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Defesa de uma “Tese linda” de Rafaela

Amargosa/BA, 28 de fevereiro de 2023

Boa tarde, a todos e todas!

Expresso minha alegria em ver nesta tarde tanta gente linda, elegante e sincera reunidas
para assistir esta defesa de tese de doutorado da nossa queridíssima Profa Rafaela e não
somente a ex-aluna da UFRB, como querem a reduzi-la.
Presto minhas considerações aos colegas que compõe a banca, Profa. Aluska, Profa
Letícia, Prof. Ysmailyn e Prof. Gustavo, e peço licença para me dirigir por um bom tempo
— haja tempo, MEU DEUSSSS O TEXTO FICOU GRANDEEEE… desculpa! — a
nossa estrela do dia! Escrevi para não ficar tão grande, mas pequei só em dizer isso, porque
o que meu pensamento, de modo escrito, foi atrelada ao tamanho que é a tese: “Mulheres
negras nas ciências: discussões sobre gênero, currículo e (in)visibilidade” escrita pela
maravilhosa Rafaela. Você encerra um início de trabalho quando estamos prestes a
comemorar o dia internacional das mulheres — apesar de todas as críticas no movimento
capitalista que esse dia tem. Imagina o poder que você tem!

Começo dizendo:

Uma tese linda…

Eu chego neste momento, muito emocionado ao receber o convite, e confesso que muitas
vezes não contive as lágrimas que insistiam cair pela minha pela… Era, na verdade, a
emoção em ler uma “tese linda”, carregada de pessoas que a ajudaram e lutaram para abrir-
escancarar diferentes e várias portas, que um dia foram fechadas. As portas, sempre
tiveram relação muito próxima para a população preta deste país, não é a toa que estamos
assistindo, ainda em 2023 trabalhos análogos a escravidão, que numa leitura rápida, foi a
única coisa que os brancos não conseguiram roubar, e, por isso, matavam, assinavam, o/a
diferente. Assistimos que vinhos e sucos de uvas estão com sangue do povo preto, que
tiveram suas portas fechadas, muitas vezes machucadas, pelos grandes “senhores de
engenho”. É, me parece que ainda temos muito que lutar, brigar… As Correntes são
quebradas, mas ainda em passos lentos…
.
Mas vamos celebrar hoje o teu dia, Rafaela. As conversas que teço, ou tento tecer aqui,
são a partir das impressões que tenho de tua pesquisa, de teu trabalho, de teu ser, e não
esquecendo, jamais, dos alicerces e das resistências que nos constituem, diariamente,
aquilo que queremos ser - antirracista, principalmente. E, por não esquecer de nada, ou
tentando entender o que é esquecer nada, eu li teus agradecimentos com os olhos
marejados. E até peço desculpas, e licença a todas as pessoas que hoje estão aqui
prestigiando este momento, para vez ou outra, deixar que as emoções fluam. E por deixar
flui-las, talvez escorram também pelos meus olhos, numa reação indescritível, de inúmeros
processos bioquímicos e fisiológicos, que ousaram em chamar de choro que produz
lágrimas. Mas não é um choro de tristeza, mas sim, de alegria por este momento que é tão
único, tão simbólico e tão teu, que se traduz em muitas que irão passar por esta porta que
você está abrindo e, de certo modo, escancarando para nunca mais serem fechadas.
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Rafaela dos Santos Lima, eu tenho muito orgulho de estar aqui, porque lá atrás, aqui nesta
sala que te espera muito em breve, você estará aqui, com esse sorriso contagioso e ideias
mirabolantes com o desejo de (re)inventar a formação docente. Aqui, neste ambiente,
saíram as ideias que se apresentam neste tese, gostosas e mirabolantes conversas.
Conversas estas que consigo enxergar em todo teu trabalho. Eu já disse, em alguns
estudos, muitas vezes solitários, a partir de Pinar, Maria Luiza Sussekind, que “quem
conversa, conversa com…”, você verá que aqui será um mantra que quem passa nas
minhas disciplinas, saem ao menos com esta frase na cabeça e impregnada. Por isso, não
acho que há discussões, e sim, conversas, super complicadas sobre gênero, currículo e
(in)visibilidade(S) no plural, pois são muitas. Que tal (re)construir este título utilizando
Pinar, Maria Luiza Sussekind e alguns textos que temos publicado por aí… você traz
muitas autoras, porém no texto ficou masculinizado rsrs… feminilize a escrita!.
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Nas minhas andanças pelas histórias-narrativas que você desencadeia durante tua “tese
linda”, penso que no próprio resumo há necessidade de anunciar os resultados e denunciar
quais considerações você chegou, afinal de contas, olha quantas perguntas tu lançou nestes
artigos, que se fazem necessárias, obviamente, algumas respostas, e nada melhor de quem
as escreveu para chegar algumas respostas. Mas não esqueça de deixar outras em aberto,
afinal a “tese linda”, carece de outros espaços para que outras cientistas negras (black
cientist) possam responder ou até mesmo lançar outras novas perguntas. AFinal, perguntar
é o que nos move enquanto pesquisadores/as do mundo!
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Chego nos teus artigos. Primeiro, não posso deixar de registrar o meu nó garganta e a
emoção que sinto em chegar aqui e logo me deparar com uma belíssima capa… “Antes
de mim tenho gerações de barrigas famintas na barriga. As avós devem estar gritando de
tanto dar risada. Reunidas em volta de um fogão de barro lá do outro lado. Bebericando
masala chai leiotoso em um copo fumegante. Elas devem achar uma loucura a ver um das
suas mulheres vivendo de um jeito tão grandioso”. Leio essa frase de Rupi Kaur, com
olhos cheios de lágrimas, pois é impossível não pensar no momento de reconstrução que
estamos vivenciando no país, e sobretudo, em você, enquanto a primeira a chegar neste
patamar acadêmico, quando muitas vezes nossos familiares não entendem a importância
de estarmos aqui, com a responsabilidade, no meu caso, de ler teu trabalho com muito
respeito, carinho e acima de tudo, com o espírito científico aflorado, para (re)afirmar que
você, Rafaela, apresenta, não somente, mas visibiliza as mulheres na ciência,
principalmente aquela que é nordestina, preta e professora de Química, e você sabe de
quem estou falando? Isso mesmo, de ti! A cientista, pesquisadora, preta, nordestina e
professora, e daqui a pouco, quem sabe, DOUTORA! Então, tu mais do que ninguém, a
tornastes visível para que outras mulheres pretas, possam passar pela mesma porta que
você e abrirão tantas outras. Eu tenho uma sugestão, há uma frase, que você põe na tua
tese e você carrega no teu viver, e por que não, colocá-la no que poderíamos chamar de
introdução. Seria mais uma homenagem aos teus, principalmente pais: “Estuda, minha
filha, pois o peso da caneta é mais leve do que o da enxada…”: quebrando as correntes
(in)visíveis sobre ser preta, nordestina e professora de Química.” Fica a sugestão…
.
Eu chego na página 26 da tua tese no segundo parágrafo e aplaudo, pois entendo que as
instância antidemocráticas que pairam sobre a universidade, também estão interpeladas
pelas raça e pelo gênero. Assumir o posto de que não foi teu é sobretudo uma
interferÊncia de um governo autoritário que tivemos que sobreviver no últimos 6 anos
após destituição e Golpe machista-patriarcal-conservador sofrido pela Presidenta Dilma.
Tal com ela, Gina, também sofre com a usurpação de poderes que a comunidade
universitária lhe conferiu. Por ser Negra, Lésbica e de religião de matrizes africanas, sofre
com o embranquecimento da universidade e dos serviços públicos. Neste primeiro artigo
que tu falas sobre a tua vida, saibas que estas ações não serão mais aceitas, afinal, nós
precisamos entender que o respeito a universidade deve prevalecer! Para que outras Ginas
e Rafaelas não sejam silenciadas e usurpadas de ocupar os cargos que são legítimos delas,
precisamos de mais Ginas e Rafaelas nos espaços científicos denunciando — ainda mais
— as tragédias cometidas pelo ex-governo genocida que odeia, pobre, preto, indígenas,
quilombolas, LGBTTQIA+, para nunca mais esta terrível história se repetir. Devemos
sempre estarmos em alerta com o avanço da extrema direita. Por isso dizemos não a
qualquer intervenção nas instância democráticas deste país e para precisamos na
universidade pública de espaços para ocupar diferentes setores, para que a gente não seja
a última geração que conheceu a importância das políticas de formação inicial e continuada
de professores para atuação na Educação Básica e no Ensino Superior. GINA VEM
AÍ!!!!!!!!
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Ainda nesta página, gosto da maneira poética que você apresenta a travessia da/na
pesquisa. Porém, que tal você falar num parágrafo que neste período antidemocrático —
temer e o inominável — aprovaram uma base nacional comum, pois você já atravessa
diretamente na BNCC e se quer menciona sobre os mecanismos anti-legais,
inconstitucionais que esta BNCC e a reforma do novo ensino médio vem sendo
implementado nas escolas e como ela interpela sua vida, enquanto pesquisadora-
professora-negra-cientista que se destaca na Didática das Ciências. Acho — olha eu
usando acho… quem diria… — que dava para investir nisso… E, como se trata de um
artigo autobiográfico — a propósito, acho que falta você mencionar teorizando a partir
da metodologia da pesquisa — Aline Dornelles (FURG), Inês Petrucci (UNICAMP),
Elizeu Clementino (UESB), Conceição Passeggi (UFRN), Franklin Kaic (UFRB, que
metidooooo) — isso no início, viu? Penso que seria necessário ousar no método
autobiográfico, teorizando, obviamente, para deixar sua tese mais envergada ainda,
principalmente pelo método autobiográfico ser tratado como uma metodologia menor (e
que bom, como diria Veiga-neto) — tu podes investir nas narrativas que Rafaela tem a
dizer sobre a BNCC, e olha que você tem muito a dizer.
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Continuando… na tua introdução… Vejo que os últimos parágrafos poderiam ser
apresentados, por exemplo, antes de mencionar os problemas, as questões, pois tu fazes
uma leitura do pós-crítico, o que fica deslocado com a discussão, é só, portanto, descolar.
Afinal, a tua tese tem descolamentos, transbordamentos e muita história boa para contar-
narrar. Arremesse a ciência, principalmente dentre desse aporte teórico-metodológico de
pensar a pesquisa e de investigar os movimento formativos, para que outras que quiserem
e ousarem, possam utilizar como arcabouços teórico-epistêmico nas outras pesquisas que
entrelacem, relacionem e (re)pensem gênero, raça e química. Até o momento, continuo
concordando contigo, TUA TESE É LINDA de ser LIDA!. Aliás, terminando as tuas
referências da introdução e que introdução hein? Vi que algumas referências se apresentam
como ABNT e outras como APA, talvez, seria melhor você uniformizar, mesmo sendo
um trabalho pós-crítico, penso que há no programa uma rigidez referencial — a capes ama
e atendemos aos mandos e desmandos dela!. Não falo isso como algo técnico, mas como
crítica aos mandos e desmandos dos órgãos de fomento que temos baixar nossas cabeças
e seguir a todo custo e todo modo: CUMPRA-SE!
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Chego em “Currículo, gênero e BNCC”… A conversa está se complicando cada vez mais,
e neste movimento de cada vez mais, tem aguçado minhas papilas gustativas e me feito
saborear este trabalho com fôlego, com ciência, com preocupações legítimas de currículo
conservador, de raça única e de uniformização de seres humanos, de subjetividades, de
pessoas. Como você apresenta, a partir de Lélia Gonzalez “estamos cansados de saber que
nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva
contribuição das classes populares, das mulheres, do negro, do início na formação…”. E
se tratando deste documento que me causa náusea, na BNCC, há um embranquecimento
ainda maior da escola, das universidades, dos conteúdos, dos conhecimentos e saberes
tradicionais e científicos, afinal, não há como ter diversidade e/ou política da diferença,
quando se temos uma sistematização de conhecimento e de práticas pedagógicas
pensadas-enraizadas em competências e habilidades ditados autoritariamente pelos
europeus e norte-americanos. Então tenho que te dizer: como a Base é racista, sexista,
heteropatriarcal, conservadora e …
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Nossa, como a tua tese me faz refletir. Estou neste momento que escrevo esta carta-
parecer pensamentos em formas de palavras… como queiram titular… com os neurônios
produzindo diversas substâncias. A pesquisadora Rafaela tem disso, me parece. Seguindo
no texto, percebi que você incorporou nossas sugestões da qualificação e assim melhorou
consideravelmente o teu trabalho! Tu assumes o pós-crítico e dança com ele! É como um
baile que circula por inúmeras vezes, inúmeras rotas, mas que não se preocupa no que é,
mas no que está sendo naquele determinado tempo-espaço-momento. Talvez seja esta a
nossa aproximação conceitual do que está sendo e acontecendo o/no/com/sobre
currículo, não esquecendo, portanto, que a Química também é currículo e por isso merece
destaque em nossas investigações nas graduações e pós-graduações, uma vez que esta área
ainda não é privilegiada em nossos estudos-publicações. O que torna tua tese, uma tese!
OU melhor dizendo, em quatro teses, conforme você vai tecendo as mazelas sociais que
estão escondidas na BNCC e você faz questão de revelá-las. Você conversa muito bem
com Marlucy Paraíso que é uma das pioneiras nos estudos pós-críticos de currículo,
entretanto, ela faz uso da filosofia da diferença, inclusive você repete em algumas situações
no teu texto, o que careceria de um aprofundamento de tal conceito, pois em 5 linhas não
dá conta para explicar a filosofia da diferença para uma pessoa que abre tua tese para ler e
até mesmo saber que existe isso. Sugiro assim, enfatizar a filosofia da diferença, a partir
do livro “Diferença e repetição” do próprio Deleuze que ajudará no que estou falando.
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Gosto da discussão histórica-política da Base, e sobretudo nas relações que estão
estabelecidas nos conceitos que você brilhantemente trabalha. Vez ou outra tenho que me
desvincular da concepção pós-crítica, quando tu citas expressões críticas, a exemplo de
condições sócio-histórico-culturais, porque as vezes me dá a entender que estás
trabalhando com esta corrente epistemológica. Seguindo nas tuas teses, os argumentos
que as sustentam, tem base, diferente da BNCC, que vão desenrolando e se fortalecendo
a medida que você apresenta a junção das tuas ideologias com as tessituras dos/as
autores/as que estão bem alocados. Não diminuindo o brilhante artigo que escrevestes,
mas na tentativa de ajudar, eu sugiro que deveria fazer um parágrafo de ligação entre os
tópicos, desde a introdução, até mesmo as teses, pois apesar delas estarem interligadas, a
maneira como está escrito, me parece que há quebra de pensamento, o que difere, por te
conhecer, e eu sei que você as relacionam. A base ela não tem base, ela tem machismo,
misoginia, heteropatriarcalismo e aniquliação da diferença, que invisibiliza e cala mulheres,
pretos/as, indígenas, LGBTQIA+, tudo isso, alicerçado e fundamentado pelos preceitos
religiosos e conservadores da Bancada da Bíblia, da Bala e do Boi e agora do Lemann com
o Partido Novo que de novo não tem nada! Por isso, entendo que há muito trabalho pela
Frente! Assim, tomando tuas teses como base, lance uma outra tese, ou melhor um
manifesto: PELA REVOGAÇÃO DA BNCC E DA REFORMA DO NOVO ENSINO
MÉDIO JÁ, pelo bem das escolas, da ciência e do livre pensamento. E digo isso porque
me contraponho a Leite, De Castro e Ferrari (2021), pois não entendo que a BNCC pode
ser “suporte” de práticas pedagógicas, quando ela mesma não se sustenta, e se não há
sustentação — empírica, teórica, epistemológica, metodológica, científica — não há como
ser suporte de uma escola para lidar na e com a diferença. E me contraponho a autores
europeus que utilizam o ensino por competência atendendo ao mercado financeiro de lá
que traduziram de forma erroneamente para aqui no Brasil.
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Em “dor, sequestro, escravidão, mudança: precisamos de educação antirracista”, já chego
com um desejo de entrar no mundo e entender como Rafaela pensa o antirracismo para a
Educação Pública, que é do público e para o público. Abre o capítulo com Conceição
Evaristo e isso me arranca um sorriso, pois agora estou vendo mulheres pretas, escritoras,
cientistas que defendem uma Educação para além das amarras, para além de correntes
conservadoras, patriarcais, sexistas, racistas, lgbttqia+fóbicas. Quebrar as correntes
conservadoras são amargas, dolorosas e necessárias, afinal, precisamos deixar que
muitos/as que não puderam passar, hoje e amanhã e depois de amanhã e depois… possam
perceber que muitas, iguais a você, quebraram muitas coisas, sobretudo as correntes
patriarcais, do racismo e da lgbtfobia, para que pudessem escancarar as portas e entrar de
coletivo. Sustentar essa decisão não é fácil, mas também é uma prática antirracista!
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Caminhando na leitura do teu texto, cheio de força, de efeitos, de ressonâncias e
principalmente de movimentos para defesa de uma Educação Antirracista, me deparo com
a seguinte afirmação, na página 68, “[…] no entanto o que temos no país é o racismo de
modo velado, individual, institucional e estrutural.”. Penso que você relata de forma
contundente o racismo velado, entretanto, não consigo visualizar leituras e/ou conversas
sempre complicadas sobre o racismo individual. O que seria? Como Rafaela sobrevive no
racismo individual? Estou falando isso porque no parágrafo seguinte você já parte para o
racismo institucional e bemmmm depois apresenta o conceito de Silvio Almeida do
racismo estrutural. Que tal você considerar escrever sobre essas tipologias de racismo,
digamos assim, e apresentar sustentações na Educação em Ciências?.
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No artigo 3, já chego com o doce sabor científico para entender o e descobrir quais lugares
ocupam. Que bom que deixou de ser inviabilizada e passou a ser visível. Você traz a
visibilidade de mulheres pretas, principalmente, a partir da tua história de vida, que tem
muito a nos contar… Ocupar o lugar de destaque na ciência ainda é algo que estamos
dando passos bem lentos, mas vamos construindo espaços e abrindo portas para que a
visibilidades das mulheres, saiam, inclusive, da coitada de Marie Curie e passemos a
valorizar e visibilizar mulheres negras latinas, brasileiras, nordestinas e, sobretudo, que
fazem a ciência baiana avançar em todo território nacional. Entendemos neste artigo que
o corpo negro estava subserviente aos mandos e desmandos dos serviços do branco.
Apesar da onda feminista que avançou nos debates, esqueceram de tantos outros, quando
partimos para a interseccionalidade de raça, uma vez que hoje assistimos, que pusemos em
nossas mesas, vinhos e sucos, que tem sangue de nordestinas negras, que ainda são
submetidos a trabalhos análogos a escravidão. Esta discussão deve chegar nas escolas, nas
universidades, nos nossos artigos para haver mudança e de fato uma Educação
Antirracista. Ensinar que a fermentação do vinho e produção de suco de 3 marcas, estão
sujos com sangue do povo preto que tiveram seus direitos humanos aniquilados — por
isso minha crítica ao movimento dos Direitos Humanos, que não são tão humanos assim.
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Penso que ao analisar os currículos de formação docente, tu poderias se aproximar ainda
mais enquanto pesquisadora, mulher, preta, cientista e, daqui a pouco, curriculista, por
entender que a UFRB se constituiu como uma instituição super importante na tua
trajetória acadêmica, então há afetividade também na escolha para a realização da análise
deste documento — inclusive penso que você foi bem simplista ao contar sua trajetória
na UFRB. Para além de Oliveira (2022) o que Santos Limas (2023) tem a nos dizer sobre
a UFRB, o curso de Química, enquanto projetos políticos de formação profissional? Ah,
como eu sei que Rafaela tem muito a nos dizer… Então diga! Não sinta medo! A tese é
tua! Assuma a tua tese! Pegue na mão dela e lance as tuas indagações, incertezas, revoltas
e movimento que invisibilizaram você, enquanto professora pesquisadora, afinal “química
não será”, mas “professora de Química” você já é…
.
Partindo para as análises, por meio dos descritores utilizados, percebo que a
“universidade-negra” não é tão negra quando diz respeito as currículos e a descrição dos
ementários. Mais uma vez as discussões, principalmente das relações étnico-raciais, ficam
a cargo deste próprio componente, para seguir o rigor da lei e, além disso, favorece o olhar
masculino-patriarcal-heterocentrado para as discussões de raça, mulher e ciência. Gosto
da análise que você faz em relação ao curso de Licenciatura em Química, pois coaduna
com os preceitos da diferença que temos trabalhado — apesar de você ter esquecido
algumas vezes lá atrás, para analisar inclusive a ausência e/ou apresentar a visibilidade —
. O curso de Química ainda se restringe aos preceitos técnicos, pragmáticos e positivistas,
não coadunando inclusive com o modelo de universidade que quer a UFRB. Muito me
alegra quando você apresentou o componente “Química, diversidade e cultura pop”, pois
foi pensada por mim, enquanto autor-pensador-pesquisador destas três vertentes:
Química, diversidade/ hoje diferença, e cultura pop. A resistência em propor este
componente, foi desde o “não temos muito tempo para propor, se você conseguir nos
enviar esta ementa até amanhã de manhã — eram 17H…”, até o “acho difícil ter
referências…”. A diversidade que valorize as mulheres, negras, pessoas LGBTTQIA+,
indígenas, quilombolas, ribeirinhas, etc., ainda encontram resistência, principalmente num
curso que marjoritarimente é heteropatriarcal, embraquecido e colonizado, tendendo ao
que Boaventura de Sousa Santos chamou de EPISTEMICÍDIO. Teremos sorte por
termos a Rafaela que enegrecerá o nosso Currículo aqui na UFRB. O que é necessário,
porém, também se faz uma análise, ou melhor uma pergunta provocativa: por que,
somente com Rafaela, mulher-preta-professora-cientista-química-e…, que teremos a
discussão que valorize nos currículos a química diversa, que traga para o centro da
formação política as mulheres que perpassa pelo Gênero e pela raça? Não seria isso,
também, a ausência da prática antirracista, mesmo daqueles/as que defendem a
universidadescola para a diversidade-diferença? Enfim…
.
Partindo para o final da minha fala que já se alongou por demais — peço desculpas por
isso, mas foram os pensamentos desencadeados que me impulsionaram e me fizeram
escrever esta carta-parecer, sei lá — eu sinto um orgulho imenso por presenciar este
momento e por ter meu nome ao ladinho do teu em inúmeros trabalhos publicados e,
principalmente, por assinar um documento que te dará o direito de gozar de um título que
tem uma representação enorme para ti, para Tomás, para tua mãe, Maria, para teu pai,
Cosme, para tua família. Você é uma referência para mim, em todos os sentidos. De certo,
já concluímos isso, nossas histórias se cruzaram, e para sempre estarão tatuadas na
Biblioteca de Teses da CAPES. Obrigado pela oportunidade de leitura de um trabalho
rico, que deve ser lido por todos/as que ousam indagar as estruturas racistas que compõe
a ciência, a universidade, as escolas e, principalmente a Química. Você quebrou correntes,
você passou noites acordada, você virou noite aqui em casa para que o projeto fosse
submetido. Você vibrou com o resultado e nós vibramos juntos contigo! Eu só tenho a
agradecer ao universo por ter conspirado e nós termos cruzado nossos olhares, nossas
ideias, nossas vidas para todo o sempre, se é que o sempre existe!
.
Escrever uma tese, enquanto trabalho solitário, ultrapassar a triste marca de uma pandemia
que dizimou mais de 600 mil pessoas e você, nós sobrevivemos, é algo de celebrar, com
muita, mas muita felicidade! Você termina sua tese com uma frase que me encheu — mais
uma vez — os olhos… “No mais, o amor venceu o ódio!”. Nós vencemos… e lutaremos
para que outras meninas-mulheres pretas, travestis, transexuais, possam entrar e ficar neste
universidade pública que é nossa, mesmo ela tendo sido atacada e quase que fechada por
quem odeia o avanço da ciência, da tecnologia, da educação. Sempre seremos ELE NÃO!
E hoje, fazemos o L SIM! Nós abriremos portas para que outras pessoas passem e cá
fiquem. Abriremos oportunidades que nos foram negadas, principalmente para você. Você
faz história e nos convida a contar a tua história, enquanto mulher, preta, cientista,
sambista, cervejeira e professora-defensora da Educação Química e do Currículo pós-
crítico. Lembro quando no início da pandemia, que ainda era professora substituta, foi
demitida pelos preceitos mais vergonhosos que esta universidade teve que fazer para
manter “responsabilidade fiscal” não se importando com as vidas que ficaram
desempregadas na pandemia e com as imprudências do destino, pelo movimento
conspiratório do universo e pela reparação histórica, você voltará como professora
EFETIVA DA UFRB.

Meu muito obrigado, pela confiança de ler tua tese linda e cheia de afetos e de resistência
a eurocentralização e embraquecimento e seu desejo de vontade de enegrecer o currículo
da química na universidadescola.

Hoje você se torna, a PROFESSORA DOUTORA RAFAELA DOS SANTOS LIMA e


é minha amiga! Te amo!

Prof. Dr. Franklin Kaic Dutra-Pereira (UFRB).

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