Você está na página 1de 13

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO


TEORIA DA ARQUITETURA

ARQUITETURA: A PALAVRA E O CONCEITO

Eu tenho a palavra certa


Pra doutor não reclamar
Avôhai – Zé Ramalho

PALAVRA E CONCEITO

Palavras são unidades da língua escrita e falada com significado e que podem,
sozinhas, constituir enunciado, transmitir uma mensagem, recuperar uma ideia da
memória etc. Conceito é a compreensão que temos das palavras, seu significado para
nós, para um grupo de pessoas, para a comunidade falante de cada idioma. É a
representação mental de um objeto abstrato ou de um objeto concreto, ou seja, das
coisas que existem materialmente e também das percepções, sentimentos,
apreciações.

Palavras e conceitos tem duração diferente. A palavra tem uma duração maior do que
o seu significado. Como conjunto de símbolos, letras, acentuações etc., são de longa
duração. É por isso que se torna possível resgatar sua origem através do estudo
etimológico. A palavra arquiteto, por exemplo, guarda a mesma grafia básica de sua
remota origem latina e grega, e atualmente sua grafia se mantém em vários idiomas
(architetto, arquitecto, architect, architecte, architekt...).

O conceito, ou significado da palavra, ao contrário, é mais variado, mais sujeito aos


usos que fazemos das palavras, as falas. Portanto, o conceito varia desde o modo
como usamos as palavras nas falas do dia a dia, até seu significado mais preciso, dado
nas definições próprias de cada área do conhecimento, onde as palavras tem um
significado bem delimitado e, na medida do possível, não muito sujeito a variação de
interpretações (é o que se denomina de definição operacional).

Em toda área de conhecimento existem termos e expressões utilizadas no discurso


disciplinar. Estas palavras tem significados bem específicos, ainda que variem no
decorrer do tempo. É o caso, dos termos e expressões que utilizamos no estudo e na
prática da arquitetura. Delimitar o significados das palavras, como vimos antes é uma
tarefa básica das teorias científicas. Arquitetura não é uma ciência, é uma atividade
prática, por isso os termos e expressões do estudo da arquitetura não tem o rigor dos
conceitos científicos. No entanto, o seu estudo deve ser científico no que se refere à
delimitação dos conceitos e problemas de que trata (SILVA, 1989). Daí a necessidade

1
de recuperar os significados da palavra arquitetura verificando como esta palavra é
aplicada nos textos. A busca de precisão nos significados e usos da palavra
ARQUITETURA, interessa para a pesquisa, o ensino e a comunicação entre os
profissionais e estudiosos do campo de conhecimento. O que é então Arquitetura?
Quais são os significados atribuídos a esta palavra? Quando falamos Arquitetura, de
que estamos falando? A que aspectos da realidade o conceito Arquitetura se refere?

ETIMOLOGIA

A origem remota da palavra arquiteto é arkhitéktõn (archi + tectón). Em grego, tecton


designava um trabalhador manual e uma ocupação ligada à construção de objetos por
junção de peças, como um carpinteiro, e não por modelagem (como o oleiro que
trabalha o barro) ou entalhe (como o canteiro que lavra a pedra de cantaria). O prefixo
arqui, tal como ainda usamos, indica superioridade e remete a posição ou cargo que
corresponde a chefe. Assim, arquiteto quer dizer grande carpinteiro ou primeiro
carpinteiro, ou aquele trabalhador que por suas habilidades instruía e comandava
outros trabalhadores neste ofício (COLIN, 2000, p. 21), enfim, um artífice formado nas
atividades dos canteiros de obras.

No decorrer do tempo, a denominação arquiteto passou a ser aplicada também aos


outros ofícios da construção de edifícios como os pedreiros e os trabalhadores de
cantaria. Assim, na condição de primeiro trabalhador do canteiro de obras, o
arkhitéktõn, na sua origem, significa mestre-construtor (SILVA, 1994, P. 35), ou mestre
de obras e foi nesta condição que o ofício de arquiteto atravessou a história até o início
do Renascimento no século XV.

Arquiteto é uma palavra com origem no grego antigo, no entanto, a palavra arquitetura
não existia naquela língua. De acordo com o professor e ensaísta Elvan Silva:
“Sabemos que os gregos não tinham um termo sintético para designar aquilo que os
romanos vieram a chamar de architectura. Tal atividade, entre os gregos, era conhecida
como arcitektwnike tecne (arkhitechtonike techne), ou seja, ofício do mestre-construtor,
ou, se o desejando, arte do mestre-construtor” (SILVA, 1994, p. 141-2).

Etimologia é o estudo da origem da grafia, do significado primitivo e evolução das


palavras, das mudanças e acréscimos de significado através do tempo. O significado
contemporâneo das palavras é dado nos dicionários que, na sua forma mais tradicional,
são livros que compilam as palavras de uma língua. Também existem dicionários
especializados das palavras mais utilizadas em uma área de conhecimento, profissão
etc. Nos dicionários especializados é usual fazerem-se descrições do significado de
modo mais detalhado e extenso do que nos dicionários gerais da língua, utilizando
outros recursos descritivos como desenhos e fotografias.

2
AS PALAVRAS ARQUITETO E ARQUITETURA NOS DICIONÁRIOS

Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque


de Holanda Ferreira, mais conhecido como Aurelião (FERREIRA, 1999):

I) Arquiteto (do grego architékton, no latim architectus): profissional legalmente


habilitado para o exercício da arquitetura.

II) Arquitetura:

 arte [e técnica] de criar espaços organizados e animados, por meio do


agenciamento urbano e da edificação, para abrigar os diferentes tipos de
atividades humanas.

 o conjunto das obras de arquitetura realizadas em cada país ou continente,


cada civilização, cada época, o seu estilo próprio e inconfundível.

 disposição das partes ou elementos de um edifício ou espaço urbano [ou


cidade].

 os princípios, as normas, os materiais e as técnicas utilizados para criar o


espaço arquitetônico.

 o conjunto de conhecimentos relativos à arquitetura, ou que tem


implicações com ela, ministrados nas respectivas faculdades (ou seja,
aquele conjunto de princípios e normas que constituem a arte e técnica de
organizar espaços e criar ambientes, de criar o espaço arquitetônico).

 Arquitetura orgânica: aquela que busca aproximar-se das características de


um ser natural, seja na forma, nos materiais de construção ou no seu
funcionamento, procurando também uma integração ideal com o meio
ambiente natural.

 Arquitetura vernacular: aquela que utiliza os materiais disponíveis em um


determinado local ou região e/ou técnicas de construção tradicionais de
uma cultura.

Dicionário da Arquitetura Brasileira, de Eduardo Corona e Carlos Alberto Cerqueira


Lemos (CORONA e LEMOS, 1972):

I) Arquiteto – homem que exerce a arte da arquitetura. Pela definição da União


Internacional de Arquitetos – UIA, é aquele que, sendo mestre na arte de construir,
ordena o espaço, cria e anima os lugares destinados ao homem, a fim de assegurar-
lhe melhores condições de vida. Ele possui a arte da composição, o conhecimento dos
materiais e suas técnicas e a experiência na execução das obras. O arquiteto é o que
desenha, projeta ou idealiza os edifícios.

3
II) Arquitetura – pela conceituação mais remota é a arte de compor e construir toda
sorte de edifícios, segundo as regras e proporções convenientes. Lúcio Costa, nosso
maior teórico do assunto, diz: arquitetura é construção concebida com a intenção de
ordenar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um
determinado meio, de uma determinada técnica e de um determinado programa. É a
arte que deve ser concebida e realizada no sentido de criar um espaço ao mesmo
tempo humano – pelo homem que o necessita e não vive só, mas em aglomerados,
social – pela realidade material que o origina e plástico – pela intenção deliberada que
preside o aparecimento da obra arquitetônica, que além do mais deve ser bela.

Dicionário Ilustrado de Arquitetura, de Maria Paula Albernaz e Cecília Modesto Lima


(ALBERNAZ e LIMA, Cecília Modesto, 1997-1998).

Obra muito interessante e didática na qual todos os verbetes são explicados com textos
e desenhos das autoras1. Talvez, por isso, este dicionário não apresenta definições
para as palavras Arquiteto e Arquitetura. Afinal, como ilustrar a palavra Arquiteto para
explicar o seu significado, desenhando uma figura humana? Seria, por certo, pouco
explicativo. A mesma dificuldade se apresenta para ilustrar o significado da palavra
Arquitetura com seus múltiplos significados, como está descrito acima (como ilustrar o
significado de “arte e técnica de criar espaços, compor e construir edifícios”, por
exemplo?).

O critério adotado foi o de selecionar apenas palavras que podem ter o seu significado
explicado graficamente2. Mesmo assim, uma conceituação da palavra Arquitetura é
dada por Luiz Paulo Conde na apresentação da obra: “A arquitetura – arte ou ciência
de construir prédios e cidades” (p. VII)3, e no corpo do dicionário são apresentados os
termos Arquitetura clássica, Arquitetura jesuítica, Arquitetura moderna, Arquitetura
tectônica, e Arquitetura vernacular, devidamente ilustrados, que de acordo com as
autoras referem-se a expressões ou movimentos de mais presença na arquitetura
brasileira.

É interessante observar que o significado da palavra Arquitetura, isolada, não é dado,


mas sim da mesma palavra acompanhada de outras que tem a função de marcadores
temporal, geográfico, estilístico etc. (jesuítica, moderna, tectônica, vernacular). Estas
palavras acrescentam uma característica ao significado de Arquitetura e indicam

1
Este dicionário editado em dois volumes está disponível para download.
2
Os verbetes apresentados no dicionário são acompanhados de símbolos que classificam as palavras nas
seguintes categorias: 1) Concepção arquitetônica; 2) Elemento construtivo; 3) Espaços arquitetônicos; 4)
Espaços urbanos; 5) Ferramentas e equipamentos; 6) Instalações; 7) Material de construção; 8) Movimentos
e estilos arquitetônicos; 9) Peças auxiliares da construção; 10) Profissionais da arquitetura e construção; 11)
Projeto de arquitetura; 12) Técnica construtiva; 13) Tipos de edificação.
3
A definição de Arquitetura como “arte de construir”, mencionada na introdução do dicionário de Albernaz e
Lima (1997-1998), e também no dicionário Corona e Lemos (1972), é tomada de empréstimo do verbete
Arquitetura (Architecture) no Dictionnaire d’Architecture (1832) de Quatremère de Quincy (1755-1849),
(PEREIRA, 2009).

4
objetos concretos, que existem ou existiram. Arquitetura jesuítica: “arquitetura religiosa
presente no século XVI e início do século XVII no Brasil. Caracteriza-se pelo volume
compacto das edificações, simplicidade de ornamentação e risco rigidamente retilíneo”
(ALBERNAZ e LIMA, 1997-1998).

Síntese

De acordo com os dicionários consultados podemos listar os seguintes significados da


palavra Arquitetura:

 Uma profissão, a ocupação profissional dos arquitetos.

 Uma área de conhecimento.

 Edifícios, considerados isoladamente e em conjunto.

 A disposição das partes ou elementos que constituem os edifícios e


cidades, e, por analogia, de outros objetos como em “arquitetura dos
computadores”, por exemplo, fazendo referência a estrutura interna de
organização das partes, peças, componentes.

 Certa aparência dos edifícios, como em arquitetura barroca (HOLANDA e


KOHLSDORF, 1994).

ARQUITETURA, UMA PROFISSÃO

A etimologia é da palavra arquiteto, uma pessoa com uma ocupação específica, que
domina um ofício da construção de edifícios. A ideia de uma ocupação profissional é
bem mais recente, pois está associada ao processo contemporâneo de organização
social do trabalho, portanto, a ocupação laboral de arquiteto tal como a conhecemos
hoje, pouco tem a ver com o trabalho do arkhitéktõn. Contemporaneamente, a palavra
arquitetura nomeia a profissão técnica e artística daqueles que se dedicam a atividade
especializada de planejar, projetar e construir edifícios, paisagens e cidades, a
profissão dos arquitetos.

Em nosso país, a profissão é regulamentada por lei e exige para o seu exercício
formação universitária e o correspondente registro profissional nos órgãos de classe
que certificam e fiscalizam o seu exercício. As atribuições profissionais definidas na
legislação apontam como atividades do arquiteto a construção, adaptação ou reforma
de edificações ou outras que impliquem na alteração do meio-ambiente físico
construído na escala intermediária entre a edificação e o urbano. Estas atribuições
estão relacionadas à formação obtida nas faculdades de arquitetura e urbanismo.

A condição de profissão regulamentada e da necessidade de registro profissional para


atuar nesta área significa que somente arquitetos podem anunciar e oferecer
publicamente serviços de arquitetura, como uma indicação de características distintivas

5
de projeto e construção. Portanto, se as pessoas querem um produto ou serviço de
arquitetura, este produto ou serviço somente poderá ser oferecido por um arquiteto
registrado no conselho profissional (Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU).
Existe, assim em nosso país, um sistema legal que estabelece uma reserva de
mercado de trabalho profissional destinada ao exercício daqueles que tem a formação
acadêmica e certificação correspondente.

Destaca-se este aspecto da regulamentação legal na definição de arquitetura como


uma profissão, porque isto é uma particularidade de alguns países, mas não é uma
condição universal. Por exemplo, no Japão a profissão pode ser aprendida nas
universidades, nas faculdades de arquitetura, mas o exercício da profissão de arquiteto
é de livre acesso. É o caso de Tadao Ando, que antes de se dedicar a arquitetura, foi
caminhoneiro e lutador de boxe, e só depois de encerrar sua carreira de boxeador
resolveu se dedicar ao estudo autodidata da arquitetura e fundar, em 1969, o escritório
Tadao Ando Architects & Associates, com sede em Osaka, Japão.

De qualquer modo, a profissão de Arquiteto e Urbanista é uma atividade prática que se


faz com propósitos definidos. De acordo com Vittorio Gregotti (1975), a prática da
arquitetura tem como propósitos ordenar o ambiente que nos rodeia e oferecer
melhores condições aos assentamentos humanos, ou como está anotado no dicionário
de Corona e Lemos (1972), “assegurar melhores condições de vida”. O propósito
fundamental da Arquitetura pode, então, ser desdobrado em quatro metas:

 elevar a qualidade da vida humana.

 adequar o abrigo aos modos do habitar contemporâneo.

 adequar o abrigo aos modos de organização social e suas instituições.

 expressar humanização do mundo.

ARQUITETURA, UMA ÁREA DE CONHECIMENTO

Como vimos acima no dicionário de Corona e Lemos (1972), Arquitetura é a arte e


técnica de compor, projetar e construir toda sorte de edifícios para abrigar atividades
humanas, segundo as regras e proporções convenientes, de modo a “criar um espaço
humano e belo”. Assim, para que a Arquitetura se realize, o profissional Arquiteto
“possui a arte da composição, o conhecimento dos materiais e suas técnicas e a
experiência na execução das obras”.

Este conjunto de conhecimentos necessários para a elaboração de projetos e


construção de edifícios, denomina-se Arquitetura. Dito de outro modo, a palavra
Arquitetura nomeia o conjunto de conhecimentos constituído de princípios, normas,
regras, categorias de análise, procedimentos, saberes, códigos de representação, para
apreender, nomear, avaliar, criticar, projetar e construir edifícios, paisagens e cidades.

6
Sendo a arquitetura uma profissão exercida a partir de formação acadêmica obtida nos
cursos universitários, este conjunto de conhecimentos constitui as matérias ministradas
nas respectivas faculdades de formação de Arquitetos e Urbanistas.

O currículo dos cursos de graduação compõe-se de matérias referentes a três distintas


áreas do conhecimento que constituem a Arquitetura como campo de conhecimento: I)
a área técnica inclui disciplinas como Isostática, Resistência dos Materiais, Cálculo
Estrutural e Instalações Prediais de todo tipo; II) a área de humanidades com conteúdo
de História e Teoria da Arte e da Arquitetura, e Sociologia aplicada à arquitetura e ao
urbanismo; III) a área destinada ao treinamento e inclui disciplinas relacionadas com a
representação e elaboração de projetos: Geometria Descritiva, Gráfica e
Representação da Forma, Desenho de Observação, Desenho Arquitetônico e
Composição de Projetos de Arquitetura (COLIN, 2002, p. 22). Este conjunto de
conteúdos e práticas, ministrados e exercitados nas faculdades de Arquitetura e
Urbanismo deverão se constituir como a base de conhecimentos necessários para que
a Arquitetura seja praticada como profissão.

EDIFÍCIOS E ARQUITETURA

Edifícios são construções duráveis, de caráter mais ou menos permanente, limitado por
paredes e cobertura que encerram espaços nos quais é possível mover-se no seu
interior, servindo de abrigo e moradia às diferentes atividades humanas, posses e
valores (FERREIRA; 1999 / RAPOPORT, 1984).

No dicionário de Corona e Lemos (1972): Abrigo, lugar onde o homem pode ficar e que
constitua um meio de proteção contra a intempérie, chuva, vento, frio ou calor
excessivo e a neve. Toda e qualquer construção concebida com a intenção de vencer
um espaço para uso do homem, uma das funções essenciais da arquitetura. Segundo
André Wogenscky: “graças a ele (o abrigo) o homem pode viver em climas que de outra
maneira não poderiam ser suportados, em regiões que lhe seriam interditadas, tirando
dele o melhor proveito”.

Por que incluir estas duas palavras, edifício e abrigo, quando seus significados são
aparentemente iguais? Ou melhor, quando o significado da primeira inclui o significado
da segunda (todo edifício é abrigo). Regressivamente, o abrigo precede como
necessidade humana a existência de edifícios. O abrigo é uma necessidade para
habitar o mundo em suas diferentes condições ambientais; está na pré-história humana
e é anterior a fabricação de artefatos para atender a esta necessidade (humanos pré-
históricos abrigavam-se em cavernas que são coisas existentes e não construídas).

Edifícios são construções. Isto quer dizer que são coisas feitas, que mobiliza recursos
materiais, instrumentos e ferramentas, saber fazer, experiência acumulada, tradição,
conhecimento transmitido entre gerações, em síntese são produtos da cultura. A

7
necessidade de abrigo está na origem cultural da arquitetura, mas a primeira resposta
não é a caverna existente na natureza, mas o primeiro artefato construído para servir
de abrigo, o primeiro edifício, construção, cabana etc. Incluímos estas duas palavras,
edifício e abrigo, para antecipar um tema que vamos tratar no Tópico 3 quando
estudarmos na tratadística clássica (1450 +/- 1850), o tema das origens culturais da
arquitetura e a cabana primitiva.

Edifícios são coisas concretas com existência no mundo material. Por isso, são
conhecidos empiricamente através da observação direta. Apreende-se através dos
sentidos da visão, do tato, e da percepção sinestésica, um edifício de cada vez (o
edifício que habitamos neste momento), ou conjunto de edifícios contíguos (os edifícios
que compõe um espaço urbano, por exemplo, a quadra onde está inserido o edifício
que habitamos). Também percebemos e avaliamos os edifícios na sua função de abrigo
através das sensações de calor ou frio, de luminosidade etc. Como afirma Edgar Graeff
(1980), “o edifício constitui o produto mais característico da arquitetura”, e
completamos, o produto material, concreto, tangível, como resultado do processo
identificado como construir, ou fazer Arquitetura.

Por outro lado, a palavra Arquitetura encerra significados que vão além do significado
da palavra edifício ou abrigo. Como bem observa Holanda e Kohlsdorf (1994),
Arquitetura é uma noção abstrata com muitos significados: “Edifícios, assentamentos
e paisagens são coisas concretas, obviamente existindo no mundo material. Outra
coisa é a Arquitetura”. A palavra, como vimos acima, tanto se refere a certa aparência
dos edifícios, como em arquitetura barroca, como também ao arranjo das partes que
constituem os edifícios, quando nos referimos a arquitetura dos edifícios, ou arquitetura
da cidade e, por analogia, à organização das partes de outros objetos como em
“arquitetura dos computadores” (remetendo a estrutura interna destes objetos). Além
disso, a palavra arquitetura também se refere ao produto, os edifícios, paisagens
modificadas e cidades, e ao processo de produção, a profissão dos arquitetos.

Como se pode constatar a partir das definições dos autores, os múltiplos significados
da palavra Arquitetura sempre remetem ao conceito de edifício. Como lembra Carlos
Lemos, para a maioria das pessoas e na linguagem corrente "a arquitetura está sempre
ligada à construção”, ainda que não se saiba exatamente como se entrelaçam os
significados dessas palavras. De qualquer modo, “as pessoas procuram achar um
vínculo entre a arquitetura e a beleza e para quase todos, então, arquitetura seria a
providência de uma construção bela” (LEMOS, 1991, p. 7).

Autores como Nikolaus Pevsner também compartilham desta ideia quando afirmam que
o termo arquitetura aplica-se somente aos edifícios cuja construção é de molde a
produzir-nos emoções de ordem estética (PEVSNER, s.d.). Portanto, “sob o critério
estético ou da arquitetura como arte, apenas uma parte do conjunto de edifícios será
considerada arquitetura: somente aqueles que, para sua concepção e construção,

8
puderam contar com um arquiteto de conhecimento, sensibilidade e talento, com o local
certo, o momento certo, as condições materiais necessárias, o tempo e o dinheiro
suficientes. Em todo o processo de produção, os valores estéticos sobrepujaram os
valores utilitários ou comerciais” (COLIN, 2002, p. 23).

Até meados do século XIX, considerava-se como arquitetura os edifícios que aplicavam
na sua composição os elementos de arquitetura reinterpretados na longa tratadística
iniciada a partir do renascimento. Arquitetura, portanto, incluía-se na estética classicista
com todas as suas variações do período, desde o classicismo renascentista,
maneirismo, barroco, neoclássico, romantismo e historicismos do final do século XIX.
Esta estética como critério exclusivo de definição de arquitetura é fortemente criticada
na virada do século quando se busca a superação desta tradição e novas formas de
expressão arquitetônica. No entanto, o critério estético como definidor de obra de
arquitetura não é invalidado. Nos anos de 1920, o arquiteto Le Corbusier propunha uma
estética da máquina como mote para renovação da arquitetura. Este critério de
singularidade, de excepcionalidade, ainda tem seu valor, basta ver o que está publicado
nas revistas e sites de arquitetura que inspiram estudantes e profissionais.

A prevalecer este caráter distintivo, somente algum edifícios serão destacados e


apontados como obras de arquitetura. No entanto, o problema do critério estético está
em que nunca será fácil separar as construções belas das outras para que possam ser
eleitas e distinguidas como trabalhos de arquitetura. Além disso, muito do que é
apontado como obra de arquitetura contemporaneamente, não coincide com o gosto
da população em geral. Há um conjunto de critérios válido de arquitetos para arquitetos,
ou seja, para aqueles que possuem formação e informação teórica para perceber e
avaliar valores nas obras, inclusive estéticos, que não são apreensíveis para o público
e que, portanto, talvez não considerem tais obras com a mesma distinção e admiração.

Para ilustrar esta argumentação vejamos duas obras erguidas na primeira metade do
século XX que são emblemáticas para os arquitetos. Trata-se da Villa Savoye,
construída em 1928, próxima de Paris com projeto de Le Corbusier, e a Farnsworth
House, construída em 1949, no estado de Illinois – EUA, com projeto de Ludwig Mies
van der Rohe. Estas obras são conhecidas de todos os profissionais e alunos das
faculdades de arquitetura como exemplares notáveis da arquitetura moderna e que por
isso devem ser estudadas. Estão listadas e analisadas por Simon Unwin (2013), entre
os “vinte edifícios que todo arquiteto deve compreender”.

Pois bem, as duas obras não chegaram a ser habitadas pelas pessoas que contrataram
o seu projeto. Foram rejeitadas por seus proprietários e abandonadas, e por muito
tempo permaneceram fechadas (BOTTON, 2007). Nos dois casos, parece que a
expectativa estética do usuário não estava afinada com o discurso estético do arquiteto.
No entanto, mesmo que não tenham correspondido às expectativas de seus futuros
usuários, estas duas obras apresentavam importantes inovações para a prática da

9
arquitetura. Nos dois casos, foram resgatadas não para o seu uso original como casas,
mas como museus de si mesmas para serem visitadas por arquitetos. Portanto, há um
pensar os edifícios e suas formas que faz avançar a própria prática da arquitetura e
com o passar do tempo também atualiza o gosto médio das pessoas fazendo com que
aquelas formas que inicialmente não coincidia com o gosto médio das pessoas, sejam
aceitas e desejadas num tempo futuro.

Há também outra dimensão na relação entre edifícios e arquitetura que não toma como
critério distintivo a excelência estética e a obra excepcional, mas inclui todos os
edifícios no universo da arquitetura, quer tenham sido projetados por arquitetos ou não.
Como advertem Holanda e Kohlsdorf (1994), “faz já algum tempo que os historiadores
da arquitetura desistiram de caracterizar projetos de edifícios realizados por não
profissionais como sendo, em princípio, desimportantes para a disciplina da
arquitetura”.

É neste sentido que se apresenta como significado de arquitetura no dicionário Aurelião


(FERREIRA, 1999) “o conjunto das obras de arquitetura realizadas em cada país ou
continente, cada civilização, cada época, o seu estilo próprio e inconfundível”. Aqui a
relação entre arquitetura e edifício é bastante abrangente e assim, quando falamos
Arquitetura brasileira, estamos tratando do conjunto de todas as edificações erguidas
no espaço geográfico conhecido como Brasil, a partir de 1500 até o momento atual. É
fácil perceber que deste conjunto tão amplo e diversificado de construções não é
possível extrair um único “estilo próprio e inconfundível”, que afinal se apresente como
Arquitetura brasileira.

É necessário, portanto complementar o sentido da palavra arquitetura para tratar


especificamente de um conjunto de edifícios selecionados para estudo e constituição
da arquitetura como área de conhecimento. É o caso das expressões Arquitetura
clássica, Arquitetura jesuítica, Arquitetura moderna, Arquitetura tectônica e Arquitetura
vernacular, listados no dicionário ilustrado de Albernaz e Lima (1997-1998), e tantas
outras expressões como Arquitetura do renascimento, Arquitetura neoclássica,
Arquitetura bioclimática, Arquitetura colonial, Arquitetura das charqueadas, Arquitetura
escolar, Arquitetura de museus, Arquitetura hospitalar etc. O significado dado a cada
uma destas expressões indica o modo específico de criar e organizar espaços, de
dispor as partes e elementos dos edifícios, dos conhecimentos relativos a arte e técnica
de compor e construir edifícios, de certa aparência da forma construída, que são
variáveis ao longo do tempo e que, ao final, constituem o que se pode compreender
como Arquitetura brasileira.

10
Marcadores da palavra arquitetura

A complementação ou adjetivação da palavra arquitetura é um recurso para


circunscrever conjuntos de edifícios naquele universo incontável de edifícios existentes
ou que existiram. Estes complementos são marcadores de características:

 de localização no espaço geográfico, indicando o conjunto das obras


realizadas em cada país ou continente, e também nas regiões de cada país
etc. (Arquitetura brasileira, Arquitetura do Rio Grande do Sul).

 de tempo, cronologia, indicando o conjunto das obras realizadas em cada


época (Arquitetura colonial brasileira, Arquitetura do século XX).

 de estilo, indicando o estilo próprio e inconfundível que possibilita agrupar


os edifícios em conjunto de obras a partir da aparência e demais
características (Arquitetura gótica, Arquitetura renascentista, Arquitetura do
barroco mineiro).

Espaço e tempo são categorias muito amplas, como, por exemplo, na expressão
arquitetura colonial brasileira, comportando outras classificações como a autoria da
obra ou a destinação de uso, ou os princípios aplicados na concepção da obra, quer
sejam intencionais e conscientes ou difusos e de domínio comum:

 da disposição das partes ou elementos dos edifícios, relativos a finalidade


de uso, organização de suas partes, geometria, dimensões, equipamentos
e outros (Arquitetura escolar, Arquitetura de museus etc.).

 da técnica construtiva aplicada na construção dos edifícios (Arquitetura de


terra, Arquitetura enxaimel, Arquitetura de madeira etc.).

Formação da disciplina

Assim, a partir do estudo das características de conjuntos de obras delimitados por


adjetivações da palavra arquitetura como instrumento de pesquisa, que faz possível
compreender como se articulam as partes e os elementos que constituem os edifícios,
a estrutura interna de organização destas partes, e daí extrair princípios, elaborar
normas, conhecer os materiais e suas aplicações e deduzir as técnicas utilizadas para
criar o espaço arquitetônico. E é deste modo que se forma o conjunto de
conhecimentos relativos a arquitetura, ministrados nas respectivas faculdades, como
“arte e técnica de criar espaços organizados e animados, por meio do agenciamento
urbano e da edificação, para abrigar os diferentes tipos de atividades humanas”
(FERREIRA, 1999), ou como “arte de compor e construir toda sorte de edifícios,
segundo as regras e proporções convenientes” (CORONA e LEMOS, 1972).

11
Arquitetura dos arquitetos

Como vimos acima tudo que constitui o ambiente construído interessa para estudo e
formação da arquitetura como área de conhecimento e prática. Mas, os estudiosos da
arquitetura também buscam obras isoladas que se distinguem por suas qualidades
naqueles conjuntos mais amplo de construções. Um dos critérios para identificar estas
obras é a autoria. Assim, um marcador particularmente importante para o estudo da
arquitetura é a obra produzida por arquitetos de ofício, como, por exemplo, a
Arquitetura de Oscar Niemeyer, a Arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, ou Vilanova
Artigas, destacando a maneira de projetar e as características próprias dos edifícios
construídos.

A identificação da autoria é um recurso de estudo importante porque ainda que sejam


considerados em conjunto, alguns edifícios são emblemáticos e referenciais para
identificação das características de época e melhor expressam o conceito de
arquitetura de seu tempo. Edgar Graeff (1980): “São bem poucos aqueles edifícios que
se destacam e que, por suas qualidades e características, se revelam capazes de atrair
a atenção dos estudiosos da arquitetura”. Deste modo, a obra de autoria e a obra
excepcional constituem no panorama histórico marcos referenciais para identificação
das características gerais do período. Estas obras condensam as características
presentes, em maior ou menor grau, nos demais edifícios incluídos nas classificações
propostas pelo historiador.

SÍNTESE FINAL

A relação entre arquitetura e edifício é múltipla e variável através do tempo e do espaço,


assim como são variáveis as características dos edifícios. Na contemporaneidade, o
conceito arquitetura tende a tornar-se mais abrangente e inclusivo em relação aos
edifícios aos quais se aplica se comparado com conceituações anteriores mais
seletivas e exclusivistas na medida em que o estudo do arranjo das partes que
constituem a forma não mais privilegia, ou se esgota nos elementos figurativos da
aparência dos edifícios. E esta compreensão atual do conceito quando aplicado a obras
do passado amplia a extensão do conceito incluindo diversas categorias de edifícios
na arquitetura.

São múltiplos os significados da palavra arquitetura, mas sempre remetem à realidade


material do que se entende por edifício em suas diferentes formas, nos diferentes
modos de projetá-los e construí-los. Portanto, no núcleo da palavra arquitetura está o
conceito de edifício sendo todos os outros significados derivados desta relação inicial.
Sendo variável a relação que conecta os dois termos, compete à teoria e a pesquisa
descrever e precisar para cada período histórico o que está sendo compreendido no
conceito arquitetura e como remete a edifício.

12
REFERÊNCIAS
ALBERNAZ, Maria Paula; LIMA, Cecília Modesto. Dicionário Ilustrado de Arquitetura. São Paulo:
ProEditores, 1997-1998. 2 v.
BOTTON, Alain de. A arquitetura da felicidade. Rio de Janeiro: 2007.
COLIN, Silvio. Uma introdução à arquitetura. Rio de Janeiro: UAPÊ, 2000.
CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da Arquitetura Brasileira. São Paulo: EDART, 1972.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
GRAEFF, Edgar Albuquerque. Edifício. São Paulo: Projeto, 1980. (Cadernos Brasileiros de Arquitetura, 7).
GREGOTTI, Vittorio. Território da arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1975. (Coleção Debates, 111).
HOLANDA, Frederico de; KOHLSDORF, Günter. Sobre o conceito de arquitetura. Brasília: UnB/Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, 1994 (texto mimeografado).
LEMOS, Carlos A. C. O que é arquitetura. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Coleção Primeiros Passos, 16).
PEREIRA, Renata Baesso. A definição de Arquitetura no Dictionnaire Historique de Quatremère de Quincy.
In: Risco, revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo, São Paulo, FAUUSP, n. 10, 2009 (p. 3-14).
PEVSNER, Nikolaus. Perspectiva da arquitectura europeia. Lisboa: Ulisseia, s.d.
RAPOPORT, Amos. Origens culturais da arquitetura. In: SNYDER, James & CATANESE, Anthony (org.).
Introdução à arquitetura. Rio de Janeiro: Campus, 1984. p. 26-42.
SILVA, Elvan. Por um estatuto terminológico para a teorização da arquitetura. In: Rev. Projeto. São Paulo,
n.120, p.130-134, ab/1989.
SILVA, Elvan. Matéria, ideia e forma: uma definição de arquitetura. Porto Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS, 1994.
UNWIN, Simon. Vinte edifícios que todo arquiteto deve compreender. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2013.

Set/2021.

13

Você também pode gostar