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Avaliação e tratamento do
doente com acne – Parte I:
Epidemiologia, etiopatogenia, clínica,
classificação, impacto psicossocial, mitos e
realidades, diagnóstico diferencial e estudos
complementares
Américo Figueiredo,1 António Massa,2 António Picoto,3 António Pinto Soares,4 Artur Sousa Basto,5 Campos Lopes,6 Carlos Resende,7
Clarisse Rebelo,8 Francisco Menezes Brandão,9 Gabriela Marques Pinto,10 Hugo Schönenberger de Oliveira,11 Manuela Selores,12
Margarida Gonçalo,13 Rui Tavares Bello14
RESUMO
O Portuguese Acne Advisory Board (PAAB), grupo de dermatologistas portugueses que, à semelhança de grupos congéneres
internacionais, tem dedicado particular atenção à definição de linhas de orientação para o tratamento da acne, pretende que
o presente documento constitua uma ferramenta útil na abordagem dos doentes com esta patologia. Elaborou-se um dossier,
para educação médica contínua, subdividido em 2 partes: Parte I – etiopatogenia e clínica; Parte II – abordagem terapêutica.
Nesta Parte I, revêem-se os principais aspectos da clínica e da fisiopatogenia da acne à luz dos conhecimentos actuais. Dis-
cute-se a importância do impacto psicológico e social desta entidade e analisam-se os principais mitos e realidades com ela
relacionados. Descrevem-se, sucintamente, as patologias mais relevantes no diagnóstico diferencial das lesões de acne. Enu-
meram-se as indicações para estudo hormonal, bem como os exames a efectuar nos doentes com esta patologia.
1 9
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Director do Serviço de Dermatologia Especialista em Dermatologia e Venereologia, Director do Serviço de Dermatologia
dos Hospitais da Universidade de Coimbra; Professor de Dermatologia da Faculdade do Hospital Garcia de Orta, Almada,. Serviço de Dermatologia do Hospital Garcia de
Medicina da Universidade de Coimbra. Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Uni- Orta, Almada.
10
versidade de Coimbra. Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduada do
2
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- Hospital de Curry Cabral. Serviço de Dermatologia, Hospital de Curry Cabral, Lisboa
11
gia do Hospital Geral de Santo António, Porto. Clínica Dermatológica Dr. António Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar dos Hospitais da
Massa. Universidade de Coimbra. Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de
3
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Centro de Dermatologia Coimbra.
12
Médico-Cirúrgica de Lisboa. Clínica Dermatológica Privada. Especialista em Dermatologia e Venereologia, Directora do Serviço de Dermatologia
4
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- do Hospital Geral de Santo António, Porto; Presidente do Colégio da Especialidade de
gia do Hospital dos Capuchos. Sequine Clínica Dermatológica. Dermatologia. Centro Hospitalar do Porto – Hospital Geral de Santo António.
5 13
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduada do
gia do Hospital de São Marcos, Braga; Professor da Universidade do Minho. Clínica Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra; Assistente Convi-
Dermatológica Privada. dada de Dermatologia da Faculdade Medicina da Universidade de Coimbra. Serviço de
6
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduado. Hospi- Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Clínica de Dermatologia da
tal da Luz, Lisboa. Faculdade Medicina da Universidade de Coimbra.
7 14
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatolo- Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Convidado do Hospital Mi-
gia do Hospital de São João, Porto. Clínica Dermatológica Privada. litar de Belém e do Hospital dos Lusíadas. Serviço de Dermatologia do Hospital Mili-
8
Especialista em Dermatologia e Venereologia, Chefe de Serviço do Serviço de Dermato- tar de Belém; Unidade de Dermatologia do Hospital dos Lusíadas; Clínica Dermatoló-
logia do Hospital Central de Faro. Serviço de Dermatologia do Hospital Central de Faro. gica Privada
veis pela formação das lesões retencionais – comedões e relações sociais. Concorrem para este facto duas or-
– que constituem a lesão elementar. Estes podem ser fe- dens de factores: de índole interna como a imagem cor-
chados (mal se vislumbrando o poro) – comedão bran- poral e a auto-estima e de índole externa, como o es-
co –, ou abertos – comedão negro. Os comedões cons- tigma e a rejeição sociais de que estes doentes são víti-
tituem a lesão elementar da acne, pois é neles que se mas, fruto de atávicas crenças, mitos e preconceitos
produzem os fenómenos que conduzem à formação que envolvem as doenças cutâneas (impureza, castigo,
das lesões inflamatórias. culpa, moral e conduta desviantes).
A acne não é excepção neste contexto. É considera-
CLÍNICA E CLASSIFICAÇÃO DA ACNE da uma dermatose significante, abrangendo vasto es-
A acne é constituída por um conjunto de lesões, as pectro de manifestações – desde o adolescente genui-
quais, isoladas ou em conjunto, definem o tipo e gravi- namente despreocupado com a sua acne extensa e tra-
dade da acne. zido à consulta por progenitores opinativos e rígidos,
• Comedão – surge em consequência da hipercerato- até ao doente claramente dismorfofóbico, sem auto-
se de retenção no folículo pilo-sebáceo. De início fe- -estima e socialmente recluso de raras e mínimas le-
chado, manifesta-se como pequeno grão miliar, le- sões, que exibe de forma hostil.
vemente saliente na pele sã. Quando o orifício foli- O envolvimento quase universal da face (a área mais
cular se dilata passa a comedão aberto, tomando o visível e a mais investida da função de comunicação não
aspecto de «ponto negro». É a lesão elementar e pri- verbal) acentua a estranheza e a revolta com que o ado-
mária da acne; lescente assiste às transformações do seu corpo e, con-
• Pápula – surge como área de eritema e edema em sequentemente, a fragilidade narcísica própria desta
redor do comedão, com pequenas dimensões (até fase da vida. No plano interpessoal as consequência
3 mm); são por vezes avassaladoras, particularmente se to-
• Pústula (ou «borbulha») – sobrepõe-se à pápula, por marmos em linha de conta que a adolescência se ca-
inflamação da mesma e conteúdo purulento; racteriza pela necessidade de agradar/seduzir a ou-
• Nódulo – tem estrutura idêntica à pápula, mas é de trem, que não apenas os progenitores, mediante a
maiores dimensões, podendo atingir 2 cm; adopção de estratégias de afirmação, em que o físico e
• Quisto – grande comedão que sofre várias rupturas o visual assumem papel predominante.
e recapsulações; globoso, tenso, saliente, com con- Não surpreende pois a elevada prevalência de ideação
teúdo pastoso e caseoso; suicida em adolescentes masculinos e, em particular, em
• Cicatriz – depressão irregular coberta de pele atrófi- doentes acneicos9. Igualmente merece referência que
ca, finamente telangiectásica, resultante da destruição 70% de 4597 doentes acneicos afirmaram ser vítimas de
do folículo pilo-sebáceo por reacção inflamatória. rejeição social10, bem como a maior taxa de insucesso es-
Se bem que a acne seja polimorfa por definição, as- colar quando confrontados com controlos saudáveis11.
sociando os diversos tipos lesionais, é, no entanto, o Estudos efectuados desde os anos 60 não consegui-
predomínio de cada uma das lesões elementares que ram demonstrar nem uma personalidade-tipo nem di-
permite definir 3 tipos básicos de acne: comedónica, pá- ferenças significativas face a grupos de controlos sau-
pulo-pustulosa e nódulo-quística. O número de lesões, dáveis. No entanto, e à semelhança do que ocorre com
a extensão e a gravidade do quadro permitem classifi- a generalidade das doenças crónicas, podem ocorrer
car a acne em ligeira, moderada ou grave, servindo- problemas emocionais ou perturbações psiquiátricas
-nos como base para um algoritmo do seu tratamento. nestes doentes, muitos deles com personalidades e al-
terações pré-mórbidas. Assim foi demonstrada co-mor-
IMPACTO PSICO-SOCIAL DA ACNE bilidade psiquiátrica em cerca de 30% de doentes ac-
A acne, enquanto doença dermatológica crónica, neicos12, altos níveis de ansiedade13 e depressão, isola-
está sujeita aos ditames de todas as doenças cutâneas: da14 ou associada a ansiedade15.
forte impacto no indivíduo que se vê fortemente afec- É assim bem real o impacto da doença na qualidade de
tado no seu estado psicológico, actividades quotidianas vida. De facto, estudos demonstraram que os doentes com
sebócitos humanos expressam receptores funcionais • Foliculite por Gram-negativos – constituído por
para vários neuromediadores26. pequenas pápulo-pústulas monomorfas, limita-
Higiene e Cosméticos – Ainda persiste a ideia de que das à área da barba, sem sintomatologia geral (ex.
a acne está associada a higiene deficiente. As lavagens bacteriológico positivo para Gram-);
frequentes e intempestivas podem ser traumatizantes • Foliculite estafilocócica – pápulo-pústulas foli-
levando ao agravamento da acne27 (Quadro III) e, no culares, limitadas habitualmente à área da barba,
caso de utilização de retinóides, contribuir para a irri- com maior componente inflamatório, dolorosas
tação cutânea28,29. Os estudos existentes não permitem (ex. bacteriológico positivo para Gram+);
concluir sobre a influência da falta de higiene ou da • Foluculite por fungos – pápulo-pústulas folicula-
utilização de produtos de limpeza específicos na evo- res, por vezes de grande dimensão, predominan-
lução da acne19. A utilização de emolientes está indica- do no mento e lábio superior, habitualmente in-
da nos casos de secura cutânea ou irritação secundária dolores (ex. micológico positivos para fungo);
aos tratamentos tópicos. O recurso a maquilhagem e a • Pseudofoliculite da barba – frequente na raça ne-
técnicas de camuflagem, desde que os produtos sejam gra, caracteriza-se por pápulas, por vezes pústu-
não comedogénicos, não está contra-indicado30,31. las e cicatrizes, com localização preferencial na
Exposição Solar – Apesar de alguns doentes referi- região cervical;
rem melhoria transitória das lesões da acne após ex- • Acne iatrogénica (medicamentosa) – desenca-
posição solar, não existe evidência científica convin- deada por alguns medicamentos (corticóides tó-
cente do benefício da radiação ultra-violeta19 (Quadro picos ou orais, vitamina B12, halogénios, isonia-
III). Esta aparente melhoria pode ser atribuída ao efei- zida e outros), manifesta-se pelo aparecimento,
to placebo ou à camuflagem pelo bronzeamento32. relativamente súbito, de pápulo-pústulas peque-
nas, monomorfas, na face e tronco, raramente
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL acompanhadas de comedões;
Embora a acne seja uma afecção, em regra, de fácil • Dermite peri-oral – pequenas pápulas eritemato-
diagnóstico clínico, as diferentes formas – comedó- sas, por vezes com micropústula, de incidência pre-
nica, pápulo-pustulosa, nódulo-quística – podem, pon- ferencial na região peri-oral, poupando pequena
tualmente, suscitar algumas dificuldades diagnósticas. margem de pele contigua ao vermelhão dos lábios;
Acne comedónica – pode ser necessário efectuar • Rosácea/rosácea esteróide – pequenas pápulo-
diagnóstico diferencial com as seguintes afecções: pústulas inflamatórias, que atingem nariz, regiões
• Milia – caracteriza-se por pequenas pápulas (ta- malares e mento, que surgem sobre fundo erite-
manho de cabeça de alfinete) esbranquiçadas na matoso, telangiectásico, preferencialmente na
face, assintomáticas, de localização peri-ocular; mulher adulta, pré-menopáusica, não se obser-
• Ceratose / Hiperceratose pilar ou folicular – mi- vando comedões.
cropápulas foliculares monomorfas nas faces la- Acne nódulo-quística – esta forma de acne poderá
terais do rosto, frequentemente também na face ser confundida com algumas afecções inflamatórias,
externa dos braços; infecciosas ou não:
• Verrugas planas – pequenas pápulas verrucifor- • Pioderma facial (rosácea fulminante) – é consti-
mes aplanadas de tonalidade amarelo-acasta- tuída por pápulo-pústulas, nódulos e placas in-
nhado dispersas na face; flamatórias edematosas no mento, regiões genia-
• Molusco contagioso – pequenas pápulas disper- nas e fronte, por vezes acompanhado de febre e
sas, com centro umbilicado; mal-estar geral;
• Siringomas – pequenas pápulas lisas da cor da • Infecções várias – furúnculo, abcesso estafilocó-
pele ou discretamente amareladas, localizando-se cico, quisto infectado, quérion de Celso;
preferencialmente nas pálpebras inferiores. • Outras afecções inflamatórias, tais como picada
Acne pápulo-pustulosa – nesta forma de acne há mais de insecto, síndrome Sweet, LE túmido, infiltrado
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ABSTRACT