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Ponto 3 – Anarquismos, teoria social e mundo industrial

 Críticas ao anarquismo em geral


o Hobsbawn, mais especificamente
 Historiografia sobre o anarquismo
 Historiografia brasileira.

 Desde o surgimento do movimento anarquista, entre fins do século XVIII e início do século XIX, os
instrumentos midiáticos foram bastante utilizados pela classe dominante para pintar um quadro da anarquia
fundado no deturpamento e omissão da verdadeira bandeira erguida pelos anarquistas: a liberdade plena
associada ao conceito de igualdade.
 o anarco sindicalismo que vigorou, principalmente, nos inicio do século XX entre os operários que
trabalhavam no Brasil
 A anarquia é um estado de sociedade onde governa a razão. Em anarquia todos os seres humanos tem
direito a vida e a usufruto das riquezas naturais e do trabalho coletivo.
o É uma sociedade baseada fundamentalmente na liberdade plena, para que o ser humano possa
desenvolver todas as suas capacidades e potencialidades formando a verdadeira ideia de que todos
somos iguais, irmão.

O Anarquismo é uma ideologia que tem por base a auto gestão e a quebra de hierarquias e dominações.

O veganismo tem sido elitizado, e os artigos veganos industrializados são produzidos através da exploração de mão
de obra e da natureza.

Os entrevistados, uma vez que se preocupam com a questão animal e com a questão de classe, procuram
alternativas em coletivos e outros meios mais horizontais.

No entendimento deles, sem haver uma libertação humana e uma tomada de consciência, não há como libertar os
animais em larga escala e o veganismo ficará sempre limitado às camadas que podem ter tempo para produzir
comidas artesanais, ou dinheiro para comprar os caros produtos veganos presentes nos grandes supermercados

 o anarquismo é pouco estudado e, mesmo, pouco conhecido, dentro e fora da academia


 Por um lado, uma produção militante, dos próprios anarquistas que, com função mais política do que
científica,
 Por outro lado, uma produção acadêmica, que, bastante escassa, debruçou-se sobre algumas dessas
questões.
 é natural que investigações que, de certa maneira, coloquem em xeque pressupostos básicos
 destes sistemas, apresentem ou fortaleçam alternativas a ele, tendam a ser desfavorecidas
 o fato de o anarquismo ter constituído uma corrente minoritária fez com que, com frequência, se
identificasse completamente esquerda e socialismo com o marxismo, num processo em que as experiências
soviética, chinesa e cubana contribuíram significativamente.
o Soma-se a isso o fato de, em diversos países, os marxistas terem, deliberadamente, decidido
disputar espaço na academia, o que lhes proporcionou, em várias circunstâncias, condições para o
estudo e a difusão de suas idéias
 “mais do que qualquer outra ideologia moderna, o anarquismo tem sido mal-compreendido,
inclusive pelos acadêmicos” Lucien van der Walt
 Entre os anos 1960 e 1980 houve, globalmente, uma retomada do interesse nos estudos sobre o
anarquismo, motivada, em grande medida, pela Nova Esquerda, potencializada pelo Maio de 1968 e pelo fim
das ditaduras civis-militares em muitos países.
 As concepções vigentes de anarquismo têm estado profundamente permeadas de senso comum,
abordagens completamente ideológicas e problemas teórico-metodológicos
 Os termos “anarquia” e seus derivados vêm sendo conceituados em termos de desordem, confusão,
desorganização e caos. O Dicionário Online de Português, por exemplo, em sua conceituação de “anarquia”,
inclui “desordem, confusão:
 esse senso comum vem sendo forjado há séculos, em grande medida como uma caricatura e um contra-
imaginário produzido pelos adversários do anarquismo.
 George Woodcock (1998, p. 11) confirma essas raízes gregas do termo: “archon, que significa governante, e
o prefixo an, que indica sem. Portanto, anarquia significa estar ou viver sem governo”.
o Em alguma medida, essa noção foi adotada por pensadores clássicos da teoria política,
 Thomas Hobbes, John Locke, Jean Jaques Rousseau
 são bastante antigas as noções de que “anarquia” constituem ausência de governo e dissolução do Estado e,
a parir da Revolução Francesa, de que “anarquistas” são aqueles que possuem um papel desagregador e
nocivo para a sociedade, visto que, questionando o status-quo, o Estado, o governo, colocam em xeque a
própria sociedade.
o A concepção de que Estado é sinônimo de sociedade, hegemônica durante significativo período,
contribuiu amplamente para que a contraposição a ele significasse a destruição da sociedade e o
próprio caos.
 No Brasil, ainda antes de 1890, em uma das matérias publicadas em Província de São Paulo, Euclides da
Cunha, à época simpático a Proudhon, escreve: “Nós (os republicanos), podíamos perfeitamente levantar
esta palavra (a anarquia), que se nos aira como um armamento inquebrável; podíamos revestir-nos do título
de anarquistas”
 Especialmente o marxismo tem contribuído, tanto em termos políico-ideológicos, quanto dentro das
universidades, para que o anarquismo seja considerado uma doutrina pequeno burguesa, liberal, idealista,
individualista, espontaneísta, contrária à organização e ligada essencialmente aos camponeses e artesãos do
“mundo atrasado” em declínio
 Eric Hobsbawm (1985, pp. 96; 91) argumenta que o anarquismo fundamenta-se em “versões extremadas do
liberalismo individualista”, “não tem qualquer contribuição signiicaiva a fazer à teoria socialista
 Em termos históricos, Hobsbawm (1985, pp. 90-92) continua: o anarquismo pertence “ao período pré-
industrial e, em todo caso, à era anterior à Primeira Guerra Mundial e à Revolução de Outubro, exceto na
Espanha
o Senso comum douto: uma transcrição do discurso do senso comum para o campo científico, mas,
ainda assim, senso comum.
 2.) Foco quase exclusivo na Europa Ocidental / eixo do Atlânico Norte. 3.) Foco nos grandes homens, com a
utilização da história vista de cima. 4.) Abordagens ahistóricas, que vinculam o anarquismo à utilização
terminológica e/ou à autoidentificação dos anarquistas.
 Além disso, a maioria desses estudos utiliza um modelo de história das idéias políicas, que prioriza a análise
e o comentário das grandes obras, dos “grandes homens”.
 Outro problema desses estudos – em especial os de Marshall, Netlau e Woodcock – é que o anarquismo não
é situado historicamente; para esses autores, o anarquismo sempre teria existido e constituiria, assim, um
fenômeno ahistórico, sem relação com o contexto.
o Marshall (2010, pp. 3-4) considera que o “primeiro anarquista foi a primeira pessoa que sentiu a
opressão de outra e rebelou-se contra ela” e que o anarquismo é uma “tendência reconhecível na
história humana”, cuja origem deve ser buscada “milhares de anos atrás”.
o Netlau (2008, no prelo) inicia sua história do anarquismo um capítulo que vai desde Zenão (333-264
a.C.) até a Revolução Francesa.
o Woodcock (2002, vol. I, p. 40) também remete o anarquismo aos tempos remotos, identificando
elementos anarquistas nas obras de ilósofos como “Lao Tsé e Zenão, Éienne de la Boeie, Fénelon e
Diderot”,
 Os estudos referenciais também se utilizam de um recurso de parir da análise etimológica do termo
“anarquia” e seus derivados para chegar a um conceito de anarquismo, como são os casos de Woodcock
(2002, vol. I, p. 8) e Marshall (2010, p. 3).
o Woodcock (2002, vol. I, p. 17) sustenta que o anarquismo “existe na Europa desde 1840
ininterruptamente”, um marco que certamente se refere à utilização positiva que Proudhon (1988,
p. 233-237) fez do termo “anarquia”, em O que é a Propriedade?
 Outro ponto crítico que tem sido relativamente comum é a realização de estudos do anarquismo que tomam
em conta exclusivamente militantes, periódicos ou grupos/organizações que se reivindicavam
explicitamente anarquistas, deixando de lado as lutas sociais com as quais os anarquistas estiveram
envolvidos e foram, muitas vezes, a força hegemônica, como no caso do sindicalismo revolucionário e do
anarco-sindicalismo
 Isso ocorre especialmente com as definições que conceituam o anarquismo como sinônimo de luta contra a
dominação (ou contra a autoridade), em geral, ou como antiestatismo, em particular; isso subsidia, para
alguns autores, a afirmação do anarquismo como uma doutrina que é a antítese do marxismo
 pode-se afirmar que as definições de anarquismo de Netlau, Woodcock e Marshall, assim como a de Faure,
caminham no sentido de definir o anarquismo como sinônimo de luta contra a dominação.
o Eltzbacher (2004, p. 292) conceitua o anarquismo como sinônimo de antiestatismo
 Há inúmeras conclusões equivocadas que derivam desses problemas, dentre as quais apontamos seis, que
sustentam que o anarquismo:
o 1.) É sinônimo de luta contra a dominação, antiestatismo e/ou antítese do marxismo;
o 2.) Constitui uma ideologia incoerente;
o 3.) Não teve um impacto popular significativo;
o 4.) Praticamente terminou depois da derrota na Revolução Espanhola, em 1939,
o 5.) Mobilizou bases classistas restritas, restringindo-se aos camponeses e artesãos em declínio, não
conseguindo adaptar-se ao capitalismo industrial;
o 6.) Fundamenta-se em bases idealistas, espontaneístas, individualistas e juvenis.
 Conceituar o anarquismo como sinônimo de antiestaismo tem permitido extrapolações que beiram o
absurdo, quando, por exemplo, Marshall (2010, p. 559-565) fala em uma corrente “anarco-capitalista” e
inclui entre os anarquistas Margareth Thatcher, Buda, Marques de Sade, Che Guevara e outros.
 Além disso, de acordo com Joll (1970, p. 327-328), o anarquismo sustenta- se em uma “visão românica,
saudosista, de uma sociedade do passado composta por “artesãos e camponeses”, a qual lhe caracterizaria
como algo antigo, do passado, e pouco adaptado para a sociedade industrial; trata-se de um argumento
similar ao de Hobsbawm
 Esse flerte com certo “primitivismo” seria, assim, uma característica inata do anarquismo e um dos fatores
que o teria impedido de se desenvolver de maneira mais ampla, fundamentalmente entre o operariado
urbano e industrial;
 ao passo que a “democracia prega a soberania do povo”, o “anarquismo [defende] a soberania da pessoa”.
 o anarquismo é um fenômeno global, com presença permanente nos cinco continentes do mundo, há
praticamente 15 décadas, ainda que entre luxos e refluxos.
 Esse constitui um dos principais motivos de consideramos insuficientes as conclusões precipitadas levadas a
cabo pelos estudos referenciais, visto que conceituam o anarquismo a parir de uma base restrita de autores
e episódios, generalizando sobre um número muito restrito de autores e ignorando grande parte, senão a
maior, das manifestações históricas do anarquismo
 Entendemos, também, ser necessário criticar as abordagens que se apóiam na “história vista de cima”;
 Por isso, consideramos que esse modelo de história – que teve seus limites demonstrados por diversos
historiadores, com destaque para a influência de E. P. Thompson
 Não consideramos adequado relacionar o anarquismo com o surgimento de um “espírito antiautoritário”,
mais ou menos ligado à natureza humana, e que teria se manifestado desde o início dos tempos
o mito legitimador”.
 Seu objetivo, assim como o entendemos, era demonstrar aos adversários do anarquismo que aquilo que
pregavam os anarquistas não contrariava a natureza humana; e, para isso, ele sem dúvidas contribuiu, ao
demonstrar que as manifestações autoritárias acompanham o desenrolar de toda a história humana.
 Um fenômeno histórico não pode ser reduzido ao termo utilizado para referir-se a ele. Além disso, uma
análise etimológica do termo “anarquia” e de seus derivados só pode apontar para uma negação – do
governo, do Estado, da autoridade –, ou seja, para elementos “destrutivos”, de crítica social;
 anarquismo, entretanto, sempre possuiu elementos construtivos, objetivos e estratégias para atingi-los.
 durante o século XX, por exemplo, a principal tarefa à qual se dedicaram os anarquistas foi a construção de
sindicatos revolucionários e a participação nesses sindicatos. Portanto, ignorar as manifestações do
anarquismo nos movimentos populares, em especial no seio do sindicalismo de intenção revolucionária,
implica amputar do anarquismo sua principal manifestação histórica
 inserir os clássicos anarquistas em seus contextos, compreender sua relação com os movimentos populares
de sua época e reconhecer a relação dialética anteriormente mencionada entre eles e as lutas sociais de seu
tempo, protagonizadas por milhares de militantes anônimos.
 Compreendemos que buscar essa relação entre anarquismo e lutas sociais não é tarefa simples, visto que os
movimentos populares que tiveram participação e/ou hegemonia anarquista incluíram milhares de
militantes que nunca se identificaram com o anarquismo.
o Por isso, acreditamos ser fundamental compreender o papel e a influência do anarquismo nesses
movimentos, identificando a força dos anarquistas dentro deles e, em que medida suas estratégias
pautaram os rumos dos movimentos; se o anarquismo constituiu uma força majoritária e
hegemônica dentro deles ou não.
 Teses
 1.) Anarquismo não é sinônimo de individualismo, antiestatismo ou antítese do marxismo; constitui um tipo
de socialismo caracterizado por um conjunto preciso de princípios político-ideológicos, que inclui a oposição
ao Estado, mas que não se resume a ela
o Nas sociedades contemporâneas, essa crítica da dominação implica uma oposição clara ao
capitalismo, ao Estado e às outras instituições criadas e sustentadas para a manutenção da
dominação.
o A busca de uma revolução social, que transforme o sistema e o modelo de poder vigentes, sendo
que a violência, como expressão de um nível mais acirrado de confronto, é aceita, na maioria dos
casos, por ser considerada inevitável
 5.) O anarquismo não é negação da política, do poder. Os anarquistas defendem uma determinada
concepção de política e de poder; entretanto, para essa reflexão, é necessária uma padronização conceitual.
o Os fundamentos do poder estão na correlação de diversas forças sociais, a qual define nossa
concepção de política: a participação jogo dinâmico de forças.
o Essa afirmação baseia-se na distinção desenvolvida por Corrêa (2012a, p. 98) entre poder
autogestionário e poder dominador. Cada um deles fundamenta-se em um conjunto distinto de
elementos:
o Com as definições aqui utilizadas, podemos afirmar que o anarquismo defende uma concepção de
poder e de política, pois a “política dos anarquistas não se esgota na luta contra as instituições
existentes. [...] Ela também inclui a luta pela construção de outro tipo de sociedade.”
 ainda que tenha impactado diretamente os camponeses e trabalhadores rurais, o anarquismo e o
sindicalismo de intenção revolucionária foram, na maioria dos casos, levados a cabo pelos trabalhadores
urbanos

livro Revolucionários, de Eric Hobsbawm, publicado em 1973, em formato de livro.

 Naquele contexto [crise do Stalinismo e Maio de 1968), não é de se espantar que havia uma
preocupação com o retorno do “fantasma” representado pelo antigo “rival” ideológico do marxismo.
Determinada historiografia, a qual julgava que as mudanças estruturais e conjunturais haviam resolvido
definitivamente o problema do anarquismo, buscou responder, ainda que minimamente, essas críticas
da esquerda
 O ressurgimento do anarquismo parecia um “fenômeno curioso e à primeira vista inesperado. Há dez
anos atrás teria parecido sumamente improvável.
 Não pretendo relativizar a influência predominante dos partidos comunistas ao redor do mundo nesse
período, que me parece inegável, e nem exagerar ao interpretar a força política dos anarquistas.
 O anarquismo, nesse contexto, não ressurge de maneira “inesperada”; estudos de base histórica
apontam que há permanência das práticas políticas anarquistas em diversas regiões nesse período
 Após o relatório de Kruschev, que denunciou os crimes de Stálin, a maioria dos historiadores do Partido
Comunista da Grã-Bretanha (PCGB) optou pelo rompimento; Hobsbawm, ao contrário, permaneceu no
partido
 Não estamos reduzindo a produção do autor ao seu “contexto”, mas ressaltando as tensões e
continuidades de seus argumentos dentro do quadro da tradição marxista e de suas guinadas teóricas
 No início de seu artigo, Hobsbawm sustenta que o anarquismo “parecia pertencer ao período pré-
industrial e, em todo caso, à era anterior à Primeira Guerra Mundial e à Revolução de Outubro, exceto
na Espanha”
 considera o anarquismo “um capítulo definitivamente encerrado no desenvolvimento dos movimentos
revolucionários e operários modernos
 Ele reforça a visão do anarquismo como um fenômeno pré-político e antimoderno, ao dizer que é
“possível construir um modelo teórico de anarquismo libertário compatível com a moderna tecnologia
científica, mas infelizmente não será socialista”.
 Para ele, “o principal atrativo do anarquismo era emocional e não intelectual”. Essa caricatura
romântica e individualista sobre o anarquismo é reforçada pelo autor, quando ele afirma que “as versões
extremadas do liberalismo individualista são, logicamente, tão anarquistas quanto Bakunin”
 Ele reafirma que “o anarquismo não tem qualquer contribuição significativa a fazer à teoria socialista,
embora seja um elemento crítico útil”.
 Podemos sintetizar a tese de Hobsbawm sobre o anarquismo em duas “grandes” questões,
o 1) O anarquismo é uma versão extremada de liberalismo e está assentado sobre raízes
individualistas ou “pequeno-burguesas”.
o 2) O anarquismo é um fenômeno político ligado a um contexto pré-industrial ou de países
subdesenvolvidos. Com o desenvolvimento das forças produtivas, essa ideologia política
desaparece junto com as estruturas atrasadas que o gestaram.
 Em suma, o anarquismo é uma forma de ação pré-política ligada a um contexto específico de estágio de
desenvolvimento das forças produtivas e só floresceu em países periféricos e pouco desenvolvidos
industrialmente
 o individualismo – ou um liberalismo extremado, como deixa entender Hobsbawm – não constitui um
dos fundamentos do anarquismo
 Não podemos compreender o anarquismo apenas pelas suas obras (os chamados clássicos); é preciso
analisar suas práticas ao longo da história.
 Apesar de reconhecer a influência anarquista em determinados movimentos de massa, Hobsbawm
insiste na tese que reduz consideravelmente a prática política anarquista às estratégias individualistas.
 Essa concepção tende a reduzir a ideologia política anarquista ao denominador comum da negação do
Estado.
 a ligação estreita do anarquismo e o movimento operário na constituição do sindicalismo de intenção
revolucionária e na formação de consciência de classe dos trabalhadores em distintos períodos.
 As limitações dessa tese são ainda mais claras: pressupõem que o anarquismo tornou-se proeminente
com a CGT francesa (1895) e morreu com as barricadas de Barcelona, ao fim da Guerra/Revolução
Espanhola, em 1939
 Um exemplo dessa tendência são os estudos sobre o movimento operário brasileiro, nos quais o
anarquismo aparece sempre, aos olhos do centro de análise, geralmente marxista, como uma ideologia
pré-política. A maturidade do movimento operário parecia, enfim, atingida com a formação do Partido
Comunista Brasileiro, em 1922. O anarquismo era visto como um estágio, talvez infantil, da experiência
da classe.
 Obviamente, muitos anarquistas eram críticos do sindicalismo e enxergavam os limites de um
movimento que só poderia avançar sobre os “escombros” da velha sociedade capitalista; uma minoria
presente nos círculos anarquistas de vários países, segundo contextos históricos específicos, rejeitava a
ação sindical e restringia-se ao campo da propaganda pelo fato

Rago – do cabaré ao lar (1985)


 Mas não só destes temas vive a imprensa anarquista das primeiras décadas do século XX no Brasil: ela fala
do amor, do lazer, registra excursões e piqueniques, sessões culturais, conferências educativas, discute uma
nova moral.
o Propõe uma nova maneira de viver, anuncia um mundo fundado na igualdade, na liberdade e na
felicidade, que deve ser construído por todos os oprimidos, aqui e agora.
 As inúmeras formas de luta desencadeadas dentro e fora dos muros da fábrica, durante as duas décadas
iniciais do século XX, atestam a recusa operária a se submeter às exigências da exploração capitalista e, mais
ainda, a desesperada tentativa de concretizar a utopia libertária de reorganização autônoma das relações de
trabalho e de fundação da nova sociedade.
 os industriais procuram convencer a sociedade da necessidade vital do aumento da produtividade do
trabalho para construir a riqueza da nação por esses homens, mulheres e crianças que deveriam submeter-
se sem nenhuma objeção.
 A "nova fábrica", higiênica, racionalizada e moderna deveria então constituir o palco formador da nova
figura produtiva, através de formas cada vez mais insidiosas e sofisticadas de dominação.
 delineia-se o desejo burguês de construção da fábrica higiênica, espaço racional e apolítico da produção, até
transformar-se num projeto enunciado e assumido pelo conjunto dos especialistas, do empresariado e do
Estado.
 Desde os primeiros números, os jornais operários atacam com unhas e dentes esta instituição disciplinar que
os dominantes queriam apresentar revestida da imagem da neutralidade, da necessidade econômica e do
progresso social.
 O discurso operário sobre a fábrica traduz, desde cedo, a revolta contra a imagem edulcorada do mundo do
trabalho projetada pelo imaginário burguês.
 Reuni-los num espaço facilmente controlável não fora suficiente para garantir a realização das tarefas e seu
envolvimento com a produção. Por isso, os industriais procuram definir normas estritas de comportamento
para assegurar não apenas o comparecimento diário do operariado na fábrica, mas ainda a execução regular
de sua atividade produtiva.
 Num momento em que inexistia qualquer legislação trabalhista que limitasse a exploração desenfreada do
capital no interior do processo produtivo, os únicos obstáculos impostos ao exercício arbitrário e voraz do
poder patronal eram representados pela resistência conflitual dos trabalhadores.
 A leitura aparece como ameaça de perigo, assim como toda circulação de informações, discussões políticas
ou propaganda, porque podem significar uma tomada de consciência por parte do trabalhador.
o Charles Dickens, em seu livro Hard Times, mostra que a classe trabalhadora inglesa sofreu o mesmo
cerco por parte dos patrões, no início do século XIX. Segundo ele, os patrões ficavam aturdidos com
as leituras dos operários, que se recusavam a se tornarem sóbrios cidadãos
o E. P. Thompson, em La Formación Histórica de la Clase Obrera, Capítulo 16, pinta também com cores
vivas este momento de repressão patronal à cultura da classe operária.
 fazer com que o trabalhador interiorize a vigilância do "olho do poder", muito mais do que seja realmente
vigiado, à medida que a lógica da disciplina fabril se sofistica com a mecanização.
 Progressivamente, os industriais procuram fazer com que os operários introjetem a disciplina panótica do
trabalho industrial, prescindindo do recurso à utilização da força bruta e mascarando o exercício do poder
por um discurso que se apresenta como científico, racional e moderno.
 a criatividade operária opõe inúmeras formas de resistência, surdas, difusas, organizadas ou não, mas
permanentes, efetivadas no interior do espaço da produção.
 na ação direta o caminho para sua conscientização. Estas "manifestações da ação direta", como o boicote, o
ataque aos instrumentos de produção, o roubo, a recusa a dar o rendimento exigido pelos patrões através
do freio à produção, permitiriam associar o conjunto dos trabalhadores, uni-los na transformação de sua
condição social, sem ter de passar pela mediação de um organismo burocrático constituído por um reduzido
número de pessoas.
o Assim Domingos Passos explicava o valor da ação direta em A Plebe, de 9/7/1920: A ação direta é a
principal característica dos sindicatos operários revolucionários, em contraposição à ação indireta,
que constitui a norma principal das organizações operárias de orientação marxista ou socialista
 A burguesia industrial interfere desde cedo nos rumos da formação da classe operária, procurando
neutralizar os movimentos políticos dos trabalhadores e relacionar-se com eles de maneira individualizada,
ignorando suas entidades de classe tanto quanto possível.
o Paternalismo
 À fábrica "satânica", representação criada pelos operários ingleses durante a Revolução Industrial,
opuseram-se inicialmente artesãos expropriados e operários que viram na imposição do sistema de fábrica a
destruição de seu modo de vida anterior.
 Além disso, uma nova finalidade era atribuída à elevação da produtividade do trabalho: o enriquecimento da
nação, a criação da abundância social e não mais o mero ideal de satisfação do interesse individualista do
patrão tradicional.
 a purificação do meio ambiente seria um investimento a médio prazo para os patrões, pois produziria em
troca comportamentos mais dóceis, produtivos e disciplinados no proletariado.
 A proposta alternativa de uma organização autônoma das relações de trabalho aparece, na verdade, desde
os primeiros números da imprensa anarquista. Mesmo que difusamente, os libertários propunham a
edificação da nova sociedade a partir da transformação da atividade econômica, da desapropriação de todas
as riquezas naturais e sociais e da abolição de todo poder político, sustentáculo da dominação de classe:
 é em especial entre os anos de 1918 a 1922 que surgem vários artigos na imprensa anarquista enfatizando a
importância da constituição de formas alternativas de poder na fábrica.
o A constituição de organismos operários de gestão do processo produtivo levaria à abolição da
divisão social do trabalho.
o Segundo os anarquistas, por serem os operários os que produzem e os que vivenciam a realidade da
produção, a eles deveria caber a direção e a administração do trabalho, organizados em conselhos
de fábrica ou em outras formas descentralizadas de poder.
 Tanto quanto marxistas e socialistas, os anarquistas participavam da crença no poder libertador da técnica,
instituída pelo imaginário burguês.
o os textos libertários relativos à máquina são apologéticos, apresentando-a como grande conquista
da humanidade, a despeito de seus efeitos negativos para os trabalhadores.
o nenhuma menção é feita ao progresso técnico ou à maquinaria em si. Apenas se questiona sua
utilização social em detrimento do trabalhador.
o A mesma operação ideológica que dissocia técnica e política, meios e fins, recorrente no discurso de
marxistas, anarquistas e socialistas em geral, em Lênin ou em Trotsky,
o Também os anarquistas sonhavam com uma sociedade em que o desenvolvimento da tecnologia
libertaria o homem do "reino da necessidade", permitindo uma vida mais livre e criativa, onde o
trabalho seria transformado enquanto atividade de autocriação da humanidade.
o As resistências dos luditas à introdução dos novos maquinismos fabris, destruindo e incendiando
fabricas, teares, aniquilando as inovações tecnológicas que substituíam seu saber-fazer tradicional,
revelam até que ponto o desenvolvimento técnico contém, em sua própria lógica, o desejo patronal
de dominação, que os primeiros operários fabris ingleses compreenderam nitidamente.

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