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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2009, Vol.

17, no 1, 177 – 190 

Consideração Positiva Incondicional no sistema teórico de


Carl Rogers

Laurinda Ramalho de Almeida


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Brasil

Resumo
Este artigo analisa o constructo Consideração Positiva Incondicional proposto por Carl Rogers como
uma das três condições necessárias e suficientes para uma mudança construtiva na pessoa, como
resultado de trocas interpessoais. Para se compreender a evolução histórica do mesmo, tomou-se
como ponto de referência o artigo “The necessary sufficient conditions of therapeutic personality
change”, publicado em 1957. A análise empreendida mostra que Rogers, desde 1940, apresenta as
ideias básicas do constructo, embora não utilizando o termo Consideração Positiva Incondicional; é a
preocupação em testar suas hipóteses que leva o autor a defini-lo, com precisão, no artigo de 1957. No
período posterior a essa data, o constructo é empregado com enunciados diferentes, em vários
contextos, e apresentado também como aceitação, estima e apreço. A pesquisa bibliográfica
empreendida permitiu estabelecer não só a evolução histórica do constructo, como também uma
configuração geral do mesmo.
Palavras-chave: Consideração Positiva Incondicional, Abordagem Centrada na Pessoa, Pesquisa
documental, Pesquisa Histórica.

Unconditional Positive Regard in the theoretical system of


Carl Rogers

Abstract
This article analyzes the construct “Positive Unconditional Regard” proposed by Rogers, one of the
three necessary and sufficient conditions for a constructive change a person undergoes as a result of
interpersonal exchanges. - The necessary and sufficient conditions of therapeutic personality change
(Rogers, 1957) was taken as a main reference in the task of understanding the historical evolution of
the construct. As result, it was possible to demonstrate that since 1940 the basic ideas of such concept
were present in Rogers´ writings, even though he had never employed the expression Positive
Unconditional Regard. In fact, it can be shown that his attempts in testing his hypothesis led to the
precisely formulation of the construct in the 1957 article. After that period, the construct is employed
under different formulations, in different contexts. It will be found as acceptance, esteem and prizing.
The applied bibliographical undertake has permitted to draw the historical evolution of the construct,
as well as its general configuration.
Keywords: Positive Unconditional Regard, Person centered approach, Bibliographical research,
Historical research.

Carl Ranson Rogers (1902-1987), norte- em terapia, propôs como condições necessárias
americano, desenvolveu uma teoria de terapia e suficientes para que uma mudança construtiva
que surgiu como a terceira via (terceira força) de personalidade ocorra: autenticidade ou
entre os campos predominantes na Psicologia congruência, compreensão empática e
na metade do século 20: a Psicanálise e o Consideração Positiva Incondicional. De sua
Behaviorismo. Revolucionário em sua posição teoria da terapia derivam propostas para outros
antiautoritária e anticonvencional na atuação campos.
______________________________________
Endereço para correspondência: Profa. Dra. Laurinda Ramalho de Almeida. Setor de Pós-Graduação, Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Educação. Rua Ministro de Godoy, 969, 4º andar. Perdizes, São Paulo, SP.
CEP.: 05015-901. E-mail: laurinda@pucsp.br.
178 Almeida, L. R.

Para Rogers, quer estejamos falando da e do organismo, ou seja, a impossibilidade de


relação entre terapeuta e paciente, professor e uma congruência entre o que era consciente
aluno, pais e filhos, líder e grupo, ou de (self) e o que era não consciente (organismo). O
qualquer outra situação na qual se proponha construto experiencing vem resolver o
como objetivo o desenvolvimento da pessoa, problema, bem explicitado por Gomes, em
são essas as três condições que constituem o conferência proferida no Simpósio “Vivência
clima que facilita o desenvolvimento. Acadêmica”, realizado no Instituto de
Nos anos de 1960 e 1970, Rogers teve Psicologia da Universidade de São Paulo, em
influência, no Brasil, nos campos da Psicologia julho de 1986 (Gomes, 1986).
e da Educação, tanto nos meios acadêmicos
O problema é resolvido com a teoria do
como na prática psicológica e educacional. A
experiencing, de Gendlin (1962), onde o
riqueza de sua abordagem, aliada à
dualismo entre conteúdo-da-consciência
preocupação em aprimorar o processo ensino-
(conceitualização) e o conteúdo-do-
aprendizagem, levou um grupo de educadores
organismo (sinestesia) é resolvido
da PUC-SP, na década de 1970, a estudar um
através de um intervir direto no processo
programa de aperfeiçoamento para professores
da informação sinestésica. Os efeitos
e especialistas de educação, com base nas
desta formulação se fazem notar, por
proposições rogerianas. Essa escolha tinha
exemplo, na definição de sentimento.
como pressuposto um compromisso com a
Sentimento é então redefinido como uma
educação humanista, fundamentada numa
condição situada, e como possibilidade
visão de aluno como “um ser humano (mais do
de ação no mundo. Assim, sentimento
que simplesmente um organismo), e como uma
(na concepção gendliana de felt sense)
pessoa, em sua totalidade, mais do que
explica pensamentos, valida
simplesmente um intelecto incorpóreo ou um
observações, dirige ações, intenciona as
depósito de processos cognitivos” (Patterson,
palavras no discurso, e traz o sentido das
1977, p. 146)
cores, formas, sons, volumes e
Depois de discutir as várias implicações
movimentos, enquanto linguagem das
dessa empreitada, o grupo decidiu partir de uma
artes. É, portanto, o significado
análise teórica dos constructos rogerianos de
experienciado de estar no mundo.
Congruência, Compreensão Empática e
É baseado nesta reformulação de
Consideração Positiva Incondicional, núcleo do
conceito de sentimento que Gendlin
programa. Notou-se que, embora as três
modifica a teoria de Rogers sobre
atitudes se interpenetrassem e se completassem,
congruência e ajustamento ótimo. Em
sua complexidade permitiria que fossem
termos rogerianos, vale dizer,
consideradas de per si, o que levaria a três
ajustamento ótimo é uma abertura para
diferentes estudos. A pesquisa que se apresenta
experiência, ou seja, “o indivíduo
neste artigo refere-se ao constructo
ajustado segue os seus sentimentos”.
Consideração Positiva Incondicional.
Para Gendlin, esta posição precisa ser
Cumpre observar que, antes de iniciar a
clarificada. É impossível, para um
pesquisa que segue, foram consultados
indivíduo, equilibrar cada aspecto da
intérpretes do pensamento rogeriano, entre os
experiência para responder
quais Miguel De La Puente (1970, 1978), Max
congruentemente o fluxo de sentimentos.
Pagès (1976) e André de Peretti (1974), bem
Esta concepção, além de simplista,
como Eugene Gendlin (1962).
carrega implicações antissociais e anti-
Gendlin (1962) deu importante
intelectuais. Ele confunde caprichos com
contribuição ao sistema teórico de Rogers,
sentimentos. Gendlin, então, altera a
propondo uma reformulação em relação à teoria
noção rogeriana dizendo que o
de mudança na personalidade, ao elaborar o
sentimento que alguém segue
construto de experienciação (experiencing),
otimamente está em consciência e
aceito e assimilado por Rogers. Segundo
contém implicitamente significado
Gomes (1986), foi através de Gendlin que
social, moral e intelectual (p. 71-72).
Rogers conheceu as filosofias de Husserl,
Sartre e Merleau-Ponty, e desejou Miguel De La Puente, nos anos de 1970,
redimensionar suas formulações, foi importante divulgador da teoria rogeriana
principalmente a referente à congruência do self no Brasil, não só apresentado a proposta
Constructo Consideração Positiva Incondicional 179

teórica, como tratando da mudança de ênfase procura progressiva de relação EU-TU,


das técnicas não diretivas para as experienciais. descrita por Martin Buber. A tomada de
Seu Ensino centrado no estudante (De La consideração é simultaneamente (ou
Puente, 1978) foi leitura obrigatória para os dialeticamente) incondicional e positiva:
educadores brasileiros que tinham a convicção sua positividade se mede, na interação,
de que o afetivo deveria ser trazido para a sala pelo calor do acolhimento. (p. 191)
de aula, a serviço do conhecimento. Em que
pese sua contribuição à aplicação das condições Após a consulta aos intérpretes de Rogers,
facilitadoras, no contexto da aprendizagem, não a qual evidenciou a complexidade do construto
oferece elementos novos para esclarecer Consideração Positiva Incondicional, tomou-se
Consideração Positiva Incondicional. a decisão de analisá-lo a partir das obras do
próprio autor.
Max Pàges (1976) enfatiza a importância
da Consideração Positiva Incondicional, na
teoria da personalidade, colocando-a como A pesquisa
indispensável no processo de restauração de
desajustamentos; dá sua interpretação do Considerando-se que a presente pesquisa
construto, mas não o esclarece de maneira envolveu análise de um constructo, dentro de
acessível. Para Pagès (1976): um sistema teórico, pensou-se, inicialmente, em
proceder-se uma revisão das obras (livros,
A consideração positiva incondicional de artigos, conferências) do autor, para localizar os
Rogers é, digamos, um amor, mas um diferentes contextos de teoria, nos quais o
amor não ambivalente, diferente de todas mesmo está inserido. No transcorrer do
as formas de amor-fuga, que o termo trabalho, entretanto, optou-se pela localização e
habitualmente adquire. É uma espécie de estudo do constructo em função apenas de sua
afeição desesperada e lúcida, que liga cronologia.
dois seres separados, unidos somente por Tal tratamento trouxe algumas
sua condição comum de serem dificuldades, visto que os artigos foram
separados. (p.99) publicados diversas vezes, em diferentes
André de Peretti (1974) é quem oferece revistas, em diferentes datas. Ademais, muitos
maior contribuição à compreensão de deles vieram a tornar-se capítulos de livros. Por
Consideração Positiva Incondicional, ao outro lado, um mesmo artigo, escrito antes que
descrever as três condições facilitadoras, em outro, veio a ser publicado em data posterior.
termos de um desenvolvimento dinâmico, de Por exemplo, o trabalho de Rogers (1959),
uma dialética. Enquanto a congruência é o resultado de uma solicitação da American
retorno para si, a concentração em si, a Psychological Association para que preparasse
Consideração Positiva Incondicional implica uma sistematização da teoria da terapia
em distanciamento de si, em concentração no centrada no cliente e no qual aparece o
cliente. Então, a atenção que se dá a si mesmo é constructo Consideração Positiva
contrariada, negada dinamicamente pela Incondicional, embora publicado em 1959, foi
atenção que se dá ao outro. É preciso que se elaborado por volta de 1953 (Frick, 1975).
distancie suficientemente de si mesmo, para Portanto, é anterior ao artigo “The necessary
que se tenha cuidado com o outro. Enquanto na and sufficiente conditions of therapeutic
congruência trata-se de verificar se se é personality change”, escrito em 1956 e
verdadeiro, real, na Consideração Positiva publicado em 1957 e no qual também aparece
Incondicional, trata-se de acolher o outro, a Consideração Positiva Incondicional. Nesta
congruência é a aceitação de si; a Consideração pesquisa, registra-se o aparecimento do
Positiva Incondicional é a aceitação do outro. constructo Consideração Positiva Incondicional
no artigo publicado em 1957, porque tomou por
Para Peretti (1974), o termo
base apenas a data da publicação.
“incondicional” não conota indiferença, no
sentido afetivo, antes significa ser “totalmente Apesar da dificuldade em se precisarem,
sensível”, na escuta de todos os possíveis: com rigor, as datas de elaboração e publicação
dos trabalhos escritos de Rogers, a opção pela
A personalidade do cliente, de fato e de estrutura do texto em função da ordem
direito, é respeitada: ele é confirmado cronológica foi mantida, por ser um índice de
como outro, diferente do terapeuta, numa relevância do constructo em estudo o fato de o
180 Almeida, L. R.

autor tê-lo apresentado ou não, em todo o III – estudo das obras posteriores a 1957,
transcorrer de sua obra. cobrindo o período daquela data até o último
A outra forma de abordar o problema seria trabalho publicado e ao qual se teve acesso
estudar o constructo em cada um dos contextos (Rogers, 1978).
de teoria (terapia e mudança de personalidade; Em relação a cada obra consultada,
personalidade; funcionamento pleno; relações apresentam-se comentários que acrescentam
interpessoais e teorias de aplicação), conforme algo de novo para a elucidação do constructo.
os itens referidos por Rogers, na sistematização Dispensam-se apenas os comentários
feita em Kock (1959), o que não foi feito, por repetitivos.
se acreditar que não existe uma proposta
diferente para cada um desses contextos, mas,
I – Período anterior a 1957
sim, uma abordagem comum a todos eles.
Tal abordagem é denominada por Rogers, A busca da origem do constructo
em seus últimos escritos, como “abordagem Consideração Positiva Incondicional, na obra
centrada na pessoa” (1977), porque tal de Rogers, revela que, embora o autor tivesse
expressão é a que melhor descreve sua própria começado a praticar terapia desde 1927, e
atuação em substituição a outras denominações publicado artigos desde 1930, só a partir de
anteriores: aconselhamento não diretivo, terapia 1940 deixa configurar uma nova linha de
centrada no cliente, ensino centrado no aluno, pensamento. Rogers (1959) afirma:
liderança centrada no grupo. E a hipótese Comecei a sentir que a minha ação, no
central, em todos esses domínios, é que o campo clínico, era talvez mais do que um
indivíduo tem, dentro de si, vastos recursos novo caminho que eu havia descoberto.
para a autocompreensão, para alterar seu O artigo apresentado por mim, em 1940,
autoconceito, sua atitude e seu comportamento, (mais tarde, o capítulo II, de Counseling
e que tais recursos podem ser liberados quando and Psychotherapy) foi a primeira
se conta com determinado clima psicológico. tentativa consciente de desenvolver uma
Daí poderem-se transpor as descobertas do linha de pensamento relativamente nova.
campo da terapia (campo no qual Rogers tem (p. 187)
maior número de pesquisas e escritos) para
outros campos e considerar-se prescindível um A experiência terapêutica é apresentada
estudo do constructo em cada um dos diferentes como uma experiência de crescimento, ou seja,
contextos. esse tipo novo de terapia não é uma preparação
para a mudança, mas é a própria mudança. O
Há três condições que constituem esse aspecto mais importante dessa mudança é a
clima promotor de crescimento, quer compreensão e a aceitação de si, pelo cliente,
estejamos falando de relações entre decorrentes de o terapeuta ter aceitado e
terapeuta e cliente, pais e filhos, líder e reconhecido plenamente os sentimentos
grupo, professor e aluno, ou expressos por ele. Daí, a compreensão com as
administrador e “staff”. As condições se atitudes ou qualidades do terapeuta. Essas
aplicam, de fato, em qualquer situação, qualidades, neste primeiro período de
na qual o desenvolvimento da pessoa é o produção, são apresentadas de forma difusa ou
objetivo. (Rogers, 1977, p. 9) globalizante.
Em 1940, o autor já revela preocupação
Para se compreender a evolução histórica em estabelecer certas condições básicas para
do constructo Consideração Positiva que uma terapia se torne efetiva (Rogers,
Incondicional, optou-se por dividir este texto 1940). Garantidas tais condições – que o cliente
em três partes: (adulto ou criança) sinta alguma insatisfação
I – estudo das obras anteriores a 1957, com o seu ajustamento, que sinta alguma
cobrindo o período de 1940 a 1957, pois, antes necessidade de ajuda, que tenha nível de
de 1940, não há nenhum trabalho escrito inteligência acima do nível limite e que haja um
relevante para a análise que se pretende. terapeuta habilidoso, cujo objetivo é liberar e
II – estudo do artigo publicado em 1957, fortificar o indivíduo, antes que interferir em
quando Rogers divulga, pela primeira vez, o sua vida, certo processo passa a ocorrer. Ao
termo Consideração Positiva Incondicional descrever esse processo, já apresenta as ideias
(Rogers, 1957). básicas para a proposição do que chamaria,
Constructo Consideração Positiva Incondicional 181

mais tarde, condições necessárias e suficientes Em 1951, ao abordar o problema das


para a mudança terapêutica de personalidade, atitudes que parecem facilitar a terapia centrada
embora haja de sua parte uma preocupação no cliente, Rogers adverte que sua experiência,
maior em esclarecer as consequências destas no treinamento de terapeutas, indica que a
condições do que as próprias, isto é, está ele filosofia operacional básica do indivíduo (que
mais preocupado com os resultados do processo pode ou não se parecer com sua filosofia
do que com o próprio processo. Embora não dê verbalizada) determina, numa extensão
nome às condições, elas estão evidentes, no considerável, o tempo que ele levará para
desenvolver do trabalho. Por exemplo, quando tornar-se um terapeuta habilidoso. E o primeiro
discorre sobre o estabelecimento do contacto, ponto a ser considerado, nessa filosofia
descreve-o em termos de calor entre terapeuta e operacional, é a atitude assumida pelo
cliente; interesse genuíno do terapeuta pelo terapeuta, em relação ao valor e à importância
cliente; ausência de ameaças, elementos esses da pessoa.
que abordará, depois, no contexto da Rogers (1951) interroga:
Consideração Positiva Incondicional. Ao
descrever a aceitação pelo cliente do seu eu, Como vemos os outros? Vemos cada
Rogers assinala que a pessoa, ao ser aceita, ao pessoa, como tendo dignidade e valor
invés de criticada, fica livre para ser ela mesma, inerentes a ela própria? Se apresentamos
sem defesas e, gradualmente, admite seu eu este ponto de vista ao nível verbal, em
real, com padrões infantis, sentimentos que extensão isto é operacionalmente
agressivos, ambivalências e também impulsos evidente, ao nível de conduta? Temos a
maduros. Esta afirmação revela a preocupação tendência para tratar os indivíduos como
com o que convencionou chamar, pessoas de valor ou sutilmente os
posteriormente, de Consideração Positiva desvalorizamos, através de nossas
Incondicional, embora não apresente ainda a atitudes e comportamentos? (p. 20)
forma elaborada dos trabalhos subsequentes. A análise dessas indagações revela que,
Em 1942, ao analisar as características do embora sem utilizar a expressão apreço (que
processo terapêutico, apenas desdobra em vai aparecer em 1957, como um dos
número maior de itens o processo descrito em componentes de Consideração Positiva
1940. Nesse desdobramento, deixa transparecer Incondicional), Rogers já se preocupa com esse
a importância que dá a uma atitude amigável, elemento. Revela ainda que expressar esse
interessada e receptiva da parte do terapeuta. sentimento de apreço ou valor é algo decorrente
Essa atitude permite ao cliente expressar de uma posição filosófica, tendo como
livremente seus sentimentos (Rogers, 1942). pressuposto o indivíduo como um valor em si
Ao referir-se às qualidades do terapeuta, mesmo. Acrescenta ainda que sua experiência
Rogers (1942) afirma que talvez a primeira lhe tem revelado que tal filosofia é mais
qualidade de um terapeuta seja tratar-se de uma provavelmente assumida pela pessoa que tem
pessoa sensível às relações humanas. Reitera um respeito básico pelo valor e pelo significado
ainda que esta sensibilidade social é uma de si mesmo, pois alguém não pode, com toda
qualidade fundamental, embora haja outras probabilidade, aceitar outros, a menos que
também essenciais: objetividade, respeito pelo primeiro aceite a si mesmo.
indivíduo, compreensão de si mesmo e Embora sem utilizar o termo Consideração
conhecimentos de psicologia. O respeito pelo Positiva Incondicional, a leitura atenta da sua
indivíduo é colocado no sentido de aceitar o produção, nesse primeiro período, revela que as
outro como ele é, que será, mais tarde, ideias básicas do constructo estão presentes no
apresentado como um dos componentes de que chama aceitação, cuja importância fica
Consideração Positiva Incondicional. sempre evidente, como ingrediente
Em 1945, Rogers nota que “sem a indispensável, na relação terapêutica, para que
aceitação compreensiva do conselheiro, a esta atinja resultados ótimos.
terapia não tem lugar” (Rogers, 1945, p. 279), A própria definição dada por ele (1942) da
enfatizando que o aconselhamento repousa relação de consulta psicológica evidencia a
sobre as atitudes de aceitação e permissividade, importância que dá à aceitação:
no sentido de ausência de avaliação, o que leva
o cliente a colocar o problema em A relação de consulta psicológica é uma
profundidade. relação, na qual o calor da aceitação e a
182 Almeida, L. R.

ausência de qualquer coerção ou pressão presunçoso, mas que formulou hipóteses a


pessoal, por parte do terapeuta, permite a serem testadas e deu margem a muitas
expressão máxima de sentimentos, pesquisas, nos quinze anos seguintes, que, em
atitudes e problemas, por parte do cliente geral, as confirmaram” (Rogers e Rosenberg,
(p. 108). 1977, p. 203). O trabalho revela sua
preocupação em estabelecer, com objetividade,
Nos anos 1950, tanto quanto nos 1940, as condições necessárias e suficientes para
fica evidente que a nova abordagem do iniciar o processo da mudança construtiva de
processo terapêutico traz outra novidade: a personalidade. Desde que estas condições
terapia pode ser vantajosamente investigada por existam e continuem por um período de tempo,
meios científicos, e esta investigação pode isto é suficiente para que o processo de
enriquecer a própria psicologia (Rogers, 1948, mudança construtiva de personalidade ocorra.
1951). E mais: as descobertas feitas por Rogers, Em síntese, elas estabelecem que:
no campo da terapia, podem ser aplicadas em 1º – a mudança de personalidade não
outras áreas, dado que a sua proposição, na ocorre senão através de um relacionamento
verdade, não é “de um novo método, mas de interpessoal.
uma filosofia de vida e de relacionamento 2º – algumas características são
completamente diferente” (Rogers & necessárias em cada um dos participantes desse
Rosenberg, 1977, p. 202). relacionamento.
É a preocupação em testar hipóteses 3º – é necessário que, de alguma forma,
relativas à terapia centrada no cliente que leva o cada um deles perceba o campo experiencial do
autor a burilar os conceitos e a procurar definir, outro.
com precisão, as condições consideradas Interessa-nos, no presente estudo, a
necessárias e suficientes para a mudança de característica Consideração Positiva
personalidade, em psicoterapia. Incondicional, enquanto vivenciada pelo
facilitador, que pode ser o terapeuta, o
professor, o pai, o líder de um grupo, cada um
II – The necessary and sufficient
dentro da especificidade do seu papel.
conditions of therapeutic personality
No artigo referido (Rogers, 1957), são
change
mencionados dois autores que contribuíram
A escolha do artigo de 1957 como ponto para a formulação de Consideração Positiva
de referência para a divisão dos períodos Incondicional. O primeiro é Standal (1954), que
cronológicos deve-se não só ao fato de ter criou o constructo. O segundo é Dewey (1960),
aparecido nele, pela primeira vez, o constructo referido por esclarecer apreço, um dos
Consideração Positiva Incondicional, mas elementos que compõem Consideração Positiva
também por ter sido por volta desta data que Incondicional. Julgamos, pois, oportuna a
Rogers desenvolve sua teoria da terapia e da apresentação das ideias principais contidas nos
relação terapêutica, divulgando as condições trabalhos desses autores, no que se refere à
necessárias e suficientes para a mudança Consideração Positiva Incondicional, não
terapêutica. apenas porque são mencionadas por Rogers,
Esse artigo registra a palestra proferida, como também porque não se pode entender
em 1956, na Universidade de Michigan. bem o constructo sem conhecê-las.
Segundo o próprio Rogers, “esta foi uma das Stanley Standal foi aluno de Rogers, na
palestras mais rigorosamente pensadas, mais década de 1950. Em 1954, apresenta, como tese
cuidadosamente formuladas” (Rogers & de doutoramento, na Universidade de Chicago,
Rosenberg, 1977, p. 148) dentre as que o trabalho The need for positive regard, no qual
pronunciou. Mais tarde, ao falar sobre sua formula e desenvolve vários constructos, a um
filosofia das relações interpessoais, Rogers dos quais atribui o termo Consideração Positiva
refere-se ao artigo, afirmando: “Por volta de Incondicional.
1957, desenvolvi uma rigorosa teoria de terapia É interessante verificar que, em vários
e da relação terapêutica. Além disso, divulguei momentos de sua obra, Rogers esclarece que
as condições necessárias e suficientes para a sempre procurou tirar da sua experiência,
modificação terapêutica da personalidade, todas principalmente de terapeuta, os princípios
ao nível das atitudes pessoais e não de gerais de sua teoria. E, no que se refere ao
treinamento profissional. Foi um artigo bastante constructo Consideração Positiva
Constructo Consideração Positiva Incondicional 183

Incondicional, foi buscá-lo em alguém que o por consideração positiva e demonstra como ela
desenvolveu como pensamento teórico (Frick, é uma necessidade.
1975). Standal analisa essa necessidade, no
A tese de Standal, defendida em 1954, cliente. Embora a preocupação, neste texto, seja
parte da constatação de que, nos doze anos de a de configurar a consideração positiva como
existência da terapia centrada no cliente, apesar atitude do facilitador, julgou-se importante
da importância que se dá ao papel da aceitação, caracterizar a consideração positiva como
esta é suplantada por um processo terapêutico necessidade, porque, sem isto, não se têm a
mais importante – a vivência, pelo cliente, do compreensão do trabalho desenvolvido por
material previamente não aceito ou não Standal e nem o real sentido de Consideração
acuradamente simbolizado. Constata Standal Positiva Incondicional.
que essa simbolização é considerada como fator Standal postula duas necessidades: – a
crucial no ajustamento psicológico, enquanto a necessidade de consideração positiva, e
aceitação do cliente pelo terapeuta é vista derivada desta, a necessidade de consideração
apenas como um catalisador, que torna possível de si. Ao postular a necessidade de
a ocorrência do processo de simbolização. O consideração positiva, ele estabelece sua gênese
que Standal propõe é uma mudança na ordem da seguinte forma: com a emergência da
da importância desses dois elementos; consciência do eu, desenvolve-se, no indivíduo,
argumenta que é mais importante para o cliente uma necessidade de perceber suas experiências,
perceber a aceitação oferecida pelo terapeuta do fazendo uma diferença positiva, no campo
que simbolizar acuradamente suas experiências. experiencial de outros. Essa é a necessidade de
Portanto, a primeira tarefa do terapeuta deve ser consideração positiva. Para alguns autores, esta
comunicar a aceitação, antes que facilitar a necessidade poderia ser vista como uma
simbolização acurada. extensão direta ou uma equivalente madura da
A tese central do trabalho desenvolvido necessidade básica de afeição. Standal prefere
por Standal pode ser assim colocada: vê-la como uma necessidade aprendida ou
– a discriminação pelo indivíduo da falta secundária. Essa necessidade de consideração
de aceitação do outro é fator crucial na causa positiva, embora aprendida, segundo Standal,
do desajustamento psicológico. tem uma natureza peculiar, o que lhe garante o
caráter de universalidade e de persistência,
– a discriminação pelo indivíduo da
como nas necessidades primárias:
aceitação do outro é fator crucial na eliminação
universalidade, dada a condição universal do
do desajustamento psicológico.
estágio de dependência dos primeiros anos de
Transparece também, no trabalho de vida da criança; e persistência, dado que,
Standal, a preocupação de se encontrar um mesmo quando o indivíduo não é mais
elemento comum (ou elementos) entre as dependente de outros, a necessidade de
muitas e variadas formulações apresentadas consideração positiva continua operativa.
para aceitação, nos trabalhos desenvolvidos A necessidade de consideração positiva,
pelos adeptos da terapia centrada no cliente, e secundária ou aprendida, porém, universal e
com isto: persistente, possui outras características:
1) fornecer uma expressão teórica para 1ª – A satisfação ou frustração da
uma “necessidade” central ou tendência necessidade de consideração positiva depende
motivacional, que parece ter estado implícita somente da inferência sobre o campo
na abordagem centrada no cliente. experiencial de outro, ou seja, é como o
2) esclarecer o papel central da indivíduo se percebe considerado ou não que
aceitação na psicoterapia centrada no cliente. importa. Este fato leva a um alto grau de
3) oferecer uma lógica teórica para o ambiguidade das condições que satisfazem ou
processo de psicoterapia. frustram a necessidade de consideração
Assim, o conceito de “aceitação mais positiva.
tarde, será abandonado, em favor de outro 2ª – Qualquer ou todas as experiências da
constructo motivacional mais complexo, a pessoa podem tornar-se diretamente
necessidade de consideração positiva, e, relacionadas com a satisfação da necessidade
derivado deste, a necessidade de consideração de consideração positiva.
de si” (Standal, 1954). Ou seja, no transcorrer 3º – A necessidade de consideração
de seu trabalho, Standal propõe a substituição positiva tem uma característica de
184 Almeida, L. R.

reciprocidade, ou seja, quando um indivíduo experiências inconsistentes com esses valores,


discrimina a si mesmo, satisfazendo a de maneira a evitar a frustração da necessidade
necessidade de consideração positiva de outro, de consideração de si (isto é, ele se torna
ele necessariamente vivencia a satisfação de desajustado).
sua própria necessidade de consideração 2º – ele elimina certos valores introjetados,
positiva. quando, através do relacionamento com outras
Ao postular a necessidade de consideração pessoas, aprende que não tem necessidade de
positiva de si, Standal (1954) afirma: conservar tais valores para vivenciar um nível
considerável de satisfação da necessidade de
As satisfações ou frustrações, associadas
consideração de si (isto é, ele se torna
a qualquer experiência ou grupo de
reajustado).
experiências da pessoa, podem ser
3º – ele não mais introjetará valores, nem
vivenciadas, independentemente das
negará ou distorcerá experiências, desde que se
transações de consideração positiva com
torna impossível frustrar a necessidade de
outros. Consideração positiva,
consideração de si (isto é, ele se torna
vivenciada dessa maneira, será chamada
psicologicamente maduro).
consideração de si. (p. 58)
Em síntese, a discussão de Standal é no
Ou seja, quando uma experiência da sentido de obter respostas para três questões
pessoa é repetidamente associada com a sobre mudanças no ajustamento psicológico:
satisfação da necessidade de consideração 1º – Como o indivíduo se torna
positiva, os estímulos que causam aquela desajustado?
experiência começam a tomar características 2º – Como se torna reajustado?
tais que o indivíduo passa a vivenciar algo 3º – Como se conserva ajustado, isto é,
semelhante à consideração positiva, quando como preveni-lo contra a ocorrência de novo
aquela experiência ocorre; inversamente, desajustamento?
quando uma experiência repetidamente leva à A primeira lacuna que Standal vê na teoria
retirada da consideração positiva, os estímulos de Rogers refere-se à primeira introjeção de
que estão associados àquela experiência valores. Para Rogers, a primeira introjeção
tomarão um caráter punitivo; quando tal pode ser explicada pelo princípio da
experiência ocorre, o indivíduo vivencia algo consistência da estrutura do eu ou, mais
similar à perda da consideração positiva. O especificamente, pela necessidade de manter o
indivíduo passa, então, a vivenciar algo conceito do eu como digno de amor. Standal
semelhante à satisfação ou frustração da questiona essa explicação, afirmando que:
consideração positiva em relação a si mesmo, – algum outro princípio que não o de
em conjunção com inúmeras experiências, manter a consistência da estrutura do eu é
apesar de não ocorrerem transações reais com necessário para explicar a primeira introjeção.
pessoas significativas. – o conceito do eu como digno de amor
A necessidade de consideração de si não não pode emergir se aceitamos a avaliação
toma o lugar da consideração positiva do outro. organísmica como um modo de responder do
Todavia, torna-se operacionalmente mais recém-nascido ao seu campo experiencial.
potente, à medida que o indivíduo cresce. O Outros princípios, necessidades ou tendências
adulto psicologicamente maduro nunca são necessários para explicar a seletividade do
experimentará perda de consideração de si, organismo, ao negar ou distorcer experiências.
embora possa, muitas vezes, vivenciar a não A criança procura manter o conceito do eu
satisfação ou retirada da consideração positiva como digno de amor, negando algumas
de outros. experiências inconsistentes com esse conceito,
Standal argumenta que, assumindo-se a não para garantir a consistência da estrutura do
existência da necessidade de consideração eu, como propõe Rogers, mas para satisfazer a
positiva e da necessidade de consideração de si, necessidade de consideração positiva.
são preenchidas lacunas na terapia centrada no A segunda lacuna refere-se ao problema da
cliente e podem ser resolvidas as questões ameaça e da defesa. Segundo a teoria rogeriana,
relacionadas com as mudanças nos estados de experiências inconsistentes com a estrutura do
ajustamento psicológico, ou seja: eu fazem surgir um estado de ameaça e levam a
1º – um indivíduo introjeta valores de um comportamento defensivo; isto é, são
outros e, consequentemente, precisa evitar retiradas do campo perceptual, ou são negadas,
Constructo Consideração Positiva Incondicional 185

ou são distorcidas. Sob certas condições, tais consideração, consideração de si e condições de


experiências podem ser acuradamente valor.
percebidas e simbolizadas e então integradas na
estrutura do eu. Embora aceitação e
compreensão sejam as condições que Consideração Positiva Incondicional
possibilitam simbolização correta de O indivíduo psicologicamente ajustado
experiências ameaçadoras, segundo Standal isto não tem que buscar ou evitar certas
não está claramente relacionado com a parte da experiências, que satisfazem ou frustram sua
teoria que diz que experiências de ameaças necessidade de consideração de si, porque ele
devem ser evitadas. Além disso, o desconforto, não discrimina se estas experiências são mais
que usualmente acompanha a autoexploração, dignas ou menos dignas de consideração de si
na terapia, parece indicar não ser a ausência de do que outras possíveis experiências. E desde
ameaça que permite ao indivíduo simbolizar que a consideração de si está intimamente
experiências ordinariamente ameaçadoras. Ao relacionada com a consideração positiva
contrário, o indivíduo simboliza tais original de outros significativos, segue-se que o
experiências a despeito de sua natureza indivíduo psicologicamente ajustado deve ter
ameaçadora, ou seja, algo mais importante que recebido Consideração Positiva Incondicional
a necessidade de defender-se contra a ameaça para as experiências que englobam sua
capacita a pessoa, em terapia, a simbolizar e estrutura do eu.
examinar aspectos de sua personalidade, A consideração positiva de um outro
previamente negados. A ameaça não é vista significativo pode ser chamada de
como decorrente de uma experiência incondicional toda vez que o indivíduo é
inconsistente com o eu, mas, sim, como ligada incapaz de discriminar qualquer experiência
com a frustração antecipada da necessidade de sua como sendo mais digna ou menos digna de
consideração positiva. consideração positiva por parte daquela pessoa.
A terceira lacuna refere-se à afirmação de Standal afirma que, embora seja fácil definir
que a maturidade psicológica é possível, desde Consideração Positiva Incondicional, é difícil
que um determinado estágio de discriminar, no relacionamento, se a ocorrência
desenvolvimento seja atingido e a introjeção de da consideração positiva é condicional ou
valores não mais ocorra. O problema levantado incondicional, mesmo em se tratando de uma
por Standal diz respeito à proteção que o observação científica, porque não há técnicas
indivíduo, psicologicamente maduro, opõe para determinar se qualquer ato específico
contra tais introjeções. Se a avaliação representa uma experiência de Consideração
organísmica é um fator crucial, então por que Positiva Incondicional. É possível, no entanto,
essa forma de avaliação falha em proteger a serem feitas inferências de consideração
criança (que avalia suas experiências positiva, a partir da observação, desde que
organismicamente) contra a introjeção e transações de consideração positiva são
prevenir o adulto reajustado (que restaura seu relativamente fáceis de identificar. Os pais dão
processo de avaliação organísmica) da ou retiram consideração positiva para qualquer
introjeção de novos valores? Acredita Standal, comportamento da criança e as próprias
e demonstrará isto em seu trabalho, que a palavras que empregam para transmitir
negação e distorção de experiências podem ser consideração, frequentemente, definem a
explicadas sem se recorrer ao princípio de transação como condicional. Se, no entanto,
autoconsistência e que os mesmos princípios entre um grande número de tais possíveis
responsáveis pela negação e distorção, no transações de consideração positiva, for
indivíduo imaturo, o são, também, no indivíduo impossível discernir qualquer critério norteando
psicologicamente maduro. Assim, o que a manifestação da consideração positiva, então
protege o indivíduo maduro contra introjeções é é possível que estejamos diante de
a garantia de um nível satisfatório da Consideração Positiva Incondicional.
necessidade de consideração de si, Standal chama a atenção para a
independentemente de seus valores. importância da Consideração Positiva
Somente quando Standal analisa o Incondicional no desenvolvimento da
desenvolvimento da personalidade é que personalidade. Se a consideração de outros
introduz o constructo Consideração Positiva significativos é expressa incondicionalmente,
Incondicional, bem como os de complexo de durante os primeiros anos de vida, isto é, de tal
186 Almeida, L. R.

maneira que nenhuma experiência própria da desfavor, que leva em consideração tão
criança é discriminada como mais digna ou somente a pessoa ou o objeto em si. É, pois, um
menos digna de consideração positiva, então, a ato direto, espontâneo, anterior a qualquer
consideração de si dessa criança será, avaliação ou julgamento.
analogamente, incondicional. É esse tipo de Em confronto com o período anterior,
Consideração Positiva Incondicional por si 1957 é marcado pelo aparecimento de
mesmo que distingue o indivíduo Consideração Positiva Incondicional – um
psicologicamente maduro. Portanto, aquele que constructo mais vigoroso, mais amplo, para
recebeu Consideração Positiva Incondicional expressar o que Rogers antes chamava de
em sua infância tem uma estrutura de aceitação.
personalidade em que cada experiência de si é
vista como digna de consideração positiva do
outro e de consideração positiva de si. O III – Período posterior a 1957
indivíduo é, então, livre para elaborar muitas
respostas diferentes que o conduzem a um Embora Rogers tenha proposto, em 1957,
estado ótimo de satisfação dessa necessidade. um constructo mais rigoroso, que emprestou de
Além de Standal, Rogers recorre a outro Stanley Standal, para substituir ideias vagas,
autor, John Dewey, para esclarecer o constructo anteriormente englobadas na aceitação,
Consideração Positiva Incondicional. Não só no continua apresentando, em sua produção
artigo escrito em 1957, mas em vários literária subsequente, tanto aceitação como
momentos de sua obra, Rogers, quando se Consideração Positiva Incondicional. Tanto é
refere a apreço (prizing) – um dos termos que, em 1958, Rogers resume as condições
apresentados para explicar o que entende por necessárias e suficientes para uma mudança
Consideração Positiva Incondicional, afirma construtiva de personalidade, referindo-se ao
que o faz no sentido atribuído ao termo por cliente, numa palavra: Aceito-inteiramente
Dewey (1960). aceito. Está implícito, nesta expressão, o
conceito de ser compreendido empaticamente e
John Dewey (1960), ao discutir o
o de aceitação. Salienta, ainda, que é o fato de o
problema do julgamento moral e conhecimento,
estabelece uma distinção entre avaliação como cliente vivenciar esta condição que a faz
ato direto, emocional, prático e avaliação como produtiva, e não o fato dela existir no terapeuta.
julgamento. Afirma que a diferença óbvia entre Em 1959, Rogers refere-se às condições
as duas atitudes está em que a avaliação direta, essências que o terapeuta e o professor devem
no sentido de apreço, se acha absorvida no reunir, para obter mudança construtiva de
objeto, pessoa, ato, sem que se atente para suas personalidade ou aprendizagem significativa.
relações com outras coisas, a sua posição e seus Abordando as condições, no contexto da
efeitos, enquanto a avaliação, no segundo terapia, usa o termo Consideração Positiva
sentido, é um medir de modo intelectual que Incondicional, reportando sua origem a Standal
estabelece relações entre causas e e afirmando ter usado muitas vezes o termo
consequências, e pode alterar o apreço aceitação para descrever o clima terapêutico
inicialmente sentido. Para esclarecer os desejável. No contexto da educação, usa a
conceitos enunciados, Dewey lembra o expressão aceitação ao retomar a condição
exemplo do amante que não vê a pessoa amada descrita no contexto da terapia como
como os outros a veem, porque não estabelece Consideração Positiva Incondicional.
relações entre ela e outras pessoas ou objetos; Em 1961a, Rogers disserta sobre as
portanto, sem julgamento. Se o fizesse, poderia direções tomadas pelos clientes, após uma
vir a modificar, radicalmente, a primitiva relação terapêutica bem-sucedida. À medida
atitude de apreço. que o indivíduo se torna capaz de assumir sua
Fica, pois, evidente que para Dewey uma própria vivência (em decorrência de sentir-se
atitude de apreço implica não fazer julgamento aceito, inteiramente, pelo terapeuta), caminha
de valor, desde que não estabelece relações em direção à aceitação da vivência do outro.
entre causas e consequências. É uma atitude Aprecia e avalia, tanto a sua vivência, como a
que não atenta para a posição da pessoa ou vivência dos outros por aquilo que elas são.
objeto em pauta, em relação a outras pessoas e Discute ainda sobre a segurança psicológica,
objetos, nem a seus efeitos, pois não advêm de condição para emergir a criatividade (Rogers,
reflexões. É uma atitude espontânea de favor ou 1961b).
Constructo Consideração Positiva Incondicional 187

Tal segurança pode ser conseguida através descaso), reafirma que suas formulações
de três processos associados: iniciais podem ser modificadas e corrigidas por
– aceitação do indivíduo como alguém de novas contribuições.
valor incondicional. Propõe-se ainda a descrever um tipo de
– estabelecimento de um clima em que a experiência que observou e da qual participou:
apreciação exterior esteja ausente. a experiência de se tornar uma pessoa mais
– compreensão empática. autônoma, mais espontânea e mais confiante,
Nesse mesmo ano, Rogers declara que ou seja, a experiência da liberdade de ser o que
tentará estabelecer, breve e informalmente, se é. Ao falar sobre as qualidades que
algumas das hipóteses essenciais sobre uma promovem a liberdade, em se tratando do
relação de ajuda que leva ao crescimento, terapeuta, coloca Consideração Positiva
hipóteses essas confirmadas, tanto na Incondicional como uma delas e, em se
experiência, como na pesquisa. Rogers (1961c) tratando do professor, aceitação (Rogers, 1963).
afirma ainda que pode estabelecer essa hipótese Em outros momentos da sua produção –
em uma sentença: 1969, 1977, ao reportar-se às atitudes que se
destacam nos bem-sucedidos em facilitar a
Se eu posso propiciar certo tipo de
aprendizagem no contexto escolar, refere-se a
relacionamento, a outra pessoa
uma delas, afirmando que, apesar de ter
descobrirá, em si mesma, a capacidade
vivenciado e observado essa atitude, acha
para usar a relação para o crescimento, e
difícil saber que termos aplicar. Dada essa
mudança e desenvolvimento pessoais
dificuldade, usará diversos termos para explicá-
ocorrerão. (p. 33)
la: apreciação, aceitação ou confiança. Não usa
Ao descrever essa relação, disserta sobre a o termo Consideração Positiva Incondicional.
transparência, a aceitação e a compreensão A importância da aceitação, como
empática. Consideração Positiva Incondicional, é
Em 1961c, Rogers afirma que, em inquestionada, em todas as suas obras, e, num
decorrência de sua experiência e de determinado momento, colocada como uma
confirmação empírica, numa vasta gama de característica constante da terapia centrada no
trabalhos especializados que envolvem relações cliente. Rogers (1974) afirma:
com pessoas, seja como terapeuta, professor,
Um quarto elemento para o qual
conselheiro religioso, orientador, assistente
desejaria chamar a atenção é um que não
social, psicólogo clínico, é a qualidade do
estava fortemente presente, no começo
encontro interpessoal que parece ser o elemento
da terapia centrada no cliente, mas que
mais significativo na determinação da
veio a ser um traço muito proeminente. É
eficiência desse encontro. Essa qualidade do
o reconhecimento de que uma relação
encontro é função de determinadas atitudes:
humana profunda é uma das mais
congruência, empatia e consideração positiva.
cruciais necessidades de hoje. Talvez,
Discorre sobre as mesmas e, ao referir-se à
em algum sentido, sempre tenha sido
terceira, nos termos em que o fizera em 1957,
uma necessidade profunda, porém, nossa
expõe duas dúvidas quanto ao aspecto
cultura atual, por muitas razões nas quais
incondicionalidade da consideração positiva.
não me cabe aprofundar aqui, vivencia
Acredita na sua possibilidade, mas afirma a
esta necessidade mais obviamente, mais
dificuldade na vivência de um sentimento sem
intensamente do que antes. O ser
reservas e sem avaliações. Por outro lado,
humano tem uma profunda necessidade
coloca a possibilidade de a condicionalidade da
de ser inteiramente reconhecido e
consideração positiva ser vantajosa, em alguns
inteiramente aceito. A terapia centrada
tipos de relacionamento, desde que alguns
no cliente, ao lado de outros fatores da
terapeutas, trabalhando com esquizofrênicos,
vida moderna, tem ajudado a reconhecer
obtiveram melhores resultados quando
e satisfazer esta espécie de necessidade.
apresentaram condições e não aceitaram alguns
(p. 10)
dos comportamentos excêntricos dos
psicóticos. Apesar de Rogers apresentar uma Nos seus artigos mais recentes, Rogers
explicação para o fato (os psicóticos percebem, passa a referir-se à Consideração Positiva
na atitude condicional, o terapeuta se Incondicional não só como aceitação, mas
importando com eles e na atitude incondicional, também como estima e apreço. Assim é que,
188 Almeida, L. R.

em 1974, estabelece a sinonímia estima ou contextos: Consideração Positiva Incondicional


Consideração Positiva Incondicional e, em envolve as noções de aceitação, de estima, de
1977 e 1978, aceitação, estima e apreço = apreço, de confiança básica no organismo
Consideração Positiva Incondicional. humano, de disponibilidade para com o outro,
Revela ainda uma preocupação com o fato de calor; é já possível afirmar que os mesmos
de Consideração Positiva Incondicional não ser atributos, contidos no artigo de 1957, são
vista como um dever, mas como algo que pode apresentados no transcorrer da obra rogeriana
ocorrer no relacionamento e, em ocorrendo, posterior a tal data. Uma análise em maior nível
aumentar a probabilidade de sucesso desse de profundidade deverá ser efetivada (e o foi)
relacionamento. Eis o que Rogers postula em na tentativa de comprovar-se ou não a hipótese
1977: formulada que, apesar de o autor ter utilizado
diferentes enunciados para o constructo
Não é possível, naturalmente, sentir Consideração Positiva Incondicional, no
Consideração Positiva Incondicional decorrer de sua obra, a relação de significação
todo o tempo. Portanto, isto não deve ser permanece a mesma. Mas esta não foi objeto do
considerado um dever, isto é, que o texto ora apresentado.
terapeuta deva ter uma consideração
positiva incondicional para com o
cliente. Trata-se simplesmente do fato Conclusão
que a mudança construtiva do cliente é
O fato de a teoria rogeriana estar expressa
menos possível, se esse elemento não
em linguagem natural, mais o estilo pessoal de
ocorrer com alguma frequência, no
Rogers, mais seu posicionamento
relacionamento. (p. 10)
fenomenológico frente ao mundo, pode se
A ideia é apresentada por Rogers em 1978, prestar a ambigüidades e sugerir o uso
no “Encontro com Rogers e a Psicologia equívoco do termo Consideração Positiva
Humanística”, concretizado em dois dias de Incondicional. Há que se fazer uma leitura
palestras e discussões, em São Paulo (capital): atenta da obra de Rogers para ser constatada a
coerência com que propõe seus constructos.
Gostaria de dizer que, por um processo
Talvez facilite, ainda, a compreensão do
reverso da medalha, as condições
constructo Consideração Positiva Incondicional
facilitadoras se transformaram em algo
considerar-se que esta, na verdade, é apenas
que deve acontecer. A descoberta real
uma questão de distribuição de consideração
foi que: quando certos sentimentos estão
positiva. Quando sou capaz de distribuir
presentes, mudança e crescimento
igualmente minha consideração positiva para
ocorrem. Não adianta dizer: eu tenho
todas as experiências da outra pessoa – para
consideração positiva incondicional com
todos os seus sentimentos, seus
todo mundo. Quando, no meu
comportamentos, suas expressões, sem
relacionamento, sinto consideração
condicionar tal distribuição, em função disto ou
positiva incondicional por determinada
daquilo − então estou oferecendo Consideração
pessoa, então o crescimento é mais
Positiva Incondicional. A incondicionalidade se
provável. Se meu sentimento real não for
refere, pois, à distribuição uniforme da
esse, é melhor que seja autêntico do que
consideração positiva – é o “equilíbrio
fingir uma consideração positiva
indiferente” de Peretti – todas as experiências
incondicional que não estou sentindo.
do outro são igualmente dignas de consideração
No período posterior a 1957, o constructo positiva, e quando valorizo mais um
Consideração Positiva Incondicional é determinado aspecto do que outro, rompo o
empregado, embora com enunciados diferentes, equilíbrio.
em vários contextos. Outros termos são Consideração Positiva Incondicional – ou
empregados, como suas variações estilísticas, seja, a consideração positiva distribuída pelo
tais como aceitação, apreço e estima. indivíduo, em sua totalidade, enquanto
Nesta primeira fase da pesquisa constructo é absoluta, e também o é no
bibliográfica empreendida, já é possível relacionamento – não existe em maior ou
estabelecer uma configuração geral do menor grau; ou eu a apresento, no meu
constructo, quer no discurso da terapia, quer no relacionamento, ou não. Nesse sentido,
discurso da educação, quer nos demais Consideração Positiva Incondicional pode ser
Constructo Consideração Positiva Incondicional 189

caracterizada como um ato – ou eu aceito o Gendlin, E. (1962). Experiencing and creation


outro, como ele é, no momento, permitindo-lhe of meaning. New York: The Free Press of
a expressão de quaisquer sentimentos, Glincoe.
apreciando-o, em sua totalidade, sem
estabelecer comparações, e estimando-o de Gomes, W. B. (1986). Psicologia humanista,
forma não possessiva, ou não. No momento em humanismo e humanizações. Cardernos da
que começo a avaliar seus comportamentos, USP, 2, 62-74.
sentimentos ou pensamentos, a estabelecer Kock, S. (1959). A Study of Science (Vol. III).
condições, a julgá-lo incapaz de dirigir-se por si New York: Mc Graw-Hill.
mesmo, estou oferecendo consideração positiva
condicional e não incondicional. O fato de Pagès, M. (1976). Orientação não diretiva em
Rogers emprestar de Dewey o termo apreço psicoterapia e psicologia social. São Paulo:
reforça esta ideia – o apreço deweyniano se Edusp.
apresenta em ato, não em processo.
Patterson, C. (1977). Insights about persons:
É a possibilidade de a consideração psycological foundations of humanistic and
positiva tornar-se incondicional, bem como o affective education. In L. Berman & J.
tênue ponto de ruptura que leva a Consideração Roderick, Feelings, valuing and the art of
Positiva Incondicional a tornar-se de novo growing: insights into the affective.
condicional, muito bem exemplificado por Association for Supervision and Curriculum
Standal, que tem levado alguns autores a Development – ASDC. 1977 Yearbook.
considerar que o constructo Consideração Washington, DC: ASCD.
Positiva Incondicional é, de muitos modos,
intangível. Foi esta característica de Peretti, A. (1974). Pensées et verité de Carl
intangibilidade e de aparente ambiguidade que Rogers. Toulouse: Edouard Privat Editeur.
provocou o presente estudo.
Rogers, C. R. (1940). The process of therapy.
Acreditamos que os resultados decorrentes Journal of Consulting Psychology, 4 (5),
da tentativa de elucidar um dos constructos- 161-164.
chave da teoria rogeriana podem não só
subsidiar profissionais cujo trabalho envolve Rogers, C. R. (1942). Counseling and
relações interpessoais, mas também mostrar o psychotherapy: newer concepts in practice.
impacto que essa teoria poderia ter nos tempos Boston: Houghton Mifflin.
atuais.
Rogers, C. R. (1945). The nondirective method
Outros caminhos poderiam ter sido
as a technique for social research. American
propostos para nossa análise, outros resultados
Journal of Sociology, 50, 279-283.
poderiam ter sido atingidos; o que nos
tranquiliza é que “nossa segurança vem menos Rogers, C. R. (1946). A coordinated research in
da convicção sobre a verdade inflexível que psychotherapy. A nonobjective introduction.
conhecemos, e mais do processo flexível pelo Journal of Consulting Psychology.
qual a verdade pode gradualmente ser Washington, 13 (3), 149-153.
aproximada” (Rogers, 1946, p.152).
Rogers, C. R. (1948). Round table: research in
psychotherapy. American Journal of
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creativity: Control of the Mind (pp. 53-71). Aceite final em Julho de 2010
New York: Mc Graw-Hill Book. Publicado em Agosto de 2010

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