Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
respostas para
compreender o
Autismo
Patrícia Gonçalves e
Áurea E Om Spricigo Siqueira
Diagramação: Jéssica Helena Castilho
No entanto, caro leitor, esta é uma leitura primária que lhe ajudará a conhecer e a
sanar algumas dúvidas a respeito deste Espectro, mas, sem a pretensão de torná-los
experts após a leitura. Pretendemos que com nosso material nossos leitores
rompam preconceitos e mitos criados ao longo do tempo e construam uma visão
mais clara e acessível sobre esta condição, que, por seu um amplo potencial de
pesquisa, certamente ainda teremos muito o que conhecer.
Há, também, uma reflexão a respeito do diagnóstico e sua importância, que não pode
ser desvinculada de outros dois assuntos: a garantia de direitos e o acesso ao
atendimento individualizado. Além de todos esses temas centrais abordados na obra,
as autoras apontam, em seu decorrer, sugestões de livros e filmes sobre o assunto,
para contribuir nesses primeiros passos da caminhada rumo à conscientização.
Aquelas sensações iniciais que relatei, de temor e desafio, são superadas com
conhecimento de qualidade. E é esse conhecimento que Patrícia e Áurea transbordam
nessa obra.
Dito de outro modo, quanto mais conhecemos sobre um tema, nos tornamos
mais munidos de informação acerca dele, o que nos torna mais preparados para
lidar com uma pessoa dentro do espectro quando ela estiver diante de nós.
Conheça esta inspiradora história real de Temple Grandin, uma mulher com
autismo que é referência no mundo no trato humanizado de bovinos. Este filme
é baseado no livro escrito por ela, em que compartilha suas dificuldades e
sucessos. Temple vivenciou períodos de pouco conhecimento sobre o autismo
na sociedade, fazendo com que fosse incompreendida durante sua infância e
adolescência. Atualmente ela exerce sua profissão e ministra palestras sobre
autismo e Ciência Animal por todo o mundo.
O primeiro estudo sobre o Transtorno do Espectro Autista foi realizado por
Eugene Bleurer, um psiquiatra suíço que em 1911, descreveu como
autismo a ruptura do contato com a realidade, de modo que esta condição
poderia dificultar ou impossibilitar a comunicação com outras pessoas. À
época, os estudos realizados por Bleurer denominavam os traços autísticos a
pacientes com diagnóstico de esquizofrenia (AJURIAGUERRA, 1977). Indivíduos
com esquizofrenia evidenciam a presença de delírios, alucinações, alterações
de pensamento, afetividade e rebaixamento da volição (BRAGA, 2018). Percebe-
se que estes sintomas são muito diferentes dos sinais de autismo.
Vale ressaltar que o autismo não tem uma causa específica conhecida, pois a
sua causa é decorrente da combinação de fatores genéticos e ambientais. No
entanto, o que nós sabemos, é que o autismo tem sido diagnosticado quatro
vezes mais em indivíduos do sexo masculino do que no feminino, o que
equivale a dizer que 80% dos indivíduos dentro do espectro são homens,
enquanto 20% são mulheres (BRAGA, 2018).
De acordo com Araújo (2019), outra questão muito importante é que quanto
mais rápido os traços de TEA forem identificados, mais rapidamente será
iniciada a estimulação e mais efetivos serão os ganhos no desenvolvimento
neuropsicomotor. A estimulação pode atingir o período ótimo definido pelas
denominadas “janelas de oportunidades” do cérebro das crianças e a detecção
precoce pode auxiliar a treinar habilidades que, se porventura houver um
atraso no diagnóstico, dificilmente poderão ser alcançadas.
Para ela, a cultura popular de “esperar o tempo da criança” deve ser superada
e transformada em ação imediata para avaliar o período de cada aquisição do
desenvolvimento motor, de linguagem e interação social, que devem ser
alcançados dentro do padrão da normalidade, segundo escalas validadas
internacionalmente. Por exemplo, existe uma idade mínima e máxima
considerada normal para iniciar as primeiras palavras – se o bebê não emite
palavras após a idade considerada máxima é caracterizado atraso e ele deve
ser avaliado e estimulado imediatamente, pois as janelas de oportunidade da
linguagem estão abertas até a idade de 3 anos (ARAÚJO, 2019).
No âmbito escolar, as adaptações devem ser realizadas pelos professores,
desde o momento em que o estudante com TEA é inserido no ambiente
escolar, seja no ensino fundamental ou na educação infantil. O conceito de
adaptações curriculares é considerado como: estratégias e critérios de atuação
docente, admitindo decisões que oportunizam adequar a ação educativa
escolar às maneiras peculiares de aprendizagem dos alunos, levando em conta
que o processo de ensino-aprendizagem pressupõe atender à diversificação de
necessidades dos alunos na escola (MEC/SEESP/SEB,1998). Nos casos em que
há limitações nos cuidados com a higiene, alimentação e comunicação, o
estudante também pode contar com o apoio de um profissional especializado -
Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012).
Assim, o diagnóstico será importante para que a família possa reivindicar essas
adaptações curriculares que constituem em possibilidades educacionais de
atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos e de suas
necessidades educacionais específicas.
Constituição da República
Federativa do Brasil 1988
Estabelece promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação. 1989 Lei n. 7.853/89
Como um dos princípios para o ensino e
Prevê direitos individuais e sociais das pessoas
garante, como dever do Estado, a oferta do
portadoras de deficiências, e sua efetiva
atendimento educacional especializado.
integração social. A inclusão, no sistema
educacional, da Educação Especial como
modalidade educativa que abrange a educação
precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a
supletiva, a habilitação e reabilitação
Declaração de profissionais, com currículos, etapas e
1994 exigências de diplomação próprias
Salamanca
Prioriza o desenvolvimento de sistemas
educativos que incluem todas a crianças,
independente de dificuldades ou diferenças
individuais, por meio de medidas políticas e
orçamentárias.
1995 Lei nº 8.989/ 1995
Isenta do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) indivíduos portadores de
deficiência.
Lei n. 9.394/96 -
1996
Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB)
Capítulo V trata da Educação Especial. 1999 Decreto n. 3.298
Responsabiliza o educador e a instituição de
ensino pela inserção do indivíduo com autismo Regulamenta a Lei n. 7.853, de 24 de outubro
no ambiente escolar e na sociedade, como de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional
uma prática de cidadania. para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência. Define a educação especial como
uma modalidade transversal a todos os níveis
e modalidades de ensino, enfatizando a
atuação complementar da educação especial
Decreto n. 6.949/2009 -
Convenção sobre os 2009 Decreto n. 7.611/2011 -
Direitos das Pessoas com
Atendimento Educacional
Deficiência e seu Protocolo
2011 Especializado (AEE)
Facultativo
Prevê o desenvolvimento de instrumentos
Prevê que medidas de apoio individualizadas e
pedagógicos e didáticos, bem como um
efetivas sejam adotadas em ambientes que
sistema educacional inclusivo em todas as
maximizem o desenvolvimento acadêmico e
etapas de ensino, capaz de extinguir os
social, de acordo com a meta de inclusão
obstáculos de ensino e aprendizagem, para
plena.
promover o sucesso acadêmico de alunos com
necessidades educacionais especiais.
Lei n. 12.764/2012 -
2012
Política Nacional de
Proteção dos Direitos da
Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista
Passou a considerar o indivíduo com TEA uma
pessoa com deficiência, para efeitos legais,
com o intuito de garantir todos os direitos
conquistados pelos sujeitos com deficiência.
Em caso de necessidade comprovada, prevê a
presença de um acompanhamento
especializado em sala de aula. Prevê o acesso
à profissionalização dos indivíduos com
autismo, atenção às necessidades de saúde
incluindo diagnóstico precoce, atendimento
2012 Lei n. 12.764/2012 -
multiprofissional, acesso à educação,
profissionalização, acesso à previdência e Política Nacional
assistência social, divulgação de informação
pública sobre o distúrbio e suas implicações, de Educação Especial na
incentivo à capacitação de profissionais,
estímulo à pesquisa científica. Esta lei também perspectiva da
versa sobre a reserva de vagas para indivíduos
com TEA em estabelecimentos que possuem
Educação Inclusiva
acima de 100 funcionários.
Prevê a garantia ao acesso, participação e
aprendizagens desses sujeitos na escola
regular comum, sugerindo diretrizes
específicas. Direciona a organização de redes
Lei 12.711/2012 2012 de apoio, formação continuada, identificação
de recursos, serviços e elaboração de práticas
Refere-se à entrada no ensino superior, nas
colaborativas
universidades e instituições federais de
educação a nível técnico e médio. Dispõe
sobre o ingresso de alunos pretos, pardos,
indígenas e pessoas com deficiência nas
instituições, cujas vagas serão ocupadas
proporcionalmente ao total de vagas no
mínimo similar à porcentagem de pretos,
pardos, indígenas e pessoas com deficiência
na habitação da unidade federativa em que
está localizada a instituição.
2014 Lei 13.005/2014 -
2020
Lei 13.977/2020 -
Lei Romeo Mion
Institui a Carteira Nacional do Autista (Ciptea)
de expedição gratuita. Garante a atenção
integral, pronto atendimento e prioridade na
ordem de atendimento de serviços públicos e
particulares, principalmente na área da saúde,
educação e assistência social.
Ainda há muito o que ser feito em relação à legislação para a pessoa com TEA
no Brasil, como promover medidas de permanência no Ensino Médio,
capacitação de professores e de toda equipe pedagógica para atender alunos
dentro do espectro, ações que efetivem o diagnóstico precoce, e também
colocar em prática todas as leis que estão em vigor. No entanto, inúmeras
conquistas foram adquiridas ao longo de tantos anos de reivindicações e é
importante ressaltar que parte dos direitos que foram adquiridos surgiram do
movimento de pais e familiares de indivíduos dentro do espectro.
O que me faz pular
Naoki Higashida
"A escola recebe uma criança com dificuldades em se relacionar, seguir regras
sociais e se adaptar ao novo ambiente. Esse comportamento é logo confundido
com falta de educação e limite. E por falta de conhecimento, alguns profissionais
da educação não sabem reconhecer e identificar as características de um
autista, principalmente os de alto funcionamento, com grau baixo de
comprometimento." (SANTOS, 2008, p. 9).
Este clássico conta com atuações memoráveis de Tom Cruise e Dustin Hoffman,
que mostra as idiossincrasias de um indivíduo com autismo, desde suas
preferências, até sua forma de comunicação.
Como vimos anteriormente, hoje o Transtorno do Espectro Autista recebe esse
nome justamente porque dentro da condição podem haver várias
características que distinguem uma pessoa com Autismo de outra. Dentre elas
pode haver incidência no comportamento que se qualifica por uma dificuldade
ao nível social, podem haver dificuldades no desenvolvimento da linguagem e
também existir distúrbios comportamentais (MELO; FALEIRO; LUZ, 2009).
Assim, tão vasto como podem ser as características do Autista, podem ser
também os tratamentos e atendimentos indicados, pois é com base nas
peculiaridades de cada um, que os encaminhamentos serão realizados.
Essa situação é muito comum e mesmo que cause desconforto aos pais,
devemos sempre pensar se está trazendo sofrimento para a criança, ou não.
Se ela está se sentindo incomodada, desejando estar junto dos outros, talvez
seja o momento de intervir, sugerir uma brincadeira em que ele também possa
interagir e estar com os demais. Mas, se a criança está inteiramente envolvida
em seu jogo ou brincadeira individual, forçar uma interação pode lhe causar
um sofrimento desnecessário.
Em relação a linguagem Telmo (1990), sustenta que a partir dos 2 anos é possível
notar a dificuldade ou ausência de comunicação. Algumas crianças autistas
adquirem a fala tardiamente, mas outras nunca chegam a falar, acabando por
utilizar outros sistemas de comunicação. O mesmo autor explica que a criança
que fala pode ainda apresentar ecolalia, inversão dos pronomes, articulação
incorreta das palavras e a não utilização da linguagem na sua função
comunicativa, ou seja, tem a pragmática alterada. O autor ressalta que outro
obstáculo à interação social é a prosódia, pois alguns indivíduos com autismo não
conseguem utilizar uma entoação adequada, o que dificulta sua interação.
É importante lembrar que até este momento o autismo não tem cura e não
existe um medicamento específico para tratar o autismo (GADIA et al., 2004;
KLIN, 2006; SCHWARTZMAN, 2011a, 2011b). No entanto, o médico neuropediatra
poderá indicar medicamentos que podem combater sintomas relacionados ao
autismo como agressão, hiperatividade, compulsividade ou dificuldade para lidar
com o sono. Mas lembre-se: cada caso é único e somente o especialista poderá
indicar se a intervenção medicamentosa é necessária.
Outra sintonia: a história do Autismo
John Donvan e Caren Zucker
Neste sentido, mais importante do que tentar imaginar como a criança com
TEA será na idade adulta, é oferecer a ela desde o momento em que se
recebe o diagnóstico, todos os estímulos e atendimentos necessários ao
seu desenvolvimento compreendendo suas limitações, respeitando suas
características pessoais e estimulando suas habilidades e potenciais.
No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, comumente
conhecido por DSM-V, encontram-se os critérios diagnósticos que são
observados em uma pessoa dentro do espectro autista. A edição mais recente
deste material é de 2013 e foi elaborado pela Associação Americana de
Psiquiatra, diferentes profissionais da saúde, como psiquiatras, pediatras,
psicólogos, entre outros, utilizam o DSM-V no cotidiano da sua prática clínica
como um recurso para auxiliar no diagnóstico. Abaixo estão as características
que englobam o Transtorno do Espectro Autista.
E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual
(transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do
desenvolvimento. Deficiência intelectual ou transtorno do espectro autista
costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade de
transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação social
deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento.
AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of
Mental disorders - DSM-5. 5th. ed. Washington: American Psychiatric Association,
2013.
HADJKACEM I.; AYADI H.; TURKI M.; YAICH S.; KHEMEKHEM K.; WALHA A., et al.
Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum
disorder. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 92, n. 6, p. 595-601, 2016.
MELLO, A. M. Autismo: guia prático. 7.ed. São Paulo: AMA; Brasília: CORDE, 2007.
OLIVEIRA, I. Tudo isto porque ser Autista é, sem dúvida, apenas mais uma forma
de ser…- Faculdade de Motricidade Humana. – São Paulo, 2009.
SANTOS, A. M. T,. Autismo: um desafio na alfabetização e no convívio escolar. São
Paulo: CRDA, 2008.