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Resumo: em sua longa história, que remonta aos conflitos agrários na antiga Siracusa, a
arte retórica acumulou uma série de traços distintivos, sendo estes da ordem técnica e da
dimensão moral. Neste artigo, pretende-se apresentar aspectos relacionados às origens
intelectuais da arte retórica, além de outros elementos que se vincularam à referida arte ao
longo dos séculos. Com tal propósito, foram analisados autores antigos e modernos, em
suas diferentes e contrastantes concepções.
Abstract: In its long history, dating back to ancient agrarian conflicts in Syracuse, the
rhetorical art has accumulated a number of distinctive elements, which are of the technical
and moral dimension. In this article, I intend to present aspects related to intellectual origins
of rhetorical art, and other elements that are linked to that art throughout the centuries. With
this intention, I analyzed ancient and modern authors, in their different and contrasting views.
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Professor na Universidade Estadual de Londrina. Pesquisador do Centro Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq (Bolsista Produtividade em Pesquisa).
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intelectuais do Ocidente como ars rhetorica, chama especial atenção tanto a sua
energia criadora quanto a sua força destrutiva, pois a retórica pode ser tomada como
artifício para produzir agradáveis sensações ilusórias, assim como pode ocasionar o
envenenamento da alma, observara Platão sobre a fútil arte de meditar acerca de
argúcias que em nada contribuem para promover o bem.
Como afirmou Chaïm Perelman: “A retórica clássica, a arte de bem falar, ou
seja, a arte de falar (ou de escrever) de modo persuasivo se propunha estudar os
meios discursivos de ação sobre um auditório, com o intuito de conquistar ou
aumentar sua adesão às teses que se apresentavam ao assentimento”.
(PERELMAN, 2004, p. 177) Segundo a avaliação de Henrich Lausberg: “A retórica é
um sistema mais ou menos bem elaborado de formas de pensamento e de
linguagem, as quais podem servir à finalidade de quem discursa para obter, em
determinada situação, o efeito que pretende”. (LAUSBERG, 2004, p. 75) Nesse
sentido, a palavra foi concebida como agente de mobilização e instrumento de ação,
o que significa que a retórica foi empregada como um dos mais eficazes impulsos à
tomada de atitude ou, pelo contrário, um atrativo convite à “inércia preguiçosa”, para
recordar um termo empregado pelo Estagirita. Quando situadas no campo da
expressão oral, as técnicas retóricas podem ser definidas como arte oratória, arte
esta quase sempre marcada pelo dom da improvisação, ainda que existam
discursos originalmente concebidos não necessariamente para serem proferidos
publicamente, mas para serem lidos ou declamados de memória em ambientes de
público reduzido ou especializado.
Na avaliação de Werner Jaeger, foram desse gênero os trabalhos do
ateniense Isócrates, reconhecido como a figura mais emblemática da história da
eloquência escrita. Mesmo valorizando seu virtuosismo na linguagem e na
composição, pontua o historiador francês Henri-Irenée Marrou, é preciso lembrar
que ele não havia sido aquinhoado com os predicados do orador. Estava ciente de
possuir frágil constituição física, além de faltar-lhe voz potente. (MARROU, 1990, p.
138) Por acréscimo de suas limitações, sofria de uma inibição insuperável. Nas
ocasiões em que lhe fosse necessário expor-se publicamente, sentia-se abalado. As
massas reunidas na ágora lhe assustavam. Esse especialista em logografia era
acanhado e doentio, apesar de ter vivido por quase um século. Sem ser orador, seu
principal ofício consistia em instruir seus alunos quanto aos modos de falar em
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Acerca da logografia como profissão em Atenas, ver as reflexões de LÉVÊQUE (1967, p. 363).
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Bastante aguda a comparação de ambos tecida por QUINTILIANO (1916).
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“Retórica quer dizer ‘arte da oração’; designa, pois, segundo a sua significação fundamental, o
método de construir a oração artisticamente”. (CURTIUS, 1979, p. 65)
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Sobre a importância de encontrar as formas adequadas dos movimentos de cabeça e das mãos, de
exibir expressões faciais convincentes e demais complementos do desempenho oratório, ver
MARROU (1998, p. 224)
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A expressão será recorrentemente utilizada por Cícero (2010).
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sempre foi bem inferior a estes numerais; ainda assim, a enorme massa humana
precisava ter seus ímpetos freados por uma polícia designada estritamente para
este fim. (VOILQUIN; CAPELLE, 1964, p. 216, nota 20)
Nos dias que correm, a eloquência do orador ainda é dirigida à imaginação
dos auditores, no intuito de alcançar resultados adredemente definidos, como a
aprovação de argumentos em prol de uma determinada causa na qual se identificam
interesses coletivos. Para convencer e arrastar consciências aos fins almejados, o
orador necessita reunir um conjunto favorável de atributos, pois precisa cativar
espíritos por vezes muito exigentes e, inclusive, dispostos e capazes de contrastá-lo
em pleno calor da exposição. Em vista da ocorrência provável de uma interpelação,
além de muita energia e inspiração, é tarefa do orador munir-se de uma série de
informações, incluindo dados sobre a disposição momentânea de ânimo de sua
plateia. Os tratados de ars oratoria são especialmente pródigos em detalhar a grade
de conhecimentos específicos do predicador, além de suas habilidades em meio ao
processo de comunicação. Aos gregos nos tempos de Péricles e, depois, na época
de Demóstenes, agradava mais a agudeza de um corpo de ideias contido nos
discursos, pois a ars rhetorica prestar-se-ia, antes de tudo, a revelar os aspectos da
realidade que, por vezes, exigia uma urgente correção de curso no enfrentamento
de exércitos invasores.
Assim é que bons argumentos deveriam ser lavrados em períodos de curta
extensão, para que se pudesse produzir uma concentração do significado daquilo
que estava sendo proposto à consideração dos interlocutores. A lógica
predominante no estilo de prosa denominada “ática”, e que, mutatis mutandis, aos
tempos da cultura barroca ficaria conhecido como “conceptismo”, é a de realizar
mais com menos. Seguindo essa toada, metaforizações e demais recursos retóricos
poderiam ser empregados no discurso, mas um conceito ou ideia central os
presidiriam. Em suma, conceder-se-ia todo o espaço ao necessário, estreitando-o ao
complementar. Aos romanos dos tempos de Cícero foi posto alto valor na
engenharia da palavra já que, sem certos estrépitos de verbosidade, não se
produziria a requerida sonoridade de uma oração pública. Daí a necessidade de
encontrar os acessórios decorativos da eloquência (figuras de palavras e de
pensamento), para adequá-los às medidas requeridas pela prosa rítmica, conforme
o padrão cauteloso e exigente de Cícero. (CÍCERO, 2010. p. 62s). Já o moralista
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Assim como nos que cantam ao som da flauta a maior parte das
falhas escapam aos ouvintes, igualmente uma locução prolixa e
grave cega o ouvinte em relação ao que se declara. [...] Desse modo,
nos discursos e exercícios da maioria dos sofistas, eles não só usam
das palavras vãs para encobrir os pensamentos, mas, tornando a
voz suave com certo tipo de harmonia, brandura e modulação,
agitam e arrastam quem ouve num furor báquico: proporcionam um
vão prazer e recebem em troca uma glória mais vã ainda.
(PLUTARCO, 2003, p. 24s)
palavra o aspecto mais decisivo para lograr o êxito. Para tanto, há de se manter
controle estrito do que se fala para quem se fala, isto é, há de se respeitar as
exigências dos três gêneros discursivos como, por exemplo, insuflá-los de medida,
de ação e de dramaticidade, conforme o requerido para cada caso. Como afirmou
Platão no diálogo Sofista, “[...] as razões jurídicas, a oratória pública e as conversas
privadas constituem um todo novo ao qual daremos o nome de arte da persuasão”.
(PLATÃO, 1979, p. 137) Mas, como se reconhece amplamente, o andar mais
elevado das teorias retóricas clássicas foi alcançado por Aristóteles, que acerca de
tal matéria pronunciou-se nos seguintes termos:
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Os dois primeiros gêneros discursivos compõem a eloquência prática; já o terceiro, a eloquência
escrita ou eloquência gráfica. A explicação é de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca. Acerca
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No plano educacional o mesmo autor analisou a revivescência da retórica na Inglaterra elisabetana,
a partir do estudo de uma série de manuais escolares (SKINNER, 1997). Sobre o florescimento da
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BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Arte retórica. São Paulo: Difel, 1964.
______. Política. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
BARTHES, R. A retórica antiga. In: COEHEN, J. et al. Pesquisas de retórica.
Petrópolis: Vozes, 1975.
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Sobre o tema, ver considerações análogas às de Barthes nos ensaios de CLARKE (1968, p. 210);
MARROU (1998, p. 22s).
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