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Monografia
Pelotas, 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Museologia, Conservação e Restauro
Bacharelado de Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis
Monografia
Pelotas, 2014
Banca Examinadora:
_________________________________________
Profa. Ms. Daniele Baltz da Fonseca (UFPel)
_________________________________________
Prof. Dr. Pedro Luís Machado Sanches (Orientador/ UFPel)
Aos meus pais, Rossana e Vilmar.
AGRADECIMENTOS
The estuque lustrado, free translation of the term stucco lustro, is a coating interior, found in
historic buildings in the southern state of Rio Grande do Sul, mainly in the city of Pelotas,
where he is known by the name "escariola". This study takes place in the city of Santa Vitória
do Palmar, which was the southernmost city of the country, before the emancipation of Chuí.
The idea of this completion of course work emerged as a fellow in the Group of Study and
Research about Stucco (GEPE), in which we observed that in many buildings such coating
was replaced, consequence of the lack of technical. We selected three buildings for
development work, which are home to a social club built at the end of the century XIX and
two residences dating from the late 1930s. The sources used in the study were the records of
survey of stucci lustri, photographs, and archival documents collected in interview research.
During the study were identified using the same name of the ornaments in the two cities. We
indicate the differences and similarities of decorative compositions from Santa Vitória do
Palmar regarding Pelotas, emphasizing factors such as the mode of execution. Thereby
established distinctive decorative compositions between two cities elements. We also
conducted a survey of pathological manifestations, indicating the possible causes, to
contribute to the achievement of future proposals for interventions. This work was conducted
with the aim of contributing to the preservation of these ornaments, with the record and study
of compositions, helping to safeguard this heritage, often unappreciated and unrecognized.
1. Introdução ___________________________________________________ 14
4. Conclusão ____________________________________________________ 56
Referências _____________________________________________________ 58
Anexos_________________________________________________________ 61
Apêndices ______________________________________________________ 68
14
1. Introdução
de Santo Ildefonso, em 1777. A extensão de terras que vai do Taim ao Arroio Chuí, entre a
lagoa Mirim e o Oceano, não pertenceria nem a Portugal tampouco à Espanha. Após
sucessivos tratados, este território foi integrado ao Brasil e formada a vila, cujos limites
ficaram demarcados através da lei n° 808, de 30 de outubro de 1872. Em 24 de dezembro
de 1888, a vila foi elevada à categoria de cidade, já com o nome atual (MELLO, 1992).
O município era predominantemente rural, com grande número de estâncias, e a
urbanização se desenvolveu lentamente. A cidade dependia economicamente da produção
oriunda do campo, a pecuária (AMARAL, 1972). Apesar do seu isolamento sulino, durante o
inicio do século XX a cidade construiu um significativo patrimônio arquitetônico e cultural,
com visíveis influencias dos centros urbanos mais próximos, como a cidade de Pelotas1.
A ideia deste trabalho de conclusão de curso surgiu da participação como bolsista no
Grupo de Estudo e Pesquisa em Estuques (GEPE), onde são desenvolvidas ações com o
objetivo de valorizar os estuques lustrados dos casarios pelotenses, enquanto bens culturais
(FONSECA; SANCHES, 2013). Durante a realização dos levantamentos dos estuques
lustrados em Pelotas, foi possível observar que em muitas edificações esse revestimento foi
substituído, ou por consequência de manifestações patológicas, ou pela realização de
reformas que acabam conservando apenas a fachada.
O presente estudo tem o objetivo de contribuir para a preservação dos revestimentos
em escariola, visto que esses revestimentos estão integrados à arquitetura de uma época
em que a comunidade demonstrava um grande interesse no desenvolvimento cultural da
cidade e são singulares do ponto de vista estético e histórico. Dessa forma, segundo Miguel
e Mozo (2004), o patrimônio cultural possibilita a transmissão do conhecimento sobre as
formas de pensamento, a produção artística e costumes dos moradores de uma certa região
em tempos passados.
Realizamos um levantamento parcial das escariolas na cidade. Entre as três
edificações selecionadas, está a sede de um clube social, que se encontra em
funcionamento desde o final do século XIX e duas residências construídas no fim da década
de 1930, por Oscar Martins Netto.
O primeiro capítulo deste estudo é uma pesquisa bibliográfica sobre a execução de
estuques, na qual identificamos os materiais tradicionalmente empregados, de acordo com
os manuais clássicos, assim como as diferentes técnicas decorativas de fingimento em
estuques lisos. Abordamos os estudos realizados na cidade de Pelotas com o objetivo de
compreender quais técnicas foram utilizadas na confecção dos estuques e relacionar,
através da visualização in loco e fotografias, à execução dos estuques nos prédios de Santa
1
Podemos citar o Teatro Independência (1930), com a fachada projetada por uma empresa pelotense
(Nunes & Requião), mesclando os estilos art nouveau e art déco, de forma semelhante à fachada
atual do Teatro Sete de Abril (SANTOS, 2007).
16
A fonte escrita mais antiga que relata a execução de estuques é o tratado de Vitrúvio
Os Dez Livros da Arquitetura. No Livro VII deste tratado, Vitrúvio aborda desde a preparação
da cal, a execução da base para o estuque e a aplicação das camadas, até a obtenção de
uma camada muito lisa e brilhante, para a execução da pintura. Salienta a importância de
uma boa execução, pois dessa forma pode-se conservar por um período duradouro. Os
materiais empregados descritos por Vitrúvio, pouco diferem do que foi utilizado até meados
do século XX.
Apesar desta primeira fonte datar de I a.C., a utilização do estuque é ainda mais
antiga. A origem do estuque possui mais de 4 milênios e sua execução é conhecida em
diversas regiões, em todo o mundo, tanto no Ocidente como no Oriente (SEGURADO, s/d;
CAVALCANTI NETO, 2011).
No Brasil, entre o final do século XIX e início do século XX, o estuque foi amplamente
executado. Neste período, o ecletismo2 permitia a união de vários estilos em uma única
obra, favorecendo a incorporação de diversos padrões arquitetônicos. Em consequência, a
utilização dos elementos decorativos acontecia de acordo com a imaginação e posses do
artífice, adequando as preferências dos proprietários, muitas vezes, sem seguir vínculos
políticos ideológicos. (MACAMBIRA, 1985; LIMA, 2008).
No extremo sul, do estado do Rio Grande do Sul, este período foi marcado pelo
crescimento e desenvolvimento econômico. A proximidade com o Uruguai colaborou para a
chegada de novas técnicas, materiais e pessoal para o desenvolvimento das cidades da
região, influenciando a arquitetura, como aponta Santos (2007):
A proximidade dos municípios de Rio Grande, Pelotas, Jaguarão, Bagé,
Livramento e Santa Vitória com o Uruguai facilitou a chegada de materiais e
de novas técnicas construtivas, máquinas, acessórios e equipamentos
utilizados nas obras urbanas e a circulação de engenheiros e técnicos de
firmas especializadas que se encarregaram das modernizações dos portos e
dos diferentes empreendimentos instalados nos espaços coletivos, como
também de construtores e arquitetos – ampliando as influências européias
nos programas de composição dos edifícios -, de artistas e artífices que se
dedicaram à ornamentação dos prédios erguidos (SANTOS, 2007, p. 312).
Pelotas, ainda no início do século XIX teve sua produção estancieira, basicamente de
autoconsumo, reorganizada com o surgimento da charqueada, resultando no expressivo
desenvolvimento e crescimento, que impulsionou a urbanização (ARRIADA, 1994). A riqueza
2
O ecletismo foi um movimento filosófico, político, social e estético criado na França, na primeira
metade do século XIX (MACAMBIRA, 1985).
19
3
De acordo com relato do jornalista do Diário Popular, em reportagem “ Municipio de Santa Vitória”,
do dia 27 de agosto de 1936. “Com boas edificações [...], não obstante o abandono que se encontra
por falta de comunicações, constitui verdadeira surpresa a quem a visita pela primeira vez” (p. 10).
4
A cal aérea é aquela que faz pega na presença de ar, não endurecendo na presença de água, são
as mais comumente utilizadas na mistura de argamassa (CABRAL, s/d).
20
5
São materiais granulares, sem forma e volume definidos, de dimensões e propriedades
estabelecidas para o uso em obras de engenharia civil, tais como a pedra britada, o cascalho e as
areias naturais, ou obtidas por moagem de rochas, além das argilas e dos substitutivos como resíduos
inertes reciclados, entre outros. Agregados para a construção civil. Disponível em:
<<http://anepac.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/07/DNPM2009.pdf>> acesso dia 13 de dezembro
de 2013 15:14 hrs.
6
São materiais ligantes, em geral pulverulentos, que promovem a ligação entre os materiais inertes
(agregados) (CABRAL, s/d).
21
preservação e afetam a autenticidade das obras desde os séculos XVII e XVIII, assim como
as restaurações estilísticas no séc. XIX, que tinham o objetivo de realizar uma reconstrução
do estado original que muitas vezes nunca existiu (JOKILEHTO, 1986). Quanto às
recomendações contrarias a essas ações, podemos citar a Carta de Atenas de 1931, a Carta
de Veneza de 1964 e a Carta do Restauro de 1972.
O Artigo 11 da Carta de Veneza de 1964, por exemplo, exprime que
As contribuições válidas de todas as épocas para a edificação do
monumento devem ser respeitadas, visto que a unidade de estilo não
é a finalidade a alcançar no curso de uma restauração, a exibição de
uma etapa subjacente só se justifica em circunstâncias excepcionais e
quando o que se elimina é de pouco interesse e o material que é
revelado é de grande valor histórico, arqueológico ou estético e seu
estado de conservação é considerado satisfatório. O julgamento do
valor dos elementos em causa e a decisão quanto ao que pode ser
eliminado não podem depender somente do autor do projeto (IPHAN,
CARTA DE VENEZA, 1964, p. 03).
Cabe ressaltar que dois dos objetos deste estudo, os quais serão apresentados no
Capítulo 2, são acréscimos de uma certa época, caracterizados pelo período arquitetônico e
expressões das peculiaridades da sociedade na época.
7
A granulometria é estabelecida através de uma análise, que classifica os solos de acordo com as
frações predominantes dos diâmetros de partículas. No Brasil, a classificação ocorre conforme
a ABNT NBR 6502/95.
22
goma de peixe, com a função de retardar a pega 8 do gesso. A segunda massa somente é
aplicada quando a primeira está bem seca e as duas são desempenadas, a primeira com a
régua, e a segunda com a colher, para que a superfície fique bem lisa.
O estuque à italiana não possui gesso, sua massa é composta por cal e areia branca.
O primeiro extrato, chamado de esboço, é composto por uma parte de cal para duas de areia
branca grossa, aplicado sobre a parede rebocada. A segunda camada é composta por cal
fina e areia branca fina, nas mesmas proporções da primeira. A terceira camada possui os
mesmos materiais da anterior, agora com o traço9 1:1. A última camada é executada apenas
com cal simples em pasta, sendo este o fundo para a pintura afresco (SEGURADO, s/d).
A pintura dos estuques pode realizar diferentes composições, representando
apainelados e elementos decorativos em estêncil, a técnica de pintura mais conhecida é o
afresco. Esta pintura, segundo Regina Tirello (2001), é realizada com pigmentos suspensos
somente em água, aplicados sobre a argamassa fresca. Após a secagem, é formada uma
estrutura cristalina, resistente e impermeável, em consequência das propriedades da cal. A
técnica exige conhecimento das propriedades dos pigmentos e rapidez na execução.
Normalmente, em estuques lisos são realizados fingimentos de mármores e outras
rochas ornamentais, como as brechas, o pórfiro, a malaquite, a ágata e o alabastro. O
fingimento é realizado a fresco, utilizando esponja ou uma pequena vassoura, e pincéis para
a imitação da estrutura e textura da rocha. Os pigmentos utilizados para este fim devem ser
naturais, como os óxidos metálicos moídos e peneirados juntamente com barro cozido
(SEGURADO, s/d; AGUIAR et al 2001).
O acabamento dos estuques com fingimentos pode ser executado com o brunimento
e o polimento. O brunimento é realizado quando o estuque está seco, molhando com uma
esponja e esfregando a superfície com pedra pomes ou grés muito fino, finalizando com um
pano de lã embebido em água e sabão. O polimento pode ser realizado com pó de jaspe ou
talco, envolto em um pano (boneca), que é batido suavemente no estuque. Logo, passa-se
um pano seco na superfície até obter-se o aspecto desejado (SEGURADO, s/d).
Segundo Josef Fuller, autor do “Manual do Formador e Estucador” (s/d), o
brunimento a quente é feito com um ferro próprio, após a aplicação de uma solução de água
e sabão sobre toda a parede. Este é finalizado com água-raz e cera.
8
Pega, ou presa, como os autores portugueses se referem, é o período inicial de solidificação da
massa. Inicia no momento em que a pasta começa a endurecer e termina quando a pasta se encontra
completamente sólida (FREITAS JÚNIOR, 2013).
9
Traço é a proporção relativa entre os constituintes da argamassa, com exceção da água. O primeiro
número corresponde ao aglomerante e o segundo, ao agregado. TECNOLOGIA DAS EDIFICAÇÕES
III, disponível em <http://www.demc.ufmg.br/tec3/Apostila%20Argamassas%20-%20TEC%20III.pdf>,
acesso em 23 de janeiro de 2014, 00:01hrs.
24
2.3 Materiais e formas de execução nas cidades de Pelotas e Santa Vitória do Palmar
10
O estresido é um desenho em papel, com furos feitos no contorno deste desenho. É aplicado na
parede, no local desejado e batido com uma boneca com carvão em pó, de modo que ao retirar o
desenho da parede fique o pontilhado escuro, que é coberto com pincel de traços contínuos
(SEGURADO, s/d).
11
Esta técnica não é comumente encontrada nesta região do país, por esse motivo não
apresentamos exemplos de esgrafitos. Ela esteve presente em outras regiões, associada à
arquitetura colonial, como por exemplo, o Palácio Anchieta em Vitória, ES (BRAGA, 2008).
25
12
A gipsita (Ca(SO4)(H2O)2) é um mineral abundante na natureza, que se origina em bacias
sedimentares por evaporação da fase líquida. É muito pouco resistente, sob a ação do calor (em torno
de 160°C), desidrata-se parcialmente, originando um semi-hidrato conhecido comercialmente como
gesso (CaSO4.1/2H2O).
26
encontrado nas outras receitas. Também constatou que havia pouca ocorrência do
carbonato de cálcio (cal). Porém, é o único exemplar da técnica conhecido em Pelotas.
As técnicas do estuque lustrado ou a do marmorino, executadas em Pelotas, são
semelhantes às técnicas encontradas nas edificações selecionadas para este estudo, na
cidade de Santa Vitória do Palmar. Porém, através de fotografias e observações in loco,
algumas diferenças foram identificadas.
A imagem a seguir é o detalhe de uma lacuna no estuque, na qual podemos
visualizar cada camada, sendo, da mais externa para a mais interna: 1, a camada de pintura;
2, uma camada de massa homogênea branca, com 3 a 4 milímetros de espessura (maior
que a descrita por Alves (2011) na lacuna do hall de entrada do casarão 2, cerca de 2
milímetros); 3, uma camada de argamassa de coloração mais escura, com areia; e 4,
camada com a coloração semelhante à anterior, porém com os agregados com maior
granulometria. É presumível que estas camadas possuem subdivisões.
Figura 2: Visualização da estratigrafia do estuque na residência situada à Rua João de Oliveira Rodrigues, 956,
Santa Vitória do Palmar, RS.
13
Luiz Albino Reinehr é um escariolista santa vitoriense de 82 anos, que ainda realiza trabalhos na
construção civil, e cedeu para este estudo a receita que utilizava para a execução de escariolas, até
40 anos atrás. Em anexo B (p. 65).
14
A NBR 12989 define o cimento Portland branco como aglomerante branco hidráulico constituído de
clínquer branco uma ou mais formas de sulfato de cálcio e adições. Pode ser estrutural e não
estrutural. Os cimentos Portland brancos estruturais se enquadram nas classes 25, 32 e 40 e podem
ser utilizados na execução de concreto estrutural (AGUIAR, 2006).
28
Figura 4: Trecho do contrato de reforma de uma residência em Santa Vitória do Palmar, 1° de dezembro de 1938.
Fonte: fotografia de Marina Perfetto Sanes, 2013, acervo pessoal de Laureana Fernandes Correa.
15
Ver documento completo em Anexo A (p. 62).
29
Aqui, faremos uma breve abordagem sobre a cidade de Santa Vitória do Palmar e
região na época da construção das edificações, fim do século XIX e início do século XX, com
enfoque nos acontecimentos que influenciaram a produção arquitetônica.
Entre as três edificações selecionadas para o estudo está a sede de um clube social,
que se encontra em funcionamento desde o final do século XIX.
O Coronel Tancredo Fernandes de Mello, na realização dos serviços para a Carta
Geral do Brasil, escreveu o livro “Município de Santa Vitória do Palmar” (1992) 16, concluído
por volta de 1911, no qual aborda de maneira objetiva o aspecto dos prédios da cidade.
Neste livro, há menção ao Clube Comercial, quando era chamado Clube Recreativo e
acabara de passar por uma reforma entre os anos de 1910 e 1911 (LIMA, 2001). O autor
classifica-o como de “bonita aparência”:
Os prédios em geral são baixos e desprovidos de arquitetura
propriamente dita, mas há alguns de bonita aparência, entre os quais
se destacam a Santa Casa, o da Benevolenza Italiana, a residência
de João Antunes da Silva e os Sobrados de Plácido Terra, Dr. Manoel
Vicente do Amaral e irmãos Nigro, e o novo edifício do Clube
Recreativo (MELLO, 1992, p. 242).
16
Data da 2° edição.
17
Como foi ressaltado em reportagem do jornal Diário Popular, “A Estrada de Rodagem Santa Vitória
– Rio Grande”. 6 de agosto de 1936, p. 03. e “Município de Santa Vitória do Palmar”. 27 de agosto de
1936, p. 09 - 11
31
arquitetura, edifícios semelhantes aos dos grandes centros com os quais a cidade tinha mais
contato, como Montevidéu, Porto Alegre e Pelotas” (NUNES, 1999, p. 164-165).
A partir desta constatação, que “ser moderno” na cidade de Santa Vitória do Palmar
era ter prédios semelhantes aos centros urbanos mais próximos, o interior dos prédios da
cidade possivelmente foram executados tomando os interiores pelotenses como modelo.
Exemplo disso é o fato de possuirem escariolas, provável influencia da grande quantidade
de prédios com paredes escarioladas na cidade de Pelotas, no inicio do século XX.
Portanto, primeiramente, apresentaremos a composição decorativa na cidade de
Pelotas, para então realizar uma comparação com a cidade de Santa Vitória do Palmar,
realizando a descrição das composições selecionadas.
Figura 5: Escariola com as três sessões representadas. Corredor dos fundos do lado esquerdo do Casarão 6,
Praça Coronel Pedro Osório, Pelotas, RS.
O soco é uma fiada na base da parede (BURDEN, 2006), que possui uma saliência
de aproximadamente 1cm e máximos 20 cm de altura. Normalmente tem cores mais escuras
32
que as demais sessões da composição, pois o fundo deste não é executado da mesma
maneira. Há casos em que o soco é revestido com rodapé de madeira.
Os apainelados geralmente possuem molduras, destacando os painéis do fundo. As
molduras e os frisos podem ser simples, representadas apenas por uma linha (Fig. 6), ou
compostas com sombreamento (Fig. 7), dando-lhe o aspecto de tridimensionalidade. Este
efeito é chamado trompe l’oeil18.
Figura 6: Representação de moldura simples. Apainelado inferior do corredor dos fundos, lado direito. Casarão 6,
Pelotas, RS
Figura 7: Representação de moldura composta. A primeira moldura com estêncil, o fundo e a linha simples com
efeito trompé l’oiel. Apainelado superior. Imóvel inventariado situado à Rua Padre Anchieta, 1459, Pelotas, RS.
18
Técnica que cria ilusões de ótica a partir da perspectiva. A tradução literal do termo francês é
“engana olho”. Um exemplo da utilização da técnica com o mesmo intuito, porém aplicado de outra
forma, é encontrado na comuna italiana de Camogli, região da Ligúria. Neste lugar, o trompe l’oeil é
usado nas fachadas dos prédios, simulando janelas, sacadas, etc., desde o século XVIII até os dias
de hoje.
33
Com base nos levantamentos realizados pelo GEPE, também foi possível identificar
uma grande variedade de elementos pintados aplicados em molduras e frisos. São
confeccionados em moldes vazados (estêncil). Nos frisos, estes elementos podem ser
motivos repetitivos tradicionais como óvulos, dentículos, meandros, motivos florais, volutas e
até mesmo animais e figuras antropomorfas. Um tipo recorrente são os motivos florais,
representados na figura abaixo:
Figura 8: Friso com motivos florais no centro e faixas com efeito trompé l’oiel. Prédio inventariado, situado à Rua
Anchieta, 1508. Pelotas, RS.
19
A Conservação engloba todas as ações que tenham como objetivo a salvaguarda do patrimônio
cultural tangível. A Conservação Curativa são as ações aplicadas de maneira direta sobre um bem,
com o objetivo de deter processos danosos ou reforçar a sua estrutura. Essas ações são realizadas
quando os bens se encontram em um estado de fragilidade avançado ou se deteriorando em um ritmo
avançado, de forma que poderiam perder-se em um período relativamente curto (ABRACOR, 2010).
34
Hoje o nome do Clube social objeto deste estudo é Comercial Caixeiral, devido à
junção que ocorreu em 2010 com o Clube Caixeiral, mas o nome do clube mudou algumas
vezes desde sua criação.
A Sociedade Clube Comercial de Santa Vitória do Palmar foi criada em 1° de agosto
de 1888, situada em um edifício alugado à Rua Conde de Porto Alegre. Em 29 de outubro do
mesmo ano foi transferido para outro prédio e no dia 9 de março de 1890 passou a
denominar-se Clube Comercial Recreativo (LIMA, 2001).
Ainda segundo Lima (2001), no ano de 1893 foi transferido para o prédio atual,
situado à Rua Barão do Rio Branco, ao qual nos referimos neste estudo. Este prédio passou
por uma reforma no período entre 5 de outubro de 1910 e 2 de setembro de 1911, quando
foi inaugurado.
Em 1924 foi iniciada uma nova reforma que se estendeu por quase dois anos, cujo
andamento foi noticiado no Diário Popular do dia 7 de fevereiro de 1925:
Encontram-se bastante adiantados os trabalhos de reconstrução da
sede Social do Club Recreativo que ficará sendo um dos melhores
edifícios desta cidade. As obras e melhoramentos estão sob a direção
do architeto constructor Sr. Joaquim Lino Souza e foram orçadas em
150 contos (SANTA VITORIA..., 1925, p. 3).
De acordo com Nunes (1999), Joaquin Lino de Souza era de Portugal, veio para a
América pela cidade de Buenos Aires, e posteriormente para o Brasil, realizando
construções nas cidades de Rio Grande e Jaguarão. Foi para Santa Vitória do Palmar em
função da construção do Banco da Província, então foi procurado para projetar outras
edificações (LIMA, 2001).
Figura 9: Clube Comercial antes da reforma que ocorreu em 1924. Figura 10: Clube Comercial na década
de1930.
Fonte: MELLO, 1992, p. 246 Fonte: Documentário “Santa Vitória do Palmar 1930 parte 1”.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=HxApYHD-3ic>
35
Desde a reforma de 1924, a única mudança que ocorreu na fachada principal foi o
acréscimo da inscrição “Clube Comercial” no frontão, nome adotado em 23 de julho de 1930
(LIMA, 2001).
20
Ver anexo A (p. 62).
21
Informações da proprietária.
37
Figura 13: Residência situada à rua João de Oliveira Rodrigues, 785. SVP, RS.
No contrato de reforma desta residência está especificado que a fachada (Fig. 13)
seria da seguinte maneira: “O revestimento da frente será de estilo moderno e o relevo da
mesma feito a argamassa de cal e cimento”22.
Abaixo, apresentamos a fotografia da composição decorativa (Fig. 14), com
apainelados superiores fingindo mármore com veios e esponjado salmão, fundo com pintura
em verde sobre branco e apainelado inferior com pintura na cor preta:
Figura 14: Escariola da residência situada à rua João de Oliveira Rodrigues, 785. SVP, RS.
22
Ver anexo A (p. 62).
38
Figura 15: Residência situada à Rua João de Oliveira Rodrigues, 956. SVP, RS.
23
Informações de Eber Cardoso de Aguiar, ver ficha de levantamento em apêndice A (p. 82).
24
Informação dos proprietários.
39
Cabe ressaltar aqui a proposta contida no texto de Sérgio Schneider e Cláudia Job
Schmitt (1998), ambos doutores em sociologia pela UFRGS, acerca dos métodos
comparativos em ciências sociais. Segundo estes autores:
A comparação, enquanto momento da atividade cognitiva, pode ser
considerada como inerente ao processo de construção do
conhecimento nas ciências sociais. É lançando mão de um tipo de
raciocínio comparativo que podemos descobrir regularidades,
perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e
tipologias, identificando continuidades e descontinuidades,
semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações mais
gerais que regem os fenômenos sociais (SCHNEIDER; SCHMITT,
1998, p.01, grifo nosso).
Figura 17: Residência situada à rua Sete de Setembro,101, Pelotas, RS. Figura 18: Prédio situado à rua
Gonçalves Chaves, 271, Pelotas, RS.
Figura 19: Escariola da residência situada à Rua Sete de Setembro, 101. Figura 20: Escariola do prédio situado à
Rua Gonçalves Chaves, 271.
Uma terceira edificação (Fig. 21), do ano de 1933, foi selecionada para que
pudéssemos visualizar a transição que provavelmente estava ocorrendo com a execução
das composições decorativas nesta década. A seguir a imagem da fachada (Fig. 21) e a
fotografia da composição desta residência (Fig. 22), que estava em reforma quando
realizamos o levantamento.
41
Figura 22: Escariola da residência situada à Rua Gonçalves Chaves,1111, Pelotas, RS.
25
Considerando o levantamento parcial realizado pelo GEPE nos últimos 3 anos.
42
Figura 23: Divisão das sessões da composição do C.C.C. Figura 24: Vista geral das sessões da composição do
C.C.C.
O friso é quase suprimido, sendo apenas duas linhas simples dividindo os apainelados.
Outro fator observado nesta composição é a utilização de ângulos retos somente, nos
ângulos (cantos) das molduras, e o desenho de retângulos unindo as molduras, com o efeito
trompé l’oeil.
43
As sessões das escariolas das duas residências de Santa Vitória são semelhantes.
Possivelmente, isso ocorra pelo motivo de que as residências foram obras do mesmo
construtor, o Sr. Oscar Martins Netto, sendo que ele mesmo executava as escariolas nas
residências que construiu26.
Figura 26: Croquis das divisões das sessões das composições. A primeira, da residência J.O.R, 785 e a
segunda da residência J.O.R, 956.
26
Informação de Eber Cardoso de Aguiar.
44
ou tinta em pó, esticado nos extremos da linha que se deseja desenhar e “batido” na parede,
de modo que o traço fique marcado.
De acordo com Aguiar et al (2001), as molduras poderiam ser usadas para encobrir
as divisões das jornadas das escaiolas e também serviam como juntas de dilatação.
No entanto, observando as composições, não encontramos semelhanças com o que
é descrito nestes manuais. A moldura pode ter sido realizada com um esboço na forma que
Segurado descreve, mas o que podemos identificar hoje é a marcação com lápis de
carpinteiro no clube e uma incisão nas molduras das residências de Santa Vitória. Abaixo o
detalhe do ângulo da moldura da composição do clube social:
Fonte: Banco de dados do GEPE. Esquema elaborado por Marina Perfetto Sanes, 2014.
45
As molduras das escariolas das residências de Santa Vitória são riscadas de forma
um pouco distinta. Supõe-se que o desenho foi realizado com uma ponta arredondada de
metal com leve pressão para marcar de forma incisa na argamassa, semelhante ao que foi
descrito por Alves (2011) como a realização da pintura sobre o marmorino comum em
Pelotas, retratada no item 1.3 deste estudo. A escariola de Pelotas do prédio situado à Rua
Gonçalves Chaves foi realizada sem este compromisso de marcar a argamassa para o
desenho, parecendo até mesmo, que é feito a mão livre.
Figura 31: Marcação na superfície para o desenho da moldura Figura 32:Linha da moldura feita a mão livre.
Fonte: Fotografia de Marina Perfetto Sanes, 2013. Fonte: Banco de dados do GEPE, 2014.
As duas composições das residências de Santa Vitória não possuem soco, que seria
uma saliência na base da parede, descrita anteriormente. Na residência situada á Rua João
de Oliveira Rodrigues n° 785, é realizada a simulação do mesmo:
46
Figura 34: Simulação do soco na escariola da residência situada à Rua JOR n° 785, SVP, RS.
Figura 36: Composição do prédio inventariado situado à Rua Gonçalves Chaves, 271, Pelotas, RS.
Na residência situada à Rua João de Oliveira Rodrigues n° 956, existe uma divisão
entre o fundo do apainelado inferior e o superior, feita por uma linha que une-se com a
moldura do apainelado inferior. A divisão teria a mesma função que o friso, diferenciando os
fundos dos apainelados.
Figura 37: Linha divisória na composição da residência situada à Rua JOR n° 956, SVP, RS.
Figura 38: Composição decorativa em residência construída no ano de 1933. Imóvel inventariado situado à Rua
Anchieta, n° 1111.
Figura 40: Um tipo de Mármore Carrara. Figura 41: Pseudoblocos com fingimento semelhante ao Mármore
Carrara.
Com o passar dos anos é comum que aconteçam mudanças no modo de execução
dos revestimentos. Portanto, podemos perceber que as escariolas da década de 1930 em
diante não foram executadas por fingidores que estudavam rochas.
Contudo, isto não desvaloriza estes fingimentos de maneira nenhuma, pressupõe a
transição para uma maior autonomia, executando estas escariolas de uma forma
independente, sem seguir os padrões europeus, que aparentemente não puderam exercer
sua influência na região a partir desta época, talvez o prenúncio de um longo processo em
que a execução destes revestimentos foi paulatinamente substituída por azulejos e outros
materiais, como os rebocos de argamassas de cimento. Isto expressa o sentido singular
desta produção ornamental, no limite de sua existência, incorporando novas tendências.
51
Entretanto, mesmo com o estudo realizado para a execução dos fingimentos, João
Segurado (s/d) considera que “em geral a imitação afasta-se bastante do natural, segundo a
forma como o fingidor interpreta o trabalho; [...], permitindo todavia que a imaginação do
artista, fantasie um pouco, fazendo, [...], variações sobre o mesmo motivo” (SEGURADO,
s/d, p. 286).
A escariola do prédio situado em Pelotas, à Rua Gonçalves Chaves n° 271, sugere
que não havia a intenção de realizar fingimentos de rochas ornamentais e sim imitar a
própria escariola.
Figura 42: Escariola que não representa fingidos de mármore.
3.3.4 Variações
Figura 45: Prédio situado à Rua Barão do Rio Branco, n° 426, SVP, RS.
A escariola desta residência possui elementos distintos aos identificados nas outras
três composições da cidade, porém, também existem semelhanças a ser destacadas.
Figura 46: Composição decorativa do prédio situada à Rua Barão do Rio Branco, 426.
Nesta composição, existe apenas o apainelado inferior e o friso, com o rodapé (soco)
encoberto com tinta. O apainelado superior é branco, sem pintura, havendo apenas um
losango com as iniciais do primeiro dono da residência “OSB”:
54
residências selecionadas para este estudo não possuem nenhum meio de proteção. Sendo
assim, sua preservação depende exclusivamente de seus proprietários.
56
4. Conclusão
REFERÊNCIAS
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PPGA-EBA-UFMG, 2013. p. 329- 338.
FONSECA, Daniele B. da; SANCHES, Pedro L. M. Inventário dos Estuques Lustrados do
Casario Pelotense: Proposta de Preservação do Patrimônio Integrado. I CONGRESSO
INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO LUSO-BRASILEIRA, 2013 (inédito).
FÜLLER, Josef. Manual do Formador e Estucador. 2° Ed. Lisboa: Livrarias AILLAUD e
BERTRAND Paris-Lisboa, Biblioteca de Instrução Profissional, [s.d.].
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<http://marciabraga.arq.br/voi/images/stories/pdf/principios_da_conservacao_e_suas_bases
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LIMA, Bianca Piraine de. Teatro Independência e Clube Comercial de Santa Vitória do
Palmar. Monografia (Especialização em Patrimônio Cultural: Conservação de Artefatos)
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Brasil, seus usos (e abusos?). Anais do Museu Paulista, 16, no. 1. São Paulo: Museu
Paulista – USP, janeiro-Junho de 2008.
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Pesquisas, 1985, 103p.
MELLO, Tancredo Fernandes de. O município de Santa Vitória do Palmar. 2° Ed. Porto
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en el siglo XX. Madrid: Tecnos, 2004, 215 p.
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nas relações entre história e manifestações de arte religiosa. São Leopoldo, 1999.
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Capela da Santa Casa e na Casa Eliseu Maciel. Dissertação (Mestrado) – Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas, 2012.
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RIBEIRO, Emanuela S.; SILVA, Aline de F. INVENTÁRIOS DE BENS MÓVEIS E
INTEGRADOS COMO INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
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REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS
ANEXOS
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Anexo B – Receita de Escariola elaborada pelo Sr. Luiz Albino Reinehr, 2013.
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Anexo D- Mapa com a localização dos prédios na cidade de Santa Vitória do Palmar