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dossier: pele 59

Avaliação e tratamento do
doente com acne – Parte I:
Epidemiologia, etiopatogenia, clínica,
classificação, impacto psicossocial, mitos e
realidades, diagnóstico diferencial e estudos
complementares
Américo Figueiredo,1 António Massa,2 António Picoto,3 António Pinto Soares,4 Artur Sousa Basto,5 Campos Lopes,6 Carlos Resende,7
Clarisse Rebelo,8 Francisco Menezes Brandão,9 Gabriela Marques Pinto,10 Hugo Schönenberger de Oliveira,11 Manuela Selores,12
Margarida Gonçalo,13 Rui Tavares Bello14

RESUMO
O Portuguese Acne Advisory Board (PAAB), grupo de dermatologistas portugueses que, à semelhança de grupos congéneres
internacionais, tem dedicado particular atenção à definição de linhas de orientação para o tratamento da acne, pretende que
o presente documento constitua uma ferramenta útil na abordagem dos doentes com esta patologia. Elaborou-se um dossier,
para educação médica contínua, subdividido em 2 partes: Parte I – etiopatogenia e clínica; Parte II – abordagem terapêutica.
Nesta Parte I, revêem-se os principais aspectos da clínica e da fisiopatogenia da acne à luz dos conhecimentos actuais. Dis-
cute-se a importância do impacto psicológico e social desta entidade e analisam-se os principais mitos e realidades com ela
relacionados. Descrevem-se, sucintamente, as patologias mais relevantes no diagnóstico diferencial das lesões de acne. Enu-
meram-se as indicações para estudo hormonal, bem como os exames a efectuar nos doentes com esta patologia.

Palavras-chave: Acne Vulgar; Fisiopatologia; Etiologia; Classificação; Diagnóstico.

1 9
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Director do Serviço de Dermatologia Especialista em Dermatologia e Venereologia, Director do Serviço de Dermatologia
dos Hospitais da Universidade de Coimbra; Professor de Dermatologia da Faculdade do Hospital Garcia de Orta, Almada,. Serviço de Dermatologia do Hospital Garcia de
Medicina da Universidade de Coimbra. Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Uni- Orta, Almada.
10
versidade de Coimbra. Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduada do
2
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- Hospital de Curry Cabral. Serviço de Dermatologia, Hospital de Curry Cabral, Lisboa
11
gia do Hospital Geral de Santo António, Porto. Clínica Dermatológica Dr. António Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar dos Hospitais da
Massa. Universidade de Coimbra. Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de
3
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Centro de Dermatologia Coimbra.
12
Médico-Cirúrgica de Lisboa. Clínica Dermatológica Privada. Especialista em Dermatologia e Venereologia, Directora do Serviço de Dermatologia
4
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- do Hospital Geral de Santo António, Porto; Presidente do Colégio da Especialidade de
gia do Hospital dos Capuchos. Sequine Clínica Dermatológica. Dermatologia. Centro Hospitalar do Porto – Hospital Geral de Santo António.
5 13
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduada do
gia do Hospital de São Marcos, Braga; Professor da Universidade do Minho. Clínica Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra; Assistente Convi-
Dermatológica Privada. dada de Dermatologia da Faculdade Medicina da Universidade de Coimbra. Serviço de
6
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduado. Hospi- Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Clínica de Dermatologia da
tal da Luz, Lisboa. Faculdade Medicina da Universidade de Coimbra.
7 14
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Convidado do Hospital Mi-
gia do Hospital de São João, Porto. Clínica Dermatológica Privada. litar de Belém e do Hospital dos Lusíadas. Serviço de Dermatologia do Hospital Mili-
8
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Chefe de Serviço do Serviço de Dermato- tar de Belém; Unidade de Dermatologia do Hospital dos Lusíadas; Clínica Dermatoló-
logia do Hospital Central de Faro. Serviço de Dermatologia do Hospital Central de Faro. gica Privada

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INTRODUÇÃO prevalência de acne era de 82,1%, com atingimento se-


acne vulgar é, provavelmente, a mais fre- melhante em ambos grupos6.

A quente doença cutânea, afectando 85 a 100 %


da população em qualquer momento da sua
vida. É caracterizada por pápulas foliculares
não inflamatórias ou comedões e por pápulas inflama-
tórias, pústulas e nódulos, nas suas formas mais seve-
Estudo recente na Bélgica7 mostrou alta prevalência
da acne entre 14-18 anos, com ligeiro predomínio no
sexo masculino (51,2%), mas a maioria destes adoles-
centes não fazia qualquer tratamento.

ras. Afecta as áreas da pele com maior densidade de fo- ETIOPATOGENIA


lículos sebáceos, as quais incluem a face, a parte supe- A acne é doença crónica do folículo pilossebáceo,
rior do tórax e o dorso. que se desenvolve habitualmente na adolescência sob
A acne tem habitualmente um efeito psicológico de influência hormonal própria da idade8.
curto prazo mas com potencialidade de se manter e Os 4 factores fisiopatológicos primários são os se-
que pode tornar-se grave. Diminuição da auto-estima guintes (Quadro I):
e da auto-confiança podem conduzir a afastamento so- 1.Hiperplasia sebácea com correspondente hipers-
cial e mesmo a depressão. Não tratada a acne severa ou seborreia sob influência hormonal. Os androgé-
nódulo-quística pode dar origem a cicatrizes inestéti- nios (testosterona, DHEA-S, androstenediona) são
cas ou mesmo desfigurantes, as quais são, por si pró- reduzidos, a nível dos receptores na glândula se-
prias, difíceis de tratar. bácea, pela 5 α-reductase tipo I, em dihidrotestos-
O conhecimento pormenorizado da fisiopatologia, terona (DHT), que é a substância responsável pe-
das opções terapêuticas adequadas para cada tipo de las alterações sebáceas, nas áreas ditas seborreicas,
acne e de um algoritmo de tratamento que funcione sobretudo face e tronco;
como linha de orientação terapêutica para cada tipo de 2.Anomalias na diferenciação e adesão queratinoci-
acne e que possa ser utilizado por qualquer médico en- tária a nível do folículo piloso, que condiciona en-
volvido no seu tratamento, são as ferramentas essen- tupimento do folículo e formação de comedões.
ciais para normas de boa prática clínica. Estas anomalias são, também, em grande parte,
consequência da estimulação androgénica;
EPIDEMIOLOGIA 3.Colonização do folículo piloso por microorganis-
A acne é doença tão comum que poderemos dizer que mos, nomeadamente Propionibacterium acnes e
é quase universal durante a adolescência. Afectará cer- Staphylococcus albus. Estes são responsáveis por
ca de 40-50 milhões de indivíduos nos EUA, sendo o pico alteração dos lípidos do sebo, em especial pela for-
na adolescência, com 85% de jovens afectados entre os mação de ácidos gordos livres, os quais têm pro-
12-24 anos1. Salienta-se que 12% das mulheres e 3% dos priedades próinflamatórias;
homens continuam com a afecção até aos 45 anos2. 4.Reacção inflamatória/imunitária levando à liber-
A incidência da acne na adolescência varia entre 30- tação de vários mediadores inflamatórios, com ro-
66%, situando-se os picos máximos nas raparigas en- tura da parede da glândula, reacção responsável
tre 14-17 anos, e entre 16-19 anos nos rapazes. Burton3 pelas lesões inflamatórias.
confirma estes dados, notando que 80% de jovens en- Os 2 primeiros factores são os principais responsá-
tre os 8 e 18 anos tinha, pelo menos, acne comedónico.
Na Suécia4 a prevalência de acne em idades dos 12-16
anos era semelhante em ambos sexos – 38% nos rapa- QUADRO I. Factores Etiopatogénicos
zes 35% nas raparigas.
Em estudo de prevalência no Norte de Portugal5 ob- • Hiperplasia sebácea
servou-se acne em 42,1% de jovens antes dos 15 anos, • Alterações na queratinização folicular
em 55,8% dos 15-29 anos, 9,2% dos 30-40 anos e em • Colonização por P. acnes
2,1% em pessoas com mais de 40 anos. Em outro estu- • Libertação de mediadores inflamatórios
do em 1244 alunos, também no norte de Portugal, a

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veis pela formação das lesões retencionais – comedões e relações sociais. Concorrem para este facto duas or-
– que constituem a lesão elementar. Estes podem ser fe- dens de factores: de índole interna como a imagem cor-
chados (mal se vislumbrando o poro) – comedão bran- poral e a auto-estima e de índole externa, como o es-
co –, ou abertos – comedão negro. Os comedões cons- tigma e a rejeição sociais de que estes doentes são víti-
tituem a lesão elementar da acne, pois é neles que se mas, fruto de atávicas crenças, mitos e preconceitos
produzem os fenómenos que conduzem à formação que envolvem as doenças cutâneas (impureza, castigo,
das lesões inflamatórias. culpa, moral e conduta desviantes).
A acne não é excepção neste contexto. É considera-
CLÍNICA E CLASSIFICAÇÃO DA ACNE da uma dermatose significante, abrangendo vasto es-
A acne é constituída por um conjunto de lesões, as pectro de manifestações – desde o adolescente genui-
quais, isoladas ou em conjunto, definem o tipo e gravi- namente despreocupado com a sua acne extensa e tra-
dade da acne. zido à consulta por progenitores opinativos e rígidos,
• Comedão – surge em consequência da hipercerato- até ao doente claramente dismorfofóbico, sem auto-
se de retenção no folículo pilo-sebáceo. De início fe- -estima e socialmente recluso de raras e mínimas le-
chado, manifesta-se como pequeno grão miliar, le- sões, que exibe de forma hostil.
vemente saliente na pele sã. Quando o orifício foli- O envolvimento quase universal da face (a área mais
cular se dilata passa a comedão aberto, tomando o visível e a mais investida da função de comunicação não
aspecto de «ponto negro». É a lesão elementar e pri- verbal) acentua a estranheza e a revolta com que o ado-
mária da acne; lescente assiste às transformações do seu corpo e, con-
• Pápula – surge como área de eritema e edema em sequentemente, a fragilidade narcísica própria desta
redor do comedão, com pequenas dimensões (até fase da vida. No plano interpessoal as consequência
3 mm); são por vezes avassaladoras, particularmente se to-
• Pústula (ou «borbulha») – sobrepõe-se à pápula, por marmos em linha de conta que a adolescência se ca-
inflamação da mesma e conteúdo purulento; racteriza pela necessidade de agradar/seduzir a ou-
• Nódulo – tem estrutura idêntica à pápula, mas é de trem, que não apenas os progenitores, mediante a
maiores dimensões, podendo atingir 2 cm; adopção de estratégias de afirmação, em que o físico e
• Quisto – grande comedão que sofre várias rupturas o visual assumem papel predominante.
e recapsulações; globoso, tenso, saliente, com con- Não surpreende pois a elevada prevalência de ideação
teúdo pastoso e caseoso; suicida em adolescentes masculinos e, em particular, em
• Cicatriz – depressão irregular coberta de pele atrófi- doentes acneicos9. Igualmente merece referência que
ca, finamente telangiectásica, resultante da destruição 70% de 4597 doentes acneicos afirmaram ser vítimas de
do folículo pilo-sebáceo por reacção inflamatória. rejeição social10, bem como a maior taxa de insucesso es-
Se bem que a acne seja polimorfa por definição, as- colar quando confrontados com controlos saudáveis11.
sociando os diversos tipos lesionais, é, no entanto, o Estudos efectuados desde os anos 60 não consegui-
predomínio de cada uma das lesões elementares que ram demonstrar nem uma personalidade-tipo nem di-
permite definir 3 tipos básicos de acne: comedónica, pá- ferenças significativas face a grupos de controlos sau-
pulo-pustulosa e nódulo-quística. O número de lesões, dáveis. No entanto, e à semelhança do que ocorre com
a extensão e a gravidade do quadro permitem classifi- a generalidade das doenças crónicas, podem ocorrer
car a acne em ligeira, moderada ou grave, servindo- problemas emocionais ou perturbações psiquiátricas
-nos como base para um algoritmo do seu tratamento. nestes doentes, muitos deles com personalidades e al-
terações pré-mórbidas. Assim foi demonstrada co-mor-
IMPACTO PSICO-SOCIAL DA ACNE bilidade psiquiátrica em cerca de 30% de doentes ac-
A acne, enquanto doença dermatológica crónica, neicos12, altos níveis de ansiedade13 e depressão, isola-
está sujeita aos ditames de todas as doenças cutâneas: da14 ou associada a ansiedade15.
forte impacto no indivíduo que se vê fortemente afec- É assim bem real o impacto da doença na qualidade de
tado no seu estado psicológico, actividades quotidianas vida. De facto, estudos demonstraram que os doentes com

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acne têm compromisso sério nas esferas psicológica, emo-


QUADRO II. Impacto Psicossocial
cional e psicológica, ao nível do verificado em outras doen-
ças como a asma, epilepsia, diabetes e artrite16.
• São habituais a perda de auto-estima e a rejeição social
Todos estes factores (Quadro II) se repercutem ne-
• Elevada prevalência de ideação suicida nos adolescentes
gativamente na adesão ao tratamento (compliance). De
facto, a adicionar às dificuldades inerentes ao trata- • Difícil adesão terapêutica (compliance)
mento das doenças crónicas, há a salientar que, no tra- • Importância da relação médico-doente
tamento dos doentes com acne, subsistem sérias dis-
crepâncias entre as expectativas dos doentes e as dos
médicos e que conceitos erróneos sobre os factores QUADRO III. Mitos e Realidades
etiopatogénicos/agravantes prevalecem entre os doen-
• Efeito pouco significativo da dieta
tes e seus familiares. Esta situação tem repercussões
negativas directas na adesão ao tratamento e na quali- • Surtos na puberdade e pré-menstrual por factores
hormonais
dade da relação médico-doente.
A avaliação do impacto da acne em um determina- • A higiene excessiva é factor de agravamento
do doente é difícil de julgar no plano clínico, já que uma • É controversa a eficácia da exposição solar
significativa disparidade entre a gravidade/extensão da
acne, tal como é clinicamente objectivável e o sofri-
mento psicológico/impacto psicossocial resultante se que a ingestão de alimentos com carga glicémica eleva-
verifica com assinalável frequência16. Impõe-se, pois, da (ricos em cereais refinados e açúcar) conduzem á hi-
um forte investimento na relação médico-doente – as- perinsulinemia, a qual, por sua vez, desencadeia uma
sente numa abordagem não mecanicista, empática, cascata de fenómenos endócrinos que podem estar im-
aberta, atenta e expectante, permitindo ao doente ex- plicados na patogénese da acne18-20. Mais recentemente,
primir as suas dúvidas e angústias de forma explícita ou foi observada uma associação positiva entre o consumo
com recurso à avaliação da qualidade de vida. Tal per- total de leite e seus derivados durante a adolescência e
mitirá o diagnóstico preciso de uma perturbação psi- o desenvolvimento da acne em mulheres jovens21.
quiátrica/psicológica grave bem como a apreciação do Actividade Sexual/Estilo de Vida – As alterações ao
impacto da doença no doente e no seu núcleo familiar. nível das hormonas sexuais próprias da puberdade es-
tão implicadas na patogénese da acne, mas não a prá-
MITOS E REALIDADES tica sexual (Quadro III). O estilo de vida do adolescen-
Na sociedade actual estão amplamente difundidos vá- te (discotecas, poucas horas de sono, falta de activida-
rios conceitos erróneos sobre a acne. Transmitem-se de ao ar livre) é muitas vezes invocado pelos pais como
de pais para filhos, circulam entre amigos e colegas e causa da acne e utilizado para justificar a penalização
são veiculados através de publicações não científicas. destes comportamentos22.
Dieta – De uma maneira geral, a comunidade derma- Período Menstrual – O diâmetro de abertura do fo-
tológica não valoriza a relação entre a acne e alguns ti- lículo pilo-sebáceo diminui dois dias antes do início de
pos de alimentos (Quadro III), como o chocolate, os fru- período menstrual23, condicionando a redução do flu-
tos secos, os fritos e a fast-food. Nos últimos trinta anos, xo do sebo para a superfície, o que pode explicar o agra-
a ausência de estudos científicos credíveis sobre este as- vamento pré-menstrual da acne. Este efeito parece ser
sunto não permite, com segurança, afirmar ou refutar o mais frequente nas mulheres mais velhas (> 33 anos) 24.
efeito da dieta na etiologia ou agravamento da acne. No Stress – A relação causal entre o stress emocional e
entanto, o contraste entre a prevalência desta patologia a acne é invocada desde há longa data. Recentemente,
nas sociedades ocidentais industrializadas comparati- dois estudos mostraram uma correlação fortemente
vamente à das sociedades menos desenvolvidas sugere positiva entre o agravamento da acne e a existência de
que o tipo genérico de dieta pode ser um factor am- níveis elevados de stress durante o período dos exames
biental a considerar17. Adicionalmente, foi demonstrado escolares 25. Por outro lado, demonstrou-se que os

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sebócitos humanos expressam receptores funcionais • Foliculite por Gram-negativos – constituído por
para vários neuromediadores26. pequenas pápulo-pústulas monomorfas, limita-
Higiene e Cosméticos – Ainda persiste a ideia de que das à área da barba, sem sintomatologia geral (ex.
a acne está associada a higiene deficiente. As lavagens bacteriológico positivo para Gram-);
frequentes e intempestivas podem ser traumatizantes • Foliculite estafilocócica – pápulo-pústulas foli-
levando ao agravamento da acne27 (Quadro III) e, no culares, limitadas habitualmente à área da barba,
caso de utilização de retinóides, contribuir para a irri- com maior componente inflamatório, dolorosas
tação cutânea28,29. Os estudos existentes não permitem (ex. bacteriológico positivo para Gram+);
concluir sobre a influência da falta de higiene ou da • Foluculite por fungos – pápulo-pústulas folicula-
utilização de produtos de limpeza específicos na evo- res, por vezes de grande dimensão, predominan-
lução da acne19. A utilização de emolientes está indica- do no mento e lábio superior, habitualmente in-
da nos casos de secura cutânea ou irritação secundária dolores (ex. micológico positivos para fungo);
aos tratamentos tópicos. O recurso a maquilhagem e a • Pseudofoliculite da barba – frequente na raça ne-
técnicas de camuflagem, desde que os produtos sejam gra, caracteriza-se por pápulas, por vezes pústu-
não comedogénicos, não está contra-indicado30,31. las e cicatrizes, com localização preferencial na
Exposição Solar – Apesar de alguns doentes referi- região cervical;
rem melhoria transitória das lesões da acne após ex- • Acne iatrogénica (medicamentosa) – desenca-
posição solar, não existe evidência científica convin- deada por alguns medicamentos (corticóides tó-
cente do benefício da radiação ultra-violeta19 (Quadro picos ou orais, vitamina B12, halogénios, isonia-
III). Esta aparente melhoria pode ser atribuída ao efei- zida e outros), manifesta-se pelo aparecimento,
to placebo ou à camuflagem pelo bronzeamento32. relativamente súbito, de pápulo-pústulas peque-
nas, monomorfas, na face e tronco, raramente
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL acompanhadas de comedões;
Embora a acne seja uma afecção, em regra, de fácil • Dermite peri-oral – pequenas pápulas eritemato-
diagnóstico clínico, as diferentes formas – comedó- sas, por vezes com micropústula, de incidência pre-
nica, pápulo-pustulosa, nódulo-quística – podem, pon- ferencial na região peri-oral, poupando pequena
tualmente, suscitar algumas dificuldades diagnósticas. margem de pele contigua ao vermelhão dos lábios;
Acne comedónica – pode ser necessário efectuar • Rosácea/rosácea esteróide – pequenas pápulo-
diagnóstico diferencial com as seguintes afecções: pústulas inflamatórias, que atingem nariz, regiões
• Milia – caracteriza-se por pequenas pápulas (ta- malares e mento, que surgem sobre fundo erite-
manho de cabeça de alfinete) esbranquiçadas na matoso, telangiectásico, preferencialmente na
face, assintomáticas, de localização peri-ocular; mulher adulta, pré-menopáusica, não se obser-
• Ceratose / Hiperceratose pilar ou folicular – mi- vando comedões.
cropápulas foliculares monomorfas nas faces la- Acne nódulo-quística – esta forma de acne poderá
terais do rosto, frequentemente também na face ser confundida com algumas afecções inflamatórias,
externa dos braços; infecciosas ou não:
• Verrugas planas – pequenas pápulas verrucifor- • Pioderma facial (rosácea fulminante) – é consti-
mes aplanadas de tonalidade amarelo-acasta- tuída por pápulo-pústulas, nódulos e placas in-
nhado dispersas na face; flamatórias edematosas no mento, regiões genia-
• Molusco contagioso – pequenas pápulas disper- nas e fronte, por vezes acompanhado de febre e
sas, com centro umbilicado; mal-estar geral;
• Siringomas – pequenas pápulas lisas da cor da • Infecções várias – furúnculo, abcesso estafilocó-
pele ou discretamente amareladas, localizando-se cico, quisto infectado, quérion de Celso;
preferencialmente nas pálpebras inferiores. • Outras afecções inflamatórias, tais como picada
Acne pápulo-pustulosa – nesta forma de acne há mais de insecto, síndrome Sweet, LE túmido, infiltrado
situações que poderão exigir diagnóstico diferencial: linfocítico de Jessner-Kanoff.

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ESTUDO HORMONAL NA ACNE investigação na sua fisiopatologia e, principalmente, no


Estando a acne sob influência hormonal androgéni- processo inflamatório que lhe dá origem parecem ser a
ca, o estudo hormonal circunstanciado, sobretudo na base de desenvolvimentos futuros muito promissores.
mulher, apenas se justifica em determinadas situações. Grande parte da literatura recente na investigação da
São indicações para se proceder a estudo hormonal: acne é dedicada a ensaios terapêuticos. No entanto,
• Início precoce ou tardio (>20-22 anos); avaliações sobre o rigor metodológico e fiabilidade das
• Início súbito, sobretudo quando é intenso e não medidas clínicas utilizadas nesses estudos são escassos.
há história familiar; As propostas de novas modalidades de determinação
• Acne resistente aos tratamentos convencionais; da gravidade da acne, deverão ser acompanhadas pela
• Acne recidivante; sua validação e fiabilidade em estudos multicêntricos.
• Agravamento pré-menstrual intenso; As entidades reguladoras têm vindo a desenvolver uma
• Existência de alterações hormonais, em especial boa orientação para a mensuração da gravidade da
oligomenorreia e amenorreia (regularidade mens- acne que são clinicamente relevantes e potencialmen-
trual não exclui anomalia adrenal); te universais na sua aplicabilidade. Combinações das
• Menarca tardia (hiperplasia supra-renal); classificações das escalas disponíveis para a gravidade
• Esterilidade (disfunção ovárica); da acne, das cicatrizes e da qualidade de vida, podem,
• Co-existência de alopécia bitemporal ou do ver- em conjunto, fornecer uma aferição mais abrangente
tex; do ónus da acne para o indivíduo doente e ajudar na
• Co-existência de hirsutismo ou de outros sinais de orientação da sua gestão clínica.
virilização.
AGRADECIMENTOS
Os exames complementares que devem ser pedidos
Restantes membros do PAAB (Portuguese Acne Advisory Board) Drs(as). Ana
são os seguintes: Ferreira; Anabela Faria; Armando Baptista; Armando Rozeira, Baptista Ro-
Do 4.o ao 8.o dia do ciclo menstrual: drigues; Fernando Guerra; Jorge Cardoso; Maria de São José Marques; May-
• Testosterona livre e total; er da Silva; Miguel Duarte Reis, Osvaldo Correia.

• D4-Androstenediona; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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a high-protein, low glycemic-load diet versus a conventional, high financeiro ou outro, pessoal ou institucional. O trabalho relatado neste
glycemic-load diet on biochemical parameters associated with acne manuscrito não foi objecto de qualquer tipo de financiamento externo, nem
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(6): 957-60. Aceite para publicação em 03/12/2010

ABSTRACT

EVALUATION AND TREATMENT OF ACNE PATIENTS – PART I: EPIDEMIOLOGY, ETIOPATHOGENY, CLINIC,


CLASSIFICATION, PSYCHOSOCIAL IMPACT, MYTHS AND REALITIES, DIFFERENTIAL DIAGNOSIS AND
LABORATORY STUDIES
The Portuguese Acne Advisory Board (PAAB), a group of Portuguese dermatologists with a special interest in acne, develop,
as other international groups in this field, consensus recommendations for the treatment of acne. Overall, the goal is to pro-
vide a practice guideline to all physicians dealing with this entity. The continuing medical education dossier was divided in two
parts: Part I – etiopathogeny and clinical features; Part II – therapy.
This Part I reviews acne pathophysiology, clinical aspects, psychological and social impact and several myths surrounding
this disease. Some other entities relevant for the differential diagnosis are described. The need of hormonal evaluation is also
discussed.

Keywords: Acne Vulgaris; Physiopathology; Etiology; Classification, Diagnosis.

Rev Port Clin Geral 2011;27:59-65

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