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Educação em Prisões Na America Latina - Julião
Educação em Prisões Na America Latina - Julião
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro,
bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO,
nem da OEI, nem comprometem as Organizações. As indicações de nomes e a apre-
sentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer
opinião por parte da UNESCO ou da OEI a respeito da condição jurídica de qualquer
país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco a delimitação de suas
fronteiras ou limites.
Para la Educación,
la Ciencia
y la Cultura
Ministério Ministério
da Educação da Educação
Ministério
©2009 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a
Ciência e a Cultura (OEI).
188 p.
BR/2008/PI/H/26
CDD 365.66
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de Estados
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Glossário............................................................................................................7
Apresentação...................................................................................................11
1. Projeto Educando para a Liberdade e sua interface com o Pronasci......17
2. Perspectivas para a Educação de Jovens e Adultos nas
prisões, a partir do marco político representado pelo
Plano de Desenvolvimento da Educação .....................................................19
3. Avaliação como processo: um olhar sobre o
Projeto Educando para a Liberdade..............................................................25
4. Projeto Educando para a Liberdade: a educação prisional em foco...........39
5. II Seminário Nacional - Consolidação das
Diretrizes para a Educação no Sistema Penitenciário..................................57
6. A Educação de Jovens e Adultos em situação de
privação de liberdade: desafios e perspectivas para a
consolidação de uma política nacional........................................................61
7. Informe do II Seminário Nacional – 2007.....................................................73
8. A nova penologia e processos de reencarceramento no mundo....................83
9. A educação pública em prisões na América Latina:
garantia de uma igualdade substantiva.......................................................107
10. Educação para Todos e o sonho de
uma nova política penitenciária para o Brasil...........................................139
11. Desafios e perspectivas da educação em prisões na América Latina........165
12. Síntese do I Encontro Regional da
América Latina de Educação em Prisões....................................................179
13. Recomendações para a Conferência Internacional de
Educação em Prisões...............................................................................183
Notas sobre os autores .................................................................................187
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Jorge Teles1
Daniele B. Duarte
INTRODUÇÃO
O direito à educação é garantido às pessoas presas, de acordo com a
Constituição Federal (1988), a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), a Lei de Diretrizes e Bases de Educação (1996) e a Lei de Execução
Penal (1984)2 . Todavia, as evidências da falta de atendimento educacional da
população prisional, contrariando esses pactos legais, são notórias e reconhe-
cidas pelo próprio poder público.
Devido às dificuldades de se gerar informações sistemáticas para o público
envolvido, não existem diagnósticos precisos produzidos sobre a questão da
demanda por educação entre os jovens e adultos privados de liberdade. Na
realidade, mesmo a própria oferta pública de escolarização nas prisões não
possui dados organizados com base histórica que possibilite orientação mais
acurada da política. Isso coloca um empecilho estrutural na elaboração de
planos de ação para dimensionar e enfrentar tal desafio.
1 As opiniões expressadas neste artigo são de exclusiva responsabilidade dos autores.
2 Somam-se a essas legislações o Parecer CEB nº 11/2000, a Lei nº 10.172/2001 (Plano Nacional de Educação)
e a Resolução CNPCP nº 14/1994 (Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos).
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Ciclos de seminários
O percurso avaliativo foi tomado em fases. Em primeiro lugar, foi rea-
lizada uma avaliação interna de percepção dos atores que participaram dos
seminários. A Secad, por meio do Departamento de Avaliação e Informações
Educacionais (DAIE), com apoio do Departamento de Educação de Jovens
e Adultos, elaborou um questionário estruturado, com itens fechados e algu-
mas perguntas abertas, que foi aplicado aos participantes dos seminários.
A avaliação ocorreu da seguinte forma: ao final de cada seminário, os par-
ticipantes preencheram, voluntariamente, um questionário de avaliação do
evento7. O instrumento procurava apreender os pontos positivos e negativos
e as proposições para o evento, por meio de questões abertas, posteriormente
categorizadas. Ao todo foram respondidos 123 questionários, de um total de
200 participantes dos seminários regionais, e 83 questionários, de um total
de 150 participantes do seminário nacional.
Os dados foram sintetizados pela Coordenação Geral de Estudos e Ava-
liação (CGEA/DAIE/Secad) e apontaram um grau de satisfação entre bom
e excelente por parte dos respondentes, destacando a importância da conti-
nuidade da promoção de eventos e seminários para debate da EJA como polí-
tica social de reintegração. Entre as proposições, destacam-se a ampliação da
participação dos envolvidos diretamente com a educação das pessoas presas
e a melhoria da adequação entre tempo e atividades coletivas realizadas nos
encontros.
Os resultados indicaram a capacidade dessa etapa do projeto de sensibili-
zar os participantes e produzir acordo em relação à busca por maior interação
de técnicos e especialistas para a discussão da temática de políticas de educa-
ção para pessoas privadas de liberdade, no tocante à mobilização. Quanto à
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Convênios
A avaliação dos convênios do projeto foi pensada em duas fases: a referente
aos seis primeiros estados e uma segunda rodada para os outros Estados. A
metodologia adotada para avaliar os pioneiros no Educando para a Liber-
dade foi de avaliação formativa qualitativa externa. Essa avaliação se efetivou
por meio de uma parceria entre Secad/MEC e Depen/MJ na constituição da
equipe e no acompanhamento do andamento do trabalho.
Para realizar a primeira fase da avaliação, foi proposta uma equipe externa
composta por quatro consultores independentes8, divididos segundo as
seguintes funções: um consultor sênior para coordenação da avaliação e três
consultores para a pesquisa de campo. Foi aberta uma seleção pública para
chamada dos pesquisadores. Cada um dos três consultores de campo seria
responsável pela apuração das informações em dois estados. A coleta das
informações seguiria as proposições estabelecidas em um plano de avaliação,
construído pelo consultor-coordenador, e pactuado entre todos.
Cada consultor que fosse aplicar os instrumentos elaborados em parceria
com o consultor-coordenador seria responsável também por registrar infor-
mações e dinâmicas que não tivessem sido previstas pelo exercício prévio
8 Colaboraram nessa fase os pesquisadores Fernanda Emy Matsuda, Tito Caetano Correa e Maria Auxiliadora
César, sob a coordenação de Luiz Antônio Bogo Chies.
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10 O assunto foi discutido no VII Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (ENEJA), em 2005, e
objeto de uma oficina no Fórum Mundial de Educação de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, em 2006.
11 O Enem foi aplicado em 141 unidades prisionais em oito estados em 2006.
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INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta elementos analítico-descritivos do processo avaliativo
que traçou o diagnóstico das repercussões individuais para os presidiários que,
atualmente, são alunos do 2º Ciclo do Projeto Educando para a Liberdade,
1 Psicólogo (Universidade Federal da Paraíba – UFPB); Especialista em Psicometria (Universidade de Brasília
- UnB); Mestre em Psicologia Social e do Trabalho (UnB); Doutor em Filosofia e Ciências da Educação
(Universidad Complutense de Madrid - Espanha); Professor Adjunto do Departamento de Fundamentos
da Educação (Faculdade de Educação – Universidade Federal do Ceará - UFC); Coordenador de Avaliação
Institucional (UFC); Coordenador da Comissão Própria de Avaliação (CPA/UFC); Membro da Diretoria da
Associação Brasileira de Avaliação Educacional (ABAVE); Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: w_andriola@ufc.br
2 Estatística (Universidade Federal do Ceará – UFC); Especialista em Estatística Aplicada (UFC).
3 Graduada em Letras (Português/Inglês - Universidade Estadual do Ceará - UECE); Mestra em Educação
(Universidade Federal do Ceará - UFC); Doutora em Educação (UFC); Professora Titular da Universidade de
Fortaleza (Centro de Ciências Humanas - UNIFOR). E-mail: gracet@unifor.br
4 Psicóloga (Universidade Federal do Ceará - UFC); Mestra em Educação (UFC); Doutora em Educação (UFC);
Professora Visitante do Departamento de Fundamentos da Educação (Faculdade de Educação - UFC). E-mail:
roselia@ufc.br
5 Licenciada em Estudos Sociais (Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA); Especialista em Planejamento
Educacional (Universidade Federal do Ceará - UFC); Mestra em Educação (UFC); Doutoranda em Educação
(UFC); Estatutária da Secretaria de Educação Básica e Professora da UVA; Representante Estadual do Fórum
de Educação de Jovens e Adultos (EJA - Ceará). E-mail: sampa.ce@uol.com.br
6 Pedagoga (Universidade Estadual do Ceará - UECE); Especialista no Ensino de Matemática (UECE); Mestra
em Educação (UECE); Doutoranda em Educação (Université du Québec à Chicoutimi - Canadá). E-mail:
madelinemaia@yahoo.com.br
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3,8%
55,7% 36,7%
49,3% 50,7%
Sim Não
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23,1%
76,9%
Sim Não
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Respostas N %
Sim 32 56,1
Não 25 43,9
Total 57 100
Fonte: Pesquisa direta
Respostas N % % válido
Total 57 100
Fonte: Pesquisa direta
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N % % válido
Total 57 100
Fonte: Pesquisa direta
Total 57 100
Fonte: Pesquisa direta
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Pós-graduação 28,8
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Respostas N %
Não 6 5,2
N % % válido % acumulado
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N % % válido
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À GUISA DE CONCLUSÃO
Há uma primeira problemática detectada pela equipe técnica central que
conduz o estudo avaliativo, e que diz respeito à relação estabelecida entre as
Secretarias Estaduais de Educação e de Justiça (ou similar), no que se refere
à execução das ações do Projeto Educando para a Liberdade. Ambas deverão
buscar maior integração e articulação, com vistas a elevar a eficiência da
gestão do referido projeto e da execução das ações a ele inerentes. Uma con-
sequência dessa desejável articulação entre as secretarias estaduais, deverá se
dar no incremento da participação dos técnicos estaduais em fases do Projeto
Educando para a Liberdade e em eventos vinculados a ele.
Quanto às UPs, haverá que se pensar em soluções para os problemas rela-
cionados à condução das pessoas presas às salas de aula, bem como o desres-
peito das regras internas de segurança. Trata-se, portanto, de ações envolvendo
o componente administrativo (ou de gestão) e educativo (ou pedagógico),
que podem necessitar da mediação das duas secretarias estaduais.
No que tange às escolas, há que serem planejadas ações de natureza peda-
gógica, que permitam solucionar a falta de material didático para as aulas,
bem como de recursos pedagógicos para os alunos reclusos e, por fim, o
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRIOLA, W. B. Evaluación: la vía para la calidad educativa. Ensaio:
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 7, n. 25, p. 355-
368, 1999.
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TEXTO DE REFERÊNCIA
Atualmente, quando se abordam temas relacionados a políticas públicas
de execução penal, podemos perceber que a questão em torno da necessi-
dade de ampliar o investimento em ações que tenham como objetivo central
a reinserção social dos apenados, independentemente dos crimes come-
tidos, ganha destaque e se apresenta como um importante caminho a ser
seguido pelos governos. Em qualquer parte do mundo ocidental, por exem-
plo, quando se fala em propostas de “programas de ressocialização”, fala-se
em atividades laborativas de cunho profissionalizante, bem como atividades
educacionais, culturais, religiosas e esportivas.
Nesse sentido, em setembro de 2005, por intermédio de uma estratégia
de articulação de ações interministeriais, firmou-se um Protocolo de Inten-
ções entre os ministérios da Justiça e da Educação, com o propósito de con-
jugar esforços para a implementação de uma política nacional de educação
para jovens e adultos em privação de liberdade, cujo projeto, Educando para
Liberdade, na sua primeira fase, teve como desafio a sensibilização para a
oferta da educação nas prisões. O seu objetivo central foi estimular a arti-
culação entre os órgãos responsáveis pela educação e pela administração
penitenciária, bem como preparar os diversos atores que atuam na execução
direta da proposta a ser demandada, nesse caso, principalmente, agentes,
gestores penitenciários e professores.
Objetivando estruturar tal política, uma série de atividades foi desenvol-
vida ao longo do ano de 2006, destacando-se entre elas: (i) as resoluções do
Programa Brasil Alfabetizado, que incluíram a população prisional entre o
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6 EUROsociAL é um programa de cooperação técnica da União Europeia que objetiva contribuir para
a promoção da coesão social na América Latina, por meio do fortalecimento de políticas públicas e da
capacidade institucional para executá-las. Seu método principal de trabalho é o intercâmbio de experiências,
conhecimentos e boas práticas entre administrações públicas europeias e latino-americanas em cinco setores
prioritários: justiça, educação, saúde, fiscalidade e emprego. O programa parte do convencimento de que é
possível contribuir para melhorar a eficácia e a eficiência das políticas públicas como mecanismos geradores
de coesão social por meio da sensibilização dos líderes políticos e dos intercâmbios de experiências entre
funcionários públicos europeus e latino-americanos com capacidade de tomar decisões. A finalidade principal
dos intercâmbios de experiência é a introdução de orientações, métodos ou procedimentos inovadores de
gestão que têm sido utilizados em outros países.
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Elionaldo F. Julião
RELATÓRIO
O Ministério da Justiça, em parceria com o Ministério da Educação,
secretarias estaduais de Educação, Justiça e/ou Administração Penitenciária e
UNESCO, após a realização em julho de 2006 do I Seminário Nacional pela
Educação nas Prisões, propuseram a organização de três Seminários Regio-
nais e do II Seminário Nacional, que se realizaram nos meses de setembro,
outubro e novembro de 2007, com o objetivo de debater o tema educação
para jovens e adultos privados de liberdade.
Com a finalidade de avançar na consolidação de uma política nacional,
evidenciou-se a necessidade de se expandir a interlocução com as unidades
da Federação e fortalecer o diálogo com todos os atores envolvidos na efe-
tivação do direito à educação dos jovens e adultos privados de liberdade,
tais como ONGs, universidades, organismos internacionais etc. Assim, a
manutenção da estratégia de 2006, com a realização dos três seminários
regionais e do II seminário nacional, pareceu-nos um caminho indispensá-
vel a ser trilhado.
Contudo, essa opção não implicou a repetição dos mesmos eixos temáticos
para o debate – gestão, formação de profissionais e aspectos pedagógicos.
A experiência demonstrou que a efetividade das ações educativas em
contexto prisional depende diretamente da reformulação da execução
penal a partir de uma perspectiva de afirmação de direitos e de redução das
vulnerabilidades das pessoas presas, conduzindo, quase que automaticamente,
a uma ressignificação da gestão penitenciária. Nesse sentido, desde 2005,
o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) vem investindo em um
programa de implementação de escolas penitenciárias em cada um dos
estados do país e no Distrito Federal. Na concepção do Depen, para além
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Estratégia:
- Promover articulação nacional, principalmente entre Ministério da
Justiça, Ministério da Educação e demais ministérios, Conselho Nacional de
Educação, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, CONSED,
CONSEJ, organismos internacionais e instituições de ensino superior etc.
- Definição de competências dos parceiros (Secretarias Estaduais de Educação
e Secretarias Estaduais de Justiça e/ou Administração Penitenciária por meio de
uma Portaria Interministerial – Ministério da Educação, Ministério da Justiça
e Ministério do Trabalho).
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OBS. O referido plano deverá ser elaborado com base em diagnóstico prévio.
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Massimo Pavarini
UM DÉFICIT TEÓRICO
Em diferentes ocasiões, nos últimos tempos (PAVARINI, 2000a, p.
71-102; 2001, p. 113-141; 2002, p. 105-136), interessei-me pelo mesmo
e aparentemente simples problema: por que, nas últimas duas décadas, a
população prisional aumentou significativamente, com pouquíssimas exce-
ções, em todo o mundo.
Para quem se interessa profissionalmente pela penalidade nos fatos, não
estar em condições de responder com segurança (ao menos subjetivamente)
a essa pergunta cria um certo embaraço. O fato de que nenhum colega sério
tenha dado ainda uma resposta – a não ser usando muitos “quem sabes” e
usando abundantemente o condicional –, em parte, me consola. Ergo: ainda
que não esteja em condições de oferecer um modelo explicativo cientifica-
mente convincente ao problema, sinto-me, porém, seguro, quando afirmo
que a pluralidade de modelos explicativos hoje em circulação revela um
grave déficit teórico na penologia: uma comunidade científica que não está
em condições de acordar, de forma majoritária, sobre a(as) razão(ões) das
variações quantitativas – por certo de magnitude relevante – de um fenô-
meno social no tempo é seriamente suspeita de mover-se ainda em um nível
de conhecimento pré-científico.
Ao redor do mundo, podem ser encontradas ótimas pesquisas descriti-
vas do fenômeno, em uma ótica comparativa, mas precisamente descritivas,
não explicativas; existem, por outro lado, sofisticados trabalhos que oferecem
modelos interpretativos convincentes de por que se assiste a variações da
população prisional ao longo do tempo, em uma realidade político-geográfica
determinada. Esses trabalhos invariavelmente fracassam ao tentar explicar o
mesmo fenômeno em outras realidades. Inclusive, foram dadas explicações
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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row: international perspectives on prisoners’ rights and prison conditions.
The Hague: Kluwer Law International. 2001.
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Francisco Scarfó1
1 Licenciado e Professor em Ciências da Educação. (Universidade Nacional de La Plata – UNLP, prov. De Bs.
As. Argentina). Mestrando em Direitos Humanos do Instituto de Direitos Humanos da Faculdade de Cs.
Jurídicas e Sociais da UNLP; Docente de Educação Geral Básica de Adultos, EGBA N° 721, U. P. N° 34,
La Plata; Coordenador e docente do Seminário-oficina “Educação na privação de liberdade” nas suas VII
edições na Argentina como na Bolívia e no México; Consultor convidado do Instituto Interamericano de
Direitos Humanos, Costa Rica, e do Instituto Internacional de Direitos Humanos (IHRLI) da Universidade
de De Paul em Chicago, IL, EUA; Consultor permanente da Associação Alemã de Educação de Adultos, -
Organização Não Governamental Alemã na Bolívia; Capacitador na República Argentina do RPI (Reforma
Penal Internacional, Oficina Regional para América Latina e o Caribe); Presidente do GESEC (Grupo de
Estudo Sobre Educação em Prisões) e Coordenador da Comissão Universitária Sobre Educação Pública em
Prisões (Secretaria de Extensão Universitária- UNLP); Assessor em educação no âmbito penitenciário na
Procuração Penitenciária da Nação.
2 REVISTA PORTAVOCES, Retomando la palabra, 2005.
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5 Mesmo que o encarceramento se considere um castigo justificado, não deve levar consigo uma privação
adicional dos direitos, pois o único direito que se priva, o estar preso(a), é a liberdade de ir e vir. Diz-se então
que as pessoas privadas de liberdade mantêm o usufruto de todos os direitos e garantias que impõem as leis
fundamentais e as supranacionais (UNESCO, 1998).
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20 SCARFÓ, 2007.
21 KESSLER, 2004.
22 Níveis de alfabetização, entende-se sob o ângulo de que as pessoas adultas sabem muito sobre a linguagem
escrita antes de chegar à escola. Por outro lado, “não existe estritamente um estar alfabetizado; estamos
continuamente aperfeiçoando nossas habilidades para ler e escrever, pois ler se aprende lendo e a escrever se
aprende escrevendo” – entrevista a Rosa María Torres, setembro de 2007, Crefal, México.
23 SCARFÓ, 2007.
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38 Por exemplo, no sistema penitenciário da província de Buenos Aires para 2008, estão estudando no nível
secundário 4037 presos e apenas 522 no nível universitário. O sistema tem aproximadamente 30 mil
presos.
39 “Se a universidade vai à prisão, supõe-se que existe um projeto inclusivo, mas isso vai na contramão do
exterior (que é uma sociedade altamente excludente). A universidade irá garantir um direito ou irá reduzir
o impacto do castigo? Bom, para tanto, é necessário presença”. (DAROQUI, s.d.). As jornadas foram
organizadas pelo Grupo de Estudo sobre Educação em Prisões GESEC, a Área de Pesquisa e Extensão em
Justiça e Questão Penal da Faculdade de Trabalho Social e a Comissão Universitária sobre Educação em
Prisões da Universidade Nacional de La Plata.
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41 O artigo 13 (Direito à Educação) do Protocolo de San Salvador (OEA), aponta “…2. aos Estados-Partes neste
Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e no
sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, o pluralismo ideológico, as liberdades
fundamentais, a justiça e a paz. Convêm, ainda, em que a educação deve capacitar todas as pessoas para participar
efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista, obter uma subsistência digna, favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades em
favor da manutenção da paz (RODINO, 2003).
42 RODINO, 2003.
43 RODINO, 2002.
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130
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132
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
133
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135
_____. Rol del educador de adultos en cárceles. Revista Decisio: Saberes para
la Acción en la Educación de Adultos; Competências del Educador de adul-
tos. Mexico, Centro de Cooperación Regional para la Educación de Adul-
tos em América Latina y el Caribe (CREFAL), n. 16, jan./abr. 2007.
Disponível em: <http://tariacuri.crefal.edu.mx/decisio/d16/sab5-1.
php#inicio?revista=16&saber=5>.
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Fabio de Sá e Silva2
1 O original deste artigo foi elaborado em inglês, apresentado como estudo de caso no curso Strategizing Public
Policy da Northeastern University (Boston, EUA) e admitido para publicação na Revista Convergence,
do International Council of Adult Education (Reino Unido), cujos editores gentilmente autorizaram a
tradução para outros idiomas e a publicação nesta coletânea. Agradeço aos vários funcionários do governo
brasileiro que me franquearam acesso a preciosas informações sobre a fase atual do projeto Educando para
a Liberdade, bem como sobre o que insistimos em chamar de política penitenciária, embora deva aqui
manter seus nomes anônimos por razões éticas. Também agradeço à minha esposa Michelle Morais de
Sá e Silva, por dividir muitos sonhos comigo, incluindo os que discuto neste artigo. Por fim, agradeço à
profa. Stephanie Pollack, da Northeastern University, pelos vários aprendizados de ordem teórica os quais,
espero, tenham ajudado a tornar este artigo mais consistente. Obviamente, as falhas que persistem são de
minha total responsabilidade.
2 Bacharel (Universidade de São Paulo, 2002) e Mestre (Universidade de Brasília, 2007) em Direito.
Doutorando em Direito, Política e Sociedade (Northeastern University). Ex-dirigente no Departamento
Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (2004-6), e Consultor da UNESCO no projeto Educando
para a Liberdade (2006-7).
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O CENÁRIO DO SONHO
Se eu pudesse substituir essas linhas como um link para as memórias
de minha primeira visita a uma prisão, logo após me tornar um gestor do
Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, essa é a
escolha que faria para introduzir o leitor no cenário das prisões no Brasil.
Eu já havia estado em prisões antes, mas como advogado particular tinha
outra impressão sobre elas. Eu considerava as prisões como um lugar estra-
nho para mim e para os meus clientes, e tentava a todo custo tirar ambos de
lá. Naquele dia, porém, eu senti que não tinha essa escolha: de certa forma,
eu agora também era parte daquela situação. E embora a situação que eu
acabava de ver não era das piores entre as que veria (o presídio era pequeno,
sem registros de rebeliões ou violência entre pessoas presas e agentes), ela era
profundamente desencorajadora. As pessoas presas eram todos muito jovens,
com nada a fazer em suas celas além de esperar o tempo passar.
Tenho consciência de que, não importa quantas vezes eu reescreva o
último parágrafo, aquela cena nunca ficará completamente clara ao leitor.
Por isso, tentarei usar alguns números para conduzir uma aproximação do
cenário prisional no Brasil. De acordo com dados de 2007, pode-se esti-
mar com precisão que entre as cerca de 400 mil pessoas que atualmente se
encontram nas prisões brasileiras, menos 20% estão envolvidas em ativida-
des educacionais e menos de 25% estão envolvidas em atividades laborativas,
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OS SONHADORES
Como define Kingdon, “há uma diferença entre uma condição e um pro-
blema. Nós lidamos com condições todos os dias: tempo ruim, doenças ine-
vitáveis e incuráveis, pestes, pobreza, fanatismos. Como disse um lobista: se
você tem apenas quatro dedos em uma mão, isso não é um problema, isso é
uma situação. Condições começam a ser definidas como problemas quando
nós passamos a acreditar que devemos fazer alguma coisa a respeito delas.
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O SONHO
O primeiro passo do sonho consistiu numa série de visitas diagnósticas ao
já mencionados estados do Ceará, Paraíba, Goiás e Rio Grande do Sul. De
modo geral, os relatórios de campo confirmavam as sensações que o Depen
e a Secad já possuíam em relação a esse debate de política pública: a educa-
ção contrasta com tudo o que a prisão representa, e não será garantida sem
que haja mudanças estruturais no sistema prisional. Especificamente, porém,
o diagnóstico ajudou os sonhadores a identificar três níveis de problemas.
Primeiro, havia problemas de ordem gerencial, incluindo a mobilização das
autoridades da educação e da administração penitenciária ao nível dos esta-
dos. Faltava um canal de diálogo entre esses dois setores do Poder Executivo,
de modo a garantir que ambos pudessem trabalhar coordenadamente para
a oferta de educação às pessoas presas. Segundo, havia problemas de ordem
operacional, incluindo as identidades e práticas dos profissionais encarregados
da oferta. Os professores deveriam receber uma formação diferenciada, a fim
de que compreendessem como lidar com os constrangimentos do ambiente
prisional e as circunstâncias da vida dos detentos. Professores e agentes peni-
tenciários deveriam aprender como conciliar as demandas sempre conflitivas
por segurança e assistência na rotina prisional. E governos estaduais deveriam
valorizar mais o pessoal penitenciário, o qual em geral possui uma péssima
imagem na sociedade. Finalmente, havia o problema da “pedagogia correta”.
A educação nas prisões deveria ajudar a promover a emancipação das pessoas
nela envolvidas. Apesar das especificidades do sistema prisional, o projeto
deveria tirar proveito das lições da Educação de Jovens e Adultos e da Educa-
ção Popular20, que têm se debatido contra os mesmos desafios.
Os sonhadores sabiam, entretanto, que aqueles três níveis de problemas
deveriam ser enfrentados tendo-se em mente a questão federativa. A decisão
foi que o governo federal deveria agir como indutor na construção de uma
estratégia de política pública, enquanto as respostas concretas deveriam ser
20 No âmbito internacional, os debates brasileiros sobre educação popular tornaram-se conhecidos pelos
trabalhos de Paulo Freire, especialmente a sua Pedagogia do Oprimido.
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21 O Teatro do Oprimido e a sua técnica de Teatro-Fórum são internacionalmente reconhecidos. Enquanto este
artigo estava sendo escrito, tive a felicidade de saber que o seu criador Augusto Boal havia sido indicado para o
Prêmio Nobel da Paz. Para informações gerais sobre esses tópicos, ver <http://www.theatreoftheoppressed.org>.
22 Disponível em: < http://www.ctorio.org.br/PRISOES.htm>.
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23 Havia uma pequena diferença no escopo desse II Seminário Nacional, como explicarei adiante.
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E AGORA?
Em 2007, houve uma mudança no comando do Ministério da Justiça e
o novo Ministro, Tarso Genro, lançou o Pronasci. Em sua elegante formu-
lação, o programa visa “articular políticas de segurança com ações sociais,
enfatizando a prevenção aos crimes e focando nas causas da violência” 27.
Para alcançar os objetivos, o programa focaliza os indivíduos entre 15-29
anos que estão em contato intenso com a violência ou já foram presos pelo
cometimento de crimes. No âmbito da política penitenciária, o Pronasci
promete financiar 41 mil novas vagas em presídios masculinos, com uma
série de unidades construídas especialmente para jovens de 18-24 anos. O
Ministério considera que “com essas unidades, será possível separar pes-
soas presas por idade e histórico criminal. Isso evitará o contato de jovens
que cometeram pequenos crimes com criminosos de alta periculosidade
ou líderes de facções criminosas. Todos os presídios serão equipados com
unidades de saúde e educação (salas de aula, laboratórios de informática e
26 Ver informações disponíveis em: <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=266055>.
27 Ver informações disponíveis em: <http://www.mj.gov.br/pronasci>.
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HENIG, J. R et al. The color of school reform. Princeton, NJ: Princeton Uni-
versity Press, 1999.
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STONE, D. Policy Paradox: the art of political decision making. New York:
W. W. Norton & Co., 2002.
_____. Causal stories and the formation of policy agendas. Political Science
Quarterly, v. 104, n. 2, 1999.
TRAVIS, J. But They All Come Back: facing the challenges of prisoner reen-
try. Washington DC: The Urban Institute Press, 2005.
164
CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO
É preciso destacar que o estudo da educação nas prisões, mais do que
outra área educativa, deve considerar o contexto social e político no qual
estão imersos os centros penitenciários. O contexto geral da globalização e
o contexto regional oferecem elementos de análise para compreender a edu-
cação nos centros penitenciários. É indispensável observar não somente os
aspectos econômicos mas, também, o complexo contexto político e social que
se vive na América Latina, o qual incide tanto nas políticas e nas instituições
educativas como nos sistemas penitenciários. A construção da democracia
é sem dúvida fundamental em um continente com um passado autoritário
relativamente recente onde inclusive férreas ditaduras se impuseram. Apesar
destas terem desaparecido, dando lugar a processos eleitorais, as profundas
desigualdades sociais prevalecem. Os problemas de desigualdade econômica
e exclusão social acentuam a violência e prejudicam a coesão social dos países
latino-americanos. As altas taxas de criminalidade registradas na maioria dos
países da América Latina são uma expressão da violência que se vive na vida
cotidiana. Desta maneira, o tecido social em diferentes capas sociais se fratu-
rou, afetando particularmente às populações marginalizadas e vulneráveis.
Por outro lado, os sistemas judiciários não respondem com eficiência
à criminalidade imperante. Com efeito, a impunidade se torna então um
1 Texto baseado na pesquisa sobre a situação da educação nas prisões na América Latina: Mapa Regional sobre a
educação em prisões, trabalho desenvolvido para a EUROsociAL-Educação, 2008.
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4 Em Honduras, entre 2000 e 2006, 438 homicídios foram cometidos nos estabelecimentos penais. Direção
Geral de Investigação Criminal (DGIC), Honduras, 2007.
5 378 pessoas presas foram assassinadas em 2006, segundo o Observatório Nacional de Prisões, Venezuela, 2007.
6 WALSH, M. P. Apelo a la razón: teoría de la ciencia y critica del positivismo. [S.l.]: Premia Editora, 1983.
7 FREIRE, P. A Educação como prática da liberdade. 42.ed.México: Siglo XXI, 1994.
8 DUSSEL, E. Ética de la liberación en la edad de la globalización y de la exclusión. México: Editorial Trotta-
UAM.I-UNAM, 1998.
9 Por exemplo, afirmo: “Any man that tries to rob me of my dignity will lose”. MANDELA, N. Long Walk To
Freedom. London: Little Brown & Co.,1995.
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Legislação
A maioria dos países latino-americanos adotaram legislações que garantem
o direito à educação. Contudo, na América Latina esta é mais “programá-
tica” do que normativa, a problemática aguda descrita demanda (em certos
casos urgentemente) concretizar as disposições da lei. Os avanços legislativos
foram criticados como “antítese total da praxis carcerária”12e deste modo
pode-se reforçar a desconfiança dos cidadãos com relação às leis e insti-
tuições. Contudo, é necessário valorizar a legislação como um instrumento
social indispensável para lutar e alcançar o direito à educação dos presos.
Pretender que haja uma correspondência perfeita entre a lei e a realidade
é certamente irrealista. Contudo é factível e desejável contribuir com o obje-
tivo de reunir as condições para que as disposições legislativas sustentem um
caráter normativo. Alguns docentes e profissionais expressaram a existência
de um distanciamento entre o jurídico e os procedimentos e que os docentes
requerem maior informação dos aspectos jurídicos13.
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Os destinatários
Uma parte importante dos detentos no continente são jovens e a maioria
deles tem baixa escolaridade. Além disso é crescente o consumo de drogas
entre eles. Por isso os programas contra a dependência são de uma impor-
tância crescente já que observou-se que a simples permanência na prisão
aumenta as possibilidades de consumo de drogas.
Quanto às mulheres, elas são marginalizadas nos centros penitenciários
por diversas razões, sobretudo nas prisões mistas, pouco adaptadas para as
suas condições. Os programas educativos são limitados e muitas vezes redu-
zidos a cursos tradicionais. Um aspecto importante é a presença de crianças
que vivem no interior das prisões. Além das condições difíceis, a sua perma-
nência não é regulamentada em vários países. Muitas vezes as prisões não
estão adaptadas para atender crianças, assim muitas vezes elas não recebem
os programas educativos ou a atenção que requerem. Contudo, vários pro-
gramas foram desenvolvidos recentemente para tratar este problema e pro-
mover a permanência de laços familiares.
As minorias étnicas, como populações marginalizadas estão com fre-
quência sobrerepresentados nos centros penitenciários, particularmente os
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A oferta educativa
Devido ao fato de que em geral os detentos têm um baixo nível de escolari-
dade, sua necessidade de ter acesso à uma educação formal básica é evidente.
Alguns países como Honduras concentram a maioria de seus programas na
alfabetização por ser esta uma necessidade prioritária 24. Na maioria dos paí-
ses da região, a maior parte de sua oferta educativa é concentrada em pro-
gramas de primário e secundário. Assim é de grande importância oferecer
uma atenção especial a estes programas, do ponto de vista metodológico,
curricular e operacional.
Contudo os exames padronizados, comuns em vários sistemas de educa-
ção de adultos da América Latina, dificultam a avaliação congruente com o
meio penitenciário e o desempenho do participante. Além disso, como foi
assinalado, com frequência durante a pesquisa, os conteúdos dos cursos não
são adequados para o contexto das prisões. Assinala-se ainda que a padroni-
zação dos conteúdos representa uma limitante para o desenvolvimento das
atividades educativas.
A legislação de alguns países determina que os detentos deve receber uma
educação com os mesmos conteúdos que os adultos que estudam no exte-
rior. Isto foi interpretado, às vezes, de forma literal. Identificaram-se contudo
algumas experiências nas quais se desenvolviam materiais e conteúdos “ex
professo” para os detentos. O que envolve uma reflexão sobre a criação do
currículo no sentido proposto por Freire, isto é, uma reflexão teórica e, ao
mesmo tempo, partindo das condições concretas do adulto25.
Com respeito à educação média e superior, devido ao baixo nível de escola-
ridade dos detentos, a porcentagem destes que cursa a universidade é reduzido.
Muitos centros penitenciários oferecem principalmente a formação básica, o
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26 BÉLANGER, P. ; FEDERIGHI, P. Analyse transnationale des politiques d’éducation et de formation des adultes.
Paris: Hartman,UNESCO, 2001.
27 MANDELA, N. Long Walk To Freedom. London: Little Brown & Co.,1995.
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A educação laboral
Na América Latina acontece um fenômeno de grande importância que em
grande medida determina as iniciativas de educação laboral. Uma das ativi-
dades mais desenvolvidas pelos centros penitenciários nos últimos anos são
os trabalhos e contratos com empresas privadas. Com frequência, as oficinas
adotam este esquema de trabalho. No lugar de educação, o que se observa é
um trabalho com mão de obra barata. A dimensão educativa fica esquecida.
Além do benefício pessoal que o trabalho possa gerar, o detento deve aprender
para preparar sua libertação. Inclusive algumas legislações de países latino-
americanos assinalam este aspecto. Contudo, a lógica do trabalho destinado
às empresas persiste. Cabe mencionar que, o trabalho obrigatório infringe o
Convênio C29 da OIT, que obriga a suprimir o trabalho obrigatório e tratan-
do-se do trabalho nas prisões, determina que os detentos não sejam colocados
à disposição de companhias privadas28. Isto é, a prática mencionada pode
violar este convênio além de deixar de lado a missão educativa.
Infraestrutura e recursos
Com relação à infraestrutura e os recursos, é previsível que profissionais,
associações e inclusive autoridades de centros penitenciários denunciem a
carência e a insuficiência de recursos materiais e humanos para executar as
atividades educativas. É denominador comum nos países da região avisos
sobre a falta de infraestrutura e espaços adequados. As carências não são
somente físicas, os materiais didáticos também faltam. Poucos países gera-
ram materiais didáticos desenhados para detentos, sua problemática e con-
dições particulares. Com relação às bibliotecas, apesar de que muitos países
contam com uma legislação que obriga os governos a oferecer estes espaços,
muitas vezes elas não existem ou as existentes têm material escasso e pouco
apropriado. Além disso, apesar da existência oficial de minibibliotecas, em
geral não se organizou um lugar comunitário, um autêntico espaço educa-
tivo para os detentos.
28 Art. 1 do Convênio C29 Organização Internacional do Trabalho, Convênio relativo ao trabalho forçado ou
obrigatório, que entrou em vigor em Genebra em 01-05-1932.
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30 LATAPI, P. Una aproximación teórica para el análisis de las políticas de educación de adultos, México: CREFAL,
1987.
31 UNESCO. Educação de qualidade para todos: um assunto de direitos humanos. Brasília: UNESCO-OREALC,
2007. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001505/150585POR.pdf>. Documento de
Discussão sobre políticas educativas no marco da II Reunião Intergovernamental do Projeto Regional de Educação
para América Latina e o Caribe (EPT/PRELAC). Março, 2007.
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ANTECEDENTES
Ao longo dos últimos anos, a comunidade latino-americana tem estado
intensamente mobilizada na perspectiva de garantir o direito à educação em
contextos de privação de liberdade. Essa mobilização tem tido repercussão
no contexto internacional e tem catalisado as energias de outras organiza-
ções para a construção de uma cooperação que impulsione a concepção e a
implementação de políticas públicas capazes de enfrentar esse desafio. Atual-
mente, muitos dos governos da região encontram-se articulados no âmbito da
Red Latinoamericana de Educación en Contextos de Encierro (RedLECE),
criada em novembro de 2006 dentro do marco do projeto EUROsociAL,
financiado pela Comissão Europeia. Outra conexão importante dos países
do bloco tem sido com a UNESCO, para quem a questão é particularmente
expressiva dos desafios colocados sob o mote da “Educação para Todos”.
O I Encontro Regional da América Latina de Educação em Prisões foi
realizado a partir dessa ampla convergência de interesses e missões organiza-
cionais. Por um lado, representou uma oportunidade para o fortalecimento e
a troca das experiências conduzidas nos vários países da região, fossem ou não
parte da RedLECE. Por outro lado, também consistiu numa etapa prepara-
tória para os outros encontros internacionais que abordarão o tema direta ou
indiretamente – mais especificamente a I Conferência Internacional de Edu-
cação em Prisões (CIEP), que acontecerá em outubro de 2008, com o apoio
da Comunidade Francesa Valonia Bruxelas e sob a coordenação do Instituto
da UNESCO para a Aprendizagem ao Longo da Vida (UIL) e a Conferência
Latino-Americana preparatória à VI Conferência Internacional de Educação
de Adultos (CONFINTEA VI), que acontecerá em 2009 no Brasil.
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PRINCIPAIS RESULTADOS
A possibilidade de um diálogo amplo e crítico, ao mesmo tempo em que
comprometido com a formação de consensos sobre os desafios da Educação
em Prisões na região, permitiu diversos avanços que agora podem alimentar
a elaboração de políticas públicas no âmbito de cada um dos países.
Em primeiro lugar, as “recomendações” resultantes do Encontro trazem
uma clara linha de princípios que:
a) reconhece a educação como um direito dos homens e das mulheres
em situação de encarceramento; mas
b) requer uma abordagem política e pedagógica distinta, apta a enfren-
tar as desigualdades materiais e simbólicas que incidem sobre essa
condição. Dois são os principais indicativos nesse sentido. O pri-
meiro é a referência a uma “educação integral”, atenta a questões de
“diversidade” e que contemple as dimensões “ética, estética, polí-
tica, artística, cultural e no âmbito da saúde, o mundo do trabalho
e as relações sociais.” O segundo é a reivindicação de participação
social e familiar em atividades educativas no contexto prisional, na
perspectiva da reconstrução dos laços entre prisões e sociedade.
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Massimo Pavarini
Catedrático de Direito Penal da Faculdade de Giurisprudenza, da Univer-
sidade de Bolonha, Itália, desde novembro de 2000. Também exerce a fun-
ção de Assessor Honorário de instituições governamentais na área de Direito
e Segurança Cidadã
Hugo Rangel
Professor e Pesquisador da Universidade de Quebec – Montreal (Canadá),
consultor do Observatório Internacional da UNESCO sobre Educação
em Prisões. Também é membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do
México (SNI - Sistema Nacional de Investigadores de México)
Jorge Teles
Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
1999. Atualmente é Diretor de Políticas de Educação de Jovens e Adultos
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad),
do Ministério da Educação (MEC). Trabalhou na avaliação e pesquisa de
projetos dos Ministérios da Assistência Social, do Trabalho e Emprego e no
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Daniele Duarte
Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio
de Janeiro (IUPERJ). Trabalha, desde 2005, como consultora do Programa
Educando para a Liberdade na Diretoria de Estudos e Acompanhamento das
Vulnerabilidades Educacionais da Secretaria de Educação Continuada, Alfabe-
tização e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação do Brasil (MEC).
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