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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DEFESA


CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

LUMA DOS SANTOS PIMENTA MARIATH MORAES

NACIONALISMO ENTRE AS QUATRO LINHAS:


o papel do futebol na formação das identidades nacionais

Rio de Janeiro
2023
LUMA DOS SANTOS PIMENTA MARIATH MORAES

NACIONALISMO ENTRE AS QUATRO LINHAS


o papel do futebol na formação das identidades nacionais

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Instituto de Relações Internacionais e Defesa
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de bacharel em Relações
Internacionais.

Orientador(a): Prof. Carlos Eduardo Martins

Rio de Janeiro
2023
NACIONALISMO ENTRE AS QUATRO LINHAS:

o papel do futebol na formação das identidades nacionais

LUMA DOS SANTOS PIMENTA MARIATH MORAES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora da Universidade Federal


do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de bacharel
em Relações Internacionais.’

Examinado por:

Prof. Dr. Carlos Eduardo Martins


Orientador(a)

Nathana Garcez Portugal


Co-orientadora

Elídio Borges Marques


Avaliador

Rio de Janeiro

2023
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à maior das minhas inspirações, minha mãe Kátia, que durante
vinte e quatro anos não duvidou de mim nem por um segundo sequer. Devo tudo ao seu amor
incondicional, sem você nada disso seria possível. Espero deixá-la orgulhosa.
Ao meu pai Leonardo, pela base sólida que construiu ao meu redor e por sempre me
impulsionar em direção aos meus sonhos. Foram as experiências que você me proporcionou
que me fizeram ousar pensar em um dia chegar até aqui. À minha madrasta Ione, pelos sábios
conselhos e por todo o acolhimento.
Ao meu mais leal companheiro, Rodrigo Mariath, pelos ensinamentos e apoio durante
toda a vida. Tudo faz mais sentido ao seu lado, desde os desafios que enfrentamentos até as
vivências extraordinárias que compartilhamos. Às minhas irmãs, Mayara e Beatriz, que
representam um exemplo de força e uma renovação de esperanças para o futuro.
À minha sobrinha Rebecca, por ter dado sentido a tantas coisas desde que chegou, e aos
meus queridos avós Roberto, Regina e Léa, pelo cuidado e aconchego.
Aos amigos que estiveram ao meu lado durante a jornada, me apoiando nos momentos
difíceis e vibrando comigo nas minhas vitórias, em especial à Ana Júlia, Bernardo, Eduardo,
Isabella, Letícia, Nathana, Paulo, Rebeca e Renato. Àqueles que já fazem parte de quem eu sou
há tanto tempo que representam minha família: Beatriz Baes, Bruna Andrei, Eric Yuzo, Pedro
Henrique e Rillary. Marcos Winícius, você também faz parte dessa conquista e de todas que
vierem daqui pra frente.
À Universidade Federal do Rio de Janeiro, por me formar como internacionalista, mas
sobretudo como ser humano. Saio confiante no poder transformador da educação pública,
gratuita e de qualidade, e reafirmo meu compromisso na missão de que ela seja acessível para
todos. Aqui, aproveito para agradecer a todos os professores que participaram do processo de
formação do meu senso crítico, em especial ao professor Carlos Eduardo, que prontamente
acolheu o tema deste trabalho, ao professor Elídio Marques, à professora Flavia Guerra e ao
professor Patrick Greco, que ainda no ensino médio me instigou a questionar toda a
complexidade das ciências humanas.
À Associação Atlética Acadêmica de Relações Internacionais, ambiente no qual a
paixão pelo esporte, que me acompanhou durante a vida toda, foi de encontro a relações
genuínas que construí. É motivo de orgulho fazer parte de uma história tão bonita.
“100 mil deixaram o estádio depressivos; e
porque uma vitória nesse jogo de futebol é mais
próxima do coração das pessoas do que a captura
de uma cidade no Leste, tal evento deve ser
proibido pelo bem do humor nacional”

Martin Luther, Secretário das Relações Exteriores


do Terceiro Reich, após a derrota da seleção alemã
para a Suécia no dia 20 de setembro de 1942, em
Berlim.
RESUMO

Esta pesquisa se propõe a analisar o papel desempenhado pelo futebol no processo de formação
das identidades nacionais ao explorar as dimensões políticas, econômicas e sociais desse
esporte. Nesse sentido, busca-se sintetizar, tanto em aspectos teóricos gerais quanto em pontos
específicos da história de Argentina, Brasil e Chile, os significados atribuídos ao futebol que o
levaram a ser utilizado como ferramenta por parte dos Estados nacionais. Tendo como base a
Teoria construtivista das Relações Internacionais, os estudos sobre cultura e identidade são
investigados a fim de compreender a relevância do elemento identitário do futebol no contexto
pós-Guerra Fria, marcado pela intensificação do processo de globalização e pelo
estabelecimento de uma nova economia política. Não obstante, os desdobramentos da
mercantilização do jogo são pautados visando problematizar seu afastamento da cultura
popular.

Palavras-chave: Futebol; globalização; identidade nacional; nacionalismo.


ABSTRACT

This research proposes to analyze the role played by football in the formation process of
national identities by exploring the political, economic and social dimensions of this sport. In
this sense, it seeks to synthesize, both in general theoretical aspects and in specific points in the
history of Argentina, Brazil and Chile, the meanings attributed to football that led it to be used
as a tool by the national States. Based on the constructivist Theory of International Relations,
studies of culture and identity are investigated in order to understand the relevance of football's
identity element in the post-Cold War context, marked by the intensification of the globalization
process and the establishment of a new economic policy. Nevertheless, the consequences of the
commercialization of the game are based on the aim of problematizing its detachment from
popular culture.

Keywords: Football; globalization; national Identity; nationalism.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
NAÇÕES E NACIONALISMO.............................................................................................11
1.1 ABORDAGENS TEÓRICAS ............................................................................................ 12
1.1.1 O nacionalismo do pós-Guerra Fria........................................................................... 13
1.2 ENTRE O LOCAL E O GLOBAL: CULTURA E IDENTIDADE NAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS ................................................................................................................ 15
1.2.1 Cultura e identidade nacional na teoria construtivista...............................................16
1.2.2 Cultura, identidade e os interesses dos Estados......................................................... 18

2 FUTEBOL, ESTADO E PODER.......................................................................................19


2.1 A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NACIONAIS................................................... 19
2.1.1 Futebol: uma tradição inventada ............................................................................... 20
2.1.2 O futebol e as comunidades imaginadas ................................................................... 24
2.2 O FUTEBOL COMO FERRAMENTA .............................................................................. 26
2.2.1 Cultural e social ......................................................................................................... 27
2.2.2 Política ....................................................................................................................... 28
2.3 MEMÓRIAS DE CHUMBO: FUTEBOL NOS TEMPOS DE CONDOR ......................... 31
2.3.1 O “país do futebol” ................................................................................................... 33
2.3.2 A propaganda política no Chile ................................................................................ 37
2.3.3 Argentina: a "Mão de Deus” e a mão de ferro.......................................................... 40

3 “FUTEBOL MODERNO” EM CAMPO: PANORAMA E PERSPECTIVAS NA


CONTEMPORANEIDADE...................................................................................................42
3.1 FUTEBOL E NACIONALISMO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO ................................. 42
3.1.1 Nacionalismos, separatismos e a xenofobia .............................................................. 49
3.2 FUTEBOL-NEGÓCIO, IDENTIFICAÇÃO E PERTENCIMENTO ................................. 53
3.3 A NOVA ECONOMIA POLÍTICA DO FUTEBOL ......................................................... .55

CONCLUSÃO.........................................................................................................................58
REFERÊNCIAS......................................................................................................................59
10

INTRODUÇÃO

O século XX suscitou mudanças significativas no âmbito das relações internacionais,


o que culminou na inserção de novos temas, agendas e atores e na interdependência entre eles.
Ao fim do conflito bipolar que caracterizou o sistema internacional no Pós-Segunda Guerra, a
estrutura construída pelos Estados Unidos – que engloba a globalização – possibilitou o
fortalecimento de novos atores que iriam contribuir para relativizar sua capacidade econômica
e cultural, ameaçando a hegemonia norte-americana fruto da vitória sobre a União Soviética.
Nesse contexto, a ascensão chinesa evidenciou a mudança do centro da economia mundial do
Ocidente para o Oriente, enquanto países como Brasil, África do Sul e Índia também
conquistaram espaço no cenário político internacional.
A descentralização do poder de influência em conjunto com a conscientização geral
em relação aos problemas globais, produto do maior contato entre as sociedades, estimulou uma
maior pluralidade de atores no Sistema Internacional (SI). Instituições internacionais, empresas
transnacionais, ONGs e outros membros de Organizações da Sociedade Civil passaram a
desempenhar papel importante no sentido de pressionar os Estados nacionais. Com a revolução
tecnológica e dos meios de comunicação, a rápida difusão de ideias possibilitou mobilizações
reivindicando a contestação do status quo internacional.
É nesse sentido que a comunidade esportiva utiliza seus palcos para apresentar sua
mensagem e deixa de ser um veículo que representa apenas o eco das ações e relações políticas
para se transformar no lugar em que elas se manifestam. Uma competição, uma partida, uma
vitória ou um simples gesto passam a ter relevante impacto internacional, como já visto
anteriormente em edições dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo de Futebol. Bons exemplos
do supracitado são a vitória do Irã sobre os Estados Unidos no chamado “Jogo da Paz” na Copa
do Mundo da França em 1998 e o banimento a África do Sul das olimpíadas em decorrência da
manutenção do regime de Apartheid no país.
Diante do exposto, o futebol, esporte mais popular do mundo por quase não encontrar
resistência à sua adesão pelas diversas culturas existentes, adaptar-se a elas e tornar-se central
no imaginário da comunidade, constitui um importante campo de estudo das relações
internacionais. Em função da sua popularidade e da sua capacidade de mobilizar grandes
massas, o futebol passou a assumir relevância política ao interagir com a globalização,
conquistando novos mercados como o Leste Asiático, e ao refletir as características de maior
11

integração regional da nova conjuntura internacional. Como destacado por Hobsbawm (2007),
o futebol é a atividade pública que demonstra enfaticamente a dialética entre a globalização, a
identidade nacional e a xenofobia. Sua natureza, ambígua entre a espetacularização do esporte
e um espaço de manifestação da cultura e da identidade nacional, ajuda a explicar a
complexidade da relação entre a homogeneização da cultura a nível mundial e a manutenção
dos vínculos nacionais coletivos.
O presente estudo procurará, então, analisar os significados atribuídos ao futebol que
o fizeram se consolidar como um dos principais elementos de identificação nacional no pós-
Guerra Fria, sendo utilizado como ferramenta política por parte dos Estados nacionais – em
especial os regimes autoritários, que buscavam legitimação. Nesse sentido, ao se aprofundar
nas visões acerca do nacionalismo e nos conceitos de comunidade imaginada e tradição
inventada, a pesquisa busca explorar as características do futebol enquanto prática cultural
reforçada ao longo da história em diferentes partes do mundo a fim de investigar sua capacidade
de resistir ao processo de homogeneização da cultura no contexto da globalização.
Por fim, o terceiro capítulo terá como foco a modernização do futebol no âmbito da
globalização, uma vez que, conforme Giulianotti e Robertson (2006), não seria correto pensar
o futebol como um fenômeno sobre o qual a globalização tem atuado. Na verdade, esse esporte
interage de forma dinâmica com esse processo, criando uma interdependência. Partindo desse
princípio, as relações entre clubes e jogadores são criticadas sob uma visão marxista a respeito
das relações sociais de trabalho, considerando a mercantilização do futebol orientada pela
lógica neoliberal.

1 NAÇÕES E NACIONALISMO

Este capítulo busca estabelecer o marco teórico que servirá como base para a análise
crítica das relações entre futebol e as identidades nacionais. Na primeira seção, serão abordados
os conceitos de nação e nacionalismo sob diferentes perspectivas para, posteriormente, explorar
de que forma o futebol influencia e é influenciado por esses fenômenos. Serão elencadas as
transformações que impactaram as novas formas de nacionalismo no pós-guerra, enquanto na
segunda seção, os estudos sobre cultura e identidade nas relações internacionais são
12

investigados a partir da virada de correntes teóricas da disciplina visando compreender a


relevância das práticas culturais como parte da identidade e das ações dos Estados nacionais.

1.1 ABORDAGENS TEÓRICAS

Tendo em vista o caráter subjetivo dos conceitos de nação e nacionalismo, a


complexidade em defini-los atravessa diferentes perspectivas de estudiosos multidisciplinares.
Para Stuart Hall, Eric Hobsbawm, Ernest Gellner e Benedict Anderson, a nação é uma
construção que não está fundada em questões genéticas. Anderson (2008, p.32-33), por
exemplo, a descreve como uma comunidade política imaginada, pois os indivíduos cultuam um
senso de comunhão e pertencimento à nação ainda que não conheçam todos os membros que a
compõem.
Nesse sentido, a nação seria uma comunidade sustentada no imaginário das pessoas e
não uma realidade objetiva. O autor contribuiu significativamente para o debate ao cunhar esse
termo, assim como chamou atenção para as fronteiras finitas que se relacionam com a ideia de
soberania nacional (ANDERSON, 2008).
Para fins deste trabalho, será adotada a definição de Guibernau (1997) a respeito de
nação e de Breuilly (2008) sobre nacionalismo, além do conceito de comunidade imaginada
proposto por Anderson (1989). Guibernau (1997) entende a nação como um grupo consciente
capaz de formar uma comunidade, ligado a um território demarcado e que possui tanto um
passado e um projeto comuns, assim como a exigência do direito de se governar. Por
nacionalismo, a autora o associa ao sentimento de pertencer a uma comunidade cujos membros
se identificam com um conjunto de símbolos, crenças e estilos de vida, e têm vontade de decidir
sobre seu destino político comum (1997, p.56-57). Por sua vez, Ernest Gellner (1993, p.11)
entende esse conceito como “(...) um princípio político que defende que a unidade nacional e a
unidade política devem corresponder uma à outra”.
Para Breuilly (2008), o nacionalismo é uma autodeterminação nacional tida como
necessária no contexto em que o foco das nações está em lealdade e o mundo testemunha a
modernização política. O nacionalismo seria, nesse caso, o principal elemento da modernidade,
fazendo com que seja necessário analisar as transformações da sociedade em conjunto com as
teorias da comunicação social para entender os discursos que o sustentam. Ao classificar o
13

nacionalismo através dos pontos de vista da doutrina, da política e dos sentimentos, o autor
propõe uma alternativa às abordagens primordialista, funcionalista e narrativa.
Sob o ponto de vista da doutrina, o nacionalismo poderia ser cívico ou étnico. A
abordagem primordialista, de Anthony Smith, compreende que a etnia é responsável pela
unidade cultural de um grupo com descendência comum, condicionando a origem da nação à
origem da etnia e dando foco na importância da narrativa histórica para a construção dessas
noções ao longo do tempo. Por outro lado, o nacionalismo cívico representa o compromisso
dos indivíduos com o Estado e seus valores, o que a abordagem funcionalista enxerga como um
elemento do mundo contemporâneo em função do enfraquecimento de aspectos como dinastia
e religião (BREUILLY, 2008).
O nacionalismo enquanto sentimento também pode diferir entre de elite ou de massas,
a depender do grupo com maior identificação. Essa definição, o processo de identificação com
o projeto de nacionalismo, relaciona-se com os interesses a que servirá. Por isso, do ponto de
vista da política, o nacionalismo pode significar tanto o fortalecimento como a subversão do
Estado, com objetivos distintos de assegurar uma legitimidade interna e externamente ou criar
um novo Estado, como é o caso dos movimentos separatistas que reivindicam a dissociação de
um Estado maior (BREUILLY, 2008). Por fim, a abordagem narrativa entende que
nacionalismo foi um dos rumos tomados pela história, partindo do princípio que o tempo corre
em um sentido linear e que ambos convergiram em determinado ponto.
Breuilly (2000) se afasta dessas abordagens pois sua análise concentra-se no papel da
modernidade na ascensão do nacionalismo, enfatizando a necessidade da existência do primeiro
para propagação do segundo. Para o autor, o nacionalismo teria sido construído a partir da
necessidade de fidelidade a uma nação para que essa alcance sua busca por poder político
através de estruturas de dimensão política, jurídica e econômica (BREUILLY, 2000). Ou seja,
a própria modernização política com a globalização teria imposto às nações o desafio de
controle daqueles que a compõem por meio da criação de uma unidade identitária.

1.1.1 O nacionalismo do pós-Guerra Fria

Segundo Breuilly (2008), o nacionalismo atual estaria mais relacionado a uma busca
por reconhecimento cultural, uma ação afirmativa, do que por independência política. No
período pós-guerra, a fragmentação de Estados de composição multiétnica fez ascender
14

manifestações nacionalistas que, em alguns casos, culminaram em conflitos armados. Com


destaque para a região do Cáucaso e do processo de fragmentação da antiga Iugoslávia, além
dos conflitos étnicos no continente africano, esses casos exemplificam movimentos de
subversão do Estado, do ponto de vista da política, e de nacionalismo étnico, do ponto de vista
da doutrina.
Em paralelo, a década de 90 também testemunhou a integração regional ao redor do
mundo por meio da consolidação de blocos políticos e econômicos, uma vez que a
regionalização representa um processo inerente à globalização (VIZENTINI, 2005). Discursos
como o de livre-cambismo ganharam força no SI e as integrações supranacionais serviram como
uma medida de protecionismo nacional de projeção regional, buscando resguardar o Estado
diante da crescente concorrência internacional (VIZENTINI, 2005). Contudo, para além do viés
econômico, esses processos costumam enfrentar o obstáculo da falta de uma identidade coletiva
que seja capaz de refletir consenso na relação política entre países de um mesmo bloco.
No caso da União Europeia, por exemplo, é possível perceber a ausência de um
sentimento transnacional no continente, traduzida em grandes abstenções nas eleições para o
parlamento europeu e recorrentes dificuldades impostas pelos próprios Estados ao processo –
tal qual o referendo irlandês de 2009 que não sucedeu em ratificar o Tratado de Lisboa. Na
Ásia, as disputas nacionais são uma barreira ao processo de integração regional de um dos polos
mais relevantes da economia mundial.
Outro processo que marcou o período do pós-Guerra Fria foi a globalização, que ao
intensificar as relações entre países, produziu uma percepção de que a sociedade internacional
estaria caminhando no sentido de uma cultura homogênea. Entretanto, conforme aponta
Guibernau (1997), a criação de uma identidade global representaria diversas dificuldades
ligadas à continuidade no tempo e à diferenciação em relação ao outro. Dado que uma
identidade nacional está condicionada a um passado comum responsável pela formação de uma
consciência coletiva e do sentimento de solidariedade, uma identidade a nível global enfrentaria
barreiras materiais para consolidar-se.
Ademais, a existência do outro constitui o aspecto mais importante para que suceda a
diferenciação em relação aos outros, e essa não existiria em um contexto de identidade
homogênea, global. Nota-se, ainda, que a globalização agiu no sentido contrário de produzir
uma homogeneização mundial, pois o encurtamento de distâncias e a revolução tecnológica que
15

permite o maior fluxo de informação causaram uma maior percepção da existência do outro
(GUIBERNAU, 1997).
Dessa forma, é possível afirmar o nacionalismo enquanto uma resposta à sensação de
fragmentação produzida pela globalização. Antes, a principal estratégia para a preservação seria
o isolamento (GUIBERNAU, 1997), logo, como isso não é mais uma possibilidade, as tradições
continuam a ser perpetuadas com o objetivo de estabelecer uma continuidade no tempo e uma
diferenciação necessária.
Ainda, conforme será analisado mais a fundo no terceiro capítulo, pode-se acrescentar
a questão da mobilidade humana como outro aspecto influenciando as tensões do nacionalismo
no mundo moderno. Isso porque a diferenciação entre “nós” e “eles” é supostamente ameaçada
pela presença de migrantes, o que reflete um aumento de casos de xenofobia e racismo
principalmente em países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Como aponta Hobsbawm
(2007), os países europeus que foram berço do nacionalismo – a partir de confrontos que
visavam estabelecer etnias homogêneas – recentemente testemunham uma miscigenação étnica
produto das transformações socioeconômicas globais.

1.2 ENTRE O LOCAL E O GLOBAL: CULTURA E IDENTIDADE NAS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS

Stuart Hall (2003, p.68-69) aponta que a globalização provocou o desenvolvimento de


outros tipos de pertencimento tanto acima quanto abaixo do Estado, logo, uma nova articulação
entre o “global” e o local” foi estabelecida. O autor determina que as culturas nacionais são
compostas não só por instituições, mas por símbolos e representações que atribuem sentido a
um conjunto de ações que categorizam um grupo.
Seguindo uma lógica semelhante, para Pierre Bourdieu (2003), a formação da
identidade se dá a partir do que ele chama de habitus. A interiorização de percepções
homogêneas por um grupo de pessoas influenciaria as ações delas ao mesmo tempo em que
essas ações estariam influenciando o estabelecimento de uma cultura, numa ponte entre passado
e futuro. Ou seja, cada grupo possuiria um habitus de classe ou cultura único mediando estrutura
e indivíduos, os impulsionando a agir de uma determinada maneira e, consequentemente,
diferenciando-os dos “outros” (BORDIEU, 2003).
16

Assim como a cultura, Bourdieu (2004) também identifica a fronteira como elemento
importante para as RIs: “(...) esse produto de um ato jurídico de delimitação, produz a diferença
cultural do mesmo modo em que é produto desta (...)”. Enquanto a fronteira é resultado da
imposição daqueles que têm maior autoridade, muitas vezes estabelecida a partir de conflitos,
a cultura, do seu ponto de vista, tem como objetivo incitar um senso comum identitário pela
repetição de certas práticas. Com a influência da cultura no imaginário coletivo, ela torna-se,
portanto, de extrema importância para o Estado-nação, que se utiliza do sentimento de coesão
social para exercer poder político.
Nesse sentido, Gellner (1998, p.62) afirma que “(o Estado) é um protetor da cultura, a
cultura é o simbolismo e a legitimação do Estado”. Estima-se que cada país represente uma
cultura própria em função de antecedentes históricos e que o senso de identificação produza
uma comunidade simbólica, que se identifica entre si. Em uma relação de interdependência, a
identidade nacional constitui uma nova forma de identificação tanto individual como coletiva
que cultiva a lealdade daqueles que compartilham uma mesma cultura.
O aspecto cultural, portanto, exerce grande influência nas ideias, concepções e ações
do respectivo Estado nacional, contribuindo para o processo de formação da identidade.
Conforme aponta Hall (2003), a cultura nacional não se trata de algo natural, mas é
constantemente transformada pela representação da imagem da nação:

As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais


podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas
estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com
seu passado e imagens que dela são construídas. (HALL, 2003 p.51).

Ainda que os processos de comunicação inerentes à globalização tenham


proporcionado a possibilidade de lealdade a identidades não necessariamente vinculadas a uma
nação, isso não significou uma superação do modelo do Estado-nação e nem da ideia de
identidade nacional. Com a divisão do sistema internacional moderno em vários Estados, é
característica a diferenciação em grupos que partilham uma mesma cultura e estão separadas
por fronteiras físicas ou subjetivas.

1.2.1 Cultura e identidade nacional na teoria construtivista


17

Para que se resgaste a trajetória dos estudos de cultura e identidade no campo das
Relações Internacionais, é imprescindível olhar para o caminho aberto pelo pós-positivismo,
presente no chamado Terceiro Debate em RI. Responsável por desafiar e criticar o pensamento
hegemônico das teorias anteriores que não consideravam dimensões sociais em suas análises
dos fenômenos internacionais, essa virada trouxe consigo a possibilidade de diálogo com as
demais ciências sociais, de forma a questionar estruturas estatais e institucionais do Sistema
Internacional.
As perspectivas construtivistas afastaram-se das teorias realistas e liberais, tidas como
mainstream das RIs, ao adotarem uma epistemologia que posiciona as ideias e valores no centro
da categoria de análise. Para tal, essas abordagens rejeitaram a noção de que o conhecimento é
objetivo e utilizaram-se do questionamento sobre as estruturas sociais. Como bem aponta Mark
A. Neufeld (1995), toda verdade seria uma construção discursiva, ou seja, nenhum
conhecimento ou realidade estaria livre da influência de ideias e percepções.
Diferente do realismo e do liberalismo, que se referem a poder, interesse e até mesmo
a instituições como fatores “materiais”, o construtivismo costuma dar espaço maior para as
questões culturais e de identidade, uma vez que entende o mundo a partir das construções
sociais (WENDT, 1999). Inspirado na teoria da estruturação de Giddens, Alexander Wendt, um
dos principais teóricos construtivistas, passou a questionar as percepções de Keneth Waltz sobre
as relações entre agentes e estrutura. Para o autor, ambos constituem um processo contínuo de
influência mútua, o que significa que o interesse nacional é moldado pelas mudanças na
identidade do Estado.
Wendt (1999, p.139-190) argumenta que a estrutura possui três elementos: condições
materiais, interesses e ideias, como fatores que seriam interdependentes. Portanto, é justamente
a noção de que a estrutura é socialmente construída que permite pensar mudanças a partir de
uma transformação estrutural, e por isso as teorias que consideram apenas um dos elementos
não são capazes de determinar o comportamento dos agentes, seus interesses e sua identidade.
No entanto, Frederico Merke (2008) entende a análise de Wendt como um
“construtivismo sistêmico” devido à falta de problematização da identidade estatal. Uma vez
que o autor aponta os interesses do Estado como influenciados diretamente pela sua identidade,
para Merke (2008), o autor falhou em não discutir o processo de formação dessas identidades.
Por um lado, a teoria construtivista de Wendt permite compreender o comportamento do Estado
no que tange a sua política externa, pelo outro, não trata das questões domésticas.
18

No que diz respeito à identidade, a teoria construtivista a entende como responsável


por ditar interesses e ações dos Estados, que além de reproduzirem suas próprias identidades
através de práticas sociais, procuram compreender os outros a partir da identidade que atribui a
eles (HOPFT, 2000). Uma vez que as identidades variam de acordo com contextos históricos,
políticos e sociais, os interesses ou a ausência deles estão condicionados à uma identidade
construída socialmente e amplamente reproduzida. Portanto, as identidades são variáveis, e da
mesma forma que o Estado não controla a natureza subjetiva que atribui significados às suas
ações, ele não é capaz de controlar a identidade lhe atribuem.

1.2.2 Cultura, identidade e os interesses dos Estados

A identidade torna-se, portanto, elemento importante para entender a diferenciação


como parte do que influencia a ação dos Estados nacionais. Se a cultura ajuda a determinar a
identidade dos atores, a identidade, por sua vez, dita os interesses por trás da política de cada
país. Para Campbell (1998, p.9), a identidade é construída a partir da diferença: “[...] identity is
constructed in relation to difference. [...] Difference is constituted in relation to identity”.
O autor argumenta que a identidade é a base de legitimação do Estado, determinando
o que está “dentro” e o que está “fora” (CAMPBELL, 1998, p.10-11). Não obstante, o discurso
seria o responsável por fazer com que a política reproduza a identidade nacional a partir desses
modelos de exclusão que determinam o que faz parte ou não da cultura de um país. Em uma
relação de influência mútua, a política externa dos Estados assume um sentido baseada nos
princípios daquela sociedade (CAMPBELL, 1998).
De acordo com Merke (2008, p.48-50), essa relação é evidenciada pelo vínculo entre
as normas e valores que um Estado estabelece através da sua cultura e suas ações diante de uma
determinada interação. Sendo assim, seu comportamento está condicionado às representações
dos assuntos que busca abordar – como outros países, crises ou ameaças – e de si próprio diante
dos seus interesses (MERKE, 2008).
Muitas vezes, a identidade constitui uma ferramenta de interpretação da realidade,
pois as estruturas discursivas servem para reafirmá-la tomando como base um passado em
comum. No caso dos Estados nacionais, elas determinam ações e dão sentido a elas. Segundo
Ronald L. Jeppenson, Alexander Wendt e Peter J. Katzenstein (1996), a cultura e a identidade
19

são importantes na determinação do comportamento dos Estados pois moldam os interesses e a


políticas estatais, sendo capazes capaz de impactar a estrutura normativa interestatal.
Entretanto, essa não seria uma via de mão única, dado que o contexto social também
influencia a manutenção das identidades (JEPPENSON; KATZENSTEIN; WENDT, 1996). As
interações dos atores com o contexto que os cercam são de extrema importância para entender,
por exemplo, a sua projeção na política externa. Para Federico Merke (2008, p.47), a identidade
enquanto construção coletiva ajuda a entender as alternativas possíveis – ou não – de ação a
partir das representações do passado e de uma visão de mundo do Estado.

2 FUTEBOL, ESTADO E PODER

Apesar das relações entre futebol e sociedade já serem amplamente analisadas a partir
da ótica das ciências sociais, sobretudo da antropologia, a produção em Relações Internacionais
ainda é limitada e subestimada. Os teóricos da disciplina muitas vezes ignoram a relevância das
práticas sociais subnacionais no comportamento dos Estados e nas suas interações dentro do
sistema internacional. Nesse sentido, este capítulo utilizará das ideias de invenção das tradições,
de Hobsbawm, e de comunidades imaginadas, de Benedict Anderson, para expor o papel
desempenhado pelo futebol na formação das identidades nacionais e a sua importância enquanto
ferramenta cultural/social, política e econômica. Para fins de compreender as motivações por
trás da apropriação estatal do esporte, a história dos regimes autoritários no Brasil, Chile e
Argentina é revisitada.

2.1 A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NACIONAIS

O futebol enquanto prática desportiva é, inegavelmente, a mais popularizada do mundo.


Atualmente, a Federação Internacional de Futebol (FIFA) possui 208 países ou territórios
associados, um número superior ao de integrantes da Organização das Nações Unidas e do
Comitê Olímpico Internacional (COI), que possuem 193 e 205 membros, respectivamente.
Ainda que não possua o mesmo significado para todos os povos, esse esporte é amplamente
praticado e constitui um elemento cultural envolvido na construção e manutenção das
identidades nacionais.
20

Segundo Eric Hobsbawm (2004, p.170-171), no período entre guerras o futebol passou
a assumir o papel de espetáculo de massas que refletia os atritos dos Estados-nação em forma
de rivalidade esportiva. Tendo em vista a necessidade de existência do “outro” para que a
rivalidade se sustente, os jogadores em campo passaram a representar uma expressão da causa
nacional e um meio de identificação com o próprio país:
A imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze
pessoas com nome. O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio
símbolo de sua nação. (HOBSBAWM, 2004, p.171)

Nesse sentido, é comum que as rivalidades no âmbito do futebol reflitam conflitos que
acontecem fora das quatro linhas, como será visto mais a fundo no último capítulo. Um exemplo
é o caso da Alemanha e da Inglaterra, que sustentam uma rivalidade baseada em guerras
históricas travadas entre as duas nações. Quando enfrentando uma à outra enquanto rivais
esportivos, ambas as mídias nacionais reforçam a representação de um jogo como “batalha” e
incitam questões históricas na tentativa de cultuar um sentimento nacionalista por parte dos
indivíduos (MAGUIRE; BURROWS, 2005). Uma parte da torcida da Inglaterra, por exemplo,
possui um cântico que diz: “Duas Guerras Mundiais e uma Copa do Mundo”, fazendo referência
ao título mundial de 1966, quando a seleção nacional inglesa venceu a Alemanha na final pelo
placar de 4x2.
Portanto, o esporte, mas sobretudo o futebol, assume um papel importante enquanto
veículo do sentimento nacionalista, tornando-se um palco para as expressões do sentimento de
identificação nacional e cultural na forma de um time. Os eventos esportivos mundiais, como a
Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, servem como “propaganda” da nação e estabelecem
noções identitárias sobre um país diante dos demais, refletindo as diferenças entre “nós” e os
“outros” através da rivalidade.

2.1.1 Futebol: uma tradição inventada

Dadas as relações entre futebol e identidade no estabelecimento de uma cultura nacional,


Hobsbawm (1984) define as tradições inventadas como um conjunto de práticas, de natureza
ritual ou simbólica, que visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da
repetição, na tentativa de construir uma continuidade em relação ao passado. O termo possui
sentido amplo e refere-se a tradições que podem ser realmente inventadas, construídas e
21

formalmente institucionalizadas ou podem possuir origens mais complexas de serem mapeadas


dentro de um período determinado. Contudo, a relação de continuidade foi facilitada pela
estabilização das línguas vernáculas, vinculando o presente e o passado na intenção de
promover uma memória coletiva.
É essa memória que produz a sensação de pertencimento, juntamente aos símbolos que
reforçam tradições ao longo do tempo. Assim como a linguagem em comum, estruturas como
o sistema educacional e os meios de comunicação foram fundamentais para a disseminação do
nacionalismo moderno. No entanto, essas ferramentas se caracterizavam como tradições
inventadas pelas elites governantes, que buscavam garantir o controle social (HOBSBAWN,
1984). O futebol, entretanto, obteve o significado de vinculação coletiva após a sua difusão
entre camadas populares, o caracterizando como tradição inventada de baixo para cima.
Disseminado pela classe trabalhadora e aproximando-se do povo através dos meios de
comunicação nacionais, que passaram a contar com narração esportiva, o futebol constituiu uma
ferramenta de coesão social através da identificação com uma seleção e em substituição à figura
de uma família real, da igreja, entre outras. Hobsbawm (1984) aponta que o futebol assumiu o
status de “culto proletário de massa” ao reforçar identidades a partir de práticas recorrentes:

Entre meados da década de 1870, no mínimo, e meados ou fins da década de 1880, o


futebol adquiriu todas as características institucionais e rituais com que estamos
familiarizados: o profissionalismo, a Confederação, a Taça, que leva anualmente em
peregrinação os fiéis à capital para fazerem manifestações proletárias triunfantes, o
público nos estádios todos os sábados para a partida do costume, os “torcedores” e sua
cultura, a rivalidade ritual, normalmente entre facções de uma cidade ou conurbação
industrial (HOBSBAWM, 1984, p.296).

Tomando como base o conceito de comunidades imaginadas de Anderson, Taylor


(2004) afirma que as comunidades estão inseridas numa esfera abstrata a partir de mitos e
dramas, histórias de heróis e vilões e das experiencias coletivas contrastantes de alegria e de
dor, como ocorre em um jogo de futebol (TAYLOR, 2004).
É possível enxergar isso na arena do futebol na medida em que a cultura desse esporte
envolve o cultuo de símbolos sagrados, como bandeiras, hinos e, sobretudo, a seleção nacional.
Tais ícones assumem a forma de símbolos, enquanto os rituais e as práticas coletivas, na forma
de competições internacionais periódicas, conferem uma realidade palpável à comunidade. No
22

Japão, por exemplo, os jogos do time nacional tornaram-se fundamentais para a disseminação
dos ícones sagrados. Antes do país adotar a bandeira hinomaru e o hino kimigayo como
símbolos nacionais em agosto de 1999, os torcedores japoneses já cantavam o hino e
balançavam as bandeiras nos estádios (HOBSBAWM, 1990; HORNE; MANZENREITER,
2002).
Outro exemplo da relevância da equipe nacional como sagrada formadora de tradições
é a seleção inglesa. No futebol, as nações inglesa, escocesa, galesa e norte-irlandesa são
representadas individualmente, o que não corre nos Jogos Olímpicos, quando todas se unem
sobre a denominação de Grã-Bretanha, e na ONU, onde todas representam em conjunto o Reino
Unido. Assim, a seleção de futebol é uma das poucas instituições que ainda mantém uma
nacionalidade inglesa distinta.
Goldblatt (2006) aponta que por ocasião da Copa do Mundo de 1966 na Inglaterra, quase
nenhuma bandeira de São Jorge (Inglaterra) era vista nas arquibancadas, à medida que a
bandeira do Reino Unido era vastamente utilizada. Porém, a partir da Eurocopa de 1996 que
ocorreu na Inglaterra e do processo gradual que concedeu maior autonomia às outras nações do
Reino Unido, os jogos da seleção nacional consolidaram-se como a primeira expressão pública
do renascimento do nacionalismo inglês, contando com diversas bandeiras de São Jorge
(GOLDBLATT, 2006; HOBSBAWM, 2007; ROBINSON, 2008).
O significado social atribuído ao futebol por meio da função de identificação coletiva
de pessoas de status equiparado acompanhou o processo de difusão desse esporte. Além da
popularização por meio da possibilidade de remuneração, e posteriormente a aceitação de
equipes de origem popular em ligas profissionais, outros três fatores inerentes ao futebol são
essenciais para entender a propagação desse esporte nas classes mais baixas: a
imprevisibilidade, o acesso democrático e o funcionamento do jogo (WISNIK, 2008).
Segundo Wisnik (2008), devido ao fato de o futebol ser jogado sobre a grama e a céu
aberto, as condições naturais para sua realização constituem um importante elemento no que
tange a imprevisibilidade do jogo. Nesse mesmo sentido, por ser jogado com pés, uma das
partes menos flexíveis do corpo humano, a posse de bola é altamente transitória em relação aos
esportes manuais. As dificuldades impostas pelo terreno e pelo clima adverso, em conjunto com
o frágil controle da bola, conferem uma enorme gama de possibilidades ao jogo de futebol,
fazendo com que o time considerado inferior possa surpreender (WISNIK, 2008).
23

Além disso, a simplicidade e a democraticidade também contribuem para a adoção do


futebol ao redor do mundo. De acordo com Murray (2000), o futebol é um jogo de fácil
organização, uma vez que pode ser praticado nas mais irregulares superfícies com os mais
simples materiais. Ainda, não há regra fixa para número de jogadores ou espaço requerido numa
partida amadora. Goldblatt (2006) defende que o futebol é fácil de compreender e é democrático
pela facilidade para a sua realização a partir da posse de apenas uma bola, que pode ser
substituída por algum objeto minimamente semelhante.
A expansão da cultura futebolística para o mundo se estabeleceu a partir da posição
imperial britânica, mas não foi produto de uma estratégia calculada. No resto do continente
europeu, os esportes na sua forma moderna eram importados de forma consciente, em termos
de valores sociais e de estilos de vida, da Grã-Bretanha, em maior parte por aqueles que eram
influenciados pelo sistema educacional da alta classe. Mas foram, sobretudo, as conexões
comerciais do império que proporcionaram a disseminação do jogo mundialmente. Na Europa
continental, na África, na Ásia e na América do Sul, operários, ferroviários e imigrantes tiveram
papel relevante na expansão do futebol (GIULIANOTTI, 1999; HOBSBAWM, 1984).
Todavia, o futebol enfrentou forte oposição nos lugares em que as ligações militares do
império foram mais profundas. Por ser reconhecido como um esporte da metrópole, o futebol
tendeu a ser altamente marginalizado nos povos colonizados. Na Índia, por exemplo, esse
esporte ainda é basicamente amador. Em outros lugares do mundo, surgiram adaptações do
futebol no intuito de fazer com que esses esportes fossem identificados como nacionais, como
no caso do futebol gaélico na Irlanda. A Gaelic Athletic Association (GAA), associação
responsável por organizar os jogos, ameaçou seus membros de expulsão caso eles jogassem o
esporte colonial.
A difusão internacional do futebol durante o final do século XIX e o começo do século
XX se deu quando boa parte das nações europeias e latino-americanas estava negociando as
suas fronteiras e formulando as suas respectivas identidades. A codificação do futebol no ano
de 1863 permitiu que as práticas futebolísticas fossem libertadas das influências locais e
regionais, o que ajudou a construir uma cultura futebolística globalizada (DAMO, 2005).
Assim, as nações modernas necessitavam de novas maneiras para unificar as pessoas como uma
comunidade imaginada (GIULIANOTTI, 1999).
24

2.1.2 O futebol e as comunidades imaginadas

Enquanto esporte de massa, portanto, o futebol contribuiu para a constituição e


fortalecimento da “comunidade imaginada” em plena pós-modernidade (ANDERSON, 2008,
p. 32-33). O autor define o termo como sendo uma comunidade abstrata constituída no
imaginário dos indivíduos que fazem parte de uma nação, uma vez que seria impossível todos
se conhecerem entre si. Ainda assim, um time de futebol é capaz de representar um laço de
solidariedade e um sentimento de comunhão entre milhares de pessoas que partilham a paixão
pela seleção nacional do seu país.
Para alguns países africanos e asiáticos, a existência de uma seleção nacional de futebol
cumpre o papel de estabelecer uma identidade nacional independente das identidades locais
tribais ou religiosas (HOBSBAWM, 2007). Em 2007, a conquista da Copa da Ásia pelo Iraque
com uma seleção que representava as diversidades culturais e étnicas do país – com a presença
de curdos, xiitas, sunitas e turcomanos – levou milhares de pessoas a comemorarem a vitória
nacional por todo o território. Da mesma forma foi o impacto da vitória espanhola na Eurocopa
de 2008, que contribuiu para tornar mais palpável a comunidade imaginada da Espanha.
Na Coréia do Sul, por sua vez, existe uma discussão que perdura acerca do que vem ser
a nação. A maior parte da opinião pública considera que as partes norte e sul possuem um
passado e uma cultura em comum. Ao oferecer que a Coréia do Norte sediasse alguns jogos da
Copa de 2002, o governo sul-coreano teve a sua proposta recusada (HORNE;
MANZENREITER, 2002; TAYLOR, 2004). Apesar disso, e independente da forte censura do
Estado norte-coreano, notícias referentes à copa chegavam no país por meio de transmissões
ilegais e pela própria televisão estatal, que adotou a medida de bloquear anúncios do estádio
para que não ficasse óbvio que as partidas estavam acontecendo na Coréia do Sul.
Após a classificação da seleção sul-coreana para as quartas de final, militares da Coréia
do Norte posicionados na fronteira entre os dois países felicitaram os colegas pelo feito. O
presidente da Federação Norte-coreana de Futebol também cumprimentou seu homólogo sul-
coreano pela performance da equipe nacional, enfatizando que essa seria uma vitória comum
que serviu ao povo coreano como um todo. Em setembro do mesmo ano, numa partida histórica
entre as duas seleções coreanas, ambos os países dispensaram o uso de símbolos nacionais
particulares e adotaram a bandeira neutra da Península coreana, juntamente a canção folclórica
“Arirang” que serviu como hino comum (ONIFACE, 2006; VASCONCELLOS, 2008).
25

Para os Estados constituídos, o futebol funciona como uma fonte de reafirmação regular
da identidade nacional antes e durante as competições internacionais. Trata-se de um processo
de formalização e de ritualização das tradições que estabelece a continuidade com o passado,
ideia desenvolvida no capítulo anterior deste trabalho. Os resultados dessas competições
permanecem na memória coletiva da mesma forma que os grandes episódios da história
nacional, ainda que algumas vezes sejam marcados pela tristeza da derrota ao invés da alegria
da vitória.
Após o feito histórico da seleção croata de conquistar o terceiro lugar na Copa do Mundo
de 1998, o então presidente da Croácia Franjo Tudjman declarou que “as vitórias futebolísticas
formam a identidade das nações da mesma forma que as guerras”. No Brasil, tanto as vitórias
como as derrotas nas Copas permanecem na memória coletiva, servindo para reforçar a
comunidade imaginária. O futebol como um todo permite a mobilização e a demonstração de
pertencimento a uma identidade coletiva. Ao reunirem-se para dar apoio a uma equipe,
torcedores experimentam essa sensação de pertencimento, uma afirmação do grupo. Ele permite
igualmente a expressão dos antagonismos locais, sociais ou religiosos, de se afirmar face ao
outro (BONIFACE, 2006).
Como espaço para a expressão de antagonismos nacionais, o futebol se mostra como
uma arena para a manifestação de ressentimentos históricos. Na partida entre China e Japão
pela final da Copa da Ásia em agosto de 2004, torcedores chineses vestiam o uniforme dos
militares japoneses que invadiram o país na década de 1930 e carregavam faixas que continham
o número 300 mil, referente ao número de chineses assassinados pelo exército japonês no
Massacre de Nanking em 1937. A vitória japonesa por 3 a 1 na ocasião resultou em prisões do
lado de fora do estádio, bandeiras japonesas queimadas e forte esquema de segurança a fim de
proteger a embaixada japonesa em Pequim, cidade que recebeu o jogo entre as duas equipes
(BONIFACE, 2006; GOLDBLATT, 2006).
Da mesma forma, Japão e Coréia do Sul se viram obrigados a cooperar diante da decisão
da FIFA de deixar a edição de 2002 da Copa do Mundo a cargo dos dois países. A escolha
significou que ambos os países deveriam dar suporte em áreas como o controle de vistos, as
telecomunicações, a segurança e a logística do evento. Após um período de intensas disputas
envolvendo a escolha da sede – que opôs não apenas os comitês dos dois países como também
as divisões internas da FIFA –, as disputas acerca do nome do evento, a pressão da Coréia do
Sul para que os japoneses reconhecessem e pedissem desculpas pelas atrocidades cometidas
26

durante a ocupação da península coreana, a recusa do imperador japonês em estar presente na


abertura da copa em Seul e uma competição envolvendo a construção de estádios demonstraram
a enorme dificuldade de cooperação bilateral (BUTLER, 2002; GOLDBLATT, 2006). Essas
rivalidades nacionais presentes no leste asiático ainda se apresentam como um grande obstáculo
para a integração regional em vários aspectos.
Já o confronto entre Argentina e a Inglaterra tem uma longa história de rivalidade
refletida nos confrontos em Copas do Mundo. O jogo pelas quartas de final da Copa do Mundo
de 1986 parecia, para os argentinos, a oportunidade perfeita para vingar a derrota militar do
país na Guerra das Malvinas, e assim foi. Com dois gols de Maradona – um deles considerado
por muitos o mais bonito da história das Copas – a Argentina comemorou a eliminação dos
ingleses. Na Inglaterra, houve relatos de fotos de Diego Maradona e outros símbolos da
Argentina, como a própria bandeira, sendo queimados.
Portanto, diante dos exemplos apresentados, torna-se evidente a recorrência do
componente nacionalista na maioria dos episódios que envolvem a prática futebolística. Isso é
resultado, para além das características materiais do jogo, do significado que a sociedade atribui
aos jogos de futebol. Tal entendimento pode variar de acordo com aspectos culturais, uma vez
que cada sociedade difere tanto em características devido à sua própria história, mas em geral
a percepção do futebol como uma arena para o fortalecimento dos vínculos identitários e para
a exaltação nacional e, portanto, para a materialização de comunidades deve ser investigada a
partir da ótica das Relações Internacionais.

2.2 O FUTEBOL COMO FERRAMENTA

Assim como diversas outras práticas que constituem a cultura de um país, o futebol é
extremamente influenciado pelo contexto social que o cerca. A esfera esportiva reflete
fenômenos que ocorrem na sociedade e muitas vezes é o palco onde eles se manifestam
simbolicamente, podendo assumir diversas implicações e constituindo uma ferramenta de
análise capaz de traduzir tensões sociais, culturais, políticas e econômicas. Nesta seção, o
estudo está centrado no papel do futebol como ferramenta em dois âmbitos que estão
interligados a fim de compreender suas utilizações por parte de diferentes atores. A dimensão
econômica do futebol, em contrapartida, será tratada no próximo capítulo.
27

2.2.1 Cultural e social


´
Historicamente, o futebol constitui uma ferramenta cultural e social extremamente
relevante devido à sua relação com o imaginário de diferentes camadas da sociedade. Conforme
citado anteriormente, esse esporte representa um meio de coesão social e, por isso, em diversos
contextos foi utilizado para propagar ideias e valores, influenciando a manutenção das
identidades individuais e coletivas.
Na América do Sul, por exemplo, é possível constatar a importância do futebol enquanto
elemento que reafirma constantemente a identidade do que é ser argentino, brasileiro, chileno,
etc. A cultura futebolística tão presente no cotidiano dos indivíduos ajuda a compreender a
própria história de seus países. Na Argentina, a organização da Copa de 1978 fez parte de um
projeto político mais amplo de união nacional visando reverter o apoio à seleção em apoio ao
regime ditatorial vigente (AGOSTINO, 2002).
Já no Brasil, por possuir um simbolismo cultural enorme para a população, o futebol é
frequentemente incentivado como um elemento de manutenção das identidades através de
discursos. A própria noção do Brasil como “país do futebol” é uma construção social por parte
de jornalistas e intelectuais em um momento de consolidação do “Estado-Nação” (HELAL,
2010). Cabe ressaltar, ainda, que em um país tão vasto como o Brasil a ideia de identidade não
se restringe à seleção nacional, mas os clubes também refletem uma representatividade regional
nos campeonatos nacionais.
Além disso, a possibilidade de um grupo que partilha uma identidade compor um time
ainda que esse não corresponda a um Estado independente foi o que motivou a criação da equipe
nacional da Frente de Libertação Nacional da Argélia. Essa equipe nacional existiu entre os
anos de 1958 e 1961, ou seja, durante um período que o país não existia institucionalmente
(FRANCO JÚNIOR, 2007, p.174). De maneira similar, outras seleções que buscam por
autonomia nacional estão associadas à FIFA, como a Palestina.
De acordo com Darby (2002, p.169-171), também é possível analisar as práticas
desportivas enquanto ferramenta de imperialismo cultural. A perpetuação do futebol em regiões
como América do Sul e África e, consequentemente, a construção da sua própria identidade
baseada em um esporte originalmente europeu, pode ser interpretada como uma estrutura
colonial que perdura até os dias atuais. Como consequência, apesar da vocação de países dessas
28

regiões em formar jogadores habilidosos, as ligas europeias são capazes de lhes oferecer maior
visibilidade e melhores condições.
Assim como a Inglaterra introduziu o cricket em suas ex-colônias do Caribe, que hoje
exportam seus melhores jogadores para a Europa, os Estados Unidos instauraram uma cultura
de baseball na República Dominicana, país que invadiram duas vezes. Contudo, em casos como
o de Austrália, Nova Zelândia e Canadá, o esporte é utilizado principalmente como forma de
afinidade cultural (HOULIHAN, 1994, p.188-194). Isso provoca, entre outras coisas, o desejo
por parte desses países em de manter laços políticos e culturais com a sua ex-metrópole
baseados em um princípio de identificação.
Segundo Hoberman (1978, p.234-237), ao longo da história é possível perceber a
utilização do esporte como um veículo ideológico muitas vezes apropriado por conservadores.
Correlacionando política e esporte a fim de equalizá-los, esses grupos relacionaram as
atividades esportivas com valores como individualismo, culto ao corpo e cavalheirismo, além
de historicamente as associarem ao sexo masculino. Por esse motivo, os marxistas já rejeitaram
os esportes como uma atividade de lazer que carregavam valores que não estavam de acordo
com os ideais revolucionários.
Um exemplo é a Yong Men´s Christian Association (YMCA), que principalmente
durante a Primeira Guerra Mundial, utilizava da atividade física como uma ferramenta de
difusão cultural de valores americanos (TERRET, 2002). No sentido contrário, é possível
verificar o futebol e a ideologia anticapitalista caminhando lado a lado na forma do clube
alemão Sankt Pauli, considerado um símbolo da esquerda no país. No seu estatuto, o clube se
posiciona contra ações preconceituosas de cunho racista, homofóbico e machista, além de
repudiar o fascismo. O Sankt Pauli politizou-se em meio às ideologias neonazistas que se
espalhavam pela Europa durante a década de 1980, e atualmente os seus torcedores costumam
se posicionar contra a mercantilização do futebol e a favor da sua democratização.

2.2.2 Política

As transformações políticas também são cada vez mais sentidas no âmbito do futebol,
pois muitas vezes ele representa um ambiente no qual certas rivalidades podem se manifestar
sem consequências maiores. Segundo Pierre Arnaud (1998, p.8-12), o esporte pode exercer
influência sobre a política incorporando projetos de governo, quando os governantes
29

influenciam no comportamento dos dirigentes esportivos, ou como forma de manifestação de


um posicionamento. O maior exemplo desse último caso está nos boicotes olímpicos.
Em 1980, quando pela primeira vez um país comunista, a Rússia, sediou as Olímpiadas,
os Estados Unidos promoveram um boicote de mais de sessenta países em protesto à invasão
russa no Afeganistão. Provando que o esporte pode sinalizar apoio ou repúdio a uma situação,
os atletas de alguns dos países que participaram do boicote viajaram para competir, mas
optaram por receberem suas medalhas sob a bandeira e hino olímpicos (VASCONCELLOS,
2008). No sentido contrário, os Jogos Olímpicos de 1984 foram sediados pelos Estados Unidos
e boicotados pela União Soviética.
Já em 1986, o boicote foi aos Jogos Olímpicos da Comunidade Britânica e se deu como
forma de reprovação à postura do governo britânico em não adotar sanções econômicas e
comerciais contra a África do Sul, assim como foi feito por parte de diversos outros países –
incluindo o Brasil (VASCONCELLOS, 2008). A África do Sul era acusada de violar direitos
humanos em função do regime do segregacionista do apartheid, e o boicote significou uma
ameaça à unidade da Comunidade Britânica.
Pierre Arnaud (1998) aponta, ainda, que uma outra forma de manifestação política via
esportiva pode acontecer enquanto propaganda, com o objetivo de legitimar um regime político
e impor respeito em relação a ele. Na Espanha, o clube da capital, Real Madrid, esteve vinculado
historicamente a figuras da ditadura franquista, enquanto o Barcelona representou um símbolo
de resistência catalã (FRANCO JÚNIOR, 2007). O general Franciso Franco investiu de forma
ampla na popularização do futebol e chegou a criar uma competição em sua homenagem, a
Copa do Generalíssimo, atualmente Copa do Rei. Ainda hoje, o clássico entre as duas principais
equipes do país representa tensões históricas pela associação de ambas a manifestações
nacionalistas.
De maneira similar, a escolha da Itália como sede da Copa do Mundo de 1934 fez com
que o governo fascista da época se utilizasse do futebol para fortalecer sua imagem, propagando
seus ideais. Na ocasião do título mundial da equipe anfitriã, Mussolini entregou o troféu
pessoalmente aos jogadores, e a vitória serviu para ‘legitimar’ o governo que planejava invadir
a Etiópia. Na Copa seguinte, em meio a manifestações antifascistas por parte da torcida
húngara, há relatos de que Mussolini teria mandado uma mensagem para a seleção italiana antes
da final contra a Hungria que dizia: vencer ou morrer (AGOSTINO, 2002, p.58-66).
30

Apesar do futebol já ter sido amplamente utilizado como forma de propaganda,


atualmente, no contexto da globalização e da consequente mercantilização desse esporte, é
comum testemunhá-lo como palco de expressão de outras manifestações políticas de cunho
nacionalista e xenófobo. Os jogadores de futebol também são, para além da sua profissão,
imigrantes. Com isso, sua presença nas principais ligas europeias frequentemente os torna alvos
de insinuações preconceituosas tanto por parte da torcida quanto por parte de outros jogadores,
na maioria das vezes motivados pelo repúdio político aos estrangeiros – sobretudo aos
racializados – e na intenção de reforçar o sentimento de diferenciação entre o “eu” e o “outro”.
Em 2006, por exemplo, às vésperas da Copa do Mundo, alguns partidos alemães de direita se
mobilizaram contra a convocação do primeiro jogador negro a defender a camisa da seleção
nacional, Gerald Asamoah, de origem ganesa. De forma similar, o jogador brasileiro Vinicius
Junior, que atualmente defende o Real Madrid, recorrentemente é alvo de ataques racistas
principalmente na Espanha.
O futebol também pode servir como estopim de questões políticas ou econômicas
maiores. No que ficou conhecido como “Guerra do Futebol”, em 1969 as relações diplomáticas
e comerciais entre Honduras e El Salvador foram rompidas a partir do contexto que envolveu
um jogo das eliminatórias para o Mundial do México no ano seguinte. Com um clima de tensões
políticas crescentes e sob ameaças de morte, a seleção de El Salvador foi jogar no Estádio
Nacional, em Honduras, e perdeu. Como consequência, os salvadorenhos saíram às ruas para
protestar e depredaram diversos prédios.
Em contrapartida, no jogo de volta em El Salvador, a população local cercou o hotel em
que a seleção de Honduras ficou hospedada a fim de hostilizar os jogadores. Após a vitória do
time anfitrião sobre o visitante por 3x0, dois torcedores hondurenhos foram mortos e diversos
outros imigrantes salvadorenhos em Honduras sofreram violência, fazendo com que El
Salvador acusasse Honduras de genocídio à ONU. Foi decretado estado de emergência pelo
presidente salvadorenho, porém, a situação piorou significativamente quando quatro cidades
em Honduras sofreram ataques aéreos, causando a morte de quatro mil pessoas (AGOSTINO,
2002, p.191-194).
Devido à sua crescente capacidade de refletir a política do seu tempo, o futebol constitui,
de acordo com Alexandre Mestre (2004, p.2-9), um instrumento extremamente relevante das
relações internacionais contemporâneas. A esfera esportiva tornou-se a extensão da diplomacia,
uma ferramenta da política externa capaz de traduzir interesse estatais e consequentemente agir
31

em prol deles. Os resultados de competições passaram a reforçar ou enfraquecer a imagem de


um país diante dos outros. Nesse sentido, os significados de uma competição esportiva como a
Copa do Mundo vão além de um simples torneio, podendo adquirir um caráter simbólico
importante em termos do poder de uma nação (BONIFACE, 2010). Em termos de poder e
visibilidade, Paul Darby (2002) explica que a vinculação à FIFA representou para muitos países
africanos uma possibilidade de inserção no sistema internacional como alternativa à entrada nas
demais organizações internacionais “tradicionais”, já que o processo seria mais difícil.
No caso do Brasil, desde a criação do Ministério do Esporte em 2003, o país tem
percebido o potencial da diplomacia esportiva e, portanto, investido nela. Em 2004 o governo
realizou o chamado “jogo da paz”, um amistoso entre as seleções do Brasil e do Haiti em Porto
Príncipe. Segundo Resende (2010), a partida tinha como objetivo transmitir uma mensagem de
que os brasileiros estariam dispostos a contribuir para a evolução da situação de crise política
no Haiti. Mais recentemente, a escolha do Brasil como sede tanto da Copa do Mundo em 2014
como das Olimpíadas de 2016 representaram o esforço de projeção da política externa brasileira
no esporte. Nesse sentido, Vasconcellos (2008, p. 284) afirma: “O esporte é um terreno e um
ferramental em que o Brasil pode efetivamente fazer política externa”.

2.3 MEMÓRIAS DE CHUMBO: FUTEBOL NOS TEMPOS DE CONDOR

No que tange a utilização do esporte como ferramenta de propaganda de projetos


políticos, essa foi uma situação perceptível durante as ditaduras latino-americanas. A ascensão
de regimes militares na América Latina a partir da década de 1960 aconteceu num cenário de
tensão ideológica na esfera mundial, quando após a Guerra Fria o capitalismo assumiu uma
nova forma. Com o mundo polarizado e as ideologias políticas disputando territórios, o
financiamento desses regimes aconteceu pois era de interesse dos norte-americanos manter o
domínio político e militar do continente.
Nesse contexto, o documentário de Lúcio Castro intitulado ‘Memórias do Chumbo – O
Futebol nos Tempos do Condor’ revela como as ditaduras do continente formaram um sistema
de cooperação em nome do desenvolvimento de seus projetos baseados na Doutrina de
Segurança Nacional e capaz, ainda, de apropriar-se do futebol. Como bem traduz McSherry
(2009),
32

La Operación Cóndor fue un sistema secreto de inteligencia y operativos […]


mediante el cual los Estados militarizados de América del Sul compartieron datos de
inteligencia y capturaron, torturaron y ejecutaron opositores políticos en los territorios
de otros países […] La Operación Cóndor encarnaba un concepto estratégico clave de
la Doctrina de la Seguridad Nacional de la Guerra Fría (MCSHERRY, 2009, p. .

Na América Latina, a Revolução Cubana (1953-1959) e a autodeclararão de associação


ao comunismo por parte dos comandantes dessa revolução foram os primeiros indícios de uma
ameaça ao poder norte-americano e à lógica capitalista. Com a vitória de Cuba e a formação da
Organização de Solidariedade Latino-Americana (OLAS), liderada por Fidel Castro, a difusão
das práticas revolucionárias e dos ideais esquerdistas nos países latino-americanos cresceu, o
que acarretou a atuação direta e indireta do governo dos Estados Unidos a fim de alinhar a
política desses governos com seus próprios interesses.
Os governos contrários à política capitalista desenvolvimentista estavam na mira para
serem combatidos. Foi o que ocorreu com a deposição de Frederico Chaves no Paraguai, Juan
Domingo Perón na Argentina, Salvador Allende no Chile e João Goulart no Brasil, por
exemplo. A integração entre os aparelhos de repressão nasce de uma reunião convocada pela
ditadura chilena de Augusto Pinochet, como destaca o relatório da Comissão Nacional da
Verdade, de 2014, ao apontar que “o convite era assinado pelo coronel Manuel Contreras, chefe
da Direção de Inteligência Nacional (DINA), o órgão central de repressão da ditadura chilena”
(CNV, 2014, p. 221). Era evidente que o Chile estava buscando movimentar os países latinos
em prol dessa coalizão, que já existia, mas não com a mesma estrutura dessa operação.
A Operação Condor foi responsável por diversas práticas de violência como sequestro,
tortura e assassinatos em massa, mas além disso, o cerco repressivo também afetou setores da
sociedade civil como o esporte e, em especial, o futebol. Os líderes autoritários viram no
futebol, de relevância histórica no esquema de controle de massas, uma oportunidade de
propaganda governamental capaz de produzir uma amnésia na população sobre a realidade
política dos países em que estavam inseridos. Por meio da análise dos casos do Brasil, da
Argentina e do Chile, esta seção pretende aprofundar as discussões acerca da manipulação do
futebol por parte dos regimes ditatoriais que utilizaram desse esporte para a manutenção do
sistema.
33

2.3.1 O “país do futebol”

Noventa milhões em ação


Pra frente, Brasil, do meu coração
Todos juntos vamos
Pra frente, Brasil! Salve a seleção!

De repente, é aquela corrente pra frente,


Parece que todo o Brasil deu a mão
Todos ligados na mesma emoção

Tudo é um só coração

Todos juntos vamos


Pra frente, Brasil, Brasil! Salve a seleção!

A letra da música de Miguel Gustavo, “Pra frente, Brasil”, pode representar o modelo
desejado pelo Estado brasileiro no período da ditadura. Nesse sentido, argumenta-se que ela
atribui ao futebol o papel de ligadura social responsável por ser “aquela corrente pra frente /
Parece que todo o Brasil deu a mão”, anúncio de que para a Copa de 1970, após o fracasso em
1966, é preciso que a sociedade deixe suas individualidades e se concentre numa união
identitária. Essa canção tema foi um dos exemplos sobre o uso do futebol como massa de
manobra em nome do silenciamento da realidade repressora da época, e por mais que não tenha
sido encomendada pelo governo, teve todo o seu apoio por conta da identificação de interesses,
como afirma Otávio Costa no episódio do documentário que trata sobre o Brasil:

“Uma coisa convergia para a outra. A grande mola desse sucesso da Copa do Mundo
foi a canção de Miguel Gustavo, “Pra frente, Brasil”. Pensa-se que foi parte de
campanha nossa. Não! Não foi iniciativa nossa. Miguel Gustavo nos procurou com a
peça pronta, não fomos nós que mandamos fazer a peça. Peça pronta que um cliente
tinha pedido para fundo musical de suas propagandas comercial, nos mostrou a peça
e pediu ajuda na divulgação. E realmente a nossa participação, com a música de
Miguel Gustavo, foi ajudar na divulgação dessa música.”
34

Apesar da euforia do futebol brasileiro por conta das vitoriosas Copas do Mundo de
1958 e 1962, que tornaram o esporte uma ferramenta importante de propaganda, em 1966, a
seleção brasileira — que se preparou para o mundial sob o discurso nacionalista de valorização
do Brasil e viajou por cidades estratégicas no projeto de controle de massas — fracassou nas
oitavas de final contra a seleção portuguesa. Pouco antes dessa edição da competição, diretores
da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e os próprios jogadores da seleção se
encontraram com o então presidente da época, Emílio Médici, no palácio das laranjeiras.
Já para a Copa de 1970, o controle continua por meio de outra estratégia. Seguindo uma
política de ‘amigos do regime’ a fim de aproximar cada vez mais a modalidade do governo, os
agentes dos extintos Serviço Nacional de Informações (SNI) e dos Centros de Informação do
Exército e da Marinha passaram a monitorar times e atletas considerados subversivos pelo
regime. Nesse contexto, personalidades do futebol como o ex-técnico da seleção João Saldanha
e jogadores como Afonsinho, Reinaldo, Sócrates e Vladimir passaram a merecer atenta
vigilância e relatórios periódicos de suas ações. No que diz respeito à Saldanha, seu nome foi
colocado em suspeita muito tempo antes da sua destituição por conta da sua ligação com
ideologias comunistas e pela possibilidade de denunciar em suas viagens ao exterior a violência
da ditadura em vigor no Brasil, inclusive portando documentos.
De fato, a autonomia de Saldanha para discursar em veículos como rádio e ocupar
espaços que não poderiam ser ocupados por outros opositores ao regime preocupava as figuras
autoritárias no poder. Após um árduo trabalho por parte dessas figuras no sentido de desgastar
a imagem do técnico para setores da opinião pública e pressionar a CBD, a saída de João
Saldanha se configura como uma intervenção direta da ditadura militar no futebol. A partir
disso, a comissão técnica ganhou como reforços agentes diretamente ligados aos órgãos de
segurança e os militares impuseram à CBD o brigadeiro Jerônimo Bastos como chefe da
seleção, que levou consigo como chefe da segurança o agente da repressão Major Roberto
Guaranys, cujo nome acredita-se ser ao que se referia João Saldanha em sua crônica no Jornal
do Brasil:

Vou escrever uma matéria sobre a presença exigida e por mim repelida, de policiais
espancadores na concentração. Foram barrados por mim, mas depois eu fui barrado
por eles. Afinal de contas estavam no poder. E que poder...
35

O Major Guaranys foi escolhido pois, anos antes, se mostrou de confiança para
desempenhar esse papel ao colaborar com o episódio do Caso Para-Sar, em que o brigadeiro
João Paulo Burnier planejou uma série de assassinatos e atentados, incluindo a explosão do
gasômetro da cidade do Rio de Janeiro, com a intenção de culpabilizar a resistência ao regime
pelas mortes que ocorreriam e aproveitar o clima de caos para realizar o sequestro e assassinato
de figuras como Carlos Lacerda, Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek. Entretanto, o plano não
foi executado pois o oficial Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, conhecido como Sérgio
Macaco, se recusou a prosseguir com as ordens de seu superior. Apesar de Sérgio ter
conquistado o apoio de outros oficiais e a denúncia feita ter impedido o plano de se concretizar,
o militar perdeu sua patente após ser reformado pelo Ato Institucional Número Cinco (AI-5).
Ademais, a ditadura também manteve na presidência da antiga Federação Carioca de
Futebol (FCF) Octávio Pinto Guimarães, cujo nome consta como informante em inquéritos dos
órgãos nacionais de segurança. No caso da federação mineira, o dirigente era o coronel da
polícia José Mendes Filho, acompanhado e investigado por corrupção e que, ainda assim,
permaneceu nessa posição até o fim da ditadura, posteriormente dando lugar ao seu filho. Essas
decisões foram motivadas pelo alinhamento de tais personalidades com as práticas do regime,
que também contava com presidentes favoráveis à ditadura nas federações do Rio Grande do
Sul, Ceará e São Paulo.
São muitos os episódios que servem para exemplificar o fato de que o futebol nunca se
mostrou como um aspecto isolado da vida social e que a repressão cotidiana infiltrada nos
órgãos da sociedade brasileira foi capaz de permear diversos setores e provocar prejuízos
implícitos. A propaganda oficial do regime apropriou-se de vários recursos na tentativa de
legitimar a imposição unilateral de poder à população brasileira. Utilizou o cinema, o rádio, os
jornais e a censura a quem quisesse contrariar as mensagens positivas sobre o governo. O ex-
técnico João Saldanha, já citado, foi impossibilitado de cobrir a seleção brasileira durante a
copa de 1970 enquanto repórter da BBC após sua saída da comissão técnica.
Como em outros âmbitos da sociedade, o futebol brasileiro durante a ditadura militar foi
espaço de conivência e atrito, submissão e tensão, propaganda e resistência. Tratando-se do
campeonato de 70 em que o Brasil se sagrou tricampeão, a seleção era antítese dos tempos
obscuros, mas a vitória foi tudo que o governo precisava para a autopromoção. Em 16 de julho
do mesmo ano, menos de um mês depois de Carlos Alberto Torres levantar a Taça no estádio
Azteca, o presidente assinava o decreto-lei que deu início ao Plano de Integração Nacional
36

(PIN). O projeto visava criar uma unidade maior entre as diferentes regiões de um país tão vasto
como o Brasil e fomentar o crescimento de áreas antes isoladas e, assim como a implementação
de políticas desenvolvimentistas, o futebol também fez parte desse processo.
Muitas pessoas que combateram a ditadura se viram no dilema entre torcer ou não pela
seleção que traduzia o autoritarismo de todo um regime, uma preocupação evidente na partida
final entre o Brasil e Itália de acordo com presentes nesse jogo. Porém, quando Carlos Alberto
fez o quarto gol do Brasil, as pessoas acabaram celebrando e deixando a fria racionalidade de
lado – provando o sentido passional do futebol no imaginário coletivo. Enquanto milhões de
pessoas eram embaladas pela emoção da conquista de um título mundial, outras eram torturadas
e mortas nos subterrâneos do país.
No período da ditadura brasileira, o governo apoderou-se do conceito de patriotismo e
se utilizou de símbolos nacionais como a bandeira e o hino a fim de substituir a ordem pela
doutrina de segurança nacional, que serviu para justificar tantas formas de repressão, e o
progresso pela tecnocracia, com o milagre econômico e desenvolvimentismo. Exportador desse
tipo de conduta para os países vizinhos, o Brasil mais tarde iria ter como obsessão, junto às
nações do continente, a criação de um banco de dados comum e a conexão de informações sobre
opositores ao sistema. Além disso, mais tarde a Operação Condor iria contar com o
financiamento e treinamento de agentes das ditaduras do Cone Sul por parte da CIA (Central
Intelligence Agency), já que era interessante para os Estados Unidos que as ideologias
anticomunistas fossem disseminadas ao redor do globo.
É importante ressaltar que é justamente o futebol que ajuda o jornalista Luiz Claudio
Cunha a revelar uma das ações da multinacional do terror – como também era chamada a
Operação – em novembro de 1978. Alertado por um telefonema anônimo, testemunhou
juntamente ao fotógrafo João Batista Scalco uma ação da operação em Porto Alegre, que se
tratava do sequestro dos ativistas políticos uruguaios Universindo Díaz e Lilian Celiberti e seus
dois filhos. Scalco, que na verdade era fotógrafo da revista Placar e estava atuando ali devido à
ausência do fotografo da Veja no momento, havia realizado matérias esportivas e reconheceu
um dos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) gaúcho como sendo o ex-
jogador do Internacional, Orandir Portassi Lucas, vulgo “Didi Pedalada”, denunciado por
Universindo como um dos mais cruéis torturadores. Além de Didi, Lilian denuncia o temido
delegado do DOPS Pedro Seelig:
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Desde o primeiro momento ele está presente, desde a detenção, é Seelig que me pede
os documentos, é Seelig que me leva à delegacia pela primeira vez, é Seelig que me
leva à minha casa, é Seelig que decide que eu vá com os meus filhos, ou seja, ele está
presente em todos os momentos. [...] Era a voz que decidia, toda a operação. [em
momento de tortura, Seelig também estava presente?]. Sim, totalmente, sempre
presente.”

O relato de Luiz Claudio Cunha como um todo evidencia o fato de que o universo do
futebol não se restringe apenas às dimensões esportivas do jogo, mas assume também as feições
de um fenômeno dramatizador das relações sociais (DA MATTA, 1982). No Brasil, desde a
década de 1930, o futebol é considerado uma das ferramentas mais importantes no que tange a
construção de uma identidade coletiva nacional, fortemente influenciado pela tradição freyriana
da democracia racial (ANTUNES, 2004).
Conforme analisado anteriormente, as conquistas nas competições internacionais
ampliaram a conexão entre a sociedade brasileira e a seleção de futebol, fazendo com que a
equipe se tornasse um dos maiores bens simbólicos do país e fosse extremamente impactada
pelo processo de capitalização. Devido à grande penetração no imaginário coletivo do povo
latinoamericano, o campo futebolístico passou a refletir as disputas ideológicas entre diversos
agentes sociais, disseminando as políticas estatais e consolidando uma relação estabelecida pelo
“uso político do esporte e o uso da política pelo esporte” (GUTERMAN, 2009).

2.3.2 A propaganda política no Chile

Quando se trata do Chile, é possível constatar que as relações entre o futebol e a ditadura
de Augusto Pinochet explicam muito do que foi a Operação Condor como um todo e seus
reflexos. Isso porque o episódio do documentário de Lúcio Castro destinado a contar o caso
chileno explica como o discurso de Médici para Richard Nixon, até então presidente dos
Estados Unidos, na Casa Branca em 1971 sobre paz, progresso e bem-estar de seus povos ecoou
em 11 de setembro de 1973, dia em que ocorreu o golpe militar no Chile.
De acordo com documentos dos arquivos americanos, o ditador brasileiro depositou sua
confiança nos militares chilenos em promover um golpe e assumiu que o Brasil estaria
trabalhando em conjunto para tal, conforme alinhado com o presidente norte-americano. Ambos
os governos fizeram parte de uma movimentação para derrubar Salvador Allende, presidente
38

chileno eleito democraticamente, e para que o golpe de estado se concretizasse. No dia em que
as torres das rádios Portales e Corporacion foram bombardeadas pela Força Aérea sob o
comando de Pinochet e o caos se instaurou nas ruas de Santiago, Allende proferiu suas últimas
palavras orientando o povo chileno a não se deixar vencer pelo sistema de repressão e negou a
própria rendição ao cometer suicídio.
Morte, tortura, sequestro e perseguição sintetizam o cotidiano chileno durante o período
de Pinochet no poder. Logo após o sucesso do golpe, o Estadio Nacional de Santiago foi
transformado em prisão e virou o cenário de uma das maiores barbáries da história não só da
América Latina, mas mundial. Diversas personalidades são levadas ao Estadio que foi palco do
bicampeonato do Brasil em 1962 para serem interrogadas e torturadas, entre elas o diretor do
El Clarín, jornal de maior circulação do país, e Alberto Gato Gamboa, que no documentário
relata as violências das quais ele e os amigos foram vítimas.
Gamboa, assim como outros sobreviventes da ditadura chilena, entende que os impactos
de um símbolo nacional como o Estadio ter sido usado como ferramenta a favor do regime
foram muito intensos, principalmente para aqueles que costumavam frequentá-lo como fãs do
futebol. Mesmo após o ato de limpeza espiritual que aconteceu no estádio com a
redemocratização do país, algumas pessoas eram tomadas pelo sentimento de que estar ali era
“recordar à força” os acontecimentos da ditadura responsável pelo genocídio de milhões de
pessoas. O campo virou uma ferida na alma de quem era apaixonado pelo futebol, distorcendo
a memória das pessoas a respeito de um local que deveria traduzir essa paixão.
No Chile, a relação entre futebol e ditadura também se deu de forma que as forças
autoritárias passaram a enxergar o esporte como meio de manipular as massas para que não
houvesse manifestações opostas ao sistema e a população não fosse às ruas. Diversos clubes
profissionais foram criados ao redor do país sem precedentes com a intenção de manipular a
população, principalmente de pequenas cidades, e cegá-las quanto a situação do país.
Por sua vez, a seleção chilena, como nos outros países da operação condor, era permeada
por nomes da repressão e o esporte era vigiado de perto. O ex-jogador Leonardo Véliz conta
que ao viajar com a seleção chilena para a Rússia a fim de jogar uma partida contra a União
Soviética pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1974 apenas 15 dias após o golpe ter
ocorrido, estava se sentindo com medo e inseguro a respeito do que poderia acontecer com a
sua família em sua ausência do país. No dia da viagem, os jogadores foram revistados no
pequeno aeroporto de Cerrillos e Véliz teve que esconder rapidamente suas fitas cassetes que
39

continham músicas de Victor Jara e de Quilapayún – um conjunto símbolo do Partido


Comunista.
Após o empate por zero a zero numa partida em que os chilenos presentes não poderiam
expressar quaisquer manifestações contra o regime, a seleção da URSS se recusou a jogar a
partida de volta dois meses depois devido à presença de presos políticos no Estadio Nacional,
onde aconteceria a disputa. Contudo, a pedido da FIFA, ainda assim o Chile entrou em campo
apenas para oficializar a sua classificação numa partida que ficou conhecida como o jogo mais
patético da história do futebol. O árbitro apitou, a seleção conduziu a bola até o gol e o jogo foi
encerrado.
Pouco depois desse episódio, a ditadura convidou o Santos, clube brasileiro, para um
amistoso contra a seleção chilena com o intuito de desviar os olhares sob o regime.
Considerando que os chilenos tomaram conhecimento de que a seleção da URSS não iria
participar do jogo por volta da meia-noite de um sábado e esse seria um horário improvável de
fazer o convite ao Santos, acredita-se que o governo já estava ciente de que o jogo da volta não
aconteceria de fato e uma suposta cooperação com os chefes de Estado no Brasil teria
possibilitado a premeditação do jogo contra a equipe do Santos.
A imposição característica da operação asfixiava os clubes, os jogares e os estádios, de
certa forma. Diante da situação em que o Chile se encontrava e da insatisfação do povo,
posteriormente o futebol assumiu um papel de grande relevância na resistência ao regime. Em
1974, Pinochet foi até a concentração dos jogadores chilenos, que estavam prestes a viajar para
disputar a Copa do Mundo na Alemanha, num ato de autopromoção e promoção do regime.
Nesse dia, o jogador Carlos Caszely se negou a dar a mão ao ditador chileno, como se o fizesse
entender que não estava de acordo com toda a violência que assolava o país. Como
consequência, a mãe de Carlos foi detida e torturada enquanto o jogador estava disputando o
torneio.
As personalidades do futebol começaram a enxergar que devido à sua posição, elas eram
capazes de representar todo um povo que estava sendo reprimido e que não poderia manifestar
seus posicionamentos sem sofrer represálias características do sistema. Os anos de chumbo
continuaram até que, em 1988, o futebol é novamente protagonista no contexto do plebiscito
que decidiria sobre a permanência do ditador Augusto Pinochet no poder, já que alguns
jogadores se negaram a gravar a propaganda que incentivava o povo a votar a favor da ditadura.
Isso acabou contribuindo para a derrota de Pinochet, e as pessoas foram às ruas celebrar a vitória
40

da democracia na história política do país. Atualmente, o Estadio Nacional possui imagens


dessa época como parte de um esforço em construir memória coletiva para que esses tempos
não se repitam.

2.3.3 Argentina: a "Mão de Deus” e a mão de ferro militar

Assim como Brasil e Chile, os efeitos políticos da época da ditadura argentina também
refletiram no futebol nacional. Primeiro país da América a sediar um jogo de futebol em 1867,
a Argentina tem como episódio marcante da sua história futebolística o gol de Diego Maradona
com a “mão de Deus” na Copa de 1986. No entanto, foi a mão militar na Copa de 1978, no
próprio país, que marcou o primeiro título mundial argentino.
Entre tantos comunicados divulgados em cadeia nacional no dia do golpe proibindo
algo, desde a proibição de greves até a proibição de legislar, um deles usava o termo “autoriza-
se”, que se tratava justamente da autorização da transmissão dos jogos da seleção argentina.
Esses comunicados se sucederam a diversas intervenções do governo sobre a população e
mostraram que a ditadura já nos primeiros dias estava ciente sobre como poderia manipular o
âmbito do futebol.
A escolha da Argentina como sede da Copa de 1978 trouxe ânimo ao governo militar
para transformar o evento na propaganda do poder ditatorial, principalmente com a confirmação
do título mundial. Ainda hoje há inúmeras especulações sobre as motivações políticas para a
escolha das sedes dessa competição, desde a primeira Copa em 1930 no Uruguai, passando pelo
Brasil em 1950, no Chile em 1962 e no México em 1970. Vários indícios tendem para a ideia
de que os aspetos políticos foram decisivos na escolha das sedes não europeias. No caso da
Argentina, a decisão mostra uma tentativa de reafirmação da política antiperonista na época da
escolha e um alinhamento com a ditadura argentina comandada por Jorge Rafael Videla.
Existe uma articulação entre o orgulho da conquista do título e frustração em relação à
ideia de que a Copa da Argentina havia sido, na verdade, a Copa da Ditadura. O governo teve
tamanho êxito em se utilizar da imagem da seleção que o time serviu como uma ferramenta
política responsável por afirmar o autoritarismo da América Latina, como aconteceu com a
seleção brasileira na Copa de 1970. A vitória insistia em remeter a uma derrota social no
imaginário coletivo, já que desempenhou papel de distrair a atenção dos argentinos de uma
41

realidade de violência extrema. Nesse período, haviam 500 centros de tortura no país,
responsáveis pela morte de mais de 30 mil pessoas.
Além da morte e tortura de milhares de pessoas, a ditadura argentina ficou marcada pela
ação de sequestrar crianças filhas de militantes políticos e entrega-las a pessoas que
compactuavam com o regime ditatorial. Esse aspecto é muito abordado no documentário de
Lucio Castro a partir do depoimento de Mariana Zaffaroni, uma das crianças que passaram por
essa situação: Meus pais eram uruguaios, militavam nas associações de trabalhadores e
estudantis, e quando começou a ditadura no Uruguai vieram para a argentina. Eu nasci aqui, em
1975. E, quando começou a ditadura na Argentina, em 1976, eu tinha poucos meses.
Sequestraram nós três e nos levaram a um centro de detenção, de onde fui levada pelo pai que
me criou. Não se sabe o destino que eles tiveram. Suspeita-se que eles tenham sido levados para
o Uruguai em um voo clandestino e que tenham sido assassinados lá, mas não há nenhuma
prova disso.
A escolha pela história de Mariana se dá pelo fato de que sua imagem de bebê circulou
por todos os lugares após a redemocratização da Argentina e uma denúncia transformou seu
caso em símbolo da luta das “Abuelas de Plaza de Mayo”, pois assim como a avó de Mariana
lutava para provar que a menina era sua neta sequestrada e entregue para a adoção, centenas de
outras avós seguiam na mesma luta. Por meio de um trabalho de memória de segunda geração
e pós memória, o documentário enfatiza as complexidades da reconstrução dos vestígios e da
história dos pais de Mariana, que não foram conhecidos e que somente por meio dos 12
testemunhos de amigos, familiares e companheiros de militância, seria possível conhecer e se
reconhecer naquelas histórias. Como Mariana era apenas um bebê ao ser sequestrada, não
possui memória daquele período, e o filme afirma o quanto foi difícil compreender a atrocidade
na forma em que tudo aconteceu na sua vida pois a família adotiva lhe transmitiu o afeto
necessário ao desenvolvimento natural de uma criança.
O caso de Mariana serve para exemplificar um aspecto muito relevante para a história
das ditaduras latino-americanas. Tanto no Uruguai quanto na Argentina, sua família se deparou
com formas distintas de encarar o pior do autoritarismo. Foi justamente a Operação Condor que
tornou possível uma integração e cooperação entre países capaz de articular um sequestro de
militantes, pais de Mariana, a partir de um sistema de inteligência colaborativo. Nessa época, a
multinacional do terror estava em fase de implementação, mas o acordo e alinhamento entre os
regimes já existia de maneira informal.
42

Essa interação entre países também foi alinhada no âmbito do futebol, como visto
anteriormente. Assim como no resto do Cone Sul, a Argentina testemunhou seu futebol e seu
governo interagindo entre si, caminhando sempre lado a lado. Jogadores e clubes sendo
manipulados e personalidades da repressão assumindo cargos relevantes internamente no
esporte. Após a conquista do título em 1978, celebravam entre si genocidas e prisioneiros do
sistema – sentados sob a mesma mesa. Portanto, mais uma vez se evidencia o papel do futebol
como objeto de manipulação e propagador de ideais governamentais a medida em que se
compreende a memória de um título mundial como sendo algo negativo, já que essa também é
responsável hoje por relembrar tempos obscuros da história do povo latino-americano.

3 “FUTEBOL MODERNO” EM CAMPO: PANORAMA E PERSPECTIVAS NA


CONTEMPORANEIDADE

A interação do futebol com a globalização implicou na sua modernização, o que


causou um afastamento desse esporte da sua função social em prol da lógica mercadológica. A
ascensão da ideologia neoliberal teve impacto direto não só não nas estruturas internas dos
clubes de futebol e tudo que as envolvem, mas nos modos de torcer. Desde às relações sociais
de trabalho dos jogadores aos planos de fidelização comercial do torcedor, passando pelo
fenômeno da ‘arenização’ dos estádios, o futebol moderno estabeleceu uma nova economia
política que desconsidera os aspectos identitário e de pertencimento, fazendo com que o esporte
seja cada vez mais elitista e menos representativo de suas comunidades. Este capítulo busca,
portanto, analisar as mudanças do futebol na era da globalização no que tange seu papel cultural
de identificação nacional e entender as consequências da sua mercantilização.

3.1 FUTEBOL E NACIONALISMO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

Era dia 12 de julho de 1998, quase dia 13 pelo horário de Paris. Naquele momento,
estima-se que quase um em cada três indivíduos encontrava-se em frente a uma televisão
observando a Taça do Mundo ser levantada pelo francês Didier Deschamps. Poucos
quilômetros a sudoeste do estádio de Saint-Denis, centenas de milhares de pessoas
encaminhavam-se para as proximidades do Arco do Triunfo, símbolo das históricas vitórias
militares francesas. Nas paredes do Arco, entretanto, o rosto projetado não era o de Chefes de
43

Estado, mas sim o do novo herói nacional Zinédine Zidane. Filho de pais argelinos, Zidane
liderou uma equipe que representava bem a nova França multirracial, cuja existência tornava-
se mais concreta a partir daquela campanha futebolística.
Enquanto isso, em um quarto alugado nos andares mais altos de um prédio na Champs-
Elysées, gerentes de uma empresa transnacional de material esportivo também se encontravam
extasiados. Afinal, as tradicionais três listras da sua marca — presentes nos uniformes dos
campeões — eram facilmente perceptíveis para cerca de 2 bilhões de indivíduos espalhados por
quase 200 países do globo. Não obstante, foi a sua propaganda local que obteve a melhor adesão
popular, especialmente após o seu lema “la victoire est en nous” ser repetidamente projetado
sobre a superfície do Arco durante a madrugada do dia 13 de julho.
O caso descrito exemplifica o papel do futebol como elemento de identidade nacional
e, ao mesmo tempo, está diretamente ligado às transformações ocorridas no período pós-Guerra
Fria devido ao processo de globalização. A Copa do mundo de 1998 na França ficou marcada
pela disputa acirrada entre Nike e Adidas, as duas maiores empresas do ramo de material
esportivo. A segunda, após sofrer com o comportamento e a eliminação do seu principal garoto-
propaganda, David Beckham, alcançou a glória quando a seleção francesa conquistou seu
primeiro título mundial contra a seleção brasileira em uma final que evidenciava a disputa entre
essas corporações, uma vez que a França era patrocinada pela Adidas e o Brasil pela Nike.
Naquele dia 12 de julho, além da vitória francesa, outro fator envolvendo a escalação da
seleção brasileira acarretou grande repercussão. Na lista de jogadores divulgada minutos antes
da partida, o atacante Edmundo substituía o então melhor jogador do mundo, Ronaldo.
Conforme revelado na sequência, Ronaldo havia sofrido convulsões na noite anterior à partida,
porém, após ser levado ao hospital e nada de conclusivo ter sido constatado, o jogador teria sido
escalado para iniciar a partida (WISNIK, 2008). A apática atuação junto à seleção brasileira
como um todo naquela partida decisiva da Copa do Mundo fez com que surgissem
questionamentos a respeito do poder exercido pela transnacional Nike sobre Ronaldo, com
quem tem um contrato vitalício. A escalação do atacante, mesmo que fosse óbvio que ele não
estava nas suas melhores condições físicas e psicológicas, criou rumores de que a Nike havia
exigido a participação do jogador na final.
No início de 1999, o contrato entre a CBF e a Nike se tornou público, servindo para
evidenciar o fato de que a empresa tinha um razoável controle sobre os amistosos da seleção,
bem como sobre onde iriam acontecer e quem entraria em campo (GOLDBLATT, 2006). Desse
44

modo, a intromissão de uma empresa transnacional sobre um ícone do nacionalismo brasileiro


sinalizou para os limites da relação entre a mercantilização do futebol e a manutenção desses
símbolos.
Para Damo (2008), a espetacularização do futebol traz desconfiança e tensão entre os
jogadores e torcedores de um clube. Segundo o autor, enquanto o vínculo dos jogadores com o
clube se sustenta nas leis trabalhistas, permitindo assim que eles ofertem sua força de trabalho
de acordo com a conveniência e possibilidades, os torcedores estão vinculados com o clube
perpetuamente por laços afetivos. Muitas vezes a contratação de um jogador por parte de um
time rival causa revolta na torcida do clube que está realizando a venda, já que, para essa torcida,
o jogador levou em consideração questões financeiras em detrimento do suposto amor pelo
clube. Diante disso, o comportamento exigido dos jogadores para superar a desconfiança do
torcedor é a demonstração de entrega irrestrita. Ao doar-se à causa da equipe, o jogador está,
simultaneamente, doando-se à comunidade afetiva que deposita nele a sua confiança (DAMO,
2008).
No que diz respeito às seleções nacionais, o efeito é o mesmo. A fraca campanha da
seleção brasileira na Copa do Mundo de 2006 despertou discussões acerca da indiferença dos
jogadores em relação à nação. Entre os 23 jogadores que foram convocados para disputar o
mundial, 20 jogavam por clubes estrangeiros e apenas 3 jogavam em clubes brasileiros
(SOARES et al., 2007). O distanciamento da realidade nacional, que passa pelos altos salários
e pelo nível de prestígio mundial alcançado pelos jogadores, gerou o descontentamento da
população em relação à falta de comprometimento apresentado pelos seus representantes:

A explicação mais comum no Brasil foi a de que jogadores distanciados do seu país
de origem, celebrados pelas atuações em poderosos clubes europeus, acomodados a
um sucesso financeiro discrepante das condições brasileiras, tinham perdido a
motivação nacional. [...] Em outras palavras, a globalização teria cavado, mesmo para
o “país do futebol”, uma cisão entre a vertente passional, gratuita e amadora do jogo,
tradicionalmente apresentada nas copas do mundo, e a vertente transnacional do
esporte moldada pelo capital, representada especialmente pelos campeonatos
europeus onde todos passaram a jogar (WISNIK, 2008, p.386).

Para Escher e Reis (2008), contudo, é justamente pelo fato de o futebol ser o principal
elemento da identidade nacional brasileira que um jogador dificilmente se recusaria a disputar
45

uma Copa do Mundo. De acordo com os autores, “além de contribuir para a imagem do jogador,
já tornado um objeto manipulável, valorizando-o para o mercado, eles realmente incorporam o
discurso de representantes da nação brasileira” (ESCHER e REIS, 2008, p.7). Hobsbawm
(2007, p.94) destaca que “os imperativos não-econômicos da identidade nacional têm tido força
suficiente para afirmar-se no contexto do jogo” e consolidam a Copa do Mundo como “o
elemento principal e mais poderoso da presença econômica global do futebol”.
Todavia, os episódios envolvendo a preparação da seleção brasileira na cidade de
Weggis, na Suíça, comprovam ser problemática a aliança entre o futebol e a comercialização,
com destaque para o discurso midiático propagando esse tipo de relação. A CBF, seguindo
interesses de cunho mercadológico e na tentativa de espetacularizar todas as atividades da
seleção que era favorita ao título mundial de 2006, abriu completamente os treinos da equipe
tanto para os jornalistas quanto para o público, reforçando a publicidade da imagem da seleção
em detrimento da concentração necessária para a conquista de uma Copa do Mundo (WISNIK,
2008).
Entretanto, a cultura futebolística não pode ser caracterizada pela homogeneização,
mesmo considerando o grau de comercialização do futebol contemporâneo. Em contrapartida
ao que é sugerido por teóricos da globalização, o aumento da influência das empresas
transnacionais e o incremento da comunicação global não extinguiram o nacionalismo como
uma fonte de identidade (NELSON, 2007). Conforme Guibernau (1997), na verdade o
nacionalismo representaria uma resposta direta à sensação coletiva de fragmentação das
identidades existentes para dar espaço a uma identidade global.
Como destacado por Guedes (2006, p.77), “quanto mais as fronteiras dos Estados-
nações são penetradas pela economia transnacional e por uma ordem política mundializada,
mais significativas se tornam as formas modernas assumidas pelas identidades nacionais, bem
como os veículos de que se servem”. Este paradoxo é refletido na cultura que envolve o futebol,
com a mercantilização do esporte e a construção de culturas transnacionais de um lado e a
permanência de rituais simbólicos nacionais e de pertencimento local — que devem ser
exaltados pelo futebol globalizado para que este se sustente — do outro (SOARES et al., 2007;
ESCHER; REIS, 2008).
Dessa forma, os fenômenos nacionalistas possuem uma relação muito próxima com a
paixão que move populações pelo esporte. De acordo com Hobsbawm (1993), a arena que
apresenta a maior identificação da população com a nação da qual faz parte é a futebolística.
46

Esta relação pode ser identificada em diversos episódios da história mundial, como no caso do
Dínamo de Kiev, um “simples” time de futebol no qual a população da Ucrânia viu perdurar o
sentimento à pátria, capaz de unir seu povo durante os anos em que o país foi ocupado pela
Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
Outro exemplo dessa relação é o caso da intensificação dos discursos nacionalistas nos
meios de comunicação na Argentina devido à crise que o país enfrentou às vésperas da Copa
do Mundo da Coréia e do Japão. Os discursos argentinos vinculavam, inclusive, um possível
êxito na competição à uma diminuição do conflito social, o que era enfaticamente negado pelo
treinador Marcelo Bielsa.
Por sua vez, a Copa do Mundo de 2018 na Rússia também foi palco de polêmicas
envolvendo questões nacionalistas. Após a vitória da Croácia sobre a seleção anfitriã, o
zagueiro croata Domagoj Vida e o membro da comissão técnica Ognjen Vukojevic publicaram
um vídeo nas redes sociais no qual ambos gritavam “Glória à Ucrânia”, fazendo referência ao
slogan da revolução que levou à destituição do presidente ucraniano pró-Rússia Viktor
Yanukovich em 2014 e a uma enorme crise na relação entre os dois países. Posteriormente,
outro vídeo em que o zagueiro grita “Queima Belgrado!” foi vazado.
Além desse episódio, a região dos Balcãs foi alvo de outra polêmica de cunho
nacionalista nas eliminatórias da Eurocopa de 2016. Durante a partida entre Sérvia e Albânia
no ano de 2014, um drone sobrevoou o estádio Partizan, na capital sérvia, carregando a bandeira
albanesa e gerou uma confusão generalizada assim que dois jogadores da Sérvia capturaram o
drone. Os jogadores das duas seleções começaram a se enfrentar e os torcedores sérvios
invadiram o campo, fazendo com que o conflito acabasse em repressão policial e com as duas
federações sendo multadas e perdendo pontos na competição.
Apesar do histórico de confrontos entre Sérvia e Albânia devido à questão da região do
Kosovo e à rivalidade entre mulçumanos albaneses e cristãos ortodoxos sérvios, a UEFA não
vetou que os dois países caíssem no mesmo grupo nas eliminatórias, como acontece entre
Gibraltar e Espanha e entre Rússia, Geórgia e Ucrânia. Para Nelson (2007), as Copas do Mundo
promovem uma aliança entre Estados-nações e as empresas transnacionais, ainda que os seus
respectivos interesses sejam contrapostos. Apesar do nacionalismo estar ligado de forma
implícita ao Estado-nação e o mesmo não ocorrer com as transnacionais, na ocasião de grandes
eventos como esse, ambos convergem na tentativa de explorar a emoção e o entusiasmo
característicos da competição.
47

Enquanto o futebol, ainda que tenha se tornado uma cultura de massas global, age no
sentido de incentivar expressões nacionalistas, as empresas transnacionais são favorecidas pelo
surgimento de um mercado global com preferências homogêneas. Essas empresas, então, atuam
no sentido de terem a sua marca vinculada à lógica do espetáculo, mas afastadas o suficiente de
um nacionalismo politizado que se oponha à agenda de desregulamentação dos mercados. Tal
desafio é enfrentado pela FIFA, uma que a federação deve equilibrar os seus objetivos globais
com o fato de que a exaltação nacional é inerente ao futebol internacional (NELSON, 2007).
Dessa forma, a estrutura social que legitima o futebol como um dos meios mais poderosos de
identificação nacional traça diretrizes para os atores e condiciona o seu comportamento.
No sentido contrário, ícones de identificação nacional exaltam culturais locais a fim de
conquistar visibilidade e reconhecimento global. O clássico do futebol escocês denominado a
“Velha Firma” (The Old Firm), considerado por muitos a maior rivalidade do futebol mundial,
exemplifica a complexa dialética entre cultura local e mercantilização. De um lado, o Celtic,
fundado em 1888 por um padre marista, representava a comunidade marginalizada dos
imigrantes católicos de Glasgow, enquanto do outro o Rangers, fundado em 1872, seria adotado
pela sociedade protestante escocesa por acumular vitórias sobre o Celtic. Em 1910, o clube
reforçou essa condição ao banir jogadores católicos, ainda que do outro lado o Celtic nunca
tenha adotado uma política de contratações baseada em questões religiosas (FOER, 2005;
GIULIANOTTI, 1999; MURRAY, 2000).
Além da questão religiosa, ambas as equipes também representam o problema nacional
na turbulenta Irlanda do Norte. Com o uniforme mesclando verde e branco e utilizando um
trevo em seu emblema, o Celtic tem uma relação íntima com a católica República da Irlanda,
cuja bandeira é bastante utilizada nas partidas do clube. O Rangers adotou o vermelho, branco
e azul do Reino Unido em seu uniforme oficial e seus torcedores costumam vestir camisas e
portar bandeiras laranjas para celebrar a queda da monarquia católica em 1688 por Guilherme
de Orange. Nos dias de clássicos, é comum ver os torcedores do Celtic celebrando os atentados
do Exército Republicano Irlandês (IRA) e os torcedores do Rangers cantarem o hino do império
britânico (FOER, 2005; MURRAY, 2000).
Muitos acreditavam que a mercantilização do futebol no início dos anos 90 poderia
causar um grande impacto sobre o sectarismo da “Velha Firma”. Graeme Souness,
administrador do Rangers, defendendo que o clube deveria escolher entre o sucesso e o
sectarismo, contratou o ex-jogador católico do Celtic, Maurice Johnston, e renunciou à política
48

anticatólica. Em contrapartida, torcedores reuniram-se do lado de fora do estádio do clube para


queimar bandeiras e ingressos para a temporada, além de organizarem velórios para lamentar a
morte da histórica identidade protestante do clube. Do outro lado, torcedores do Celtic também
protestaram contra a postura do jogador em escolher pela mudança para o rival (FOER, 2005;
GOLDBLATT, 2006).
Apesar disso, a mercantilização resultou numa importante adaptação da cultura local no
que diz respeito às transferências de atletas. Jogadores católicos de outros lugares do mundo
não são mais vistos pelos torcedores do Rangers da mesma forma que os católicos irlandeses
(GIULIANOTTI, 1999). Como resultado, desde o final da década de 90, o Rangers tem
colocado em campo um número de católicos que chega perto de se igualar ao número do Celtic.
Além disso, os dois clubes também não demonstram intenções de reprimir as intolerâncias
religiosas de seus torcedores, tendo como objetivo aproveitar o reconhecimento mundial da sua
rivalidade para lucrar de forma conjunta.
Goldblatt (2006, p.717) identifica que “ao mesmo tempo em que os dois clubes se
tornaram mais semelhantes institucionalmente e mais vinculados economicamente, o grau de
rancor entre os torcedores também aumentou”. O sectarismo sempre foi um negócio lucrativo
para os dois clubes, pois seus jogos geralmente alcançam lotação máxima (MURRAY, 2000).
Procura-se, assim, promover mundialmente essa particularidade cultural de uma forma
particular, conforme aponta Foer (2005):

os clubes armazenam o ódio étnico, ou fazem apenas tentativas periódicas de


desencorajálo, porque sabem que isso faz pleno sentido do ponto de vista comercial.
Mesmo no mercado global, eles atraem torcedores que anseiam pela identificação
étnica - e por participar de uma luta existencial em defesa de sua tribo. Se perdessem
a fraseologia extremista, estariam perdendo dinheiro. De fato, desde o início de sua
rivalidade, Celtic e Rangers foram cognominados a “Velha Firma”, pois são vistos
como tendo feito um conluio para lucrarem com o ódio recíproco (FOER, 2005, p. 40
e 41).

Como destacado por Giulianotti e Robertson (2006), ainda que os clubes pretendam
expandir o seu mercado para além das fronteiras nacionais, eles devem manter os laços que o
vinculam à sua cultura local. Impossibilitados de alcançar grandes lucros no limitado mercado
escocês, os dois clubes procuram apoio no apelo mercadológico da história da rivalidade e do
49

sectarismo para reforçar sua visibilidade e suas receitas. A opção mais favorável, como afirma
Giulianotti (2003), é a Old Firm participar do Campeonato Inglês (Premier League), a Liga
nacional mais competitiva e mais lucrativa do mundo. Porém, tanto a FIFA quanto a UEFA se
opõem à essa mudança, alegando que os clubes deveriam restringir-se às suas fronteiras
nacionais.
Portanto, o futebol proporciona um espaço privilegiado de materialização daquilo que
Guibernau (1997) considerou essencial para a formação de identidades: a diferenciação em
relação aos outros e a continuidade no tempo. Ao mesmo tempo que o futebol se difunde de
forma altamente comercializada, parecendo convergir para o estabelecimento de uma cultura
de massas global, ele continua sendo visto como uma arena legitimada de diferenciação
nacional, devido ao significado que carrega. Além disso, as seleções nacionais, ícones sagrados
para a maioria das nações, constroem de forma gradativa, principalmente por meio das Copas
do Mundo de quatro em quatro anos, uma continuidade em relação ao passado histórico. Nesse
sentido, o futebol e o nacionalismo convergem no sentido de evitar a fragmentação e a dúvida
características do processo de globalização.
De um modo geral, a comercialização desse esporte influencia e é influenciada pelos
significados atribuídos ao próprio futebol. Não obstante, a alta mercantilização do futebol torna
essa relação mais tensa e frágil, cabendo especialmente à FIFA a responsabilidade de
empreender normas, valores e ideias que concorram para a manutenção do vínculo coletivo na
prática futebolística.

3.1.1 Nacionalismos, separatismos e a xenofobia

Os processos migratórios internacionais na era contemporânea e a globalização como


ameaça à identidade nacional retomaram o espectro do nacionalismo, provocando a exaltação
de uma nação sem considerar a presença de migrantes em seu território. Ao contrário dos anos
1920 e 1930, o nacionalismo dos dias atuais se encontra em uma posição politicamente mais
defensiva. Não é a expansão territorial nem o domínio de outros povos que serve de motivação,
mas sim a soberania nacional.
Após o Norte da África e o Oriente Médio constituírem palcos de diversos conflitos,
novas diásporas marcaram o mapa mundial e a Europa testemunhou uma onda de imigração
nos últimos tempos. A França, por exemplo, que colonizou inúmeras regiões do Oriente Médio
50

e da África, acabou por criar uma intensa cultura de racismo e xenofobia contra esses
imigrantes. A manifestação dos preconceitos se deu, inclusive, no âmbito do futebol.
Tanto a seleção francesa de 1998 quanto a de 2018, ambas campeãs mundiais,
representaram fielmente o país multiétnico que a França se tornara. Enquanto a seleção campeã
em 1998 contava com Zidane (filho de argelinos), Lizazaru (basco), Pires (português),
Djorkaeff (armênio), Vieira (senegalês), Desailly (ganês), Karembeu (polinésio), Trezeguet
(argentino) e Lama (guianense), a seleção que conquistou o segundo título mundial francês em
2018 tinha em seu elenco Mbappé (filho de pai camaronês e mãe argelina), Dembelé (pai
malinês e mãe senegalesa), Corentin Tolisso (filho de imigrantes do Togo), Pogba (pai congolês
e mãe guinanse), Nzonzi (congolês), Matuidi (pais angolanos), Kanté (pais e mãe do Mali),
Umtiti (camaronês), Mendy (pais senegaleses), Kimpembe (filho de congoleses) e Steve
Mandanda (congolês). Essa condição obviamente não agradava à extrema-direita francesa. Jean
Marie-Le Pen, por exemplo, criticava essa miscigenação e duvidava que eles pudessem jogar
unidos como uma nação, o que não se sustentou. O primeiro título em 98 viria a demonstrar
que uma nação multirracial e socialmente tolerante poderia ser bem-sucedida (FRANCO
JUNIOR, 2007; GOLDBLATT, 2006).
Contudo, apesar de os jogadores imigrantes e filhos de imigrantes representarem
importantes peças dos times e das seleções europeias, o racismo e a xenofobia ainda se fazem
presentes contra eles. Para Franklin Foer (2005), as tendências xenófobas em uma parcela cada
vez maior da população europeia podem ser facilmente percebidas no estádio de futebol:

“A Europa também mudou por causa da globalização. [...] Antes da guerra, judeus e
ciganos [...] carregavam o fardo do desprezo da cultura europeia pela alteridade. A
chegada de senegaleses, paquistaneses e chineses não dotou o nacionalismo europeu
de uma ideia significativamente mais multiétnica de Estado. Mas difundiu o ódio [...].
Pode-se ver isso com muita clareza no estádio de futebol (FOER, 2005).

Muitas vezes a confusão entre nacionalidade e descendência é responsável por


perpetuar o maior erro no que diz respeito aos imigrantes e filhos de imigrantes: negar a essas
pessoas a sua condição de cidadão europeu. Em relação à seleção francesa de 2018, as notícias
tinham como foco a nacionalidade africana de 18, quando na verdade apenas dois nasceram no
continente. Porém, ainda que tenham nascido em cidades europeias, cabe salientar que a maioria
51

deles cresceu em regiões marginalizadas, de comunidades imigrantes, em condições difíceis de


vida, exatamente por conta da xenofobia e do racismo presentes nessas sociedades.
A multiculturalidade nos países europeus influencia os jovens que, em situação de
exclusão e vulnerabilidade, tendem a procurar formas de ascensão social onde a cor da pele e a
origem não são a parte mais importante do processo: o esporte, a arte, a música, etc. O meio-
campista da seleção francesa Kanté, por exemplo, nasceu na França e estava recolhendo lixo
nas ruas de Paris aos sete anos de idade enquanto seu país era campeão mundial. No ano de
2018, entretanto, ele ajudou a seleção francesa a conquistar seu segundo título mundial na
Rússia.
Por sua vez, o atacante belga Romelu Lukaku, filho de pais congoleses, deu um
depoimento em que declarou que “quando as coisas iam bem, eles me chamavam de Romelu
Lukaku, o atacante belga. Quando as coisas não iam bem... eles me chamavam de atacante belga
com ascendência congolesa”. O caso de Lukaku é emblemático pois o jogador expõe seu
próprio posicionamento na melhor fase de sua carreira e mostra que, apesar da carreira no
futebol ser considerada “fácil” de forma geral, os jogadores são amplamente expostos aos
preconceitos da sociedade. As seleções nacionais, há muito tempo, não representam nada em
termos de nacionalidade, seja pela questão da nacionalidade dos seus componentes ou pelo
afastamento da realidade do país pela saída precoce dos jogadores para clubes internacionais –
como é o caso do Brasil.
Revisitar a historicidade do nacionalismo xenófobo faz com que as notícias de
manifestações de cunho preconceituoso não sejam surpreendentes, mas revoltantes. Nas últimas
décadas observou-se uma ascensão da extrema-direita, com a criação de partidos
ultranacionalistas xenófobos e profundamente conservadores, que exigem maior integração e
cooperação de cunho econômico e tecnológico para resolver os problemas internos, números
crescentes de políticas deslocam-se na posição inversa, advogando mais nacionalismo,
homogeneidade e xenofobia. O fato de o futebol ajudar a explicar todo esse contexto coloca
algumas questões centrais como a importância de entender o que o futebol representa, de
compreender a dinâmica interna desse esporte e, por outro, a responsabilidade de perceber que
esses estudos de futebol devem sempre estar permeados por outros saberes.
Entender o futebol em sua estrutura, enquanto indústria cultural e global, é
fundamental. No processo de discussão sobre imigrações e escolha de seleções para jogar, um
dos pontos mais importantes é enxergar a oportunidade de ser jogador de futebol como um
52

privilégio, visto que somente uma pequena parcela da população demonstra qualidade
necessária para suceder e, mais importante, recebe oportunidade para tal. Não se trata de um
recorte social amplo o suficiente para ser transformado em uma explicação sociológica a
respeito de trajetórias específicas. De forma recorrente, o futebol reflete diversos processos
sociais e ajuda, lado a lado com as ciências humanas e sociais aplicadas, a repensar caminhos.
No contexto de dissolução da Iugoslávia, o futebol refletiu tensões sociais maiores e até
os dias atuais continua a ser um veículo de manifestação nacionalista por parte dos países que
um dia foram apenas um. A ascensão dos ressentimentos históricos se tornou cada vez mais
presente através de atos violentos nos ambientes dos estádios. Em 1990, por exemplo, em uma
partida entre o Dínamo de Zagreb e o Estrela Vermelha de Belgrado, a violência entre as duas
torcidas resultou no grave ferimento de 60 pessoas, tendo sido a primeira vez em quinze anos
que a Iugoslávia testemunhou um confronto aberto entre seus grupos étnicos.
Pouco antes dessa partida, os croatas elegeram o ultranacionalista Franjo Tudjman, ex-
presidente do Partizan de Belgrado, que estimulou as facções mais violentas da torcida do
Dínamo de Zagreb e reforçou o papel do clube enquanto veículo para a independência croata
(FOER; 2005; GOLDBLATT, 2006). Enquanto isso, os torcedores da Arkan – grupo radical da
torcida do Estrela Vermelha de Belgrado –, além de criarem faixas em contraposição ao
catolicismo croata, mobilizaram grupos nacionalistas dentro da torcida para atuar como uma
força paramilitar na guerra contra a Bósnia e a Croácia (FOER, 2005; GOLDBLATT, 2006).
Mais recentemente, durante a Copa do Mundo de 2018 na Rússia – um dos países que
não reconhece a independência do Kosovo –, a partida entre Suíça e Sérvia ficou marcada pela
comemoração dos gols suíços. Ao marcarem na vitória por 2x1, os jogadores Granit Xhaka e
Xherdan Shaqiri comemoraram fazendo o formato da águia de duas cabeças com as mãos, um
elemento presente na bandeira da Albânia. Enquanto o pai de Granit é de origem kosovar e já
foi preso político em 1985 após uma manifestação contra o governo iugoslavo, migrando
posteriormente para a Suíça, Xherdan Shaqiri nasceu no Kosovo e migrou para a Suíça com a
família em 1992. Durante o jogo ambos foram vaiados pela torcida sérvia quando dominavam
a bola, e posteriormente, tanto os jogadores quanto a Federação Sérvia de Futebol, em nome
dos torcedores que se manifestaram politicamente, foram punidos.
Já na Espanha, o FC Barcelona, um dos maiores clubes do mundo, tornou-se um símbolo
das manifestações separatistas catalãs ao dar visibilidade às suas representações. A partir da
década de 1910, o clube adotou o catalão como língua oficial em substituição ao castelhano e,
53

em 1918, participou de uma petição por um estatuto reivindicando a autonomia da região da


Catalunha. As motivações para a independência em forma de Estado-nação giram em torno da
crítica a respeito do déficit na balança fiscal da Catalunha causado pelo governo espanhol.
No contexto da Ditadura de Primo de Rivera, o clube representou uma resistência contra
o fascismo, servindo como ferramenta cultural de identidade e como ferramenta política de
disputa pelo poder e autonomia da região catalã. Durante uma partida no Camp de les Corts, a
torcida do Barcelona proferiu vaias durante a execução o hino espanhol como forma de
posicionamento contra o autoritarismo do governo. Como consequência, o clube teve que ser
fechado durante o período de seis meses e Hans Gamper, fundador e presidente do time na
época, foi pressionado a renunciar e se exilar do país.

3.2 FUTEBOL-NEGÓCIO, IDENTIFICAÇÃO E PERTENCIMENTO

É comum que, ao revisitar a história do futebol, surjam muitas críticas ao chamado


“futebol moderno”. Isso porque o avanço da globalização e da lógica de mercado provocou
mudanças estruturais não só nos clubes e eventos esportivos, mas também nos modos de torcer.
Conforme argumenta Hollanda (2014), a ordem comercial do futebol impôs a necessidade de
busca por torcedores enquanto consumidores, promovendo a elitização dos espaços públicos
como parte de um processo de gentrificação:

O tipo ideal do torcedor também pode ser associado a outras plateias esportivas, como
o tênis, mais preocupadas com o aplauso e a fruição estética das jogadas de efeito do
que com a emulação da vitória, quesito gerador, como se supõe, de rixas e dissensões.
O panorama atual do futebol brasileiro e da Copa do Mundo de 2014 se situa, portanto,
no mesmo horizonte das transformações contemporâneas do mundo esportivo, com a
conversão do torcedor em potencial consumidor. A gentrificação é um fenômeno
observado em diversos espaços públicos nas últimas décadas, na esteira neoliberal que
atingiu a América Latina dos anos 1990 (HOLLANDA, 2014, p. 344).

A apropriação do futebol pela iniciativa privada causou, entre outras coisas, a


valorização do potencial consumidor em detrimento da experiência coletivizada de torcer
(TOLEDO, 2014). Ou seja, visando a nova ordem comercial do jogo, agora o foco dos clubes
está em adequarem suas próprias receitas para tornarem-se competitivos, o que acontece através
de ações pensadas para atrair torcedores de classes mais altas. Assim, para além do ganho com
54

a venda de ingressos – inclusive com a fidelização comercial do torcedor através de planos de


sócio –, os times passam a lucrar com o consumo dentro dos estádios.
Nesse sentido, a ascensão da ideologia neoliberal transformou o futebol e tudo que o
envolve em um produto, e enquanto produto, ele deve ter como ‘público-alvo’ apenas aqueles
que podem consumi-lo na sua totalidade. A mercantilização do futebol promoveu a exclusão de
práticas simbólicas de torcer, como por exemplo com a proibição de sinalizadores em algumas
competições, e se tornou o principal motivo de críticas das torcidas organizadas. Esses grupos
foram os responsáveis por ajudar a popularizar o termo “futebol moderno” a partir da
comparação entre um futebol tradicional, que foi disseminado pela classe trabalhadora, e as
experiências sociais recentes dos torcedores (HOLLANDA; LOPES, 2018).
Para eles, é justamente a presença de torcedores que podem arcar com ingressos mais
caros que elimina o fator “passional” do jogo e reflete um afastamento do sentido cultural e
identitário do futebol. De acordo com Hollanda e Lopes (2018), a tensão entre a “cultura
tradicional”, antes das novas dinâmicas econômicas que moldaram as relações entre clube e
torcida, e a nova economia política do futebol moderno podem ser observadas no interior dos
estádios. O processo de “arenização” desses ambientes traduz esse tipo de tensão através da
elitização dos espaços, subjugando o público pelo privado em função de atender às demandas
da sociedade de consumo (HOLLANDA; LOPES, 2018).
Com a transformação dos estádios em novas arenas multiuso, o objetivo é, sobretudo, a
aptidão para sediar grandes eventos e ofertar produtos em suas dependências visando lucro
máximo. Muitas vezes, essas transformações significam uma redução na capacidade máxima
das arquibancadas, excluindo torcedores que possuem vínculo afetivo com as equipes mas que
se tornaram economicamente irrelevantes para elas. Além disso, como apontam Hollanda e
Lopes (2018), os novos dispositivos tecnológicos presentes nessas arenas buscam reproduzir a
experiência de quem acompanha o jogo através da transmissão televisiva:

As novas praças esportivas têm dispositivos tecnológicos capazes de permitir que o


torcedor acompanhe as partidas como se estivesse no sofá de sua casa. Gigantescos
telões, por exemplo, mostram em detalhes a partida e as manifestações da torcida.
Durante o intervalo, o antes e depois do jogo, inspirado no business, nos talks shows
e no entertainment consagrados pelos espetáculos esportivos norte-americanos, as
telas das arenas repetem, de diversos ângulos, os principais lances. (HOLLANDA E
LOPES, 2018, p. 214)
55

Assim, a hipermercantilização do futebol é amplamente criticada pelos fiéis torcedores


que disputam a narrativa do “significado do torcer”. A crítica tange a garantia do acesso aos
jogos para toda a sociedade, cujas relações com o futebol se transformaram tanto no ambiente
do estádio como nas transmissões pela televisão. Segundo Giulianotti (2010), a indústria do
entretenimento também se favoreceu do futebol como produto, já que a lógica capitalista que
controla a distribuição das transmissões esportivas por meio de emissoras de televisão por
assinatura e do ‘pay-per-view’. Dessa forma, uma parte da população não tem acesso aos jogos
nem no estádio, nem através de transmissões quando não acontecem em sinal aberto
(GIULIANOTTI, 2010).
Ainda segundo Giulianotti (2010), os detentores dos direitos de transmissão também
ditam o calendário esportivo das competições e o seu formato (com jogos de ida e volta, por
exemplo) de acordo com os seus interesses comerciais, o que impacta diretamente a experiência
tanto do torcedor que vai ao estádio como daquele que acompanha na sua própria casa. Indo
além, as transmissões esportivas moldam o sentido de identificação e pertencimento à medida
em que priorizam clubes que se tornaram grandes marcas:

A base do torcedor de pequenos clubes de futebol será irrevogavelmente corroída. Os


clubes da segunda ou terceira divisão desaparecerão da mesma maneira que o dialeto
ou o sotaque da localidade. A próxima geração de torcedores de futebol desarraigados
pode chegar a praticar formas de linguagem e de torcida sem referências locais,
fomentadas pela cobertura espetacular dos times principais pela TV. (GIULIANOTTI,
2010, p. 126)

Nesse sentido, a sobreposição da globalização em relação às experiências sociais em


comunidade enfraquece vínculos comunitários, privatiza espaços, transforma sentidos e
controla manifestações, desconsiderando a memória coletiva a respeito do futebol – uma prática
que permeia a identidade nacional de muitos Estados. Esses fenômenos constituem, portanto, a
nova economia política do “futebol moderno”.

3.3 A NOVA ECONOMIA POLÍTICA DO FUTEBOL


56

Dado o exposto, a nova economia política do futebol concede um poder maior aos clubes
que se tornaram grandes marcas. Dentro das quatro linhas, a receita de uma equipe também
influencia a imprevisibilidade do resultado na medida em que a concentração de renda por parte
dos clubes reflete na sua capacidade de monopolizar jogadores. Para além, as exigências de
performance do futebol moderno agora demandam grandes investimentos em centros de
treinamento, tecnologias avançadas para a avaliação e recuperação de jogadores e a
modernização das práticas e recursos de forma geral (HOLLANDA; LOPES, 2018).
A desigualdade econômica se torna, portanto, um obstáculo em diversos âmbitos para
os clubes menores. Da mesma forma que a organização social do trabalho no sistema capitalista
orienta as relações entre jogadores e os clubes para os quais trabalham, a maximização da
performance é sustentada pela lógica do potencial mercadológico. Hollanda e Lopes (2018)
argumentam que as instituições esportivas incapazes de sobreviver financeiramente diante
dessa nova ordem acabam se fundindo entre si, em sobreposição às suas histórias, tradições e
identidades:

Para agravar a disparidade da situação, as desigualdades econômicas (e, por extensão,


técnicas) entre as ligas nacionais e dentro delas têm crescido de maneira significativa.
Além disso, como o foco dos clubes é cada vez mais ampliar seu potencial
mercadológico, aquelas agremiações que não são consideravas viáveis do ponto de
vista financeiro têm sido fundidas com seus rivais, passando por cima de sua história
e de identidade de seus torcedores (Kenneddy e Kennedy, 2012). É a partir desse
cenário conflituoso e contraditório que uma série de movimentos de torcedores têm
surgido na Europa e pelo mundo (HOLLANDA E LOPES, 2014, p. 215).

No contexto de profissionalização do jogo, atualmente também é comum testemunhar


times adotando o modelo de ‘clube-empresa’. A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) propõe
um formato em que os clubes operam como uma empresa capitalista, com o futebol se tornando
uma instituição com fins lucrativos visando investimento externo. Como aponta Giulianotti
(2010), a estrutura tradicional dos clubes desestimula que grandes investimentos financeiros
sejam feitos por donos de empresas de outros ramos, tendo em vista a participação dos sócios
no processo decisório do clube limitando a ação por parte de investidores.
No continente europeu muitos clubes já adotaram esse novo modelo de gestão.
Enquanto o Paris-Saint German, principal clube francês, pertence a um fundo de investimentos
do governo do Qatar, o Manchester City, da Inglaterra, pertence a uma família que administra
57

Abu Dhabi. Para Giulianotti (2010), que desenvolve uma crítica marxista sobre as relações de
trabalho dos jogadores de futebol, esse contexto faz com que os jogadores sejam convertidos
em trabalhadores alienados da sua produção e os clubes extraiam mais-valia e lucro do trabalho
desses atletas.
Em campo, os jogadores desempenhariam um conjunto limitado de movimentos com
o objetivo de viabilizar o funcionamento de um sistema de jogo pré-definido que se sobrepõe à
criatividade – um dos principais alvos de críticas do “futebol moderno”. Portanto, é possível
afirmar que o desenvolvimento do aspecto tático no futebol atual seria o equivalente à divisão
social do trabalho, existindo uma similaridade com a linha de produção fordista
(GIULIANOTTI, 2010). Além disso, existe a imposição de um tipo de “mentalidade” que diz
respeito à obediência do jogador:

Essa obsessão pela ação controlada e dirigida é parte da não liberdade do esporte
(Adorno, 1967), a predominância da “ação racional-determinada” sobre a “ação
comunicativa” consensual (Habermas, 1970). No futebol, isso significa planejamento
para evitar derrota muito mais do que um debate a respeito de como o jogo deveria
ser praticado. Aos jogadores é negada a oportunidade de superar o desempenho de
seus adversários individuais; o objetivo maior de sucesso do time, seguindo as
instruções do técnico, tem prioridade (Overman, 1997, p. 197). Ao mesmo tempo, “o
fetichismo da mercadoria” aflige os jogadores mais bem remunerados, uma vez que
se tornam conhecidos e apreciados por seu valor da “etiqueta de preço” muito mais
do que por suas qualidades técnicas ou por seu valor intrínseco (Marx, p. 1963, p.
183). (GIULIANOTTI, 2010, p. 143 - 144).

Além disso, outra transformação ocorreu no que diz respeito à figura do jogador. Se no
futebol de antes ele era tido como um herói nacional, inculcando valores da comunidade
imaginada e a representando, hoje ele é visto como celebridade. Os jogadores de futebol
acompanharam o processo de modernização da modalidade, uma vez que se tornaram símbolos
da ideologia neoliberal através do discurso de ‘superação’.
Em relação ao processo de modernização, Giulianotti (2010) entende que a consolidação
do Estado-nação moderno e a afirmação da identidade nacional constituíram processos
importantes. O uso de uma linguagem comum, a disseminação de valores cívicos comuns por
meio do sistema educacional e o desenvolvimento de meios de comunicação em massa foram
apenas alguns dos fatores que contribuíram para que se estabelecesse um sentimento identitário
58

nacional, que por sua vez era palpável através de elementos culturais. É nesse contexto que o
futebol é inserido e reforçado. Contudo, com a mercantilização da cultura popular, o futebol foi
incorporado à lógica do espetáculo, transformando-se em mais um produto da indústria cultural.

CONCLUSÃO

No decorrer desse trabalho, procurou-se explorar os motivos e a forma pela qual o


futebol, esporte mais popular do mundo, consolidou-se como um dos principais elementos de
identificação nacional no período pós-Guerra Fria. Com esse propósito, e tomando como base
a Teoria construtivista de Relações Internacionais, o marco teórico estabelecido objetivou
destacar importantes conceitos das teorias do nacionalismo, principalmente a invenção das
tradições (HOBSBAWM, 1984) e a ideia de comunidade imaginada (ANDERSON, 1983).
Além disso, os conceitos de cultura e identidade foram explorados a fim de entender a
interdependência entre eles quando se trata do futebol. Ao mesmo que tempo esse esporte,
enquanto prática cultural, é capaz de atuar na manutenção de identidades, a diferenciação entre
o “eu” e o “outro” inerente ao processo de formação de identidade no sistema internacional dita
a cultura atribuída a esses atores.
Argumentou-se que a capacidade de mobilização de massas e os significados
atribuídos ao futebol o transformaram em ferramenta política, cultural e social capaz de ser
utilizada para fins de propaganda política e como uma esfera em que posicionamentos poderiam
ser expressos, como no caso dos boicotes olímpicos. Os exemplos citados buscaram expor a
pluralidade das situações, tanto em relação à geografia quanto às motivações, em que o
nacionalismo se utilizou do contexto futebolístico. Como consequência, é possível testemunhar
diversos casos de xenofobia com jogadores de futebol que atuam fora de seus países, assim
como durante as competições internacionais periódicas. Também foi possível verificar casos
em que os clubes de futebol se tornaram símbolos de movimentos separatistas, uma vez que o
estádio era o ambiente em que algumas manifestações poderiam acontecer sem maiores
represálias.
Entretanto, observou-se que o futebol pode cumprir um papel de comunicação e
aproximação entre os povos. A consagração global do futebol não está desvinculada da
dinâmica cultural característica da globalização, pois interage com ela. Adotou-se a opinião de
que a homogeneização cultural é insustentável, tendo em vista a necessidade natural dos
59

indivíduos de superarem a dúvida e a fragmentação características da globalização por meio da


diferenciação em relação aos outros e da manutenção de um vínculo de continuidade no tempo
(GUIBERNAU, 1997).
Portanto, percebe-se que não foi por acaso que o futebol adquiriu tamanha importância
para a maioria das sociedades. Ao passo que esse esporte se disseminou mundialmente de forma
altamente comercializada, criando a impressão de que iria se constituir numa cultura global por
excelência, ele mantém consolidado o seu significado social de arena para a diferenciação
nacional. Salvo poucas exceções, as características do futebol são o suficiente para que as
sociedades o associem ao fortalecimento dos laços coletivos e de distinção nacional.
Essa estrutura social de valores influencia o comportamento dos atores,
particularmente daqueles que buscam o lucro com a comercialização do esporte. A
mercantilização não deve, entretanto, se sobrepor às experiências e práticas sociais do futebol.
A lógica capitalista não pode se sobrepor ao elemento de identificação e pertencimento,
excluindo uma das principais figuras do esporte, o torcedor, e se afastando da cultura popular.
Dessa forma, o estudo alertou sobre os limites da nova economia política do futebol, os quais
podem vir a significar o esvaziamento simbólico do esporte que move paixões ao redor do
mundo todo há séculos.

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