou bote nenhum.

O moral de Frank Fauteux estava igualmente baixo: “Esperamos o dia todo


por resgate e a tensão estava começando a tomar conta”. Acrescentou Sybert:
“Nenhum de nós ali estava em condições de navegar e não havia nada que
pudéssemos fazer, mesmo se conseguíssemos”.

O intenso impacto da tempestade estava chegando às massas; os jornais


noturnos da segunda-feira informavam sobre os subsequentes resgates no
oceano, bem como as calamidades em terra. Na primeira página do Boston
Globe, uma matéria detalhava que a tempestade havia matado quinze pessoas na
Nova Inglaterra em diversos acidentes, especialmente nas estradas cobertas de
neve ou por ataques cardíacos decorrentes do trabalho de retirá-la. Mais de mil
motoristas ficaram presos em seus carros em Maine Turnpike, desde que a
tempestade começara, na noite anterior. A polícia do estado organizara um
esforço de resgate de duas frentes, antes que a hipotermia matasse os motoristas.
Uma equipe de resgate liderada por uma escavadeira gigante foi para o sul da
Turnpike Maine, saindo de Portland, enquanto uma segunda equipe, a bordo de
um trem da Boston & Maine, rumou para o norte de Dover, New Hampshire, em
direção a Scarborough, Maine, até um viaduto, a partir do qual os socorristas
seguiriam a pé.
A tempestade havia sido uma surpresa, inclusive para o Serviço Nacional de
Meteorologia que, no domingo, previra um pouquinho de neve; a edição de
terça-feira do Globe trazia uma matéria intitulada: “O que aconteceu? O
pouquinho de neve virou nevasca”. A matéria passava a explicar que três
diferentes sistemas de baixa pressão se combinaram na costa de Nova Jersey e se
intensificaram sobre o oceano, enquanto seguiam para o leste pelo nordeste. No
entanto, a verdadeira surpresa para os meteorologistas fora que a tempestade
parara logo além de Nantucket, permitindo que vomitasse sua ira hora após hora.
A tormenta despejara mais de cinco centímetros de neve no centro do Maine e
o Globe informava que “vinte mil estão ilhados em três cidades do Maine”,
explicando que Rumford, Andover e México estavam separados do mundo
exterior por montes de neve gigantes. A comida e o combustível estavam
acabando, e “buscam-se voluntários para reforçar as já dobradas equipes de neve
que trabalham com todos os equipamentos disponíveis à mão, tentando retirar
montes de 25 a 30 centímetros de altura”.
Na edição seguinte do jornal, o número de mortos em terra mais que dobrara e
o Globe relatava: “Nova Inglaterra está de joelhos hoje, depois da pior
tempestade de neve em anos. A tempestade Nor’easter deixou em seu rastro
milhões de dólares em danos e pelo menos 33 mortos”. Além das mortes em
terra e as relacionadas com os dois petroleiros, dois pescadores de lagostas
morreram quando seu barco de trinta pés naufragou no mar do Maine. Em terra e
no mar, a fria mão mortífera da tempestade pegara muitos no lugar errado na
hora errada.
Também houve pessoas de sorte. Em Bar Harbor, Maine, três dias após a
tempestade, a polícia cutucava os bancos de neve com longas varas, na
esperança de encontrar um carro que fora visto derrapando fora da estrada.
Enquanto sondava um deles, particularmente profundo, ao lado da Route 3, o
chefe de polícia, Howard MacFarland, pensou ter ouvido um grito abafado nas
profundezas nevadas. MacFarland começou a raspar e escavar a neve compacta,
até que viu um carro. Continuou cavando até chegar à porta do motorista. Em
seguida, de acordo com o Boston Herald, retirou George Delaney, de 20 anos,
“com as articulações duras, piscando, mas aparentemente bem”. Delaney havia
passado mais de dois dias inteiros soterrado. Seu carro derrapara na estrada e
caíra em uma vala, e, enquanto esperava por ajuda, ele adormeceu. Quando
acordou, seu carro estava completamente enterrado e ele não conseguiu abrir as
portas. “Eu não sofri”, disse o jovem sortudo, “e não tive dificuldade para
respirar.”
Para maior drama, moradores de Cape Cod que tinham rádios de ondas curtas
escutaram os esforços de resgate do Pendleton e do Mercer. O Boston Globe
relatava:
Todo o drama e páthos das operações de salvamento no mar se tornaram realidade viva para
muitos moradores de Cape Cod, na noite passada. Com rádios de ondas curtas, eles puderam
se sentar no calor de suas casas, a salvo dos ventos uivantes de inverno, e ouvir relatos sobre
as heroicas operações de resgate no Pollock Rip. Não havia nenhum narrador para preencher
as pausas, nenhum anúncio publicitário para mudar o ritmo ou aliviar a cena. Chegavam
somente as mensagens sombrias e concisas dos socorristas que arriscavam a vida em ondas
montanhosas para salvar a vida dos outros.

Enquanto isso, as tripulações das três pequenas lanchas salva-vidas,


comandadas por Bangs, Ormsby e Webber, estavam em condições tão diferentes
que eles poderiam muito bem estar em outro planeta: um planeta de ventos,
ondas e oceano infinitos e implacáveis, que poderiam matá-los em questão de
minutos, se seus homens cometessem o menor erro.
capítulo 10
Todos menos um:
o resgate à popa do Pendleton

Nenhuma piedade, nenhum poder o controla. Abrindo-se e


bufando como um louco corcel que perdeu seu cavaleiro, o
oceano ingovernável extravasa o globo.
herman melville

O motor estava morto e, em breve, Bernie Webber e sua tripulação estariam


também se não conseguissem fazer a pequena lancha se mexer. O resistente
barco tinha um defeito: o motor parava se balançasse demais ao navegar. Andy
Fitzgerald dirigiu-se cuidadosamente da proa até o compartimento do motor, que
ficava localizado logo à frente da cabine do timoneiro. A cg36500 continuava a
jogar e empinar violentamente, enquanto Fitzgerald tentava se segurar
firmemente no corrimão. Teria sido mais fácil para ele rastejar pela passarela
estreita, mas não havia onde se segurar. Fitzgerald olhou para as ondas frígidas
que batiam na lateral do barco e se perguntou quanto tempo duraria se fosse
jogado ao mar. Não muito tempo, portanto, não seja jogado, pensou, enquanto se
segurava firmemente no corrimão.
Ele conseguiu chegar ao compartimento do motor e se arrastou para dentro do
espaço pequeno, que parecia ainda menor por causa de suas pesadas roupas
molhadas. Quando já estava ali, outra forte onda bateu no barco de salvamento,
fazendo Fitzgerald rolar. Andy gritou quando foi jogado como um boneco de
pano contra o motor incandescente. Apesar das queimaduras, dos hematomas e
dos arranhões que sofreu, ele conseguiu controlar a dor, enquanto segurava a
alavanca, na esperança de que o combustível começasse a fluir para o motor de
novo. Andy ligou o motor de 90 cavalos e, assim que este voltou à vida, Webber
notou uma mudança nas ondas. Eram ainda mais monstruosas nesse momento,
mas também se expandiam para mais longe. Com isso, Bernie entendeu que ele e
sua tripulação haviam desafiado as probabilidades. Tinham conseguido
atravessar o Chatham Bar.
No entanto, seu pesadelo estava apenas começando. Bernie sabia que estavam
fora do Chatham Bar, porém não tinha ideia de qual era sua localização exata.
Empurrou o acelerador para baixo e adentrou mais profundamente a tempestade.
Se eu conseguir chegar ao navio-farol Pollock Rip, acho que ficaremos bem,
disse a si mesmo. “Eu tinha esperanças de vislumbrar o navio-farol e seguir até
ele, e, pelo menos, encontrar algum conforto no fato de saber onde estávamos”,
escreveu Webber em seu livro de memórias. Ele não tinha bússola e o rádio
estava tão congestionado de comunicações que era totalmente inútil naquele
momento. Os quatro homens estavam sozinhos, de frente para as ondas mais
poderosas que já haviam visto.
Era uma dança de gigantes quando as ondas entre 18 e 21 metros de altura
subiam e desciam. Os sentidos dos homens estavam mais aguçados e eram
assaltados pelos rugidos do vento quando o barco cavalgava as ondas até o topo
para, depois, ficar envolvido em uma calma estranha, à medida que mergulhava
no vale de águas. Todos estavam encharcados do mar congelante, mas corria
tanta adrenalina através deles que não percebiam. Cada vez que o barco
mergulhava, os respingos e a espuma gelada lhes davam tapas no rosto, e
Webber lutava contra o volante, impedindo que a lancha virasse. Eles mantinham
os joelhos dobrados, tentando antecipar o impacto da onda seguinte. Enquanto
Webber se agarrava ao volante, Livesey, Fitz e Maske seguravam-se com
firmeza no corrimão, sabendo que se fossem arremessados para fora do barco
provavelmente nunca seriam encontrados. Os três tripulantes sabiam que
estavam adentrando mais o mar e fizeram uma oração silenciosa para pedir que
Bernie continuasse fazendo os movimentos certos.
A tempestade ia ficando mais forte, à medida que seguiam; o caldeirão de
vento e neve só se intensificava. A única opção de Webber era montar as ondas
como uma montanha russa trovejante. Deixou o motor da cg36500 ocioso,
enquanto subiam lenta e progressivamente o mar montanhoso. A equipe se
preparou quando a lancha subiu em direção ao pico encrespado e espumante da
onda. Bernie ligou o motor para levá-los para a crista da onda e segurou,
enquanto o barco de salvamento corria para o outro lado a uma velocidade
vertiginosa. A lancha ia tão depressa que Webber reverteu o motor, sabendo que
se não desacelerasse rapidamente, o navio se enterraria no mar, o que significaria
morte instantânea para a tripulação. Livesey, Maske e Fitzgerald se agarraram ao
corrimão ao ser jogados amontoados para a lateral da cabine do timoneiro,
enquanto Bernie tentava desesperadamente controlar o barco. Webber tinha
bastante espaço para manobrar e não foi impedido por um colete salva-vidas —
que ele havia decidido não usar, porque atrapalharia sua capacidade de manobrar
o barco no Chatham Bar. A lancha podia ser tão durável quanto um tanque, mas
era difícil de controlar e dirigir. A neve e os respingos da água do mar
continuavam batendo contra seu peito, e Bernie desejava estar de colete salva-
vidas, pelo menos para se proteger do frio.
A equipe prosseguiu, atravessando o topo de uma onda imponente atrás de
outra, enquanto Webber continuava fitando a escuridão em busca de algum sinal
de esperança. Ele estava preocupado agora que tinha se afastado do navio-farol
Pollock Rip e adentrado muito o mar. Tentou o rádio, mais uma vez. Seu
primeiro chamado foi para o navio-farol, mas não houve resposta. Em seguida,
Bernie chamou a Estação de Chatham, e, de novo, seu apelo ficou sem retorno.
Deixou o rádio e olhou nos olhos desesperados de sua tripulação. Não havia
nenhum derrotista nem preguiçoso entre eles, porém esses jovens estavam sendo
confrontados com dificuldades intransponíveis. O amanhecer ainda estava a
muitas horas de distância, e eram poucas as chances de a tripulação conseguir
sobreviver tanto tempo à deriva no mar cruel e implacável.
Como os homens a bordo da popa do Pendleton, a tripulação do cg36500
também rezou para que aquela não fosse sua última noite na Terra. Embora
Webber não admitisse isso para seus homens, sua esperança estava
desaparecendo. Mais uma vez, ele pensou em Miriam, doente, na cama, em casa.
Quem contaria a ela que seu marido jamais voltaria? Bernie tentou afastar a
imagem e reorientou sua atenção para as ondas furiosas a sua frente.
Ele olhou pelo vidro quebrado do para-brisa e sentiu seu coração dar um salto.
Pôde ver uma misteriosa forma escura subindo ameaçadoramente acima da água.
Diminuiu a velocidade do barco até quase parar. Há alguma coisa ali, disse a si
mesmo. “Andy! Vá até a proa e ligue o holofote!”, gritou. Fitzgerald seguiu a
ordem e foi com cuidado para a cabine da frente, ligando o interruptor do
holofote. Um pequeno feixe de luz foi lançado, iluminando um objeto enorme a
menos de quinze metros de distância. Se Webber houvesse ido mais longe,
teriam colidido. O vulto de aço era escuro e ameaçador, sem sinais aparentes de
vida. Meu Deus, chegamos tarde demais, Bernie pensou. É um navio fantasma.

Raymond Sybert lutava contra seus pensamentos mais obscuros, enquanto ele
e mais 32 homens ficavam sentados, impotentes, na popa partida do Pendleton.
Não havia mais nada a fazer senão enfrentar a tempestade e esperar a ajuda
chegar. Se chegasse. Os tripulantes estiveram atentos o dia todo, mas não houve
nenhum sinal de vida nas ondas turbulentas além do navio fraturado. O
engenheiro-chefe também devia estar preocupado com o destino do capitão
Fitzgerald e dos homens presos na proa. Teriam sido resgatados? Ou ainda
estavam presos na poderosa tempestade de inverno? Só então o homem de vigia
percebeu algo subindo e descendo no mar agitado — uma pequena luz vindo em
sua direção.
Frank Fauteux e Charles Bridges também viram a luz. “Foi a visão mais
gloriosa”, disse Fauteux, “uma única luz balançando para cima e para baixo nas
ondas. Ninguém comemorou. Ficamos só olhando, encantados.” Bridges
lembrou que a luz parecia um alfinete na escuridão, e que ele observava
fascinado, à medida que ela avançava por entre as ondas enormes, lentamente se
aproximando.
Bernie Webber aproximou a cg36500 para olhar mais atentamente, enquanto
Andy Fitzgerald continuava a lançar o holofote em cima e por toda a ampla
circunferência do petroleiro. O feixe de luz brilhou sobre o conjunto de letras
que formava o nome pendleton no alto da lateral do casco. O navio gigante
parecia enorme e indestrutível. Como pôde ter se dividido ao meio?, pensou
Webber, enquanto levava sua pequena lancha de resgate a bombordo da popa.
Era evidente que o navio e sua tripulação haviam passado por um inferno. Os
corrimãos ao redor das plataformas elevadas estavam retorcidos e partidos. Um
sentimento de culpa tomou Bernie Webber quando ele se deu conta de que havia
posto em risco a vida de seus homens por uma causa perdida. Fora uma viagem
inútil. Os marinheiros a bordo do Pendleton não tiveram a menor chance,
pensou Bernie. E agora meus homens têm pouca chance de voltar para casa
vivos.
Um estranho silêncio pairava sobre o navio, enquanto a tripulação do barco de
salvamento inspecionava os destroços de olhos arregalados. O silêncio foi
quebrado por rangidos quando Webber e sua tripulação chegaram ao buraco que
havia sido ligado à proa. Os homens olharam as entranhas do navio, com seus
compartimentos retalhados e suas vigas de aço e placas soltas, balançando para a
frente e para trás na arrebentação espumante. O navio fraturado ergueu-se sobre
o mar em frente à tripulação, criando uma cachoeira que escorreu no oceano.
Então, ele caiu para trás e para baixo na superfície do mar com um baque
ensurdecedor. Webber seguiu pelo túnel gigante que levava às entranhas do
navio e guiou a lancha pela popa, onde sua equipe foi surpreendida por outra
coisa. Uma sequência de luzes brilhava no alto das plataformas — a popa
fraturada do navio não havia ficado sem energia, afinal. No brilho das luzes, eles
também puderam ver uma pequena figura! Um homem agitava os braços
freneticamente!
Eles não haviam perdido a viagem.
Contudo, como poderiam resgatar esse homem do alto convés? O
sobrevivente teria de pular, e havia forte possibilidade de que ele fosse engolido
pelas ondas.
Enquanto a tripulação da cg36500 analisava seu próximo passo, o homem no
convés alto desapareceu. Aonde ele foi?, perguntou-se Bernie. Subitamente, a
figura voltou, e dessa vez não estava sozinha. Três outros homens estavam com
ele, e então mais quatro ou cinco apareceram, e mais pessoas continuaram
chegando. Em um minuto, mais de duas dezenas de sobreviventes de coletes
salva-vidas cor de laranja se alinhavam na balaustrada! Todos olhavam
diretamente para a pequena lancha abaixo, que tentava se manter a postos nas
ondas revoltas.
Fred Brown e Tiny Myers estavam lado a lado na balaustrada. Tiny se voltou
para Fred e, enquanto tirava a carteira da calça, disse: “Pegue minha carteira.
Acho que eu não vou conseguir”. Fred foi pego de surpresa com o comentário e
retrucou: “Você tem as mesmas chances que eu”. Brown pegou a carteira e a
enfiou de novo no bolso de Tiny.
Bernie, olhando para cima, para aquelas figuras sombrias, primeiro ficou
muito feliz ao ver tantos marinheiros vivos; porém rapidamente chegou a uma
conclusão assustadora: seria impossível que todos os homens coubessem no
barco de salvamento de 36 pés. A responsabilidade acertou Webber como um
maremoto. Como vamos salvar todos esses homens? Se eu falhar, será uma
tragédia.
De fato, o pensamento seguinte de Webber foi tirar a própria tripulação da
lancha e levá-la à popa partida. Apesar do dano extenso, o Pendleton parecia
mais seguro que a pequena e instável cg36500. Antes que ele pudesse comunicar
o plano para sua tripulação, Bernie viu uma escada de corda com degraus de
madeira — chamada escada de Jacob — cair pela lateral do Pendleton. E, no
instante seguinte, os marinheiros encalhados começar a descer a escada o mais
depressa que podiam.
O primeiro homem a descer a escada pulou e caiu com um estrondo na proa
da lancha. Os outros se agarravam firmemente à corda, visto que ela balançava
perigosamente, enquanto o Pendleton se debatia nas ondas. Seus gritos ecoaram
através dos ventos quando eles bateram de volta contra o casco com o balanço
do navio na direção oposta. Bernie levou o barco em direção ao casco, tentando
cronometrar a manobra para que cada sobrevivente pousasse no barco, e não na
água gelada. Com as ondas, isso mostrou ser uma tarefa impossível. Alguns
sobreviventes pularam para o barco de salvamento, mas só o que conseguiram
foi mergulhar nas ondas geladas. A cg36500 era equipada com um cabo de
segurança que passava ao redor do casco da lancha, e os marinheiros
encharcados, por fim, conseguiram subir à superfície e se agarrar à corda para
sobreviver. Fitzgerald, Maske e Livesey pegaram os homens encharcados e os
içaram a bordo. A equipe agia depressa, com medo de que os sobreviventes
fossem arrastados para baixo da proa da lancha. Durante todo o tempo, Webber
manteve uma mão firme no volante, fazendo manobras cada vez que um homem
desesperado pulava da escada de Jacob. Uma vez em segurança a bordo,
Fitzgerald, Maske e Livesey levavam os sobreviventes para dentro da cabine
dianteira, mas aquele pequeno espaço se enchia rapidamente. Com o peso
adicional, a cg36500 estava se enchendo de água. Como capitão do barco,
Bernie tinha de tomar uma decisão de vida ou morte. Paramos agora e tentamos
levar os homens que já temos de volta à costa com segurança? Ou devemos
arriscar tudo? Webber decidiu que nenhum homem seria deixado para trás.
“Viveríamos todos, ou todos morreríamos”, disse ele, mais tarde.
Enquanto o resgate se desenrolava, a popa partida do Pendleton balançou
profundamente e aumentou a inclinação a bombordo, raspando com força contra
o solo do oceano. A equipe de resgate continuou levando os sobreviventes a
bordo, espremendo-os em qualquer lugar que pudessem. O compartimento do
motor estava transbordando de carga humana, assim como a área ao redor da
cabine do timoneiro. Bernie lutava para ter espaço para os cotovelos, enquanto
continuava manobrando em volta do petroleiro avariado. Mais uma vez, ele tinha
de cronometrar suas manobras com perfeição, caso contrário, as ondas lançariam
o barco de salvamento contra o casco do navio e todos seriam engolidos pelo
mar.
Trinta e um sobreviventes já estavam a bordo de um barco que havia sido
projetado para comportar apenas doze homens, incluindo a tripulação. Dois
homens ainda estavam no navio: Raymond Sybert, que, como capitão em
exercício, seria o último homem a sair, e Tiny Myers. Fitzgerald manteve o
holofote sobre o homem musculoso, enquanto ele descia lentamente pela escada
de Jacob. Myers estava sem camisa; dera grande parte da própria roupa para
aquecer outros tripulantes do Pendleton. As ondas que cercavam o navio eram
mais e mais violentas a essa altura, fazendo com que dirigir o barco de
salvamento se tornasse um desafio ainda maior para Bernie. Só mais um pouco e
poderemos dar o fora daqui, pensou.
Myers estava na metade da escada quando, de repente, escorregou e caiu no
oceano profundo. Reapareceu segundos depois e a equipe de salvamento tentou
freneticamente puxá-lo a bordo. “Por aqui!”, gritou Andy. Myers foi para o lado
interno da lancha e se agarrou na corda. Em seguida, Richard Livesey se
inclinou na lateral e pegou a mão de Myers. O movimento quase lhe custou a
vida. Myers era tão pesado e forte que começou a puxar Livesey para dentro
d’água. Maske e Fitzgerald correram para ajudar, segurando Livesey pelas
pernas e pela cintura para impedir que fosse puxado ao mar. Enquanto eles
tentavam, em vão, içar Myers para o barco, o grande homem foi engolido por
uma onda ainda maior e desapareceu de vista. Ouviu-se um suspiro coletivo de
horror na lancha de resgate quando os sobreviventes viram seu amigo sendo
engolido pelo mar. Bernie deu ré na lancha e se afastou da lateral do petroleiro.
A cg36500 andava em círculos, enquanto Andy mantinha o holofote brilhando
nas cristas das ondas. Por fim, avistaram Myers na escuridão.
Por causa do ângulo do navio, as três pás da hélice estavam acima da água. As
ondas batiam, e Webber sabia que teria apenas uma chance de salvar aquele
homem. Direcionou a proa da lancha para Myers e depois desacelerou
lentamente à frente. Nesse momento, Webber e sua equipe sentiram o fundo da
lancha levantar; uma enorme onda ergueu a cg36500 e os lançou contra o navio.
O barco de resgate estava fora de controle e correndo em direção a Myers.
Webber pôde ver o olhar de pânico nos olhos do grande homem. Maske estendeu
a mão e conseguiu segurar o homem mais uma vez. Um segundo depois,
sentiram o impacto súbito de uma colisão estrondosa, quando a proa da lancha
abalroou Myers, jogando seu corpo destruído na lateral do navio.
capítulo 11
Trinta e seis homens
em um barco de 36 pés

Venha devagar ou depressa, é a morte quem vem por último.


sir walter scott

Webber tentou desesperadamente desviar de Tiny Myers quando a lancha guinou


para a frente. Até tentou jogar a cg36500 no sentido inverso, mas isso só afogou
o motor mais uma vez. Ervin Maske fora o último homem a segurar Myers e
pagou um preço por isso. Suas mãos foram esmagadas na colisão, e ele podia
sentir o sangue pulsando nelas, que estavam começando a inchar. Não havia
como resgatar o corpo de Myers naquele momento. Webber tentou afastar o
pensamento de sua mente e manobrou com sucesso a lancha de volta para a
escada, resgatando o último homem, Raymond Sybert. Andy Fitzgerald rastejou
de volta no compartimento do motor, na esperança de conseguir religá-lo. A
lancha levou outro soco violento de uma onda, jogando Andy de novo sobre o
motor tão logo o ligou. Webber ouviu o grito de seu colega quando as velas de
ignição queimaram suas costas. Bernie estava prestes a mandar outro tripulante
para o compartimento quando Fitzgerald se arrastou para fora. Andy podia sentir
os vergões crescendo em suas costas, mas, afora isso, estava bem. Webber e sua
equipe haviam vencido o Chatham Bar, e tirar os sobreviventes da proa do
Pendleton havia sido uma grande realização; mas voltar com segurança à costa
tinha os próprios perigos.

Quase no local exato onde Webber, Livesey, Fitzgerald e Maske lutavam com
um barco sobrecarregado, uma tentativa de resgate semelhante havia ocorrido
em 1902. Durante uma tempestade de inverno, em 11 de março daquele ano,
duas barcaças, a Wadena e a Fitzpatrick, que estavam sendo levadas por um
rebocador, o Sweepstakes, encalharam em um banco de areia. Socorristas da
Estação da ilha de Monomoy remaram na tempestade e com segurança retiraram
um total de dez tripulantes das duas embarcações encalhadas.
Um ou dois dias depois, quando o tempo clareou, socorristas chamados de
“sucateiros” foram levados ao local e, com a ajuda de outro rebocador,
começaram a retirar as cargas, esperançosos de que as barcaças desencalhariam.
O trabalho era lento e os homens ainda estavam ali, em 16 de março, quando as
ondas começaram a crescer e a chuva a chicotear o oceano. O rebocador tirou a
maioria dos homens das barcaças, levando-os a porto seguro, mas cinco deles,
incluindo o proprietário do Wadena, W. S. Mack, preferiram ficar e enfrentar a
tempestade. Na segunda barcaça encalhada, a Fitzpatrick, que estava a certa
distância, três homens permaneceram a bordo.
Na manhã seguinte, Marshall Eldridge, guardião da Estação de Resgate de
Monomoy, soube que os homens ainda estavam nas barcaças. Tanto o vento
quanto as ondas haviam aumentado desde o dia anterior, e Eldridge ficou tão
preocupado que se arrastou por quase cinco quilômetros na tempestade, até a
ponta de Monomoy, para verificar as barcaças. Olhando através da chuva
torrencial, Eldridge viu algo que fez seu coração pular. A bandeira no Wadena
estava hasteada de cabeça para baixo — um sinal de perigo.
Eldridge correu para o pequeno barracão e telefonou para o socorrista Seth
Ellis, dizendo-lhe que reunisse uma equipe e levasse o surfboat da baía de
Monomoy para a ponta da língua de areia, onde ele estaria esperando. Além de
Ellis, seis outros tripulantes estavam a bordo do barco de resgate quando
chegaram a sota-vento de Monomoy. Todos os homens, exceto um, eram casados
e tinham filhos.
Não foi difícil para Ellis localizar Marshall Eldridge em pé no litoral. Eldridge
tinha mais de 1,80 metro de altura e pesava quase 100 quilos. Era um forte
cidadão de Cape Cod que andava pela praia com os pés descalços mesmo
durante o outono e não colocava sapatos até o início do inverno.
Quando o surfboat chegou, Eldridge entrou na água e subiu na popa do barco.
Com a equipe completa, os homens remaram até chegar ao Wadena,
contornando-o a sota-vento e parando perto da popa. Os cinco homens a bordo
da barca haviam passado uma noite aterrorizante; as ondas haviam açoitado
repetidamente seu navio contra o banco de areia, ameaçando partir-lhe o casco.
Contudo, a salvação chegara e os homens assustados queriam sair dali, e
depressa. Imediatamente, começaram a descer pela lateral com uma corda. Em
uma cena estranhamente similar às do resgate no Pendleton, um homem
particularmente grande, o capitão Olsen, perdeu o controle na corda e caiu
dentro do barco, quebrando um dos assentos e transformando-o em lascas. Ao
contrário de Tiny, Olsen rolou para o fundo do barco, mas dois remadores
ficaram sem assentos, o que limitou a força que poderiam imprimir aos remos.
Quando Eldridge e seus tripulantes se afastavam da barca, uma onda jogou
água no surfboat. Os cinco homens que haviam sido resgatados entraram em
pânico, pensando que o barco ia virar. Levantando-se, eles se agarraram aos
remadores, tornando impossível que a equipe de resgate manobrasse o barco.
Eldridge gritou com os sucateiros para que se acalmassem, e foi quando outra
onda descarregou mais água dentro do barco. Seus gritos caíram em ouvidos
moucos; os resgatados se agarraram aos socorristas. A próxima onda viraria o
barco e, então, treze homens estavam na água, segurando-se no casco virado,
enquanto ondas espumosas e congelantes lavavam repetidamente o surfboat
emborcado.
Com as roupas encharcadas e pesadas, um homem após o outro foi perdendo
aderência no barco de resgate, afastou-se e se afogou nas águas turbulentas. Em
poucos minutos, somente dois homens, Arthur Rogers e Seth Ellis, ainda
estavam vivos e agarrados ao surfboat. A certa altura, Rogers começou a
escorregar, pois com os dedos congelados não conseguia se segurar no corrimão
submerso do barco. Ellis tentou encorajá-lo, mas Rogers desistiu e suspirou:
“Tenho de ir”. O oceano o levou, como aos outros.
Sozinho, Ellis obstinadamente se segurou na quilha. O barco derivou para
águas mais calmas, e ele usou uma oportunidade inesperada para tirar as botas e
as roupas que o deixavam pesado. Outro golpe de sorte atravessou seu caminho
quando a quilha pivotante do barco saiu de seu revestimento entreaberto,
proporcionando-lhe melhor aderência.
Os três homens a bordo da segunda barcaça, o Fitzpatrick, não haviam visto o
barco de resgate sair em socorro ao Wadena. Elmer Mayo acabava de passar pelo
convés quando viu o barco virado e Ellis ainda se segurando nele. Mayo era de
Chatham e, seguindo a tradição dos marinheiros de lá, decidiu arriscar a própria
vida para tentar salvar Ellis. O Fitzpatrick tinha um pequeno douro de doze pés a
bordo e Mayo pediu aos outros dois tripulantes que o ajudassem a baixá-lo pela
lateral da barcaça. Um deles tentou dissuadi-lo, gritando: “Não, o douro não vai
resistir nessas águas selvagens, senhor!”. Mayo, no entanto, ignorou o aviso, e
uma vez com o douro na água, passou por cima da borda da barcaça e saltou
para o pequeno bote. Apenas dois dias antes, o douro emborcara em mares
moderados e perdera os dois remos. Os que os substituíram eram muito mais
curtos que os originais e mal adaptados ao bote, mas Mayo não se intimidou e
partiu para onde havia visto Ellis pela última vez.
Quando o douro foi jogado para a crista de uma onda, Mayo procurou o barco
de resgate virado, mas os respingos, a chuva e a espuma obscureciam sua
visibilidade. Ele fez o melhor que pôde para manobrar, mantendo a proa de seu
barco nas ondas, até, depois de alguns minutos, avistar Ellis ainda agarrado ao
casco do surfboat. Mayo virou o douro, remou com todas as forças e chegou ao
lado de Ellis.
Em uma notável exibição de persistência, Ellis reuniu uma última explosão de
energia, largou o barco virado e se agarrou ao douro, para, com a ajuda de Mayo,
subir pela borda antes de desmaiar no fundo do bote. “Eu estava totalmente
esgotado”, lembrou Ellis, “não conseguia falar.” Ele não fazia ideia de como
Mayo conduziria o douro pelas ondas gigantes até a costa.
Mayo analisou as ondas tempestuosas; sabia que não poderia voltar à barcaça.
Então, procurou a terra mais próxima: a praia de Monomoy, onde as ondas de
quase cinco metros quebravam na areia, rugindo e jogando espuma no ar. A
seguir, Mayo viu um homem correndo pela costa a distância, guiando-os.
O homem era Francisco Bloomer, outro socorrista da estação. Mayo esperou
que o homem chegasse a um ponto diretamente em frente ao douro e, visto que a
ajuda havia chegado, decidiu pegar a próxima onda em direção à costa. Escolheu
uma onda e quando a crista se ergueu por baixo do barco, remou loucamente. De
alguma forma, o douro ficava até na vertical, cavalgando a onda, e Mayo tentava
desesperadamente manter a proa apontada para a costa. Nas ondas agitadas, a
água enchia o douro, ameaçando inundá-lo, mas Mayo continuava remando,
enquanto Bloomer entrava no mar. Bloomer se lançou ao douro e, com Mayo,
arrastou-o para a costa. Em seguida, levaram Ellis de volta à Estação de
Monomoy.
Em um relatório do U.S. Life-Saving Service [Serviço de Salvamento
Marítimo dos Estados Unidos] sobre o acidente, Mayo e Ellis foram citados por
sua bravura:
Quando o capitão Mayo deixou o Fitzpatrick e assumiu essa perigosa missão autoimposta de
humanidade, foi alertado de que não conseguiria, mas, quando conseguiu e as notícias se
espalharam no exterior, o feito foi proclamado como a realização mais notável e brilhante, do
começo ao fim. Em reconhecimento a seus méritos extraordinários, o Secretário do Tesouro
lhe concedeu a medalha de ouro de salvamento, que é concedida somente àqueles que
demonstram a mais extrema e heroica ousadia no salvamento de vidas dos perigos do mar. O
socorrista Ellis, por sua devoção ao dever, sua coragem impecável e sua fidelidade abnegada a
seus camaradas, também foi homenageado e promovido a responsável por sua Estação.

Mais tarde, Ellis comentaria que a morte dos cinco homens da barcaça e dos
sete socorristas nunca deveria ter acontecido. “Se aqueles cinco homens que
tiramos da barcaça tivessem se controlado e feito o que nós dizíamos, todos
teríamos desembarcado em segurança.”

Bernie Webber ouvira a história do Wadena e sabia que seu barco de resgate
lotado poderia sofrer um destino semelhante a qualquer momento. À deriva na
escuridão, e sem bússola para orientá-los, Webber ainda não tinha ideia de onde
estavam exatamente. Além disso, não sabia aonde haviam ido os outros barcos
da Guarda Costeira, mas entendeu que seu barco devia estar em algum lugar nas
águas de Chatham, ou talvez ao sul da ilha de Monomoy. Se eu puder situar o
mar atrás de mim e seguir em frente, vamos acabar em Nantucket Sound e,
então, nas águas rasas de algum lugar em Cape Cod, tentou se convencer. A
seguir, Bernie transmitiu seus planos ao resto dos homens a bordo.
“Se o barco parar de repente, vão para a praia”, ordenou. “Não percam tempo
fazendo perguntas. Saiam e ajudem quem estiver ferido. Saiam o mais depressa
que puderem!”
Webber achava que se conseguisse levar a proa do barco o mais perto possível
da praia assolada pela tempestade, e manter o motor ligado, os homens teriam os
preciosos momentos de que precisavam para chegar à costa com segurança. Os
sobreviventes entenderam perfeitamente o plano. “Conte conosco, timoneiro!”,
gritaram, e seguiram-se altos aplausos e vivas da tripulação do Pendleton.
Contudo, um tripulante do barco de resgate não estava tão otimista. “O pior
momento, para mim, foi quando estávamos voltando”, lembrou Richard Livesey.
Seus braços estavam presos por causa dos homens espremidos em pé no convés,
bem na frente do para-brisa quebrado. Estavam todos de volta às ondas
gigantescas sem a proteção que a popa do Pendleton lhes havia fornecido. A
cg36500 estava pesada e baixa com a carga humana, e poderosas ondas
continuavam a açoitar seu convés lotado. Livesey e os outros prendiam a
respiração quando cada onda batia e os envolvia em uma torrente de água
gelada. Quando isso vai acabar?, perguntava-se Livesey. Parecia uma
eternidade. O barco de resgate estava tão baixo que era como se estivessem em
um submarino. Se a lancha não subir um pouco mais, eu vou me afogar aqui
dentro mesmo, pensou Richard.
Webber tentou mais uma vez o rádio e ficou surpreso ao conseguir contatar a
Estação de Resgate de Chatham. O contramestre Cluff pareceu ainda mais
surpreso ao ouvi-lo. Webber informou que levavam 32 homens do Pendleton a
bordo e que estavam tentando voltar, apesar de não terem instrumentos de
navegação para ajudá-los. O capitão de um dos barcos de resgate foi chamado e
orientou Webber a virar e avançar para o mar, em direção a ele. Bernie ouviu
mais chiados pelo rádio e ainda mais ideias sobre a melhor forma de concluir o
já improvável resgate. No entanto, ele e sua equipe já haviam decidido; iam para
a praia. Bernie desligou o rádio e voltou sua atenção para o desafio a sua frente.
Ninguém falava a bordo do barco de resgate, enquanto Bernie atacava as ondas à
frente.
Conforme a cg36500 foi avançando, as ondas começaram a mudar. Já não
eram tão fortes, nem se espalhavam tão distantes como antes. A lancha navegava
por águas rasas, agora. Contudo, de maneira nenhuma, estavam fora de perigo.
Eles ainda tinham de atravessar o Chatham Bar. Webber estava avaliando suas
opções quando notou algo que parecia ser uma luz vermelha, piscando à
distância. Seria uma boia? Seria o sinal de alerta de aeronaves das torres da
estação de rádio rca, ali no alto? Bernie esfregou seus olhos cansados e
queimados de sal. Em um momento, a luz parecia estar bem acima de sua
cabeça, em outro, parecia estar bem abaixo do barco de resgate. À medida que se
aproximavam, Webber ordenou ao homem mais próximo do holofote, na frente
do barco, que o ligasse de novo. A luz vermelha piscante estava ficando mais
clara. Os homens rapidamente perceberam que a luz provinha do alto da boia
que ficava dentro do Chatham Bar e que conduzia à entrada de Old Harbor.
Bernie olhou para a luz piscante mais uma vez e desviou o olhar para os céus
tormentosos. No fundo do coração, ele sabia que Deus os estava levando para
casa.
capítulo 12
Pandemônio em Chatham

A fé é um conhecimento dentro do coração, além do alcance


da prova.
kahlil gibran

A cg36500 estava em um curso que levaria de volta sua tripulação e os 32


sobreviventes do Pendleton para o Fish Pier de Chatham. Eles ainda tinham de
atravessar o Chatham Bar, onde quase haviam morrido, horas antes. Dessa vez, o
barco estaria indo com as ondas, mas, quando se aproximaram do banco de areia,
a tripulação notou que elas não pareciam tão altas como antes. Seu fraco
holofote brilhava na arrebentação, que também parecia menor.
Webber acelerou um pouco e enfiou o nariz da lancha na espuma — estavam
em cima do banco de areia. Chamou pelo rádio a Estação de Resgate de
Chatham e deu sua posição ao operador. Este, atordoado, não podia acreditar que
a cg36500 havia realmente conseguido voltar para Old Harbor. Imediatamente,
ele enviou uma mensagem para os outros barcos da Guarda Costeira:
Cg36500 tem 32 homens a bordo, da popa partida; todos, exceto um homem que está na água
e eles não podem resgatar. mais nenhum homem falta, que eles saibam. deve haver cerca de
seis homens na proa partida...

Seguiu-se uma avalanche de instruções, conforme o operador tentava guiar


Webber até o porto. Bernie não precisava de instruções. “Eu estava bem
familiarizado com Old Harbor e havia entrado e saído dele muitas vezes”,
escreveu em seu livro de memórias. “Eu sabia onde ficavam os bancos de areia e
quando tinha de virar. Não estava com disposição para ouvir conversa no rádio.”
As notícias do resgate provocaram mais que conversa no Fish Pier, onde os
moradores de Chatham esperavam ansiosamente por uma palavra. Aplausos
tonitruantes ondularam por todo o cais, enquanto as pessoas se abraçavam e
choravam, e esperavam avistar o barco.
Também se derramavam lágrimas a bordo da cg36500. Bernie ouviu o choro
dos homens que se amontoavam no minúsculo compartimento da frente da
lancha de resgate. Apesar das águas mais calmas e da intensa sensação de
claustrofobia que deviam sentir, os sobreviventes permaneceram escondidos na
cabine, recusando-se a sair até que alcançassem o porto.
A pequena, mas robusta, lancha de resgate já estava à vista, e a multidão de
pessoas reunida no Fish Pier se acotovelava para olhar mais de perto. O
fotógrafo Dick Kelsey posicionou sua grande câmera Speed Graphic 4 × 5 e
começou a fotografar aquilo que se tornaria algumas das imagens mais
marcantes da história de Cape Cod. Kelsey capturou no filme a lancha avariada,
conforme chegava, esfregando-se contra os pontões de madeira. Ele podia ver o
rosto dos homens assustados, mas agradecidos que espreitavam pelo para-brisa
quebrado do barco e pelas vigias. Bernie observou o Fish Pier e viu bem mais de
uma centena de moradores locais. Eram homens, mulheres e crianças de
Chatham, e todos pareciam estar estendendo as mãos para pegar as cordas do
barco e ajudar. As crianças Ryder estavam perto de seu pai, David, um velho
pescador de Chatham que conhecia Bernie muito bem e sabia que ele era mais
que um competente socorrista. No entanto, nem mesmo ele havia acreditado nas
chances de Webber e sua tripulação, naquela noite. “Tínhamos a grande
preocupação de que a equipe não conseguisse”, recorda Ryder. “Não há dúvida
de que ele [Bernie] é um homem bom e tem experiência na barra de areia, mas
nenhum de nós jamais havia visto uma tempestade como essa.” Como a maioria
das pessoas reunidas no cais, Ryder não podia acreditar em seus olhos enquanto
via o pequeno barco de resgate voltando para casa. “Ele estava muito baixo, e
fiquei espantado ao ver quanta gente saiu dele.”
Uma vez que a cg36500 estava amarrada em segurança no cais, as pessoas
ajudaram os abalados sobreviventes a sair do barco. A embarcação havia estado
tão pesada e baixa que Richard Livesey a sentia subir, cada vez que um homem
descia. Bernie Webber, exausto, ficou em silêncio na proa da embarcação, com o
cotovelo apoiado sobre a cabine e o antebraço sustentando sua cabeça. Sua
mente estava cheia das imagens terríveis das últimas horas e da bravura de sua
equipe. Ele pensou em Tiny Myers e no olhar do homem condenado, poucos
segundos antes de ser morto. Pensou nos 32 sobreviventes a bordo. E pensou em
Miriam e em como se sentiria voltando para ela, depois de tudo. Seus dedos
cansados começaram a tremer e, logo, todo o seu corpo tremia. Webber chorou
abertamente e agradeceu a Deus por guiá-los para casa. Kelsey observava em
silêncio e percebeu que o momento privado de Webber simbolizava o calvário
que cada homem havia atravessado. “Levou um bom tempo até ele descer”, disse
Kelsey, mais tarde. “Todos os homens já haviam saído, mas ele ficou ali, em
transe. Que coisa maravilhosa ele havia feito!”
Os sobreviventes estavam sendo espremidos dentro de carros e levados até a
Estação de Resgate de Chatham. Joe Nickerson, de 34 anos, que vivera a vida
toda em Chatham, levou dois em seu Ford sedã. “Eu levei um grande e alto
marinheiro negro”, lembra Nickerson. “Ele me disse que estava na parte da
frente do navio quando ele se dividiu em dois. Disse que se salvou porque pulou
uma rachadura enorme e voltou para a popa. Se ele não houvesse feito isso, teria
sido arrastado com a proa.” No entanto, os sobreviventes do Pendleton se
recusavam a considerar seu capitão e mais sete pessoas como desaparecidas. Os
homens se apegavam à crença de que seus camaradas seriam encontrados vivos.
Os sobreviventes foram levados à Estação, onde foram recebidos pelo médico
local, Carroll Keene. De imediato, ele atestou que muitos dos homens estavam
em estado de choque. “Um dos rapazes que eu levei simplesmente entrou em
colapso quando entramos na Estação”, lembra Joe Nickerson. “Então, como no
dominó, outro sujeito desabou, e depois outro. Havia oito rapazes caídos no
chão, inconscientes.” Os marinheiros caídos foram atendidos pelo doutor Keene,
bem como por Leroy Anderson e sua unidade da Cruz Vermelha. O alfaiate Ben
Shufro, gerente da Puritan’s Clothing, na rua principal de Chatham, levava uma
fita métrica em volta do pescoço e tirava medidas dos sobreviventes que
permaneciam em pé para lhes arranjar roupas novas. O reverendo Steve Smith,
da Igreja Metodista Unida, também estava ali para oferecer orações aos
sobreviventes. A presença do reverendo foi especialmente reconfortante para
Wallace Quirey. O marinheiro se aproximou do pastor e lhe disse que havia
perdido sua Bíblia durante a confusão a bordo do navio. O reverendo Smith
balançou a cabeça e deu a Quirey o próprio exemplar do livro sagrado.
John Stello, amigo e vizinho de Bernie, ligou para a casa de Webber e deu a
notícia a Miriam, que ainda estava de cama, com gripe. Seu marido estava sendo
aclamado como herói, e Stello lhe contou por quê.

Ed Semprini, o jornalista de sobrancelhas grossas da wocb, resistira à


cansativa viagem pela Route 28, coberta de neve. O mau tempo não o
abandonara durante a jornada de 33 quilômetros de Hyannis a Chatham. Quando
Semprini chegou à Estação de Resgate de Chatham, encontrou seu engenheiro,
Wes Stidstone. Os dois homens estavam preparando a fiação do som quando os
sobreviventes do Pendleton se arrastaram para dentro. Semprini sabia que não
tinha muito tempo. Tinha de concluir as entrevistas rapidamente para poder
voltar para a estação de rádio em Yarmouth e transmitir ao vivo. Ele colocou o
microfone diante do rosto de praticamente todos os exaustos sobreviventes,
enquanto eles se aqueciam com café e donuts. “Eles não falavam muito bem”,
lembra Semprini. “Acho que todos os homens com quem falei eram do sul.” Os
sotaques confundiram o jornalista veterano; ele próprio ainda estava aprendendo
a entender o jeito de falar dos habitantes de Cape Cod. “Um sobrevivente da
Louisiana me perguntou se sua família poderia ouvi-lo ao vivo.” Semprini
explicou ao marinheiro que as entrevistas seriam transmitidas mais tarde, de
costa a costa, pela Mutual News Network. Cada sobrevivente que Semprini
entrevistava, naquela noite, não conseguia dizer o suficiente sobre Bernie
Webber e sua equipe. “Diziam que havia sido um milagre”, lembra Semprini
com um sorriso.
Webber, enquanto isso, subia as escadas de seu beliche, na Estação de resgate
de Chatham, ainda abalado pelas longas horas passadas cavalgando as maiores
ondas, na pior tempestade de sua vida. Ele se deitou e tirou as galochas. E, então,
ligou para Miriam. “Eu estou bem, ligo para você amanhã”, disse. Um café e um
donut cairiam bem agora, pensou. Webber foi até a cozinha, onde foi recebido
por Fitzgerald, Livesey e Maske. Todos acenaram com a cabeça. Ninguém disse
nada. Deixaram isso para o contramestre Daniel Cluff, que pronunciou palavras
de felicitações e admitiu que achava que não veria nenhum deles vivo de novo.
Ed Semprini estava procurando Bernie e, por fim, viu-o saindo da cozinha.
Webber estava sendo chamado de o verdadeiro herói do resgate, e o jornalista
entendia o motivo. Bernie respondeu a algumas perguntas da maneira mais
coerente possível. Terminou sua xícara de café e devorou o donut de seu
companheiro, mas, nessa hora, tudo que ele queria era dormir. Voltou para sua
cama e desabou. Ele estava a salvo, mas, enquanto adormecia, só pensava
naqueles que ainda lutavam contra a tempestade no mar.
p a r t e i i
capítulo 13
Emborca a proa do Mercer

No mar, o homem se mostra. Nesse sentido, a água salgada é


como o vinho.
herman melville

Enquanto Chatham comemorava o resgate de 32 marinheiros da popa do


Pendleton, os sobreviventes ainda a bordo da proa do Fort Mercer à deriva se
amontoavam para se aquecer. Eles haviam visto vários colegas de tripulação cair
para a morte, e nesse momento, na escuridão, tudo o que podiam fazer era
esperar pelo amanhecer e que a Yakutat, que estava ali aguardando, de alguma
forma pudesse tirá-los de lá antes que afundassem com o navio.
O capitão da Yakutat, Naab, tinha passado a noite em claro olhando para o
enorme casco negro do Mercer, rezando para que permanecesse na superfície até
o amanhecer. E, assim, quando o capitão viu o primeiro sinal de luz ao leste,
ficou aliviado. Também ficou entusiasmado, porque a neve e o granizo haviam
parado. O vento ainda uivava, mas as ondas pareciam ter diminuído um pouco,
caindo de mais de quinze metros para cerca de doze metros. Naab avaliava suas
opções. Depois do que havia acontecido na noite anterior, ele não queria mandar
mais botes salva-vidas. Tinha medo de que, caso os sobreviventes caíssem no
oceano gelado, não tivessem força ou destreza para se manter na superfície ou
subir nos botes. Naab sabia que a única maneira de salvar os homens na água era
alguns de seus tripulantes esperar por eles. Então, tomou uma decisão de
extremo risco. O barco de resgate de 26 pés seria mandado com cinco
tripulantes. Era uma aposta alta, com certeza; Naab tinha de se preocupar não só
com a sobrevivência da tripulação do petroleiro; ele sabia que seus homens
poderiam perecer também.
O capitão também temia que os homens deixados na proa do Mercer, ao ver
um bote salva-vidas indo em sua direção, pulassem cedo demais. Ele pegou um
alto-falante e avisou os sobreviventes que mandaria um barco de resgate e que a
tripulação a bordo lhes daria um sinal quando fosse a hora de pular. E disse que,
quando chegasse o momento, eles deveriam pular para o mar ao lado do barco, e
que seus homens os puxariam para dentro. Naab sabia que se o resgate não fosse
bem-sucedido, sua decisão seria questionada e a morte dos homens o
assombraria para sempre. No entanto, olhando para a proa, achou que corria o
risco de virar a qualquer momento. Ele não podia se dar ao luxo de esperar mais.
O barco de resgate era conhecido como “surfboat Monomoy”, porque havia
sido projetado com uma proa alta para a grande arrebentação que chegava a
Monomoy, logo depois de Chatham. Contudo, as ondas de no mínimo doze
metros de altura que serpeavam em volta da Yakutat podiam ser demais para a
embarcação de madeira. Se o barco de resgate virasse, as pessoas a bordo teriam
menos de dez minutos de consciência antes de a hipotermia os fazer desmaiar.
O segundo-tenente William Kiely, de Long Branch, Nova Jersey, foi escolhido
para liderar o ousado resgate, acompanhado por Gil Carmichael, Paul Black,
Edward Mason Jr. e Walter Terwilliger. Uma das partes mais perigosas da missão
seria o início: o barco de resgate tinha de se afastar da Yakutat antes que as
ondas o jogassem de volta e o inundassem.
Carmichael lembra-se de que ele e seus colegas subiram nervosos no barco; os
homens a bordo da lancha os baixaram com roldanas, corda e manivela. “O mar
estava tão violento que o barco foi jogado para longe da lancha e depois de volta,
fazendo-nos chocar. Não percebemos no momento, mas acho que a lateral de
madeira do barco rachou. Quando baixamos à água foi que tomei plena
consciência de como nosso barco era pequeno em comparação com as ondas e
de minhas dúvidas de que voltaríamos vivos à lancha.”
Os quatro socorristas navegaram o barco de resgate através das ondas gigantes
e pararam ao lado do casco de aço maciço do Mercer, tendo o cuidado de não
chegar perto demais.
Dentro da proa partida do Mercer, os homens começaram a discutir quem
pularia primeiro. O capitão Paetzel disse que queria ser o último a sair, mas seus
homens achavam que, com o estado de deterioração de seus pés e a fraqueza que
demonstrava por causa da hipotermia, ele devia ser o primeiro a ir. Nenhum dos
homens sabia se o pequeno barco de resgate suportaria os quatro, nem se os
socorristas seriam mesmo capazes de arrancá-los das ondas. No entanto, todos
sentiam que era um risco que tinham de correr: se ficassem a bordo e o navio
emborcasse, seria o fim. Os tripulantes disseram a Paetzel que se ele não pulasse
primeiro, eles o jogariam.
Os homens do Mercer — Paetzel, Turner, Guldin e Fahrner — andavam pelo
convés oscilante olhando para baixo, para o barco que balançava
descontroladamente nas ondas. Seria uma longa queda até a água. Se eles
pulassem na vala de uma onda, seria uma queda livre de aproximadamente
dezoito metros; mas se entrassem na crista da onda, seriam cerca de seis metros
apenas.
Kiely olhou para o capitão Paetzel e lhe fez sinal para pular. Paetzel, relutante,
concordara em ir primeiro; porém, no momento, devia estar se perguntando se
estava pulando para a morte. O barco de resgate abaixo parecia de brinquedo,
insignificante perto das altas ondas.
Paetzel esperou que uma crista de onda se erguesse em sua direção. Em
seguida, pulou. Ele caiu na água a vários metros de distância do barco de
resgate, primeiro afundando completamente antes que seu colete salva-vidas o
levasse de volta à superfície. O choque na água frígida lhe tirou o fôlego e fez
com que a dor gritasse por todo o seu corpo. Ele balançava nas ondas assassinas;
seus braços já fracos estavam ficando dormentes. Preciosos segundos se
passaram, enquanto ele observava a luta da tripulação do barco de resgate para
virá-lo em sua direção.
Kiely e sua equipe fizeram o melhor que puderam para manobrar o barco até
perto do capitão sem acertá-lo. Um minuto havia se passado desde que o capitão
pousara no oceano, e dava para ver que ele estava tossindo água do mar. Quando
estavam a um braço de distância, um socorrista agarrou o colete salva-vidas de
Paetzel, puxando-o para o barco. A roupa encharcada no capitão duplicou seu
peso, e três homens tiveram de somar forças para arrastá-lo a bordo.
Enquanto isso, Kiely fazia o que podia para manter o barco longe do casco de
aço do navio. Com o capitão já em segurança a bordo, ele virou o barco e buscou
uma posição abaixo dos três tripulantes restantes. Era hora de Turner pular, e o
comissário esperou no convés do navio inclinado pelo sinal de Kiely para saltar.
Ele havia visto a dificuldade dos socorristas de manobrar para perto do capitão e
esperava que fossem capazes de chegar a ele sem nenhum incidente. Observando
o pequeno barco de Monomoy abaixo, ele devia estar se perguntando como
conseguiriam mantê-lo em posição naquelas ondas gigantes.
Kiely fez sinal para que pulasse, e Turner pulou, tentando cronometrar seu
salto com uma onda que se erguia e lavava o casco de aço e um espaço de sobra.
Quando Turner mergulhou, uma onda levantou o barco no ar, e uma sequência
delas o jogou em direção a Turner. Havia apenas um instante para arremeter em
direção a Turner, mas os jovens socorristas pegaram o comissário, enquanto
eram arrastados. No momento em que os homens tentavam puxar Turner a
bordo, o barco de resgate bateu no casco do petroleiro.
A sacudida quase derrubou os homens para fora do barco, mas mantiveram
Turner firme e o puxaram para cima. No entanto, o barco de resgate não se saíra
tão bem. Sua lateral de madeira estava arrebentada, e água corria em cascata
sobre a amurada partida. O peso adicional da água junto com o de Paetzel e
Turner fez o barco baixar, e Kiely tinha dificuldade de controlá-lo.
O barco de resgate estava afundando!
Kiely sabia que teria de abortar o resgate, ou correria o risco de perder os seis
homens a bordo do barco. O capitão Naab percebeu o mesmo e, pelo alto-
falante, ordenou a Kiely que voltasse. O jovem segundo-tenente tinha lágrimas
nos olhos; era avassalador ter de deixar os homens no navio, mas virou a
pequena embarcação de volta para a Yakutat e, lentamente, começou a navegar
as ondas em direção à segurança.
“Eu ficava esperando que nosso barco virasse”, diz Carmichael. “Estávamos
muito baixos, e as ondas vinham e entravam pelas laterais e pelas rachaduras no
casco. Os sobreviventes jaziam na água empoçada no fundo do barco, onde
haviam desmaiado.” Quando o barco de resgate chegou à lancha, jogaram
ganchos para prender a proa e a popa. “Fixamos o gancho na proa sem
problemas, mas quando me virei para pegar o outro, que balançava na popa, ele
bateu na lateral de minha cabeça, deixando-me atordoado. Não sei como, mas
conseguimos fixar o gancho na popa e fomos içados para o convés da lancha.
Foi quando fiquei inconsciente. A próxima coisa de que me lembro é de acordar
em minha cama.”
De volta à proa do Mercer, Guldin e Fahrner ficaram no convés, aliviados ao
ver que o barco de resgate havia voltado com segurança e sido içado a bordo. No
entanto, também sabiam que tinham acabado de perder a melhor chance de ser
resgatados. O barco avariado não poderia ser usado de novo, nem o capitão Naab
poderia pôr em risco outro barco e a tripulação. E os dois últimos sobreviventes
se perguntavam se o casco de aço flutuante em que estavam não seria seu caixão.
Não havia mais nada que pudessem fazer senão esperar.

A bordo da Yakutat, por volta das dez horas da manhã, o radiotelegrafista


enviou a seguinte mensagem para o Centro de Comunicações da Guarda
Costeira, em Marshfield, ma:
Dois sobreviventes, fredrick c. paetzel (capitão) e edward e. turner (comissário), resgatados
por barco. clima piorando. não se pode usar o barco para os dois homens restantes. vão tentar
resgate por corda e barco inflável.

O capitão Naab, percebendo que o vento havia diminuído um pouco desde o


dia anterior, reconsiderou a opção de enviar mais um barco de resgate. Achou
que uma corda poderia ser lançada com sucesso na proa do Mercer. O plano era
prender uma ponta da corda no bote inflável e estender a outra corda até a
Yakutat. Se tudo corresse bem, os dois sobreviventes pegariam a corda,
puxariam o bote inflável em direção a eles e prenderiam a corda no petroleiro,
mantendo o salva-vidas no lugar. Os relatos de testemunhas oculares diferem
quanto ao que aconteceu em seguida. Em um cenário, um sobrevivente pularia
do petroleiro e nadaria até o bote; uma vez em segurança a bordo, o outro
homem desamarraria a corda do petroleiro e a fixaria em volta de sua cintura. E,
então, também pularia do petroleiro, e o primeiro homem o puxaria para o bote
salva-vidas e o ajudaria a subir a bordo.
No segundo cenário, os dois sobreviventes deslizariam corda abaixo e, uma
vez em segurança a bordo do bote salva-vidas, com um canivete cortariam a
corda presa ao casco que afundava. Independentemente do plano adotado, este
permitiria que os guardas costeiros na Yakutat rapidamente puxassem a outra
corda, levando os sobreviventes e o bote de volta para a lancha antes que a
hipotermia os matasse.
O plano dependia do lançamento bem-sucedido de uma corda da Yakutat ao
Mercer — uma estratégia que havia acabado em fracasso na noite anterior. Por
um lado, Naab precisava que a Yakutat ficasse o mais perto possível do casco
para que a corda não ficasse aquém; mas, por outro lado, o Mercer balançava e
se inclinava tão violentamente que ele não se atrevia a chegar muito perto.
Naab manobrou a Yakutat a sota-vento do petroleiro, chegando o mais perto
que ousou, e gritou aos sobreviventes pelo megafone: “Preparem-se, vamos
jogar uma corda e amarrar um bote nela”.
Nesse momento, a proa do Mercer se projetava acima do mar em um ângulo
de 45 graus, com a extremidade dianteira completamente fora da água e a
traseira totalmente submersa. Guldin e Fahrner tiveram de se agarrar com
firmeza do lado de fora do parapeito para não escorregar no convés inclinado
direto para a espuma que se agitava em volta dos pedaços irregulares de aço
onde o petroleiro havia se dividido.
Naab posicionou a Yakutat para que sua proa apontasse diretamente a
bombordo do petroleiro. Os homens a bordo da lancha observavam em silêncio,
enquanto o atirador Wayne Higgins se preparava para disparar a corda. A arma
de lançamento era um rifle Springfield modificado com uma carga de granada
que dispararia o projétil, uma haste de aço de 45 centímetros inserida no cano da
arma. Na extremidade que saía do tambor da espingarda havia um peso de latão
de cinco quilos. A pequena haste tinha um orifício circular que a ligava ao peso
de bronze, conectando-a à fina corda que se estendia até uma caixa de vinte
centímetros de comprimento, que ficava no tambor da arma. A corda ficava
enrolada dentro da caixa, pronta para ser levada através das ondas quando o
projétil fosse disparado.
“Eu estava na ponta da proa”, lembra Higgins, “com medo de deslizar no gelo,
especialmente porque eu não podia usar as mãos para me segurar no parapeito,
pois precisava das duas no rifle. Eu sabia que a corda teria de chegar ao navio
imediatamente, porque parecia que ele ia virar a qualquer momento. Quando
disparei a arma, o recuo foi imenso, e minha mão esquerda escorregou e cortei o
dedo indicador na caixa da corda, mas o tiro pareceu bom.”
Nessa primeira tentativa, a corda fez um arco no ar e pousou quase
diretamente em cima de Guldin e Fahrner. Naab fez sinal para que os
sobreviventes começassem a puxar a corda, e o bote, na outra extremidade, foi
lançado da lancha ao mar.
Quando o bote chegou perto da proa do Mercer, Fahrner e Guldin prenderam a
corda e hesitaram antes de subir no longo parapeito, talvez reunindo toda a
coragem antes de abandonar o navio. Um dos homens — não se sabe qual —
desceu pela corda para a água. Aterrissou a cerca de 45 metros do bote e
atravessou as águas geladas rumo à salvação. Entretanto, quando tentou subir no
bote, ele virou. Imediatamente o segundo homem, talvez no esforço de ajudar
seu companheiro, abandonou a ideia de desamarrar a corda do Mercer e deslizou
por ela rumo ao oceano.
Os tripulantes da Yakutat, impotentes para ajudar os homens na água,
observavam, enquanto Fahrner e Guldin lutavam nas ondas, tentando
desesperadamente se agarrar ao bote antes que a hipotermia tornasse seus
membros inúteis. Por um momento, parecia que o mar reivindicaria mais duas
vítimas, mas os homens lutaram com valentia e ambos conseguiram se agarrar
ao bote, virá-lo de volta para cima e, em seguida, subir a bordo, desabando ali
dentro.
No entanto, os sobreviventes estavam longe de estar salvos. O segundo
sobrevivente que saltara não havia desamarrado a corda do petroleiro antes de
pular e, a essa altura, os dois homens estavam congelados demais para abrir um
canivete para cortá-la. Isso significava que o bote não poderia ser puxado de
volta para a lancha de resgate.
O oficial de comunicações Bill Bleakley, observando o drama por uma janela
da ponte da Yakutat, sentiu medo de que a cena que havia presenciado na noite
anterior — os sobreviventes perecendo diante de seus olhos — acontecesse de
novo. Bleakley não conseguia esquecer a visão dos homens que pularam do
petroleiro e foram engolidos pelo frígido oceano e ficara particularmente
chocado quando vira um homem pular e bater de volta no casco do petroleiro
antes de ser carregado pelas águas.
Naab estava ao lado de Bleakley e disse: “E agora, o que vou fazer? Se for
para trás” — o que significaria reverter os motores — “e a corda entre nós e o
bote se partir, nós os perderemos. Mas se a corda entre o bote e a proa se partir,
podemos pegá-los”.
“O senhor não tem escolha, capitão”, disse Bleakley. “Reverta e tenha
esperança.”
Naab sabia que Bleakley estava certo. Qualquer hesitação significaria a morte
dos homens no bote por hipotermia, ao passo que forçar a corda para que se
partisse lhes daria 50% de chance de sobrevivência. O capitão deu ordem de
reverter os motores, e todos os homens a bordo da lancha prenderam a
respiração, imaginando de que lado a corda se partiria — ou, pior ainda, se o
bote seria dilacerado, lançando os homens nas ondas.
As linhas se retesaram e se ergueram fora da água. Meio segundo se passou.
Em seguida, ouviu-se um súbito grito de viva dos homens na lancha quando a
corda entre o bote e a proa se rompeu! Muitas mãos rapidamente puxaram a
corda do bote, e, em poucos minutos, Guldin e Fahrner estavam abaixo do
guarda-costas. Cordas e uma rede foram jogadas, e os dois sobreviventes
rastejaram pela lateral do bote e no mar para alcançá-las, porém mal conseguiam
levantar os braços. No entanto, a tripulação da Yakutat havia previsto esse
problema, e os socorristas Dennis Perry e Herman Rubinsky, já com roupa
apropriada, desceram pela rede até a água. Cada um ajudou um sobrevivente,
amarrando cordas em volta do peito dos dois para que pudessem ser içados.
Quando Guldin e Fahrner estavam sendo içados, um deles se enroscou na
rede. Phillip Griebel, tripulante da Yakutat, viu o que estava acontecendo e, sem
a proteção da roupa apropriada, desceu pela rede e liberou o homem. Então, os
dois sobreviventes foram içados a bordo da lancha de resgate.
Segundos depois, um socorrista apontou para a proa do Mercer e gritou:
“Olhem! Lá vai ela!”.
A proa se ergueu como se fosse uma coisa viva, apontando diretamente para o
céu cinza. Em seguida, ela girou, caindo para trás no mar e espirrando água,
completamente emborcada. Só uma pequena parte da quilha se manteve acima
das ondas.
Exatos dezessete minutos haviam se passado desde o momento em que Guldin
e Fahrner pularam da proa.

A Yakutat ficou ao lado da proa virada até que foi substituída pela Unimak,
naquela noite. E, então, o capitão Naab navegou a todo vapor para Portland,
Maine, para que os sobreviventes pudessem ser hospitalizados. Eles estavam
com hipotermia e ulcerações do frio, mas o capitão Paetzel estava pior, com
pneumonia. Repórteres de jornais estavam no cais quando os sobreviventes
foram retirados da lancha de resgate. Fahrner, calmamente, disse ao Boston
Herald: “Foi por pouco”.
A proa emborcada do Mercer era considerada um perigo para a navegação, de
modo que a Unimak, mais tarde, recebeu sinal verde para afundar a metade
flutuante. O oficial de artilharia Ben Stabile recorda que primeiro disparou uma
arma antiaérea de quarenta milímetros na proa, logo acima da linha d’água,
“para ver o que aconteceria”. Stabile pensou que talvez o petróleo vazasse dos
porões de carga e fosse substituído por água, que é mais pesada que o óleo, ou
que os projéteis incendiários altamente explosivos que atirara fariam o petroleiro
explodir e afundar. Quando a proa nem se mexeu, o capitão da Unimak, Frank
McCabe, disse a Stabile: “Ben, vamos disparar a arma K com cargas de
profundidade”. Stabile nunca havia disparado cargas de profundidade, e as armas
K, utilizadas para dispará-las, lançava-as a apenas cerca de setenta metros; a
tripulação se perguntava se não seria perto demais.
Depois de muita discussão, decidiram que a Unimak deveria estar a todo
vapor quando Stabile disparasse a arma K. Assim, a lancha se distanciaria da
carga de profundidade antes que explodisse.
As cargas de profundidade tinham forma de lágrima, para melhor propulsão
pela água; tinham 60 centímetros de comprimento e 45 centímetros de diâmetro
na parte mais larga. A arma K dispararia as cargas de profundidade formando um
longo arco no ar, e, se tudo corresse bem, elas cairiam no oceano perto da proa.
Eram programadas para explodir quando chegassem a uma profundidade de
quinze metros.
Quando todos estavam prontos, o capitão McCabe acionou o motor e a
Unimak saiu voando em direção à proa, a uma velocidade de dezoito nós.
Quando a lancha estava adjacente ao casco do petroleiro, Stabile descarregou
três armas. Alguns segundos se passaram, e as cargas explodiram debaixo
d’água, lançando enormes nuvens de água pulverizada no ar. A Unimak
estremeceu violentamente, apesar de estar a uma distância segura, mas a proa do
Mercer mal se mexeu.
Depois de ver, durante meia hora, que o casco partido do petroleiro continuava
na mesma posição, McCabe decidiu repetir o procedimento. “Dessa vez foi
diferente”, diz Stabile. “A proa se ergueu no ar e, em seguida, foi para baixo.
Demos um grande suspiro de alívio. Não queríamos estar perto daquela coisa
quando caísse a noite. Era muito difícil de ver, mesmo com radar, e eu tinha
medo de que batêssemos nela e nos tornássemos suas últimas vítimas.”
capítulo 14
Uma manobra memorável

Coragem é graça sob pressão.


ernest hemingway

Uma metade do Fort Mercer já estava no fundo do mar. A outra metade, a popa,
ainda flutuava e era conduzida para o sul pelo vento e pelas ondas. Os homens a
bordo dela sentiam toda a gama de emoções; seu humor e suas perspectivas
subiam e desciam como o meio navio em que estavam presos. Quando o
petroleiro se partira ao meio, medo e confusão reinaram na popa. Irromperam
discussões sobre o que fazer, e a confusão ameaçara transformar-se em pânico e
caos, especialmente porque o líder, capitão Paetzel, afastara-se na proa do
Mercer. Alguns homens falaram em abandonar o navio em botes salva-vidas,
enquanto outros argumentaram que os botes deveriam ser guardados como
último recurso. O intendente Luis Jomidad tentara se garantir; ele disse mais
tarde: “Eu fui até o convés dos botes e subi até um deles com um machado. A
liberação era feita por fora do bote, e eu queria ter certeza de que funcionaria;
por isso levei o machado. Um sujeito estava louco e gritava: ‘Vamos pular no
mar!’, mas eu disse: ‘Não, espere até que afunde, e depois pulamos’. Durante as
quatro horas seguintes, fiquei sentado no bote salva-vidas com o machado na
mão, pronto para cortar a corda para liberá-lo”. O intendente, congelado até os
ossos, por fim havia voltado para dentro, mas ficara acordado a noite toda pronto
para correr de volta para o bote salva-vidas. “Se ele fosse baixado”, disse ele,
“eu queria estar ali fora.”
Embora a popa do Mercer pudesse virar, como a proa virara, os 34 homens na
popa tiveram sorte, porque nessa metade do navio ainda havia energia. Isso
significava que eles tinham luzes operáveis, bombas e um sistema de
aquecimento que funcionavam. Infelizmente, não havia rádio na popa, e a
tripulação não tinha como se comunicar com o navio mercante Short Splice, que
estava à espera. Os sobreviventes tinham aguentado até segunda-feira à noite, e,
nesse momento, terça-feira de manhã, rezavam para que a Guarda Costeira
chegasse e que seu navio fraturado ficasse à tona mais um pouco.

A tempestade que ameaçava tantas vidas estava longe de acabar e, a bordo do


Eastwind, o operador de rádio Len Whitmore estava deitado em seu beliche,
inquieto, enquanto o navio empinava e balançava. Estava na pausa de seu posto
no rádio, mas entre o movimento do navio e os dramáticos acontecimentos do
dia, dormir era quase impossível; por isso ele se vestiu, saiu da cama e subiu.
Len soube que o operador de rádio do Mercer, John O’Reilly, com quem ele
havia se comunicado antes da divisão do petroleiro, estava morto. Mais vidas se
perderiam?, ele se perguntava, antes de o Eastwind chegar ao local.Ele sabia que
a tripulação do barco de resgate só faria a diferença, depois de tanto treinamento,
se chegasse a tempo.
Um resgate também poderia ajudar a aliviar a dura lembrança da recente
história trágica do Eastwind. Apenas três anos antes, em 19 de janeiro de 1949, o
Eastwind se dirigia de Boston para Chesapeake Bay quando adentrou o denso
nevoeiro na costa de Nova Jersey. Inacreditavelmente, o que aconteceu depois
envolvera um petroleiro t-2, o Gulfstream, mas, nesse caso, o barco da Guarda
Costeira fora, em grande parte, responsável pelo acidente.
O relatório do inquérito da Guarda Costeira descreve os eventos: às 4h15, o
Eastwind estava atravessando a névoa a uma rápida velocidade de catorze nós,
quando o operador de radar captou um alvo, o Gulfstream, a cerca de cinco
milhas (oito quilômetros) de distância (o Gulfstream não tinha radar). O tenente
Roland Estey Jr., que estava de guarda como oficial de navegação, reconheceu
que o Eastwind e o alvo estavam em risco de colisão e, assim, ordenou uma leve
mudança de rumo; entretanto, nenhuma plotagem foi realizada para determinar o
caminho e a velocidade do alvo.
Apesar da mudança no rumo do Eastwind, o operador de radar apontou que
ainda estavam em rota de colisão, e a distância do alvo diminuía com rapidez.
Então, quando o alvo estava a menos de uma milha de distância, “desapareceu
no mar, fora do alcance do radar”. Como o radar não conseguia localizar o alvo,
Estey não desacelerou o Eastwind nem soou a sirene. E, então, através do
nevoeiro, o Gulfstream surgiu a pouco mais de cem metros de distância, indo
diretamente para o Eastwind.
Estey segurou o leme com firmeza, porém já era tarde demais. A proa do
enorme petroleiro bateu no quebra-gelo a estibordo, bem à ré da ponte,
“penetrando a tal profundidade que a parte superior de sua roda de proa se
ergueu contra a chaminé do Eastwind”. As duas embarcações se incendiaram. A
tripulação do Gulfstream conseguiu apagar o fogo em seu navio, mas no
Eastwind ele se espalhou rapidamente, incendiando a ponte, a sala de rádio e o
compartimento de amarração. Treze homens da Guarda Costeira morreram e
outros 21 sofreram queimaduras.
A comissão de inquérito observou que o Gulfstream estava se deslocando a
uma velocidade excessiva (quinze nós) no nevoeiro, mas que o Eastwind, sob as
“regras da estrada”, havia sido o principal responsável pelo acidente. Estey foi
indiciado por não seguir as ordens de informar o comandante se o radar captasse
qualquer alvo dentro de três milhas (cinco quilômetros), e de reduzir a
velocidade do propulsor da embarcação para 50 rpm e emitir sinais de nevoeiro.
O capitão do Eastwind também foi levado perante o Tribunal-Geral da Guarda
Costeira por permitir que um oficial com experiência insuficiente fosse o oficial
de guarda e que um homem inexperiente ficasse de sentinela. O incidente deixou
uma mancha na reputação da Guarda Costeira e no Eastwind, em particular.

Com o Eastwind quase no local da popa do Mercer, Whitmore olhou para o


céu acima das ondas tempestuosas e se perguntou como o capitão Peterson
procederia para o resgate. Whitmore havia acompanhado as comunicações de
rádio da Yakutat quando tentara resgatar os homens presos na proa do Mercer;
sabia das vidas salvas e das perdidas.
O segundo-tenente Larry White, a bordo do Eastwind, estava igualmente
consciente dos resultados mistos da Yakutat e esperava que sua equipe
conseguisse resgatar todos os homens da popa do Mercer. E também estava
preocupado com o efetivo a bordo do quebra-gelo, porque muitos homens
estavam mareados. “Havíamos preparado o navio duas semanas antes”, lembra
White, “para ir até o rio Hudson e quebrar o gelo. Contudo, o Eastwind estava
empinando e balançando. Acostumados com o rio, nós não havíamos tido muito
tempo para nos aclimatar com o mar, e boa parte dos homens estava mareada
demais para exercer suas funções, de modo que outros tiveram de trabalhar em
dobro.”
White era um dos homens não mareados e, quando o Eastwind ficou ao
alcance visual do Mercer, ele observou que as ondas invadiam a ponta irregular
do petroleiro, descendo em cascata. O jovem segundo-tenente percebeu que isso
dificultaria o trabalho dele e de seus companheiros. Ficou surpreso ao ver
fumaça saindo das chaminés do petroleiro, mas notou que a parte traseira da
popa estava inclinada para cima; dava para ver sua hélice cada vez que uma onda
batia. À medida que o Eastwind se aproximava do casco, White e Whitmore
viram vários tripulantes do petroleiro no parapeito do convés acenando
freneticamente para eles. O Eastwind navegou com lentidão a sota-vento do
petroleiro para evitar ficar em uma posição na qual o Mercer pudesse derivar
para cima dele.
A primeira decisão do capitão Peterson no local foi estabelecer comunicação
com o Mercer. Para isso, ele instruiu que uma corda com peso — punho de
macaco — fosse lançada ao petroleiro. Na ponta da corda havia um rádio portátil
em um recipiente à prova d’água, e os marinheiros do petroleiro conseguiram
levá-lo a bordo. Uma vez que retiraram o rádio do recipiente hermético, puderam
começar a falar com o barco de resgate. O engenheiro chefe Jesse Bushnell, de
Pasadena, Texas, homem de mais alta patente na popa do petroleiro, disse ao
capitão Peterson que alguns homens haviam decidido tentar a sorte ficando no
casco, ao passo que outros queriam sair imediatamente. Peterson respondeu que
mandaria um bote inflável. Sua equipe disparou outra corda para o petroleiro.
Anexa a ela havia outra mais pesada, presa ao bote salva-vidas; a outra ponta
dessa corda estava presa ao Eastwind.
Quando os sobreviventes fixaram a ponta da corda no lado em que estava o
bote salva-vidas, três homens imediatamente pularam no mar e subiram nele. A
cena não foi tranquila, porque o mar ainda estava agitado e o Eastwind
balançava tanto que a corda saía da água, erguendo os homens e o bote no alto.
E, em seguida, o bote caía de volta na água, fazendo com que os sobreviventes
não conseguissem se segurar — a única coisa que impedia a morte certa no mar
gelado.
Uma rede foi baixada do Eastwind, e três homens da Guarda Costeira — John
Courtney, Roland Hoffert e Eugene Korpusik — ofereceram-se para ficar nela e
ajudar os sobreviventes a subir. Cada vez que o Eastwind balançava, os
voluntários afundavam totalmente, mas mantinham-se firmes. Quando o bote
chegou ao lado do quebra-gelo, os socorristas conseguiram amarrar cordas em
volta deles e içá-los a bordo. Contudo, o capitão Peterson já tinha visto o
suficiente e, balançando a cabeça, cancelou a operação, sabendo que havia tido
sorte de tirar os sobreviventes da água com segurança.
Durante o evento, um segundo barco de resgate, o Acushnet, chegou ao local,
depois de amargar por 24 horas, desde Portland, nas garras da tempestade. O
litoral do Maine havia sido especialmente atingido pela nevasca, e o Portland
Herald Press relatava em grandes manchetes: tempestade paralisa estado:
agência meteorológica a iguala à pior da história. O Acushnet estava ancorado
em Portland para reparos, e metade de sua tripulação fora dispensada e deixada
em terra, incluindo seu capitão, John Joseph. Ele estava em sua casa em South
Portland quando recebeu o telefonema sobre o Pendleton e o Mercer.
“Comandante, Acushnet chamando. Chegou uma mensagem da sede, em
Boston. Dois petroleiros se partiram em Cape Cod, e estamos indo fazer o
resgate.”
Joseph sabia que teria dificuldade de localizar sua tripulação e respondeu:
“Tente reunir a tripulação por telefone. Se não conseguir, ligue para as estações
de rádio locais e transmita-lhes uma mensagem. Eu estarei lá”. Contudo, era
mais fácil falar que fazer. O carro de Joseph havia encalhado nos montes de neve
na ponte de Portland Vaughan Street. Sabendo que levaria horas para ir andando
até o cais no qual o Acushnet estava atracado, chamou a Estação da Guarda
Costeira de South Portland. Eles mandaram um barco patrulha, que chegou pelo
rio, pegou Joseph na ponte e o levou ao Acushnet. Outros tripulantes também
lutaram com a neve, mas todos conseguiram chegar. O Acushnet, de 213 pés,
saiu do porto de Portland e seguiu para o sul na tempestade. Entre as pessoas a
bordo estavam dois jovens socorristas, John Mihlbauer e Sid Morris, que se
lembram de uma viagem muito difícil até o Mercer e ficaram felizes de ter o
capitão Joseph no comando. “Certamente fiquei contente de ver o capitão Joseph
a bordo”, diz Morris. “Ele havia comandado admiravelmente o navio em vários
resgates a pesqueiros em Grand Banks, e a tripulação tinha um sentimento
unânime de confiança em nosso capitão, um veterano da Guarda Costeira há 25
anos. Eu sabia que seria uma viagem ruim, porque já estava difícil nos manter
eretos ainda quando estávamos no porto. E, quando aceleramos em mar aberto e
chegamos ao farol de Portland, todo mundo que achava que enjoaria na viagem
passou mal, e os outros estavam começando a querer marear também.”
Normalmente, a viagem de Portland até a posição do Mercer, perto de
Nantucket, levava dezoito horas, mas, em decorrência das enormes ondas,
demoraram seis horas a mais, o que deu a todos a bordo muito tempo para ficar
enjoados.
Morris se recorda de como ficou boquiaberto quando viu a popa do Mercer.
“Eu vi lascas gigantescas, irregulares, de aço partido, e marinheiros
desesperados, implorando, agarrados ao parapeito.” Mihlbauer se lembra de
chegar a tempo para ver o Eastwind puxar o bote salva-vidas com os
sobreviventes de volta. “Dava para ver a dificuldade do Eastwind com o bote”,
lembra Mihlbauer. “O bote jogava para cima e para baixo, e rodava também. Eu
estava com o coração na boca sabendo que havia homens naquele bote.”
O capitão Joseph também observava, pensando na sorte que os homens no
bote haviam tido de chegar vivos ao Eastwind. Mesmo assim, começou a cogitar
outra maneira de fazer o resgate. “Do jeito que o mar estava revolto”, disse
Joseph, “parecia que a popa em breve ia se juntar a sua proa nas profundezas do
oceano. Alguma coisa tinha de ser feita rapidamente. Eu fui para a sala de rádio
e sinalizei ao comandante do Eastwind, dizendo: ‘Comandante, gostaria de levar
o Acushnet ao lado do petroleiro; assim, os sobreviventes poderiam pular para
nosso convés. É arriscado, mas acho que podemos fazer isso’.”
No Eastwind, o capitão Peterson — o comandante no local de toda a operação
de resgate — hesitou antes de responder, ponderando o risco tanto para os
sobreviventes quanto para o próprio Acushnet. Esse barco, um rebocador
oceânico da Guarda Costeira, era menor e mais manobrável que o Eastwind,
mas, ainda assim, a tática era altamente incomum, em especial no meio de uma
tempestade. Se os navios colidissem por causa das ondas furiosas, a tripulação
do Acushnet poderia se encontrar em quase tanto perigo quanto os sobreviventes
no petroleiro. Peterson estava ciente desses riscos, bem como do escrutínio por
que passaria se a manobra falhasse, mas também sabia que não tinham mais
opções. Passou um aviso pelo rádio para que o capitão Joseph tentasse.
Joseph explicou o plano a seu timoneiro, Harvey Madigan, instruindo-o a
fazer um semicírculo com o Acushnet, a abordar o petroleiro por trás e a deslizar
ao lado dele até restarem em torno de três metros entre os dois navios. Então,
quando o Acushnet estivesse paralelo ao petroleiro, desligariam os motores e
deixariam o barco de resgate deslizar um pouco mais, para que os sobreviventes
pudessem pular sobre a saliência no extremo da popa. Joseph acrescentou
palavras de cautela: “Harvey, podemos fazer isso, mas você precisa ter cuidado.
Não deixe a proa balançar para o petroleiro. Se isso acontecer, seremos
esmagados contra ela, pode ter certeza. Mantenha a proa apontada para fora e vai
dar tudo certo”. Os dois homens ficaram em silêncio e estudaram a corrente e o
vento, tentando determinar quão rapidamente estariam à deriva quando as
hélices parassem de girar.
Joseph se posicionou na asa da ponte, onde podia ver a saliência no extremo
da popa de seu barco — local em que os sobreviventes pulariam. Ele fez
Madigan lentamente executar o semicírculo e levar o barco para a traseira do
petroleiro, onde estavam os motores mortos, para poder reavaliar a taxa de
deriva. Quando os motores a diesel ficaram em silêncio, o impulso do Acushnet
os impeliu para a frente, onde se erguia o petroleiro que afundava. Mil
pensamentos passaram pela cabeça de Joseph: E se uma onda súbita esmagar os
barcos um no outro e os afundar? E se os sobreviventes caírem entre os navios e
forem esmagados? E se o óleo do petroleiro explodir no momento do impacto?
Que será de meu futuro se não conseguirmos? Esses possíveis resultados o
fizeram parar, mas só por um segundo ou dois. “Um terço adiante!”, ordenou.
Já estavam perto o suficiente para ver com clareza o desespero gravado na
face dos sobreviventes alinhados na amurada do petroleiro. Nesse momento,
uma onda do tamanho de uma montanha jogou a proa do Acushnet em direção à
hélice do petroleiro. Madigan girou o volante furiosamente e Joseph gritou ao
telefone que ligava com a sala de máquinas: “Frente a estibordo, traseira a
bombordo”. Os motores provocaram ainda mais espuma no oceano. A apenas
alguns metros do impacto, a proa do barco de resgate parou e, devagar, começou
a se inverter.
Joseph e Madigan soltaram um breve suspiro de alívio e, quando o Acushnet
começou a ir direta e perpendicularmente para o petroleiro, Joseph gritou: “Para
trás os dois motores”. Com cuidado para manter a proa apontada para longe do
petroleiro, Madigan virou o volante para que a popa do barco diminuísse mais
perto do petroleiro. A distância entre a saliência no extremo da popa do
Acushnet e o Mercer diminuíra para poucos centímetros e, em seguida, um leve
tremor atravessou o barco quando sua popa bateu no petroleiro. “Pare os dois
motores!”, gritou Joseph.
Era hora de os sobreviventes pularem, mas nenhum deles se mexeu. E quem
poderia culpá-los? Eles viam como os dois barcos, a apenas alguns centímetros
de distância, subiam e desciam de forma caótica. Os sobreviventes ficaram
paralisados, indecisos.
O tenente da Guarda Costeira, George Mahoney, Sid Morris, John Mihlbauer
e alguns outros homens foram para o convés de popa do Acushnet,
escorregando, esperando que a tripulação do petroleiro pulasse. Mahoney gritou:
“Vamos lá rapazes, pulem! Vamos pegá-los!”. Ainda assim, ninguém sequer
ergueu uma perna sobre a amurada. O petroleiro e o barco de resgate eram como
duas extremidades de uma gangorra, e foi só por um breve momento que a popa
da embarcação guarda-costas se ergueu um pouco mais de um metro acima do
convés antes de mergulhar de novo.
Mahoney, frustrado pela falta de ação dos sobreviventes, levou as mãos em
concha ao redor da boca e gritou: “Pessoal, não podemos ficar aqui o dia todo!
Pulem!”.
Por fim, um sobrevivente saiu do transe, subiu na amurada e, em seguida, fez
uma pausa, esperando que o barco de resgate subisse na próxima onda. Quando
o barco ficou a menos de um metro abaixo e apenas meio metro distante do
petroleiro, ele se atirou para a frente, caindo no convés.
Seu salto bem-sucedido deu confiança aos outros e, assim, um segundo
homem escalou a amurada, preparando-se para pular. Os barcos agora estavam
mais separados, e Mihlbauer acenou com a mão e gritou: “Ainda não! Espere um
segundo. Muito bem, prepare-se. Pule!”. O sobrevivente fez como ele disse e
pulou, com apenas alguns centímetros de margem, quase morrendo esmagado
entre os barcos.
O capitão Joseph descreveu o que aconteceu quando o terceiro homem pulou.
“Ele subiu na amurada e pulou. No entanto, havia esperado demais. Ele pulou
quando estávamos descendo. Seus pés tocaram nossa amurada e ele caiu para
trás, rumo ao espaço estreito entre os cascos dos navios. Horrorizado, vi quando
um grito começou a sair de sua boca.” Dois socorristas correram na direção do
homem e o agarraram pelo casaco, mas o impulso e o peso do sobrevivente
começaram a puxar todos por sobre a amurada. Então, mais três socorristas
seguraram os marinheiros e o sobrevivente, e todos foram puxados de volta para
o convés.
Os sobreviventes restantes ficaram mais relutantes que nunca para pular. Dois
socorristas, no entanto, agindo por conta própria, quando o barco de resgate se
ergueu sobre uma onda e quase se nivelou com o petroleiro, simplesmente
estenderam a mão e cada um puxou um sobrevivente do Mercer para o convés
do guarda-costas. Os dois socorristas estavam se preparando para fazer isso de
novo quando uma onda particularmente grande levantou a parte traseira do
Mercer tão alto que parecia que desabaria sobre o barco de resgate. Homens se
espalharam pelo convés temendo ser esmagados, quando Joseph gritou ao
telefone: “Toda velocidade a frente”.
Sid Morris relembrou o que aconteceu em seguida: “Os motores gemeram e se
retesaram, os tabiques e as plataformas tremeram com a súbita vibração
lacrimejante, os parafusos duplos se agitaram furiosamente e, depois do que
pareceu uma eternidade, nosso barco se esticou e caiu para a frente, longe das
bordas afiadas da hélice do petroleiro”.
A hélice, porém, estava tão perto que arranhou a amurada. O capitão Joseph,
permitindo-se respirar de novo, decidiu que a sorte estava do lado deles e
ordenou ao timoneiro que tentasse de novo. Quando voltaram à posição, mais
uma vez tiveram de convencer os sobreviventes. Sid Morris recorda-se de que
um marinheiro corpulento pulou, derrapou loucamente — em pé — pelo convés
e bateu na amurada, sendo salvo graças à ação rápida de um socorrista que o
segurou antes que caísse para fora do navio. O sobrevivente, mais tarde, contou a
Sid que havia deslizado tanto porque colocara os sapatos novos que queria
salvar.
Um total de dezoito homens pulou do petroleiro para o barco de resgate, sem
uma única baixa. Treze tripulantes, no entanto, decidiram que era mais seguro
ficar no navio que pular. Joseph mandou uma rápida mensagem para a sede:
sobreviventes embarcados, manobrando popa do acushnet para lado do
petroleiro. dois passes. recebeu cinco homens no primeiro e treze no segundo.
O capitão Joseph pediu e recebeu permissão para levar os dezoito
sobreviventes para Boston, visto que dois deles precisariam ser hospitalizados.
Os outros, que escaparam sem um arranhão, estavam em êxtase por estarem em
segurança a bordo de um barco da Guarda Costeira, com café quente, comida e
roupa seca. Todos ficaram aliviados, para dizer o mínimo. “O momento mais
feliz de minha vida”, disse o intendente Hurley Newman, “foi quando pulei para
a popa do Acushnet.”
O Acushnet deixou o local do acidente no fim da tarde e navegou durante toda
a noite até Boston. Quando o capitão Joseph, sua tripulação e os sobreviventes
chegaram a Boston, às oito horas da manhã da quarta-feira, ficaram surpresos
com a enorme multidão reunida perto das docas. Uma alta ovação se ergueu
entre os espectadores e soaram buzinas. A imprensa estava ali em peso, fazendo
perguntas e tirando fotos dos sobreviventes que desciam a prancha. Quando o
capitão Joseph surgiu, ergueu-se outra ovação. Dois sobreviventes, Massie Hunt
e Alan Nimm, puseram-se um de cada lado do capitão, passaram os braços ao
redor dos ombros dele e abriram um largo sorriso quando a Associated Press
tirou a foto que saiu na primeira página de vários jornais, em todo o país. Mais
tarde, quando o capitão Joseph e o Acushnet chegaram a Portland, outro enxame
de pessoas aguardava, incluindo a família do capitão. Joseph escreveria, mais
tarde: “Saí da ala da ponte para receber os parabéns. Quando olhei para a
multidão reunida e acenei para minha esposa, meu filho mais novo gritou alto:
‘Qual é o problema, pai? Por que não tirou todos de lá? Afrouxou?’”. Joseph só
pôde sorrir e balançar a cabeça.
capítulo 15
Terça-feira na Estação de Chatham

Fraternidade é o preço real e a condição de sobrevivência do


homem.
carlos p. romulo

Bernie Webber esfregou seus olhos cansados; todas as articulações de seu corpo
doíam. Apesar da exaustão, ele não havia dormido bem. Bernie ergueu seu corpo
maltratado do beliche e olhou pela sala. As dores faziam-no recordar o que havia
acontecido. Ele e sua corajosa tripulação haviam resgatado 32 marinheiros em
um pequeno bote salva-vidas. Webber olhou para baixo e achou que estava
sonhando. Notas de dólar estavam espalhadas pelo chão e sua gaveta
transbordava de dinheiro. Sem saber o que significava, Webber rapidamente se
vestiu, pegou todo o dinheiro e desceu a escada. Havia sobreviventes em toda
parte, deitados em camas dobráveis e no chão. Bernie levou o dinheiro ao
contramestre Cluff.
“De onde veio todo esse dinheiro?”, perguntou. Cluff lhe disse que o dinheiro
era um presente coletado pelos sobreviventes do Pendleton que haviam
conseguido pegar alguns de seus pertences antes de abandonar o navio. O
dinheiro doado acabou servindo para comprar um aparelho de televisão para a
Estação de Chatham, um luxo raro em 1952. Contudo, outras pessoas percebiam
Bernie de forma diferente; seus superiores estavam irritados por sua violação do
protocolo durante o resgate. Cluff disse a Webber que alguns oficiais superiores
ficaram resmungando as palavras “corte marcial”, porque Bernie havia desligado
o rádio e ignorado as autoridades superiores na viagem de volta a Old Harbor.
Cluff prometeu a Webber que lidaria com as consequências e disse que não se
preocupasse. No entanto, Cluff não precisou interceder a favor de Bernie ou de
qualquer outro membro da equipe. Mais tarde, o contra-almirante H. G.
Bradbury, comandante do Primeiro Distrito da Guarda Costeira, enviou a
seguinte mensagem prioritária:
Parabéns a todos os participantes das operações de resgate do ss pendleton. a bernard c.
webber, contramestre no comando da cg36500, e aos tripulantes, engenheiro andrew j.
fitzgerald, marinheiro richard p. livesey e marinheiro ervin e. maske sn. cito: “sua atuação
extraordinária e total despreocupação com sua segurança ao atravessar as perigosas águas do
chatham bar em meio a ondas imensas, extrema escuridão e neve durante o violento temporal
de inverno para resgatar da morte iminente 32 dos 33 tripulantes presos na popa partida do
malfadado petroleiro, minutos antes que ele emborcasse [...] mostra seu grande mérito e seu
serviço completo”.

Richard Livesey acordou naquela manhã com dor de garganta e a cabeça


latejando. Temia estar com pneumonia. Tinha uma semana de folga e queria
chegar a sua casa o mais depressa possível. Todavia, Livesey e o resto da
tripulação haviam sido orientados a esperar até que um médico os examinasse,
mais tarde. Richard ficou aliviado quando o médico lhe informou que não estava
gravemente doente. Contudo, o alívio logo se transformou em frustração quando
o médico disse que queria manter Livesey e os outros tripulantes em observação
por uma semana, o que significava que sua folga seria adiada.
Os sobreviventes do Pendleton não ficaram na Estação de Resgate de
Chatham por muito tempo, mas aproveitaram a oportunidade para expressar seus
sentimentos a Webber e à tripulação. “Nunca vou esquecer vocês,
companheiros”, disse o sobrevivente Frank Fauteux, apertando a mão de todos.
“Deus os abençoe, de coração.” O limpador Fred Brown balançou a cabeça.
Mais tarde, embarcaram em um ônibus com destino ao Hotel Essex, em Boston.
No caminho, tiveram de pegar dois tripulantes: Aaron Posvell, 51 anos, de
Jacksonville, Flórida, e o amigo íntimo de Tiny Myers, Rollo Kennison, que
haviam sido tratados do choque e da imersão no Hospital Cape Cod, em
Hyannis. Quando o ônibus deixou a Estação de Chatham, os marinheiros
passaram pelos destroços de seu navio que brilhavam ao sol da manhã. “Lá está
ele”, disse o jovem Carroll Kilgore, com tristeza na voz.
Àquela altura, a notícia do resgate havia se espalhado muito além da pequena
aldeia de Chatham. Os jornais locais informaram sobre a captura do ladrão de
bancos Willie Sutton, os planos para a primeira cerimônia semipública da recém-
coroada rainha Elizabeth e também sobre as iminentes núpcias de Elizabeth
Taylor e o ator britânico Michael Wilding. No entanto, a história do dia foi
claramente o drama que continuava a se desenrolar na costa de Cape Cod. Um
dos principais jornais de Boston, o Daily Record, publicou a manchete em
negrito: Trinta e dois resgatados e 55 agarrados aos navios partidos em cape. O
Cape Cod Standard Times publicou uma manchete que anunciava: Quatro barcos
de resgate de chatham resgatam 32 de dois petroleiros fraturados em cape. A
primeira página do Boston Globe relatou: Trinta e dois salvos dos petroleiros. O
jornal também publicou uma foto do capitão John J. Fitzgerald com o subtítulo:
Capitão de boston morre na proa do pendleton. Essa declaração foi certamente
prematura, em especial para a família de Fitzgerald.
Margaret Fitzgerald havia recebido a primeira notícia de que o marido estava
em apuros na noite de 18 de fevereiro. O filho de 11 anos do capitão do
petroleiro, John J. Fitzgerald iii, ouviu o telefone tocar, quando ele e seu irmão
estavam assistindo a um episódio de The Adventures of Kit Carson na televisão.
Sua mãe atendeu e, em seguida, ficou ouvindo em silêncio, enquanto lhe
transmitiam as notícias preocupantes. “Meu Deus!”, gritou Margaret. “Meu
marido morreu?” A pessoa do outro lado da linha disse a ela que a situação ainda
era confusa. Falou sobre as quatro operações de resgate simultâneas, e que, até o
momento, o destino de seu marido não era conhecido. Margaret Fitzgerald
desligou o telefone, tentou recuperar a compostura e reuniu seus quatro filhos
para lhes dar a notícia. Assim como seus três irmãos, John iii teve dificuldade de
compreender o que sua mãe estava tentando dizer. Era inconcebível pensar que
seu pai poderia não mais voltar para casa. Embora o menino estivesse
acostumado às ausências prolongadas do pai — de fato, o capitão do petroleiro
estivera em casa somente 45 dias naquele ano —, ele o esperava entrar pela
porta da frente com os braços cheios de presentes. Enquanto isso, sua mãe tomou
providências para que seus filhos ficassem bem e, em seguida, foi para Chatham.
Millie Oliveira era a única esposa a esperar no saguão do Hotel Essex, quando
os sobreviventes, cansados, foram saindo do ônibus depois de uma viagem de
duas horas e meia até Boston. Flanqueada por dois de seus três filhos, ela
abraçou o marido, Aquinol, assim que ele entrou no saguão aquecido. Durante as
longas horas encalhado na popa, o magro cozinheiro de óculos temera nunca
mais ver sua família. Aquinol Oliveira e seus 31 companheiros receberam
acomodações gratuitas no Essex, enquanto esperavam para dar suas declarações
no iminente inquérito da Guarda Costeira — procedimento padrão depois de
uma tragédia daquela dimensão. Antes disso, porém, os sobreviventes tiveram de
descrever sua angustiante provação para ansiosos repórteres que não haviam ido
até Chatham. Durante uma entrevista para o Boston Post, Aquinol disse que
estava cozinhando no momento da fratura do navio e que seu rosto estava
coberto de farinha quando ele subira correndo para ver o que havia acontecido.
Também disse que a tempestade havia sido pior do que qualquer coisa que os
alemães houvessem jogado contra seu navio durante a invasão da Sicília, nove
anos antes. Rollo Kennison carregava um pacote de papel triangular quando
falou com os repórteres. Quando lhe perguntaram o que era aquilo, Kennison
estendeu a mão e tirou o sinalizador que George “Tiny” Myers havia lhe dado,
antes de morrer. “Ele era bom demais para morrer”, disse Kennison, ainda
abalado, aos membros da imprensa.
Margaret Fitzgerald andava pela praia, na manhã seguinte, com os braços
cruzados para se proteger do frio. Ela olhava para as ondas e se perguntava se o
mar havia levado seu marido. Ela não estava sozinha. Centenas de pessoas
haviam ido até o penhasco em Chatham naquele dia para ver ao vivo os
destroços do Pendleton. A multidão era tão grande que patrulhas especiais de
polícia tiveram de ser chamadas para dirigir o tráfego. Para muitos espectadores,
a imagem da popa retalhada era um lembrete ameaçador do poder do mar.
Outros, porém, olhavam os destroços e viam apenas oportunidade.
Corriam rumores de que uma pequena fortuna havia sido deixada para trás em
uma das mesas na popa. Diziam que um grupo de marinheiros estava jogando
baralho quando foi notificado de que um barco de resgate estava se aproximando
do navio. Quando os tripulantes começaram a recolher o dinheiro, um jogador
recordou aos outros a superstição dos marinheiros que diz que um homem que
recolhe suas apostas, enquanto abandona o navio, um dia perecerá vítima do
mar. O boato começou só porque os sobreviventes tinham dinheiro suficiente
com eles para encher a gaveta de meias de Bernie Webber e o chão ao redor de
seu beliche. No entanto, muitos dentre os pescadores de Chatham acreditavam
nele, também tentados pela sala de máquinas totalmente equipada do navio,
caros equipamentos de navegação e grande oferta de vestuário. A Guarda
Costeira havia dito que não patrulharia as duas metades do Pendleton, se não
recebesse ordens para isso. As ordens nunca chegaram, de modo que, em
consonância com a tradição de rapina do perímetro de Cape Cod, David Ryder e
outros se arriscaram nas águas agitadas em busca do tesouro. Ryder usou o
próprio barco de 38 pés, Alice & Nancy, para se aproximar da popa, enquanto
dois amigos subiam a bordo e vasculhavam a carcaça. Ryder se recusara a subir
a bordo e observou os outros homens deslizarem pelo convés oleoso. Entre os
itens coletados nos destroços estava a bujarrona vermelha do Pendleton, que
permanece na família Ryder até hoje.

Enquanto a multidão nas praias de Chatham testemunhava a fúria da


tempestade, um grupo de espectadores se reunia a cerca de trinta quilômetros de
distância, em Barnstable, onde a tripulação de um navio açoitado tinha a própria
história de sobrevivência. Como o Pendleton e o Fort Mercer, o pesqueiro de
arrasto 40 Fathoms, de sessenta pés, também havia sido pego por uma assassina
tempestade Nor’easter. A embarcação deixara o porto de Barnstable no sábado,
16 de fevereiro, e se dirigira para as abundantes áreas de pesca a 45 quilômetros
de Provincetown. A tripulação tinha conseguido pegar quase 230 quilos de
vieiras antes da tempestade do dia seguinte. O capitão Warren Goff e seus três
tripulantes viram-se presos no mar quando uma onda enorme invadiu o barco,
quebrando a janela da cabine do piloto e encharcando o ecobatímetro, o
triangulador de sinais e o rádio.
Sem nenhum meio de navegação, o capitão Goff adentrara ainda mais o mar
com o 40 Fathoms, na esperança de escapar da tempestade. Goff tinha mantido o
navio em movimento durante três horas e, em seguida, refeito sua rota e repetido
o processo. Por fim, ele virara o pesqueiro de arrasto e rumara para o sul. No
meio da tarde de segunda-feira, 18 de fevereiro, Goff conseguira dirigir seu
navio para Dennis. Tinha encontrado a entrada para Old Island, na baía de Cape
Cod, onde ele e seus homens esperaram passar a tempestade. A tripulação
voltara com segurança para o porto de Barnstable no dia seguinte. Só então
descobriria que outros marinheiros capturados na mesma tempestade não haviam
tido a mesma sorte.
capítulo 16
Treze homens ainda a bordo

O caminho certo para não falhar é determinar-se a ser bem-


sucedido.
richard brinsley sheridan

Nas ondas ao sudeste de Nantucket, a quarta-feira amanheceu brilhante. A luz do


sol iluminava as benignas ondas de pouco mais de três metros que o Eastwind
cavalgava com graça. Apesar das condições mais agradáveis, Len Whitmore
estava exausto. Pareciam ter se passado semanas desde que a primeira
mensagem de socorro do Fort Mercer tinha chegado pelo rádio, mas, na verdade,
haviam sido apenas 48 horas. A experiência toda fora meio surreal. Len pensou
sobre quanto se preocupara em chegar ao local tarde demais, e, mesmo assim,
não ter havido perda de vidas na popa do Mercer. Na verdade, os treze homens
que haviam escolhido ficar na popa estavam indo muito bem e não tinham a
intenção de ser retirados do mar. Len não sabia se era porque viram como era
perigoso pular para o Acushnet e se sentiram mais seguros no navio, ou se
estavam pensando em seus empregos — a tripulação devia saber que se todos
abandonassem o navio, alguém poderia subir a bordo e reivindicar direitos. Os
proprietários do navio não ficariam muito satisfeitos com esse resultado e,
provavelmente, recompensariam quem permanecesse a bordo.
Em algumas horas, nada disso importaria para Whitmore, porque rebocadores
estavam indo amarrar cabos na popa para rebocá-la para o porto. Logo, ele e
seus colegas receberiam a folga tão necessária. O Eastwind tinha três
sobreviventes a bordo; estavam indo para Boston. O Unimak ficaria com a popa
do Mercer até que os rebocadores chegassem e se certificassem de que o capítulo
final correra bem. Len pensou na sequência de eventos. A imagem do Acushnet
se aproximando do petroleiro durante a tempestade era uma de que ele sempre se
recordava, dentre todas. Também se lembrava das mensagens trocadas em
código Morse com o operador de rádio do Mercer, John O’Reilly, que não
sobrevivera além daquele primeiro dia.
O resgate, no entanto, fora considerado um grande sucesso; marinheiros, bem
como o público, elogiaram a Guarda Costeira por utilizar efetivamente cada
recurso de seu arsenal, incluindo botes infláveis, pequenas embarcações,
estações de radar, aeronaves e embarcações de resgate de todos os tipos. Os
jornais e as emissoras de rádio e televisão não conseguiam dar total cobertura ao
resgate, e, enquanto o capitão Peterson, do Eastwind, ainda estava no local,
solicitações dos jornalistas chegavam a ele, incluindo a seguinte mensagem de
rádio: “John Daley chama capitão Oliver Peterson para ser seu convidado no
programa de tv da cbs, na noite de segunda-feira, 25 de fevereiro. O programa se
chama It’s News to Me. Se puder comparecer, confirme quanto antes”.
Mais tarde, os rebocadores Foundation Josephine, proveniente de Halifax,
Nova Escócia, e M. Moran, de Nova York, chegaram ao local. O Eastwind
notificou a central da chegada, acrescentando:
Os treze restantes a bordo [do mercer] consistem de voluntários para operar o navio e
funcionários velhos demais ou inaptos fisicamente para desembarcar nas condições existentes.
um tripulante tem ferimentos leves nas costas e outro apresenta leve caso de pleurite, mas está
em boas condições. foram entregues suprimentos médicos e cigarros ao fort mercer. dos três
sobreviventes a bordo do eastwind, um possui dor inguinal que pode indicar hérnia.

Uma hora depois, Len Whitmore partiu do local do acidente. Sua missão havia
sido cumprida. Todavia, para outros, estava apenas começando. A popa do
Mercer havia ido para sudeste, posicionando-se a cerca de quarenta milhas (64
quilômetros) ao sul de Nantucket no momento em que os primeiros rebocadores
chegaram. Inicialmente, o Foundation Josephine lançou um cabo para a popa do
Mercer e os homens a bordo puxaram-no. Anexa ao cabo havia uma corda forte
e grossa chamada sirga, que foi presa ao engate de reboque à ré da popa do
Mercer. Como a extremidade da frente do casco era uma massa de aço mutilado,
decidiram rebocar a embarcação pela extremidade traseira, para trás. O segundo
rebocador, o M. Moran, em seguida, amarrou uma sirga de sua popa à proa do
Foundation Josephine, e a operação de reboque procedeu em conjunto, com o M.
Moran à frente, seguido pelo Josephine e, então, pelo petroleiro. A procissão
avançava lentamente a cinco nós, indo para Narragansett Bay e Newport, em
Rhode Island.
Os jornais cobriram cada fase da operação de resgate. The New York Times
relatou que “luzes amarelas brilharam esta noite na popa do Fort Mercer e uma
coluna de fumaça subiu da chaminé. Os homens que optaram por ficar no navio
tinham luz e aquecimento, porque as caldeiras e quase todas as máquinas do
navio estavam nessa metade. Havia abundância de alimentos na cozinha”. A
empresa proprietária do petroleiro, a Trinidad Corporation, talvez preocupada
com a responsabilidade, caso o meio petroleiro afundasse de repente durante a
operação de reboque, anunciou que não havia participado da decisão dos treze
homens de permanecer a bordo. Um porta-voz da empresa disse: “Os treze
homens permaneceram a bordo por escolha deles. Hoje em dia, os tripulantes
fazem a própria escolha. Foi apenas a opção dos tripulantes”.
Independentemente da razão, a popa do Mercer tinha um valor que ia além de
seu casco de aço; detinha 45 mil barris de petróleo e toda a maquinaria do navio.
Na sexta-feira, os rebocadores chegaram a Narragansett Bay. Um capitão de
Newport levou três membros da Associated Press a bordo da popa, e o redator
Tom Horgan relatou que ele e dois fotógrafos haviam sido os “primeiros
visitantes a embarcar no casco partido, desde a fratura”. Horgan relatou que
quando subiu a bordo o cozinheiro do navio o levou a uma cozinha impecável,
na qual longas mesas estavam cobertas de linho branco limpo. Os treze
tripulantes estavam vivendo em grande estilo, e os convidaram para um café da
manhã com panquecas, ovos “de todo jeito”, batatas, bacon, leite e café. O
tripulante Lionel Dupuis, entrevistado por Horgan, explicou como soube que o
navio havia se dividido ao meio: “Eu estava tomando sopa de ervilhas na
cozinha. Corri para o convés quando ouvi o barulho. Vi uma proa e pensei:
‘Santo Deus, vamos bater em outro navio’. E, então, vi o nome na proa e percebi
que nosso próprio navio havia se partido ao meio!”.
A chegada do Mercer a Newport foi um grande acontecimento. O Boston
Herald informou que “milhares de motoristas e outras pessoas cobriam a praia
quando os rebocadores puxaram a popa do Mercer para as águas calmas do porto
de Newport”. Em uma estranha coincidência, John Mihlbauer, tripulante do
Acushnet, que havia ajudado a resgatar os três homens da popa, estava visitando
seus sogros em Newport e se questionou por que uma multidão se reunia na orla.
Perguntou a um vizinho o que estava acontecendo. “Fiquei chocado”, lembra
Mihlbauer, “quando me disseram que rebocadores estavam puxando a popa do
Fort Mercer para o porto. Desci para ver e pensei: Se essa coisa ainda está à
tona, por que tivemos todo o trabalho de tirar os homens de lá?”. No entanto,
Mihlbauer logo se lembrou de como a proa do Mercer havia virado menos de
vinte minutos depois de o último homem pular do navio e sabia que o destino da
popa poderia ter sido o mesmo.
Três dos homens que ainda estavam a bordo desembarcaram por fim em
Newport: Samuel Barboza, de New Bedford, tinha algumas costelas quebradas;
Coit Howard, de Bristol, Connecticut, estava com pleurite; e Alphonse Chauvin,
de 72 anos, proveniente de Nova York, só queria ir para casa. Os restantes dez
tripulantes decidiram permanecer a bordo durante a etapa final da viagem, até
um estaleiro em Nova York. Eles tiveram uma atitude semelhante à do tripulante
Earl Smith, da Filadélfia, que disse: “Nós o trouxemos até aqui; podemos muito
bem levá-lo pelo resto do caminho”. Os outros homens que ficaram a bordo
foram Jesse Bushnell, de Pasadena, Texas; Wilfred Heroux, de Woonsocket,
Rhode Island; Byron Mathewson, de Concord, New Hampshire; Howard Colby,
de Houston, Texas; Charles Duprey, de Wolverine, Michigan; Lionel Dupuis, de
Fall River, Massachusetts; Chester Brodacki, de Corpus Christi, Texas; Michael
Crawley, de Houston; e Arthur Cunningham, de Camas, Washington.
Antes de a popa ser rebocada de Newport para Nova York, foi inspecionada
pela seguradora e pelas autoridades federais e considerada em condições de
navegar. A Trinidad Corporation disse que a popa era mais ou menos “dois
terços do navio, e não metade”, e valia aproximadamente 2 milhões de dólares.
A viagem de Newport a East River, Brooklyn, levou apenas 26 horas. No
estaleiro, uma nova proa foi fixada à popa, e quando a reconstrução foi
concluída o navio foi rebatizado de San Jacinto. Ele foi modificado e ganhou
mais um conjunto de tanques de carga; foi estendido em quarenta pés, passando
a 545 pés de comprimento. O San Jacinto cobriu rotas de navegação pelos
Estados Unidos por mais uma dúzia de anos, até que o destino encontrou o
bendito petroleiro mais uma vez. Em 25 de março de 1964, o navio estava indo
para Jacksonville, Flórida, depois de ter descarregado uma carga mista de
gasolina, querosene e óleo em Portland, Maine. O San Jacinto estava a quarenta
milhas (64 quilômetros) da costa leste da Virgínia quando três fortes explosões
rasgaram o centro do navio. Um enorme clarão de fogo irrompeu do tanque
número 8, destruindo partes do convés acima. O capitão rapidamente
inspecionou os danos e concluiu que tinha de pôr seus homens no bote salva-
vidas o mais depressa possível. Como o ss Fort Mercer, o ss San Jacinto se
dividiu ao meio. O capitão ordenou que baixassem o bote salva-vidas e
enviassem um pedido de socorro, mas o operador de rádio não pôde cumprir seu
dever porque o sistema de antenas de rádio havia sido destruído na explosão.
Felizmente, outro navio, o Mobil Pegasus, estava nas proximidades, e o
operador de rádio conseguiu estabelecer comunicação por meio de sinalização.
Contudo, uma vez no bote salva-vidas, a tripulação sofreu outro sério golpe. O
pânico e a emoção decorrentes da explosão e da evacuação foram demais para o
intendente-chefe do navio, de 56 anos, Martin Dotilla, que sofreu um ataque
cardíaco instantes depois de subir no pequeno bote. O capitão ordenou que o
salva-vidas abordasse o Mobil Pegasus na esperança de conseguir o atendimento
médico de emergência de que Dotilla necessitava para sobreviver. Foi uma
tentativa corajosa, mas inútil. O intendente-chefe de Gulfport, Mississippi,
morreu a caminho do navio de resgate.
Contudo, os demais 36 tripulantes sobreviveram à explosão, que havia sido
estranhamente semelhante à que afundara parte do Fort Mercer doze anos antes.
Entretanto, ao passo que a primeira tragédia havia sido causada por uma
combinação fatal de solda e aço de má qualidade e tempo ruim, a explosão que
destruiu o San Jacinto foi atribuída a algo diferente. Na longa averiguação que se
seguiu, os investigadores da Guarda Costeira determinaram que o mais provável
foi que a explosão tenha sido causada por gasolina que não havia sido
devidamente retirada do número 8. Cada tanque era equipado com ânodos de
magnésio, para controlar a corrosão interna. Os investigadores acreditavam que
um ânodo de magnésio atingira um elemento estrutural interno no costado
inferior do tanque de carga, criando uma faísca que acendera vapores de
combustível, causando uma enorme bola de fogo. Dentre as recomendações da
Guarda Costeira após a investigação, uma foi a proibição de ânodos de magnésio
em tanques de carga que transportassem gás, querosene, óleo ou qualquer outro
líquido combustível. No relatório oficial da Guarda Costeira havia uma menção
a emendas na construção do navio, mas, surpreendentemente, nada indicava que
isso pudesse ter contribuído de alguma forma para a fratura completa do ss San
Jacinto.
capítulo 17
Buscas na proa do Pendleton

Tudo tem jeito, menos a morte.


emily dickinson

Nos dias seguintes ao desastre, as equipes da Estação de Resgate de Chatham


fizeram várias tentativas de abordar a proa partida do Pendleton, que estava sob
dezesseis metros de água, perto do navio-farol Pollock Rip, a sete milhas (onze
quilômetros) da costa de Chatham. “As coisas parecem meio agitadas lá fora”,
disse o contramestre Daniel Cluff a repórteres, dois dias após o resgate, “mas
acho que vamos tentar abordá-la de qualquer maneira”. No entanto, as condições
do mar continuavam duras e impediam que os tripulantes subissem a bordo do
casco instável. Nesse meio-tempo, homens patrulhavam a praia à procura de
corpos que pudessem ter sido levados a terra. Nada encontraram. O destino dos
demais tripulantes do Pendleton, sem dúvida, pesava muito na mente dos
proprietários do navio; eles também tinham de descobrir o que fazer com as duas
metades do enorme navio, que ainda transportava uma grande quantidade de
óleo. Com fortes esperanças, representantes da National Bulk Carriers
Incorporated se reuniram com membros de uma empresa de salvamento de Nova
York no Wayside Inn, em Chatham. A empresa acreditava que ainda era possível
levar as duas partes do navio de volta a doca seca e soldá-las de novo.
O clima finalmente amainou no domingo, 24 de fevereiro, quase uma semana
depois de o navio se dividir ao meio. Richard Livesey, Mel Gouthro, o timoneiro
Chick Chase e outros dois socorristas da Estação de Resgate de Chatham se
juntaram aos marinheiros do rebocador Curb quando este se posicionou ao lado
da proa partida do Pendleton. O casco havia derivado até quase o local exato em
que estava ancorado o navio-farol Pollock Rip, que fora retirado dois dias antes
por receio de que a proa o abalroasse. A proa do Pendleton flutuava mais ou
menos na vertical, com a ponta acima d’água em um ângulo de 45 graus. O mar
já estava calmo, e os homens conseguiram subir a bordo do navio com relativa
facilidade. Contudo, Richard Livesey ficou no barco de resgate; ele ainda podia
ver o rosto de Tiny Myers em sua mente. Era um rosto que o perseguia durante o
sono e em quase todos os momentos acordado. Livesey não tinha noção do
horror que os esperava quando saíram em busca da proa do Pendleton, mas sabia
que era algo que não poderia testemunhar de novo. Mel Gouthro também não
estava muito animado a subir no casco: “Tínhamos certo medo de subir naquele
pedaço de aço sem saber quando poderia se mover”. No entanto, ele e os outros
foram a bordo, subindo pela ponta quebrada e escalando mão ante mão até o
convés íngreme. Moviam-se com cuidado ao longo da amurada, porque um
passo em falso certamente significava uma viagem inesperada rumo à água
gelada abaixo. A temperatura ainda era de seis graus negativos, mas o sol
brilhava e lhes oferecia a luz tão necessária quando começaram as buscas. A
seguir, acenderam lanternas ao adentrar as entranhas do navio. “Era estranho”,
lembra Gouthro, “porque o navio fazia todo tipo de ruídos estrondosos, talvez
porque as ondas batessem na parte em que havia se partido.” Os homens
vasculharam a embarcação partida e não encontraram corpos acima da linha
d’água. Concluíram que o capitão John Fitzgerald e seus sete tripulantes haviam
sido levados pelas águas. Contudo, esse pensamento desapareceu rapidamente
quando Gouthro e sua equipe se aproximaram do castelo de proa, onde fizeram
uma triste descoberta. Entraram devagar no compartimento, e suas lanternas
detectaram um homem estendido sobre uma prateleira em um armário de tintas.
Era evidente que o homem estava morto. Estava coberto com jornal, em uma
aparente tentativa de se proteger da hipotermia. Seus pés estavam dentro de
sacos de serragem e seus sapatos e meias foram encontrados no chão. O homem
não tivera acesso a cobertores porque todos os alojamentos da tripulação,
beliches e cozinha estavam na popa. Aparentemente, o tripulante havia se
protegido no depósito da frente e não ouvira ou vira os barcos de resgate que
haviam ido salvá-lo seis dias antes.
“Ele tinha um olhar congelado no rosto”, lembra Gouthro. “Aquele jovem
estava morrendo de medo. Que maneira mais solitária de morrer...” Gouthro
supôs que o marinheiro poderia ser vigia do navio, postado bem na frente com
uma sirene de nevoeiro pronta para soar caso visse outra embarcação.
Não houve um minuto de silêncio pelo companheiro caído. Em vez disso, o
marinheiro do rebocador de salvamento começou a xingar o cadáver. “Seu filho
da puta”, Gouthro ouviu um homem dizer. “Se não fosse por você, teríamos o
dia de folga.” Essas palavras não caíram bem para Gouthro e os outros
socorristas. “O pessoal da Marinha Mercante era rude”, lembra ele. O modo
como manipularam o corpo do homem morto foi igualmente revoltante. “Os
sujeitos o jogaram no barco como se ele fosse um peixe morto”, lembra Richard
Livesey.
Na busca pelo corpo do marinheiro, encontraram uma carteira de habilitação
que o identificava como Herman G. Gatlin, 25 anos, de Greenville, Mississippi.
A identificação positiva surgiu mais tarde, com a comparação das impressões
digitais do polegar esquerdo do homem morto com as encontradas na parte de
trás de sua identidade.
Gatlin foi levado para a Estação de Chatham e deixado em um anexo até a
chegada do legista. Mais tarde, o doutor C. H. Keene chegou à estação e realizou
um exame no falecido. Algumas pequenas escoriações foram encontradas no
corpo, mas não havia outros sinais de lesão, trauma ou ossos quebrados. O
doutor Keene concluiu que a causa da morte tinha sido exposição e choque, e,
surpreendentemente, que a hora do óbito ocorrera durante o primeiro dia do
acidente: “Morto antes de zero hora, 18/2/1952”.
O que aconteceu com o capitão Fitzgerald e os outros homens na proa
permanecerá um mistério. Foram varridos do navio pelas águas pouco depois da
fratura? Caíram da passarela tentando alcançar a parte mais à frente do navio,
assim como o operador de rádio John O’Reilly na proa do Mercer? Ou morreram
instantaneamente, no momento do acidente, como supunha o sobrevivente
Oliver Gendron? “Quando o navio rachou ao meio”, disse Gendron, “uma onda
de mais de vinte metros nos levantou até que a proa empinou. Então, caímos,
ouvimos um ruído de aço se rasgando. Quando batemos na depressão da onda, o
mastro veio abaixo. Caiu a meia-nau. Eu devia estar lá, mas estava à ré, jogando
baralho.” Gendron acrescentou que acreditava que o mastro atordoara, ferira ou
matara os homens a meia-nau, incluindo o capitão Fitzgerald.
Talvez Gendron estivesse certo, mas a única pessoa que provavelmente tenha
visto o que aconteceu com o capitão Fitzgerald e o resto dos homens foi Herman
Gatlin, cujo corpo sem vida jazia na Estação de Chatham.
p a r t e i i i
capítulo 18
A investigação

O culpado não é aquele que comete o pecado, e sim aquele


que causa a escuridão.
victor hugo

Para os tripulantes resgatados do Pendleton, o alívio e a alegria por terem


sobrevivido à tragédia foram substituídos por raiva. Eles permitiram que sua
amargura fluísse durante uma audiência da investigação da Guarda Costeira, que
começou em 20 de fevereiro de 1952, em Charlestown, Massachusetts.
Presidindo a audiência estavam os três oficiais do Primeiro Distrito de Boston:
capitão Walter R. Richards, presidente e chefe do Estado-maior; capitão William
W. Storey, chefe da Divisão de Segurança da Marinha Mercante; e o comandante
William Conley Jr., inspetor da Marinha. O comandante William G. Mahoney,
inspetor da Marinha, registrou o testemunho.
Os três homens do comitê de investigação ouviram um sobrevivente após
outro se levantar e dizer que passara doze torturantes horas em mar aberto,
condenado a perecer. Uma das principais preocupações estava em uma fratura no
navio que havia sido descoberta um mês antes, mas não consertada. A rachadura
havia sido encontrada no tabique do Pendleton entre os tanques número 4 e
central. “Era uma fratura múltipla feia”, disse James M. Young, chefe operador
de bombas do navio. Young, proveniente de Galveston, Texas, também
acreditava que a rachadura poderia não ser tão grave, ou o navio teria se dividido
ao meio muito antes.
O testemunho mais contundente foi de alguns tripulantes que disseram ao
comitê que boa parte do equipamento do navio estava em más condições de
funcionamento. Por exemplo, eles declararam que não puderam encontrar
sinalizadores de perigo no navio. Testemunhas também relataram que os
fumígenos e muitos dos sinais luminosos não funcionavam. Até sair do navio se
revelou uma tarefa árdua para os tripulantes, porque a única escada de Jacob
disponível tinha apenas três degraus. Todavia, a falha mais gritante estava na
construção do navio. Depois de ouvir muitos testemunhos, o membro do comitê,
capitão William Storey, deduziu que o frio extremo e a agitação violenta no mar,
combinados com a tensão aplicada ao metal soldado, poderiam ter causado o
desastre em ambos os navios. O tripulante do Fort Mercer John Braknis
concordou com a dedução de Storey. Ele e outros disseram aos investigadores
que ouviram ruídos estranhos, como o som de soldas se partindo, quatro horas
antes de o navio fraturar.
Os armadores obtiveram apoio de William Renz, topógrafo do Departamento
de Transporte do distrito de Boston. “A tempestade que açoitava o mar era muito
poderosa”, disse Renz a repórteres. Ele disse ser “injusto” dizer que navios
soldados não eram tão seguros quanto os rebitados. O inspetor também afirmou
que havia casos de navios rebitados que se partiram em tempestades. Um era o
Lofthus, construído em Sunderland, Inglaterra, e lançado em 1868. O longo
navio de 222 pés havia sido construído com ferro rebitado. Trinta anos depois de
seu lançamento, o Lofthus saiu de Pensacola, na Flórida, para Buenos Aires, na
Argentina, com um carregamento de madeira, quando afundou a quase uma
milha (1,6 quilômetro) de Boynton Beach, na Flórida. Os dezesseis tripulantes
chegaram à praia em segurança, contudo, o navio sofreu perda total.

No referente ao ss Pendleton, o Conselho de Investigação da Marinha


concluiu: “O petroleiro apresentava uma grande falha estrutural, que
desencadeou falência total da viga mestra do casco, fazendo com que o navio se
partisse em dois entre os tanques números 7 e 8, e resultando na perda de nove
vidas”. Os nomes de todos os homens que morreram a bordo do Pendleton foram
listados pela primeira vez.
John J. Fitzgerald, capitão
Martin Moe, suboficial
Joseph W. Colgan, segundo suboficial
Harold Bancus, terceiro suboficial
James G. Greer, operador de rádio
Joseph L. Landry, marinheiro de primeira classe
Herman G. Gatlin, marinheiro de primeira classe
Billy Roy Morgan, marinheiro
George D. Myers, marinheiro

Apesar dos testemunhos em contrário, o conselho também concluiu “que o


Pendleton estava tripulado e equipado de acordo com o certificado de inspeção e
que, no momento do acidente, havia 41 pessoas a bordo, incluindo o capitão”. O
comitê reconheceu, no entanto, que, dos quatro fumígenos laranja usados pelos
tripulantes na popa, somente um funcionara. Os investigadores notificaram que
doze dos foguetes paraquedas do navio foram disparados normalmente, mas que
apenas um único clarão iluminara o céu nevado.
Em síntese, para o comitê, três fatores principais levaram à ruptura do ss
Pendleton: 1) construção; 2) mau tempo; 3) carregamento. Em relação à
construção do navio, relatou-se que “em decorrência do design e da construção
com soldas, havia muitos pontos de concentração de tensão no Pendleton”. O
conselho apontou especialmente o que pareceu ser uma soldadura defeituosa nos
colchetes dos tabiques transversais. Desse modo, julgou que a fratura inicial
havia ocorrido perto, ou na curva do bojo, imediatamente à frente dos tabiques
transversais entre os tanques números 7 e 8. Essa fratura inicial, em seguida,
estendera-se por dentro, em direção à linha central, e para cima, em direção ao
convés e ao obstrutor de trinca, a estibordo. Como as duas metades do navio
ainda estavam parcialmente submersas nas águas de Chatham, o comitê só
poderia especular que a fratura inicial havia avariado o casco, de tal forma que
outras rachaduras teriam ocorrido em “rápida sucessão”.
Quanto ao mau tempo, o Comitê de Investigação da Marinha simplesmente
reforçou o que os sobreviventes do Pendleton e os quatro homens que os haviam
salvado já sabiam. Na página dez do relatório de catorze páginas, os
investigadores escreveram:
O comitê é de opinião que o mau tempo desempenhou um papel vital na causa do acidente,
particularmente a temperatura e o mar. Havia forte vento nordeste no momento, com ondas
muito violentas, e a possível posição do navio em relação à direção das ondas teria por vezes
posicionado a proa e a popa do navio nas cristas das ondas, com pouco ou nenhum apoio a
meia-nau.

O comitê concluiu igualmente que o navio mudara o curso para o sul depois
de ser açoitado por várias ondas fortes, até que, por fim, partira-se ao meio.
Reconheceu que a baixa temperatura da água do mar, de cerca de três graus
centígrados, contribuiu para as fraturas.
A intensa tempestade havia sido culpa da Mãe Natureza apenas, ao contrário
do carregamento do navio, que foi resultado de erro humano. A investigação
constatou que o carregamento do petroleiro tinha um “efeito adverso” que fizera
o navio se retrair, criando mais tensão na parte inferior. De acordo com o
relatório, os tanques na parte da frente do navio, excluindo 120 barris de óleo
combustível no tanque profundo a bombordo, estavam vazios. O tanque de
número 9 estava quase vazio, e os tanques de água foram apenas parcialmente
preenchidos depois. Isso deixou a maior parte do peso a meia-nau, o que
provocou um “efeito vergadura”, que foi “fortemente agravado pelas ondas
extremamente violentas”. Ao contrário dessa constatação, o comitê concluiu que
o navio havia sido carregado em fila, como é a prática usual no ramo de
petroleiros. Os investigadores também determinaram que os obstrutores de trinca
instalados no navio foram eficazes para conter uma fratura, mas não impediram
que outras se formassem.
No fim, o naufrágio do Pendleton seria atribuído ao destino, e ninguém seria
responsabilizado pelo Comitê de Investigação da Marinha. Para muitos
sobreviventes, o relatório parecia uma pá de cal governamental. O conselho
concluiu:
Não houve incompetência, má conduta, amadorismo ou violação dolosa da lei ou de qualquer
norma ou regulamento por parte de quaisquer oficiais, marinheiros, empregadores, armadores
ou agentes do navio, ou de qualquer inspetor da Guarda Costeira que tenha contribuído para
esse acidente.

O comitê recomendou a condução de um estudo sobre a melhor maneira de


carregar petroleiros t-2, na tentativa de reduzir a vergadura. Os investigadores
também sugeriram que quatro obstrutores de trinca adicionais fossem instalados
no fundo do navio (presumindo que pudesse ser reconstruído), correspondentes
àqueles sob o convés. E recomendou, ainda, que fosse instalada uma escada
vertical no costado à frente da estrutura da ponte, para permitir ao capitão e à
tripulação uma saída de emergência pela ponte para o convés ou a passarela em
frente.
O conselho também apontou que estava de pleno acordo com as comendas
concedidas a “vários oficiais e homens da Guarda Costeira que participaram do
bem-sucedido resgate de tripulantes do Pendleton”.
capítulo 19
Ser rotulado de herói
pode ser um fardo

Ser um herói é ter a profissão de mais curta duração na


Terra.
will rogers

Nos meses seguintes ao resgate, Bernie Webber e sua equipe viram-se galgando
uma onda diferente — de adulação pública —, tarefa que mostrou ser
igualmente difícil para os jovens socorristas, que nunca quiseram ser o centro
das atenções. Sua ascensão de homens corajosos que estavam apenas fazendo
seu trabalho para queridinhos da mídia foi ditada pelas notícias do dia. A Guerra
da Coreia continuava se arrastando, enquanto conversações de armistício entre
os Estados Unidos e a Coreia do Norte mantinham-se em um impasse. De fato,
em 18 de fevereiro, dia do resgate do Pendleton, quinze soldados norte-
americanos foram mortos em ação, incluindo sete militares do 224º Regimento,
40ª Divisão de Infantaria, durante uma batalha perto de Chung-bang Pyong,
Coreia do Norte. Os norte-americanos, cansados da guerra, precisavam de algo
que lhes fizesse bem, algo que os unisse. Os homens da cg36500 lhes
forneceram uma otimista distração da dura realidade da guerra.
Reminiscentes dos heróis imperfeitos descritos pelo escritor James Bradley
em seu best-seller A conquista da honra, Bernie Webber e sua equipe foram
usados pelo governo dos Estados Unidos como arma de relações públicas para
angariar apoio para o estilo de vida norte-americano. Em A conquista da honra,
os homens capturados naquela fotografia icônica ao içarem a “segunda” bandeira
norte-americana no topo do Monte Suribachi durante a batalha de Iwo Jima
foram imediatamente levados de volta aos Estados Unidos para liderar um circo
itinerante e angariar indispensáveis fundos para apoiar a guerra. Entretanto, no
exato momento em que os homens que içaram a bandeira — Ira Hayes, Rene
Gagnon e John “Doc” Bradley — eram saudados como heróis, seus camaradas
morriam em um planalto vulcânico deserto, em números recordes. Esse mesmo
tipo de culpa compartilhada por esses homens foi sentido de novo, sete anos
depois, pela tripulação da cg36500, que também acreditava que os verdadeiros
heróis haviam sido os homens que não voltaram.
Webber sentia remorsos não só por Tiny Myers e os outros que haviam
morrido no desastre, mas também por aqueles que não estavam recebendo a
atenção e o crédito que mereciam por seus papéis na milagrosa operação de
resgate. Ele pensava em seu amigo Donald Bangs e nos tripulantes da cg36383,
que passaram, naquela noite fatídica, mais horas enfrentando os elementos
naturais do que a equipe de Webber. Os dois homens eram próximos e
discutiram sobre aquela noite muitas vezes nos anos seguintes. “Eu amava
aquele homem”, diz Bernie com orgulho. “Naquela época, passávamos dez dias
de plantão antes de talvez conseguir dois dias de folga. Sem televisão, conversar
era a única coisa a fazer, e Donald era um ótimo papo. Com nossas xícaras de
café fervido, passávamos horas intermináveis conversando.” Bangs disse a
Bernie que todo o tempo que passou no resgate do Pendleton voltou-se ao
homem que pulara da proa e estava perdido. Bangs não conseguia entender por
que não foi mandado para ajudar na popa partida, visto que sua cg36383 estava a
apenas uma milha (1,6 quilômetro) de distância. Bernie rapidamente entendeu
que se Bangs e seus homens não tivessem sido mandados de volta à proa do
Pendleton, mas sim autorizados a atender à popa, Don Bangs, e não Bernie
Webber, teria sido considerado o novo “garoto-propaganda” da Guarda Costeira
dos Estados Unidos.
Essas pontadas de culpa foram diminuindo graças à crença crescente de
Webber de que seu novo status de celebridade na Guarda Costeira era mais um
fardo que uma bênção. Logo após o resgate do Pendleton, ele havia pedido
transferência da Estação de Resgate de Chatham para o Grupamento Woods
Hole, bem maior, a cerca de oitenta quilômetros de distância, do outro lado de
Cape Cod. Lá, Webber havia reencontrado seu mentor e amigo, capitão Frank
Masachi, a bordo do barco de resgate da Guarda Costeira cg8338. Bernie queria
desesperadamente deixar para trás Chatham e o árduo resgate e se concentrar
apenas em seu novo ambiente e em sua nova missão. Isso, porém, mostrou-se
uma tarefa impossível, uma vez que seus superiores ficavam constantemente
tirando-o do trabalho para fazer discursos nos clubes Kiwanis e Rotary. Dezenas
de fotografias foram tiradas de Webber recebendo prêmios e elogios, mas um
exame cuidadoso de sua expressão nas imagens mostra um homem pouco à
vontade, nunca confortável. Fica claro que ele estaria melhor na água que
comparecendo a eventos sucessivos.
Webber, o contramestre Daniel Cluff e o operador de rádio William Woodland
foram homenageados pelo presidente da loja de departamentos Jordan Marsh e
agraciados com o Prêmio de Mérito durante uma cerimônia no Parker House, em
Boston, um luxuoso hotel onde John F. Kennedy anunciara sua candidatura ao
Congresso e, posteriormente, pedira Jacqueline Bouvier em casamento. Vários
companheiros de Webber achavam que ele havia virado estrela, e um profundo
ressentimento começou a brotar. Bernie passou a entender essa raiva e também
se ressentia de superiores que estariam usando o resgate do Pendleton para seus
interesses.
Pelo menos um alto oficial da Guarda Costeira sabia o que Bernie estava
passando. John M. Joseph, que havia comandado a Acushnet no resgate do Fort
Mercer — no qual facilmente ganhou o respeito de sua equipe e de toda a
Guarda Costeira, incluindo Webber —, tornara-se seu comandante por ocasião
da transferência para Woods Hole. “Na estação de controle de popa de seu barco,
ele teve coragem para se aproximar o suficiente em meio à fúria das ondas para
que os tripulantes do petroleiro pudessem pular”, lembra Bernie. “Na época, a
divisão entre oficiais e praças era ampla. No entanto, o comandante Joseph me
chamou em seu escritório, fechou a porta e me convidou para sentar e conversar
um pouco.” Os dois homens haviam sido capturados pela máquina de relações
públicas da Guarda Costeira após os resgates. “Nós tínhamos o resgate em
comum e conhecíamos os prós e os contras disso. Ele estava preocupado comigo
e minha família e me deu apoio, o que me ajudou nos dias seguintes. Ele era um
oficial e um cavalheiro, tinha respeito pelos marinheiros e reconhecia nosso
papel no esquema das coisas.”
Na verdade, Bernie Webber também tinha seus interesses. Ele queria ter
certeza de que seus colegas receberiam as mesmas honras e os mesmos prêmios
que ele próprio. Reuniu-se brevemente com Andy Fitzgerald, Ervin Maske e
Richard Livesey, em Washington, dc, em 14 de maio de 1952. Eles haviam ido à
capital do país para receber a maior honraria da Guarda Costeira: a Medalha de
Ouro de Salvamento. Todos ficaram felizes por se reencontrar e sabiam como
eram afortunados por ser agraciados com uma medalha de tanto prestígio.
Contudo, o evento nunca teria ocorrido se não fosse pela grande persistência de
Bernie Webber. Poucos dias após o resgate, ele foi chamado ao escritório do
contramestre Cluff e atendeu ao telefone. Do outro lado da linha, estava um
oficial da sede da Guarda Costeira, que, primeiro, felicitou Bernie pelo resgate,
e, em seguida, informou que ele seria agraciado com a Medalha de Ouro de
Salvamento.
“E minha equipe?”, perguntou Webber. “Todos eles vão receber a Medalha de
Prata de Salvamento”, respondeu o oficial.
A raiva e a exaustão de Bernie entraram em erupção através da linha
telefônica. “Eu acho isso uma merda”, gritou no fone. “Eles estavam lá, assim
como eu, e fizeram todo o resgate difícil. Se eles não vão receber a medalha de
ouro, eu também não quero.”
Cluff ficou visivelmente chateado ao ouvir um de seus homens falar assim
com um capitão. “Você está falando sério?”, perguntou o capitão, estarrecido.
Webber disse que sim e foi inflexível. Se seus homens não recebessem a
medalha, ninguém receberia.
Os oficiais da Guarda Costeira cederam ao ultimato de Webber, conscientes
do pesadelo de relações públicas que enfrentariam se virassem as costas ao novo
herói. A medalha foi comemorada por todos os homens, mas provavelmente por
ninguém mais que por Richard “Herd Bull” Livesey. Ao receber o prêmio,
Livesey pensou em seu pai, Oswald, que passara mais de duas décadas na
Marinha dos Estados Unidos. “Ele estava tão orgulhoso de mim!” Livesey sorria
radiante, mais de meio século depois. “Ele disse que, em todos os seus anos na
Marinha, nunca havia ouvido falar de um resgate como aquele.”
A Medalha de Ouro de Salvamento é uma das mais antigas honrarias das
Forças Armadas norte-americanas e foi concedida pela primeira vez em 1876 a
três irmãos — Hubbard Clemons, Lucian Clemons e A. J. Clemons — que
haviam salvado dois membros da escuna naufragada Consuelo, perto da Ilha de
Kelley, no Lago Erie, um ano antes. O prêmio pode ser concedido a qualquer
militar dos Estados Unidos que realize um resgate em águas norte-americanas ou
sob jurisdição dos Estados Unidos. Recebe a Medalha de Ouro de Salvamento
aquele que tenta fazer um resgate correndo “perigo extremo e risco de morte”.
A medalha é considerada extremamente rara, mesmo para os militares. Os
participantes de resgates que não atendem aos critérios de uma Medalha de Ouro
de Salvamento são agraciados com a Medalha de Prata. Chester W. Nimitz e
George S. Patton receberam uma Medalha de Prata de Salvamento. Nimitz, na
época tenente e comandante do submarino e-1 da Marinha dos Estados Unidos,
recebeu a medalha em 1912, por resgatar do afogamento um de seus tripulantes.
George S. Patton sempre considerava sua Medalha de Prata de Salvamento uma
de suas favoritas, por causa de seu grande tamanho. Ele recebeu a medalha em
1925, dois anos depois de resgatar três meninos durante uma tempestade
violenta, na costa de Massachusetts. Patton, na época major, havia acabado de se
formar na Escola de Cavalaria Avançada, em Fort Riley, Kansas, e estava
desfrutando uma licença de três meses com sua esposa, Beatrice, na propriedade
de sua família, em Beverly Farms. O casal estava navegando nas proximidades
do porto de Salem quando caiu uma súbita tempestade, fazendo outro barco
virar. Patton levou seu barco até os garotos, que estavam agarrados a um douro.
Com a ajuda de um remo, o futuro herói da Segunda Guerra Mundial conseguiu
içar os meninos, um a um, para seu barco.
Bernie Webber nunca conseguiria a fama de um Patton ou um Nimitz, mas
estava prestes a receber um prêmio com o qual essas duas lendas norte-
americanas só poderiam sonhar. Vestindo seus uniformes azuis da Guarda
Costeira, Webber, Fitzgerald, Livesey e Maske ficaram em posição de atenção,
enquanto Edward H. Foley, subsecretário do Tesouro, fixava as medalhas no
peito de cada um. O segundo-tenente William R. Keily Jr., da embarcação da
Guarda Costeira Yakutat, também recebeu uma Medalha de Ouro de Salvamento
por arrancar dois sobreviventes do Fort Mercer da água gelada. No entanto, seus
homens só foram agraciados com medalhas de prata. Fiel a sua denominação, a
medalha é 99,9% ouro puro. A inscrição no verso diz: “Em testemunho de feitos
heroicos para salvar vidas dos perigos da água”.
O vice-almirante Merlin O’Neill, comandante da Guarda Costeira, discursou
perante o subsecretário Foley, os membros do Congresso e outros vips sobre os
cinco rapazes que receberam medalha de ouro e os outros dezesseis homens da
Guarda Costeira homenageados pelo resgate de setenta homens do mar. No alto
pódio, O’Neill descreveu para a multidão o que esses heróis despretensiosos
haviam realizado. “Os dias 18 e 19 de fevereiro serão lembrados na história da
Guarda Costeira”, disse.
Nesses dois dias, uma tempestade Nor’easter assolou a Nova Inglaterra. Fazia muito frio [...]
havia neve, granizo e ventos uivantes. A leste de Cape Cod, ventos de 130 quilômetros por
hora e ondas de dezoito metros de altura açoitaram navios mercantes que não haviam
conseguido aportar. Dois grandes petroleiros apareceram em cena — o ss Fort Mercer e o ss
Pendleton. A quarenta milhas (64 quilômetros) de distância um do outro, ambos encontraram
toda a força e horror da tempestade [...] Os sobreviventes ficaram presos em cada parte [...] um
total de 84 homens semicongelados cujas chances de sobrevivência pareciam impossíveis.
Estamos aqui reunidos hoje para homenagear alguns dos homens que participaram das
operações de salvamento do Fort Mercer e do Pendleton. Digo alguns dos homens porque suas
façanhas individuais foram impressionantes, mas não devemos esquecer o número muito
maior de seus companheiros cuja habilidade, coragem e devoção ao dever passaram
despercebidos na operação como um todo.

Em seguida, o vice-almirante voltou sua atenção para os homens que estavam


sendo homenageados nesse dia.
Estes 21 homens enfrentaram quatro operações de resgate diferentes. Cada operação
apresentava problemas específicos. Mas cada um encarou os mesmos perigos de cascos
arremessados como rolhas nas altas ondas. Estes homens cumpriram seu dever encharcados de
água gelada, sem comer durante horas [...] e com a morte cavalgando cada onda.

Receberam a Medalha de Prata de Salvamento:


Paul R. Black, operador de máquinas de segunda classe, Pittsburgh
Gilbert E. Carmichael, segundo-tenente, Dallas
Edward A. Mason Jr., aprendiz de marinheiro, Maynard, Massachusetts
Webster G. Terwilliger, marinheiro, Los Angeles

Os seguintes homens receberam a Comenda Ribbon da Guarda Costeira, dada


“àqueles que se distinguem por heroísmo, realização extraordinária ou serviço
meritório acima do normalmente esperado e digno de reconhecimento especial”.
Antonio F. Ballerini, contramestre de terceira classe provisória, East Boston
Donald H. Bangs, imediato, Chatham, Massachusetts
Richard J. Ciccone, marinheiro, Providence, Rhode Island
John J. Cortney, contramestre de terceira classe, Filadélfia
John F. Dunn, operador de máquinas de primeira classe, Rockville, Rhode Island
Phillip M. Greibel, operador de rádio de primeira classe, Portland, Maine
Emory H. Haynes, operador de máquinas de primeira classe, Cambridge, Massachusetts
Roland W. Hoffert, artilheiro de terceira classe, Bethlehem, Pensilvânia
John N. Joseph, capitão-tenente, South Portland, Maine
Eugene W. Korpusik, aprendiz de marinheiro, Detroit
Ralph L. Ormsby, contramestre chefe, Orleans, Massachusetts
Dennis J. Perry, marinheiro, Portland, Maine
Donald E. Pitts, marinheiro, Kansas City, Missouri
Alfred J. Roy, contramestre de primeira classe, Nantucket, Massachusetts
Herman M. Rubinsky, aprendiz de marinheiro, Brooklyn, Nova York

Para seu desânimo, as homenagens a Bernie Webber não acabaram nessa


noite. Ele foi indicado pelo comandante da Guarda Costeira e agraciado com a
Medalha de Valor da Legião Americana durante uma cerimônia em Baltimore,
em 1953. Dessa vez, Webber foi sozinho, sem seus companheiros, e o peso de
suas medalhas e seus prêmios se acumulou, pressionando seu espírito. Para
Bernie, a notoriedade não era mais suportável. Ele queria voltar a sua velha vida,
na qual suas únicas recompensas eram o amor de sua esposa, Miriam, e o
respeito de seus companheiros da Guarda Costeira.
capítulo 20
Problemas no petroleiro

Aprendemos com a história que não aprendemos nada com a


história.
george bernard shaw

Apesar do inquérito da Guarda Costeira e das recomendações subsequentes, o


Pendleton e o Mercer não seriam os últimos petroleiros a se partir em dois. Por
exemplo, o Lady Spartan rachou ao meio em 1975, ao sul de Martha’s Vineyard,
e o Chester A. Poling teve o mesmo destino em 1977, nas águas de Gloucester,
Massachusetts. Entretanto, talvez o exemplo mais flagrante do fato de uma
companhia de navegação colocar os lucros acima da segurança de seus homens
tenha ocorrido seis anos depois, quando 31 homens se afogaram nas águas
geladas da Virgínia. Carregando 27 mil toneladas de carvão, o cargueiro de 605
pés Marine Electric partiu de Norfolk, Virgínia, em fevereiro de 1983, com
destino à Usina de Nova Inglaterra, em Brayton Point, Somerset, Massachusetts.
Construído como um petroleiro t-2 em 1944, o navio fora convertido em um
carvoeiro em 1962. Tinha 39 anos na época e não estava bem conservado. O
Marine Electric tinha mais que o dobro da idade padrão de desativação e
aposentadoria, e a aparentava. O navio havia sido mal soldado, estava cheio de
escotilhas malfeitas e furos no casco. Um tripulante havia contado noventa
rachaduras nas tampas das escotilhas que foram se abrindo durante quase quatro
décadas no mar.
Em 1982, um representante do fabricante da tampa da escotilha advertiu os
proprietários do navio, Marine Transport Lines, da ameaça que representavam as
tampas desgastadas, as quais, entretanto, nunca foram inspecionadas. Segundo o
ex-repórter do Philadelphia Inquirer, Robert Frump, cujo intenso relato da
tragédia é narrado em seu excelente livro de 2001, Until the Sea Shall Free
Them, uma estreita relação entre os armadores e os inspetores de navios permitiu
que a embarcação permanecesse em serviço, sem muita supervisão.
Compreendendo a política e os lucros envolvidos, um tripulante tomou para si a
missão de içar a bandeira vermelha. O primeiro imediato Clayton Babineau
alertou a Guarda Costeira sobre os graves problemas, poucos meses antes da
tragédia. Ele pleiteou aos oficiais que inspecionassem o Marine Electric, que
estava em doca seca em um estaleiro em Rhode Island para reparos. Babineau
descreveu as rachaduras no pavimento e também pediu à Guarda Costeira que
inspecionasse as escotilhas gastas do navio. Por alguma razão misteriosa, o
alerta de Babineau deu em nada. Clayton Babineau estaria entre os 31 tripulantes
a perecer, quando a velha banheira enferrujada se partiu a 85 milhas (136
quilômetros) de Rudee Inlet, Virgínia.
O navio afundou poucas horas depois de sua tripulação responder a uma
chamada de socorro da Guarda Costeira para ajudar o navio pesqueiro de 65 pés
Theodora, que havia ficado preso em uma nevasca. O Marine Electric já havia
passado por ele e teve de voltar atrás, revertendo seu curso em meio a uma
grande tempestade. O navio foi açoitado por ondas entre seis e doze metros de
altura, enquanto navegava em direção ao Theodora. Quando o Marine Electric
chegou ao local, os tripulantes ficaram aliviados ao ver um helicóptero da
Guarda Costeira sobrevoando o pesqueiro, baixando bombas para que os
pescadores retirassem a água do mar que inundava o navio. Aparentemente, o
Theodora seria guiado de volta, mas a Guarda Costeira pediu ao Marine Electric
que ficasse ao lado do pesqueiro pelas próximas horas. O comandante do navio,
Phil Corl, aquiesceu, mas uma hora depois começou a mudar de ideia. O mar
estava piorando, e o Marine Electric estava sendo açoitado por ondas que
quebravam sobre o convés e as tampas rachadas das escotilhas. Se fosse uma
luta de boxe, o Marine Electric estaria abraçando as cordas, na esperança de ser
salvo pelo gongo. Às 18h30, o capitão Corl chamou a Guarda Costeira dizendo
que o navio estava balançando e empinando, e que enfrentariam grandes
problemas se não saíssem logo dali. O capitão do Theodora entrou na conversa,
dizendo que as bombas d’água estavam funcionando e dando a Corl sinal verde
para ir. A Guarda Costeira também deu sua aprovação, e o Marine Electric
rumou para a costa sul de Massachusetts, a 32 horas e 518 quilômetros dali.
O Marine Electric navegou como um aríete, atravessando altas paredes de
água, até o início da manhã seguinte, quando os tripulantes notaram que a proa
do navio estava inclinando para baixo. O capitão era novo no navio e nunca o
havia navegado em uma tempestade daquelas. Corl alertou um tripulante
veterano que, junto com o engenheiro-chefe, concluiu que o navio estava de fato
em apuros. Depois de enviar um pedido de socorro por iniciativa própria, a
tripulação preparou os botes salva-vidas. O capitão tentou mais uma vez chegar
a porto seguro, rumando para a entrada da baía de Delaware. Assim como o
capitão Charles Burgess do Chester A. Poling havia feito, Corl inundou vários
dos tanques de carga na esperança de estabilizar o navio avariado. Apesar do
grande esforço da tripulação, era tarde demais. O vento havia mudado para
noroeste e as ondas caíam sobre o convés.
O capitão Corl ordenou à tripulação que acordasse e reunisse os botes salva-
vidas. Os homens, todos vestindo roupas pesadas, seguiram a ordem, mas não
esperavam que em breve tivessem de abandonar o navio. Eles dobraram as capas
dos botes e as guardaram, na crença de que aquelas pequenas embarcações
poderiam ser reutilizadas logo. O Marine Electric havia desacelerado
consideravelmente, passando para apenas 1,5 nó. Nessa velocidade, o capitão
Corl ainda era capaz de dirigir seu navio usando o leme para manter o curso em
dez graus. No entanto, a proa estava ainda mais baixa, coberta por cerca de 1,80
metro de águas agitadas. As ondas já chegavam à escotilha número 3, mas os
tripulantes não podiam determinar se as tampas aguentariam a pressão, porque
estavam completamente cobertas pela água do mar. Pouco depois das quatro da
manhã, Corl chamou a Guarda Costeira mais uma vez. “Acho que vou perder
meu navio aqui”, afirmou. “Estamos começando a inclinar muito para
estibordo.”
O operador de rádio correu para a ponte com mensagens de dois navios
mercantes. As notícias não eram boas. Eles levariam várias horas para chegar. O
capitão Corl sabia que o Marine Electric não aguentaria muito tempo. Àquela
altura, o navio estava a uma profundidade de 36 metros, a cerca de trinta milhas
náuticas a leste de Chincoteague, Virgínia. O navio estava inclinando
perigosamente dez graus estibordo e o capitão disse ao timoneiro que deixasse
seu posto, porque o leme era inútil naquele momento. Às 4h10, a Guarda
Costeira informou que um helicóptero de resgate estava a caminho e que
chegaria em meia hora. Três minutos depois dessa comunicação, o capitão Corl
disse à Guarda Costeira que ele e seus homens abandonariam o navio. A última
transmissão de voz chegou às 4h14: “Estamos abandonando o navio agora,
estamos abandonando o navio agora!”.
Antes de deixar a ponte, o terceiro imediato Gene Kelley acionou o sinal
sonoro de abandonar o navio, mas não chegou a dar o alarme geral. A tripulação
estava ocupada preparando o bote salva-vidas a estibordo quando o Marine
Electric virou súbita e violentamente e jogou a maior parte dos tripulantes no
oceano gelado. “Quando caí na água, olhei para cima e vi o capitão Corl subindo
na amurada, tentando pular”, testemunhou o terceiro imediato, mais tarde. “Foi a
última vez que vi o capitão.” O enorme navio virou imediatamente, levando o
resto da tripulação com ele. O imediato Bob Cusick disse que o som era como o
da água ao sair da banheira, amplificado um bilhão de vezes. “Eu me agarrava e
nadava [...] Eu estava do lado de fora da sala de máquinas e as luzes ainda
estavam acesas [...] Olhei fixamente para a vigia e nadei por ela [...] Subi à
superfície, respirei fundo e, não muito longe de mim, pude ver a chaminé.
Parecia estar só um pouco acima da superfície. Comecei a nadar.”
Cusick e mais dois tripulantes conseguiram chegar a dois botes salva-vidas,
enquanto outro grupo de sobreviventes se agarrava a boias, subindo e descendo
em ondas de mais de oito metros. Não foram as fortes ondas que lentamente os
foram matando, e sim a temperatura da água, que estava pouco acima de zero
grau. Os homens mantinham contato entre si emitindo sons na escuridão.
Ficaram assim durante vários excruciantes minutos, até que suas vozes foram se
silenciando. Dos seis homens que seguravam boias, somente um ainda estava
vivo quando um helicóptero da Guarda Costeira chegou, trinta minutos depois.
Quando tudo acabou, apenas três homens, incluindo Bob Cusick e Gene
Kelley, haviam sobrevivido ao naufrágio do Marine Electric. Vinte e quatro
corpos foram resgatados no local, muitos deles cobertos de petróleo. O médico-
legista concluiu que a maioria havia morrido de hipotermia grave. Os corpos de
sete outros tripulantes, incluindo do capitão Phil Corl, nunca foram encontrados.
A tragédia do Marine Electric foi um crime horrendo de incompetência
humana que custou a vida de 31 homens. Ninguém jamais foi criminalmente
responsabilizado pelas mortes, porém o desastre levou a algumas das reformas
mais radicais na história marítima. Os resultados foram a maior rigidez nas
inspeções da Guarda Costeira e a demolição de mais de setenta navios da
Segunda Guerra Mundial — que ainda estavam no mar, quarenta anos após a
guerra. A Guarda Costeira estabeleceu um programa de natação para socorristas,
para desenvolver habilidades de salvamento em águas de condições extremas, e
exigiu que todos os petroleiros tivessem roupas próprias para intempéries para
seus tripulantes em todas as viagens de inverno no Atlântico Norte. As roupas de
neoprene, que são costuradas e coladas e protegem da água fria, teriam permitido
às vítimas lutar contra a imersão e a hipotermia, enquanto aguardavam o resgate.

O Pendleton naufragado ficou nas águas de Chatham, Massachusetts, partido


em dois, por quase 26 anos, servindo aos navegantes como um preocupante
lembrete do pior que o mar tinha para oferecer. Por milhares de anos, o oceano
havia oferecido sua generosidade e cobrado suas dívidas. O tributo era pago
pelos homens engolidos pelo mar e por aqueles que deixaram para trás. Como os
familiares dos outros oito tripulantes condenados, a família do capitão John J.
Fitzgerald, do Pendleton, ficava se perguntando por que o oceano que lhes dera
tanto tomara ainda mais. No entanto, em vez de se sentir repelida pela visão do
naufrágio, a família do capitão era atraída por ela. Inúmeras vezes, nos anos
seguintes, a viúva de John J. Fitzgerald, Margaret, colocou seus quatro filhos no
carro para uma viagem de 140 quilômetros de Roslindale a Chatham. Essa era a
maneira de Margaret manter a memória de seu marido viva para as crianças. Seu
filho, John J. Fitzgerald iii, ficou tão apaixonado pela região que decidiu se
mudar para lá. Ele criaria uma família em Chatham, e seu próprio filho acabaria
atendendo ao chamado do mar e pescando nas mesmas águas que haviam
custado a vida de seu avô, tantos anos antes.

Houve tentativas de salvar os restos do Pendleton, cuja sucata valia cerca de


60 mil dólares. Isso era motivo de preocupação para os ambientalistas, que
temiam que um vazamento acidental de óleo do petroleiro fraturado arruinasse
as praias locais e destruísse a vida selvagem. John F. Kennedy, na época senador
dos Estados Unidos, insistia que qualquer operação de salvamento teria de ser
aprovada e supervisionada pela Guarda Costeira e pelo Corpo de Engenheiros do
Exército.
O Corpo de Engenheiros do Exército viria a desempenhar o papel principal no
afundamento das estruturas, de uma vez por todas. A infame nevasca de 1978
retalhara o que restava da superestrutura do Pendleton acima d’água. Os
escombros haviam se tornado uma ameaça para a navegação, uma vez que a
popa já estava submersa e escondida da vista de pessoas que pilotavam pequenas
embarcações nas águas movimentadas de Chatham. Empreiteiros foram
chamados para cortar a maior parte do aço antes que os engenheiros do Exército
o explodissem e o enterrassem onde estava, a apenas três milhas (4,8
quilômetros) de Monomoy.
capítulo 21
Além do resgate

Reputação é o que homens e mulheres pensam de nós;


caráter é o que Deus e os anjos sabem de nós.
thomas paine

Como todas as grandes histórias, o resgate do Pendleton rapidamente ganhou


vida própria. Os membros da “Equipe Medalha de Ouro”, como Bernie Webber,
Richard Livesey, Andy Fitzgerald e Ervin Maske passaram a ser chamados, não
eram vistos como heróis só pela próxima geração de homens da Guarda
Costeira; eles haviam se tornado imortais. Ralph Morris, da Geórgia, descobriu
isso quando abandonou seu trabalho em uma fazenda de amendoim para
ingressar na Guarda Costeira, em outubro de 1952. “A história estava por todo o
acampamento em Cape May, Nova Jersey”, lembra Morris. “Nós líamos
histórias sobre esses sujeitos, ou nossos instrutores nos falavam deles. Eles
simbolizavam tudo que eu queria ser.” Homens como Morris viam apenas a
adulação que se despejava sobre a Equipe Medalha de Ouro. O que eles não
podiam ver era o coração pesado de Bernie e seus homens pela morte do
tripulante do Pendleton George “Tiny” Myers.
A perda de Myers foi especialmente dura para Webber. Ele havia visto os
olhos assustados do homem quando a morte se fechava sobre ele, naquela noite
penosa de fevereiro de 1952. Bernie relembrava sem parar o resgate, imaginando
se poderia ter feito qualquer outra coisa para evitar a horrível colisão que matara
Myers. As pessoas lhe diziam que o acidente havia sido inevitável, dadas as
ondas e a natureza cruel da tempestade. Lembravam-no do papel central que ele
desempenhara no resgate dos 32 sobreviventes, que poderiam ter morrido sem
sua ajuda. Ele se consolava com essa façanha incrível, mas só até certo ponto.
Não eram os homens que sobreviveram que chamavam Bernie em seus sonhos;
era o único homem que ele não pôde levar para casa.
Ralph Morris entendia o fardo de Webber. No inverno de 1953, ele havia sido
transferido para a Estação da Guarda Costeira de Race Point, na costa de
Provincetown. Lá, ouvira mais histórias sobre o lendário Bernie Webber. Essas
histórias deram ao jovem da Geórgia ainda mais orgulho de vestir o uniforme da
Guarda Costeira. Na verdade, foi por causa de seu uniforme que Morris
conheceu a fria realidade que é o triunfo, às vezes, assim como a tragédia.
“Lembro-me de que estava entrando na loja Puritan’s Clothing, em Hyannis, um
dia, e uma moça com um garoto entraram pela porta”, diz Morris, com um forte
sotaque sulista. “O garoto parou e olhou para mim de cima a baixo. Eu estava de
uniforme. Ele me perguntou se eu era da Guarda Costeira, e eu disse que sim.
Então, ele me perguntou se eu conhecia Bernard Webber. Eu disse que não, mas
que já tinha ouvido falar dele. As palavras seguintes do garoto me deixaram de
queixo caído. Ele disse: ‘Eu odeio esse homem’. Eu perguntei por que, e o
menino disse: ‘Ele matou meu pai’.”
A mãe do menino disse que seu marido estava no Pendleton e que havia
perecido no resgate. Ralph Morris estava cara a cara com a viúva e o filho de
George “Tiny” Myers. Morris tinha muita experiência no manejo de lanchas de
resgate de 36 pés e se surpreendeu com a virulência infundada da criança. Ele,
calmamente, tentou explicar ao garoto que a morte de seu pai havia sido nada
mais que um trágico acidente. “Eu tentei lhe dizer que se as ondas eram fortes o
suficiente para quebrar um navio, seria quase impossível controlar um barco
nessas condições.” Morris não sabia se o garoto havia entendido sua explicação
ou se já tinha sua opinião formada. Quanto à viúva de Myers, Morris disse que
era impossível avaliar seus sentimentos. Ele guardou o encontro casual durante
vários anos para si, mesmo depois de ter a oportunidade de trabalhar com Bernie
Webber, quando este assumiu a Estação de Race Point, em 1955. A amizade dos
dois continuou florescendo ao longo dos anos, até que, por fim, Morris se sentiu
à vontade para abordar o assunto com seu lendário mentor. “Depois que já o
conhecia um pouco, eu contei a Bernie sobre a conversa com o filho de George
Myers. Bernie me contou o que havia acontecido. Ele se emocionou, como se
houvesse acabado de acontecer. Ele disse que o homem era enorme e que não
estava de casaco nem de colete salva-vidas, e que havia sido impossível segurá-
lo e içá-lo a bordo do barco de resgate.”
Antes de assumir o comando de Race Point, Webber teria outro dever a
cumprir em Chatham. Àquela altura, ele e Miriam haviam acolhido um filho e
uma filha em sua vida. Construíram uma casa vizinha à da irmã de Miriam, em
Eastham, e, pela primeira vez, Webber estava criando raízes em uma
comunidade. Era uma sensação revigorante para o homem que passara quase
uma década na vida de nômade de socorrista da Guarda Costeira. Em Chatham,
Webber reencontrou o chefe Ralph Ormsby. Os dois homens compartilhavam
uma experiência que poucas pessoas podiam imaginar. Ralph Ormsby pilotara
um barco de resgate de 36 pés que saíra de Nantucket no dia em que o Pendleton
e o Fort Mercer se acidentaram. Webber sempre achou que a provação de
Ormsby havia sido pior que a sua, porque a equipe de Nantucket teve de
percorrer uma distância maior em águas ainda mais perigosas.
Webber também reencontrou uma velha amiga: a cg36500, que havia salvado
sua vida no passado e a vida de sua tripulação e dos sobreviventes do Pendleton.
Contudo, nesse momento, ele contaria com a “velha 36” para salvar outra vida.
O evento ocorreu em um dia ensolarado, porém açoitado pelo vento, no inverno
de 1955. A frota de pesqueiros voltava de sua viagem matinal, encurtada pelas
ondas que cresciam e quebravam ferozmente sobre o temido Chatham Bar.
Webber conhecia bem o temperamento violento da ilha-barreira. Ela era
diferente de qualquer outra que já havia enfrentado. Era como se o Chatham Bar
fosse um organismo vivo, que respirava e tinha mente própria. As barras de areia
em constante mudança já eram perigosas em um dia perfeito, e, nessa tarde
tempestuosa, o Chatham Bar se tornou especialmente traiçoeiro. Todos, exceto
um pescador, voltaram com segurança ao porto. A Guarda Costeira recebeu a
notícia de que outro navio estava lentamente voltando para o porto de Chatham.
Webber sabia que o barco pertencia a um tranquilo pescador chamado Joe
Stapleton. Também sabia que Stapleton pescava sozinho. Então, Bernie pediu ao
chefe Ormsby permissão para pegar a cg36500 para localizar Stapleton e
escoltá-lo com segurança de volta ao píer de pesca de Chatham.
Ormsby consentiu e Webber reuniu sua equipe. Eram homens jovens que,
como Ralph Morris, tinham certo medo de seu famoso capitão. Bernie Webber
era extremamente competente, mas também sabia que mesmo os marinheiros
mais habilidosos não eram páreo para o Chatham Bar. Ao sair com o barco de
resgate, Webber notou as ondas que quebravam e hesitou brevemente antes de
prosseguir para a barra de areia. Ele e sua equipe haviam sido informados de que
a torre da Guarda Costeira perdera de vista o barco de Stapleton nas altas águas.
Webber mais uma vez pôs sua fé na “velha 36”, acelerou o motor e dirigiu-se à
ilha-barreira. O barco de resgate subiu altas ondas, uma atrás da outra, enquanto
a tripulação se segurava com força nos corrimãos. Sua equipe podia estar mais
que preocupada com o que enfrentariam, mas Webber estava calmo; ele havia
sobrevivido a coisa muito pior naquelas águas. Quando chegaram a águas mais
profundas, a equipe escrutou o horizonte em busca de algum sinal do pesqueiro
desaparecido. Depois de alguns momentos, Bernie viu algo escuro na água, ao
lado da proa do barco de resgate. Era o barco de Joe Stapleton totalmente
submerso, logo abaixo da superfície. Não havia nenhum sinal de seu capitão.
Webber observou o céu; sabia que o tempo estava contra ele. Estava
escurecendo, o que tornava mais difícil enxergar.
As mãos de Webber não estavam no volante, mas o barco de resgate ainda
estava em marcha, movendo-se em pequenos círculos, enquanto Bernie e sua
equipe pensavam no próximo passo. Durante os minutos seguintes, a “velha 36”
começou a derivar para o sul, sozinha. Webber ainda estava esperando ordens e
não deu muita atenção à mudança de direção a águas mais calmas. O barco de
resgate continuou rumando para o sul, e um tripulante notou algo na água, à
frente. Webber, por fim, reassumiu o controle do volante e seguiu em frente até
se deparar com um objeto que flutuava na água. Ele sabia tratar-se de uma caixa
de iscas, de madeira, do pesqueiro de Stapleton. Subitamente, outro objeto
flutuante surgiu. Era o próprio Joe Stapleton, segurando um colete salva-vidas,
enquanto subia e descia com as ondas.
A equipe usou um gancho para puxar o pescador a bordo. Seus olhos estavam
abertos, porém seu corpo estava mole. Ele está morto, pensou Bernie. A onda de
seus fracassos do passado caiu sobre ele mais uma vez; mas o medo não durou
muito tempo. Segundos depois, o corpo de Stapleton voltou à vida. O pescador
começou a respirar de novo, soltou o colete salva-vidas e começou a movimentar
seus membros. A tripulação levou Joe para a cabine da frente, e cada homem
cobriu o pescador gelado com seu próprio casaco. Após o regresso ao píer de
pesca de Chatham, Stapleton foi levado de ambulância às pressas para o hospital.
Sua hipotermia foi tratada e, de resto, ele estava bem. Quando teve alta, o
tranquilo pescador não agradeceu a Webber e sua equipe. Bernie compreendeu.
Seu reconhecimento era tão grande que não precisava ser expresso em palavras.
Essas coisas não eram ditas abertamente; era mais uma regra não escrita da vida
no mar. Além do mais, Webber acreditava, no fundo do coração, que ele não
havia sido o verdadeiro herói desse resgate. Seu barco, sim. Quem poderia
explicar como a cg36500 sozinha conseguira levar a tripulação à localização
exata de Joe Stapleton? Bernie sentia a mão de Deus desempenhando seu papel,
novamente.
Webber podia ter fincado raízes sólidas no departamento doméstico, mas sua
carreira na Guarda Costeira o mantinha em movimento. Ele passou a servir na
Estação de salvamento de Nauset, na já mencionada Race Point e até em pontos
ao norte de Southwest Harbor, Maine, onde foi designado a um rebocador da
Guarda Costeira. Bernie também atuou no navio-farol em Nantucket antes de
voltar para Chatham, pela terceira vez. Em 1960, Webber foi nomeado oficial
encarregado da Estação de Resgate de Chatham. A vida na Estação de Chatham
havia melhorado desde a primeira temporada de Bernie. Os homens só tinham de
ficar na estação durante seis dias e depois tinham dois dias de folga. A equipe
tinha um aparelho de televisão — um modelo mais novo que o comprado com o
dinheiro que Webber havia recebido dos gratos sobreviventes do Pendleton.
Também tinham uma mesa de bilhar e outras comodidades para ajudá-los a
relaxar no tempo livre. Conhecendo o estresse do trabalho, Webber também
planejava várias brincadeiras com seus tripulantes para descontraí-los. Todavia,
quando tinham trabalho a fazer, faziam. Ele se orgulhava do fato de sua estação
ter recebido as melhores notas dos inspetores da Guarda Costeira em três anos
consecutivos.
Em 1964, Webber completou dezoito anos de Guarda Costeira e pensava em
se aposentar. Ele servia em Woods Hole como oficial encarregado do barco Point
Banks. Webber tinha 37 anos e havia chegado a primeiro oficial, que é o terceiro
maior posto na hierarquia da Guarda Costeira. O serviço havia sido bom para
ele. Permitira-lhe conhecer sua esposa e alimentar seu outro caso de amor: o
mar. Contudo, depois de quase vinte anos e incontáveis missões de resgate,
Bernie Webber sentia que já havia pagado sua dívida com a Guarda Costeira. Ele
e dois companheiros tinham planos de ter a própria marina em Chatham, quando
foram empurrados para um conflito sangrento a meio mundo de distância.
Webber foi um dos 47 oficiais e 198 alistados enviados para o Vietnã, na
operação Market Time. A necessidade de homens da Guarda Costeira foi
percebida pela primeira vez em fevereiro de 1965, quando um piloto do Exército
viu algo peculiar ao sobrevoar a baía de Vung Ro, perto de Qui Nhon. Era uma
ilha no meio da baía que parecia se mover de um lado a outro na costa. A “ilha”
era um navio totalmente camuflado usado para abastecer os vietcongues. O
navio foi rapidamente afundado por ataques aéreos dos Estados Unidos;
entretanto, o problema permaneceu. Seria possível garantir a segurança de 1.900
quilômetros de litoral com 60 mil sampans e junks entupindo a rota de
navegação? Era pouco provável que os Estados Unidos conseguissem
interromper completamente a linha de abastecimento vietcongue, mas um
esforço sério tinha de ser feito. O secretário do Tesouro concordou em fornecer
não só sua Guarda Costeira, mas também seus navios para a missão. Como
membro do Esquadrão Um da Guarda Costeira, Bernie Webber foi obrigado a se
apresentar na Base Anfíbia da Marinha, em Coronado, Califórnia, onde aprendeu
a lidar com armadilhas e outros métodos vietcongues usados para matar. De lá,
ele foi para Camp Pendleton, onde os marines norte-americanos ensinaram
Webber e seus companheiros a usar morteiros de 81 milímetros, metralhadoras
calibre .50 e granadas de mão. Salvar vidas já não era prioridade para socorristas
como Bernie Webber; eles estavam aprendendo a matar, se fosse necessário. E o
treinamento não acabava aí. Webber também foi enviado a Whidbey Island,
Washington, onde aprendeu a sobreviver a torturas na água, a ficar trancado em
uma caixa e a outras técnicas brutais que o inimigo usava para atormentar
soldados norte-americanos.
Então, ele partiu para as Filipinas, para fazer um curso intensivo sobre os
fundamentos da guerra na selva. Nada em seu treinamento anterior o havia
preparado para aquilo. A última vez que Webber tinha sido forçado a amargar em
um campo de treinamento de recrutas fora quase duas décadas antes. Ele estava
mais velho, e seu corpo não era tão ágil. Todavia, Webber também era muito
mais sábio do que em sua época de recruta da Guarda Costeira. Ele sobreviveu
ao treinamento usando uma combinação de coragem e astúcia. Em seguida, foi
enviado ao Centro de Vigilância Costeira de Da Nang, no qual serviu durante o
ano seguinte. Webber e seus homens patrulhavam sua faixa do litoral vietnamita
observando atentamente os junks que operavam em áreas restritas e pesqueiros
ancorados, mas que não usavam as redes. A Operação Market Time foi um
sucesso instantâneo. Depois de apenas um mês de patrulhas, os comandantes
viram que as chances de um junk passar pela segurança haviam caído para cerca
de 10%. Atualmente, Bernie Webber se recusa a falar sobre o tempo que serviu
no Vietnã. Não há dúvida de que ele testemunhou os horrores da guerra e, como
filho de um pastor de Deus, suas experiências podem tê-lo colocado em nítido
contraste com sua fé. Após o retorno de Webber do Vietnã, ele foi brevemente
designado ao navio-balizador Hornbeam, nas águas de Woods Hole, antes de
finalmente se aposentar, em 1966.

Ao contrário de Bernie Webber, Ervin Maske mal podia esperar para sair da
Guarda Costeira. Quando seu alistamento acabou, fugiu rapidamente para terra
firme. Alguma coisa havia mudado nele por causa do suplício que havia passado
na cg36500. Maske e sua esposa voltaram para Marinette, Wisconsin, e
formaram uma família. Ervin arrumou um emprego no Departamento de Obras
Públicas e nunca sentiu vontade de voltar ao mar. Só de pensar no oceano seu
sangue gelava. “Ele ficou longe da água, de qualquer tipo de água”, lembra a
filha de Maske, Anita Jevne. “Meus tios o convidavam para pescar e ele sempre
recusava.” O aparente medo da água de Maske era a única indicação que ele
dava a sua família sobre seu papel no resgate do Pendleton. Ele mal mencionava
o assunto com seus dois filhos, Anita e Mark. “Uma vez, ele pegou a medalha e
a mostrou para mim, quando eu era criança”, lembra Anita. “Ele era bem
humilde em relação a isso. Disse que a havia ganhado por salvar alguns
homens.” Os filhos de Maske nunca tinham imaginado o que seu pai enfrentara
naquela gelada noite de fevereiro em 1952, até que, certa noite, assistiam na
televisão ao filme Mar em fúria. “Era a cena em que o barco [o Andrea Gail]
cavalgava uma daquelas ondas enormes”, explica Anita. “Meu pai estava
assistindo ao filme em silêncio, mas atento, e talvez estivesse revivendo alguma
coisa. Ele olhou para mim e disse: ‘Foi exatamente assim, exatamente assim’.”
Foi outro socorrista quem descobriu o fardo emocional que Ervin Maske
carregava. Aconteceu durante um encontro casual, na cidade natal de Maske.
Tony O’Neill fora removido havia alguns anos de sua função de contramestre na
Estação da Guarda Costeira de Sturgeon Bay, em Wisconsin. Enquanto estava no
serviço, ele comprou o livro de Bernie Webber, Chatham: the lifeboatmen, em
uma lojinha em Green Bay. O livro tocou O’Neill, que ficou surpreso ao saber
que um membro da Equipe Medalha de Ouro também era de Wisconsin. O’Neill
guardou o livro e ficou imaginando se um dia teria a chance de conhecer Ervin
Maske. E o acaso os aproximou um dia. “Depois da Guarda Costeira, tornei-me
policial em Marinette e comecei a perguntar sobre Ervin Maske por ali”, diz
O’Neill. Alguém comentou que ele trabalhava no Departamento de Obras
Públicas, na área de saneamento. Um dia, O’Neill foi ao aterro para jogar fora
suas aparas de relva. Viu um homem em um trator e o chamou. “Perguntei a ele:
‘Você conhece Ervin Maske?’ Ele fez uma pausa e disse: ‘Sim, sou eu’.” O’Neill
ficou meio chocado e só conseguiu pensar em fazer uma coisa. Disse a Maske
que voltaria em seguida. “Fui para casa o mais depressa que pude e peguei o
livro”, recorda O’Neill. Ele voltou para o aterro; Maske ainda estava sentado no
alto de sua retroescavadeira. “Entreguei-lhe o livro e disse: ‘Você merece este
livro mais que eu’.” Maske pegou o que O’Neill lhe oferecia e suas mãos
começaram a tremer. Ele olhou para o livro e começou a chorar. “Deixei-o lá
com seu livro e suas memórias”, explica O’Neill. “Fui embora sabendo que
havia feito uma coisa boa.”
Andy Fitzgerald deixou a Guarda Costeira oito meses depois de participar do
resgate do Pendleton. Ele voltou para Whitinsville e acabou conseguindo um
emprego na Whitin Machine Works. Um programa de treinamento permitiu-lhe
estudar no Worcester Junior College, formando-se em técnico em Engenharia.
Foi nessa época que ele conheceu sua futura esposa, Gloria Frabotta, de
Uxbridge, Massachusetts. “Eu tinha 22 anos e ela, 19”, lembra ele. “Nós nos
conhecemos em um chá bar.” O casal namorou três anos antes de se casar. O
nome de Andy Fitzgerald havia saído em jornais de costa a costa, contudo sua
nova esposa era alheia a sua fama. “Eu até comentei sobre o Pendleton, porém,
ela não fazia ideia da verdadeira história.” Entretanto, isso mudou quando a mãe
de Fitzgerald chegou com todos os recortes de jornal. “Vendo aquelas matérias,
Gloria percebeu que havia mais coisas sobre seu marido do que ela imaginava.”
Sua vida pessoal navegava águas tranquilas, mas ele tinha sérias dúvidas sobre
seu futuro como engenheiro. “Eu estava na sala de projetos na Whitin Machine
Works quando percebi que não queria fazer aquilo”, diz ele. “Eu sabia desenhar,
mas não era muito bom.” Fitzgerald imaginou que poderia se dar muito bem em
vendas; ele era engenheiro, conhecia as ferramentas e os produtos. Arranjou um
emprego de vendedor de motores e embreagens elétricas para fábricas na Nova
Inglaterra. Ele era tão bom vendedor que seu chefe lhe ofereceu o cargo de
gerente do novo escritório em Denver, para vender equipamentos de inspeção de
alta precisão. O “escritório” era composto por exatamente um homem: ele
mesmo. Fitzgerald contratou Gloria para trabalhar meio período e os dois se
acomodaram na boa vida nas montanhas rochosas.
Após o resgate do Pendleton, Richard “Herd Bull” rodou pela Guarda
Costeira, de estação em estação, assim como seu ex-capitão Bernie Webber.
Livesey foi transferido para Nauset, depois para Woods Hole e, por fim, para o
navio-farol Stonehorse. Também se formou na Escola de Liderança da Guarda
Costeira e foi escolhido a dedo para servir na Patrulha de Segurança Presidencial
para proteger John F. Kennedy em Hyannisport. “Quando Kennedy viajava pela
Nova Inglaterra, eu ficava na lancha de quarenta pés do Serviço Secreto”,
explica Livesey. “Ele ficava nos iates Marlin ou Honey Fitz. Eu o encontrei
muitas vezes nas docas. Ele era muito acessível e muito gentil.” Livesey também
se lembra com carinho da primeira-dama, Jacqueline Kennedy. “Ela sempre foi
muito agradável. Era um ótimo trabalho. Fiquei arrasado quando ele foi morto.”
Depois de sua oportunidade com o presidente dos Estados Unidos, Livesey foi
transferido para a Estação de Cape Cod Canal, onde a vida não era tão
glamorosa. Seu dever básico era recolher os corpos de vítimas de suicídio que
pulavam da ponte de Sagamore. Richard Livesey se aposentou da Guarda
Costeira em 1º de novembro de 1967. Como seu pai, Oswald, ele tinha vinte
anos de serviço no mar. Livesey arranjou emprego em uma fábrica de produtos
químicos em Wilmington, Massachusetts, antes de se mudar para a Flórida com
sua esposa, em 1980. Nos dez anos seguintes, ele fez uma série de bicos, desde
segurança até zelador de uma escola secundária. Como muitos serviçais, Livesey
provavelmente devia ser desprezado por certas pessoas a seu redor. Mal sabiam
elas que o homem com a vassoura na mão ou sentado no balcão de segurança
havia desempenhado papel fundamental em um dos resgates marítimos mais
extraordinários da história dos Estados Unidos.
capítulo 22
A restauração

A esperança, como a fênix, pode voar pelos céus do deserto


e, ainda, desafiando o despeito do destino, reviver das cinzas
e crescer.
miguel de cervantes saavedra

Novembro de 1981

Despercebida, lá estava aquela lancha outrora orgulhosa, agora uma mera casca
do que era antes. Quem passava por ela nem lhe dava atenção. No máximo, ela
era um incômodo, e, sem dúvida, alguns achavam que ela já deveria ter virado
sucata havia anos. Seu toldo estava podre e sua pintura toda lascada. Esquilos e
outras criaturas pequenas haviam construído seus ninhos em seu motor e as
coberturas das cabines estavam gastas por anos de negligência. A cg36500 havia
sido posta sobre blocos e deixada sem proteção contra a intempérie por treze
anos, atrás de uma garagem de manutenção na propriedade do Cape Cod
National Seashore, em South Wellfleet. Rodeado por areia, arbustos e pequenos
pinheiros, o histórico barco que havia salvado muitas vidas era quem precisava
ser resgatado.
A “velha 36” havia sido desativada em 1968, substituída pelo mais recente
barco de resgate de 44 pés, dois motores a diesel de 180 cavalos de potência,
totalmente de aço. Embora os barcos de 36 pés ainda fossem considerados
confiáveis, os de 44 pés eram mais rápidos e podiam levar quase o dobro de
passageiros. A maioria dos barcos de resgate de 36 pés havia sido destruída, mas
a lancha de Chatham havia conseguido a suspensão de sua sentença de morte.
Como era uma embarcação “Medalha de Ouro”, a cg36500 foi entregue ao Cape
Cod National Seashore, e, de início, havia planos ousados de preservá-la. Os
funcionários queriam que o barco ficasse em um pequeno museu, todavia a falta
de financiamento e planejamento condenou o projeto e deixou o barco em
condições precárias. A lancha era agora nada mais que uma monstruosidade que
ocupava espaço na propriedade do governo. A cg36500 havia sido vítima do sol
escaldante de mais de uma dúzia de verões e da neve e do granizo dos rudes
invernos de Cape Cod. Seus cuidadores haviam deixado de cobri-la com uma
lona protetora. Era uma visão triste. Algo que tanto significava para muitos havia
sobrevivido a sua utilidade e à própria lenda. Sua história poderia ter
desaparecido do folclore de Cape, não fosse a pura determinação de um grupo de
homens locais que lutou para restaurar ao barco sua antiga glória.
Seu líder era Bill Quinn, um cinegrafista freelancer e amigo de longa data do
fotógrafo Dick Kelsey, cujas fotos do resgate do Pendleton permanecem
gravadas na memória coletiva dos afortunados que se lembram da Equipe
Medalha de Ouro. Quinn viu pela primeira vez o barco quando ele e seu filho
participaram de um leilão de veículos usados patrocinado pelo National
Seashore. Ele estava procurando um automóvel robusto, com espaço para
armazenar seu equipamento de câmera e um bom motor que lhe permitisse
cobrir com rapidez qualquer notícia de última hora. Quando estava
inspecionando jipes, caminhões e outros veículos, o barco velho e cansado
chamou sua atenção. Quinn havia sido da Marinha e tinha um carinho especial
por embarcações, de modo que ele ficou imediatamente intrigado. Aproximou-se
para olhar mais de perto e notou os números desbotados pintados perto da proa.
Quinn chamou seu filho e mal pôde conter sua excitação. “Puta merda, olhe
isso!”, disse, apontando para a cg36500. “É o barco que salvou todos aqueles
homens.” A necessidade de um novo veículo parecia ter perdido a importância.
Quinn sabia que havia sido atraído até ali por alguma razão. Chocado com a falta
de cuidado e atenção dados à histórica embarcação, ele teve uma ideia; tinha de
salvar o barco de salvamento. A questão era: ele poderia ser salvo?
Quinn mostrou o barco a um amigo da marina de Nauset, que era
especializado em reparos desse tipo. O amigo havia levado um picador de gelo e
começou a espetar a embarcação de proa a popa. O sonho de Quinn de restaurar
o barco de salvamento seria frustrado se ele houvesse apodrecido. Contudo,
apesar de sua péssima aparência externa, os homens se surpreenderam ao
encontrar muito pouca madeira podre no barco. As únicas pequenas áreas
preocupantes eram a sala de máquinas e a coluna de reboque da popa. Debaixo
da fachada estragada, a cg36500 ainda era um barco de resgate saudável. Quinn
ficou realmente grato por a embarcação ter ficado em posse do Cape Cod
National Seashore por todos aqueles anos. Embora tenha sido deixado à
intempérie, o barco era propriedade do governo; portanto, nunca havia sido
vandalizado. Sim, aquele outrora orgulhoso barco de resgate poderia ser
restaurado, mas Bill Quinn sabia que não poderia fazê-lo sozinho.
Primeiro, Quinn procurou a Chatham Historical Society para ver se eles
estariam dispostos a assumir a tutela do barco arruinado. Apesar da clara
importância histórica da embarcação, os membros da sociedade temiam que o
restabelecimento e a manutenção de um barco naquelas condições fosse como
cair em um poço sem fundo de dinheiro. “Quem vai pagar pela restauração e
pela manutenção contínua?”, perguntaram. A perda de Chatham representou
ganho para Orleans quando a sociedade histórica da cidade vizinha concordou
em aceitar a embarcação se o Cape Cod National Seashore estivesse disposto a
abrir mão dela. Quinn se reuniu com oficiais do governo, que concordaram em
restaurar o barco, mas somente a título de empréstimo permanente. No entanto,
Quinn ficou atrás deles até que selaram um acordo dando-lhe a propriedade legal
do barco de resgate. Ele entregou o barco à Orleans Historical Society e
começou a arregimentar artesãos locais para o importante trabalho de
reconstrução. Quinn não teve falta de voluntários e precisou de pouco esforço
para convencê-los da missão. Para os homens de Chatham, Orleans e Harwich, o
pequeno barco de resgate não era apenas uma lenda; era um testemunho do
espírito de Cape Cod. Robustez e confiabilidade eram traços tanto do barco
quanto das resistentes pessoas que esculpiam sua vida na areia, nas costas
açoitadas pelo vento do extremo oriental dos Estados Unidos.
Um pequeno grupo de homens se reuniu no National Seashore, em uma fria
manhã de novembro de 1981, para testemunhar o renascimento desse barco. Eles
observaram atentamente, enquanto um grande guindaste içava a embarcação de
seu berço, despertando-a de um sono de treze anos. O pequeno barco foi
colocado em um caminhão e levado para a garagem Hershey Clutch, em Findlay
Road, Orleans, onde os voluntários trabalhariam. Logo, todos perceberam a
quantidade de suor e a habilidade necessárias para levar avante o projeto. O
objetivo era terminá-lo em cinco a seis meses, o que significaria milhares de
horas de trabalho. Os horários dos voluntários foram publicados no jornal da
comunidade; homens e mulheres trabalhavam em turnos, sete dias por semana.
Era uma comunidade se unindo por uma causa comum. Eram voluntários de
várias gerações; havia tanto jovens quanto idosos, e todos haviam sido tocados
de alguma forma pela cg36500. Um voluntário se lembrava de ter sido rebocado
pelo barco quando era criança, quando a embarcação em que estava teve
problemas no rio Bass. Era momento de pagar essa dívida e preservar aquele
pedaço de história flutuante para as gerações futuras.
O passo inicial era verificar se o motor do barco poderia ser salvo. A sala de
máquinas estava em péssimas condições, mas, surpreendentemente, o motor em
si ainda era utilizável, embora precisasse de sérios reparos. O motor gm-471 foi
retirado e mandado para Boston, onde foi recuperado de graça por mecânicos da
Marinha. O virabrequim do motor foi recondicionado e os cilindros, as bielas e
os rolamentos, substituídos. Cada parafuso do casco do barco teve de ser retirado
e substituído por outros maiores. Os mecânicos usaram raspadeiras para
desbastar o que restava da pintura e, em seguida, lixaram o barco até deixar a
madeira nua antes de reformar as pranchas do fundo e dos costados. Todo esse
árduo trabalho quase virou fumaça em uma noite, quando o Corpo de Bombeiros
de Orleans foi chamado à garagem. Um queimador apresentara defeito, e muitos
temiam que a embarcação queimasse como lenha. Felizmente, ela não sofreu
dano, afora ficar coberta de óleo, que poderia ser limpo com facilidade.
Enquanto os voluntários se ocupavam com o barco, Bill Quinn ficou com a
igualmente difícil tarefa de arrecadar dinheiro para pagar tudo. Ele entrou em
contato com um repórter do Cape Cod Times, que escreveu uma matéria sobre o
projeto de restauração, e logo os fundos tão necessários começaram a surgir. A
Chatham Historical Society também deu algum dinheiro para tocar o projeto.
Quinn e seu grupo levantaram mais de 10 mil dólares e uma quantidade
equivalente em materiais para realizar seu sonho.
Depois de seis meses, os voluntários, enfim, atingiram seu objetivo. O barco
de resgate estava restaurado por completo, repintado, e suas famosas letras
reapareciam audaciosamente perto da proa. Era hora de ver se a “velha 36” era
navegável. Uma cerimônia oficial de relançamento foi realizada no porto de
Harbor, em Orleans, local em que o barco de resgate está até hoje. O
relançamento desse famoso barco não seria completo sem a presença de seu
igualmente famoso timoneiro. Bernie Webber tirou uma folga do trabalho e, com
Miriam, foi de sua casa na Flórida até Cape Cod. Reencontrou a pequena
embarcação que havia salvado sua vida e a de tantos outros naquela noite
infernal de inverno, cinquenta anos antes.
A cg36500 continua sendo um museu vivo, dedicado aos socorristas de Cape
Cod. Ela permanece na água o ano todo, com sua lona de proteção de inverno,
no Meeting House Pond, em Orleans. Durante o verão, a lancha deixa o cais de
Rock Harbor e é levada a vários shows náuticos pela região, onde sua lenda é
recontada a uma nova geração da Nova Inglaterra. Ao leme está Pete Kennedy,
membro da Orleans Historical Society e homem dedicado a manter vivo o
espírito desse pequeno barco e da Equipe Medalha de Ouro. Quando ele próprio
o navega em ondas entre dois e três metros de altura, não pode deixar de pensar
em Webber, Andy Fitzgerald, Richard “Herd Bull” Livesey e Ervin Maske. “Eles
viram ondas sete vezes maiores”, diz, impressionado. “É incompreensível para
mim que eles pudessem ter tão excelente desempenho naquelas condições. Que
feito notável para aqueles jovens!”
epílogo
Eles já foram jovens

Leva muito tempo para cultivar um velho amigo.


John Leonard

Nos anos seguintes ao resgate do Pendleton, Bernie Webber e Richard Livesey


se encontravam de vez em quando em Cape Cod, e a conversa normalmente
girava em torno de suas famílias. Um assunto no qual nunca tocavam era as
horas tumultuadas que haviam passado naquelas pequenas embarcações de
madeira, ludibriando a morte no Chatham Bar. Quando surgiu a ideia de um
reencontro pelos cinquenta anos da Equipe Medalha de Ouro, Webber foi contra.
Ele não queria reviver o passado. Webber seria foco de atenção, e adulação, e se
sentiria meio culpado e, possivelmente, assustado. Webber temia as lembranças
sombrias da morte de George “Tiny” Myers, enquanto amigos e desconhecidos o
estivessem elogiando por seu esforço heroico. Estaria preparado? Outra
preocupação era considerar bom um evento desses para a Guarda Costeira.
Webber podia ter se sentido usado pela Guarda Costeira durante suas inúmeras
aparições públicas nos meses seguintes ao resgate, mas também sabia que o
serviço havia sido justo com ele, em geral, e não queria participar de algo que
representasse uma zombaria ao trabalho de sua vida. Os organizadores
convenceram Webber de que o reencontro seria feito com bom gosto, sem bregas
recriações do resgate ou afins.
Bernie também queria se certificar da participação dos três membros de sua
equipe. Não poderia haver reencontro da Equipe Medalha de Ouro se os quatro
homens não estivessem presentes. Webber havia lutado pelo reconhecimento de
sua equipe desde o dia em que quase recusara a Medalha de Ouro de
Salvamento, em 1952. Essa cerimônia ainda marcava sua equipe, tantos anos
depois. Miriam não havia sido convidada, nem os familiares dos outros membros
da equipe. Dessa vez, Webber disse aos organizadores que os familiares teriam
de ser convidados. Eles concordaram com as exigências de Webber e
prometeram que as despesas de viagem de todos seriam cobertas.
Ervin Maske tinha as próprias dúvidas. Ele havia feito uma cirurgia de joelho
cerca de um ano antes, e ficar em pé por muito tempo seria um enorme esforço,
algo inevitável em uma reunião como aquela. Como Bernie, ele também sabia
que poderia ser forçado a reviver o resgate em sua mente. Ele passara décadas
mantendo essas lembranças afastadas. Sua filha, Anita Jevne, disse que seu pai
não pensava no resgate havia anos, e foi um pouco indiferente à coisa toda.
Entretanto, aparentemente, isso era só uma máscara para Ervin. De sua parte,
Andy Fitzgerald e Richard Livesey ficaram animados para participar do
reencontro. O capitão W. Russell Webster, chefe de operações do Primeiro
Distrito da Guarda Costeira em Boston, assumiu o planejamento e a localização
de todos os membros da equipe, inclusive de um sobrevivente do ss Pendleton.
Charles Bridges tinha apenas 18 anos quando sua vida foi salva naquela noite
gelada, tantos anos antes. Bridges já tinha esposa, uma filha e uma fazenda de
vinte hectares em sua terra natal, North Palm Beach, Flórida.
As festividades do reencontro aconteceram em 12 de maio de 2002, no
Mariners House, em North End, Boston. Para os membros da equipe, seu
primeiro reencontro foi um tanto quanto estranho, de acordo com uma
organizadora, Theresa Barbo, que relatou o evento em seu livro de 2007, The
Pendleton disaster off Cape Cod. Afinal de contas, esses homens podiam ter se
falado ao telefone ocasionalmente, mas não se viam havia muitas décadas. Eles
haviam sido jovens um dia, dispostos a arriscar a vida por seu trabalho, uns pelos
outros, pelo fato de que simplesmente não sabiam de nada. Nesse momento, ali,
eles estavam no crepúsculo de seus anos, mais velhos e, sem dúvida, um pouco
mais sábios. Todos haviam tentado deixar o resgate no passado, vendo-o como
um capítulo no livro da vida, e não como o momento que os definia. Afinal,
deram-se casamentos, nascimentos de filhos, e, infelizmente, a morte de uma
criança também. No entanto, quando conversaram, ficou claro que o vínculo
entre eles era forte como sempre.
Para Bernie Webber, o momento mais emocionante foi quando viu Ervin. O
homem mal conseguia ficar em pé e ainda fazia grande esforço para sorrir na
dor. Maske sempre ocupou um lugar especial no coração de Bernie; era o único
homem que não tinha a obrigação de se oferecer para aquela missão suicida.
Ervin não havia feito juramento de lealdade a Webber e seus homens; estava na
Estação de Chatham apenas esperando uma carona de volta para seu navio-farol.
Um homem comum poderia ter ficado quieto, cuidando de sua vida e fora da
luta; mas Ervin Maske havia provado ser um homem incomum. E, meio século
depois, era a vez de Bernie lhe agradecer. Ele se aproximou de Maske com a voz
embargada e o abraçou, choroso. Anita Jevne sentiu os próprios olhos
lacrimejarem quando viu o amor demonstrado a seu pai. A experiência do
reencontro abriu os olhos de Anita, que nunca soubera os detalhes daquela noite
traumática. “Meu pai sempre dizia que não havia sido grande coisa”, lembra
Jevne. “Ele dizia que era apenas seu trabalho e que havia feito o que tinha de
fazer. Quando ouvi a história contada, no reencontro, fiquei admirada com meu
pai e com os outros três homens.”
O reencontro se estendeu por vários dias. A recepção acolhedora no Mariners
House foi acompanhada, no dia seguinte, por um almoço na base da Guarda
Costeira em Boston, e, finalmente, a viagem de volta a Chatham. Cada evento
havia sido cuidadosamente planejado, quase cronometrado. As celebrações
culminaram com uma breve viagem na cg36500. A equipe sorria, enquanto subia
a bordo; mas um deles expressou suas reservas. “Por que temos de andar no
barco?”, perguntou Ervin a sua filha. Ervin havia feito o máximo para ficar longe
da água desde que acabara seu alistamento na Guarda Costeira, e lá estava ele,
pisando em um barco que podia ter salvado sua vida, mas que também o havia
deixado com pesadelos por décadas. Maske não compartilhou seus sentimentos
com mais ninguém quando se sentou e se preparou para o que viria. Apesar da
data no calendário, o ar estava frio, os ventos eram fortes e a água um pouco
agitada. Ainda assim, a equipe só poderia ter sonhado com um tempo assim na
última viagem que haviam feito juntos. Eles deixaram o píer de pesca de
Chatham para uma breve viagem ao redor do porto. O sobrevivente do Pendleton
Charles Bridges observou o pequeno desfile de barcos que circulavam em volta
do píer de pesca de Chatham. A cg36500 foi acompanhada por dois oficiais da
Guarda Costeira da atual geração, que dariam uma mão caso algo desse errado.
Nada deu errado nesse dia. Bernie Webber mais uma vez tomou seu lugar de
direito ao volante. A cg36500 foi ladeada por duas lanchas de resgate de 44 pés e
um bote inflável de 27 pés. Sem dúvida, os jovens socorristas nessas
embarcações, sabendo que um dia poderiam ser testados até os limites de sua
resistência, observaram com grande orgulho.

apêndice

Na época, os resgates do Pendleton e do Mercer foram os maiores já realizados


pela Guarda Costeira, mais tarde superados pelos resgates feitos após o furacão
Katrina, em 2005, e pelo do navio de cruzeiro Prinsendam, em 1980. Os resgates
do Pendleton e do Mercer ainda são os maiores em mar aberto feitos com
pequenos barcos e lanchas na história marítima norte-americana.
Donald Bangs
Donald Bangs já faleceu, mas Bernie Webber nunca o esqueceu, insistindo em
salientar que o que Bangs e sua equipe passaram durante o resgate havia sido
ainda pior do que a própria experiência de Bernie. E Mel Gouthro acrescentou:
“Eu sentia por Bangs e sua tripulação. Depois de ficar na tempestade por horas e
horas em um barco de resgate de 36 pés, eles voltaram gelados, molhados e perto
da hipotermia. E quando perguntei se eles haviam tido alguma sorte com os
sobreviventes, Donald apenas anuiu”. Donald Bangs passou, com distinção,
trinta anos na Guarda Costeira.
Membros da família de Bangs acreditam que, embora ele raramente
mencionasse sua missão de resgate, perder o tripulante do Pendleton para uma
enorme onda quando ele estava quase resgatado o afetara profundamente.
Bill Bleakley
“Ao refletir sobre a perda dos vários marinheiros da proa do Mercer, naquela
primeira noite, não posso deixar de pensar que se o acidente tivesse acontecido
apenas alguns anos depois, os homens poderiam ter sido salvos por helicóptero.
Embora não seja rotina, hoje, a capacidade do helicóptero de içar homens em
cestos de resgate pode fazer grande diferença em operações de salvamento.” Bill
tem um grande conselho para todos os navegantes: “O incidente com o Mercer
me ensinou uma verdadeira lição: fiquem no navio até o final ou o máximo
possível. O mar não perdoa erros”.
Charles Bridges
Charles Bridges vive na Flórida, agora. Depois de sobreviver ao desastre do
Pendleton e ser resgatado por Bernie e sua equipe, ele ingressou na Guarda
Costeira e serviu por muitos anos. Nunca cruzou com Webber, enquanto servia.
Contudo, após aposentar-se, ao trabalhar em um navio de pesquisas e,
casualmente, mencionar que havia sobrevivido ao Pendleton, soube que alguns
tripulantes conheciam Bernie Webber, pediu-lhes o número de telefone dele.
Quando ligou para Bernie, soube que ambos estariam no Cabo Canaveral ao
mesmo tempo e, assim, planejaram se encontrar pela primeira vez, desde o
resgate. Bernie subiu a bordo do navio de pesquisas e, depois que os homens
apertaram as mãos, Bridges disse: “Venha comigo”. E então Charles levou
Bernie a conhecer o capitão e, quando o apresentou, disse: “Este é o homem que
salvou minha vida, há 35 anos”.
Gil Carmichael
“Relembrando o evento do Pendleton e do Mercer, o que mais me marcou foi
que aprendi cedo na vida como me comportar em momentos de crise. Eu sabia
que quando lançávamos o barco poderíamos morrer, mas todos nós pensávamos
em tentar salvar vidas, e não em nossa própria segurança. Tenho bastante
orgulho de, quando jovem, não ter hesitado em fazer o que era necessário. Isso
me deu autoconfiança, e estou contente por ter sido testado.”
Mel Gouthro
Mel Gouthro permaneceu na Guarda Costeira galgando postos, passando por
primeiro oficial e major, aposentando-se como capitão-tenente. Por ironia, seu
trabalho final foi na investigação de acidentes marítimos.
John Joseph
Um grande elogio é dirigido ao capitão Joseph por parte dos homens que
serviram abaixo dele no Acushnet; homens como Sid Morris e John Mihlbauer.
Repetidas vezes, no decorrer da pesquisa dos autores, os marinheiros se
mostraram maravilhados com a manobra ousada de Joseph para posicionar o
barco de resgate ao lado da popa do Mercer na tempestade.
Richard Livesey
Richard faleceu em 28 de dezembro de 2007. Ele relembrava seus dias passados
na Estação de Chatham como especialmente felizes, não por causa do resgate,
mas pelas amizades.
Ervin Maske
Ervin Maske morreu em 7 de outubro de 2003. Nessa época, ele era motorista de
ônibus escolar em período integral em sua cidade, Marinette, Wisconsin. Maske
estava indo buscar as crianças naquela manhã; conseguiu atravessar os trilhos do
trem pouco depois da garagem do ônibus quando seu coração parou e ele caiu
sobre o volante. “Meu pai sempre usava o boné da Guarda Costeira quando
dirigia o ônibus”, diz Anita Jevne. “Naquele dia, não o estava usando. Talvez
soubesse que não voltaria para casa.”
Sid Morris
Sid escreveu um artigo sobre o resgate no qual citou um dos sobreviventes que
pularam da popa do Mercer para o Acushnet: “Um marinheiro de Rhode Island,
enrolado em cobertores e embriagado pelo forte café da cozinha, exclamou ao
me encontrar: ‘Foi a maior demonstração de valentia marinha que eu já havia
visto em vinte anos no mar’. Foi muito gratificante ouvir de outros homens do
mar que nos valorizavam e sabiam o que o escudo de nosso uniforme
representava”. Olhando para trás, Sid diz: “O rugido do mar, o ruído dos navios
se chocando são tão vívidos em minha memória que parece que foi ontem. Eu
me orgulho de ter participado desse episódio emocionante e, até hoje, relembro
esses três dias como o momento mais arriscado de minha vida”.
Ed Semprini
“Eu fazia a cobertura de JFK na residência oficial de verão, em Hyannisport.
Conheci um pouco o presidente e descobri que ele era um verdadeiro cavalheiro.
Foi um momento incrível quando toda a atenção do mundo estava voltada para
Cape Cod.” Ed Semprini continua relatando as notícias em Cape Cod cerca de
cinquenta anos depois. Seus dias de rádio ficaram para trás, mas o jornalista
veterano ainda escreve uma coluna para o jornal Cape Codder.
Leonard Whitmore
“A lembrança mais forte desses dois dias é o impacto de receber um sos e ser o
operador de rádio que acompanhava toda a ação. Os operadores de rádio podem
passar a vida inteira sem nunca viver a experiência de receber um sos ou
qualquer pedido de ajuda. Eu senti verdadeiro orgulho do trabalho de toda a
equipe. O resgate me ensinou que eu poderia fazer o que quisesse, se decidisse
fazê-lo. Isso me permitiu arriscar durante o resto da vida o que eu antes não teria
tentado e me deu forças para atravessar tempos difíceis. Eu me casei logo após o
resgate e, depois de apenas oito anos de casamento, minha esposa morreu de
câncer de mama. Tínhamos três filhos, de 2, 5 e 7 anos. Eu os criei sozinho,
antes de me casar de novo, sete anos depois, e ter mais dois filhos.”
Para mais informações sobre a lancha de salvamento de 36 pés da Equipe
Medalha de Ouro, ou para fazer uma doação, visite <www.cg36500.org ou
www.myspace.com/finesthours>.
agradecimentos
Michael Tougias
Antes do projeto Horas decisivas, Casey Sherman e eu não nos conhecíamos.
Ambos estávamos interessados na história do Pendleton e do Mercer e,
pacientemente, fazíamos pesquisas. Durante as investigações, disseram a Casey:
“Outro escritor, Michael Tougias, está fazendo a mesma coisa”. Casey entrou em
contato comigo e sugeriu que trabalhássemos juntos no projeto do livro, o que
fez sentido para mim, especialmente considerando quão intimidadoras eram as
pesquisas, às vezes.
Eu havia começado minha pesquisa sobre os acidentes do Mercer e do
Pendleton com o Comitê de Investigação da Guarda Costeira. Igualmente
importante foi o “Estudo da comunicação acerca da perda dos petroleiros Fort
Mercer e Pendleton”, da Guarda Costeira, que incluía resmas de páginas que
documentam cada mensagem de rádio enviada durante os resgates.
Acompanhei a apuração inicial dos fatos lendo e tirando cópias de jornais de
1952 que contavam o acidente. Alguns dos melhores artigos haviam saído no
Boston Globe, Boston Herald, Cape Cod Times, New York Times, Portland
(Maine) Herald e Providence Journal. Os repórteres dos jornais haviam ido
primeiro às docas, entrevistando e citando socorristas e resgatados. Dezenas de
artigos de revistas ofereciam visões gerais interessantes, mas o mais importante
era que serviam como um lembrete de que o evento marcante ocorrera em 1952.
O fato de nossa nação estar atolada na Guerra da Coreia, que se arrastava por
amargos meses a fio, pode ter sido uma das razões pelas quais os resgates do
Pendleton e do Mercer foram divulgados por todo o país. Era um evento que
envolvia nossos militares e refletia uma resposta coordenada, rápida, que salvara
vidas e fora resolvido em questão de dias.
Então, li o livro de Bernie Webber, Chatham: the lifeboatmen, que me
forneceu uma visão que os jornais desconheciam. Outro excelente livro que
incluía um capítulo sobre o Pendleton/Mercer foi From highland to
hammerhead, escrito por Charles Hathaway, um verdadeiro cavalheiro que
deixou suas coisas para me ajudar a rastrear testemunhas oculares. Outros livros
falavam sobre o resgate, como Voyager beware; Shipwrecks of Cape Cod;
Guardians of the sea; e o livreto Rescue at sea.
Quando achei que já tinha um bom conhecimento sobre os eventos, comecei a
buscar as testemunhas ainda vivas do resgate. Bernie Webber estava no topo de
minha lista. Expliquei a ele a pesquisa que havia feito e que estava passando
para o processo de entrevistas. Com muita gentileza, Bernie respondeu a minhas
perguntas preliminares e me deu os números de telefone de Richard Livesey e
Andy Fitzgerald. Passei um dia com Livesey em sua casa, na Flórida, e mantive
meu gravador rodando durante a fascinante entrevista. (Infelizmente, Richard
morreu no mesmo dia que Casey e eu estávamos terminando o manuscrito.)
Andy Fitzgerald e eu nos falamos por telefone e e-mail, e, por fim,
pessoalmente, em minha casa, em Massachusetts. Bernie, Andy e Richard foram
incrivelmente pacientes: eles queriam que a história fosse contada como
acontecera de fato, sem dramaticidade.
Naqueles primeiros dias de pesquisa, consegui localizar Mel Gouthro, que
mostrou-se uma riqueza de conhecimentos e incentivo. Ao passo que a maioria
dos homens que entrevistei estava espalhada pelos Estados Unidos, Mel morava
a apenas oito quilômetros de mim. Mel também havia guardado várias
fotografias tiradas por ele próprio ou por um fotógrafo da Guarda Costeira e me
forneceu detalhes de cada uma delas.
O sobrevivente do Pendleton Charles Bridges também foi tolerante a meus
muitos telefonemas e minhas perguntas. Ele me forneceu uma perspectiva
diferente da dos socorristas e foi crucial para eu entender a sequência de eventos.
Tive a sorte de Charles ter uma lembrança vívida do que sentiu, pensou e fez
naquelas horas terríveis, quando sua vida estava em jogo na popa do Pendleton.
Quando reuni as histórias dos homens e li os relatórios e as matérias, alguns
aspectos da tragédia me pareceram especialmente tristes, como o homem
solitário, Herman Gatlin, cujo corpo foi encontrado na proa do Pendleton.
Morrendo de frio, sua única escolha tinha sido usar serragem e jornais em uma
tentativa desesperada de afastar a hipotermia. Se houvesse sobrevivido, poderia
ter fornecido a principal peça que faltava a essa saga: O que aconteceu com o
capitão Fitzgerald e os outros tripulantes da proa? Contudo, ele sofreu sozinho,
talvez até pensando que a Guarda Costeira não correria o risco de se lançar ao
mar na tempestade e, provavelmente, nunca sabendo dos esforços heroicos de
Donald Bangs, Emory Haynes, Antonio Ballerini e Richard Ciccone.
Pensar em Bangs e sua equipe, enquanto ficaram no mar em um barco de 36
pés durante toda a noite, açoitados por ondas de seus quinze metros de altura,
neve, gelo e sensação térmica abaixo de zero é uma história de sobrevivência em
si mesma. Aqueles homens, bem como a equipe de Bernie e a de Ormsby,
tiveram a sorte de voltar vivos, e isso me fez pensar na sabedoria dos oficiais da
Guarda Costeira que enviaram esses barcos ao resgate.
Quase tão desconcertante quanto a morte de Tiny Myers e a de Herman Gatlin
foi o triste fim que se abateu sobre o operador de rádio do Mercer John O’Reilly.
Ele sequer teve a chance de escolher entre ficar no navio ou pular no mar quando
a Yakutat chegou. Escorregou na passarela quando estava tentando chegar à
parte mais dianteira do navio, tornando-se a primeira vítima do Mercer. O’Reilly
foi o primeiro e o último marinheiro com quem o operador de rádio do Eastwind
Len Whitmore conseguiu se comunicar.
Os homens nos petroleiros também tiveram sorte, como salientou Doris
Forand, cujo pai, Helger Johnson, estava a bordo do pesqueiro condenado
Paolina. O Eastwind, o Unimack e outros recursos da Guarda Costeira haviam
participado das buscas por esse navio nas águas de Nantucket, por isso estavam
na região e puderam ir socorrer o Mercer.
Durante meus estudos iniciais, não pude deixar de admirar a coragem
demonstrada por Ervin Maske, que não tinha nenhuma obrigação de se
voluntariar para ir com Bernie ao Pendleton. Ervin estava esperando ser levado
ao navio-farol Pollock Rip e, por acaso, estava na Estação de Chatham quando a
emergência surgiu. Ele poderia ter deixado Bernie escolher quatro tripulantes;
contudo, colocou sua vida em risco sem hesitação.
Foi nessa altura de minha pesquisa que Casey e eu soubemos dos esforços um
do outro e resolvemos trabalhar juntos. Casey havia lido muitos dos artigos,
relatórios e livros que eu lera; portanto, quando somamos forças, percebemos
que tínhamos um bom domínio da história e que poderíamos então nos dedicar a
localizar e entrevistar testemunhas oculares, cujos nomes raramente apareciam
no material que havíamos estudado. Eu me voltei, sobretudo, às pesquisas sobre
o Mercer, e a primeira pessoa que entrevistei foi Len Whitmore, que servira no
Eastwind e como operador de rádio recebera o primeiro pedido de socorro. Len e
eu fomos jantar uma noite, e sua memória era tão afiada e suas informações tão
úteis que decidi que ele seria a fonte principal para corrigir meus esboços sobre o
Mercer. O capitão Russ Webster, mais tarde, forneceu informações valiosas
quando revisou os primeiros capítulos sobre o Pendleton. Houve outros
contribuintes fundamentais, como John Mihlbauer, Albert Charrette, Sid Morris,
Ben Stabile, Wayne Higgins, Larry White, Bill Bleakley, George Maloney, Gil
Carmichael, Chick Chase, Phil Bangs, David Considine, Melvin Gouthro, Pete
Kennedy, George Wagner, Phil Bangs, Peter Joseph, Bob Joseph, Stephen
Mague, Matt Swensen e Sandy Howerton. Especialmente úteis foram os relatos
escritos do capitão John Joseph sobre o que aconteceu.
Um comentário recorrente que ouvi de familiares dos socorristas já falecidos
(como Donald Bangs e Antonio Ballerini) foi semelhante a esta lembrança da
filha de Ralph Ormsby: “Meu pai simplesmente não falava sobre esse assunto.
Ele o considerava parte de seu trabalho”. Quase todos os homens com quem
conversei se sentiam da mesma maneira. Eles apenas fizeram o que tinham de
fazer.
Tenho certeza de que trabalhar com dois escritores, em vez de um, não foi
nada fácil para o agente Ed Knappman e os editores Colin Harrison, Jessica
Manners e Tom Pitoniak; entretanto, suas orientações e suas sugestões foram
muito úteis e apreciadas. Agradeço também a todos os meus familiares, que me
deram palavras de encorajamento e me ouviam quando, feliz e repetidamente, eu
gritava: “Acabei de encontrar outra testemunha!”
E, claro, meus agradecimentos a Casey Sherman, que me fez avançar no
projeto, manter-me entusiasmado com a história; foi um prazer trabalhar com
ele.
Casey Sherman
Cresci em Cape Cod nas décadas de 1970/1980, porém não conhecia a incrível
história do resgate do Pendleton. Certo dia de verão, minha curiosidade foi
aguçada, enquanto eu autografava cópias de meu livro A rose for Mary: the hunt
for the real Boston strangler em uma pequena livraria singular no centro de
Chatham chamada Yellow Umbrella. Meu irmão Todd passou por ali e
discutimos alguns projetos futuros nos quais eu estava interessado. Na época, eu
escrevia um romance e ele me perguntou se tinha planos de voltar a minhas
raízes de não ficção. “Só se aparecer a história certa”, respondi. Ele sorriu para
mim e disse: “Acho que tenho uma”. Durante as horas seguintes, Todd me
explicou o que sabia sobre o resgate do Pendleton e fiquei encantado.
Imediatamente, fui atrás de Pete Kennedy, e ele me ofereceu um passeio até o
barco, que descrevi no prólogo deste livro. Kennedy também me forneceu vários
documentos e artigos de jornal para me ajudar a começar a investigação. E me
informou que outro escritor estava interessado na história, mencionando o nome
de Mike Tougias. Eu conhecia Mike por seus livros Ten hours until dawn e The
Blizzard of ‘78. Então, fui forçado a tomar uma decisão: escreveria sozinho um
livro que competiria com o dele ou poderíamos trabalhar juntos? Felizmente
para mim, escolhi o segundo caminho e liguei para Mike.
Escritor é uma raça curiosa; não tinha ideia do que esperar de Mike. Fiquei
agradavelmente surpreso ao descobrir que, como eu, sua motivação não era ver
seu nome em negrito na capa de um livro. Mike queria contar esta história da
maneira mais completa e séria possível. Nós decidimos combinar pesquisa,
talento e ideias para começar um projeto, que acabou se tornando este livro. Ao
longo do processo, Mike foi um verdadeiro profissional e me estimulou a ser um
escritor melhor. Por isso, minha gratidão a ele é eterna.
Várias pessoas merecem menção especial. Também gostaria de agradecer a
Bernie, Andy e Richard, por demonstrarem muita paciência ao responder a
minhas inúmeras perguntas. De início, Bernie se opôs ao projeto. “Não há
nenhuma história para contar”, disse-nos. Primeiro, achei que Bernie estava
fazendo o papel de herói relutante, até que descobrimos as cicatrizes emocionais
que ele continua carregando. Ao ler o manuscrito, Bernie admitiu que havia se
equivocado. Havia uma história para contar. Ele elogiou nosso trabalho, e essa
é a avaliação mais querida e preciosa que Mike e eu teremos sobre este livro.
Gostaria de agradecer a Charles Bridges e a Mel Gouthro, por partilharem suas
memórias. Sou muito grato a Anita Jevne, por se abrir sobre seu pai, Ervin
Maske. Este livro não poderia ter sido escrito sem sua percepção aguçada.
Também sou grato a John J. Fitzgerald iii, por me contar sobre seu pai e como
sua mãe lidou com a tragédia. Obrigado a Ed Semprini, por nos explicar a horda
midiática que rodeou o evento. Agradeço a Ralph Morris e a sua esposa, por suas
conversas agradáveis comigo e com minha mãe! Obrigado a Tony O’Neil, por
compartilhar as próprias memórias sobre Ervin Maske. Agradeço também ao já
mencionado Pete Kennedy, a Don St. Pierre e Bill Quinn, por atualizarem o
projeto de restauração e continuarem mantendo a cg36500 à tona. Meu apreço
também para Bengt Fornberg, que fez o que pôde para explicar a ciência por trás
das ondas traiçoeiras para um novato que seguiu carreira no Jornalismo porque
não era bom em Matemática. Obrigado também a Joe Nickerson e à família
Ryder, de Chatham, por descrever um retrato vívido sobre o píer de pesca de
Chatham, naquelas noites.
Mike mencionou alguns dos livros que estudamos para este projeto, e aqui
estão mais alguns: The Pendleton disaster off Cape Cod; The life savers of Cape
Cod, de J. W. Dalton; e Until the sea shall free them, de Robert Frump.
Naturalmente, depois de cada livro, tenho de agradecer às pessoas que me
acompanharam em cada passo do caminho. A minha esposa, Laura, eu te amo. A
minhas filhas queridas, Isabella e Mia, abraços e beijos do papai. A minha mãe,
Diane, obrigado por atender aos telefonemas. A meu irmão, Todd, obrigado pela
inspiração. Ao ótimo pessoal da Borders Express em Hanover e da Fryeburg
Academy, obrigado de novo por todo o imenso apoio.
Em 22 de janeiro de 2009, Mike e eu recebemos um e-mail de Bernie Webber,
junto com imagens da cg36500 remodelada, que dizia:
Pessoal, aqui está seu barco. Se um filme for feito, ela vai estar pronta, como se fosse nova. Eu
não estarei por perto, mas dê-lhe um beijo por mim!
Bernie

Dois dias depois, Bernie Webber faleceu em sua casa, em Melbourne, Flórida.
Ele tinha 80 anos. Bernie teve a premonição de que não estaria vivo para ver sua
história contada em filme, mas sempre enfatizou: “O resgate do Pendleton não
tem a ver comigo; sempre teve a ver com a bravura de minha equipe e o milagre
daquele pequeno barco de salvamento”.
bibliografia
Informes da Agência do Governo
marine Board of Investigation: Structural Failure of Tanker Pendleton off Cape Cod. United States Coast
Guard.
marine Board of Investigation: Structural Failure of Tanker Fort Mercer off Cape Cod. United States Coast
Guard.
marine Board of Investigation/Collision of uscgc Eastwind and ss Gulfstream. United States Coast Guard.
marine Board of Investigation: Structural Failure of Tanker Pine Ridge off Cape Hatteras. United States
Coast Guard.
marine Board of Investigation: Disappearance of ss Pennsylvania. United States Coast Guard.
m/v spartan lady Rescue. United States Coast Guard Memorandum Communications Study of the Loss of
the Tankers Fort Mercer and Pendleton.
priority Dispatch from Comeastarea to uscgc Eastwind, 18 feb. 1952. United States Coast Guard.
priority Dispatch from ccdg one to Coguard Chatham lbs 19 feb. 1952. United States Coast Guard.
priority Dispatch from noda/cgc McCulloch to Hips/ccgd one, 19 feb. 1952. United States Coast Guard.
operational Immediate Dispatch from Chatham Mass LBS to Zen/ccgd one, 19 feb. 1952. United States
Coast Guard.
operational Immediate Dispatch from cgc McCulloch to ccgd one, 18 feb. 1952. United States Coast Guard.
marine Casualty Report for the ss Marine Electric. United States Coast Guard.
marine Board of Investigation into Disappearance of F/V Paolina. United States Coast Guard.
united states Coast Guard in the Vietnam War. Disponível em: <www.uscg.mil>. Acesso em: 9 set. 2015.
Matérias de jornais e teletipos mais seis morrem pulando para as balsas. The Boston American,
19 fev. 1952.
trinta e dois salvos dos petroleiros; trinta e três mortos, imensas perdas causadas pela tempestade N. E.;
vinte mil ilhados; seis tripulantes do Fort Mercer considerados perdidos; heróis do resgate sofrem derrota
terrível; quarenta e seis em perigo. The Boston Globe, 19 fev. 1952.
tempestade isola N. E. The Boston Globe, 18 fev. 1952.
marinheiros resgatados contam histórias; pendleton reduz velocidade antes de se partir ao meio. The Boston
Globe, 20 fev. 1952.
resgatadores do Maine rumo a mil ilhados; tripulação abandona embarcação atingida por tempestade. The
Boston Globe, ed. esp., 18 fev. 1952.
cinco mortos em tempestade selvagem. The Boston Globe, 18 fev. 1952.
encontrado barco de resgate estraçalhado [Paolina]. The Boston Globe, 17 fev. 1952.
um trabalho épico. The Boston Globe, 23 fev. 1952.
rebocadores puxam popa; tripulação do Mercer avalia liderança. The Boston Globe, 22 fev. 1952.
vazamento incomum no Fort Mercer, atesta contramestre. The Boston Globe, 26 fev. 1952.
setenta salvos, quatorze mortos depois que dois navios se partem. The Boston Herald, 20 fev. 1952.
trinta e dois salvos, cinquenta desaparecidos, dois mortos na fragmentação de dois petroleiros nas águas de
Cape Cod. The Boston Herald, 19 fev. 1952.
primeiro um rugido, depois a separação. The Boston Herald, 19 fev. 1952.
sobreviventes do Pendleton contam a angustiante experiência no mar. The Boston Herald, 20 fev. 1952.
corda de pano salva quatro. The Boston Herald, 20 fev. 1952.
metade de petroleiro desafia vendaval. The Boston Herald, 22 fev. 1952.
popa do Fort Mercer chega a salvo em Newport. The Boston Herald, 23 fev. 1952.
mil e quinhentos isolados; sem a proa, popa de uma embarcação é avistada. The Boston Herald, 18 fev.
1952.
maine sepultada em leiro de neve; mortes pela tempestade chegam a 31. The Boston Herald, 21 fev. 1952.
petroleiro partido captado primeiro pelo radar. The Boston Herald, 26 fev. 1952.
treze se recusam a deixar petroleiro — 58 salvos. The Boston Post, 20 fev. 1952.
rebocador de salvamento vai resgatar navio partido; almirante elogia quatro em épico bote de salvamento.
Boston Traveler, 20 fev. 1952.
quarenta pessoas nas partes do petroleiro. Boston Traveler, 19 fev. 1952.
somos dezoito homens no petroleiro. Boston Traveler, 20 fev. 1952.
tempestade arremessa cofre de pesqueiro de arrasto. Cape Cod Standard Times, 20 fev. 1952.
quatro guardas costeiros resgatam 32. Cape Cod Standard Times, 19 fev. 1952.
popa do petroleiro é rebocada. Cape Cod Times, 23 fev. 1952.
guarda Costeira salva dezoito homens em Nantucket. Cape Cod Times, 20 fev. 1952.
proa do Pendleton sucumbe com corpos de marinheiros. Cape Cod Standard Times, 25 fev. 1952.
comitê de apuração toma testemunhos. Cape Cod Standard Times, 21 fev. 1952.
heróis de 1952 retornam do mar. Cape Cod Times, 16 maio 2002.
dilema de 40 Fathoms semana passada deixa passar destroços do petroleiro. Cape Codder, 28 fev. 1952.
nasce história sensacionalista. Cape Codder, 28 fev. 1952.
missão de salvamento no Pendleton. Cape Codder, 16 ago. 1956.
resgate de barco de salvamento a caminho. Cape Codder, 17 nov. 1981.
voluntários para o resgate. Cape Codder, 8 dez. 1981.
socorristas homenageados por ação heroica no passado. Cape Codder, 17 maio 2002.
marinheiros resgatados no auge da tempestade. Central Cape Press, 21 fev. 1952.
trinta e dois resgatados, 55 agarrados aos navios partidos em Cape Cod. The Daily Record, 19 fev. 1952.
quinze mortes com a fratura de petroleiros em Cape Cod. The New Bedford Standard Times, 19 fev. 1952.
navios açoitados, sobreviventes esgotados, novo marco épico no mar. The New Bedford Standard Times, 20
fev. 1952.
senado investiga dados de todos os ganhos obtidos no negócio naval. The New York Times, 18 fev. 1952.
dois navios se rasgam ao meio. The New York Times, 19 fev. 1952.
petroleiro partido em perigo. The New York Times, 22 fev. 1952.
mais 25 resgatados de petroleiro partido. The New York Times, 20 fev. 1952.
dois rebocadores puxam popa de petroleiro partido. The New York Times, 22 fev. 1952.
tempestade de neve mata trinta em Nova Inglaterra. The New York Times, 19 fev. 1952.
popa do Mercer salva. Portland Herald Press, 22 fev. 1952.
capitão do petroleiro. Portland Herald Press, 22 fev. 1952.
cinquenta e sete homens arrebatados do mar. Portland Herald Press, 19 fev. 1952.
equipe de Brant Point atravessa mar bravio. Nantucket Town Crier, 22 fev. 1952.
ignore a nevasca — Retorne ao navio. Ketchikan News, 24 fev. 1965.
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de 1952.
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em: 9 set. 2015.
stonecypher, Lamar. Aço velho: A fratura do ss Pennsylvania. Kudzu Monthly (publicação on-line), 2002.

[a] Existe uma versão desse hino para o português, feita por Manoel da Silveira Porto Filho, em 1947:
Rocha eterna, meu Jesus, Quero em ti me refugiar! O teu sangue, lá na cruz Derramado em meu lugar, Traz
as bênçãos do perdão: Gozo, paz e salvação. / Não por obras nem penar Plena paz terei aqui. Só tu podes
consolar, Há perdão somente em ti. Rocha eterna, só na cruz Eu confio, ó meu Jesus! Que não se pode
exprimir por palavras, indizível. // Quando o derradeiro olhar A este mundo aqui volver E no Trono eu te
encontrar, Teu chamado a responder; Rocha eterna, espero ali / Abrigar-me, salvo, em ti! (N. T.) [b]
Equipamento antigo de resgate marítimo criado pelo capitão George William Manby, na primeira década de
1800; consistia de uma corda, que tinha uma extremidade fixada na costa e outra na embarcação em perigo
para, com o auxílio de uma boia circular acoplada, transportar as pessoas do navio à praia pela água. (N. T.)
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felicidade que sentem quando uma está perto da outra. Infelizmente, após um
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por que esse amor infinito que sentimos não se transforma em um
relacionamento carinhoso? Por que é tão complicado viver junto com alguém?
Por que o "felizes para sempre" é sempre tão difícil?

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Quando as pessoas começam a se relacionar, estão olhando para a parte
iluminada, e por isso acham que tudo é bom; mas, depois de um tempo, a
maioria das pessoas começa a se fixar na parte sombria, e aí começam as
frustrações, as mágoas e os ressentimentos. É claro que ninguém é tão
sensacional quanto no início nem tão ruim como parece durante uma crise. Por
isso, é necessário desenvolver a inteligência afetiva para aprender a conviver
com o outro por inteiro, o que requer dedicação e sabedoria. É preciso entender
como funcionam as engrenagens que constroem uma linda e sólida história a
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você viva a plenitude do amor, este livro mostra:

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companheirismo em seu relacionamento, este é o momento de ler este livro, pois
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Acredite: amar pode dar certo. Faça o amor dar certo para vocês.

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Em O Sucesso é ser Feliz o leitor descobrirá que existem muitos tesouros para
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Em uma época na qual é tão comum se sentir perdido, vemos que a infelicidade
e o desânimo se tornaram as coisas mais democráticas do mundo: quase ninguém
escapa deles. Tanto para os jovens quanto para os mais experientes, é comum
sentir que a empolgação muitas vezes se perde nos cantos do cotidiano e da
rotina. Tem gente que não acredita mais em amor, desejo, prazer de viver a vida

Chega um momento em que descobrimos que o prazer de viver não é algo que se
compra nem se encontra no fundo de uma sacola de roupas ou naquele pedaço de
bolo de chocolate. Falta... paixão.

Em seu novo livro, Roberto Shinyashiki não promete nada, só toda a felicidade
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Isso mesmo, você leu certo.

De alguma forma nossa loucura e nossa paixão podem ter se perdido, mas uma
vida prazerosa e cheia de energia é um desejo da alma que ninguém deveria
ignorar por muito tempo.

Aqui você é convidado a realizar o impossível: aquele projeto que sempre viveu
guardado no coração, o emprego que vale a pena e valoriza os seus talentos, o
relacionamento de fazer andar nas nuvens. Entenda como tudo isso está só
esperando pelo seu primeiro passo e deixe o autor mostrar como dar esse salto.

Descubra que você tem tudo para ser louco por viver.
A vida não é uma, a vida é muitas. E a sua está prestes a se reinventar.

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